AULA 2 – FAMÍLIA E PARENTESCO

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    META

    Esta aula tem como meta apresentar os conceitos de Famlia e

    Parentesco. Para tanto, ser feita uma discusso sobre os primeiros

    investimentos efetuados sobre esses conceitos e a sua ascenso categoria

    de conceitos-chave das Cincias Sociais. Para finalizar esta aula, sero

    sucintamente apresentados os usos atuais e a importncia no debate

    contemporneo desses temas.

    OBJETIVOS

    Aps o estudo do contedo desta aula, voc dever ser capaz de:

    1) Identificar as controvrsias tericas em torno do conceito de Famlia.

    2) Reconhecer os diferentes usos feitos dos conceitos de Famlia e

    Parentesco ao longo do sculo XX.

    INTRODUO

    Alguns conceitos utilizados pelas Cincias Sociais, em virtude de seus

    empregos dirios na vida de todas as pessoas, parecem, aos olhos leigos, algo

    sem mistrio, que sempre esteve ali e cujo significado conhecido desde

    sempre. Esse o caso dos conceitos de Famlia e Parentesco. Quem ousaria

    dizer que no sabe o significado desses conceitos? Afinal, todos ns temos

    uma famlia e nela vivenciamos relaes de parentesco, o que nos torna plenos

    conhecedores dos significados dessas palavras.

    Acontece, no entanto, que por vezes a grande proximidade que temos

    de uma coisa faz com que no prestemos ateno em suas variaes e

    diferenciaes. Estamos to acostumados e adaptados s nossas idias, que

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    deixamos de aplicar s coisas familiares o olhar crtico que dedicaramos a

    outras coisas que de fato nos chocariam por seu exotismo.

    As diferentes viagens e oportunidades de contatos com outros povos

    de costumes diferentes fizeram com que os cientistas sociais, ao estranhar os

    hbitos dos outros, pudessem tambm observar com estranheza os costumes

    das suas prprias sociedades, na medida em que tais costumes representavam

    apenas uma das inmeras variaes possveis.

    Foi desse modo que os conceitos de Famlia e Parentesco firmaram-se

    como pontos de grande interesse. Ao encontrar novas formas de organizao

    familiar e parental, os pesquisadores atentaram para as possibilidades decompreender um povo atravs de seus arranjos de parentesco, adotando, para

    tanto, esses conceitos como uma importante ferramenta metodolgica em suas

    pesquisas de campo.

    Os debates que comearam no final do sculo XIX ganharam mpeto e

    alcanaram seu apogeu na segunda metade do sculo XX, fazendo com que

    os conceitos de Famlia e Parentesco ocupassem milhares de pginas da

    literatura das Cincias Sociais. Agora veremos como tudo isso aconteceu.

    O CONCEITO DE FAMLIA

    A famlia representa historicamente um importante tema de reflexo.

    Marcel Mauss (1947), por exemplo, mencionava em seu Manual de Etnografia

    a importncia dos estudos de parentesco e da reflexo sobre questesdiretamente relacionadas famlia, como o direito pblico ou privado de

    homens e mulheres, bem como a diviso dos direitos com relao aos filhos.

    Na Lngua Portuguesa, uma das primeiras acepes da palavra

    famlia refere-se precisamente a um grupo de pessoas (notadamente um

    homem, uma mulher e seus filhos) morando sob um mesmo teto, ou seja,

    numa mesma habitao. Uma outra acepo muito comum a que trata a

    famlia como um grupo de pessoas que possuem uma ancestralidade comum.

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    Figura: 16.1: Em geral, estamos habituados com a ideia de que a famlia se

    refere a um grupo de pessoas que habitam a mesma moradia ou que possuem

    a mesma ancestralidade. Para as Cincias Sociais, sobretudo a Antropologia,

    tal noo de famlia representa apenas uma de suas variaes possveis.

    Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bundesarchiv_Bild_183-1986-

    0415-014,_Berlin,_Familienszene.jpg

    Senft, Gabriele

    http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bundesarchiv_Bild_194-0078-

    15A,_Holtwick,_Kinderreiche_Familie.jpg

    Lachmann, Hans

    A Enciclopdia Britnica, ao apresentar a definio inglesa da mesma

    palavra, menciona grupos de pessoas unidas por laos de matrimnio, sangue

    ou mesmo adoo, compartilhando uma mesma habitao e interagindo uns

    com os outros atravs de suas posies sociais, sobretudo como esposos,

    pais, filhos e irmos. A essncia da ideia de famlia colocada na relao entre

    pais e filhos.

