Honra Nacional e Parentesco Prático

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  • 7/23/2019 Honra Nacional e Parentesco Prtico

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    DAS, Veena. In: EVENTOS CRTICOS UMA PERSPECTIVA ANTROPOLGICA SOBRE A NDIA CONTEMPORNEA (!!"#

    $CAPTULO III%

    HONRA NACIONAL E PARENTESCO PRTICO: SOBRE

    MULHERES E CRIANAS INDESEJADAS

    No ltimo captulo vimos como a casta e a nao vieram a ser construdos

    como dois princpios opostos e mutuamente contraditrios tradio e

    modernidade na ideologia e morfologia social da sociologia Dumontiana. Nesse

    captulo ofereo um tipo diferente de crtica a essa posio. Fao isso atravs da

    demonstrao de como os conceitos de pureza e honra funcionam na esfera doparentesco assim como na constituio da nao. Ficar claro !ue ao sair da esfera

    do parentesco e ir para a de nao" esses conceitos passam por grandes

    transforma#es $. %eu foco de anlise so as mulheres !ue foram se!uestradas e

    violadas se&ualmente durante os motins generalizados !ue acompanharam a

    'artio da (ndia em $)*+.

    'ermitam,me comear essa anlise por %itro" a protagonista do romance

    Mitro Marjani de -rishna o/ti. %itro reflete so/re a estranheza de um mundo no!ual o mesmo ato se&ual visto como uma ao religiosa se a mulher engravida de

    seu marido" e como um pecado se o homem um desconhecido. 'ortando,se como

    interlocutora 0 voz de uma me no romance !ue sente alegria ilimitada !uando

    desco/re !ue a esposa de seu filho est grvida %itro" a re/elde" diz1 2 Ye kaisi

    reet apne ladke beej dalen to pun aur doosra koi dale to pap 2 34ue tipo de

    costume esse5 4uando seu prprio filho despe6a as sementes pra dentro"

    sagrado" se outro homem a despe6,las" pecado7.

    8s !uei&as de %itro implicitamente criticam os cdigos de honra no

    parentesco. 9u as amplio at os cdigos de honra na nacionalidade" para perguntar1

    o !ue acontece !uando as mulheres engravidam de :outros; homens e do a luz aos

    filhos :errados;5

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    arena para refle&o.

    Descrevi recentemente como as mulheres tornaram,se o locus de tenso

    nos incidentes de viol=ncia coletiva 3Das $))$" Das e Nand $)E7. 8rgumentei

    !ue o corpo da mulher tinha,se tornado um signo atravs do !ual os homens

    comunicavam,se uns com os outros. 8s vidas das mulheres eram en!uadradas

    atravs da noo de !ue deveriam suportar o testemunho permanente da viol=ncia

    da 'artio. 8ssim" o programa poltico de criao das duas na#es" (ndia e

    'a!uisto" estava inscrito so/re os corpos das mulheres. 8 viol=ncia se&ual e

    reprodutiva a !ue elas foram su/metidas no pode ser entendida apenas como

    pertencente ao discurso da famlia1 deve ser entendida como duplamente articulada

    aos domnios do parentesco e da poltica. Bs discursos formais e informais de

    assimilao" aos !uais as mulheres" suas gravidezes" e seus filhos 3nascidos de pais

    :errados;7 foram su/metidos" foram marcados mais por rupturas e do/ras

    desiguais" !ue um deslizamento suave de uma superfcie 0 outra.

    8ntes !ue eu venha a falar de eventos especficos" devemos o/servar duas

    a/ordagens diferentes da relao entre 9stado e famlia dentro das !uais esses

    eventos podem ser encarados. De acordo com a primeira a/ordagem" o 9stado e a

    famlia podem ser vistos em aliana ttica pela !ual as :superfcies; do 9stado

    a/sorvem mem/ros indese6veis da famlia" permitindo a ele manter a honra e oprestgio desses mem/ros. 8 famlia" por sua vez" tra/alha como agente ativo do

    9stado incutindo seus programas nas crianas atravs das prticas de socializao.

