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MESTRADO EM EDUCAÇÃO REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E IDENTIDADE NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE EDUCAÇÃO FÍSICA: O RESGATE E O REMÉDIO DO CORPO E DA MENTE Rio de Janeiro, fevereiro de 2008 1

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MESTRADO EM EDUCAÇÃO

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E IDENTIDADE NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE EDUCAÇÃO FÍSICA:

O RESGATE E O REMÉDIO DO CORPO E DA MENTE

Rio de Janeiro, fevereiro de 2008

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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE EDUCAÇÃO FÍSICA:

O RESGATE E O REMÉDIO DO CORPO E DA MENTE

POR:

GIANE MOREIRA DOS SANTOS PEREIRA

DISSERTAÇÃO APRESENTADA À UNIVERSIDADE ESTACIO DE SÁ

MESTRADO EM EDUCAÇÃO COMO REQUISITO PARCIAL À OBTENÇÃO DO

TÍTULO DE MESTRE EM EDUCAÇÃO

Orientador: Prof. Dr. Tarso Bonilha Mazzotti

Rio de Janeiro, fevereiro de 2008

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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE EDUCAÇÃO FÍSICA:

O RESGATE E O REMÉDIO DO CORPO E DA MENTE

GIANE MOREIRA DOS SANTOS PEREIRA

APRESENTA A DISSERTAÇÃO

BANCA EXAMINADORA:

PROF. DR. TARSO BONILHA MAZZOTTI (orientador)

PROFa. DRa. MARGOT CAMPOS MADEIRA

PROF. DR. CELSO PEREIRA DE SÁ

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P436Pereira, Giane Moreira dos Santos

Representações sociais de educação física: o resgate e o remédio do corpo e da mente. / Giane Moreira dos Santos Pereira.- Rio de Janeiro, 2007.

104 f.

Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estácio de Sá, 2008.

1.Educação física. 2.Escolas noturnas. 3.Psicologia do desenvolvimento. 4.Representação (Filosofia). I. Título.

CDD 796.07

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DEDICATÓRIA

Dedico todo o meu empenho neste trabalho ao meu marido

Sidney e aos meus filhos Andressa e Caio, que são a minha

alegria e meu incentivo para enfrentar os desafios, e à minha

mãe que mesmo não estando mais ao meu lado, estará orgulhosa

de mim, onde quer que esteja.

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AGRADECIMENTOS

- A Deus, por me dar força e sabedoria para enfrentar os desafios desta caminhada e pela

alegria deste momento de realização.

- Ao querido Prof. Dr. Tarso Bonilha Mazzotti, um grande amigo que com muita paciência

orientou este trabalho e com sua imensa sabedoria, retirou o máximo de minhas

potencialidades, me estimulando a querer saber cada vez mais.

- A Profa. Dra. Margot Campos Madeira, que sempre me encantou, desde o meu primeiro dia

no mestrado, com suas palavras e com suas idéias. Suas aulas me ensinaram muito mais que

conteúdos acadêmicos, me ensinaram a ser uma pessoa melhor.

- A Profa. Dra. Alda Judith Alves-Mazzotti, coordenadora do mestrado, e às professoras

Helenice Maia, Lucia Maurício Velloso, Monica Rabello de Castro e Lúcia Vilarinho pela

amizade, apoio e oportunidade de participar de suas aulas, onde pude, a cada dia, adquirir

conhecimentos que não só me auxiliaram na construção desta pesquisa, mas também

ampliaram meus horizontes como educadora.

- A minha prima Rosane e à minha amiga Paula Cid, que me incentivaram a entrar no

mestrado e me ajudaram na preparação do meu projeto para ingressar neste desafio. Sem elas

eu não teria chegado até aqui.

- Aos professores de Educação Física de Belford Roxo e do Rio de Janeiro que participaram

desta pesquisa e sempre me receberam com muito carinho e atenção. Aos alunos do ensino

noturno de Belford Roxo e do Rio de Janeiro, que mesmo sem me conhecer bem, me

confiaram suas histórias e opiniões. A coragem e a esperança destes alunos que tentam

concluir os estudos apesar de todas as dificuldades, sempre me inspira.

- Aos amigos que entraram na minha vida durante o mestrado, compartilhando angústias,

alegrias, conhecimento e trazendo palavras de apoio nas horas difíceis.

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RESUMO

O objetivo dessa pesquisa foi o de identificar as representações sociais de Educação Física

sustentadas por seus professores e por estudantes. Para isso, tomou-se por tema indutor a

introdução da Educação Física no ensino noturno, especialmente na Educação de Jovens e

Adultos, uma vez que em uma situação de conflito ou debates os atores sociais expressam,

com maior clareza, os que consideram ser pertinente, afastando-se dos discursos padronizados

usuais, como é o caso da disciplina examinada aqui. Esse tema foi apresentado, por meio de

entrevistas semi-estruturadas, a 44 alunos e 20 professores de Educação Física da rede de

ensino do município de Belford Roxo e do Rio de Janeiro, divididos em 4 grupos, com base

no seguinte critério: os que não têm a prática de Educação Física no ensino noturno e os que

têm. A análise do material discursivo indicou que os estudantes, independente de terem ou não

Educação Física em seus programas de ensino, considera que ela se refere a: esporte, diversão

e saúde; e os professores, referem-se a resgate. Os professores e estudantes tomam duas

direções: a Educação Física ou é para falar ou para fazer, de conformidade com os gêneros e

idades entrevistados. Que é determinado pelo campo de representação desenvolvimento

humano (Já estou velho para isso); de gênero (Os homens vão querer futebol); e de escola

(Escola é para estudar). As representações sociais de Educação Física condensam-se em duas

metáforas: remédio, no caso dos alunos; resgate, no discurso dos professores. Novas

investigações poderão determinar se essas metáforas podem ser resumidas em uma, remédio,

que parece ser o significado mais relevante para resgate e se ambas estão subordinadas a

representação de corpo que aparece como depósito de energia para estes grupos.

Palavras - Chave: Representação Social; Educação Física; Ensino Noturno; Desenvolvimento

Humano; Gênero.

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ABSTRACT

The objective of that research was it of identifying the social representations of Physical

education sustained by their teachers and for students. For that, it was taken by theme

inductor the introduction of the Physical education in the night teaching, especially in the

Education of Youths and Adults, once in a conflict situation or you debate the social actors

express, with larger clarity, the one that consider be pertinent, standing back of the speeches

standardized usual, as it is the case of the discipline examined here. That theme was

presented, through semi-structured interviews, to 44 students and 20 teachers of Physical

education of the net of teaching of the municipal district of Belford Roxo and of Rio de

Janeiro, divided in 4 groups, with base in the following criterion: the ones that don't have the

practice of Physical education in the night teaching and the ones that have. The analysis of the

discursive material indicated that the students, independent of they have or no Physical

education in their teaching programs, considers that she refers the: sport, amusement and

health; and the teachers, refer to it rescues. The teachers and students take two directions: the

Physical education or it is to speak or to do, of conformity with the goods and ages

interviewed. That it is certain for the field of representation human development (I am

Already old for that); of gender (The men will want soccer); and of school (School is to

study). The social representations of Physical education condense in two metaphors:

medicine, in the students' case; rescue, in the teachers' speech. New investigations can be

determined those metaphors can be summarized in a, medicine, that seems to be the most

relevant meaning for rescue and that both are subordinated the body representation, that

appears for these groups as deposit of energy.

Words - Key: Social representation; Physical education; Night teaching; Human development;

Gender.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO: Vivendo e aprendendo a jogar

INTRODUÇÃO: O início da partida------------------------------------------------------------1

CAPÍTULO I: Quem comanda as jogadas

1.1- Representações sociais: A teoria e seu conceito-------------------------------------10

1.2 – Os grupos de pertence e referência---------------------------------------------------17

1.3 – A história e as representações sociais------------------------------------------------20

CAPÍTULO II: Como será o jogo

2.1 – O contexto-------------------------------------------------------------------------------26

2.2 – Os sujeitos-------------------------------------------------------------------------------36

2.3 – Métodos de coleta de dados-----------------------------------------------------------38

2.4 – A análise retórica----------------------------------------------------------------------- 41

CAPÍTULO III – A construção dos sentidos em jogo

3.1 – Análise das entrevistas dos alunos---------------------------------------------------48

3.2 – Análise das entrevistas dos professores---------------------------------------------65

CONCLUSÕES – O fim da partida--------------------------------------------------------------82

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS-----------------------------------------------------------88

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APRESENTAÇÃO

Minha relação com a educação não é recente, desde os tempos em que dava aula para

as minhas bonecas e brincava de escolinha com as minhas amigas até minha formatura no

Curso Normal, sempre me imaginei como profissional da educação.

Escolhi como graduação o curso de licenciatura em Educação Física, por causa da

dança, que é outra paixão que cultivo desde criança. Ainda na faculdade convivi com a

Educação Física vista por diferentes âmbitos: estritamente biológico em disciplinas como

biologia, anatomia, fisiologia...; como possibilidade de lazer: recreação e jogos...; como lugar

de construção de aprendizagem: educação física escolar; como promotor de saúde: ginástica,

musculação ... e como possibilidade de inclusão e ascensão social: futebol, vôlei, dança.

Dentro de uma gama de opções que a Ed. Física oferece como campo de atuação, escolhi a

Ed. Física Escolar como objeto de estudo e de trabalho. Por já ser professora das séries

iniciais e já trabalhar com educação antes de entrar na faculdade, muito me interessou os

caminhos seguidos pela Educação Física, suas propostas e objetivos neste contexto.

Em 2003, quando já trabalhava no Município do Rio de Janeiro como professora das

séries iniciais e de Educação Física, fui convidada para lecionar no PEJA (Programa de

Educação de Jovens e Adultos), atuando como professora da turma de alfabetização.

Logo me apaixonei pelo programa, pelos alunos e pela proposta, porém, como

professora de Educação Física, uma coisa me inquietava: esta disciplina não é oferecida para

os alunos do PEJA. Comecei a questionar aqui, perguntar ali e obtive a resposta de que o

Conselho Municipal de Educação não autorizava a inclusão da disciplina porque os alunos

“chegavam muito cansados do trabalho e não iam querer se cansar fazendo Educação Física”.

Ao freqüentar encontros, seminários e cursos sobre Educação de Jovens e Adultos, também

percebi que as discussões sobre a corporeidade do adulto ou sobre conteúdos da Educação

Física nesta modalidade eram inexistentes. Comecei então a questionar: qual a visão de

Educação Física que se encontra implícita na sua ausência neste espaço? Será que os alunos e

professores possuem a mesma representação desta disciplina?

Surgiu então o interesse em pesquisar as representações sociais de educação física que

circulam na escola e nada melhor do que usar uma situação de debate ainda pouco explorada,

a Educação Física no ensino noturno, para expor os argumentos dos professores e alunos

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sobre esta disciplina, pois é no processo de comunicação que os sentidos são construídos e

partilhados.

A realização desta pesquisa, muito mais do que uma produção acadêmica significou

um mergulho mais profundo na minha área de atuação e um grande crescimento profissional,

espero estar contribuindo para o debate em torno de questões teóricas e do cotidiano escolar

da Educação Física que engrandeçam esta profissão que eu tanto amo.

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VIVENDO E APRENDENDO A JOGARGuilherme Arantes

Vivendo e aprendendo a jogar,

Vivendo e aprendendo a jogar,

Nem sempre ganhando,

Nem sempre perdendo, mas

Aprendendo a jogar

Água mole em pedra dura

Mas vale que dois voando

Se eu nascesse assim pra lua

Não estaria trabalhando

Vivendo e aprendendo a jogar,

Vivendo e aprendendo a jogar,

Nem sempre ganhando,

Nem sempre perdendo, mas

Aprendendo a jogar

Madrugada de ferreiro

Quem com ferro se fere a tudo

Cria fama, deita na cama

Quero ver o berreiro na hora do ronco

Quem tem pavor do cachorro

Quer sarna pra se coçar

Boca fechada não entra besouro

Macaco que muito pula quer dançar

Vivendo e aprendendo a jogar.

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INTRODUÇÃO - O início da partida

Na história da humanidade, as preocupações com o corpo e com o físico não são

recentes, desde a Grécia clássica, passando pelos romanos até os dias atuais, as concepções de

corpo vem orientando práticas educativas de crianças, jovens e adultos pelo que o corpo é

definido, de diferentes maneiras de acordo com o tempo e o lugar.

Autores, como Moraes (2000, p. 36), sustentam que, na Idade Média o corpo era

considerado sagrado por ter sido criado por Deus, ao homem cabia apenas contemplar e

compreender esta realidade. O interesse maior era a salvação da alma, não o aperfeiçoamento

do corpo. Na Idade Moderna, a partir dos séculos XVI e XVII, essa visão teocêntrica começa

a sofrer mudanças, surgem outras formas de delimitar o corpo que passa a ser visto como

corpo-máquina: “A mente, essa coisa pensante, está separada do corpo, coisa extensa e

constituída de partes mecânicas”.

No entanto, essa visão temporal pode tornar-se bastante reducionista se não for

associada aos aspectos culturais de cada povo e grupo social, pois tais aspectos muitas vezes

ultrapassam tempo e espaço, conservando hábitos e valores. O surgimento de uma nova

concepção não quer dizer que a anterior foi abandonada, ela pode ser modificada por alguns

grupos e por outros não. As marcas corporais, impressas pela cultura, informam as diferentes

áreas de conhecimento e aos diferentes setores da sociedade acerca das maneiras de atuar

sobre o corpo de modo a atender às demandas culturais e sociais.

Dentre as áreas de conhecimento que estudam e atuam sobre o corpo encontra-se a

Educação Física, e os sentidos atribuídos ao corpo, em sua historicidade, são os que também

estabelecem os sentidos atribuídos à Educação Física, por isso, a história desta disciplina

associa-se à concepção histórica de corpo, pois as atividades corporais fazem parte do

cotidiano de diferentes povos em diferentes lugares, muito antes de receber o nome de

Educação Física.

Então, o que diferencia a Educação Física de uma atividade corporal livre, uma

brincadeira? Como podemos definir a Educação Física? Essa diferenciação encontra-se na

intenção, o homem sempre se movimentou desde os tempos da pré-história, mas é a intenção

de educar o corpo e seus movimentos que caracteriza a “educação física” ou “educação

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corporal” ou “ginástica” ou qualquer outro nome que tenha. É uma atividade que tem um

objetivo definido, mas não único. As finalidades da educação física, mesmo quando ainda não

tinha este nome, sempre foram e continuam sendo muitas, dependendo do contexto histórico-

cultural, e dos valores dos grupos que a praticam.

No Brasil a inserção da Educação Física nas escolas foi um processo longo. Segundo

Accioly e Marinho (1956, p. 157) os portugueses, quando aqui chegaram ficaram admirados

com a destreza física de nossos índios, que pelo modo de vida selvagem que levavam eram

exímios na corrida, na canoagem, na natação, no manejo do arco e flecha. Em 1549, os

jesuítas vieram para o Brasil e fundaram seus colégios, para “educar” os índios que aqui

estavam. Seu ensino exigia imobilidade total, “imobilidade esta que dificilmente se poderia

coadunar com o espírito irrequieto do selvagem”, sendo assim, pela manhã havia as aulas nos

colégios e a tarde era livre para que “os jovens índios pudessem dar completa expansão aos

seus instintos naturais”. Não podemos considerar que os jesuítas davam Educação Física para

os índios, mas de alguma forma pode-se notar algum tipo de preocupação em proporcionar

algum tempo livre para praticar atividades físicas.

No período imperial, com a independência do Brasil, surgiram algumas tentativas de

elaboração de propostas de um plano de Educação Física moral e intelectual, com destaque

para os projetos do padre Belchior Pinheiro de Oliveira (deputado pela província de Minas

gerais) e do Sr. José Mariano de Albuquerque (deputado pela província do Ceará), mas que

não foram adiante. Em 1828, foi editado o primeiro livro sobre Educação Física no Brasil:

“Tratado de Educação Física - Moral dos meninos” de Joaquim Jerônimo Serpa, e daí outros

trabalhos foram surgindo como as teses apresentadas pelo Dr. Manoel Pereira da Silva

Ubatuba “Algumas considerações sobre Educação Física”, em 1845 e pelo Dr. Antônio

Francisco Gomes “Influência da Educação Física do Homem”, em 1852. Foi no período

imperial que algumas províncias começaram a elaborar regulamentos que incluíam a

Educação Física no processo de “instrução”, podemos citar: a província do Amazonas que em

1852 expede um regulamento para instrução pública que determina que a instrução

compreenderá a educação física, moral e intelectual; e a Reforma Couto Ferraz, que

regulamenta a instrução primária e secundária no município da Corte, incluindo os exercícios

ginásticos no currículo do Colégio Pedro II. Estes regulamentos não valiam para todo o país

porque o regime monárquico constitucional estabelecia a autonomia das províncias em

diversos aspectos, entre eles a regulamentação do ensino primário e secundário. Muitos

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trabalhos e regulamentos sobre Educação Física surgiram nesta época, no entanto o parecer de

Rui Barbosa é considerado o mais importante da história da Educação Física no Brasil-

Império. Como membro da Comissão de Instrução Pública, coube a ele relatar sua opinião

sobre o assunto durante a discussão do Projeto no. 224 “Reforma do Ensino Primário e várias

instituições complementares da Instrução Pública” de 1882. A Educação Física, neste parecer,

não foi esquecida, “muito ao contrário, precede as outras formas de educação, talvez por

julgá-la o autor a base sobre a qual devam repousar todos os outros princípios. É a

consagração do Mens sana in corpore sano.”(ACCIOLY; MARINHO, 1956, P. 162) Tinha um

capítulo destinado a Educação Física que entre outras coisas determinava: a instituição de

uma seção de ginástica nas escolas normais, obrigatoriedade da ginástica a ambos os sexos,

inserção da ginástica nos programas escolares como matéria de estudo e equiparação em

categoria e autoridade dos professores de ginástica aos das outras disciplinas. Todos estes

fatos e os que vieram a seguir, no período da República, contribuíram para a inserção da

Educação Física nas escolas e para sua legitimação enquanto disciplina escolar e acadêmica.

Sabemos da importância das leis e regulamentos, no entanto o mais importante para este

trabalho é a ideologia que se encontra presente neles e que espelha os acontecimentos e a

visão do corpo e de sua educação em cada época.

A intenção de educar o corpo sempre foi a principal característica da Educação Física

o que se modificou ao longo do tempo foi como e para quê ela se destina, sendo assim,

historicamente, a Educação Física assumiu uma diversidade de enfoques e recomendações,

que sempre estavam relacionados ao contexto histórico e em função deste, ao conceito de

corpo admitido pela sociedade. Estes enfoques resultaram em abordagens (ou teorias) que têm

por objetivo orientar as práticas de Educação Física nas escolas de acordo com o considerado

melhor em cada momento.

No entanto, estas diferentes abordagens1 para o ensino da Educação Física e a

variedade de atividades que podem ser relacionadas a esta disciplina, acabaram por provocar

uma verdadeira crise de identidade na área. (MASSA, 2002) Nem mesmo os profissionais que

se encontram envolvidos com a disciplina apresentam um consenso sobre o seu significado,

embora seja o termo Educação Física de reconhecimento mundial. (Antunes, 1993; Tricole,

1993 apud MASSA, 2002)

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1 Educação Física higienista, militarista, esportivizante, desenvolvimentista, crítica, entre outras. Para saber mais sobre cada uma delas consultar Darido; Rangel, 2005.

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Segundo levantamento de dados feitos em 20042, pela coordenação de Educação

Física da Diretoria de Ensino Fundamental (DEF) da Secretaria Municipal de Educação do

Município do Rio de Janeiro, pode-se perceber que embora o discurso muitas vezes pareça

homogêneo em virtude das pesquisas já realizadas na área e das literaturas que impactam o

meio acadêmico, formando um idioma pedagógico, na prática, as diferentes abordagens

desenvolvidas ao longo da história da Educação Física coexistem e convivem no espaço

escolar.

E porque isto acontece? Para entender este distanciamento, Daolio (1998) atenta para a

influência das representações de corpo destes profissionais (corpo este visto aqui como

construção social e cultural) na efetivação de suas práticas profissionais.

A prática corporal destes professores, junto com as representações que por

meio dela veiculam, é o que dá sentido à sua atividade profissional, tendo sido

por eles incorporada como valor por meio de momentos de sua experiência de

vida que reputam significativos e são, por isso mesmo, altamente valorizados.

(DAOLIO, 1998, p. 98)

Algumas pesquisas como as de Daolio (1992), Santos (1993) e Sá (2001) corroboram

a visão da Educação Física que se sustenta mais nos valores adotados pelos professores da

área e pela maneira como eles reconstroem os conceitos das ciências utilizados pela Educação

Física, de acordo com estes valores. Estes autores pesquisaram as representações sociais dos

professores de Educação Física na escola com enfoques e objetivos diferentes, porém, suas

conclusões apresentam características semelhantes.

Daolio (1992, p. 81) analisou o trabalho dos professores de Educação Física na escola

com o objetivo de compreender a lógica que ordena o sistema de representações que eles

possuem sobre o corpo e que norteia suas práticas profissionais. Ele concluiu que os

professores baseiam suas práticas na idéia de um corpo livre, natural, “a mesma imagem de

seu corpo infantil que eles projetam para o corpo de seus alunos”, por ser natural este corpo é

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2 Questionário com perguntas fechadas e abertas sobre a prática profissional dos professores de Educação Física, enviado a todas as escolas da rede e respondido por 80% dos professores. Encontra-se ainda em fase de análise.

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o aprendiz de comportamentos sociais, por isso se consideram mediadores entre a natureza e a

cultura, num processo de transformação do corpo matéria-prima3 em corpo-cidadão4.

Santos (1993), teve por objetivo em sua pesquisa identificar e interpretar a

representação do professor sobre o compromisso docente, investigando sua opinião sobre a

função da Educação Física e sua contribuição no processo ensino-aprendizagem dos alunos,

bem como a motivação em relação ao exercício do magistério público e o compromisso

enquanto professor de Educação Física. A autora concluiu que os professores caracterizam

este compromisso no âmbito individual, de natureza endógena, para além da especificidade

pedagógica da disciplina, por isso, seu compromisso em relação à atividade docente é de

caráter psicológico centrado nas relações afetivas estabelecidas com os alunos. “Quando estes

atores sociais discursam sobre o compromisso incorporam a vontade e o gostar à definição e

às características do professor.”(SANTOS, 1993, p. 151)

Sá (2001), investigou a representação de Educação Física escolar compartilhada pelos

professores da área, pelos diretores, coordenadores e professores de outras disciplinas.

Concluiu que estas representações baseiam-se na imagem individual do professor, na sua

prática e no entendimento do corpo docente sobre o papel da Educação Física no contexto

escolar.

Nas três pesquisas o caráter individual, a subjetividade, e a imagem do professor são

sempre considerados como norteadoras da imagem da disciplina. As explicações para a

escolha desta ou daquela prática profissional estão relacionadas aos seus grupos de pertença,

de referência e às suas experiências pessoais. Suas vivências em relação à Educação Física

(na faculdade ou em formações continuadas) podem até ser as mesmas, mas como cada um irá

integrá-las ao seu mundo simbólico é um processo individual (BOCK; GONÇALVES, 2005).

Estas reflexões nos fornecem subsídios para compreender que a história da

Educação Física no Brasil, para além de uma somatória de elementos

responsáveis pela produção e reprodução de determinados comportamentos dos

professores, foi influenciando na construção de um imaginário social referente

ao corpo - biológico, naturalista, universal -, que se expressa no conjunto das

5

3 Visto como algo que precisa ser transformado.

4 Processo civilizatório do corpo, onde este aprenderá as regras sociais e de convivência para que possa viver e atuar na sociedade. (DAOLIO, 1992)

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ações e representações dos profissionais da área até os dias de hoje. (DAOLIO,

1998, p. 98)

Todos os elementos históricos, culturais, individuais e sociais formam uma “teoria”

que confere sentido ao que os grupos pensam sobre determinado objeto, e são estas “teorias”

que justificam suas práticas. As “teorias do senso comum” foram amplamente estudadas por

Serge Moscovici5, que introduziu o conceito das representações sociais na psicologia social

há quase quarenta anos. As representações sociais são definidas como a síntese possível e

provisória de um dado objeto, num determinado tempo e espaço, no qual este objeto é

integrado à prática concreta do sujeito num movimento contínuo, transformando-o e sendo

transformado por ele, de maneira individual e plural já que a individualidade só se constrói na

relação com o outro. (MADEIRA, 2001).

Segundo Jovchelovitch, (2002, p. 80-81)

[....] as representações sociais não são um agregado de representações

individuais, da mesma forma que o social é mais que um agregado de

indivíduos. Assim, a análise das representações sociais deve concentrar-se

naqueles processos de comunicação e vida que não somente os engendram,

mas que também lhe conferem uma estrutura peculiar.

Para a autora, a estrutura das representações somente pode ser compreendida em

relação aos seus processos de formação, pois uma das características das estruturas é

justamente o fato de não serem estáticas, e estarem em um movimento constante em contato

com a realidade, que se modifica a todo tempo. Nesta perspectiva, o real apresenta três

características: só existe para o homem enquanto algo concreto; só existe na vivência e na

relação com o outro e vai se atualizando à medida que ratifica ou retifica o já vivido; não há

dicotomias entra o psiquismo e o social, pois ambos integram o vivido. (MADEIRA, 2001)

Baseada na relação entre o indivíduo e o contexto sócio-cultural em que vive, a

intenção desta pesquisa é estudar as representações sociais de alunos e de professores de

6

5 Serge Moscovici, psicólogo social francês que fez a cunhagem do termo representação social. “Um primeiro delineamento formal deste conceito e da teoria das Representações Sociais surgiu em seu trabalho intitulado La psychanalyse, son image et son public (1961, 1976) (SÁ, C. 2004, p. 19)

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Educação Física sobre esta disciplina. Se os grupos não são os mesmos e possuem vivências

diferentes, então suas representações também são diferentes, embora o objeto seja o mesmo?

Esta relação entre o individual e o social é mediada pela linguagem. É por meio da

linguagem que comunicamos nossas crenças e valores, transformando e sendo transformados

pelo meio em que vivemos, por isso é pela linguagem que podemos apreender indícios das

representações compartilhadas pelos grupos. Por este motivo, escolhemos uma situação de

debate: a educação física no ensino noturno, para verificar se as teorias utilizadas pelos

professores e pelos alunos para justificar suas práticas são representações sociais de Educação

Física. A escolha pelo ensino noturno não foi fortuita, esta é uma área de atuação da Educação

Física onde a legislação é recente, a bibliografia escassa e a formação específica quase

nenhuma. Apresentando grupos com características diferentes ao que o professor de Educação

Física costuma atuar (turmas muito heterogêneas no que diz respeito à idade, sexo, região...) o

ensino noturno, constitui-se um desafio quanto à atuação destes professores, e uma

diversidade quanto aos interesses dos alunos, sendo assim, por se configurar uma nova

situação diante de uma prática já estabelecida, os argumentos utilizados para defender esta ou

aquela Educação Física apropriada para este grupo, bem como os motivos para sua inclusão

ou não neste espaço, revela indícios das representações dos professores sobre esta disciplina.

