MEDEIROS, Pedro H. C. de - Resenha de JALABERT, Anita. Parentesco

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JALABERT, Anita Guerreau. Parentesco. In: LE GOFF, Jacques; SCHIMITT, Jean-Claude. Dicionário Temático do Ocidente Medieval: Volume II . São Paulo: Imprensa Oficial do Estado / Bauru: EDUSC, s/d. A autora inicia o texto fazendo algumas considerações sobre o que se deve entender por parentesco. Em primeiro lugar, está a questão de ser “um conjunto de relações socialmente definidas e construídas” (p. 321), logo dependendo muito mais da cultura do que da natureza. Em segundo lugar, é destacado o cuidado que se deve ter em relação a noção de parentesco na Idade Média para não cometermos anacronismos, por isso mesmo, ela se recusa a usar o conceito família para tratar desse período. Antes, ela prefere utilizar termos próprios da antropologia, tais como: consaguinidade, aliança e parentesco ritual (para o caso analisado, ela prefere usar o termo parentesco espiritual). Ao contrário de se analisar a consaguinidade como algo biológico, a autora a nterpreta como um fenômeno social. As Sociedades criaram dois tipos diferentes de organização consaguinia: o sistema unilinear e o sistema cognático. O primeiro, fundamenta-se na filiação e transmissão de bens materiais e simbólicos através de um sexo excluindo-se o outro. No segundo, filiação e transmissão passam tanto por homens quanto por mulheres. A autora questiona o motivo que levou muitos historiadores a entenderem a consaguinidade na Idade Média como um sistema patrilinear, pois, examinando as regras de transmissão ela constata uma “equivalência similar dos sexos” (p. 324). Entende-se então que o cerne dessa questão centra-se em dois pontos: “A preeminência social dos homens sobre as mulheres” e “a intrusão determinante de imperativos patrimoniais no funcionamento e nas representações da filiação” (p. 324). Havia uma preferência na transmissão dos bens materiais aos filhos (terras, cargos, imóveis) e bens simbólicos (a dominação se dava sobre a terra e sobre homens). Ao contrário, a filha ao se casar recebia um dote e, para as mais ricas, bens imóveis que depois eram transmitidos aos seus filhos e filhas.

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Texto de História

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  • JALABERT, Anita Guerreau. Parentesco. In: LE GOFF, Jacques; SCHIMITT,

    Jean-Claude. Dicionrio Temtico do Ocidente Medieval: Volume II. So

    Paulo: Imprensa Oficial do Estado / Bauru: EDUSC, s/d.

    A autora inicia o texto fazendo algumas consideraes sobre o que se

    deve entender por parentesco. Em primeiro lugar, est a questo de ser um

    conjunto de relaes socialmente definidas e construdas (p. 321), logo

    dependendo muito mais da cultura do que da natureza. Em segundo lugar,

    destacado o cuidado que se deve ter em relao a noo de parentesco na

    Idade Mdia para no cometermos anacronismos, por isso mesmo, ela se

    recusa a usar o conceito famlia para tratar desse perodo. Antes, ela prefere

    utilizar termos prprios da antropologia, tais como: consaguinidade, aliana e

    parentesco ritual (para o caso analisado, ela prefere usar o termo parentesco

    espiritual).

    Ao contrrio de se analisar a consaguinidade como algo biolgico, a

    autora a nterpreta como um fenmeno social.

    As Sociedades criaram dois tipos diferentes de organizao consaguinia:

    o sistema unilinear e o sistema cogntico. O primeiro, fundamenta-se na

    filiao e transmisso de bens materiais e simblicos atravs de um sexo

    excluindo-se o outro. No segundo, filiao e transmisso passam tanto por

    homens quanto por mulheres.

    A autora questiona o motivo que levou muitos historiadores a

    entenderem a consaguinidade na Idade Mdia como um sistema patrilinear,

    pois, examinando as regras de transmisso ela constata uma equivalncia

    similar dos sexos (p. 324). Entende-se ento que o cerne dessa questo

    centra-se em dois pontos: A preeminncia social dos homens sobre as

    mulheres e a intruso determinante de imperativos patrimoniais no

    funcionamento e nas representaes da filiao (p. 324).

    Havia uma preferncia na transmisso dos bens materiais aos filhos

    (terras, cargos, imveis) e bens simblicos (a dominao se dava sobre a terra

    e sobre homens). Ao contrrio, a filha ao se casar recebia um dote e, para as

    mais ricas, bens imveis que depois eram transmitidos aos seus filhos e filhas.

  • No caso de s se ter filha, ela podia ser herdeira e a transmisso era feita

    como a um filho.

    As mulheres so excludas do jogo de sucesso, no porque o sistema

    era unilinear e sim por imperativos patrimoniais. Esses imperativos geram uma

    linhagem de herdeiras qual a autora denomina de topolinhagens.