    9sse ponto de vista tem sido vigorosamente levado adiante por Donzelot 3$)EG7"

    em seu estudo fascinante so/re o policiamento das famlias. 9le argumenta !ue as

    novas ideias so/re governamentalidade !ue se desenvolveram na 9uropa do sculo

    HIJJJ" resultaram no 9stado iniciando uma parceria informal com a famlia" de

    modo !ue mem/ros indese6veis na famlia foram a/sorvidos atravs de vrias:superfcies;" tais como conventos e hospitais !ue acolheram os en6eitados" os

    !uais foram utilizados como recursos para o tra/alho do 9stado. 8 coalizo ttica

    entre famlia e 9stado na preservao das crianas vale a citao na ntegra1

    %as essa harmonia entre a ordem das famlias e a ordem do 9stado foimais o resultado de uma coalizo ttica" !ue de uma aliana estratgica. Kantoum como o outro no eram escandalizados pela mesma coisa. B !ue pertur/avaas famlias eram as crianas nascidas de adultrios" adolescentes re/eldes" emulheres de m reputao tudo o !ue pode ser pre6udicial 0 sua honra"reputao ou posio. 9m contraste" o !ue preocupava o 9stado era o

    desperdcio de foras vitais" os indivduos inutilizados ou inteis. 9nto" entreos dois tipos de o/6etivos havia realmente uma converg=ncia temporria !uantoao princpio de concentrao dos mem/ros indese6veis das famlias" masen!uanto !ue para as famlias essa concentrao servia ao propsito da

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    e&cluso" para o 9stado era valioso como meio de verificao das prticasonerosas das famlias" como ponto de partida para uma poltica de conservaoe utilizao dos indivduos. Funcionando como superfcie de a/soro dosindese6veis da ordem da famlia" os hospitais comuns" os conventos e oshospitais de en6eitados serviram ao mesmo tempo como /ase estratgica paratoda uma srie de interven#es corretivas na vida da famlia.

    9m contraste com essa a/ordagem sugerindo !ue os cdigos de honra da

    famlia foram preservados pela coalizo ttica" >erzfeld 3$)E+7 argumenta a favor

    de uma relao /em mais comple&a entre os dois. 9le diz !ue as sociedades !ue

    :vieram ao mundo;L" p. e&." ao serem conceitualmente apanhadas pelo Bcidente

    atravs de processos de conhecimento antropolgicos e administrativos" todas elas

    vieram a ser marcadas por certos traos distintivos. 9m todas essas sociedades" o

    9stado esteve encarregado da tarefa de articulao e preservao dos cdigos de

    conduta !ue os sistemas Bcidentais de conhecimento caracterizaram como os

    signos de sua 8lteridade. 8ssim" os cdigos de honra e vergonha" pureza e

    profanao" hierar!uia e casta" etc." todos eles !ue foram fundamentados como as

    marcas especiais do !ue especfico das vrias sociedades no,Bcidentais" vieram

    a ser ar ticulados tanto pelo conhecimento antropolgico" como pelo

    administrativo" e tam/m pelas prticas do 9stado. 8pesar de a auto,imagem do

    9stado nessas sociedades" a imagem pro6etada por ele" era a de estar enga6ado na

    reforma e melhoramento das prticas da famlia e da sociedade" na verdade ele

    tornou essas prticas muito mais rgidas pelo investimento de renovada autoridade

    nelas.

    %eu prprio argumento est localizado em algum lugar entre esses dois

    polos. 4uando falamos em crianas indese6veis" pergunto,me se a ordem da

    famlia e a ordem do 9stado esto escandalizados pela mesma coisa. > uma

    coalizo ttica entre essas duas ordens" e como ela se manifesta5 B 9stado produz

    seus prprios cdigos de honra e vergonha" ou pureza e profanao" !uando

    falamos de crianas indese6veis5 9sses cdigos so assim adotados pelas ordens

    da famlia como os cdigos da sociedade indiana5 9&amino essas !uest#es nos

    eventos da 'artio focando as prticas da famlia e do 9stado relacionadas 0s

    mulheres se!uestradas e seus filhos" durante os difundidos motins populares de

    $)*+.

    8 descolonizao no ul da Msia foi acompanhada pela criao de 9stados

    artificiais" e estes foram acompanhados de viol=ncias coletivas sem precedentes.