Algo que supostamente era familiar e, conseqüentemente não problemático,

mostra-se como não familiar. Ele tem, por isso, de ser investigado e

determinado com respeito a sua natureza; ele se torna problemático e, por

conseguinte, tem de ser constituído e não deixado na indiferença no pano de

fundo horizontal concomitante. (Schutz 1970, apud MOSCOVICI, 2003, p.

226)

Em nossa revisão de literatura encontramos somente quatro dissertações que tratam da

Educação Física no ensino noturno. Pedroso (1996) e Bender (2004) tiveram como objetivo: a

compreensão e a reflexão sobre a prática pedagógica dos professores de Educação Física

frente às características singulares do aluno-trabalhador no ensino noturno. Bender (2004)

defende que a vivência da corporeidade em busca de uma aprendizagem mais humanizadora

só é possível pela percepção da pluralidade de corpos existentes no meio escolar e da

7

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interlocução entre as práticas destes alunos e o fazer pedagógico. No entanto, para Pedroso

(1996) esta interlocução não acontece, pois o mundo do trabalho do aluno não é considerado

na prática pedagógica do professor de Educação Física. E, por que não? Quais os valores que

estão por trás das práticas destes professores?

Para Galvão (2004), desde o surgimento da escola, construíram-se os sentidos do

espaço / tempo produtivos e não produtivos bem como os processos normalizadores e

disciplinadores do corpo. O corpo foi relegado para uma posição de inferioridade em relação

à mente, hierarquizando a relação entre os saberes. Para a autora, estes sentidos refletem-se na

construção de corporalidades na escola noturna, por isso, sua pesquisa teve por objetivo

estudar a proposta de educação corporal do Município de Angra dos Reis que, segundo ela,

possui uma prática diferente que busca construir relações mais horizontais entre os diferentes

sujeitos, para poder apreender os sentidos em construção em função de uma nova relação

poder / corpo, que possibilita novos caminhos.

Pelo que podemos ver, o debate gira em torno de uma nova prática de Educação

Física, já que este é um novo espaço. É o “como e para que a Educação Física será feita” que

justifica sua inclusão ou não nesta modalidade, bem como sua importância. Mas qual é o

critério que define uma prática como adequada ou não para determinado grupo? Qual a

concepção de Educação Física que podemos perceber nestas escolhas?

Carneiro (2002), em sua pesquisa, investigou as representações sociais de diretores

sobre a inclusão da Educação Física no ensino médio noturno. Ela concluiu que a Educação

Física é sempre relegada a segundo plano no currículo do ensino noturno e aponta como causa

desta ausência: a legislação, que versa sobre a facultatividade da Educação Física nesta

modalidade, a falta de condições de espaço favoráveis e a hierarquia das disciplinas que dão

maior importância àquelas que preparam o aluno para o mercado de trabalho, que na

percepção dos diretores, não é o caso da Educação Física. Pela pesquisa de Carneiro (2002),

as justificativas para a não inclusão da Educação Física no currículo do ensino médio noturno

expressam uma representação de Educação Física, uma imagem desta disciplina, construída

por vivências, experiências e uma série de outras relações vividas por este grupo.

Que imagem é esta (ou seriam imagens) e qual seu processo de construção é que esta

pesquisa buscou compreender, por isso se propôs a investigar as representações sociais de

Educação Física para professores da disciplina e alunos do ensino noturno, considerando duas

situações da novidade apresentada: o Município do Rio de Janeiro, onde a inclusão da

8

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Educação Física no Programa de Educação de Jovens e Adultos ainda não aconteceu, portanto

a discussão foi pautada na informação que os professores e alunos têm sobre o assunto e o

Município de Belford Roxo, que já conta efetivamente com a Educação Física no ensino

noturno e a discussão foi pautada na experiência concreta dos sujeitos neste espaço. Assim, o

objetivo desta pesquisa foi o de identificar os argumentos que podem ser apreendidos nas

falas e nas práticas dos professores sobre os sentidos que atribuem à Educação Física. Quais

os consensos e divergências apresentadas entre os professores e alunos do Rio de Janeiro e de

Belford Roxo? Que indícios de objetivação e ancoragem encontram-se nesses discursos?

Como estes professores fazem os ajustes em suas representações diante da novidade Educação

Física no ensino noturno?

A comparação entre as representações sociais dos professores e alunos dos dois

municípios em questão se justifica pela importância atribuída às vivências e experiências do

sujeito na constituição de representações sociais. A vida e as experiências do viver vão nos

fornecendo informações, estas informações são filtradas individual e socialmente e vão

produzindo regras, valores e modelos à cerca de um determinado objeto, ou seja, as

representações sociais, que são os sentidos atribuídos aos objetos na sua relação com o outro.6

“Pode-se reconhecer a relevância do estudo das representações sociais na área de

conhecimento e atuação do profissional de Educação Física, pois é no espaço do imaginário

de uma sociedade ou de um grupo que se pode pensar a sua validade” (SILVA, 1996, p. 7).

É de suma importância nas pesquisas em educação a consideração das relações que

acontecem no interior da escola no movimento próprio da vida, no concreto da história social

e particular e não como questões isoladas, dicotômicas, como se fossem estáticas

(MADEIRA, 1998).

Por este motivo, é crescente o número de pesquisas em RS no campo da educação,

pois investiga “como se formam e como funcionam os sistemas de referência que usamos para

classificar pessoas e grupos e para interpretar os acontecimentos da realidade

cotidiana” (ALVES-MAZZOTTI, 1994 p. 61).

Compreender estes sistemas é primordial para identificar os mecanismos que

interferem na eficácia do processo educativo e sendo assim, contribuir para a superação de

problemas que podem levar ao fracasso escolar (ALVES-MAZZOTTI, 1994).

9

6 Comunicação oral feita pela professora Margot Madeira em aula da disciplina Processos grupais e construção de identidade no Mestrado em Educação da Universidade Estácio de Sá. (2007)

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Plano da dissertaçãoDepois desta Introdução, no capítulo I, apresentamos revisão da teoria das

representações sociais, seu objetivo é a compreensão da teoria e a aproximação desta com o

tema da pesquisa, enfatizando dois aspectos fundamentais no processo de constituição das

representações: os grupos de pertença e referência e a natureza histórica das representações

sociais.

No capítulo II encontram-se as escolhas metodológicas que possibilitaram a realização

da pesquisa: caracterização do contexto, que é fundamental nas pesquisas em representações

sociais, pois estas não se encontram isoladas nas pessoas, mas fazem parte das relações dos

grupos nos contextos em que vivem; apresentação dos sujeitos participantes da pesquisa e

exposição dos critérios de escolhas destes; justificativa da escolha dos métodos de coleta e

análise dos dados em função do referencial teórico da pesquisa. Quanto ao método escolhido

para a análise dos dados: a análise retórica, neste capítulo ela é detalhada tendo por base os

estudos de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000), Reboul (2004) e Mazzotti (2003).

No capítulo III, se deu a construção das análises das entrevistas dos alunos e

professores, fazendo uma comparação entre o que foi apreendido entre os sujeitos de Belford

Roxo e do Rio de Janeiro. Neste capítulo, ao final de cada análise há uma conclusão que

sintetiza os sentidos apreendidos nos discursos de cada grupo.

A comparação entre as representações dos dois grupos: professores e alunos,

apresentando os consensos e divergências encontradas, são apresentadas nas conclusões desta

dissertação.

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CAPÍTULO I – Quem comanda o jogo

A ciência diz: o corpo é uma máquina.

A publicidade diz: o corpo é um negócio.

O corpo diz: eu sou uma festa

Eduardo Galeno

O problema apresentado nesta pesquisa tem como principal foco as representações

sociais de Educação Física em uma situação de debate, por isso o referencial teórico que

fundamenta este estudo é a teoria da representação social, criada por Serge Moscovici.

A teoria será enfocada em três aspectos que consideramos importantes para a

compreensão do processo de constituição das representações sociais:

1) O conceito – é onde definimos a teoria, seus processos de construção e sua

aplicação nas diferentes áreas de conhecimento. 2) Os grupos de pertença e referência –

define os dois tipos de grupo, aponta a importância dos grupos na construção das

representações 3) A história e as representações sociais - aponta a influência de alguns fatos

históricos na constituição das representações atuais em função das representações de longa

duração e levanta questões sobre a história das representações.

2.1 - REPRESENTAÇÃO SOCIAL: A TEORIA E SEU CONCEITO

O conceito de representação social (RS) foi introduzido por Serge Moscovici, na

perspectiva de redimensionar as idéias tradicionais da Psicologia Social que pouco

considerava a influência social sobre o indivíduo. No processo de elaboração da teoria das

representações sociais, as idéias de diferentes autores (Wundt, Le Bon, Mead, Freud entre

outros) foram compactuadas ou combatidas por Moscovici. Os teóricos anteriores à segunda

guerra mundial, em sua maioria, distinguiam os fenômenos psicológicos em dois níveis: o

individual e o coletivo. A distinção entre estes dois níveis se dava pela crença na

impossibilidade de se explicar os fenômenos individuais pelas leis que explicam os

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fenômenos coletivos e vice-versa. De alguma maneira, todos estes autores, influenciaram na

elaboração da teoria das representações sociais, porém, Durkheim7 (sociólogo - e sua teoria

das representações coletivas) foi o ponto de partida, utilizado por Moscovici, para construção

da teoria das representações sociais. (MOSCOVICI, 2003) Durkheim define as representações

coletivas como um conjunto de idéias e sentimentos partilhados e combinados que vão se

acumulando no decorrer do tempo e que são utilizados e assimilados pelos indivíduos da

sociedade. Para consolidar seus estudos do conceito de representações coletivas, Durkheim se

apoiou no estudo da religião dos povos primitivos e assegurava que as representações ali

presentes encontravam-se também em outras religiões até mesmo mais elaboradas.

Moscovici diferenciou-se de Durkheim, pois seu interesse era pelo estudo dos

fenômenos ocorridos na sociedade contemporânea, uma vida social em construção de ordem

política, científica e humana. Além disso, para Durkheim as representações coletivas

englobam muitos modos intelectuais ao mesmo tempo como: religião, crença, ciência, mito, e,

para Moscovici, isto representa um problema, porque seria muito difícil compreender tantas

coisas ao mesmo tempo, “o fato de querer incluir demais, inclui-se muito pouco: querer

compreender tudo é perder tudo.”(MOSCOVICI, 2003 , p. 46)

Outra diferença marcante entre os dois autores, é o caráter estático das representações

coletivas, para Durkheim, as representações são como suportes estáticos que estão sempre no

mesmo lugar, servindo de referência para palavras e idéias. Já no conceito de representações

sociais, este suporte é dinâmico, plástico, móvel e opera uma série de relações e

comportamentos que junto com as representações, podem surgir e desaparecer (MOSCOVICI,

2003). Neste conceito, não há separação entre o individual e o social, ao apropriar-se de um

objeto as pessoas não só reproduzem-no, mas o reconstroem, devolvendo-o ao ambiente,

integrando-o em sua rede de relações significativas para o grupo social ao qual pertencem.

(SÁ, 2004)

O conceito elaborado por Denise Jodelet, um dos mais aceitos e utilizados, define

sinteticamente representação social como uma teoria elaborada socialmente que colabora para

a construção de uma realidade compartilhada por determinado grupo social (JODELET,

2001).Esta definição se apóia nos escritos de Moscovici (1978), o qual afirma que as

12

7 Émile Durkheim (1858-1917), é considerado um dos pais da sociologia moderna. Seu trabalho principial é na reflexão e no reconhecimento da existência de uma “Consciência Coletiva”. Fonte: Wikipédia – Encinclopédia Digital – Disponível em : http://pt.wikipedia.org/wiki/Durkheim

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explicações para os fenômenos que permeiam a relação cotidiana não são simples opiniões,

são “teorias” do senso comum que constroem o ambiente coletivo e orientam as condutas dos

sujeitos.

Mas, de onde vem estas explicações e teorias? Este é outro ponto que difere a teoria

psicossociológica da Psicologia e da Sociologia. Na perspectiva desta teoria, este

conhecimento vem da própria sociedade, que é pensante. Moscovici utiliza o termo

“sociedade pensante” com o objetivo de mostrar-se contrário à idéia fortemente difundida nas

ciências humanas de que uma sociedade não pensa, ou seja, que nossas mentes são sempre

condicionadas por pensamentos que vêm de fora, ou que os “grupos e pessoas estão sempre e

completamente sob o controle de uma ideologia dominante, que é produzida e imposta por

sua classe social, pelo estado, igreja ou escola (...)”(MOSCOVICI, 2003, p. 44) Ao contrário,

os sujeitos não são receptores passivos, produzem significados e os comunicam a todo o

momento, buscando soluções para os desafios que lhe são impostos. “Os acontecimentos, as

ciências e as ideologias apenas lhes fornecem o ‘alimento para o pensamento’”.

(MOSCOVICI, 2003, p. 45)

Mas, por que criamos representações sociais? Esta é a pergunta base para

compreendê-las. O objetivo das representações é transformar aquilo que não nos é familiar em

familiar, para manter a unidade do grupo social ao qual se pertence.

As representações sociais apresentam uma estrutura de dupla natureza: a conceptual e

a figurativa, na qual o conceito e a percepção são intercambiáveis. Representar algo significa

modificar o conceito por meio de suas percepções e vice-versa. As representações nos fazem

compreender o sentido que há em cada figura e a figura que há em todo sentido. Tendo como

base esta estrutura das representações, Moscovici caracterizou seus processos formadores

como: objetivação (colocar para fora a subjetividade, concretizar as idéias) e a ancoragem

(dar sentido por meio de algo concreto integrá-lo cognitivamente, classificá-lo, nomeá-lo no

nosso sistema de valores). Jodelet detalha estes processos de construção das representações

procurando mostrar as relações entre os mecanismos sociais e as elaborações psicológicas e

vice-versa. Para ela, a objetivação possui três fases: 1) a construção seletiva - processo de

apropriação das informações de um objeto que sofrerão uma seleção de acordo com os valores

do individuo; 2) esquematização - transforma a estrutura conceitual em uma estrutura

imaginante, visível, chamado de esquema figurativo; 3) naturalização - a estabilidade do

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núcleo figurativo se transforma em referência para julgamento e percepções sobre a realidade.

A ancoragem seria, então, o enraizamento da representação social no pensamento constituído,

no seu sistema de valores, que serve para interpretar a realidade, mediando a relação do

indivíduo com seu meio, permitindo classificar pessoas e acontecimentos e caracterizando a

comunicação e a identificação de um determinado grupo. Dessa maneira, ancoragem e

objetivação, articulam as três funções da representação: cognitiva de interpretação da

novidade; interpretação da realidade e de orientação das condutas e relações sociais (ALVES-

MAZZOTTI, 1994).

Nos últimos 30 anos, o conceito de representações sociais passou por um longo

processo de legitimação. Nos primeiros anos após o seu surgimento, foi praticamente

ignorado, mas com o tempo, a difusão e a compreensão do caráter operatório da teoria

conquistou adeptos e a quantidade de pesquisas empíricas com diferentes objetos de

representação aumentou significativamente. Nos últimos 10 anos, em virtude deste

crescimento, os aspectos teórico-metodológicos foram discutidos e aperfeiçoados.

Atualmente, há uma grande diversidade de pesquisas em representações sociais no Brasil e no

exterior. É interessante ressaltar que tal diversidade apresenta-se tanto no âmbito específico da

Psicologia Social quanto na perspectiva multidisciplinar, na qual a teoria das representações

sociais é trabalhada em diferentes disciplinas, abordada de maneiras variadas.

Por seu caráter multidisciplinar, esta teoria muito tem sido utilizada no campo da

educação com o objetivo de compreender os problemas encontrados neste contexto. Para

Alves-Mazzotti (1994), o estudo da representação social, por sua relação com a linguagem, a

ideologia e o imaginário social, apresenta-se como um caminho promissor para a

compreensão de como e porque as percepções, atribuições, atitudes e expectativas são

constituídas e mantidas e de que forma estas orientam as práticas e as condutas sociais de um

determinado grupo.

No caso da Educação Física pode-se notar que, historicamente, esta atividade vem

sendo concebida de diferentes maneiras, de acordo com o contexto e os acontecimentos

sociais de determinada época. Estas concepções formaram alguns consensos e orientaram o

tipo de atividade preferível8 por determinados grupos, em determinado tempo histórico. Ao

considerar que as representações sociais caracterizam-se por se sustentarem mais nos valores

14

8 O que é melhor, o que o grupo prefere baseado nos seus valores.

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do que nos conceitos (MOSCOVICI, 1978) podemos dizer que as diversas doutrinas de

Educação Física são integradas a cada grupo e assim são reinterpretadas e reorganizadas de

acordo com suas próprias crenças, valores e modelos.

Sendo assim, o estudo das representações sociais é fundamental para compreendermos

o lugar e o papel da Educação Física ao buscar entender quando e porque um determinado

esquema figurativo foi admitido por um grupo social e desta maneira expor as práticas sociais

que estão relacionadas com estas representações.

Esta relação entre a prática a as representações sociais há muito vem sendo discutida.

Afinal são as práticas que influenciam as representações sociais ou são as representações que

determinam as práticas? Para Rouquete (1998), ambas as afirmações estão corretas, “se as

representações se modificam, as práticas também se transformam e reciprocamente” (p. 39), e

é aí que nasce a grande questão do tipo: quem nasceu primeiro o ovo ou a galinha? Por isso, o

autor propõe que o assunto seja aprofundado para que não se caia numa “causalidade circular”

diante de dois enunciados verdadeiros, mas que ao mesmo tempo se excluem.

O aprofundamento teórico da relação entre RS e prática precisa responder a algumas

perguntas básicas: O que entendemos por mudança? As práticas e as influências a que nos

referimos são as mesmas, qualquer que seja o enunciado?

Começaremos pelo conceito de mudança. “De maneira geral definimos mudança como

a passagem de uma modalidade à outra por uma dada variável.”(ROUQUETE, 1998, p. 40)

No entanto, em representações sociais podemos examinar estas mudanças por dois diferentes

ângulos: a mudança em diacronia e a mudança em sincronia. As mudanças em sintonia são

aquelas observadas num dado momento entre grupos sociais diferentes e a mudança em

diacronia são aquelas observadas em um mesmo grupo social em momentos diferentes.

Nesta pesquisa, o objetivo é apreender indícios das mudanças que ocorrem em

sintonia, ou seja, quais as representações sociais de Educação Física para os alunos do ensino

noturno e para os professores de Educação Física. No interior destes dois grupos,

aparentemente únicos, existe uma diferenciação importante: há o grupo de alunos e

professores que não vivenciam a educação física nesta modalidade (sua representação então

estará pautada em suas experiências com Educação Física em outros espaços) e o grupo que

vivencia esta prática no ensino noturno.

Sendo assim, é possível perceber que a compreensão da relação entre RS e prática é

fundamental neste estudo no sentido de observar de que maneira as representações de

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Educação Física já existentes para estes sujeitos condicionam suas práticas em uma nova

situação e ao mesmo tempo perceber como uma nova prática influencia nas representações já

existentes. Seria a mesma influencia em ambos os casos? Segundo Rouquete, (1998) no caso

da influência das RS sobre a prática pode-se dizer que esta é uma “condição de coerção

variável” e não uma determinação propriamente dita, pois há a possibilidade de escolha,

entretanto, o contexto ideológico em que o sujeito se encontra faz com que ele seja portador

de representações dais quais se apropria de tal modo que se sente persuadido a agir em

conformidade com estas representações. As escolhas que de alguma forma contrariem estas

representações o fazem sentir como se estivesse negando a si mesmo, a sua identidade.

Quanto à influência da prática sobre as representações, podemos dizer que estas não

são tão flexíveis. A condição de cidadão muitas vezes nos obriga a estar em situações e

instituições nas quais não necessariamente escolhemos (como aluno, professor, no trabalho),

trata-se de pressões sociais que passam a exigir condutas nem sempre projetadas por mim, por

isso os efeitos destas ações sempre se impõem de uma maneira ou de outra, sendo uma

determinação objetiva.

Sendo assim, não seria correto afirmar que as práticas e as representações se

modificam reciprocamente, pois as influências de uma sobre a outra não se equivalem. Pode-

se dizer então, que as representações são uma condição das práticas e as práticas são agentes

de transformação das representações. (ROUQUETE, 1998)

Como já foi dito anteriormente, as representações sociais são criadas com o propósito

de tornar algo não familiar em familiar, partindo sempre de uma representação pré-existente,

o que imprime nas representações outra importante característica: são ao mesmo tempo

flexíveis e resistentes, inovadoras e conservadoras. Como em nossa sociedade estamos

sempre em contato com o novo (em função da ciência, da tecnologia ou das profissões

especializadas) a exposição à novidade, por criar uma nova realidade social, poderá resultar

em uma nova representação.

A modificação de uma representação social em função do novo pode sofrer bastante

resistência por parte do grupo que a compartilha, pois a substituição de uma representação

social pode implicar na dissolução deste grupo, por isso, neste processo de mudança estas

representações podem ser mantidas por certos elementos do grupo e abandonadas por outros

que julguem necessário de acordo com seus interesses, surgindo assim, grupos com

representações em disputa em uma mesma sociedade.

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No contexto desta pesquisa, o debate sobre a Educação Física adequada para os alunos

do ensino noturno, que constitui um campo de atuação deste profissional ainda pouco

estudado, busca identificar as representações que estes grupos possuem sobre a Educação

Física analisando como as representações dos que praticam a Educação Física neste contexto

se diferenciam dos que não possuem esta prática. A prática em um novo contexto realmente

determina uma nova representação ou a mesma representação se ajusta a este novo contexto?

Outro aspecto importante a ser considerado nas Representações Sociais é que a

construção do sentido do objeto, sempre acontece em um contexto de grupo. A pluralidade

humana e o espaço público são condições essenciais para a ação, o discurso e a constituição

de representações sociais, que não teriam o menor sentido em um mundo de indivíduos

isolados. É nesta perspectiva, que no estudo da teoria das representações sociais, o uso de

métodos e técnicas que priorizem o diálogo é apontado como primordial, já que é por meio da

conversação que as representações sociais se estabelecem e se propagam.

A linguagem ocupa um papel de destaque nesta teoria e é vista em seu aspecto

polissêmico, ou seja, seu sentido não se esgota no significado da palavra, ao contrário, esta

poderá ter muitos sentidos, dependendo de quem fala e como fala. É a apropriação da

linguagem que nos diferencia das outras espécies e nos permite interagir com o outro, por isso

a linguagem está intimamente relacionada com a cultura e com os grupos sociais. Neste

contexto a linguagem não se resume à língua falada ou escrita, mas também a todos os gestos,

expressões, entonação, silêncios, que nos permite a comunicação com o outro. Considerar esta

linguagem que é ao mesmo tempo grupal e pessoal significa considerar também o que está no

“não dito”, nas “entrelinhas”, pois só assim poderemos compreender e apreender a articulação

entre o aspecto histórico-cultural do indivíduo e a totalidade social.

No entanto, por seu caráter polissêmico, esta comunicação entre as pessoas e os

grupos pressupõe sempre uma compreensão provisória “que articula aquilo que particulariza o

indivíduo e os diferentes grupos, próximos ou distantes, nas relações com os quais o estar e o

agir de cada um no mundo vão sendo configurados numa história, num tempo pessoal e

social” (MADEIRA, 2001, p. 133), ou seja, eu falo a partir dos meus referentes e o outro ouve

a partir de seus próprios referentes, por isso a comunicação, algumas vezes, pode se tornar

fonte de desentendimentos entre pessoas e grupos.

A comunicação entre professores e alunos, por exemplo, pode suscitar algum destes

desentendimentos, pois em sua atuação profissional, os professores (e os de Educação Física

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aí estão incluídos) constroem suas representações e por elas orientam suas práticas impondo-

as a seus alunos ignorando que estes possuem suas próprias representações. A visão dos

professores é que sabem o que é bom para eles. Da mesma forma as formações e

recomendações direcionadas aos professores precisam considerar suas RS, caso contrário, a

informação não se transformará em vivência, pois não terá significado para eles.

É pela linguagem que crio uma identidade com meus grupos de pertença e ao mesmo

tempo é também pela apropriação da linguagem dos meus grupos de referência que inicio o

processo de negociação para integrá-lo.

2.2 – GRUPOS DE PERTENÇA E REFERÊNCIA

Os sistemas de representação da realidade – e a linguagem é o sistema simbólico básico

de todos os grupos humanos – são, portanto, socialmente dados. É o grupo cultural onde

o indivíduo se desenvolve que lhe fornece formas de perceber e organizar o real, as

quais vão constituir os instrumentos psicológicos que fazem a mediação entre o

indivíduo e o mundo.

Marta Kohl

O processo de construção da identidade e dos sentidos atribuídos aos objetos se faz na

relação com os grupos sociais e com a cultura.

A família constitui nosso primeiro grupo de pertença, mas este vínculo não é algo

“natural” e sim construído na relação, por meio de negociação.

Este primeiro grupo de pertença nos marca profundamente, entretanto, não é o único.

No decorrer de nossa vida outros grupos de pertença vão influenciando a construção da nossa

identidade. Estes grupos não são fixos (nem a família), eles vão se modificando e deixando

em nós marcas de valores crenças e modelos que orientam nossas condutas. Esta mobilidade

dos grupos de pertença acontece também por causa dos grupos de referência. Este é o grupo

que almejamos pertencer, que seus valores servem para nós como modelo do que é melhor (o

preferível). A idéia do que é melhor está baseado nos símbolos que os grupos carregam, que

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dão a ele poder, legitimação por meio dos esteriótipos sociais. É com base nestes modelos que

vamos modificando nossas atitudes na tentativa de adequar-se ao grupo e deste modo, integrá-

lo. Se isto acontece, este grupo então se torna um novo grupo de pertença e os valores e

modelos apreendidos tornam-se naturalizados.9

Nossos grupos de referência, assim como os de pertença, são aqueles que estão em

consonância com os nossos interesses e que de alguma forma nos dão algum tipo de

gratificação, por isso, se pertencemos a diferentes grupos e estes divergem entre si, acabamos

por escolher aquele que mais nos satisfaz. É importante ressaltar que “interesse e

gratificação”, neste contexto, não tem valor moral, mas quer dizer que o ser humano sempre

procura segurança, estabilidade e é nos grupos que satisfaçam nossos interesses que estes

sentimentos são mais bem contemplados.

São os grupos de pertença e referência que nos fornecem referentes, que ao longo de

nossas vidas, serão utilizados para “filtrar” as informações que recebemos. Isso explica

porque mesmo que as pessoas tenham as mesmas informações (na escola, na universidade, na

igreja...), cada um irá integrá-las ao seu universo simbólico de modo diferente.

Ao longo de nossas vidas, integramos diferentes grupos ao mesmo tempo, e da mesma

forma, nossos grupos de referência também poderão ser diversos dependendo da situação e do

contexto em que se vivencia.

Vejamos o caso dos professores de Educação Física: à primeira vista poderíamos

nomear este grupo como único, no entanto um olhar mais atento poderá perceber que este

grupo se constitui em diferentes subgrupos por diversos motivos.