    Desse modo, quando pensamos sobre os significados da palavra

    famlia, duas ideias logo se destacam: 1) a questo da convivncia num

    mesmo ambiente; 2) os aspectos biolgicos que caracterizam a reproduo

    familiar.

    http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bundesarchiv_Bild_183-1986-0415-014,_Berlin,_Familienszene.jpghttp://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bundesarchiv_Bild_183-1986-0415-014,_Berlin,_Familienszene.jpghttp://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bundesarchiv_Bild_194-0078-15A,_Holtwick,_Kinderreiche_Familie.jpghttp://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bundesarchiv_Bild_194-0078-15A,_Holtwick,_Kinderreiche_Familie.jpghttp://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bundesarchiv_Bild_194-0078-15A,_Holtwick,_Kinderreiche_Familie.jpghttp://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bundesarchiv_Bild_194-0078-15A,_Holtwick,_Kinderreiche_Familie.jpghttp://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bundesarchiv_Bild_183-1986-0415-014,_Berlin,_Familienszene.jpghttp://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bundesarchiv_Bild_183-1986-0415-014,_Berlin,_Familienszene.jpg
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    Da, parece-nos importante frisar que, na tentativa de estabelecer uma

    definio universal do conceito Famlia, algumas caractersticas foram

    reforadas como pr-condies para que um grupo de pessoas pudesse ser

    enquadrado nessa categoria. Desse modo, os pr-requisitos mais comumentemencionados, segundo Franoise Hritier, foram: a) a presena contnua de

    um homem; b) a proibio do incesto que se introduz na relao entre grupos e

    aos casamentos; c) uma diviso de tarefas entre os sexos; d) o

    reconhecimento da relao da paternidade legal, independente da realidade

    biolgica da unio de seus pais.

    Nessa perspectiva, destaca-se um acento sobre o carter social da

    famlia. Para Lvi-Strauss (1974), que se tornou um dos nomes mais

    destacados no campo do parentesco e da famlia, esse tema representa uma

    das questes mais escorregadias dentro do estudo da organizao social.

    Para o antroplogo, o matrimnio possui a caracterstica de no se originar nos

    indivduos, mas sim nos grupos interessados na relao (famlias, linhagens,

    cls etc.). Se pensarmos sobre a ideia, perceberemos que ela apresenta um

    importante par de interesses: os coletivos e os individuais - sejam eles opostos

    ou no. O autor nota que, apesar da possibilidade de oposio entre interessesindividuais e coletivos, forte a influncia coletiva sobre os matrimnios,

    chegando mesmo a unir os grupos antes e por cima dos indivduos.

    Isso nos leva a pensar que a dificuldade na definio do conceito de

    Famlia situa-se justamente nas variaes que essa instituio apresenta ao

    redor do mundo, em virtude da enorme diversidade cultural da qual ela um

    dos reflexos.

    BOXE DE CURIOSIDADE

    Os Nuer so um grupo tnico do leste africano, situados entre o

    Sudo e a Etipia. Receberam grande ateno na Antropologia em

    virtude dos estudos promovidos por Evans-Pritchard sobre sua

    organizao poltica, sua religiosidade e relao com o ambiente.

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    Imagens dos Nuer podem ser acessadas em

    http://www.youtube.com/watch?v=J0VBnrIkAtA. Trata-se de um preview

    do filme The Nuer (1971), realizado por Robert Gardner e Hilary Harris

    para o Film Study Centerda Universidade de Harvard.

    Fim do boxe de curiosidade

    Nesse sentido, as formas singulares sob as quais se manifestaria a

    famlia em diferentes contextos seria o grande entrave na elaborao de uma

    definio de carter universal. Entre os Nuer, por exemplo, havia algo que se

    chamava de casamento de mulheres. Esse casamento no significava

    necessariamente relaes homossexuais, mas sim o posicionamento de umamulher que fosse estril, de idade avanada ou mesmo uma pessoa rica, como

    algum de status masculino, ocupando em sua famlia uma funo econmica

    e de autoridade diante das esposas. Muitas vezes tais esposas eram

    engravidadas por homens do grupo da mulher que assumia tal status.