    L

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    Bs motins populares durante a 'artio foram" nesse sentido" chamados de marcas

    de nascena das novas na#es" (ndia e 'a!uisto. Om dos mais recentes estudos

    so/re essa viol=ncia afirma1

    8 primeira convulso social !ue /alanou a (ndia de um e&tremo a

    outro durante um perodo de !uase !uinze meses comeando em $ de 8gostode $)* foi um evento de magnitude e horror sem precedentes. 8 histria noconhece a guerra fratricida nessas dimens#es" em !ue os humanos odiaram epaies /estiais foram degradadas a nveis testemunhados somente durante aspocas mais som/rias em !ue a religio era um frenesi" assumindo a forma deum monstro hediondo" perseguido atravs de cidades" vilas" at o campo"co/rando o pedgio de meio milho de vidas inocentes. Ielhos decrpitos"mulheres indefesas" crianas pe!uenas desamparadas" /e/=s de colo" aosmilhares foram /rutalmente levados 0 morte pelos %uulmanos" >indu e i?hfanticos. Destruio e pilhagem das propriedades" se!uestro e violao dasmulheres" atrocidades inefveis" e desumanidades indescritveis" foramperpetrados em nome da religio e do patriotismo. 3-hosla" $)E)" p.C7.

    B Poverno da (ndia ela/orou a Brganizao de Desco/erta dos Fatos

    QFact Finding OrganizationR a respeito da viol=ncia popular. 8 despeito de os

    ar!uivos contendo esses relatrios no estarem presentemente disponveis" -hosla"

    um servidor p/lico" teve acesso a essas informa#es. 9le tam/m entrevistou

    pessoalmente a Brganizao da iga dos Bficiais da 9vacuao %ilitar QLiaison

    Officers of the Military Evacuation Organization R !ue foi encarregada da

    evacuao em larga escala das minorias de um domnio a outro. Aaseando,se nessa

    informao" -hosla imagina !ue os nmeros das perdas de vida este6am entre

    LGG"GGG e LSG"GGG. De acordo com ele" a Brganizao de Desco/erta dos Fatos

    tam/m deu nmeros de mulheres !ue foram se!uestradas ou estupradas" com /ase

    na anlise das testemunhas. 9stava claro !ue um grande nmero de mulheres havia

    sido se!uestrada e estuprada1 -hosla diz !ue o nmero em am/os os lados estaria

    perto de $GG"GGG. 8lgum em/asamento para isso oferecido pelas informa#es

    dadas pela

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    mulheres se converteram 0 religio de seus se!uestradores" e casaram,se com eles.

    %uitas tiveram filhos de seus novos maridos" ou estavam grvidas !uando do

    reencontro.

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    mulheres se!uestradas. 8m/os os lados se pronunciaram contra o reconhecimento

    do casamento forado.

    B

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    >indus do Beste de 'un6a/. -hosla cita uma carta para um professor aposentado1

    :B !ue me compeliu a escrever isso para voc= o fato de !ue ao perscrutar ao

    redor com meus olhos" eu falho em encontrar !ual!uer um no mundo !ue possa me

    a6udar neste estado de calamidade" e&ceto voc=; 3-hosla" $)E)" p. LC*7. 8ssim" se

    o 9stado se envolveu dessa forma principal" recuperando as mulheres se!uestradas"

    e se no processo 9le formulou novos tipos de poder disciplinador so/re a

    populao" est claro !ue as pessoas no eram simplesmente vtimas passivas do

    poder do 9stado1 elas estavam ativamente envolvidas na evoluo da ideia de

    responsa/ilidade do 9stado" do papel de parens patriae$do 9stado em relao 0s

    mulheres em perigo. 9m/ora essas no#es e papis no se6am e&plica#es

    suficientes para as atitudes desenvolvidas pela famlia e pelo 9stado. Kam/m

    precisamos e&aminar as implica#es das transgress#es contra as mulheres no

    conte&to das normas de parentesco da sociedade 'un6a/i" da onde a maior parte

    das mulheres foi recuperada.