Primeiro podemos citar a diversidade de espaços de atuação deste profissional, que

poderá atuar em escolas, academias, clubes, excursões, cruzeiros marítimos, hospitais,

fábricas...Estes espaços de atuação se apresentam com contextos e objetivos completamente

diferenciados, evidenciando práticas também diferentes de acordo com o que é preferível para

cada grupo. São as diferentes práticas que suscitam diferentes representações de Educação

Física em disputa, mesmo que a bibliografia e a legislação vigente aponte sempre uma direção

quase homogênea. Estas representações compartilhadas pelos grupos criam uma identidade

entre eles, orientando e legitimando suas práticas e suas condutas.

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9 Notas da aula da professora Margot Madeira – (disciplina: Tópicos especiais e processos grupais na construção da subjetividade – Mestrado em Educação – Universidade Estácio de Sá- 2007)

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Se delimitarmos o espaço de atuação do profissional de Educação Física e tomarmos

como exemplo somente a escola (que é o locus desta pesquisa) também encontraremos grupos

diferenciados: há os professores que atuam somente no primeiro segmento, há os que atuam

somente no segundo segmento, os que atuam nos dois, os que estão no ensino médio, no

ensino noturno ou na universidade...“São os processos de simbolização próprios aos

diferentes grupos que permitem aos atores situados neste espaço, elaborar os esquemas

organizadores e as referências afetivas e intelectuais que ordenarão a vida social.”10

Além da atuação em níveis diferentes de escolaridade que pode instituir

representações sociais diferentes (cf. ALVES-MAZZOTTI et al, 2004), a história pessoal

destes professores também influencia no pertencimento destes a determinados grupos: os que

foram bailarinos geralmente enfatizam seu trabalho na dança, os que são ex-atletas, no

esporte, há os que fizeram curso normal antes da graduação, os que têm outra graduação

(principalmente fisioterapia), os que se especializaram em psicomotricidade...Pode-se dizer

então que estes professores não pertencem ao grupo de professores de Educação Física, já que

se identificam com grupos de não-professores, que servem para eles como referência? Na

nossa opinião, o que não existe é um único grupo de “professores de Educação Física”, uma

vez que esse nome coletivo oculta muitas identidades, as dos grupos de pertença e de

referência, por isso também não há como especificar uma identidade única para este

profissional, sob o risco de cair em esteriótipos reducionistas.

A construção da identidade sempre acontece nos âmbitos individual e coletivo, assim

como o processo representativo.

Para Moscovici (1976 apud ANDRADE, 1998, p. 144) “o indivíduo projeta sua

identidade no objeto que representa”, pois é por meio de sua identidade que o indivíduo

atribui sentido ao mundo em que vive.

É fato que os contextos culturais, sociais e históricos em que a pessoa está inserida

agem como determinantes de significações pré-estabelecidas na elaboração dos

conhecimentos sobre o mundo, porém os sujeitos não se encontram passivos nesta elaboração.

Como atores sociais os indivíduos estão sempre interferindo nestas significações,

reelaborando-as e modificando-as não só a nível material, mas também simbólico. É uma

relação dialética: os homens se modificam e modificam o meio em que vivem nas relações

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10 Transparência apresentada pela professora Margot Madeira na aula de Processos Grupais e construção da subjetividade – Mestrado em Educação – Universidade Estácio de Sá – 20/03/2007

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que com ele estabelecem. Sendo assim, o sentido de “identidade estará sempre numa tensão e

numa homologia entre o indivíduo e o grupo, entre as necessidades internas e as influências

sociais, entre a singularidade e a pluralidade” (Lupiansky, 1992 apud SANTOS,1998, p. 153)

Por este motivo, as Representações Sociais apresentam uma dupla natureza: estável

(pelos fatores pré-determinados pela cultura e pelos fatos históricos) e flexível (pelo potencial

transformador dos espaços simbólico e material). (SANTOS, 1998).

O caráter de conhecimento compartilhado das representações sociais não significa que

haja um consenso absoluto entre os membros do grupo em qualquer circunstância e a

qualquer momento, por isso o estudo das representações sociais se preocupa em apreender

também a articulação existente entre o consenso e o discenso, o coletivo e o individual, bem

como perceber as relações existentes entre as representações de um objeto com outros, ou

seja, considerar seu campo de representações. (SANTOS, 1998, p. 155)

O campo de representação de um objeto também é variante de acordo com os grupos

sociais. Por exemplo: Para um grupo de soldados do exército, a Educação Física pode estar

associada a sofrimento, treinamento para a guerra, desgaste físico e emocional; já para um

grupo de crianças, a Educação Física pode ser associada ao prazer, à brincadeira, ao momento

de diversão, de relaxar. Isto significa que a relação que fazemos entre um objeto e outros

depende das práticas sociais que o grupo vivencia e dos valores que partilha, podendo ser

completamente diferente de um grupo para o outro. É a compreensão das relações que

ocorrem no campo de representações que possibilita a percepção da dinâmica da construção

dos sentidos de um objeto para um determinado grupo e das relações que este estabelece com

o contexto em que se encontra o indivíduo.

Sendo assim, seria um equívoco admitir uma única representação social de Educação

Física sem considerar os diferentes grupos que a praticam e os diferentes fatores culturais e

históricos que influenciam as representações de Educação Física.

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2.3 – A HISTÓRIA E AS REPRESENTAÇÕES SOCIAISEu vejo o futuro repetir o passado,

Eu vejo um museu de grandes novidades

O tempo não pára

Não pára, não.

Não pára

Cazuza

Segundo Jodelet (2004, p. 30) “os objetos que estudamos estão inscritos em um

contexto social e cultural e um tempo histórico”, por isso, não há como estudar as

representações sociais de um objeto sem considerar suas dimensões cultural, social e

histórica. Este viés sócio-histórico ou histórico cultural no estudo dos objetos, há tempos é

reconhecido pela psicologia social. Mas, de que história estamos falando? Como acontece a

articulação das formulações teóricas de caráter geral com as observações particulares de

determinados grupos?

A história a que nos referimos nesta pesquisa, não é aquela que apresenta um único

fator dominante, uma história unilateral com fatos acabados, lineares e sem questionamento,

mas uma história que admite a complexidade dos fatos e por isso mesmo, consegue vê-los em

sua multiplicidade de aspectos e agentes que por muitas vezes, são contraditórios.(SALLES

FILHO, 1997 )

A historiografia da Educação Física no Brasil, por exemplo, narra sua inserção nas

escolas datada dos meados do século XIX, apresentando uma gama de concepções adotadas

no meio escolar, que, de certa maneira, sempre influenciaram a visão do professor sobre sua

profissão e conseqüentemente, suas práticas escolares. De um modo geral, a periodização

histórica admitida é a seguinte: nos meados do século XIX, início da introdução da Educação

Física nas escolas, seu objetivo era o desenvolvimento físico e moral do indivíduo, por meio

da obtenção de hábitos saudáveis de saúde e higiene (concepção higienista).

Posteriormente, com a Primeira Guerra Mundial, a preocupação era formar uma

geração forte e saudável para enfrentar a guerra, estando aí excluídos os incapacitados

(concepção militarista) (BRACHT,1999). Estas duas concepções tinham em comum o fato de

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serem essencialmente práticas, não necessitando uma fundamentação teórica, então os

professores podiam ser ex-praticantes das modalidades próprias dos exercícios físicos.

Após a Segunda Guerra Mundial, os ideais da escola nova ganharam força no Brasil e

a Educação Física passou a ser considerada “um meio de educação”, a única maneira de

promover a almejada “educação integral” era considerar a educação do movimento no

processo educacional.

A partir da década de 1960, com o golpe militar, muitas modificações aconteceram no

âmbito da educação. Com a expansão do sistema educacional e o sucesso da seleção brasileira

nas copas de 1958, 1962 e 1970, o enfoque das aulas associou-se fortemente ao

esporte (concepção esportivizante), principalmente ao futebol. A idéia do país-potência era

fortalecida pelo êxito do Brasil em competições de futebol. Este modelo esportivo, com

ênfase no esporte de alto nível, foi alvo de críticas a partir da década de 80, por ser

considerado mecanicista, técnico e tradicional.

Neste período também começou um movimento de resistência à concepção

estritamente biológica da disciplina (DARIDO; RANGEL, 2005). A partir de então, sempre

com o objetivo de romper com o modelo tecnicista, esportivizante e biológico, surgiram

diferentes abordagens pedagógicas para o ensino da Educação Física, que até hoje coexistem

nas práticas escolares. São elas: humanista, fenomenológica, psicomotricidade, baseada nos

jogos cooperativos, cultural, desenvolvimentista, interacionista-construtivista, crítico-

superadora e outras.

Atualmente, as recomendações não são quanto ao uso desta ou daquela abordagem,

mas é quase um consenso11 que a Educação Física escolar não deve reduzir seu ensino à

prática de esportes (principalmente com ênfase no esporte competitivo), nem às práticas

estritamente voltadas para o desenvolvimento de habilidades físicas por meio de treinamento,

mas sim, considerar o aluno em seu contexto histórico-cultural.

Darido e Rangel (2005) sustentam, então, que os objetivos gerais da Educação Física

escolar são: democratizar o acesso à Educação Física (todos os alunos têm direito); a busca

pela autonomia; reflexão crítica enquanto uma das possibilidades da Educação Física na

escola; a saúde enquanto uma das possibilidades da Educação Física na escola; o lazer

enquanto uma das possibilidades da Educação Física na escola.

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11 Na bibliografia atual sobre o tema, bem como em documentos oficiais: Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), Diretrizes Curriculares Nacionais e outros que regulamentam a Educação Física.

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Este é um panorama resumido do que, em geral, sustenta-se na bibliografia sobre a

história da Educação Física, pois não é de interesse desta pesquisa aprofundar-se neste tema,

mas enfatizar que, embora estes fatos tenham influência sobre o que as pessoas pensam sobre

Educação Física até hoje, o processo histórico não é algo que acontece assim dividido,

compartimentado, como se fossem degraus que se salta de um para o outro a cada nova teoria

apresentada. É um processo muito mais complexo, envolvendo as mais diversas interações e

construções sociais que produzem consensos, dissensos, mudanças e permanências.

Estas narrativas históricas, que usualmente encontramos na bibliografia sobre o tema,

sustentam-se em uma representação da história com direção, em que o atual apresenta-se

como superior ao antigo, como se fosse um processo natural de evolução da Educação Física,

em que uma concepção ocupa o lugar hegemônico pela “força das idéias”, por ser melhor,

superior. Justificar as práticas fundamentando-as pela ideologia é ignorar seu significado real

e admitir um “consenso forjado pelo processo de inculcação de idéias próprio da função

ideológica.”(SILVA, 1996, p. 9)

Na vida social as teorias, ou concepções, ou, ainda, representações sociais de corpo e

de educação física, coexistem e disputam a preferência tanto dos professores como a de outros

atores sociais.

Um olhar histórico que contemple somente o aspecto cronológico ou que considere a

visão de um só grupo, que geralmente é o grupo dominante, ignora as particularidades e os

sentidos partilhados por outros grupos sobre o mesmo objeto.

É fato que os discursos dominantes criam ideologias. Estas servem para explicar uma

determinada situação e justificar formas de organização. As idéias dominantes naturalizam ou

dignificam algo para sustentar determinados interesses, servindo como modelo a ser

seguido.12

Embora as representações sociais possuam componentes ideológicos, não podemos

dizer que são elas próprias uma ideologia, pois os grupos organizam as informações a partir

de seus próprios referentes, articulando sempre o social com o individual, produzindo assim,

os sentidos que irão orientar suas práticas e que nem sempre coincidem com ideais

ideológicos admitidos pela sociedade.

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12 Notas de aula da Prof. Margot Madeira – Processos grupais e construção da subjetividade – Mestrado em Educação na Universidade Estácio de Sá – 24/04/2007

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Conhecer as diferentes representações sobre o mesmo objeto, presentes em um

determinado contexto, só se torna possível à medida que consideramos a história do grupo

que se pretende estudar, pois é nela que de fato, as representações se constituem. Então

podemos dizer que as representações sociais têm história?

Segundo Mazzotti13, não, pois se considerarmos que história é transformação então

não há história de representação social porque elas não se transformam, não mudam de forma,

são substituídas por outras em função de novas práticas sociais. A idéia de transformação de

conceitos implica em construção conceitual e é muito adequada aos conceitos formais, pois

considera a utilização da estrutura e dos elementos anteriores para prosseguir a edificação

formal.

As representações sociais por serem pautadas nos valores não se modificam da mesma

forma que os conceitos científicos, estes são superados quando se alcança um grau superior de

explicação de suas estruturas conceituais, enquanto que as representações, quando ocorre uma

mudança não podemos dizer que houve uma construção conceitual, uma evolução do

conceito, mas que o grupo ou alguns membros dele adotaram novos valores em função de

uma nova prática.

É factível encontrar na história as raízes das representações sociais contemporâneas, já

que algumas representações são de longa duração, mas não há transformação histórica nas

representações sociais, porque estas não são construídas, mas sim constituídas, já que os

elementos e estruturas podem até ser os mesmos, mas a organização destes não é.

Vejamos o exemplo da Educação Física Militarista: durante muito tempo o objetivo da

Educação Física era preparar o corpo para a guerra. Os atenienses já utilizavam a ginástica

com o objetivo de formar guerreiros (os homens recebiam treinamento e formação para as

lutas corporais) assim como os espartanos que treinavam até mesmo as mulheres para a

guerra. E assim foi durante séculos de nossa história. Na primeira guerra mundial e mais

explicitamente na segunda Guerra Mundial, uma grande mudança aconteceu, o uso intensivo

de máquinas restringiu a luta corpo a corpo e começou a substituir as pessoas nos combates,

este fato mudou significativamente a forma de ver as artes marciais, que deixaram de ser

consideradas guerreiras e passaram a ter outro enfoque, sendo praticadas como esporte ou

diversão, pois agora basta ter uma arma para liquidar o oponente sem arma de fogo. Da

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13 Comunicação por e-mail em 13/09/2007

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mesma maneira, quando a preparação dos soldados passou a ser feita exclusivamente pelas

forças armadas, a educação física em outros espaços passou a cumprir outros papéis: cuidar

da saúde, atividades de lazer, formar atletas...14

Neste caso as mudanças na maneira de ver a Educação Física, ou as atividades de luta

não foram construções conceituais, mas mudança de valores, do que se considera melhor

fazer em função de novas práticas, o que não quer dizer que todas as pessoas tenham

abandonado a representação anterior. Também não há como considerar que uma representação

é superior à outra ou ainda que uma concepção de Educação Física é a transformação da

outra, pois todas se sustentam nos valores, no que é preferível para o grupo, por isso sua

substituição não decorre de impropriedade ou inadequação, mas de uma alteração nas práticas

sociais. Podemos considerar que formar para a guerra é errado? Quando se está em uma

sociedade em que a defesa e a expansão territorial depende da força armada, formar

guerreiros é uma necessidade, mesmo que seja para um setor da sociedade, principalmente se

esta guerra for conduzida pelo enfrentamento pessoal dos guerreiros, a preparação da

população para a luta corporal é uma necessidade social.

A posição de Mazzotti questiona a maneira como Abric15 e outros autores apresentam

o aspecto da mudança nas representações sociais. Abric divide a estrutura das representações

sociais em núcleo central e sistema periférico. O núcleo central é a parte estável das

representações em torno do qual toda a representação está organizada. O sistema periférico é a

parte flexível das representações, essencial no seu funcionamento e na sua dinâmica. Para

Abric, as representações sociais se transformam pela mudança destes elementos estruturais,

resultado de mudanças nas práticas dos grupos sociais. Ele classifica esta transformação em

três tipos: resistente – quando as mudanças nas práticas são ajustadas pelo sistema periférico,

não ocasionando modificação do núcleo central; progressiva – quando os elementos da nova

prática vão se integrando ao núcleo central para constituir um novo núcleo, ocorre quando as

novas práticas não são totalmente contraditórias com o núcleo central; brutal – quando

transformam completamente o núcleo central em função de uma nova prática, de caráter

irreversível que põe em questão os significados do núcleo central. (ALVES-MAZZOTTI,

2002)

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14 Comunicação por e-mail – Prof. Dr. Tarso Mazzotti em 13/09/2006

15 Jean Claude Abric propôs a abordagem estrutural das representações sociais, considerada um desdobramento da teoria das representações sociais, inaugurada por Moscovici. (ALVES-MAZZOTTI, 2002)

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Embora apresentem alguns dissensos, tanto as idéias de Abric quanto as de Mazzotti

afirmam que no estudo das representações sociais, conhecer os fatos históricos considerando

o contexto sócio-cultural do grupo estudado permite “especificar as relações, no presente, que

um indivíduo ou uma prática mantem com a história da sociedade que pertence” (JODELET,

2004, p. 34) e apreender não só a representação do grupo sobre o objeto pesquisado, mas

também compreender como e porque uma determinada representação foi admitida.

No caso desta pesquisa, representações sociais de educação física, é preciso considerar

a história do grupo e como este relaciona as informações sobre a disciplina vinculadas na

bibliografia admitida, na legislação, na mídia, com seus próprios valores e interesses, só assim

será possível identificar em que valores estão ancoradas estas representações.

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CAPÍTULO III – Como será o jogo

Mais do que saber que os corpos se expressam diferentes, é necessário entender quais os

princípios, valores e normas que levam os corpos a se manifestar de determinada

maneira. Enfim, é preciso compreender os símbolos culturais que estão representados

no corpo.

Jocimar Daolio

A presente pesquisa, de natureza qualitativa, usa como referencial teórico-

metodológico a teoria das representações sociais, em sua perspectiva processual, que busca

identificar não só conteúdo das representações, mas também como elas se articulam com o

saber-viver dos sujeitos e como contribuem na construção da identidade dos sujeitos e dos

grupos (MADEIRA, 1998). Para Moscovici (1976, apud MAZZOTTI, 2004, p. 63) as

representações sociais “não são ‘opiniões sobre’ ou ‘imagens de’ mas são como ‘teorias,

ciências coletivas’ sui generis, destinadas à interpretação e à fabricação do real”, por isso, o

estudo das RS de um objeto, visa apreender estas “teorias do senso comum”, compartilhadas

por determinados grupos e que orientam as condutas e as práticas dos indivíduos. Essas

“teorias” são identificadas pelo uso, por parte dos sujeitos pesquisados, de elementos

estruturados para definir o objeto. É esta estruturação que vai diferenciar uma Representação

Social de uma simples opinião sobre o assunto (MAZZOTTI, 2004).

Como fazer então, para identificar tais representações? Por meio de métodos

sistemáticos e adequados à teoria das representações sociais que permitem “observar, analisar

e compreender o fenômeno do conhecimento do senso comum.”(CAMARGO, 2005). Por sua

característica multidisciplinar (utilizada por diferentes disciplinas e áreas de conhecimentos),

e por sua complexidade, recomenda-se o uso de vários métodos e de inovações metodológicas

nas pesquisas em RS. No entanto, alguns pressupostos básicos da teoria não podem ser

esquecidos durante a escolha do caminho metodológico a ser seguido:

1. “No hay que dejar de lado la interrogación sobre las condiciones de producción de

ese conocimiento, ni el análisis de los contextos sociales donde tienen lugar los procesos

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psicosociales”16 (JODELET, 2004, p. 29), por isso, é preciso descrever detalhadamente o

lugar em que se encontra o grupo estudado a fim de expor as relações existentes entre o objeto

estudado e os elementos presentes neste contexto.

2 – Segundo Madeira (1998, p. 241), “As representações que temos constroem-se na

história de uma dada formação social, num processo de relações familiares grupais e

intergrupais”, ou seja, as RS são sempre de um grupo, por isso é fundamental a delimitação

deste e a explicação dos critérios de escolha e de suas características.

3 – Para Moscovici (2003) o fato de os elementos de uma representação terem sido

construídos pela comunicação confere às RS o caráter de partilha entre os membros do grupo.

Sendo assim, a escolha dos métodos de coleta e análise dos dados deve priorizar a

conversação, o discurso, a linguagem, esta última considerada não apenas como língua falada,

mas também como gestos, silêncios, pausas, desenhos, ou qualquer outro elemento utilizado

na comunicação, sempre articulados à história e à cultura dos grupos.

3.1 - O CONTEXTO DESTA PESQUISA

[...] a escolha do campo onde serão colhidos os dados, bem como dos participantes é

proposital, isto é, o pesquisador os escolhe em função das questões de interesse do

estudo e também das condições de acesso e permanência no campo...

Alda Judith Alves-Mazzotti

A escolha pelo ensino noturno como campo desta pesquisa não foi acidental, pois a

disciplina Educação Física, por até recentemente não ser obrigatória naquela modalidade, é

uma novidade para os gestores, professores e estudantes. Por isso, seu ensino no período

noturno produz discussões a respeito do significado da Educação Física apropriada aos alunos

da modalidade, e, com isso, põe em cena o que se considera ser característico da disciplina em

qualquer âmbito.

O ensino noturno, no Brasil, abrange diferentes níveis de ensino: fundamental, médio,

superior, pós-graduação. Neste estudo, a modalidade e o nível de ensino limita-se ao

fundamental em duas formas diferentes de organização: Educação de Jovens e Adultos (EJA)

e ensino regular noturno. Os campos da pesquisa foram os municípios do Rio de Janeiro (que

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16 Não é possível deixar de lado as perguntas sobre as condições de produção desse conhecimento, nem a análise dos contextos sociais onde tem lugar os processos psicossociais.

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funciona pelo sistema de EJA), e de Belford Roxo (que adota o regular noturno) A escolha

destes dois municípios não foi aleatória, são dois locais que contemplam o quadro

comparativo proposto pela pesquisa: o Município de Belford Roxo, ministra Educação Física

no ensino noturno; e, o Município do Rio de Janeiro não tem Educação Física no ensino

noturno. Para entender melhor como acontece o ensino noturno nestes dois municípios,

primeiramente é preciso compreender as diferenças e semelhanças entre as suas formas de

organização: a EJA e o REGULAR NOTURNO.

O que é EJA?

A proposta de atender ao ensino de jovens e adultos não escolarizados surgiu pela

primeira vez explicitado em forma de lei na Constituição de 1934 que reconheceu “a

educação como direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos poderes

públicos” (art. 149).

Embora estimulassem a criação de associações civis com a proposta de atender aos

jovens e adultos não escolarizados e reconhecer o direito dessas pessoas ao acesso à

educação, a Constituição de 1934, assim como a de 1937 não tratava do vínculo

constitucional dos recursos destinados à educação, o que dificultava a prática efetiva e sua

ampliação.

Nas décadas de 30 e início da de 40, os altos índices de analfabetismo, associado à

necessidade de mão de obra especializada para o processo de industrialização, bem como a

integração dos emigrantes estrangeiros, fez do ensino primário uma das prioridades dos

governos. Pelo decreto 4.958/42 institui-se o Fundo Nacional do Ensino Primário, e pelos

decretos 5.293/43, 6.785/44, e 19.513/45 estabeleceram-se as fontes, percentuais, e critérios

para distribuição dos recursos. A Educação de Jovens e Adultos, passou a receber recursos

oficiais segundo o disposto no Dec. 19513/45, art. 4o, inciso 2, ao determinar que: “a

importância correspondente a 25% de cada auxílio federal será aplicada na educação primária

de adolescentes e adultos analfabetos, observando os termos de um plano geral de ensino

supletivo , aprovado pelo Ministério da Educação e Saúde”. Com tais verbas e convênios

criou-se, após 1946, a Campanha Nacional de Educação de Adolescentes e Adultos

(SOARES, 2002). Mesmo com a determinação de verbas para esta modalidade, durante vários

anos, a Educação de Jovens e Adultos, denominada ensino supletivo, ficou a cargo de

campanhas do governo e de projetos organizados pela sociedade civil ou pelas igrejas, e

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muitas vezes tinham mais motivações eleitoreiras do que educacionais. Dentre esses projetos

podemos citar o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), a Fundação Educar,

Movimento de Cultura Popular do Recife, entre outras.

Somente pela Lei de Diretrizes e Bases do Ensino Nacional, de 1971 (Lei 5692/71), é

que o ensino supletivo teve suas bases legais. Naquela lei o ensino supletivo é tratado em

capítulo próprio, com cinco artigos, que estabelece “se destina a suprir a escolarização regular

para adolescentes e adultos, que não a tinham seguido o concluído na idade própria”.Segundo

aquela Lei, o ensino supletivo poderia abranger a alfabetização, a qualificação, algumas

disciplinas, e também a atualização. A produção normativa sobre o assunto ficou a cargo do

Conselho Federal de Educação. Muitos foram os pareceres e resoluções sobre o assunto,

como o Parecer 699/72 do Conselheiro Valnir Chagas que estabeleceu quatro funções para

essa modalidade de ensino: suplência, suprimento, aprendizagem e qualificação (SOARES,

2002).

Na década de 80, a Constituição de 1988 estabeleceu como dever do Estado a garantia

do ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso

em idade própria (art. 208), ratificando, assim, as bases legais já propostas pela Lei 5692/71.

Uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 1996 ( Lei

nº 9394/1996) instituiu a mudança de ensino supletivo para educação de jovens e adultos

(EJA), definindo-a como “uma modalidade da educação básica, nas suas etapas fundamental e

média”(Título V, capítulo II, seção V, art. 37 e 38). Pode não ter significado uma grande

mudança conceitual, entretanto sendo uma modalidade, com diretrizes e funções próprias, o

sistema de destinação de verbas para a EJA amplia-se, o que pode ser revertido em

equipamentos, formação dos docentes, material, possibilitando uma melhoria de qualidade

para esta modalidade.

No ano de 2000, baseado na Lei 9394/96, o Conselho Federal de Educação elaborou

as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino da EJA, com orientações específicas

quanto aos conteúdos que devem ser abordados nesta modalidade em cada área de

conhecimento. O documento também indica as três funções da EJA: reparadora, equalizadora

e qualificadora, que nada mais é do que uma reedição do Parecer 699/72, do Conselheiro

Valnir Chagas.

Os aspectos legais da Educação de Jovens e Adultos no Brasil são importantes para se

ter um panorama das mudanças que ocorrem nessa modalidade e que estão diretamente

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relacionadas aos acontecimentos políticos, econômicos e sociais de cada época, afinal de

contas:

Toda legislação possui atrás de si uma história do ponto de vista social.

As disposições legais não são apenas um exercício dos legisladores. Estes,

junto com o caráter próprio da representatividade parlamentar, expressam a

multiplicidade das forças sociais. Por isso mesmo, as leis são também

expressão de conflitos histórico-sociais. (SOARES, 2002, p. 43)

Isso não quer dizer que em todos os locais, com todos os grupos, as coisas aconteçam

exatamente como prescrevem as leis, pois de acordo com a teoria das representações sociais,

os grupos interpretam as novidades de acordo com seus próprios valores e interesses,

reorganizando as informações e incorporando-a ao seu repertório de conhecimentos.

O que é Regular Noturno?

É a transposição do ensino regular diurno para o turno da noite com o objetivo de

atender a demanda daqueles alunos que trabalham ou que por algum outro motivo não podem

freqüentar a aula de dia. O regular noturno não tem uma regulamentação própria, segue as

orientações legais do ensino regular de acordo com os modelos do turno da manhã e da tarde,

inclusive quanto à orientação de conteúdos. Sua organização é seriada e os alunos fazem uma

série a cada ano, não podendo acelerar, tendo que cumprir nove anos para completar o ensino

fundamental, independente dos conhecimentos prévios dos alunos, que só podem adiantar

alguma série se tiver documentação que comprove que cursou as séries anteriores, obtendo

aprovação. O número de tempos e as disciplinas oferecidas também são os mesmos. O

sistema de avaliação e notas segue os mesmos critérios do diurno, podendo o aluno ficar

retido na série caso não obtenha a nota mínima exigida.