    Em contextos etnogrficos mais prximos do que aqueles que

    acabamos de ver, podemos pensar sobre as novas formas de conjugalidade

    presentes na sociedade brasileira e suas implicaes sobre questes como

    famlia e casamento. Um exemplo desse tipo de reflexo pode ser encontrado

    nos recentes trabalhos publicados por Mirian Goldenberg (2005). Ao analisar

    os modelos contemporneos de conjugalidade e famlia, a antroploga percorre

    um caminho que permite pensar sobre novos arranjos matrimoniais.

    Ao analisar uma srie de questionrios aplicados a pessoas das

    camadas mdias urbanas do Rio de Janeiro, abordando temas como as

    representaes masculinas e femininas a respeito do modelo ideal de casal e

    sobre os problemas enfrentados nos relacionamentos conjugais, a antroploga

    forneceu um material que ajuda a problematizar o conceito de Famlia hoje.

    De acordo com a autora, 16% dos pesquisados, tanto homens quanto

    mulheres, afirmaram valorizar a liberdade e a individualidade em seus

    relacionamentos. Em decorrncia disso, novos arranjos matrimoniais se

    estabelecem: as pessoas se casam, mas continuam morando em casasdiferentes; os casais mantm uma unio estvel, mas ao mesmo tempo

    http://www.youtube.com/watch?v=J0VBnrIkAtAhttp://www.youtube.com/watch?v=J0VBnrIkAtA
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    aberta a relaes sexuais passageiras e assim por diante. Alm disso, os

    estudos urbanos revelam tambm exemplos de matrimnio entre homens ou

    mesmo entre mulheres, nos quais por vezes se observa a presena de filhos

    adotados.

    As inovaes tecnolgicas na rea de reproduo assistida tambm

    tornaram ainda mais complexas essas questes, na medida em que as

    relaes sexuais tornaram-se dispensveis na gestao de uma criana. Novas

    possibilidades apresentaram-se, como nos casos em que um casal pode ter

    seu filho gerado na barriga da me da mulher, ou seja, da av da criana,

    dificultando ainda mais as definies sobre o conceito de famlia.

    Todos esses casos, sejam eles de outra ou da nossa prpria

    sociedade, ilustram que o fundamento dessa instituio no de carter

    biolgico, mas sim social. Prova disso a variabilidade nas composies dos

    casais, alm das diferentes relaes estabelecidas entre pais e filhos, e mesmo

    entre esposos.

    Ficam claras, assim, as dificuldades de definio do conceito de

    Famlia. Isso, todavia, no faz com que a famlia deixe de ser um tema central

    nas reflexes scio-antropolgicas, sobretudo pela gama de facetas e

    representaes da vida social que nela se entremeiam.

    Desse modo, os estudos sobre famlia continuam em franca atividade,

    unindo-se tambm s pesquisas sobre parentesco no mundo contemporneo e

    contribuindo para um melhor entendimento sobre os fenmenos sociais.

    OS SISTEMAS DE PARENTESCO

    O parentesco marcado por um duplo carter: ao mesmo tempo em

    que se mostra diretamente relacionado a aspectos da reproduo biolgica,

    seus modelos representam expresses culturais. Desse modo, fatores como a

    necessidade de parceiros de sexos diferentes mostra o imperativo biolgico da

    reproduo, ao passo que as possibilidades de adoo ou mesmo das

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    tecnologias modernas de reproduo assistida realam os subterfgios

    culturais que do margem fuga daquilo que se poderia entender como uma

    imposio da natureza.

    Nos primrdios das Cincias Sociais, os estudos de parentesco

    desempenharam um papel de suma importncia. Atravs deles, esperava-se

    compreender, considerando um nmero restrito de princpios fundamentais, os

    fenmenos da consanguinidade e da afinidade. O estudo do parentesco era

    ento o mtodo cientfico para tal empreendimento, caracterizado pelo rigor em

    suas anlises.

    Foi Lewis Henry Morgan (Cf. Bonte e Izard: 2004) quem primeiro sededicou a tal questo, em um livro intitulado Systems of Consanguinity and

    Affinity of the Human Family (Sistemas de Consanguinidade e Afinidade da

    Famlia Humana), publicado no ano de 1871. O que se estabelecia ento eram

    dois sistemas principais de terminologias. O primeiro foi chamado de sistema

    descritivo e dizia respeito aos casos em que os ttulos de parentesco

    fundavam-se sobre uma combinao de um pequeno nmero de termos

    simples. O sistema classificatrio, por sua vez, repartia os parentes

    consanguneos em classes de sujeitos que recebiam a mesma nomenclatura,

    ou seja, que eram tratados pelos mesmos termos. Nesse sistema, no caso

    estudado por Morgan entre os Iroqueses, o irmo do pai e o pai eram

    designados pelo mesmo termo, ao passo que o irmo da me recebia uma

    outra designao. As pessoas, desse modo, eram repartidas em grupos de

    acordo com sua posio na estrutura de parentesco.