    Normas de Parentesco e Mulheres Sequestradas

    No conte&to das normas de parentesco na sociedade 'un6a/i" dois valores

    pureza e profanao por um lado" e honra e vergonha por outro so

    particularmente importantes para a regulao da se&ualidade C. Nas narrativas de

    famlia !ue coletei nos motins da 'artio" os sacrifcios heroicos feitos pelas

    mulheres t=m lugar especial. 8o escolher para si uma morte violenta" ao invs de

    se su/meterem 0 viol=ncia se&ual cometida por homens de outras comunidades" as

    mulheres so consagradas nessas narrativas como salvadoras da honra da famlia.

    Nas vers#es masculinas dessas narrativas" a escolha voluntria feita por essas

    mulheres enfatizada. 8lgumas vezes os homens narraram histrias nas !uais amulher foi au&iliada 0 morte por um parente pr&imo 3usualmente o irmo" ou

    marido7.

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    de uma morte heroica. @ecentemente descrevi a e&clamao de uma voz pessoal

    !ue rompe com as narrativas cristalizadas da famlia e da comunidade 3Das" $))$7.

    8s histrias das mulheres demonstram !ue elas e&perimentaram esses deveres no

    apenas como uma forma de viol=ncia impostas a elas por homens de outras

    comunidades" mas tam/m como uma forma de viol=nia emanando de seus

    prprios homens. >avia tam/m uma censura coletiva" dentro de vrias famlias"

    nas narrativas das mulheres !ue ficaram para trs no 'a!uisto" ou !ue aceitaram

    se casar com homens %uulmanos a fim de comear uma nova vida para si

    mesmas.

    Nas narrativas cristalizadas das famlias" ento" as mulheres !ue tinham

    potencial de confundir divis#es agudas entre >indus e %uulmanos" mulheres !ue

    foram se!uestradas ou estupradas" e mulheres !ue deram a luz a filhos de homens

    %uulmanos e ainda decidiram viver" foram todas :es!uecidas;. 8 !uesto da

    famlia reivindicar !ual!uer criana nascida dessas uni#es 6amais foi se!uer

    considerada*.

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    famlia natal era aceita de volta desde !ue sua situao no fosse muito conhecida

    por outros parentes" e ento seu casamento era arran6ado por alguma manipulao

    tcita das normas de afinidadeS. Formou,se uma censura implcita so/re o

    discurso1 esse era o meio !ue permitia a comunidade tratar esses eventos como um

    desastre comum" de modo !ue as normas de pureza de parentesco e honra podiam

    ser estrategicamente manipuladas para permitir a rea/soro das mulheres a/atidas

    0s redes tradicionais. 'or e&emplo" moas foram casadas com mem/ros do

    biradari !ue comumente en!uadravam,se na categoria de parente proi/idoZ ou"

    casavam,se com homens mais velhos !ue haviam perdido suas prprias esposas no

    desastre. 9m todos esses casos" contudo" o ta/u so/re o discurso era no apenas

    operacional no momento de arran6ar o casamento" mas tornou,se mesmo uma

    condio permanente" impossi/ilitando assim tanto os parentes como os afins de

    perderem a dignidade.

    Oma construo dualista do evento permitiu !ue as narrativas das famlias

    persistissem" longamente" nos sacrifcios das mulheres !ue escolheram a morte

    afogando,se em mananciais" engolindo o veneno o/tido do estilhaamento de seus

    /raceletes de vidro" ou em casos e&tremos suplicando a seus prprios homens !ue

    as matassem como um ato de compai&o. imultaneamente houve um

    consentimento tcito para oferecer diferentes interpreta#es a certas normas deafinidade" assim como a autorizar a ordem da famlia a a/sorver as mulheres !ue

    foram se&ualmente violadas" mas cu6as condi#es no foram pu/licamente

    enunciadas ou tornadas visveis. 9sse era o campo do parentesco prtico como o

    denominou 'ierre Aourdieu 3$))G7 diferente do parentesco oficial" !ue est

    sempre 0 mostra. 8 completa verdade so/re o casamento" diz Aourdieu" reside em

    sua dupla verdade1 sua imagem oficial" feita de regras e rituaisZ e" a aliana real"

    resultante das fun#es polticas internas e e&ternas do casamento. 9le oferecevrias instXncias das :mentiras interesseiras; 0s !uais um grupo pode ser fiel a fim

    de ocultar de si suas falhas e encontrar solu#es honrosas para casos

    pro/lemticos. 9le argumenta !ue :inumerveis e&emplos podem ser dados desse

    tipo de m,f coletiva; 3Aourdieu" $))G" p. $+EZ ver tam/m Das" $))C7 .