Diferenças e Semelhanças

A principal diferença entre o regular noturno e a EJA é o caráter de suplência. O

regular noturno não é caracterizado como supletivo porque o aluno não pode acelerar, faz uma

série a cada ano. Segue um modelo que supõe que não há defasagem idade / série, enquanto

que no EJA o aluno pode terminar todo o ensino fundamental em quatro anos, ou de acordo

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com seu próprio tempo de aprendizagem, pois permite que avance ou fique retido,

independente de já ter cursado ou não as séries anteriores. A avaliação é baseada no que o

aluno já sabe.

A organização curricular também apresenta diferenças. No regular noturno, os

conteúdos e as disciplinas oferecidas são as mesmas do diurno, por isso a Educação Física

quase sempre é oferecida17, pois é componente curricular obrigatório do ensino fundamental,

inclusive com o mesmo número de tempos. A legislação da EJA estabelece uma organização

mais flexível, cabendo às Secretarias de Educação estabelecer prioridades na oferta de

disciplinas, por isso alguns municípios com EJA têm Educação Física e outros não.

Embora apresente diferenças legais, o contexto real e a dinâmica cotidiana no ensino

noturno, qualquer que seja a organização tem muitas características em comum: alunos com

defasagem idade / série, que geralmente já estão inseridos no mercado de trabalho; grande

heterogeneidade etária; alunos de diferentes idades na mesma turma; número alto de evasão

por problemas de trabalho ou familiares; alunos com baixa auto-estima devido a inúmeras

histórias de fracassos escolares; problemas que são acentuados no turno da noite e que

dificultam o acesso às escolas como: transporte escasso e aumento da violência, entre outras

determinações.

Tais características são o que mais interessam aqui, pois é no espaço de interação, na

história pessoal e dos grupos que se formam no espaço escolar, no chão da escola, que as

representações sociais são constituídas.

A Educação Física no ensino noturno

Quanto a prática da Educação Física na Educação de Jovens e Adultos a LDB 9394/96

dispõe que “A Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente

curricular da educação básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população

escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos (Lei 9394/96, Art. 26, § 3º). Este artigo abrange

qualquer forma de organização ou nível de escolaridade que seja realizado no turno da noite,

porém sua redação já foi modificada por duas vezes ficando assim:

33

17 A Educação Física no ensino noturno possui uma legislação própria, que durante muito tempo, colocava como facultativa a oferta de Educação Física no ensino noturno, o que permitiu que muitas escolas não oferecessem a disciplina nesta modalidade. Atualmente a redação desta lei foi modificada, como veremos na seção a seguir.

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Parágrafo 3º. A Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é

componente curricular obrigatório da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às

condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos.

Note-se que foi incluída a palavra obrigatória, mas não inclui os cursos noturnos, no

qual a Educação Física continua facultativa. O caráter facultativo da lei sempre foi um

obstáculo na inclusão desta disciplina nos cursos noturnos, pois com problemas de falta de

verbas e de professores, as escolas não consideram importante sua inclusão.

É interessante refletir sobre este fato, pois nos leva a pensar em algumas questões

bastante importantes: O que se deve aprender na escola? Qual é o papel e a importância da

Educação Física no espaço escolar? Será que a Educação Física só é oferecida nas escolas por

ser obrigatória por Lei?

Uma nova redação foi dada a este artigo pela lei 10.793 de 1/12/2003, a vigente:

Parágrafo 3º. – A Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é

componente obrigatório da educação básica, sendo sua prática facultativa ao aluno:

I – que cumpra jornada de trabalho igual ou superior a seis horas;

II- maior de trinta anos de idade:

III- que estiver prestando serviço militar inicial ou que, em situação similar, estiver

obrigado à prática de Educação Física;

IV- amparado pelo Decreto-Lei 1.044 de 21 de outubro de 1969;

V- Vetado

VI – que tenha prole.

Analisando esta redação, pode-se notar, que há uma transferência do poder de escolha

da escola ao aluno. O caráter facultativo não é mais da escola que deve oferecer, mas dos

alunos que se enquadrem nos critérios estabelecidos pela lei.

Os critérios adotados para delimitar quem pode optar por não fazer Educação Física no

ensino noturno são bem interessantes, pois trazem consigo uma série de representações

associadas à representação do que é Educação Física: atividades físicas (Quais? Esporte?

Brincadeiras?) que podem não ser apropriadas aos trabalhadores (supõe que eles já fazem

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muita atividade no trabalho?), a pessoas de uma certa idade (qual é a idade apropriada para

fazer atividade física?), aos que já tiveram filhos (Se cansam muito cuidando dos filhos?).

Tais critérios nos dão indícios de que as ações em Educação Física são orientadas

muito mais pelos valores, pelo que é preferível para um determinado grupo, do que por

conceitos científicos, caracterizando-se como uma representação social.

Quanto aos conteúdos de Educação Física que devem ser ensinados no ensino noturno,

as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino da EJA, promulgadas no ano de 2000,

apresentam um longo texto com orientações curriculares para o ensino da Educação Física. A

orientação curricular propõe uma abordagem voltada para a cultura corporal de movimento.18

Esta concepção sustenta-se na idéia que a Educação Física, como disciplina acadêmica,

estudaria o corpo e o movimento, não de maneira isolada e descontextualizada, mas inscritos

em um contexto histórico-cultural.

Darido e Rangel (2005, p. 26) afirmam que:

As formas mais básicas de movimentação podem ser combinadas de

diferentes maneiras para se atender as demandas ambientais, que também são

sociais e culturais. Elas podem originar outras formas de movimentação

características de um período histórico, compartilhadas em uma mesma região

por segmentos sociais específicos, em todo o país ou por várias nações ou

sociedades. O conjunto destes fenômenos ou manifestações expressivas

corporais tem sido denominado cultura corporal do movimento.

Apesar destas as orientações curriculares vigentes para o ensino da Educação Física no

ensino noturno, em minhas observações às escolas visitadas, e nas entrevistas com os

professores, nunca aquele documento foi citado como referência na elaboração do

planejamento ou de qualquer outra ação na escola.

Por este motivo, o que interessa nesta pesquisa não é o que a Lei diz, mas como os

professores e alunos, atores sociais desse espaço, reorganizam as informações que recebem

sobre a Educação Física (da legislação, dos livros, da mídia, das suas experiências) no seu

35

18 “O conceito de cultura corporal, tratado nesta proposta, é entendido como produto da sociedade e como processo dinâmico que, simultaneamente, constitui e transforma a coletividade à qual os indivíduos pertencem.” (DCN- Educação Física- EJA - p. 1)

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sistema de valores formando as “teorias” que irão nortear suas práticas de Educação Física no

espaço escolar noturno ou em qualquer outro.

O Município do Rio de Janeiro

No Município do Rio de Janeiro o Projeto de Educação Juvenil (PEJ) começou a

funcionar em 1985 em algumas escolas de sua rede. Seu público alvo era os alunos com idade

entre 14 e 22 anos que não completaram o Ensino Fundamental. Em seu documento original,

propunha-se “saldar, pelo menos, parte da dívida social com esta população” (Documento

original do PEJ –1985). Em 2005, o Conselho Municipal de Educação regulamentou o

Parecer CME/RJ/ n. 6/2005, que transformou o PEJ em PEJA (Programa de Educação de

Jovens e Adultos), e passou atender oficialmente a grande demanda de adultos acima dos 22

anos que o procuravam. Assim, o PEJA atende necessariamente os alunos que estão em

defasagem idade / série, a partir dos 14 anos, em regime presencial. É organizado em ciclos e

dividido em dois blocos: PEJA I (equivale ao primeiro segmento do Ensino Fundamental da

1ª à 4ª série), PEJA II (equivale ao 2º. Segmento do Ensino Fundamental da 5ª à 8ª série)

Cada bloco é realizado em dois anos, podendo o aluno ser retido ao final de cada bloco, e

promovido a qualquer momento dependendo do seu nível de desenvolvimento.

No PEJA I as aulas são ministradas pelo mesmo professor de 2ª à 6ª feira. Tem por

objetivo principal a aquisição da leitura, escrita, interpretação e conhecimentos básicos de

matemática (quatro operações e resolução de problemas). Esse bloco é caracterizado pela

presença de alunos mais velhos, em comparação com o PEJA II, embora nos últimos anos,

professores e equipe do PEJA nas CREs e na Secretaria de Educação tenham observado um

aumento consideravelmente o número de jovens nesta modalidade.

No PEJA II, os alunos têm em média 5 professores diferentes que ministram aulas nas

suas áreas de conhecimento (matemática, português, ciências, história / geografia). Às sextas-

feiras, enquanto os professores das disciplinas citadas se reúnem em um Centro de Estudos

para estudar, planejar, receber informes, os alunos têm aula de linguagens artísticas (música

ou artes) ou língua estrangeira.

A Educação Física não faz parte do currículo do PEJA. Somente em 2005, com o

parecer CME/RJ n. 6/2005, fica autorizada a inclusão de outros componentes curriculares no

programa, a critério da Secretaria de Educação, o que permitiu que se iniciasse um

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movimento por parte de alguns alunos (que solicitaram a inclusão da Educação Física por

meio de documento elaborado no I Encontro de alunos do PEJA) da coordenação do PEJA, e

de alguns professores de Educação Física para viabilizar a inserção da Educação Física nesta

modalidade.

O município do Rio de Janeiro tem aproximadamente 150 escolas com PEJA,

distribuídas entre as 10 Coordenadorias Regionais de Educação (CREs). Para esta pesquisa

foram escolhidas 5 escolas da 7ª CRE (Região da Barra e Jacarepaguá), que atenderam em

média 1.000 alunos em 2007.

Pode parecer um número pequeno para um universo tão grande, mas o objetivo deste

estudo foi o de apreender indícios das representações de um determinado grupo e não

representações de massa, por isso, sua preocupação não é com uma generalização, mas

possibilitar que o leitor faça uma generalização vicária, ou seja, que ele possa se identificar ou

identificar alguém que ele conheça naquela situação.19

A escolha da 7ª. CRE se deu por dois motivos: é a CRE onde um maior número de

professores de Educação Física preencheram o cadastro de professores que desejam trabalhar

no PEJA, mostrando interesse por este trabalho; e também é a CRE onde a pesquisadora

consegue acesso às escolas com maior facilidade por ser seu local de trabalho, facilitando sua

inserção nos locais escolhidos para a pesquisa. Nesta coordenadoria o PEJA funcionou em

2007 com 111 turmas atendendo um total de 2.342 alunos.

As cinco escolas foram escolhidas pelo critério da diversidade, ou seja, possibilitar a

formação de um grupo de alunos que atendam a heterogeneidade existente no PEJA: Uma

escola com PEJA I e PEJA II, uma escola com turmas exclusivas para atender alunos com

necessidades educacionais especiais, uma escola só com PEJA II, uma escola na Barra da

Tijuca (considerada em um bom local) e uma escola na Praça Seca (considerada em um local

ruim, perto de favelas).

Em cada escola foram entrevistados uma média de cinco ou seis alunos, fazendo um

total de 24 entrevistas.

Município de Belford Roxo

37

19 Comunicação oral Prof. Alda Judith Alves-Mazzotti, na aula de Seminário de Dissertação - Mestrado em Educação – Universidade Estácio de Sá- 25/04/2007.

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O ensino noturno neste Município passou por diferentes organizações: inicialmente

deu continuidade à organização seriada (Regular Noturno) trazida como herança do

Município de Nova Iguaçu, ao qual pertencia antes da emancipação. Em 2001, após diversos

grupos de estudo, sua organização foi modificada, passando a adotar o sistema de ciclos.

Para a Secretaria de Educação do município, a mudança para o sistema de ciclos,

significou uma modificação na própria concepção de ensino, buscando superar “a simples

transmissão de conhecimentos na busca por uma educação de maior qualidade” (SABOYA,

2003). Naquele momento, segundo Saboya (2003), o setor de Educação Física desta

Secretaria formou um grupo de estudos com os professores que atuavam na disciplina (que já

era incluída no ensino noturno desde o sistema de seriação) para construírem uma nova

proposta curricular para o ensino da Educação Física no Ensino Noturno, tendo por base as

Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Física para o ensino da EJA, e como princípios

norteadores: a Educação Física escolar como promotora de saúde, qualidade de vida e

formação da cidadania. Em 2004, com a troca do governo, novas mudanças aconteceram e o

ensino noturno voltou a ser organizado em séries.

Atualmente as escolas noturnas oferecem o regular noturno, no qual o aluno não pode

acelerar. Este fato, segundo os professores entrevistados, fez com que acontecesse uma grande

evasão de alunos, já que, segundo eles, a maioria que procura o Ensino Noturno está fora da

idade adequada para a série, por isso querem concluir o mais rápido possível, visando

melhoria no emprego ou prosseguir com os estudos.

O município de Belford Roxo conta com 19 escolas com Ensino Noturno, dentre estas,

14 contam com Educação Física em sua grade curricular, pois como esta disciplina só é

oferecida no segundo segmento (5ª a 8ª série), as escolas que só tem o primeiro segmento não

tem a disciplina.

Dentre as 14 escolas com educação Física, foram escolhidas 5 escolas localizadas na

região central de Belford Roxo, as que atendem um número grande de alunos e contam com

mais de um professor de Educação Física.

Quanto ao espaço físico, das cinco escolas visitadas, três têm quadra, ou algum espaço

considerado pelos professores, adequado à prática de Educação Física. Uma das escolas tem

quadra, mas não tem iluminação, logo não pode ser usada. Tem um pátio razoavelmente

grande, mas os professores consideram inadequado para fazer alguma atividade porque é

muito perto das salas de aula e atrapalha as outras aulas, também alegam que por ficar no

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meio da escola, na passagem dos alunos, estes transitam no meio da aula de Educação Física,

ou ficam olhando a aula, tirando a concentração dos alunos ou deixando-os envergonhados.

Uma das escolas é pequena e só possui um pátio pequeno na entrada da escola por onde todos

transitam.

Em cada escola foram entrevistados quatro ou cinco alunos, perfazendo um total de 21

alunos. Quanto aos professores, em cada escola visitada foram entrevistados todos os

professores de Educação Física, totalizando 10 professores entrevistados.

3.2- OS SUJEITOS

(...) a pesquisa acerca das representações sociais de um objeto supõe que sejam

caracterizados os seus sujeitos e os critérios adotados para sua definição. Como a

sociedade não é uniforme e os indivíduos têm histórias pessoais diferentes, como os

momentos, as culturas e as relações diferem e se distanciam, as representações sociais

também se diferem, pois espelham as possibilidades de arranjos e combinações da

diversidade destes conjuntos em si e entre si.

Margot Madeira

A população alvo deste estudo são os professores de Educação Física e alunos do

ensino noturno de escolas públicas dos Municípios de Belford Roxo e do Rio de Janeiro.

A escolha dos critérios de delimitação dos grupos seguiu dois pressupostos básicos da

teoria das representações sociais: a importância dos grupos e de suas práticas sociais na

constituição das representações.

As representações sociais são construções psicossociais, ou seja, integram a história

pessoal e social dos grupos com os quais interagem, sendo assim, podemos encontrar

diferentes representações sociais sobre o mesmo objeto em função da multiplicidade de

grupos sociais existentes em nossa sociedade.

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Em face disto, e considerando o espaço escolhido para a pesquisa: o ambiente escolar,

achamos relevante pesquisar as representações não só dos professores, mas também dos

alunos, pois estes dois grupos são centrais nas relações existentes na escola.

Embora pareçam únicos, os grupos de professores e alunos podem se dividir em sub-

grupos em virtude de algumas características que irão aproximá-los ou afastá-los. Por

exemplo: grupo de professores de cada disciplina, professores do primeiro segmento,

professores universitários; ou, ainda: alunos das escolas públicas, alunos da educação infantil,

alunos de pedagogia.

Nesta pesquisa, o grupo de professores foi primeiro delimitado em professores de

Educação Física em função do vínculo maior que mantêm com a disciplina, nosso objeto de

estudo. Depois, constituímos quatro grupos metodologicamente representativos do universo

considerado, contrastados pelos seguintes critérios: alunos e professores que possuem a

prática da Educação Física no Ensino Noturno; e, alunos e professores que não possuem esta

prática. Este critério justifica-se pela importância das práticas na instituição ou substituição de

uma representação social. Procuramos comparar o que pensam sobre a Educação Física os

professores e alunos que não possuem a prática desta disciplina no Ensino Noturno, mas

certamente possuem algum conhecimento sobre ela, seja por vivências anteriores, experiência

dos filhos, informação da mídia, com aqueles que fazem a Educação Física no Ensino

Noturno, e possuem, além das informações anteriores, uma nova prática, uma nova

experiência com este objeto. Serão as mesmas representações dos dois grupos ou esta nova

prática modificará suas representações?

No Município de Belford Roxo encontram-se os grupos que possuem a prática da

Educação Física no Ensino Noturno. Neste local o grupo de professores que integraram a

pesquisa é composto por 10 professores de Educação Física que atuam nesta modalidade nas

cinco escolas visitadas.

Em relação aos alunos, foram 21 entrevistados, sendo uma média de quatro ou cinco

em cada escola visitada. Os alunos participantes foram os que se mostraram interessados,

atendendo ao critério adotado previamente pela pesquisadora que visa englobar a diversidade

existente no ensino noturno: alunos com idade e sexo diferentes.

No município do Rio de Janeiro não há Educação Física no Ensino Noturno, portanto

a pesquisa foi feita com o grupo que não tem esta prática. A escolha dos alunos para participar

da pesquisa seguiu os mesmos critérios do município de Belford Roxo: interesse e diversidade

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na caracterização dos sujeitos (sexo e idade diferentes). O número de sujeitos por escola

também foi o mesmo: entre quatro e cinco por escola.

Em uma das escolas visitadas no Rio de Janeiro também foram entrevistados os alunos

de uma turma de surdos, porque esta turma e a de RM (retardo mental) são as únicas da escola

que possuem aulas de Educação Física à noite, por isso consideramos importante ouvir estes

alunos.

No caso dos professores, de início tivemos muita dificuldade para definir os critérios

que delimitariam os que fariam parte da pesquisa. Como não há professores de Educação

Física atuando no Ensino Noturno, as entrevistas foram realizadas com os professores de

Educação Física que atuam no diurno. Mas, como definir um grupo diante de um universo tão

grande? São aproximadamente 3.000 professores de Educação Física atuando no Rio de

Janeiro, muitos destes professores não conhecem o Ensino Noturno e suas peculiaridades, o

que seria um problema para este estudo, pois segundo Mazzotti (2004, p. 62)

(...)o tema indutor de respostas estruturadas não é um qualquer, sendo

necessário que os entrevistados considerem-no parte dos que lhes são

conhecidos ou habituais, quando se pretende determinar uma representação

social.

Em função disto, pesquisamos junto à coordenação no PEJA, na Secretaria Municipal

de Educação, qual é o critério de escolha para a requisição dos professores que atuam no

PEJA, informaram que há um cadastro preenchido pelos professores em cada Coordenadoria

Regional de Educação (CRE) e que é por meio daquele que os professores são encaminhados

para trabalhar no PEJA. O cadastro, além de conter as informações profissionais do professor,

possui também um questionário com perguntas abertas sobre o PEJA, enfocando o que os

professores conhecem do programa, como poderiam contribuir com o trabalho do PEJA, entre

outras. Direcionamos, então, nossas pesquisas para as CRE’s a fim de saber se há cadastro de

professores de Educação Física, considerando que esta disciplina não faz parte do currículo do

PEJA. Encontramos somente quatro das dez CRE’s que possuem este cadastro, porém são

poucos professores cadastrados: seis cadastros na 6ª CRE; quatro na 10ª CRE; um na 9ª CRE

e quatorze na 7ª CRE. Optamos por delimitar a pesquisa à 7ª CRE por ser a que possui um

maior número de professores, podendo atender os objetivos desta pesquisa, e por ser também

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o local de escolha das escolas onde serão entrevistados os alunos. Os professores que

demonstram interesse em trabalhar no PEJA, os que preencheram o cadastro, mostram que

conhecem o programa e que de alguma forma, já teriam pensado sobre assunto.

Nos dois municípios, após cumprir os trâmites burocráticos de autorização da

Secretaria de Educação e das CREs, no caso do Rio de Janeiro, fui muita bem recebida e

atendida nas escolas, tanto pela direção como pelo corpo docente e discente. Todos se

mostraram bastantes solícitos no auxílio à pesquisa, não havendo nenhuma dificuldade no

contato com os entrevistados nem para a realização das entrevistas.

3.3 – COLETA DE DADOS

Os dados foram coletados por meio de entrevistas semi-estruturadas, e de observações

das aulas de Educação Física, no caso do município de Belford Roxo.

A entrevista semi-estruturada é definida por Rizzini (1999, p. 63) como “aquela

aplicada a partir de um pequeno número de perguntas, para facilitar a sistematização e

codificação. Apenas algumas questões e tópicos são pré-determinados”. Neste tipo de

entrevista geralmente as perguntas são abertas permitindo que o entrevistado tenha liberdade

na resposta, o que requer uma boa percepção do entrevistador sobre os temas que poderão

surgir espontaneamente e que ele pode explorar em função do que se pretende saber. Sá e

Madeira (2007)20, em suas comunicações feitas no Diálogos em representações sociais,

concordam que a entrevista completamente espontânea poderá não revelar o que o

entrevistador está buscando, pois o entrevistado pode mentir ou omitir fatos importantes para

a pesquisa, por isso é preciso fazer “boas perguntas” para obter as informações desejadas, o

que deve ser espontâneo é a resposta do entrevistado, que não pode sofrer interferência por

parte do entrevistador. Se for assim, o uso da entrevista como método de coleta de dados traz

a possibilidade de compreender o processo de construção do discurso.

O processo discursivo se transforma durante a conversação, e é neste processo de

mudanças que os sentidos, as emoções, os referentes deixam-se perceber. “O discurso oculta e

mostra ao mesmo tempo. Mostra para ocultar ou oculta para mostrar.”(MADEIRA, 2005, p.

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20 Celso Pereira de Sá em conferência feita no dia 21/11/2007 e Margot Campos Madeira em palestra feita no dia 23/11/2007, no Diálogos em representações sociais, realizado no Arquivo Nacional do Brasil, Rio de Janeiro. organizado pela linha de pesquisa Representações Sócias e Práticas Educativas do Mestrado em Educação da Universidade Estácio de Sá.

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462). É por ser dinâmico, que o discurso não pode ser tomado como palavra isolada, linear e

desarticulada de um todo que lhe confere significado, por isso o entrevistador deve se deter

neste dinamismo. É no diálogo, na conversação que as representações sociais se estabelecem,

é na comunicação que são partilhadas, por isso é também na comunicação que podemos

apreendê-las.

Nesta pesquisa, as entrevistas foram realizadas sempre mantendo o tom de conversa,

deixando os entrevistados à vontade. Ainda que sem ordem fixa dos tópicos, obtivemos

informações relevantes. Os tópicos atendiam os seguinte objetivos: (1) Qual a posição dos

professores e alunos quanto ao conceito de Educação Física? (2) Qual a função da Educação

Física no espaço escolar? (3) Quais práticas de Educação Física eles consideram adequadas

para o ensino noturno e por quê? Seguindo o mesmo roteiro, a abordagem dos professores e

alunos do Rio de Janeiro precisou ser diferente do Município de Belford Roxo, pois para um

grupo foi preciso falar de como eles acham que deveria ser a Educação Física, pois não

possuem a prática, e, para o outro, saber como que eles pensavam da prática já efetivada.

Antes e durante o processo de realização das entrevistas os elementos que surgiam de

forma recorrente nas respostas dos entrevistados eram postos como questões para outros,

servindo de estímulo para que os sujeitos falassem sobre os assuntos que eram de nosso

interesse. De início, tais elementos foram retirados da análise dos questionários respondidos

pelos professores do Rio de Janeiro, no cadastro do PEJA, onde apareceram os elementos:

saúde, lazer e resgate da cidadania como principais objetivos da Educação Física no Ensino

Noturno. Estes tópicos serviram de ponto de partida para as entrevistas, nos dois municípios,

com os alunos e professores, no entanto, no decorrer das entrevistas outros elementos

recorrentes foram surgindo, como a aula teórica, o esporte, as questões de idade e de gênero,

pelo que a organização dos tópicos foi se modificando.

Como dissemos, as entrevistas não tinham uma ordem prévia, geralmente procurando

saber que informações ou experiências o entrevistado já teve com a Educação Física, se já

tinha feito antes, se sabia o que era, e, a partir das respostas, foram feitas as perguntas sobre o

Ensino Noturno: Se deve ter Educação Física no Ensino Noturno? Como deve ser?

As entrevistas com os alunos foram bem mais rápidas do que com os professores. Eles

não falam muito, mas as técnicas utilizadas para a realização das “boas perguntas”

possibilitaram a apreensão de um material muito rico, cheio de significados com idéias

coerentes e organizadas.

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Os professores falaram bastante não só sobre sua percepção da Educação Física no

Ensino Noturno, mas também de suas experiências no diurno, sua percepção do aluno do

espaço escolar, suas experiências pessoais.

As informações colhidas nas entrevistas foram confrontadas com a observação das

aulas destes professores (somente em Belford Roxo, pois no Rio de Janeiro não foi possível

esta observação porque não possui estas aulas no ensino noturno). Todas as observações

foram anotadas no diário de campo da pesquisadora para posterior análise.

Para Rizzini (1999, p. 70) “uma observação cuidadosa de fatos e comportamentos

proporciona dados não verbais relacionados ao tema de estudo”. É possível que, durante a

entrevista, o entrevistado omita fatos que considera que não seriam aceitos pelo entrevistador.

A busca de aceitação leva o sujeito a utilizar slogans, frases feitas, argumentos de autoridade,

escondendo situações em que ele fique em desacordo com o que é aceito com o grupo. Sendo

assim, é na observação de sua prática cotidiana que é possível dissipar as incompatibilidades

entre o que fala e o que faz.

A observação das aulas de Educação Física aconteceu durante os meses de Agosto e

Setembro nas cinco escolas visitadas no Município de Belford Roxo, na maioria das vezes

ratificou as informações obtidas nas entrevistas, acrescentando alguns dados em relação a

questão do espaço adequado para a realização da Educação Física e participação dos alunos

nas aulas.

Os dados coletados foram analisados por meio de técnicas que priorizam a apreensão

da construção e da dinâmica dos discursos, permitindo verificar indícios não só do conteúdo

das representações de Educação Física, mas também de como estes sentidos foram

construídos e a que estão relacionados.

3.4 – ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

As entrevistas foram submetidas a uma análise retórica do corpus argumentativo dos

discursos.

Mas, qual a aproximação entre a retórica e a teoria das representações sociais? A

retórica é definida por Reboul (2004, p. XIV) “como a arte de persuadir pelo discurso”. Ela é

composta por quatro partes: invenção (a busca pelos argumentos), disposição (a ordem destes

argumentos), elocução (o estilo escrito do discurso), e a ação (proferir o discurso, com seus

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gestos, efeitos de voz). É a integração destas partes na construção do discurso que esta análise

busca apreender, pois as quatro partes estão relacionadas e se interpenetram formando todo o

processo de produção, tanto do discurso como das representações.