    Finalizando este ponto, a autora confessa que o sistema de parentesco

    na Idade Mdia era complexo e que o vocbulo linhagem muito malevel.

    Para ela a nica inflexo patrilinear perceptvel na Sociedade Medieval ,

    como na nossa, a da transmisso do patronmico (p. 324).

    Entre os sculos IV e VI a Igreja se tornou instituio dominante e total

    (p. 326) e definia globalmente as regras de comportamento social.

    O casamento cristo caracteriza-se por dois elementos essenciais: a

    monogamia (seguindo o modelo romano) e a indissolubilidade (contrria s

    prticas romanas do divrcio).

    Constatou-se que ao longo da Idade Mdia, a Igreja formulou uma srie

    de proibies matrimoniais aos consaguinios de vrios graus e aos parentes

    espirituais. O clmax dessas proibies ocorre no sculo XII com a proibio do

    casamento entre consaguinios de qualquer grau, agregados e parentes

    espirituais. nesse momento que o matrimnio ganha carter sacramental e

    tudo o que concerne ao assunto, inclusive o patrimnio, fica sob a jurisdio

    eclesistica. O que importante ser ressaltado sobre esse conjunto de

    proibies a questo da unidade da carne.

    O sistema matrimonial praticado na Idade Mdia permitiu aristocracia

    fazer uma ampla rede baseada na afinidade nas quais se combinam os elos

    de longa e muito longa distncia, cobrindo a totalidade do espao da

    Cristandade, e os elos locais, sustentando parcialmente as relaes

    hierrquicas de vassalidade (p. 328). Ou seja, esse sistema favoreceu a

    coeso dos grupos dominantes na Sociedade Feudal (p. 328).

    Nos sculos X e XI, com a fixao da aristocracia, verifica-se que os

    imperativos patrimoniais prevaleciam nas estratgias matrimoniais.

    Para a autora, aliana e consaguinidade so fatores subestimados pelos

    historiadores por muito tempo.

  • No ltimo bloco do texto, alguns elementos so destacados: a idia de

    que nessa Sociedade todos, pelo batismo, so filhos de Deus e da Igreja; a

    organizao clerical que excluda da aliana matrimonial, mas que se

    reproduz e reproduz a Igreja atravs dos ritos do batismo, da eucaristia e da

    ordenao; e as organizaes essenciais, como a parquia e agrupamentos

    ativos como as confrarias.

    A autora procura explicar o significado gerador do batismo, e o explica

    dizendo que uma inverso da ordem biolgica e social do parentesco,

    segundo um princpio observado na relao entre a Virgem e o Cristo, aquela

    como me, filha e esposa dele ao mesmo tempo. Esse modelo de inverso

    sacralizado, e transposto ordem humana funda a sacralizao dos clrigos na

    unio espiritual com Deus e com a Igreja que lhes d a competncia de gerar

    pelo Esprito (p. 330).

    a partir do sculo VI que se inventa o apadrinhamento e se exclu os

    pais biolgicos da participao ativa no batismo. Separa-se assim a gerao

    biolgica (carnal), manchada pelo Pecado Original e a gerao espiritual e

    social.

    O padre unido com o Esprito manipula a gua e a palavra, os padrinhos

    representam a Igreja no sentido amplo (a Cristandade, a comunidade local e a

    parquia) e apresentam o ser imperfeito ao padre que o lava do Pecado

    Original e entrega novamente aos padrinhos aps o segundo nascimento da

    criana j com o seu nome, marca de sua identidade social.

    Agora a autora trabalha mais detalhadamente com a noo de caritas.

    a forma espiritual do amor paradigma de toda relao social, cimento comum

    dos laos entre as pessoas divinas, mas tambm de Deus com o homem, do

    homem com Deus e dos homens entre si por intermdio de Deus (p. 331). a

    caritas recebida no momento do batismo que permite ao novo cristo se inserir

    no jogo social, logo, os que no passam por esse rito esto excludos do jogo

    social.

    Aliana e consaguinidade s tm valor se estiverem inseridas na caritas.

    Na Sociedade Medieval, consaguinidade e aliana no so a matriz ideal

    para reger as relaes sociais, ao contrrio das unies centradas na caritas.

  • a oposio entre gerao material, carnal e a produo espiritual, essa

    prevalece sobre aquela.

    Esse fenmeno de inverso particular dessa Sociedade e esclarece

    alguns fenmenos singulares, tais como: a desvalorizao do casamento e

    valorizao do celibato, liberando os homens da obrigao social de garantir

    uma descendncia; a imposio de uma forte exogamia, que restringe o papel

    estruturador da aliana (p. 332); o controle eclesistico sobre o parentesco; e

    a ausncia de prticas formalizadas de adoo (p. 332).

    UFRRJ/IM Histria Histria Social da Mulher e da Famlia na Idade Mdia Ocidental Aluno: Pedro Henrique Cavalcante de Medeiros Professora: Miriam Coser