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    do sculo HIJJJ" como vimos" Donzelot 3$))G7 prop#e !ue uma converg=ncia

    ttica de interesses levou a uma certa harmonia entre as ordens da famlia e do

    9stado. B 9stado a/sorveu os indese6veis das famlias em suas institui#es"

    a6udando assim a famlia a preservar sua honra e reputao pela e&cluso dos

    parentes indese6veis. imultaneamente" o 9stado criou para si um recurso !ue

    podia ser conservado e utilizado.

    No caso das mulheres !ue foram se&ualmente violadas e das crianas

    nascidas dessas uni#es violentas durante a 'artio" as rela#es entre as ordens da

    famlia e do 9stado foram muito mais comple&as e variadas. %ais !ue uma

    complementaridade mtua de interesses" mais fcil conceitualizar essas rela#es

    em termos de uma srie de linhas entrecruzando,se" conectando os pontos nesses

    dois planos atravs de conees diagonais. Kanto o 9stado como a famlia falaram

    so/re essas mulheres na linguagem da honra" mas seus conceitos de honra eram" de

    fato" muito diferentes.

    A Questo da Honra Nacional

    'ara os novos 9stados,nao da (ndia e do 'a!uisto" a recuperao das

    mulheres e crianas se!uestradas era uma !uesto de honra nacional.

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    nmeros. 8rran6os para o a/rigo das mulheres recuperadas em acampamentos

    transitrios foram parte do acordo tam/m" e largos poderes foram dados 0 polcia

    para conduzir o tra/alho de recuperao. Decidiu,se por referir os casos de litgio

    a um tri/unal comum para a determinao final. 9m termos de procedimentos

    reais" o governo da (ndia esta/eleceu departamentos de Ausca e ervio nas

    cidades de 'un6a/ onde se relataram mulheres desaparecidas. 9ssa informao foi

    ento passada 0s autoridades relevantes" e uma /usca a essas mulheres e crianas

    organizada. B governo indiano contou com a a6uda de vrias mulheres voluntrias"

    especialmente a!uelas afins 0 filosofia Pandhiana. 'roeminentes entre elas havia

    %ridula ara/hai" @ameshUari Nehru e -amla/ehn 'atel.

    9m sua auto/iografia so/re o perodo" -amla/ehn 'atel 3$)ES7 relata !ue

    :Na!ueles dias no era prudente confiar em nenhum homem" nem mesmo os

    policiais" tal era a preocupao !uanto 0 segurana das mulheres;. Irios

    acampamentos transitrios foram organizados" como o 8campamento do >ospital

    Pangaram em ahore" e o Pandhi Ianita 8shram em 8mritsar. 8 prpria

    -amla/ehn esteve no comando do acampamento transitrio de ahore" ao !ual

    mulheres e crianas foram levados. 9les eram ento transferidos para a (ndia ou

    'a!uisto" caso necessrio" so/ escolta policial. Oma mulher ou criana

    reivindicada por um parente pr&imo na (ndia poderia ser entregue a este parenteapenas em TullundurV" na presena de um magistrado.

    Komadas ao p da letra" poderia parecer !ue as normas de honra nas ordens

    da famlia e do 9stado apoiavam,se mutuamente. 8inda assim" tenho a convico

    de !ue uma vez !ue o pro/lema adentrou o domnio da legislativo do 9stado"

    retirou a li/erdade das mulheres de fazer suas prprias escolhas. 8o criar a nova

    categoria" :pessoa se!uestrada;" as mulheres foram es!uadrinhadas pelo poder

    disciplinador do 9stado" for6ando,se uma aliana entre assist=ncia social comoprofisso e o 9stado como parens patriae" tornando as normas oficiais de

    parentesco e pureza muito mais rgidas atravs de sua transformao em leis de

    9stado.

    'ode ser til agora o/servar o discurso do 9stado mais de perto" primeiro

    e&aminando a pluralidade de vozes e pro/lemas nos de/ates legislativos da

    8ssem/leia

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    medida !ue aparecem na auto/iografia de -amla/ehn 'atel" a proeminente

    assistente social Pandhiana !ue estava envolvida na tarefa de recuperao das

    mulheres >indu do 'a!uisto.