O discurso não é neutro e nem universal, será diferente conforme o assunto e o

auditório a que se destina. Um bom orador adota o estilo que é adequado ao assunto e que

mais facilmente persuadirá o público, por isso, as técnicas de leitura retórica do texto, ao

revelar sua estrutura de argumentação, deixa entrever também os valores e representações do

orador e do auditório em relação ao objeto que fala.

Esta análise não tem a intenção de estabelecer verdades, ou de dizer que este discurso

tem razão ou não, pois a retórica, assim como as representações sociais, operam com juízos de

valor, com o que é verossímil, e as análises desses argumentos buscam identificar “as

verdades” para grupo estudado. Também não busca adotar uma atitude neutra perante seus

argumentos, já que qualquer interpretação sempre está embebida nos valores de quem

interpreta, a leitura retórica propõe um diálogo com o discurso porque tem como pressuposto

que um texto sempre tem algo a ensinar (REBOUL, 2004, p. 139).

A preocupação da análise retórica é com a compreensão de um discurso, não por seu

aspecto sintático, mas em seu aspecto pragmático e semântico, na palavra que não possui um

sentido único, universal, mas que pode assumir diferentes formas e carregar múltiplos

sentidos que se relacionam ao contexto sócio-cultural de quem fala e de quem ouve. Da

mesma maneira, as representações sociais, por serem uma construção de grupo, também

assumem múltiplas facetas, pois é a partir de suas vivências e experiências que os conceitos e

informações recebidas são organizadas e hierarquizadas de acordo com o preferível para cada

grupo. São os preferíveis, os interesses do grupo que o fazem aceitar ou rejeitar determinado

discurso, por isso a identificação dos argumentos contra ou a favor permite revelar indícios

dos valores compartilhados pelo grupo, podendo assim identificar suas representações sobre

determinado objeto.

A linguagem é a interseção entre as representações sociais e a retórica. É no discurso

que as representações se formam, se modificam e se revelam e é a relação retórica que integra

os três elementos centrais do discurso (orador, discurso e auditório), permitindo a

comunicação (Meyer, 2002 apud DUARTE; MAZZOTTI, 2004). O orador, em sua busca

incessante para persuadir e ser aceito, constrói um esquema argumentativo, o discurso,

baseado nos seus valores e nos valores do grupo a que se destina, o auditório. Este último, não

45

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recebe passivamente a mensagem, mas a “reconstrói a partir de seus próprios esquemas

conceituais, como apresentado pela teoria das representações sociais, tornando-se co-autor da

mensagem” (DUARTE; MAZZOTTI, 2004, p. 86)

Pelo exposto, a análise retórica de um texto discursivo utiliza técnicas que tratam estes

três elementos de maneira relacional, pois só assim será capaz de apreender do discurso não

só a palavra proferida, mas também os valores presentes no que é dito.

O orador

Ao analisar um discurso é importante levantar as seguintes questões:

*Quem fala? – Implica em saber quem é o sujeito, quais as suas crenças e valores.

*Quando? – Qual é a época em que o discurso foi dito. A contextualização histórica é

fundamental para compreender como os fatos, a ideologia e os valores de determinada época

influenciam na construção dos argumentos.

*Contra o que? – É raro que um discurso não utilize seus argumentos para convencer

atacando outra opinião.

*Por quê? – Qual é o objetivo do texto, o que ele pretende? Esta finalidade pode não

ser o que o texto declara, mas o que está implícito.

*Como? É a maneira como o discurso é enunciado, que pode ser: “eu”, a própria

pessoa que está falando; “ele”, o eu do discurso não é o do autor, é o caso das citações; e

“ninguém”, “quando o discurso se apresenta como puro enunciado, assim como os textos

escritos por juristas ou geógrafos.”(REBOUL, 2004 – p. 141)

O auditório

A quem se destina o discurso? Qual é o auditório real do discurso, que nem sempre é o

aparente? Estas perguntas não são feitas somente por quem interpreta o texto, uma vez que o

orador também delas lança mão para constituir o seu discurso.

Os auditórios diferenciam-se pelo tamanho, pelas características de idade, sexo,

profissão, cultura, competência (todo orador irá ajustar seu discurso para que possa ser

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compreendido por quem ouve), e pela ideologia, pois tanto o argumento quanto o vocabulário,

mudam segundo a ideologia (REBOUL, 2004).

A relação entre orador e auditório é sempre mediada por um acordo prévio que

permite um entendimento mínimo quanto aos valores e aos fatos, ou seja, quem fala já

pressupõe o que é aceito e o que é inegociável pelo grupo a que seu discurso se destina. Este

acordo é o ponto de partida para o desenvolvimento da argumentação e é revelado pelo

próprio texto através de: expressões estereotipadas, de exemplos, alusões, uso de expressões

como: “todos sabem...”; “deve-se admitir...”; “é certo que...”

O discurso

Ao analisar um discurso, como identificar os argumentos que contribuem para torná-lo

persuasivo? Para responder tal pergunta usamos o Tratado de Argumentação de Perelman e

Olbrechts-Tyteca (2000), pois este trata da relação entre as premissas argumentativas,

estudando seu conteúdo, e os tipos de argumentos que possibilitam a criação destas premissas.

Aqueles autores agrupam os argumentos em quatro tipos: os quase lógicos, os que são

fundados na estrutura do real, os que se fundamentam na estrutura do real e os que dissociam

noções.

No entanto, antes de tratarmos detalhadamente de cada um destes tipos é preciso

compreender quais as “premissas comuns” que fazem parte do acordo prévio estabelecido

entre orador e auditório que permite a argumentação.

Perelman e Olbrechts-Tyteca 2000) categorizam os acordos prévios em dois grupos:

1) Fatos, verdades e presunções (relativos ao real) – Os acordos prévios são

pautados em fatos e estes já são os próprios argumentos se estiverem relacionados a alguma

verificação possível ao grupo onde está inserido o orador e o auditório. Estes fatos ganham

nexos entre si por meio das verdades. As presunções são o que todos admitem até que se

prove o contrário, é o verossímil21 . Todos estes acordos se adequam ao auditório.

(MAZZOTTI; OLIVEIRA, 1999)

2)Os valores, hierarquias e lugares do preferível (relativos ao preferível) – Para

Perelman e Olbrechts-Tyteca há dois tipos de valores: os abstratos (Exemplo, justiça, verdade,

47

21 Confiança presumida.

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amor) e os concretos (Exemplo, igreja, que exige virtudes como obediência, fidelidade). Na

argumentação as questões são formuladas em termos de valores e do preferível, que são

admitidos sem provas. Estes valores são sempre hierarquizados. “Na verdade, quem diz

valores, diz hierarquia de valores” (REBOUL, 2004, p. 166). Essa organização hierárquica

fundamenta as argumentações e nos dão pistas dos lugares do preferível que justificam as

nossas escolhas. Estes lugares expressam um consenso sobre o valor das coisas.

[...] os lugares designam rubricas nas quais se podem classificar os

argumentos. Trata-se de agrupar o material necessário a fim de encontrá-los

com mais facilidade em caso de precisão: daí a definição de lugares como

depósitos de argumentos.”(PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA,2000, p.

94)

No Tratado de Argumentação os lugares do preferível são classificados da seguinte

maneira:

1)Lugar da quantidade: Uma coisa é melhor do que a outra por razões quantitativas. É

preferível o que é mais durável, o que proporciona, mais vantagens, o que tem mais bens...

2)Lugar da qualidade: É preferível o que é original, raro. Usa como argumento o

contrário do que é expresso como consenso.

3)Lugar da unidade: É preferível o que é único, o que se opõe ao comum. Para Reboul

(2004) este lugar sintetiza os dois anteriores.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000) tratam também dos lugares da ordem, do

existente, da essência e da pessoa, mas para Reboul (2004) estes lugares integram ou derivam

dos três anteriores: lugar da ordem – pertence ao da unidade e prioriza o que vem primeiro;

lugar do existente – pertence ao da quantidade, o que existe há mais tempo é superior ao

recente; lugar da essência - pertence ao da qualidade, é superior o que é essencial em

contrariedade ao fortuito; lugar derivado do valor da pessoa – está ligado ao valor do sujeito e

à seu mérito.

Tipos de Argumento

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Argumentos quase-lógicos

São assim denominados por se apresentarem como comparáveis a raciocínios formais,

lógicos, matemáticos, mas que quando submetidos a uma análise logo se mostram diferentes

de uma demonstração formal. Caracterizam-se por “evidenciar um esquema formal que serve

como molde para a construção do argumento, depois as operações de redução que permitem

inserir os dados neste esquema e visam torná-los comparáveis, semelhantes,

homogêneos” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p. 219). Podem ser

apresentados nas seguintes modalidades: contradições, incompatibilidade, identidade e regra

de justiça, argumentos quase matemáticos e definição.

Argumentos fundados na estrutura do real

Apóiam-se na experiência, não na lógica. A intenção é explicar. Argumentam sobre

fatos acontecidos estabelecendo nexos entre estes fatos e outros. Estes nexos podem ser

estabelecidos por:

- Sucessão – infere um nexo causal entre os fatos. Tenta mostrar o efeito a partir do

valor da causa, ou o inverso, estabelecendo um juízo de valor.

- Argumento pragmático – “permite apreciar um ato ou acontecimento em função de

suas conseqüências favoráveis ou desfavoráveis.”(PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA,

2000, p. 358)

- Finalidade – sempre se baseia na idéia de que o valor de uma coisa depende da sua

finalidade. Explica “para quê”.

- Coexistência – é a relação feita entre a pessoa e seus atos. Neste tipo de argumento

há um fator importante: o prestígio. “O prestígio é uma qualidade da pessoa que se reconhece

pelos seus feitos” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2000, p. 345). São qualidades

reconhecidas que faz com que outras pessoas tendam a imitá-lo. Os argumentos de autoridade

se enquadram neste tipo, pois são influenciados pelo prestígio. “Utiliza-se dos atos ou juízo de

uma pessoa ou de um grupo de pessoas como meio de prova a favor de uma

tese.”(PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2004, p. 348)

Argumentos que se fundamentam na estrutura do real

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Também são empíricos, mas diferente do tipo anterior não se apóiam “na estruturado

real, criam-no ou pelo menos a completam, fazendo que entre as coisas apareçam nexos antes

não vistos, não suspeitados” (REBOUL, 2004, p. 181). Estes nexos podem ser estabelecidos

de diferentes maneiras:

- Por exemplos, ilustração, modelo – procura fazer uma ligação entre um fato e a

regra.

- Comparação – Faz comparação entre dois termos: mais bonito, maior, melhor... Para

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000) a comparação enquadra-se no argumento quase lógico

porque considera que medir é um ato matemático, mas Reboul (2004) classifica-a nos que se

fundamentam na estrutura do real por considerar que o que se mede é sempre empírico.

- Analogia e metáfora – Fazem relação entre duas coisas procurando provar uma

verdade. A primeira é sempre o que se quer provar e a segunda, o que é utilizado como prova.

Argumentos por dissociação de noções

São aqueles que dissociam noções em pares conceituais opostos entre si (meio/fim,

melhor/pior, aparência/realidade). Apresenta-se de maneira hierarquizada, em que o segundo

termo é sempre preferível, melhor que o primeiro.

Os argumentos apresentados podem estar presentes na estrutura do discurso e são

utilizados pelo orador para convencer o auditório sobre suas idéias. Na comunicação das

estruturas argumentativas o orador utiliza figuras de linguagem que dão sentido ao discurso e

legitimam os argumentos. As figuras de linguagem criam uma identidade ao que se pretende

falar, acomodando uma novidade para tentar comunicá-la, ou ainda, acomodando o que já

conhece a um novo auditório. Elas expressam e condensam os significados do discurso,

portanto a análise das figuras é importante para compreender os sentidos que o coordenam.

A estrutura argumentativa que organiza um discurso bem como as figuras utilizadas

para comunicá-la sempre giram em torno de um motivo central. Este motivo é uma figura, ou

esquema, um argumento ou um procedimento retórico que organiza todo o texto sempre

baseado na representação social que o grupo possui sobre o objeto do qual se fala no discurso.

Não é fácil identificá-lo em todos os textos, porém a identificação e exposição das metáforas

que coordenam os conjuntos dos argumentos pode ser um meio de se chegar ao motivo

central do discurso.

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Utilizamos a metáfora quando queremos assimilar algo novo ao nosso repertório de

conhecimento. Associamos então uma imagem pertencente a este repertório ao novo objeto,

de modo que este se torne familiar. Do mesmo modo, uma representação social é o esforço de

tornar algo não familiar em familiar. Seria possível então, identificar uma representação social

pela apreensão da metáfora que coordena o discurso? Em nossa opinião, sim. O processo de

metaforização implica em atribuir significado a um determinado objeto, estes significados são

expressos por meio de predicados, no entanto, este processo não acontece individualmente,

mas nas relações sociais e, por isso, envolve negociação, conversação e argumentação para

determinar os predicados mais coerentes ao objeto, que certamente estarão baseados nos

valores e crenças do grupo (MAZZOTTI, 1999). Este processo é o mesmo dos formadores de

uma representação social propostos por Moscovici: a objetivação e a ancoragem. Sendo assim

ao identificar a metáfora que coordena as idéias do discurso estaremos também revelando os

valores e modelos que a sustentam, ou seja, as representações sociais que o grupo possui

sobre o objeto e os valores onde estas estão ancoradas.

É importante ressaltar que a identificação de uma metáfora não é uma tarefa fácil, pois

quando usada adequadamente é como “usar uma roupa certa para a ocasião, nos cai tão bem

que não percebemos que ela está presente”. O mesmo acontece na objetivação e ancoragem:

ao naturalizar um objeto ele passa a integrar nossa rede de significados de tal forma que não

percebemos que criamos uma representação social sobre ele, por isso, esta pesquisa utilizará

as técnicas de análise retórica aqui descritas, baseando-se nos estudos de Perelman e

Olbrechts-Tyteca (2000), Reboul (2004), e Mazzotti (2004, 2002, 1999) para analisar as

entrevistas a fim de apreender nos discursos dos professores e alunos as representações

sociais de Educação Física.

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CAPÍTULO IV – A construção dos sentidos em jogo

Os caminhos que percorremos não seguem traçados lineares. Cada trecho, cada curva

nos reserva uma surpresa. O inesperado é uma das magias do caminho.

Jussara Hoffmam

Esta análise considera algumas questões que se referem ao âmbito do orador: quem

fala? Por que fala? Como fala? Onde fala? Sem, no entanto, excluir o papel de ideal regulador

do auditório universal. Estas questões integram o discurso ao contexto do sujeito falante,

integração esta considerada fundamental na análise retórica proposta por Perelman e

Olbrechts-Tyteca (2000), bem como Reboul (2004) e na teoria das representações sociais

(Moscovici, 2003), pois o discurso não é uma unidade isolada e estática, mas um processo

dinâmico que se transforma todo tempo. Procuramos apreender os elementos que aparecem

no discurso, explorando as possíveis ligações entre eles e relacionando-os à situação problema

e ao quadro teórico. Para identificar as figuras de linguagem presentes nos discursos dos

professores e alunos utilizamos como referência as proposições de Perelman e Olbrechts-

Tyteca (2000) e Reboul (2004). Dentre as figuras, procuramos identificar as metáforas

coordenadoras que permitem expor as metáforas usadas pelo orador, as quais podem aparecer

segundo as marcas de metaforização como: (a) o uso do aposto; (b) pelos marcadores

clássicos: “Joana é uma cobra”, no qual Joana é o mesmo que cobra sendo as ambas

diferentes ou em gênero ou em espécie; (c) por expressões como: “a imagem que me ocorre

é...”, “é igual a...”; (d) por meio de comparativos de outra natureza, mas sempre entre entes de

gênero ou espécie diferentes; (e) pela negação de características da metáfora, retificando

frases. (ver, por exemplo, Mazzotti, 2003, p. 24). Enfim, tal análise preocupa-se com “as boas

razões” apresentados pelos sujeitos para defenderem suas idéias, pois são estas razões que

trazem em si, por meio dos argumento, os valores e as representações dos entrevistados sobre

o objeto pesquisado. (DUARTE ; MAZZOTTI, 2004)

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OS ALUNOS:

Os que praticam e os que não praticam – consensos e divergências

As entrevistas foram realizadas pela pesquisadora, que se apresentou como aluna da

Universidade Estácio de Sá sem especificar o nível de ensino nem o curso, que fazia uma

pesquisa sobre Educação Física no ensino noturno. Então, o auditório para quem os alunos

falavam eram outros alunos, com um nível de escolaridade acima do deles, já que disse ser

aluna de uma Universidade, e, possivelmente, professores da faculdade.

No Rio de Janeiro, onde não há Educação Física no ensino noturno, desde 2005 já há

um boato sobre a possibilidade de incluir esta disciplina no PEJA, por isso, a princípio, alguns

alunos achavam que eu era da Secretaria Municipal de Educação (SME), colhendo

informações para a implantação da disciplina, então, com os alunos do Rio de Janeiro minha

apresentação foi mais detalhada para que ficasse claro para eles que eu não era da SME.

A “conversa” foi realizada na própria escola, em uma sala separada. Em Belford Roxo

eu sempre utilizei o horário da aula de Educação Física para fazer as entrevistas, o que

permitiu observar suas práticas e perceber se o discurso era coerente com o que acontecia de

fato.

As posições defendidas pelos alunos foram organizadas em três categorias: a definição

de Educação Física, as práticas adequadas para o seu ensino, e, com base nos argumentos das

duas primeiras, compreender a função da EF para os alunos: para que serve a Educação Física

na escola? Em seus discursos há sempre uma tomada de posição contra ou a favor da

Educação Física no ensino noturno, mesmo que implicitamente, e são as razões utilizadas

para justificar suas posições que serão aqui analisadas.

Inicialmente trataremos dos argumentos que dizem respeito ao conceito de Educação

Física.

EDUCAÇÃO FÍSICA

ESPORTE DIVERSÃO SAÚDE

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1 - Educação Física é ESPORTE e ATIVIDADE FÍSICA para DIVERSÃO (43

alunos). Esporte, aqui, não quer dizer treinamento com objetivo de formar atletas ou equipes,

mas uma abordagem recreativa do esporte que serve como exercício físico para relaxar e

divertir (idéia compartilhada pelos dois grupos). Esporte que também é para conhecer, falar

sobre ele, suas regras, as competições como: Pan, Olimpíada e Copa.(alunos de Belford

Roxo)

Quando falam sobre Educação Física, eu penso logo em futebol. (Homem – 14

anos – Rio de Janeiro)

Ah, uma física... preparo físico, também tinha que ter assim, escolher um dia

da aula, um futebol(...) (Homem – 43 anos- Belford Roxo)

(...) nós não temos um lugar adequado para praticar esportes, mas a

professora... poxa ela dá uma bola legal pra gente sobre esporte, explica

bastante coisa pra gente, ela fala tudo sobre esporte, inclusive nossas provas,

nossos testes são tudo sobre esporte. (mulher, 34 anos – Belford Roxo)

Mesmo os que não fazem a aula prática, não gostam, ou não se interessam por esporte,

acham que Educação Física é esporte, mesmo que seja para conhecer teoricamente. Citam

muito o futebol (para os meninos) e o vôlei (para as meninas ou para os homens e mulheres

juntos). Os argumentos apresentados que justificam esta correlação se relacionam a dois

fatores: suas experiências anteriores com a Educação Física e a influência da mídia.

Quase todos os alunos quando falam de suas vivências nas aulas de Educação Física

mencionam terem praticado esporte. Esta já é uma idéia naturalizada para eles. Educação

Física é sinônimo de Esporte.

Acho que à noite deveria ter atividades de Educação Física assim, normal,

Educação Física de jogar vôlei, futebol, esses negócios assim que tem rede.

(homem - 14 anos – Rio de Janeiro)

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Quando eu era criança tinha Educação Física, era bom, jogava vôlei, futebol.

(mulher - 40 anos – Rio de Janeiro)

No município do Rio de Janeiro há oito alunos que nunca fizeram Educação Física na

escola, por isso suas experiências anteriores dizem respeito à Educação Física dos filhos (que

também inclui o esporte), às práticas recreativas que tiveram na escola na hora do recreio

(jogar uma pelada com os amigos) ou, ainda, falam das experiências motoras que tiveram fora

da escola (brincando na rua, em clubes ou academias).

Lá a gente jogava mais assim, tinha o recreio e a gente jogava bola. (homem,

41 anos – Rio de Janeiro)

Eu só fiz Educação Física assim particular, por fora. (mulher -33 anos – Rio de

Janeiro)

(...) lá ele jogava bola dentro da vila, tinha o professor de Educação Física e ele

jogava bola também.(homem – 43 anos – Rio de Janeiro)

A mídia e a maneira como veicula as informações esportivas também contribuem para

a identificação entre Educação Física e o esporte. A grande cobertura dada aos eventos

esportivos torna-os assunto comum em roda de amigos, na escola, na igreja, em todos os

lugares. É um acontecimento social que envolve símbolos como prestígio, poder, ascensão

social, tornando-se referência para muitos, principalmente os jovens. Esses eventos, por sua

importância social e cultural, são também considerados pelos professores conteúdo

importante da Educação Física, o que reforça a imagem da EDUCAÇÃO FÍSICA =

ESPORTE.

Nós fazemos a aula escrita, ele até falou sobre as Olimpíadas, ensinou bastante

coisa pra gente sobre jogos... (mulher – 55 anos – Belford Roxo)

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(...) Nossa aula teórica? Ó, o mês passado foi sobre o Pan, Parapan, essas

coisas que passaram aí. (homem – 16 anos – Belford Roxo)

Os argumentos dos alunos que tratam da Educação Física como esporte, exercício

físico, fundam-se no lugar da quantidade: por ser o que mais se pratica, então é o que a define.

Tem mais valor, é mais desejável, porque é o mais usual, logo é o que caracteriza a Educação

Física.

(...) acho que tem que ter vôlei, futebol, handebol, estas coisas seria...acho que

mais prático assim, todo mundo já jogou, todo mundo já sabe. (mulher - 29

anos – Rio de Janeiro)

A forma hiperbólica utilizada na fala acima reforça o argumento de que tem mais valor

o que é conhecido por um maior número de pessoas que, nesse caso, “é todo mundo”. Esta

visão da Educação Física escolar como esporte, é, segundo Bracht (1999), resultado de um

processo iniciado no século XX, embora o esporte já fosse praticado desde a Grécia antiga.

Para aquele autor, no século XX houve uma mudança na ação do poder sobre o corpo em

função das mudanças históricas que ocorrem a partir do século XIX22. Há então uma

transposição do controle “do corpo via racionalização, repressão, com enfoque biológico para

um controle via estimulação, enaltecimento do prazer corporal, com enfoque

psicológico” (BRACHT, 1999, p. 74). Esse processo ganhou força após a primeira e a

segunda guerras mundiais. Os guerreiros agora são preparados no quartel, a guerra muda de

perfil em função dos avanços tecnológicos e os combates corpo a corpo dão lugar ao uso de

armas de fogo a distância, sendo assim, a Educação Física pôde ocupar-se de outras práticas,

como a atividade esportiva, que ganhou grande significado social naquele período, por isso

passou a ser vista como uma possibilidade de intervir sobre o corpo em seus aspectos

biológicos (força, resistência...) e comportamentais (mudança nos hábitos, respeito às regras,

por exemplo).

É claro que o esporte não tem um significado único, e, por ser polissêmico seu

significado depende do grupo e da cultura em que o pratica. No entanto o significado político

56

22 Mudanças no paradigma da modernidade para a pós-modernidade. Para saber mais: SANTOS, Boaventura de Souza . Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2003

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do esporte expressa a ideologia do grupo dominante, e, por isso contribui para dar às práticas

esportivas um sentido de universalidade, pois mesmo que os grupos reorganizem essas

informações de acordo com seus próprios valores os elementos da ideologia continuam

operantes em suas representações.

O movimento Olímpico, e, especificamente no Brasil, o sucesso das Copas de 1958,

1962 e 1970 instituiu às práticas esportivas a função de preparar as novas gerações para

representar o país em competições internacionais. Mesmo não sendo algo novo, pois o esporte

de alto nível já estava presente no Brasil desde o início do século XX, foi naquele período que

ganhou popularidade, principalmente o futebol, por isso ganhou o status de “para todos”, pois

provocava mobilização nas pessoas. Estes dois fatores referentes ao esporte (popularidade e

mobilização) tiveram repercussões na Educação Física, que perduram até os nossos dias.

Pela análise dos discursos foi possível verificar que a identificação entre esporte e

Educação Física encontra-se inclusive nos argumentos daqueles que falam contra a Educação

Física.

Eu acredito que EF é um, um, uma prática de algum esporte, né? (...) A minha

opinião sincera? Eu particularmente não gosto de nenhum esporte (...) futebol,

vôlei, basquete (pausa curta) não (risos) absolutamente não é a minha praia

(homem – 41 anos – Rio de Janeiro).

As hesitações, as pausas, os risos são indícios de desconforto por ir contra uma

representação dominante e socialmente bem aceita: “Esporte é bom, faz bem, diverte, como

pode alguém não gostar?” Utiliza-se uma hipérbole (absolutamente) para reafirmar o

silogismo: Educação Física é esporte, eu não gosto de esporte, logo, eu não gosto de

Educação Física.

Nas entrevistas dos alunos de Belford Roxo há também um discurso antitético que

coloca em lados opostos a Educação Física de dia e de noite. Se Educação Física é esporte e

exercício físico e no noturno não tem essa prática, então o que se tem não é Educação Física

de verdade.

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EF é fazer exercício, né? É fazer aquecimento, uma aula legal, não é ficar

sentado jogando baralho, nem fazer exercício dentro de sala de aula (homem –

32 anos - Belford Roxo).

A EF de dia era legal, melhor do que à noite, porque à noite a gente não pode

jogar bola, não pode jogar nada porque não deixam... (mulher – 15 anos –

Belford Roxo).

A dissociação de noções encontrada nesta última fala (noite – pior / manhã – melhor)

não é um consenso, pois para alguns alunos, embora achem que à noite não é Educação Física

“normal” como tinham de manhã, não estão dispostos a fazer exercícios físicos ou esportes e

acham melhor ficar na sala. Para esses alunos a Educação Física com práticas corporais era

melhor naquele momento, quando eram mais jovens, agora o melhor é estudar Educação

Física na sala. O que nos revela um dado importante, apesar de termos dividido os grupos

entre os que têm aula de EF à noite e os que não têm, as divergências encontradas, que

consideramos significativas, não dizem respeito àquela divisão, mas às diferenças de idade e

sexo, que encontramos neste contexto, e que formam subgrupos, que ancoram suas

representações em valores diferentes.

2. EF é brincadeira, diversão, momento de relaxar (28 alunos). Essa afirmação é

apresentada pela maioria dos alunos com dois significados, mas interligados: (1) diversão

porque é uma disciplina cujo conteúdo são jogos e brincadeiras próprias dos momentos de

lazer, é para desestressar. Está bem relacionada à representação anterior Educação Física =

esporte. (2) por ter como conteúdo jogos e brincadeiras é uma matéria mais fácil e não tem

tantas cobranças como as outras disciplinas, então é o momento de relaxar.