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    Figura 16.3: Lewis Henry Morgan (1818 1881)

    Fonte:

    http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Lewis_henry_morgan.jpg

    Essa distino estabelecida por Morgan no demorou muito tempo

    para ser descartada, assim como as vises evolucionistas desse autor sobre o

    desenvolvimento da famlia na humanidade. O motivo do abandono desses

    sistemas terminolgicos, divididos entre descritivos e classificatrios, foi que

    logo se percebeu que, em ltima instncia, todos os sistemas so, na verdade,

    classificatrios. Os esforos passam a ser direcionados ento na busca deidentificao dos critrios utilizados na elaborao de classes terminolgicas e

    no entendimento da funo desempenhada pelo parentesco nas sociedades

    tribais.

    As duas principais teorias sobre o parentesco, desenvolvidas a partir

    de ento, receberam os nomes de filiao e aliana. A filiao diz respeito a um

    conjunto de pessoas consanguneas descendentes de um mesmo ancestral,

    seja ele masculino ou feminino. As teorias da aliana, por sua vez, esto

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    preocupadas com os laos de unio entre diferentes grupos, colocando nfase,

    portanto, sobre as questes matrimoniais.

    A abordagem da filiao foi proposta e defendida destacadamente por

    Alfred Reginald Radcliffe-Brown e Meyer Fortes (Cf. BONTE, IZARD: 2004). O

    argumento sustentado era de que o princpio genealgico assegurava e ditava

    o pertencimento a um grupo consanguneo, e que, por meio da filiao, se

    definia a identidade das pessoas e dos grupos. Os dados empricos que

    sustentavam a abordagem da filiao foram coletados em sociedades nas

    quais a transmisso do pertencimento ao grupo dava-se de maneira unilinear,

    ou seja, pelo lado paterno (patrilinear) ou pelo lado materno (matrilinear).

    Os direitos e deveres surgem, assim, como um resultado direto dos

    sistemas de parentesco, sendo assim um dos principais focos de interesse de

    Radcliffe-Brown. So esses direitos e deveres que representam o fundamento

    das terminologias de parentesco, que so organizadas atravs de alguns

    princpios de ordem moral visando unio dos grupos de parentes.

    A partir dessa perspectiva, o parentesco passa a ser encarado como

    verdadeiro sistema de coero, e as terminologias recebidas por uma pessoa

    percebidas como verdadeiras prescries de atitude. Disso segue que o

    parentesco passa a ser pensado como um sistema de garantia da ordem

    social.

    medida que os povos estudados pelos antroplogos nesse perodo

    eram destitudos de sistemas governamentais semelhantes ao que, em nossa

    sociedade, chamamos de Estado, o parentesco foi considerado ento como o

    principal mecanismo de manuteno da ordem. No havendo Estado, era pelo

    parentesco que se designavam os direitos e deveres das pessoas.

    J na abordagem da teoria da aliana, a nfase dada no sistema de

    classificao, utilizado em cada sociedade para definir as categorias

    complementares de consanguinidade e afinidade. a partir desta diviso que

    so definidas as regras matrimoniais, pois elas ditam as pessoas que so os

    possveis parceiros de casamento.

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    Essa perspectiva analtica tem seu fundamento na ideia da troca. sob

    o imperativo da troca de mulheres que se estabelecem as classificaes dos

    sistemas de parentesco, que indicam no apenas os grupos com os quais

    possvel efetuar matrimnios, mas, dentre eles, apontam os que sopreferenciais.

    As trocas de mulheres criam um circuito de reciprocidade no qual os

    grupos ocupam alternadamente os papis de doadores e receptores de

    mulheres. Criam-se assim os laos de aliana, que geram as redes de

    sociabilidade.

    Como costuma ocorrer frequentemente nas Cincias Sociais, essasteorias tiveram uma forte influncia sobre muitos pesquisadores, alcanando

    seu apogeu entre as dcadas de 1950 e 1970. Desde ento, no entanto, elas

    vm sendo alvo de fortes crticas.