    8 discusso na 8ssem/leia ouve algumas crticas

    !ue en!uanto na (ndia ns recuperamos mulheres de todas as idades" no 'a!uisto

    eles recuperaram para ns apenas mulheres idosas ou crianas pe!uenas" dei&andode fora as mulheres de idade intermediria;. 9le passou a citar nmeros para

    indicar !ue as idades das mulheres recuperadas de am/os Domnios" eram

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    apro&imadamente iguais. Do total de mulheres recuperadas" mulheres com idade

    a/ai&o de $L anos da (ndia e do 'a!uisto foram respectivamente *S[ e CS[

    respectivamente. No grupo etrio de $L a CS anos" a recuperao foi de *)[ no

    'a!uisto e S)[ na (ndia" en!uanto a porcentagem cai para menos de $G para

    mulheres mais velhas !ue CS anos. Jsso demonstra claramente !ue a honra nacional

    estava fortemente atada 0 recuperao do controle so/re as fun#es se&uais e

    reprodutivas das mulheres.

    B segundo conte&to em !ue a violao das mulheres estava diretamente

    conectada 0 honra nacional era o comportamento do 'a!uisto como uma na()o

    em relao a elas. Foi apontado pelo ministro" e por vrios outros mem/ros da

    8ssem/leia indus e i?hs" e poroutro lado" de %uulmanos. %as um governo ser parte desse esplio" do raptode mulheres e propriedades" e depois dizer !ue na verdade no tem partenenhuma nisso" e finalmente" aceitar !ue foi parte disso tudo isso trai umestado de coisas" !ue ningum na Kerra 6amais poder perdoar o governopa!uistan=s.

    Oma cone&o ainda mais direta entre" por um lado as o/riga#es de um rei

    >indu !ue age para vingar os insultos 0 sua honra !uando as mulheres so/ sua

    proteo so ofendidas pelo inimigo " e por outro lado" as o/riga#es da nao

    indiana com relao 0s mulheres se!uestradas" foram feitas em um discurso de

    'andit Kha?ur Das Ahargava. :Ioc= se lem/rar" senhor;" ele diz"

    so/re como !uando 9llis fois se!uestrada por alguns 'athans toda aPr,Aretanha agitou,se de raiva e indignao" e at !ue ela ser devolvida osingleses no reco/raram a razo. 9 todos ns conhecemos nossa prpriahistria" o !ue aconteceu na poca de hri @am !uando ita foi se!uestrada.8!ui" onde a !uesto diz respeito a milhares de moas" no podemos noses!uecer disso. 'odemos es!uecer de todas as propriedades" podemos es!uecerde !ual!uer outra coisa" mas disso no podemos nos es!uecer 3p. *L7.+

    B terceiro tema atado 0 !uesto da honra nacional era se as mulheres

    + B tema mtico do rapto da inocente ita por @avana" e sua /anio su/se!uente por @ama" tem sido repetidamente evocada comouma metfora na literatura popular" assim como nos filmes >indi.

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    muulmanas deveriam ser restitudas 0s suas famlias. >avia uma tenso visvel

    entre o argumento de !ue" como nao civilizada" a (ndia no poderia manter as

    mulheres !ue foram se!uestradas e casadas 0 fora com homens >indu ou i?h" e o

    argumento de !ue prticas polticas e&igiam !ue mulheres %uulmanas fossem

    mantidas como refns para !ue o 'a!uisto sofresse alguma presso" e ento

    devolvesse as mulheres >indu e i?h do territrio pa!uistan=s. 8 tonalidade

    especfica !ue se introduziu fica interessante na afirmao de 'andit Kha?ur Das

    Ahargava1 :9u no sugiro em nenhum momento !ue as moas %uulmanas

    se!uestradas se6am mantidas a!ui" por!ue acredito no s !ue seria /om para elas

    serem mandadas em/oras" mas igualmente /om para ns livrarmos,nos delas. No

    !uero !ue a imoralidade prospere em meu pas.; 8 presena das mulheres

    %uulmanas vista como uma ameaa 0 pureza da nao indiana" por duas raz#es.