Educação Física é importante porque relaxa muito, é uma coisa que te deixa

assim, mais tranqüila para você lidar com as outras matérias que nos deixam

mais estressadas. (mulher – 33 anos - Belford Roxo)

Eu prefiro Educação Física porque esta matéria é mais fácil (mulher – 16 anos

- Belford Roxo)

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Eu diria que Educação Física é um divertimento (mulher – 55 anos – Belford

Roxo)

Os sentidos atribuídos à Educação Física são novamente usados para a defender e para

atacar, dependendo do sexo e principalmente da faixa etária de quem fala.

Bom, para mim seria importante ter Educação Física, não sei se pras outras

pessoas seria, mas eu acho também, assim, como o tempo é tão corrido e tem

muito trabalho pra fazer, na minha opinião seria, mas acho que seria

complicado, porque muitas pessoas iriam se atrasar, porque não copia direito,

tem dificuldade de copiar e aí iam se atrasar mais ainda (Mulher – 35 anos –

Rio de Janeiro)

Na fala dessa aluna, a afirmação de que a Educação Física é importante não se

sustenta diante do que ela realmente quer dizer, então usa a disjunção de pessoa (muitas

pessoas) que é um sujeito indeterminado, por isso tira a sua responsabilidade, deixando-a livre

para argumentar contra a Educação Física, pois atrapalharia o andamento das outras matérias

sérias e mais importantes.

Em muitas entrevistas aparece a figura da antítese que, como na fala acima, opõe a EF

(diversão, brincadeira) e as outras disciplinas (sérias e estressantes), mas que nem sempre

confere mais valor a Educação Física por isso. Essa antítese está subordinada às

representações de escola e do brincar, compartilhadas pelos grupos em questão.

Pesquisas, como as de Mezzomo (2003) e Lamb (2002), apontam para a oposição

entre escola e brincadeira, mesmo nas séries iniciais, com crianças. Slogans como: “brincar

não é sério, sério é aprender”, “brincar na escola é perda de tempo” são recorrentes a respeito

da brincadeira na escola. Segundo Mezzomo (2003) o lúdico é tratado como sendo falta de

seriedade pela família e pela escola. No ensino noturno a oposição seriedade x brincadeira

evidencia-se por dois fatores: a defasagem idade/ série e a idade dos alunos.

O contexto sócio-cultural nos cobra, todo o tempo, a escolaridade, o conhecimento

intelectual, que vem acompanhado de signos como: prestígio, reconhecimento, ascensão

social e financeira, embora isso seja muito relativo. Os alunos do ensino noturno, que já estão

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“atrasados” nos estudos, almejam aquele conhecimento, consideram perda de tempo fazer

Educação Física, pois o jogo e a brincadeira não irão proporcionar o que para eles é essencial:

o saber, uma vez que “(...) a gente vem pra escola pra estudar, não vem pra escola pra ficar

jogando, né?” ( mulher – 50 anos – Rio de Janeiro).

Os preferíveis presentes na argumentação de alguns alunos mais velhos fundam-se nos

lugares do único, da essência: a escola é lugar onde se transmite o saber essencial e único: o

intelectual, o da mente, que se sobrepõe às atividades corporais, à brincadeira. Esta idéia não

é compartilhada pelos alunos mais jovens. Para eles, a EF é o momento de relaxar das outras

matérias que são chatas, é o que estimula vir à escola, a brincadeira então, ganha um sentido

positivo para estes alunos. Até os mais velhos defendem a Educação Física se for para os mais

jovens, não para eles.

(...)deveria, porque...(pausa curta) sei lá, para aliviar porque ninguém vive

assim... é, é tipo igual computador, ninguém vive só de trabalho, precisa se

divertir também, então eu acho que deveria ter Educação Física” (homem, 16

anos – Rio de Janeiro).

A metáfora “computador”, usada pelo aluno, corrobora a idéia da oposição da

Educação Física (diversão) com as outras disciplinas (trabalho), mas que para o jovem tem

valor positivo, pois eles gostam de se divertir e “estão na idade pra isto”.

Então, de maneira geral, a brincadeira até pode estar na escola, como mostrou

Mezzomo (2003) em sua pesquisa, mas de maneira regulada, na hora do recreio ou na

Educação Física, para as crianças e os jovens, porque estes precisam destas atividades para

seu desenvolvimento corporal ou para “gastar ENERGIA”, mas não porque a brincadeira faça

parte da construção do conhecimento escolar. Com base nestas representações podemos

afirmar que no ensino diurno a Educação Física, embora possa não ser valorizada pela

instituição ESCOLA, é legitimada pelos alunos que são crianças ou jovens, entretanto no

ensino noturno esta legitimação é parcial, pois a diversidade etária é grande, e há um número

considerável de adultos e idosos.

“Os jovens, eles lutam pra ter Educação Física, toda reunião de representantes

eles pediam pra iluminar a quadra pra ter Educação Física, qualquer

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representante de sala sempre pede, porque eles têm muita energia, nós mais

velhos não, porque já estamos mais cansados” (mulher – 34 anos – Rio de

Janeiro)

3 – Educação Física é saúde (10 alunos) – A idéia da atividade física vinculada à saúde

está muito associada aos alunos adultos ou idosos, porém com sentidos diferentes para os

alunos do Rio de Janeiro e de Belford Roxo.

Eu acredito que deveria ter Educação Física à noite, faz parte né, ainda mais a

gente que é assim um pouco de idade, mexer um pouco e tal e alongar e tal é

muito bom, os médicos até recomendam a gente de vez em quando caminhar,

praticar alguma coisa, eles mandam até a gente fazer isto.(homem – 51 anos –

Rio de Janeiro)

Os argumentos utilizados na associação EDUCAÇÃO FÍSICA / SAÚDE estão

baseados na estrutura do real, dando nexo aos dois elementos pelo estabelecimento de uma

finalidade. “A Educação Física é valorizada porque é boa para a saúde”. Tal relação é

apresentada como um fato, sem considerar se o praticante gosta ou não da atividade ou, ainda,

sem considerar que dependendo da atividade física e da pessoa que a pratica ela poderá trazer

prejuízos e não benefícios para a saúde.

O argumento de autoridade, nesse caso o médico que recomenda a atividade, é muito

utilizado para fundamentar este discurso. Interessante notar que este médico é generalizado e

pode ser substituido por “ciência médica”, reforçando ainda mais o argumento de autoridade.

O anonimato do autor da recomendação faz com que apareça como algo que todos sabem,

opera por meio da retórica do abreviado, como no slogan, não se discute, aceita-se ou não. A

mídia, agente de transmissão e propagação de ideologias, fortalece a representação social da

Educação Física com finalidade de melhorar a saúde por meio de slogans como: “esporte é

vida”, “pratique atividades físicas regularmente”, “esporte é saúde”, dentre outros.

Mesmo sendo recorrente na fala dos alunos dos dois municípios, foi possível perceber

algumas diferenças entre os discursos em função da prática da Educação Física por parte dos

alunos de Belford Roxo.

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Em relação aos alunos do Rio de Janeiro, em todas as entrevistas que apareceu o

elemento SAÚDE, este se relacionava à atividades práticas, ou seja, fazer exercício físico na

Educação Física, seja caminhada, alongamento, futebol... Trará benefícios para a saúde dos

alunos.

Eu acho importante ter Educação Física sim, se mexer é bom, é saúde.(mulher

– 78 anos – Rio de Janeiro)

Até que, já que eu não tinha tempo assim de dia, que eu trabalho de dia, aí quer

dizer à noite era uma boa ter Educação Física, serve pra saúde. (homem – 43

anos – Rio de Janeiro)

Já os alunos de Belford Roxo, como eles têm muita aula teórica de Educação Física,

relacionam essa disciplina escolar com o conhecimento acerca do corpo, alimentação, postura,

doenças, que poderá levá-los a melhorar sua saúde e de seus familiares, porque “conhecendo”

o que é bom para a saúde poderão modificar seus hábitos, fazendo o certo.

A professora ela passa dever, ela explica os problemas de saúde, o que a gente

deve fazer quando joga um futebol, ela explica tudo mesmo direitinho”.

(Homem – 44 anos – Belford Roxo)

Pô, o professor começou a dar umas paradas maneiras, todo mundo começou a

se amarrar na aula dele, maneiro pra caramba, todo mundo falando, até

aprendeu a fazer a alimentação dos filhos na moral, que pô, antigamente só

dava besteira, aí conversando com elas, elas falaram que agora dão alimentação

certinha, muitas frutas, estas paradas aí. (homem – 16 anos – Belford Roxo)

A Educação Física como instrumento para um corpo saudável está ancorada na

abordagem higienista, muito difundida no final do século XIX e início do século XX em

função das péssimas condições sanitárias e higiênicas das cidades naquela época que

acarretou na propagação de muitas doenças, tendo a Educação Física a função de ensinar

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hábitos saudáveis. Nessa abordagem a “preocupação central é com os hábitos de higiene e

saúde, valorizando o desenvolvimento do físico e da moral a partir do exercício”. (DARIDO;

RANGEL, 2005, P. 2)

Para os alunos adultos e idosos, a Educação Física aproxima-se mais dos objetivos da

escola quando mais se relaciona à saúde, pois, assim, seus conteúdos baseiam-se nos

conhecimentos legitimados pela ciência, como as outras disciplinas, e os alunos podem

“aprender mais”.

Diante de alguns consensos e divergências a respeito do conceito de Educação Física,

quais seriam os conteúdos próprios da disciplina? Que atividades são consideradas adequadas

para os alunos do ensino noturno?

Pelas falas dos alunos conseguimos apreender indicações de atividades diferentes que

dependem da idade e do sexo. Os entrevistados do Rio de Janeiro, sendo jovem, adulto ou

idoso, sempre apontavam atividades diferentes para cada grupo: esporte e brincadeiras para os

mais jovens e atividades “leves” como caminhada e alongamento para os mais velhos. Essa

divisão de atividades por grupo confirma-se nas aulas de Educação Física de Belford Roxo,

nas escolas em que há prática corporal os jovens fazem a aula prática (jogam futebol ou vôlei)

e os adultos ou idosos fazem “atividades leves” (jogos de salão e aula teórica).

É diferente, tinha que ser uma coisa mais leve, um alongamento, o que

mais...eu não sei, não sei te explicar muito bem, coisas leves porque à noite o

pessoal já está mais idoso, né? E já vem mais cansado do trabalho (...) Ah, a

garotada gosta de futebol, de handebol, de basquete. (mulher – 78 anos – Rio

de Janeiro)

A antítese é novamente a figura principal que opõe o jovem e o adulto. A predicação

LEVE x PESADO também está relacionada a esta antítese: o adulto e o idoso precisam de

atividade leves porque já agüentam um fardo pesado por conta do trabalho, dos filhos, do ter

que cuidar da casa, já os mais jovens têm uma vida leve, alguns ainda não trabalham, só

estudam, por isso agüentam atividades mais pesadas.

Pude observar, em minhas visitas às escolas de Belford Roxo, que as atividades

propostas para os mais velhos, os jogos de salão, não são bem aceitos por esses alunos, não

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despertam seu interesse e não têm significado para eles, por isso eles acham perda de tempo e

preferem as aulas teóricas.

Não, a Educação Física é importante, é bom porque a gente dá uma refrescada

na memória, vamos supor assim que no dia de aula de EF você está com a

matéria atrasada de matemática, uns fazem e outros ficam ali copiando

matemática... (homem – 32 anos – Belford Roxo)

É interessante observar que a primeira afirmação “Educação Física é importante”, é

negada logo em seguida, pois ele diz que os alunos fazem o trabalho de outras matérias (que

são sérias e importantes) na aula de Educação Física, ou seja, para eles é como se fosse um

tempo vago.

Em duas das escolas visitadas a prática corporal é quase nenhuma, as aulas são

basicamente teóricas. Nestes locais os jovens reclamam por não poderem fazer atividade

prática e a Educação Física fica igual às outras matérias: chata.

Ah! aqui é (pausa curta) aqui é um pouquinho ruim a Educação Física, sem

prática. (homem, 16 anos – Belford Roxo)

A Educação Física é legal porque a gente joga, estas coisas, mas à noite é a

mesma coisa que as outras matérias... (mulher – 15 anos – Belford Roxo)

Os argumentos utilizados pelos alunos para defender essa ou aquela Educação Física,

tendo como base a idade dos alunos, estão coordenados pela metáfora DEPÓSITO DE

ENERGIA, que se desdobra em MUITA ENERGIA definindo os jovens e FALTA DE

ENERGIA definindo os adultos e idosos. Compara-se o homem com algum depósito de

energia (elétrica, gasolina, pilha) que vai “acabando” com o tempo e as atividades física e

psíquica consomem esta energia. Nessa hipótese, há um repositório que é gasto pelo uso. Uma

concepção estática de corpo e de intelecto (psiquismo), pois se compara com um depósito. A

atividade física, por exemplo, apenas gasta energia, não produz energia... Esta metáfora

também aparece na fala dos alunos do Rio de Janeiro e tem como referente o corpo da pessoa.

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Expressa o que por elas é vivenciado, pois com a idade sentimos essa perda de capacidade de

ação (energia).

Como eu gostaria que fosse? (pausa curta) gostaria que (pausa média) Ah, não

sei, mas praticamente mesmo todos os alunos... mas não iam gostar também

não de ... Porque eles já tão é..., aí eles já tão velhos e acham que não podem

fazer mais, jogar bola, fazer vôlei, esses negócios, aí não gosta mais. (homem –

14 anos – Rio de Janeiro)

Para os jovens que não tem uma ocupação seria bom, mas pra mim que

trabalho de segunda a segunda não teria utilidade, pois eu já faço atividade até

demais, além disso, eu já passei até da idade de fazer estas coisas. Podia ter à

noite porque o exercício faz bem pra saúde, mas é bom quem não quisesse

poderia ir embora ou ir pra sala. Pra mim não tem nenhum sentido, mas pros

colegas seria uma boa, pois tem muitos jovens, seria bom pra eles gastarem

energia.( homem – 33 anos – RJ)

A metáfora do DEPÓSITO DE ENERGIA que descarrega com o tempo, utilizada para

caracterizar o sistema energético do homem está relacionada à representação social de

desenvolvimento humano. Segundo Almeida e Cunha (2003, p.147), que pesquisaram tais

representações, os resultados da pesquisa mostram que “a criança foi associada com

brincadeiras, inocência e dependência; o adolescente com transformações no corpo, crises

existenciais e sexualidade; o adulto com produtividade, trabalho, estabilidade e o idoso com

sabedoria e experiência”. Apesar da pesquisa de Almeida e Cunha ter sido feita com

professores, as falas dos alunos nesta pesquisa revelam uma RS de desenvolvimento humano

muito próxima dos resultados encontrados pelas autoras. É uma visão de desenvolvimento

pautada no progresso, a infância e a adolescência são as fases das transformações, estão se

desenvolvendo, na idade adulta o indivíduo já se desenvolveu, tem responsabilidade, não

pode perder tempo com brincadeiras e o idoso também já está desenvolvido, o que lhe resta

agora é passar toda a experiência e sabedoria que acumulou. Esta visão de progresso ou

percurso baseia-se na verificação do crescimento das pessoas, as transformações pelas quais

passamos são visíveis. Cada etapa determina o que é adequado ou não fazer, o que se torna

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algo fixo. Esta determinação não é desprovida de significado, pois as pessoas sentem que não

podem ser mais o que foram antes e transgredir estes valores, mesmo podendo escolher,

significa romper com o grupo e negar o que lhe confere identidade. Além da idade, o sexo

também traz diferenciações quanto às atividades que devem ser realizadas nas aulas de

Educação Física. As diferenças corporais e de interesse apontam para atividades também

diferentes.

Homem não tem jeito, homem teria que ser futebol, apesar de que, eu acho que

vôlei, vôlei a gente pode misturar homem e mulher. (mulher - 29 anos – Rio de

Janeiro)

O surgimento de diferenciação por gênero na fala dos entrevistados levanta uma

questão bastante polêmica na Educação Física, que ainda é alvo de muitos debates: as aulas de

Educação Física devem ser mistas ou separadas por sexo? Os Parâmetros Curriculares

Nacionais e as Diretrizes Curriculares Nacionais recomendam a aula mista, mas será que na

prática é possível em todas as aulas ministrar as mesmas atividades para homens e mulheres

de qualquer idade e em qualquer nível de ensino?

Segundo Gilligan (1982), estudos de Chodorow, Lawrence e Piaget, que foram

posteriormente ampliados por Lever sobre as diferenças de sexo na formação da

personalidade apontam seu início ainda na infância quando meninos e meninas são

estimulados a atividades lúdicas de natureza diferentes. Enquanto os primeiros são

encorajados a atividades mais livres que envolvem riscos e desafios, com um grupo maior de

amigos e cunho competitivo, as meninas tendem a brincar em grupos menores, em atividades

mais cooperativas, estimulando a sensibilidade. Tais estudos “sugerem que meninos e

meninas chegam à puberdade com uma orientação interpessoal diferente e uma diferente

gama de experiências sociais”. (GILLIGAN, 1982, p. 21)

Na Educação Física tais diferenças acentuam-se, pois muitas atividades próprias

dessas aulas exigem força, agilidade, coordenação, percepção...Valências físicas que se

apresentam de maneira diferente nos homens e nas mulheres, seja por determinantes culturais

ou biológicos. Em função disto, atualmente, as recomendações para o trabalho com gênero na

Educação Física é que contemple, desde cedo, a oferta de diferentes atividades para ambos os

sexos, sem estereotipar como “coisa de menino” e “coisa de menina”, proporcionando

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práticas corporais que levem ao reconhecimento e o respeito às diferenças (DARIDO;

RANGEL, 2005). Nas práticas corporais com crianças, quando essas diferenças ainda estão se

formando, a proposta da aula mista é mais bem aceita, porém, em minhas observações durante

esta pesquisa e na análise dos discursos dos alunos, pude perceber que o mesmo não acontece

com os jovens e adultos, momento em que tais diferenças encontram-se bastante

consolidadas. As mulheres são mais resistentes a atividades corporais, inclusive as mais

jovens. Nas escolas que visitei em Belford Roxo (as que tinham aula prática) poucas são as

meninas que vi participando. Elas fazem mais aula teórica ou brincam com os jogos de salão.

Tem, tem meninas novas sim, é que as meninas geralmente não praticam

muito, umas não gostam, outras têm medo de se machucar, umas não gostam

de correr (...) Não, eu não faço. (mulher – 23 anos – Belford Roxo)

Eu participaria, porque eu gosto de fazer exercício físico, já tem outras alunas

que não gostam...(mulher – 39 anos – Rio de Janeiro)

A exposição corporal, própria das atividades de EF, nesse momento gera vergonha e

medo nas mulheres. Tais argumentos ancoram-se nos valores que justificam as práticas

corporais de homens e mulheres em nossa sociedade e que ainda são bem diferentes, embora

aparentemente estejamos num momento de igualdade entre os sexos. Os homens são sempre

estimulados à liberdade corporal e sexual enquanto as mulheres são recomendadas o recato, a

feminilidade (demonstrada pela fragilidade e sensibilidade). A resistência das mulheres à

prática dos jogos e de algumas atividades corporais também está atrelada ao caráter

competitivo de algumas destas atividades. É interessante notar que as atividades

recomendadas para as mulheres geralmente são aquelas que não têm cunho competitivo:

ginástica, alongamento, caminhada.

As atividades? Alongamento para as senhoras de idade, pô. (homem – 15 anos

– Rio de Janeiro)

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Se tivesse Educação Física seria animador, porque os meninos gostam de jogar

futebol e as meninas iam ter atividade pra poder escolher alguma coisa.(mulher

– 29 anos – Rio de Janeiro)

Lever (1976 apud GILLIGAN, 1982) pesquisou o comportamento de crianças

(meninos e meninas) nas aulas de EF e na hora do recreio. Os resultados mostram que os

meninos gostavam de jogar competitivamente e mediavam conflitos sem que isto

determinasse o fim do jogo, enquanto para as meninas o surgimento de disputas geralmente

levava ao fim do jogo.

Horner (1968 apud GILLIGAN, 1982, p. 25) também pesquisou a questão da

competitividade nas mulheres, mas na idade adulta. Utilizando o TAP (Teste de Apercepção

Temática), ela concluiu que este “medo existe porque, para a maioria das mulheres, a previsão

de sucesso na realização competitiva, sobretudo contra homens, produz previsão de certas

conseqüências negativas, por exemplo, ameaça de rejeição social e perda de feminilidade”.

Podemos perceber que os valores culturais que justificavam estes resultados na década

de 1960, ainda perduram até os dias de hoje. São representações sociais de longa duração que

integram as representações atuais sobre os papéis feminino e masculino em nossa sociedade.

As justificativas dos alunos para recomendar atividades diferentes para homens e

mulheres baseiam-se em argumentos fundados na estrutura do real e se apóiam em suas

próprias experiências. São argumentos do tipo pragmático, ou seja, uma atividade é adequada,

ou não, em função de suas conseqüências favoráveis ou desfavoráveis para quem o prática.

Este julgamento do que é favorável ou desfavorável é um juízo de valor, por isso, vai

diferenciar-se de grupos para grupos tomando “status” de verdade.

O discurso é, também neste aspecto, antitético, pois faz oposição do que é apropriado

para homens e mulheres.

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CONCLUSÃO

Educação Física é ESPORTE e DIVERSÃO que serve para RELAXAR e melhorar a

SAÚDE. A metáfora que coordena e condensa estas idéias é a de REMÉDIO. Este serve para

curar um corpo que já não é saudável ou prevenir alguma doença futura. Relaxar e se divertir

também é o REMÉDIO adequado para os jovens e adultos que precisam se desestressar das

atividades de trabalho ou das outras disciplinas que são estressantes. Essas representações

sociais de Educação Física para os alunos de Belford Roxo e do Rio de Janeiro são

compartilhadas pelos jovens, adultos e idosos. As diferenças encontradas, as significativas

para este estudo, não dizem respeito ao fato de um grupo praticar a Educação Física e o outro

não, mas aos preferíveis dos subgrupos encontrados nos dois municípios que se caracterizam

por diferença de faixa etária e de sexo. Estas diferenças têm como referente a metáfora do

corpo como DEPÓSITO DE ENERGIA e que determinam a Educação Física como boa ou

ruim, importante ou dispensável. Mesmo apresentando as mesmas representações, os

preferíveis onde estas representações estão ancoradas não são os mesmos, por isso as práticas

também não são e seguem os interesses e os valores defendidos por cada grupo.

Para chegar a esta conclusão retomamos os elementos usados pelo orador para

convencer do que ele está falando, tanto no campo do preferível, quanto no real. Como as

representações sociais são construções de grupo, buscamos os elementos recorrentes nas

diferentes falas para diferenciar uma opinião individual, daquela que é compartilhada pelo

grupo, que é o que caracteriza a representação social.

No campo do preferível são apresentados os valores e as hierarquias. Os valores, aqui

presentes, têm como referência a representação de corpo que determina a importância e o

prestígio social da Educação Física. Para os jovens, o valor da Educação Física se sustenta no

lugar da quantidade (o que todo mundo conhece, o que aparece mais na mídia, é para os que

têm mais energia); já para os adultos e idosos o lugar do único, do essencial (a escola é lugar

onde se aprende o saber essencial: o intelectual) é o que justifica a falta de importância da

Educação Física.

São estas representações que orientam a escolha das atividades que eles consideram

adequadas nas aulas de Educação Física, ou seja, suas práticas.

Para os meninos mais jovens os signos associados ao corpo vêm carregados de

prestígio social: ter um corpo bonito, saber praticar esportes, saber falar sobre eles, ou, ainda,

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sonhar com ascensão social por meio do futebol (sonhos estimulados pela criação de mitos

esportivos), por isso a Educação Física para eles é PARA FAZER.

Para as meninas, mesmo as mais jovens, o prestígio vem de outros signos como

feminilidade e sexualidade, que podem ser ameaçados pela prática de esporte. Embora a

beleza também seja um signo de prestígio nesse grupo, ele deve ser cultivado pela prática de

outras atividades como ginástica, alongamento, dança, consideradas culturalmente como

femininas. Além disso, a beleza, para a mulher, também está em outros símbolos como

roupas, sapato, maquiagem, perfume, cabelo arrumado. A prática do esporte ou de outra

atividade física implica em assistir as outras aulas suadas, com cabelos despenteados, por isso

nem sempre são bem aceitos pelas mulheres. Então, para esse grupo, a EF é PARA FAZER

(dependendo da atividade) E PARA FALAR.

Para ambos os grupos (meninos e meninas jovens), o momento da Educação Física

como DIVERSÃO é considerado importante, uma vez que é quando podem estar

RELAXADOS. Essa idéia é sempre apresentada em oposição ao ESTRESSE, que é a

dificuldade e as cobranças das outras disciplinas escolares. É recorrente na fala de alguns

alunos, principalmente de Belford Roxo o uso da expressão: “copiar a matéria”. O ensino das

disciplinas parece estar fundamentado nessa tarefa do aluno: copiar o ditado pelo professor, o

que as torna muito chatas, por isso estressantes, daí a Educação Física ser o REMÉDIO para

este estress.

Para os alunos adultos e idosos (homens ou mulheres) os preferíveis são outros. O

prestígio social vem do bom emprego, do bom nível de escolaridade, de saber falar e escrever

direito, por isso o esporte e a diversão é perda de tempo, o importante são as disciplinas

escolares que oferecem conhecimento intelectual, com o qual podem conseguir um emprego

melhor e, assim, posicionarem-se melhor socialmente. A prática de atividade física, mesmo

sendo como um REMÉDIO que serve para melhorar a saúde ou prevenir doenças, seu lugar

não é na escola, pois pode ser encontrada em clubes, academias, projetos da prefeitura...A

escola é lugar da aquisição dos saberes essenciais, com vistas a uma melhor posição no seu

grupo social. Sendo assim, para este grupo a EF é PARA FALAR. Falar sobre o corpo e os

cuidados com ele, transmitir algo que eles considerem conhecimento, pois só assim a

Educação Física se encaixa no lugar ocupado pela escola: “Eu acho que ele deveria dar mais

aula escrita para gente, para gente ter mais conhecimento” (mulher, 55 anos, BR).

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O TEMPO é outro diferencial importante nos argumentos dos grupos para justificar a

importância ou não da Educação Física. Os mais novos têm muito tempo, por isso podem

brincar e se divertir enquanto os mais velhos não podem perder mais TEMPO com

brincadeiras ou jogos, pois possuem pouco TEMPO para estudar, para arrumar um emprego

melhor, enfim, seu TEMPO de vida não corresponde ao dos jovens, por isso possuem mais

urgência e priorizam aquilo que consideram suas necessidades agora. Aqui o TEMPO está

também relacionado à representação de corpo como DEPÓSITO DE ENERGIA, pois o

TEMPO de vida relaciona-se à quantidade de energia que se encontra neste depósito,

regulando quanto é possível gastar e com que.

No campo do que é concebido como real, as argumentações são pautadas em fatos

verdades e presunções.

As experiências de Educação Física vivenciadas pelos alunos ou por seus filhos e as

informações veiculadas pela mídia são fatos que fundamentam suas argumentações

legitimando suas representações. A presunção23 utilizada pelos alunos, sustenta-se numa

sucessão causal, admitida pelo grupo em função dos fatos apresentados acima: a Educação

Física é um REMÉDIO: esporte e exercícios físicos, que proporcionam diversão e benefícios

para a saúde, mas que dependendo da atividade não é adequado à todos os grupos, pois o

DEPÓSITO DE ENERGIA, que temos repleto quanto nascemos e vamos gastando ou

perdendo durante a vida, determina o que é pertinente fazer em cada etapas da vida humana.