    No que tange teoria de Radcliffe-Brown, critica-se hoje sua

    percepo do parentesco como modelo que enquadrava diversas atividades

    dos povos no ocidentais, representando, assim, uma espcie de idioma do

    parentesco. Tal idioma seria utilizado pelas pessoas para atuar e compreender

    instituies e atividades polticas, econmicas, religiosas etc. A falha estaria no

    simples fato de que essa diviso da vida social em vrios compartimentos seria

    uma caracterstica das sociedades dos antroplogos, mas no dos povos por

    eles estudados. Estes, portanto, muitas vezes no veem religio, poltica,

    parentesco e economia como setores estanques da vida social.

    A ideia de que o parentesco atua como mecanismo de manuteno da

    ordem em sociedades nas quais no h a presena de instituies

    governamentais recebeu inmeras crticas, dentre elas a que apontava esse

    tipo de raciocnio como influenciado por pressupostos evolucionistas: ns

    temos governo; eles tm parentesco, o que indica, de algum modo, um certo

    primitivismo, em vez de simplesmente conotar outros modos de vida social.

    Com relao teoria da aliana, a principal crtica recebida foi a de que

    esse modelo de pensamento reduz a ao e a criatividade das pessoas, pois,nessa perspectiva, elas tm suas vidas praticamente prescritas por seus

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    sistemas de parentesco. Desse modo, a capacidade de agncia humana

    negligenciada e a vida social torna-se mais semelhante a um esquema

    matemtico ou eltrico do que algo efetivamente dinmico e vivo (Cf.

    RAPPORT & OVERING: 2005).

    CONCLUSO

    Atualmente, o parentesco e a afinidade, enquanto tpicos ou ttulos de

    pesquisas scio-antropolgicas, cederam lugar a termos como emoo,

    afetividade, valores, conjugalidades etc. A nfase no mais colocada na

    manuteno da ordem nem nos sistemas estruturais de pensamento e

    classificao, mas sim nos aspectos de conflito e ambiguidade do fluxo da vida

    cotidiana.

    A elaborao de rvores genealgicas, no entanto, se mantm como

    um instrumento valioso para o estudo de diferentes tipos de populaes:

    agricultores, quilombolas, tribos indgenas, povoados pesqueiros etc. Atravs

    de tal metodologia, pode-se destacar os diferentes vnculos de parentescoentre as pessoas do local estudado, observando ancestralidades comuns e

    assim elaborando reflexes mais fecundas.

    O parentesco como forma de ordenar o mundo social, no entanto,

    tornou-se uma perspectiva menos adotada. Sobretudo em contextos urbanos,

    as novas formas de relacionamento familiar tm ocupado a reflexo das

    Cincias Sociais, onde grande destaque tem sido dado s transformaes

    ocorridas nos modos de comportamento.

    Percebe-se, desse modo, que os estudos sobre famlia e parentesco,

    embora sob uma outra roupagem, permanecem despertando o interesse de

    novos pesquisadores e enriquecendo as anlises sobre a vida social.

    RESUMO

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    A famlia, enquanto instituio social, apresenta diversas

    configuraes, que correspondem a diferentes contextos culturais. A definio

    do que Famlia foi um assunto muito caro para diferentes antroplogos, o que

    originou teorias de grande influncia na disciplina. Apesar das divergnciasexistentes, podemos afirmar que h um consenso de que as configuraes

    familiares no so dadas por diferenas biolgicas, mas sim por fatores

    culturais. Desse modo, a organizao familiar e seu significado correspondem

    aos contextos vivenciados por cada sociedade, podendo, inclusive, sofrer

    transformaes ao longo do tempo, tal como podemos observar que aconteceu

    em nossa prpria sociedade.

    REFERNCIAS

    BONTE, Pierre & IZARD, Michel. Dictionnaire de lethnologie et delanthropologie. Paris: Presses Universitaires de France, 2004. 848 pp.

    GOLDENBERG, Mirian. De Perto Ningum Normal Estudos sobre

    corpo, sexualidade, gnero e desvio na cultura brasileira. Rio de Janeiro:

    Record, 2005. 189p.

    LVI-STRAUSS, Claude. La Familia. In.: Polmica sobre el origen y la

    universalidad de la familia. Barcelona: Anagrama,1974. 7-49p.

    MAUSS, Marcel. Manuel DEtnographie. Paris: Petite Bibliothque Payot,

    1947. 112p.

    RAPPORT, Nigel & OVERING, Joanna. Social and Cultural Anthropology

    The Key Concepts. Londres e Nova York: Routledge, 2005. 92-102 pp.