    'rimeiro" a despeito da retrica da /ar/aridade dos homens !ue se!uestraram as

    mulheres" esse :descuido; dos homens visto como temporrio1 atravs da entrega

    das mulheres %uulmanas se!uestradas" os homens >indu e i?h supostamente

    recon!uistam sua pureza perdida. egundo" a prpria presena dessas mulheres

    vista como contri/uinte 0 :imoralidade; no pas.

    9m toda essa discusso vemos !ue as mulheres esto sendo redefinidas

    como o/6etos semiticos" nos !uais as prticas do 9stado sero inscritas. >ouvealguma preocupao com relao aos direitos dessas prprias mulheres" como

    distintas das reivindica#es ao 9stado feitas por seus parentes" e a construo da

    honra nacional do 9stado5 9ssas !uest#es podem parecer estranhas" por!ue todo o

    de/ate foi conduzido nos termos de uma preocupao com relao 0s mulheres

    se!uestradas" e em um conte&to no !ual a legitimidade do 9stado indiano no

    estava em &e!ue. \ possvel ver claramente pela evocao dessas fun#es

    protetoras !ue o 9stado era capaz de cercear os direitos das mulheres se!uestradasde forma muito mais eficaz" e com uma aura de completa legitimidade" mais !ue se

    tivesse se apoiado apenas so/re as fun#es policiadoras.

    'rimeiramente consideremos o !ue uma pessoa se!uestrada. De acordo

    com a definio na lei"

    :pessoa se!uestrada; significa uma criana do se&o masculino comidade a/ai&o de dezesseis anos ou do se&o feminino de !ual!uer idade !ue " ouimediatamente antes de $] de %aro de $)*+ era" %uulmano" e !ue depoisdessa data foi separarado da famlia dele ou dela" e encontra,se vivendo com ou

    so/ o controle de indivduo ou famlia no,%uulmana" e em ltimos casosinclui !ual!uer criana nascida aps a data supracitada.

    Dei&ando de lado as crianas por um momento" fica claro !ue !uanto 0s

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    mulheres a lei falhou em tomar provid=ncias para apurar se uma mulher gostaria

    ou no de voltar 0s suas famlias originais. 9ssa !uesto foi levantada por diversos

    mem/ros. 8 crtica mais aguda foi feita por Kha?ur Das Ahargava1

    Ioc=s !uerem retirar os direitos de grande parte das mulheres !ue

    permaneceu a!ui aps a 'artio... %inha proposta !ue o direito das na#es claro" o direito da humanidade claro" o

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    retorno a seus lares originais1

    enhor" ns assistentes sociais !ue estamos associadas de perto com otra/alho" somos confrontadas com muitas !uest#es !uando nos apro&imamos deuma mulher. 8 mulher diz :Ioc=s vieram nos salvarZ voc=s dizem !ue vierampara nos levar de volta para nossos parentes. Ioc=s dizem !ue nossos parentesesto avidamente esperando para nos rece/er. Ioc=s no conhecem nossa

    sociedade. \ um inferno. 9les iro nos matar. 'ortanto" no nos enviem devolta; 3p. C7.

    9 ao mesmo tempo a autoridade das assistentes sociais esta/elecida1 :8s

    assistentes sociais associadas a esse tra/alho conhecem a psicologia dessas

    mulheres se!uestradas recuperadas inteiramente /em. 9las podem prestar

    declara#es de !ue esta ou a!uela mulher acolhem a oportunidade de voltar para

    casa.; 8 recusa de muitas mulheres em voltar" e a resist=ncia !ue as assistentes

    sociais encontraram em campo" foram am/as e&plicadas ma6estosamente pelaatri/uio de uma falsa consci=ncia 0s mulheres. Durga/ai afirmou !ue em muitos

    casos de uma mulher casada e esta/elecida com seu se!uestrador" sua recusa em

    voltar :/aseava,se em um medo comple&o" no medo dos costumes sociais e no

    medo de !ue seus parentes no a rece/essem de volta /em.;

    Kestemunhamos a!ui uma aliana" entre o 9stado e a profisso de

    assistente social" !ue silencia a voz das vtimas pela aplicao da doutrina do

    :melhor interesse;. 9ssa voz silenciada por um conceito a/strato de 6ustia" de

    punio da culpa" e proteo da honra da nao. 9ssa preocupao" lucidamente

    articulada 0 8ssem/leia

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    0 !uesto da determinao da legitimidade de uma criana5 'or ltimo" se nesses

    casos apenas o pai ou a me tivesse direito de transmitir filiao como /ase de

    esta/elecimento para a cidadania" seria apenas se a relao filiativa com a me ou

    o pai fosse relevante !uando da necessria criao de credenciais para a cidadania.