Esta presunção sustenta os argumentos tanto dos que atacam como dos que defendem a

Educação Física na escola e é apresentada nos discursos pela figura da antítese: Educação

Física noite x Educação Física dia, atividades para homens x atividades para mulheres,

Educação Física para jovens x Educação Física para adultos e idosos, aula prática x aula

teórica. Esse discurso antitético coordenado pelas metáforas REMÉDIO para Educação Física

e DEPÓSITO DE ENERGIA para corpo, estabelece a finalidade da Educação Física: no caso

dos jovens, quem têm “muita energia” em seu DEPÓSITO, a Educação Física serve para

aliviar as tensões, regular o excesso de energia; para os mais velhos, embora a Educação

Física seja uma maneira de relaxar das tensões diárias, melhorar a saúde ou prevenir doenças,

nem sempre sua prática é adequada para eles, pois seu DEPÓSITO já não tem energia para

71

23 “Tipo de raciocínio vinculado ao normal e ao verossímil de determinado grupo social”. DUARTE ; MAZZOTTI -2004, p.101)

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isso, então o adequado é que a Educação Física forneça informações (conhecimentos) que

permitiriam realizar o uso adequado desta energia..

OS PROFESSORES:

A teoria da prática e a prática da teoria

As entrevistas, realizadas pela pesquisadora, ocorreram nas escolas em que os

professores trabalham, em Belford Roxo, em seus dias de aula, no turno da noite, para

viabilizar a observação das práticas; e, na cidade do Rio de Janeiro nos turnos da manhã e

tarde, uma vez que não trabalham à noite.

Apresentei-me como aluna do Mestrado em Educação da Universidade Estácio de Sá,

fazendo uma pesquisa que busca saber o que eles fazem (Belford Roxo); ou como eles acham

que deve ser (Rio de Janeiro) a Educação Física no ensino noturno. Durante minha

apresentação procurei mostrar meu interesse pelo trabalho com Educação Física no ensino

noturno e minha inexperiência neste tipo de trabalho, bem como a escassez de trabalhos,

bibliografias e debates sobre o assunto, ressaltando a importância da fala dos pesquisadores

para esta pesquisa. Sendo assim, o auditório regulador dos discursos é, de maneira geral, os

membros da Universidade (professores e alunos) aos quais se destina as pesquisas de

mestrado, e outros professores de Educação Física interessados neste debate.

Procurei direcionar “a conversa” de maneira que pudéssemos apreender elementos

sobre os seguintes aspectos: qual a função da Educação Física no espaço escolar; as atividades

apropriadas ao ensino noturno; como os professores percebem os alunos dessa modalidade, e

porque eles se interessam em atuar neste espaço. Ao abordar estes aspectos, o objetivo foi de

apreender não só os sentidos atribuídos à Educação Física, mas também de compreender em

que valores estas representações estão ancoradas, priorizando o processo de construção e os

mecanismos de manutenção e substituição destas representações.

Iniciaremos a análise focando a função da Educação Física no espaço escolar. Para os

professores (do Rio de Janeiro e de Belford Roxo), são muitas as funções atribuídas a esta

disciplina.

72

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1) Melhoria da saúde e da qualidade de vida (15 professores). Enfoque recorrente

entre os professores, mais saliente no município de Belford Roxo. Todos os professores

estabelecem os conteúdos de suas aulas no conhecimento do corpo, cuidados com a

alimentação, postura, drogas. Dentre os professores do município do RJ, em cinco das dez

entrevistas, aparece a perspectiva da Educação Física como atividade que pode trazer

conhecimento sobre o corpo e suas possibilidades, melhorando a qualidade de vida.

Eu acho que este trabalho deve ser mais voltado pra questão da qualidade de

vida e instrução para a saúde. (Professora, 29 anos, Rio de Janeiro)

Educação Física é corpo, é movimento, o que é que este corpo pode

desenvolver? O que ele pode apresentar? O que é que este corpo não pode

fazer? Como é este corpo e o que este corpo tem? Aí você vai pega por aqui,

pega por ali, uma noção de anatomia, uma noção de primeiros socorros, é...

uma noção de ...enfim é...por exemplo, adolescente eu posso falar agora sobre

antidoping, como é feito este exame, o que são anabolizantes, é...então eu vou

por este caminho. (Professor – 44 anos – Belford Roxo)

Os argumentos utilizados pelos professores estabelecem a estrutura do real a partir da

finalidade: é conhecendo melhor o corpo e os hábitos saudáveis, que o sujeito poderá cuidar-

73

Educação Física

RelaxarAjudar as outras

matériasSaúde

Resgate

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se e ter boa saúde e qualidade de vida. É interessante notar que nos argumentos usados pelos

professores acima, os verbos utilizados são: instruir e falar, o que nos leva a compreender que

todos estes conteúdos são teóricos na Educação Física. Não é a prática da atividade física nas

aulas que trará benefícios à saúde, é o debate a respeito do assunto que levará os alunos, pela

informação, a mudar seus hábitos cotidianos, proporcionando-lhes mais saúde.

(2) Para ajudar no rendimento das outras matérias, ajudar a entender a escola como um

todo. Esse argumento é utilizado por quatro professores do Rio de Janeiro, nas entrevistas

com os professores de Belford Roxo este elemento não apareceu. Defendem o trabalho com o

corpo também como auxiliar da aprendizagem dos conteúdos de outras matérias,

principalmente com os alunos do PEJA, que apresentam muitas dificuldades de

aprendizagem. É a afirmação do clássico “mens sana in corpore sano”, velho slogan que

reaparece sempre quando se trata da Educação Física. Ao disciplinar o corpo para a

racionalidade da escola, disciplina-se também a mente. Esta idéia não se encontra explícita

nas falas dos professores, mas podemos percebê-la no seguinte silogismo retórico: as

disciplinas são racionais e os alunos não aprendem, a Educação Física educa o corpo para

auxiliar na aprendizagem racional dos alunos, logo a educação do corpo é a que determina a

da mente. Este é um silogismo abreviado que deixa implícito o que se quer dizer, o abreviado

não decorre apenas do fato de ser supérfluo falar ou que já se sabe ou o que se presume que as

pessoas saibam, mas sim porque é no abreviado que está a força persuasiva do silogismo

retórico, assim como no slogan.24

Você tem no PEJA, pessoas que não aprenderam, que tem dificuldade de

aprendizagem, pessoas que foram complicadas, não conseguiram se alfabetizar,

que abandonaram por uma série de dificuldades(...) pensei, poxa se eles estão

com dificuldades, você pode levar a proposta do trabalho com o corpo, talvez

seja interessante para mudar, interferir numa situação que não deu certo.

(Professor, 44 anos, Rio de Janeiro)

74

24 Prof. Dr. Tarso Mazzotti – comunicação por e-mail – 16/02/2008

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(...)Eu acho que no momento que ele vai ter Educação Física muitas coisas vão

até melhorar pro aprendizado dele, vai complementar (...) (Professora – 36

anos – Rio de Janeiro)

As linguagens corporais, próprias da Educação Física, trabalham com o aspecto da

sensibilidade, da motivação, diferente das outras matérias que usam a racionalidade na

abordagem dos seus conteúdos, o comum na escola é esta abordagem racional, que no caso

dos alunos do ensino noturno, os levou ao fracasso escolar, então é preferível um trabalho que

se oponha ao comum, que utilize uma outra linguagem, a do corpo, para auxiliar na

aprendizagem de conteúdos formais. A Educação Física é então, apresentada pelos

professores como antagônica às outras disciplinas que são racionais, mas ao mesmo tempo,

como um caminho para atingir esta racionalidade.

3) A atividades de Educação Física servem para relaxar e desestressar das dificuldades

da escola e da vida, além de ser uma maneira relaxante de aprender. É o momento de lazer e

prazer que os alunos têm na escola. (8 professores)

Eu sempre trabalhei no noturno visando principalmente deles o lazer,

entre aspas, por que o lazer? O que acontece a noite a maioria dos alunos, 90%

dos alunos, já vem do trabalho, então a proposta principal para eles é o lazer,

eu tenho turmas que o refúgio deles é a Educação Física, então chego até ser

chamado várias vezes atenção pela direção, porque os alunos fazem Educação

Física, mas não fazem matemática, português, não fazem as outras matérias, já

tive casos, vários casos assim, porque o aluno não tem aquele prazer, então eu

quero que eles sintam prazer, é o que eu sempre falo pra eles eu não quero que

vocês venham pra minha aula obrigados, eu quero que você venha pra minha

aula pra ter o prazer de participar, venha pra minha aula pra ter o prazer de ter

este extravaso de energia... ( professor – 40 anos – BR)

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Na fala dos professores que defendem esta idéia, a Educação Física está dissociada do

ambiente escolar, não tem cunho educativo, mas terapêutico. É a mesma idéia da Educação

Física como REMÉDIO, e do corpo como DEPÓSITO DE ENERGIA já identificada na fala

dos alunos. A relação com o conhecimento escolar está no auxílio à aprendizagem das outras

disciplinas, pois o aluno relaxado e desestressado aprende melhor. É o enfoque da EF para o

lazer que também a torna preferível em relação às outras disciplinas, pois esta é a única aula

que os alunos podem se divertir. É a atividade “leve”, que proporciona um momento de

descanso para os alunos que já tiveram um dia “pesado” de trabalho e à noite também tem que

agüentar os conteúdos “pesados” das outras disciplinas.

...mas, o mais importante mesmo foi o interesse em poder propiciar um

momento mais agradável para estes alunos que vem cansados de uma jornada

de trabalho intensa, então eles necessitam, eles necessitam da formação

pedagógica que é uma lacuna na vida deles e que a gente entende que a

Educação Física podia propiciar também uma forma muito mais natural,

relaxante pra eles entenderem a escola como um todo. (Professor – 46 anos –

RJ)

A Educação Física é importante na escola justamente porque é “diferente”, o contrário

das outras disciplinas, seu valor está no trabalho com o corpo já que as outras matérias só

trabalham com a mente. Este argumento é similar ao utilizado pelos professores de música

para determinar a função do ensino desta disciplina na escola, apresentado no artigo de

Mazzotti e Duarte (2004).Estes professores assim como os de EF consideram que o trabalho

com uma linguagem diferente tem a função de resgatar no aluno a sensibilidade, sua “essência

criativa”. Buscam transformar a escola para que esta possa transformar a sociedade. Estes

argumentos estão fundados no lugar do único e da essência, por possuírem uma linguagem

que não é comum, esta “sobrepõe-se às demais linguagens e é a forma mais eficaz de

comunicação e expressão dos sentimentos”.(DUARTE; MAZZOTTI, 2004, p. 96) Esta é uma

coincidência no mínimo interessante uma vez que as duas disciplinas são menos prestigiadas

que as outras no contexto escolar, pelo que podemos concluir que os argumentos utilizados

pelos professores para supervalorizar a Música e a Educação Física, caracterizam-se como um

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mecanismo de defesa destes professores em relação ao desprestígio de suas disciplinas neste

contexto.

4 - A Educação Física é instrumento de RESGATE. (20 professores do Rio de Janeiro

e de Belford Roxo). Esta idéia sintetiza todas as anteriores. Suas atividades servem para

resgatar o aluno de sua ignorância quanto ao próprio corpo e cuidados que deve ter com ele;

resgatar socialmente o aluno, pois, por meio do esporte ou outras atividades, poderá trabalhar

direitos e deveres, regras de convivência; resgatar o direito desse aluno vivenciar as atividades

corporais, pois ele não tem essa oportunidade fora da escola; resgatar a qualidade de vida,

pela prática de exercícios físicos na escola e pelo conhecimento de hábitos saudáveis; resgatar

o tempo perdido, pois em função do trabalho ou de outras dificuldades não tiveram a

oportunidade de vivenciar atividades corporais; resgatar suas dificuldades quanto as outras

disciplinas, resgatar os momentos de lazer que eles não possuem fora da escola e nem dentro

dela, nas outras aulas, resgatar o interesse dos alunos pela escola.

A metáfora RESGATE supõe que a pessoa tinha algo e perdeu, precisando ser

recuperado, neste sentido a Educação Física é o instrumento para o aluno recuperar o que foi

perdido. As histórias dos alunos do noturno são histórias de perdas, são alunos que não

tiveram a oportunidade de estar na escola na idade considerada “normal” ou que não

obtiveram sucesso na sua vida escolar, então os professores enxergam na Educação Física

uma possibilidade de modificação deste quadro estimulando os alunos pelas atividades

oferecidas por esta disciplina, que devem estar sempre relacionadas com a realidade,

preparando-os para a vida.

Quando eu vim pra cá, o governo estava implantando uma nova visão do

ensino noturno voltada pra valorização da cidadania e seus valores como os

mais importantes em todas as áreas, inclusive a Educação Física, então a

Educação Física, ela desde cedo, nós temos um, um livro específico, com

orientações de projetos específicos na área de Educação Física, como você

pode até ver as minhas avaliações, que vão muito além da questão da prática da

Educação Física, mas a questão da Educação Física enquanto instrumento de

uma conscientização maior para o exercício desta cidadania... (Professor – 41

anos – Belford Roxo)

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Tais argumentos estão bastante associados à Educação Física no noturno, pois dizem

respeito ao perfil dos alunos que freqüentam o turno da noite, mas se aplicam também aos

alunos das outras modalidades, como se pode notar na fala da professora abaixo:

Em qualquer faixa etária né? Em qualquer faixa etária você tem que trabalhar

está questão (o resgate da cidadania), o respeito às regras do esporte, o respeito

às regras de convivência mesmo (pausa curta) Ah, tudo é importante, o esporte

em si é importante, a atividade física bem orientada, qualquer atividade na

realidade bem orientada a gente pode trabalhar esta questão da cidadania dos

direitos e deveres de cada um... (professora, 45 anos, Rio de Janeiro)

As diferenças entre o noturno e o diurno são caracterizadas pelos professores de

acordo com o perfil dos alunos que freqüentam cada modalidade. O delineamento do perfil

destes alunos é carregado de símbolos e com base nesses símbolos os professores fazem

inferências sobre o que eles julgam ser necessário para aquele grupo, por isso a idéia do

RESGATE é a mesma para ambos, no entanto o que é preciso resgatar é que será diferente

para cada grupo.

Se Educação Física é instrumento de RESGATE, que tipo de instrumento ela é? Quais

as atividades que irão servir como meio para estes fins?

As respostas diferenciam-se em função da prática dos professores no ensino noturno,

além disso, outros fatores influenciam na escolha das atividades preferíveis como: idade dos

alunos, modalidade de atuação (diurno ou noturno) e sexo, este último mencionado por

poucos professores.

Os professores de Belford Roxo têm práticas e propostas de atividades bem parecidas

nas cinco escolas que visitei. Nas escolas que têm aula prática, ela é mais praticada pelos

jovens, cujas atividades são esportes, especialmente o futebol e o vôlei; os mais velhos fazem

jogos de salão (dama, dominó, baralho) ou assistem aos jogos, ou participam de aula teórica

com trabalhos escritos. A aula teórica é consensual entre professores e alunos, tendo por

conteúdos a saúde (alimentação, postura, anatomia, higiene...), o esporte (Pan, Olimpíada...),

e atualidades (anorexia, violência, planejamento familiar...).

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(...)é... eu tipo combino com a turma, no dia que tiver dois tempos eu faço

atividade com eles na quadra, no dia que for um tempo só, é atividade teórica

na sala, aí nesta atividade teórica a gente aborda assim, porque a gente não está

aqui a noite pra passar regrinha disso ou daquilo, está aqui pra abordar o dia a

dia, assuntos de meio ambiente, primeiros socorros, higiene e dos projetos que

acontecem, que está também prescrito no caderno de planejamento que a gente

recebe. (Professor, 47 anos, Belford Roxo)

Alguns professores também dizem que as meninas são mais resistentes e que para que

elas participem das aulas práticas é preciso que eles ofereçam outro tipo de atividade que não

seja o esporte, como alongamento ou ginástica.

(...)é uma dificuldade maior pra elas participarem, fica dependendo de que aula

prática você vai fazer, de vez em quando a gente usa uma aula bem

diferenciada, não usa modalidade esportiva, faz uma aula de ginástica, pra ver

se consegue atrair, faz uma aula recreativa sem ser futebol, o vôlei, até mesmo

o queimado, pra tentar atrair, às vezes consegue, mas...”(Professor, 45 anos,

Belford Roxo)

No Rio de Janeiro, como os professores não possuem a prática, há um discurso

recorrente que é preciso primeiro conhecer os interesses dos alunos para depois escolher as

atividades, mas em suas falas conseguimos apreender indícios das atividades que eles

consideram preferível para o ensino noturno. A prática esportiva nesta modalidade é vista com

algumas restrições por estes professores. Alguns (3) julgam que pode ter o esporte se for de

maneira recreativa, e se os alunos estiverem interessados e motivados a praticá-lo. Somente

um, dos dez professores entrevistados, considera o esporte a atividade principal nas aulas de

Educação Física para o ensino noturno, justificando pelas experiências de amigos que

trabalham com o ensino médio à noite e dizem que o esporte é muito bem aceito por este

grupo.

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Eu acho que a nível de alongamento, relaxamento, mas dependeria muito do

grupo, eu poderia encontrar um grupo motivado com iniciação esportiva, com

esporte, eu acho que eu estaria aberta pra qualquer proposta, qualquer

necessidade do grupo e a partir daí do que eu percebesse do grupo, eu tentaria

criar em cima, trabalhar em cima.” (Professora, 47 anos, Rio de Janeiro)

Os outros professores (7) dizem não pensar no esporte como atividade na EF no

ensino noturno. Julgam que outras atividades são mais apropriadas como ginástica laboral,

alongamento, jogos de salão, jogos cooperativos, todos com caráter lúdico, para que os alunos

possam se divertir e relaxar do cansaço do trabalho e das outras matérias.

A minha proposta é sempre uma troca com o aluno, porque não adianta nada eu

trazer uma coisa pronta que o aluno não tem interesse, mas a ... a ... a (pausa

curta) espinha dorsal, a espinha norteante, o que vai nortear a proposta

pedagógica para estes alunos, está em cima da recreação... (Professor, 47 anos,

Rio de Janeiro)

[...] mas é importante também conhecer as possibilidades que este corpo tem,

seriam atividades que usam a lógica do lúdico, que é importante, e

aproveitando os jogos, o adulto gosta de brincar tanto quanto a criança, então

eu ia usar muitos jogos, ia usar bastante jogos cooperativos, acho que a dança,

a expressividade é uma forma também muito bacana de se trabalhar, eu gosto

muito” (Professora, 36 anos, Rio de Janeiro)

A questão da aula teórica também foi bastante abordada pelos professores do RJ, sete

dos 10 professores dizem ser muito importante a aula teórica no ensino noturno porque os

alunos precisam refletir e aprender sobre os conteúdos da EF, para eles as aulas devem ser

uma mistura da teoria com a prática. Os 3 professores restantes consideram que não, que a EF

precisa da vivência e que as reflexões sobre os conteúdos precisam ser feitas no espaço da

prática corporal e não em sala de aula, passando matéria no quadro.

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(...)aí gerar dentro do PEJA esta coisa de palestra, chamar as pessoas pra dar

palestras, a gente mesmo montar trabalhos de prática de teoria, vincular a

teoria com a prática, acho interessante, porque geralmente eles não tem, eles

não buscam isso, porque o público que a gente atende no município eles não

estão acostumados a ler revista, eles vêem o jornal, mas... não prestam atenção

num globo repórter, que também fala um monte de besteiras, mas que pelo

menos falam alguma coisa, não prestam atenção é só novela e olhe

lá?”(Professora, 28 anos, Rio de Janeiro)

O argumento dessa professora baseia-se na metáfora RESGATE. Resgatar o aluno da

ignorância, da ausência do saber. Formar o aluno crítico, autônomo, por isso a EF também

precisa ser teórica, pois não é suficiente fazer a atividade é preciso falar sobre ela para

entender porque está fazendo, os benefícios destas atividades.

Não, olha eu já trabalhei com aula teórica, é... no primeiro grau,

segundo segmento do primeiro grau, em dias de chuva, então eu procurava

trabalhar regrinhas, algumas coisas relativas a EF, hoje eu acho que este

momento da sala de aula ele tem que ser voltado ao lazer, eu acho que a gente

desenvolve mais, com jogos, com regras, trabalha mais o grupo, a questão

social, respeito as regras, ao colega, a amizade, tira mais proveito deste

momento, fazendo este tipo de trabalho do que dando teoria, até porque o aluno

de maneira geral, na escola pública já tem uma dificuldade muito grande de

acompanhar as matérias de sala de aula então eu acho que sempre que a EF tem

que procurar sempre motivar, trabalhar agradando, de jeito nenhum eu

trabalharia teoria no PEJA. (Professora, 47 anos, Rio de Janeiro)

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A posição contra a aula teórica justifica-se pelo valor que a Educação Física tem como

atividade de prazer na escola, diferenciando-se das outras disciplinas. Ao abrir mão deste

valor e se igualar às outras matérias, a Educação Física perde seu sentido e sua importância.

Podemos observar que a escolha das atividades para o ensino da EF apresentou

algumas diferenças entre os que atuam e os que não atuam no ensino noturno. Os primeiros

têm um grupo de alunos que é real, os interesses destes grupos influenciam o tipo de

atividades que eles vão fazer. Se uma atividade é bem aceita pelo grupo é natural que ela se

torne dominante nesse contexto, pois todos buscam aceitação. Já os professores do RJ

orientam-se pelas representações que têm sobre aqueles alunos, que nem sempre

correspondem à realidade, e sobre os grupos que trabalham no diurno, que podem diferenciar

bastante de professor para professor25. Muitos também falam da experiência de amigos que

trabalham ou já trabalharam no ensino noturno.

Na antítese teoria e prática há uma argumentação fundada na estrutura do real, os

professores de Belford Roxo baseiam seus argumentos em sua experiência com os alunos do

ensino noturno, no espaço efetivo de atuação os professores não conseguem ter a adesão de

todos na prática corporal, por isso consideram que a aula teórica é o que integra todos os

grupos. Os professores do RJ também usam fatos para explicar suas razões, mas esses

baseiam-se nas experiências de amigos que trabalham ou já trabalharam no ensino noturno e

em suas vivências, mas com outras modalidades.

O debate a respeito da aula teórica na Educação Física não se encontra apenas no

âmbito do ensino noturno, muitos dos professores entrevistados dizem que fazem aula teórica

inclusive no ensino diurno com crianças e adolescentes. A questão principal é: que

argumentos justificam este movimento de “levar a EF, considerada uma disciplina

fundamentalmente prática, para a sala de aula”?

(...) inclusive eu trabalho no ensino fundamental, com criança em sala de aula,

com o primeiro segmento e eles entendem que é importante, e cobro caderno

de EF, e cobro trabalho de EF, e eles me cobram trabalho de EF, eu faço este

trabalho, entendeu? Então eu acho fundamental para eles porque você entra

pela questão de trabalhar a questão prática e trabalhar também a questão

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25 Há os professores que trabalham no primeiro segmento, no segundo segmento, no Clube escolar, que é um projeto da prefeitura do RJ onde os alunos vão fazer atividades extra-curriculares como; futebol, vôlei,dança...

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teórica, entendeu? Você vai estar unindo o útil ao agradável, porque nem só na

prática você vai ensinar, você vai ensinar na teoria também, com certeza...

(Professor, 45 anos, Rio de Janeiro)

Segundo Barbosa (2001), as práticas corporais realizadas nas aulas de Educação

Física não são capazes de obter resultados satisfatórios quanto ao desenvolvimento físico e

psíquico do aluno. Para aquele autor, depois de todos os anos em que passa pelo ensino

fundamental e médio o aluno sai da escola sem saber nada sobre Educação Física. Se o aluno

nada aprende com estas práticas, então não há justificativa para a existência da Educação

Física na escola (que é lugar de aprender). Por este motivo Barbosa (2001) defende as aulas

teóricas de EF como a possibilidade de reflexão e aprendizagens dos conteúdos da disciplina e

de formação de alunos autônomos e críticos. Ainda segundo Barbosa, os professores que

argumentam contra este tipo de aula consideram que os alunos ficariam cansados e achariam a

aula chata, no entanto o autor, concordando com Lima (1986 apud BARBOSA, 2001), e

afirma que a escola tem por objetivo principal ensinar, não divertir.

O argumento de Barbosa (2001) para defender a aula teórica em muito se aproxima

das explicações dos professores entrevistados: ambos estão subordinados à representação de

escola e de sua função em nossa sociedade. “A escola é lugar de aprender” repetem

professores, alunos, e todos os segmentos da sociedade. Mas, aprender o quê? Essa é a grande

questão. Qual é o saber considerado importante para o aluno? Essa é uma pergunta que é

respondida de diferentes maneiras de acordo com a cultura e o tempo histórico, o que é

possível notar na fala destes professores é que a escola relega os conteúdos da Educação

Física a segundo plano, esta é uma idéia predominante no espaço escolar que pode ser

percebida na dinâmica cotidiana, por isso os professores desta disciplina tentam a todo o

tempo demarcar e legitimar seu espaço na escola

Este processo de legitimação é marcado por situações ambíguas, que podem ser

claramente observadas nas entrevistas dos professores desta pesquisa: 1) ao mesmo tempo em

que a especificidade do trabalho com corpo é afirmada como o diferencial da disciplina, pois

o aluno pode vivenciar o conteúdo, trabalhar com as emoções e a sensibilidade, diferente das

outras matérias que utilizam métodos de exposição e só trabalham com a razão a ênfase nas

práticas corporais também é apontada como alienante e não reflexiva, necessitando da parte

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teórica, expositiva e racional, igual às outras matérias, para caracterizar-se como

conhecimento.

(...)nem só na prática você vai ensinar, você vai ensinar na teoria também, com

certeza, até porque eu acho que o professor de EF ele mudou muito, hoje em

dia ele tem uma mentalidade muito mais ampla do que ele tinha dez anos atrás

que trabalhava somente músculos e cérebro, hoje em dia ele tem que trabalhar

também a questão intelectual também do próprio aluno”. (Professor, 45 anos,

Rio de Janeiro)

Ao mesmo tempo em que o caráter lúdico da Educação Física é apontado como o fator

importante da presença da Educação Física na escola, pois é o momento em que a criança

aprende com prazer e se sente estimulada a estudar, devendo inclusive ser incorporado pelas

outras disciplinas, esse caráter é também o fator de depreciação da disciplina, “pois escola não

é lugar de brincar e sim de aprender coisas sérias”.

Pô EF, o conceito de EF ainda tem ah, é brincadeira, é lazer, é fazer qualquer

coisa, o professor é legal, tem que estar de short, tênis, meia, bonezinho e apito

pendurado e na realidade não é isso, na realidade o aluno do noturno é atípico,

é atípico porque a necessidade deles, eu acredito que seja imediata porque

muitos estão fora da idade, muitos estão no mercado de trabalho, muitos estão

buscando pessoalmente, um diploma, perspectiva assim, de ascensão

profissional pequenas... (Professor, 43 anos, Belford Roxo)

Os símbolos de legitimidade escolar das outras disciplinas (vestuário, conhecimento

intelectual) presentes nessas falas, são incorporados à Educação Física na tentativa de torná-la

igual às outras, nas características e no reconhecimento. As questões de legitimação da

Educação Física no espaço escolar evidenciam-se no ensino noturno, pois enquanto no diurno

esta é a disciplina preferida da maioria dos alunos (não ir para a Educação Física é usado até

como castigo pelos professores para aqueles que não se comportam), no ensino noturno ela

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não é uma unanimidade, pelas razões já apresentadas na análise das entrevistas dos alunos,

por isso os professores utilizam outros mecanismos (a aula teórica é um deles) para reafirmar

sua importância neste contexto.

Na relação retórica, como já foi visto no início deste capítulo, o orador, o auditório e o

discurso estão interligados. Não só os valores do orador, mas também os do auditório,

compõem a construção dos argumentos do discurso. Na relação educacional, que também é

retórica, o orador (o professor) também regula seu discurso (as aulas) para o auditório (os

alunos) a que se destina, por isso a compreensão da representação destes professores sobre os

alunos do ensino noturno é fundamental para a visão que terão da Educação Física e que

estará diretamente relacionada ao perfil dos alunos que eles representam.

Apreendemos diferenças importantes quanto à representação dos alunos do ensino

noturno pelos professores de Educação Física. O que estes imaginam que os alunos são (para

os professores RJ), nem sempre é o que se encontra nas escolas (para professores de BR).

Para os professores do Rio de Janeiro, os alunos do PEJA estão lá porque querem. Eles

buscam e precisam do estudo, por isso são mais receptivos do que as crianças e adolescentes,

que geralmente vão para a escola por imposição dos pais. Vejamos o que dizem:

Eu acho que esta é a clientela que vai para o ensino noturno, que esta buscando

outras oportunidades... (Professora, 36 anos, Rio de Janeiro)

Então... aí é uma faixa etária que já entende que você tem um planejamento,

que há uma intenção no planejamento, entende que cada mês, cada semana,

cada trimestre tem que ser um conteúdo diferente... (professora – 45 anos – Rio

de Janeiro)

A fala dos professores nos remete à representação do aluno adulto, mesmo quando eles

citam os jovens, este jovem é diferente do jovem que freqüenta o diurno, pois já trabalham e

têm responsabilidades, são mais maduros, por isso a receptividade.

(...) porque eu acho que eles já é, é... são mais... mesmo os adolescentes, eles

já pensam mais... já são mais adultos já pensam, a maioria está no mercado de

trabalho... (Professora, 29 anos, Rio de Janeiro)

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O aluno do ensino noturno, para estes professores, precisa resgatar o que perdeu pela

falta de estudo. Por ficarem afastados da escola, estes alunos não fazem nenhuma atividade

física, não têm hábitos de vida saudável, não conhecem qualquer esporte além dos mais

populares (futebol, vôlei, basquete), não conhecem seu corpo, não possuem momentos de

lazer, enfim não sabem o que é Educação Física, por isso a escola e particularmente esta

disciplina precisam ser instrumentos deste resgate.

(...) primeira coisa, eu acho que o adulto tem que conhecer seu corpo, ter uma

percepção do seu corpo e dele no seu meio social, então conhecer como esse

corpo funciona é importante, a funcionalidade dele é importante... (Professora,

36 anos, Rio de Janeiro)

(...)achei interessante fazer um trabalho com pessoas que não teve a

oportunidade de fazer EF, não faziam estavam isolados e você levar a proposta

diferente de lidar com o corpo... (Professor, 44 anos, Rio de Janeiro)

O sentido contido nessas falas é de que a escola é o principal local de aprendizagem,

quando se está fora dela deixa-se de aprender não só os conteúdos sistematizados das

disciplinas, mas também os saberes da vida cotidiana, sua condição de cidadão, por isso o

slogan: “resgate da cidadania” é tão recorrente nos discurso dos professores.

O foco na saúde também é muito importante nesta modalidade, pois a representação

do aluno adulto e principalmente idoso vem acompanhada da idéia de doença. É a Educação

Física vista como REMÉDIO, que serve tanto para prevenir, quanto para auxiliar a CURA.

(...) porque você tem muita gente adulta, com problemas de saúde,

hipertensos, diabéticos, aparece uma porção de doença e dentro disso trabalhar

estas necessidades com a atividade física, buscar as atividades que você pode

estar melhorando a qualidade de vida destes alunos de alguma forma...

(Professora, 29 anos, Rio de Janeiro)

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A maneira como os professores vêem estes alunos, geralmente é positiva o que os

estimula a querer trabalhar nesta modalidade.

Muito diferente dessa é a representação dos professores de Belford Roxo. O sentido

mais recorrente na fala destes professores, atribuído aos alunos é RESISTENTE. Os alunos

mais velhos são resistentes à prática, e os mais novos reclamam da teórica, além disso, à noite

muitos alunos já estão cansados e os professores também, por isso é um turno mais

sacrificante.

(...) à noite é diferente porque os alunos vêm cansados do trabalho e não vão

querer ficar correndo, ficar suado no meio da aula, eu não gostaria, por isso

faço mais aula teórica do que prática”. (Professor, 52 anos, BR)

(...) eu gosto muito do que eu faço, apesar de que a noite é um desgaste comum

aos dois, aos alunos e aos funcionários, porque nós já chegamos cansados

depois de uma batalha, batalha não de uma atividade, aí chega à noite sempre

dá uma acomodada, então eu tive minha formação, à noite, minha pós-

graduação foi à noite, desde o ensino médio que eu estudei de manhã e a noite

então conheço um pouquinho a realidade, aí você chega, o aluno tá cansado,

não gosto de gritar muito não, então eu mantenho a voz mais suave e respeito

que o cara esteja cansado, pode abaixar a cabeça.” (Professor, 43 anos, Belford

Roxo)

A resistência dos alunos justifica as atividades teóricas, pois os professores julgam que

a aula teórica é um conteúdo que integra todos os grupos. Os alunos da noite são autônomos,

ou seja, o professor não consegue chegar e fazer a aula que ele quiser se não despertar os

interesse dos alunos, porque senão eles não fazem mesmo e reclamam, então é preciso

negociar com eles o tempo todo.

(...) Não é muito diferente, é diferente sim, em termos de o aluno da noite ele

ser... vamos dizer assim, um pouco mais autônomo, ele decide o que ele quer

fazer, ele pede que você inclua os conteúdos que agrade a ele, os homens, estes

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conteúdos inclui sempre o futebol, as mulheres, as que gostam o queimado,

mas a noite tem uma peculiaridade, quem gosta ama, quer fazer sempre, quem

não gosta...odeia, não quer fazer nada, então você tem que mesclar este

conteúdo... (Professor, 43 anos, Belford Roxo)

As representações dos professores de Belford Roxo nem sempre é positiva, eles falam

das dificuldades em lidar com os jovens que não querem nada, com sua agressividade e com a

resistência dos mais velhos. Alguns dizem se sentirem desestimulados com isso, mas de

maneira geral a maioria diz gostar do trabalho com os alunos, com quem possuem um bom

relacionamento.

Muitos... Muitos querem participar, mas uns não querem participar, porque eles

não...na realidade é porque não estão gostando de nada. Eu fico preocupado

porque com os outros colegas é a mesma coisa, eu estava conversando outro

dia aqui com os outros colegas, eu cheguei aqui semana passada, porque olha

só, a gente fica triste, né? Porque ... olha só como é que eu estou (mostra vários

livros), a gente está o tempo todo buscando, buscando, buscando, chego na sala

“ah professor não tô a fim disso não”, então frustra. (Professor, 47 anos,

Belford Roxo)

Aí realmente a primeira vez que eu botei a bola na quadra, os meninos eram

muito violentos, no primeiro ano que eu entrei aqui, esta turminha que

ameaçava o Fábio, tinha um menino que era todo esfaqueado cheio de cicatriz

até o pescoço é um cara assim que você olhava e não tinha bons sentimentos,

(pausa curta) aí ia na bola, era até o pescoço, aí eu falava, não vai ter jogo

porque canela não é pescoço, e os meninos, qual é professora vou mostrar o

gordinho (arma), eu sei lá quem é o gordinho, e eu falava sei lá quem o

gordinho, mas não tem problema não, ou vai jogar direito ou não joga...

(Professora, 44 anos, Belford Roxo)

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O ponto de consenso entre os professores do Rio de Janeiro e de Belford Roxo está na

metáfora RESGASTE. São alunos que precisam resgatar alguma coisa: o conhecimento, a

saúde, a cidadania, a oportunidade de fazer atividade física. Essa representação está

relacionada à defasagem idade / série em que se encontram estes alunos, eles estão fora do

padrão de normalidade do desenvolvimento escolar, por isso precisam RESGATAR algo que

está perdido para que possam adequar-se aos padrões convencionais. Donde um professor

dizer que:

(...) na realidade o aluno do noturno é atípico, é atípico porque a necessidade

deles, eu acredito que seja imediata porque muitos estão fora da idade, muitos

estão no mercado de trabalho, muitos estão buscando pessoalmente, um

diploma, perspectiva assim, de ascensão profissional pequenas, as

oportunidades são grandes, mas eles pensam pequeno, então a gente tem que

estar sempre estimulando.” (Professor, 43 anos, Belford Roxo)

“As necessidades dos alunos são outras” e não são só de ordem cognitiva, mas

também afetiva e social, por isso muitas vezes o professor se vê como amigo, psicólogo, e

pensa em sua disciplina mais por estes aspectos do que pelos conteúdos.

Não, eu não forço a barra não, mando eles escolherem entre uma coisa ou

outra, quem não quer jogar na quadra faz os jogos de salão, eu nunca deixo eles

parados, agora a turma é engraçada, eles são muito meus amigos, eles gostam

de falar sobre os problemas deles comigo, igual a uma psicóloga aí gostam de

saber o que eu penso e aí a gente conversa eu falo, eu tento não me envolver,

mas é difícil, né? Um ano, é difícil pra caramba, toda semana... (Mulher, 50

anos, Belford Roxo)

Nas representações que os professores possuem sobre os alunos do ensino noturno, a

argumentação é sempre baseada na dissociação de noções entre os alunos do noturno e do

diurno. Mesmo que não esteja explícito no discurso, ao caracterizar o aluno que estuda no

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noturno, fazendo um juízo de valor (se é melhor, mais tranqüilo, mais desgastante...), é

possível perceber indícios do que os professores pensam dos outros alunos, pois estão na

posição contrária deste.

(...) então tem uma variante enorme para que você possa trabalhar estas

pessoas, dependendo até de cada um, do perfil de cada pessoa que está lá,

porque são adultos, não são crianças, a visão é totalmente diferenciada, não é

só uma criança que você vai trabalhar”. (Professor, 45 anos, Rio de Janeiro)

(...) De dia eu trabalho com primeiro segmento, e você sabe que hoje em dia

esta cada vez mais difícil de trabalhar com adolescente, então no noturno não

tem estes problemas de aluno ficar te enfrentando, e à noite eu posso te dizer

que eu tenho um bom relacionamento com eles, nunca fui desrespeitado, eles

me respeitam, e é como eu digo eu respeito eles para ser respeitado, eu gosto

de trabalhar a noite, e acho que a aceitação deles é boa (risos), pelo menos

nunca reclamaram, e se eles não gostarem de alguma coisa eles falam, mesmo,

reclamam, não entram na sala fazem birra, são mais críticos” (Professor, 47

anos, Belford Roxo)

A representação do aluno do ensino noturno em oposição aos alunos do diurno, é uma

das razões pelas quais aqueles professores desejam trabalhar nessa modalidade. Por serem

alunos adultos ou “jovens amadurecidos” os professores, que em sua grande maioria têm entre

40 e 50 anos (16 dos 20 entrevistados, 87,5%), identificam-se com os interesses do grupo de

alunos, justificando a predominância do interesse dos adultos na escolha das atividades.

Muitos dizem estar buscando estímulo para continuar na profissão, pois já estão cansados de

trabalhar com crianças e adolescentes. Além disso, a necessidade, cada dia maior de dar aula

em vários lugares para complementar o orçamento familiar também os fazem querer ir para o

ensino noturno, pois assim podem arrumar melhor o horário.

(...) eu trabalho aqui há 22 anos, e aí eu encontro com pessoas que já foram

meus alunos e eles já estão com uma visão diferente, quer dizer tem aqueles

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que já morreram, e aqueles que você encontra que já estão mais velhos, mãe de

filhos e já estão com outra cabeça, então eu imagino isso , que a própria vida se

encarrega de amadurecer, e aí você encontra com estes alunos no PEJA, e é

muito mais fácil,, e a minha visão é esta, eu estou querendo alguma coisa que

facilite pra mim, que me traga motivação, porque aqui eu não estou achando

motivação, eu estou bem desmotivada, essa questão do ciclo, este momento

que a gente está passando de revolta dos professores, você chegas na sala dos

professores é só reclamação, reclamação, reclamação, os alunos estão deste

jeito né? Eu estou muito desmotivada. (Professora, 45 anos, Rio de Janeiro)

Foi por causa de horário mesmo, porque assim eu tenho mais tempo disponível

para arranjar outros lugares para trabalhar, como eu te falei eu tenho uma

matrícula no Rio, faço dupla e ainda trabalho em um projeto social também,

quarta e sexta o dia inteiro, e eu vim pra noite pra poder fazer a dupla lá no

Rio”.(Professor, 47 anos, Belford Roxo)

CONCLUSÃO

A metáfora que condensa a representação social de Educação Física tanto para os

professores de Belford Roxo como os do Rio de Janeiro é RESGATE é ela que orienta e

organiza todo o discurso destes professores. A Educação Física é a disciplina que por meio da

linguagem corporal irá RESGATAR o aluno de uma situação de dificuldade. Que situação é

essa que precisará ser RESGATADA dependerá do grupo e do local onde será realizada a

aula, o que determinará também a prática destes professores.

De acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca (2000) ao buscar aceitação do auditório

ao que se refere, o orador esforça-se em retomar os elementos que irão facilitar essa aceitação,

tanto no campo do preferível como no campo do real. (DUARTE; MAZZOTTI, 2004)

No campo do preferível, os argumentos estão ancorados nos valores dos alunos, que

nortearão a escolha das atividades adequadas para cada grupo. Estas escolhas estarão pautadas

naquilo que os professores acham que precisam RESGATAR em seus alunos. Estas

necessidades são a representação social dos professores a respeito dos alunos. “Enquanto

grupo socioprofissional, construímos nossas próprias representações e, em função delas,

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construímos nossas práticas e a impomos aos alunos, na suposição de que sabemos o que é

bom para eles”.(ALVES-MAZZOTTI, 1994, p.77) Quando há conflito entre o que julgam que

os alunos são e o que esses julgam ser, bem como o papel da disciplina, verifica-se a

decepção: o mundo não coincide com o que quero e o que penso, então eu preciso estar neste

mundo, adaptando-me a ele.

No campo do que é concebido como real para os professores seus argumentos fundam-

se em fatos. Estes fatos são suas experiências como professores de Educação Física e os

conhecimentos acadêmicos que possuem a respeito da disciplina e a experiência de amigos,

também professores. A presunção que permeia quase todo o discurso dos professores está

pautada na antítese corpo x mente, na qual a Educação Física é uma atividade corporal que

precisa focar o aspecto cognitivo para se legitimar no contexto escolar. Por isso, a Educação

Física é para FALAR e para FAZER, uma prática corporal que precisa da reflexão para

caracterizar-se como conhecimento.

A antimonia FALAR e FAZER está muito presente no discurso dos professores, pois

ao mesmo tempo que o FAZER justifica a importância, e a função da Educação Física para

RESGATAR o prazer na aprendizagem, é também o FAZER puro e simples que é acusado de

ser não reflexivo e por isso não proporcionar nenhum tipo de aprendizagem. Esta antimonia

esta subordinada à metáfora DEPÓSITO DE ENERGIA, que justifica as atividades adequadas

para cada grupo de alunos, de acordo com a etapa de desenvolvimento, caracterizando assim

sua função no espaço escolar.

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CAPÍTULO V – O final da partida

Na verdade, o inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital

(...) Seria impossível saber-se inacabado e não se abrir ao mundo e aos outros à procura

de explicação, de respostas a múltiplas perguntas.

Paulo Freire

Com base na análise das entrevistas dos alunos e professores apreendemos indícios

das representações sociais de Educação Física, que configuram grupos sociais que apresentam

suas posições no âmbito da escola de acordo com suas pertenças e referência e dos valores por

eles compartilhados.

Em relação aos alunos o grupo de pertença significativo para a construção de uma

representação não foi o delineado pela pesquisadora, mas os que já se encontravam agrupados

por interesses, principalmente de idade, e, com menor adesão, de sexo. Este dado é

extremamente relevante, pois mostra que os grupos de fato, os reais, que compartilham as

representações, nem sempre coincidem com os grupos previamente definimos na pesquisa.

Os alunos se referem à Educação Física como sendo uma atividade física,

principalmente o esporte, que serve para diversão e saúde. Seus discursos são coordenados

pela metáfora REMÉDIO como representação de Educação Física e DEPÓSITO DE

ENERGIA, como representação de corpo. A hierarquização dos valores concede à Educação

Física o status de boa ou ruim, importante ou dispensável de acordo com a faixa etária ou o

sexo. Seus preferíveis baseiam-se no reconhecimento social do grupo: para os mais velhos o

mais importante é a aquisição de saberes, além disso, seus DEPÓSITOS DE ENERGIA já

estão desgastados pela idade, por isso não têm energia para fazer atividade física. Para os

jovens, a Educação Física carrega símbolos de prestígio como: corpo bonito, ascensão pelo

esporte, força, poder, por isso sua prática é legitimada por este grupo. Eles também têm muita

ENERGIA para gastar então precisam de muita atividade. A diferenciação pela experiência

prática da Educação Física, se apresentou no aspecto da aula teórica, que compõe os

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elementos da representação de Educação Física dos alunos de Belford Roxo, mas não são

mencionados pelos alunos do Rio de Janeiro.

No caso dos professores a representação social de Educação Física se condensa na

metáfora RESGATE. A Educação Física é uma disciplina que serve para resgatar alguma

coisa, seja a saúde, a cidadania, o lazer. Os argumentos utilizados sempre estavam pautados

no princípio da finalidade. A ancoragem desta representação são os valores dos alunos, por

isso as práticas de Educação Física podem ser variadas (esporte, brincadeiras, jogos,

alongamento, ginástica, conhecimentos sobre o corpo - teórico ou prático), pois dependem do

interesse e das necessidades do grupo que a pratica.

Na verdade, podemos perceber que as metáforas REMÉDIO (alunos) e RESGATE

(professores) parecem ter o mesmo significado, pois pertencem ao mesmo campo semântico,

ou seja, são nomes diferentes para a mesma orientação da ação, o RESGATAR ou

REMEDIAR a saúde ou a condição social. Ambas parecem estar subordinadas à metáfora

DEPÓSITO DE ENERGIA como representação de corpo. Embora esta subordinação esteja

mais explícita no discurso dos alunos, podemos percebê-la também na fala dos professores

quando se referem à Educação Física associada á saúde ou ao lazer (cunho terapêutico). O

corpo é visto como algo fixo, não como orgânico em constante processo de transformação.

Esta representação é a justificativa dos dois grupos para a diferenciação das atividades quanto

a faixa etária. É a antítese JOVEM / ENERGIA x VELHOS / FALTA DE EMERGIA. É

interessante notar que este sentido atribuído ao corpo encontra-se bastante difundido em nossa

sociedade, estando presente não só no cotidiano das escolas, mas também na legislação

vigente para o ensino da Educação Física, o que pode ser comprovado nos critérios adotados

para a facultatividade da Educação Física no ensino noturno (alunos maiores de 35 anos, que

trabalhem mais de oito horas por dia...), neste sentido a atividade física é vista somente como

gasto de energia, atividade desgastante e nunca como reposição desta.

No processo de constituição destas representações muitos são os fatores que se

associam, imprimindo sentido ao objeto, neste caso a Educação Física. Quanto ao

componente histórico, encontramos referentes diferentes de acordo com os grupos

(professores e alunos): (1) Em relação aos alunos o que aparece é a história dos grupos, suas

histórias de vida. Estes não possuem um discurso a respeito da Educação Física, mas das

práticas que tiveram durante sua vida, ou da vida de seus filhos. As informações vinculadas

pela mídia também compõem os elementos de suas representações. (2) Os professores,

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diferenciam-se dos alunos na formação ideológica sistematizada sobre a Educação Física e

sua história a qual tiveram contato no curso de graduação e nas formações continuadas. Estes

componentes ideológicos configuram-se como representações de longa duração, que junto

com a história de vida dos professores e suas experiências profissionais compõem suas

representações sociais atuais.

Além dos componentes históricos, os grupos também são essenciais na constituição

das representações, entretanto eles não a determinam por si só, os componentes individual e

social sempre estarão integrados, por isso a história pessoal destes alunos e professores, os

outros grupos a que pertencem e os grupos que têm como referência dão às representações um

sentido de partilha, mas que não quer dizer homogeneidade.

Então se pode dizer que os professores possuem uma representação de Educação

Física diferente com cada grupo que eles trabalham? Parece-nos que não. A adequação da

representação social de Educação Física aos diferentes grupos, que é feita pelos professores,

explica-se pelas características estáveis e, ao mesmo tempo, provisórias das representações

sociais. Sua estabilidade é a necessidade e o esforço para manter o grupo (professores de

Educação Física) e, ao mesmo tempo obter sua aceitação. No entanto, por estarem

continuamente em processo e no dinamismo da circulação de informações, experiências e

relações, cada síntese que fazemos é provisória e espelha um momento da história, onde

buscamos nos adequar ao novo, sem que necessariamente haja a substituição da

representação26.

A natureza estável e flexível das representações pode ser explicada pelos conceitos de

núcleo central e sistema periférico propostos por Abric. O núcleo central (NC) assume um

caráter de estabilidade, por ser a base do pensamento comum de um grupo. É ele que garante

certa homogeneidade nesse grupo, é determinado pelas condições históricas, sociológicas e

ideológicas que produzem um conjunto de crenças, valores e significados, partilhados por um

determinado grupo e, portanto, inegociáveis. O sistema periférico (SP), por sua vez, apresenta

um caráter de adaptação às transformações do contexto, à realidade concreta, por isso, não são

tão rígidos. Apesar de se manter fiel às representações do Núcleo Central, o SP é mais

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26 Comunicação oral da professora Margot Madeira, em palestra proferida no I Diálogos em Representações Sociais, promovido pelo Mestrado em Educação da Universidade Estácio de Sá no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro- 23/11/2007

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flexível, ajudando o sujeito a se relacionar com a heterogeneidade do grupo, permitindo a

integração de novas experiências e histórias individuais. (ALVES-MAZZOTTI, 2002)

Mazzotti, explica esta adaptabilidade das representações por um outro viés. Para este

autor:27

(...)o núcleo figurativo, no caso constituído pela metáfora REMÉDIO /

RESGATE é suficientemente flexível para se adaptar às mais diversas

situações sociais. Ela se sustenta na metáfora corpo como DEPÓSITO DE

ENERGIA, como foi mostrado antes. Essa, por sua vez, expressa o que

sentimos, logo tem força persuasiva extremamente grande: quanto mais velho

(ou doente), mais fraco, logo com menos energia, sem anima (alma, no sentido

antigo) ou desanimado. Não há como contestar essa metáfora, pois ela é o que

se sente. Ela expressa nossos sentimentos, logo emoções (o que nos move), ou

paixões (pathos).

Embora sejam diferentes, pelas duas explicações podemos compreender a coesão do

grupo de professores que atuam na Educação Física escolar, que apesar de trabalharem em

diferentes contextos com grupos bem diferentes não apresentam representações diferentes,

mas são os elementos do sistema periférico ou o núcleo figurativo que se ajustam aos

diferentes grupos e contextos. Podemos afirmar então que as representações apreendidas nesta

pesquisa, não são representações sociais de Educação Física no ensino noturno, mas

representações sociais da disciplina como um todo. Os elementos característicos da

modalidade “ensino noturno” são as adaptações dessas representações, que ganham contornos

diferentes de acordo com as necessidades.

Outro fator importante a considerar no estudo das representações sociais é que estas

não se constituem por elementos isolados, mas estruturas organizadas que relacionam uma

série de elementos que dão sentido ao objeto. Essas “redes” são chamadas campo de

representações em que se constitui o jogo entre o individual e o social, “o qual atua

referenciando tanto as condições de apreensão e de apropriação dos objetos, quanto às

comunicações e as condutas que os envolvem.”(MADEIRA, 2001 – p. 129)

96

27 Comunicação do Prof. Dr. Tarso Mazzotti por e-mail em 23/02/2008

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CAMPO DE REPRESENTAÇÃO

Apreendemos como elementos do campo de representações de EF, tanto dos

professores quanto dos alunos, as representações de escola, de desenvolvimento humano e de

gênero. Tais representações integram-se às de Educação Física dando significado às práticas

dos professores e dos alunos. A representação de escola condiciona práticas de Educação

Física que tenham legitimidade no contexto escolar, como a aula teórica; a representação de

desenvolvimento humano informa em que nível de desenvolvimento se encontra o aluno e o

que ele pode fazer nesta idade e a representação de gênero divide as atividades em adequada

para os homens e adequado para as mulheres.

Pode-se então concluir que a representação de corpo que se condensa na metáfora

DEPÓSITO DE ENERGIA é o que possivelmente, coordena as representações de Educação

Física que apresentam, como núcleo figurativo: REMÉDIO / RESGATE. Estas metáforas,

além de hierarquizar o que vale a pena fazer ou ter (para falar ou para fazer), expõem o que

deve ser efetivamente realizado: curar, resgatar, pois o depósito de energia esgota-se, bem

como precisa ser regulado (não gastar muita energia, poupar, ou ainda gastar o que está em

excesso).

Estas representações relacionam-se diretamente aos elementos da vida cotidiana e das

vivências concretas destes sujeitos em seus grupos e espaços de atuação, são as “teorias do

senso comum” orientando e justificando práticas, por este motivo a disciplina Educação

Física caracteriza-se como uma construção psicossocial que possui seus sentidos

estabelecidos pelos valores e crenças compartilhados pelos grupos que a praticam e da

interpretação que estes fazem dos conceitos das ciências.

De acordo com Massa (2002) ainda há muito que se debater na busca pela identidade

da Educação Física, pela definição de nosso objeto de estudo e de nossa função. Desde seu

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RS de Educação Física

RS de desenvolvimento RS de escola RS de gênero

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surgimento como área de atuação, há tantas definições e tantas funções para a Educação

Física, que na verdade estamos em busca de uma identidade que talvez nunca tivemos. Na

nossa opinião a busca por uma identidade única da Educação Física ou pela afirmação de que

esta Educação Física é melhor do que aquela poderá nos fornecer respostas reducionistas, que

consideram somente um lado da história, isto porque o caráter da disciplina Educação Física

se sustenta em metáforas corporais, sua identidade como disciplina subordina-se ao que as

pessoas julgam ser o corpo, então antes de falarmos Educação Física é preciso especificar de

que profissão se fala: Professor, preparador físico, recreador... e a que grupo se destina, pois

estes possuem “boas razões” para afirmar o que sustentam e como fazem

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