    9n!uanto no houve nos de/ates" enunciao e&plcita de uma teoria da

    procriao ou das contri/ui#es relativas do homem e da mulher 0 procriao"

    valeram,se de analogias algumas vezes. 'or e&emplo" 'andit Kha?ur Das Ahargava

    declarou em determinado momento da discusso !ue ele no compreendia como

    uma regra geral podia ser formulada atravs da !ual a criana seria entregue 0

    me" e no ao pai1

    eva somente de nove a dez meses a gestao durante a !ual a crianapermanece no tero da me... No se deveria tornar regra !ue em todos os casosa criana deve ser entregue como uma !uesto de norma. \ algo como a regrade !uando se planta uma rvore no soloZ portanto" a rvore vem com a terra" e ofruto vem com a rvore. Oma criana fruto do tra/alho de duas pessoas. Noh razo para !ue o pai se6a privado em cada caso. 'or !ue deveramos criar talnorma5

    8 analogia com a natureza" especialmente com a agricultura e a

    horticultura" para conceitualizar a procriao faz parte do repertrio de ideias

    contido nos te&tos >indu e nas ideias populares so/re procriao. B !ue

    importante a!ui !ue uma teoria oculta do :tra/alho; da reproduo adentra o

    repertrio de ideias do 9stado" mesmo !ue se articule em oposio 0s provid=ncias

    da lei.

    8pesar de Durga/ai no colocar as !uest#es nesses termos" ela !uestiona

    os direitos do homem so/re o fundamento de !ue ele foi o se!uestrador. Bs

    homens !ue se!uestraram as mulheres 0 fora" venderem,nas e usaram,nas para

    propsitos comerciais no poderiam reivindicar os direitos so/re as crianas

    nascidas dessas mulheres. 9m contraste com o argumento anterior" a interpretao

    de Durga/ai era a de !ue o tra/alho con6unto do homem e da mulher no gerou tal

    criana" mas ao contrrio" o despo6o pelo homem do corpo de uma mulher.

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    apanhar" mas ainda conhecendo perfeitamente /em a atitude do presentegoverno" conhecendo perfeitamente /em a atitude da sociedade >indu" devemosencarar os fatos como so e as crianas ilegtimas" caso tenham de viver na(ndia iro permanecer como ces" como /estas.

    Nessa discusso fica claro !ue a !uesto da legitimidade estava

    relacionada ao fato de !ue a lei tinha tornado todas as uni#es !ue comearam com

    se!uestro e terminaram em casamento ilegais" e assim classificou as crianas

    nascidas dessas uni#es como ilegtimas. Das narrativas das famlias !ue coletei h

    evid=ncia de !ue" algumas vezes homens %uulmanos casaram,se com moas

    >indu" e homens >indu ou i?h casaram,se com moas %uulmanas"

    especialmente se eram da mesma aldeia" para salv,las da desonra de serem

    se!uestradas por homens desconhecidos.

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    seriam /em,vindas nos lares originais ou con6ugais da me no foi confirmada pela

    e&peri=ncia das mulheres" pelo menos no entre as mulheres >indu e i?h !ue

    foram levadas de volta 0 (ndia.

    8!ui nos voltaremos 0 auto/iografia de uma assistente social !ue esteve

    envolvida na tarefa de recuperao das mulheres >indu e i?h do 'a!uisto. Jsso

    ir a6udar a demonstrar como as prticas do 9stado e da comunidade operaram de

    forma distinta de suas representa#es oficiais.

    Memrias do Trabalho como Assistente Social

    -amla/ehn 'atel" !ue apresentamos anteriormente" deu testemunho da

    ansiedade das mulheres assistentes sociais face 0 evid=ncia da crueldade humana.

    9m seu livro de memrias ela registrou a grande desconfiana !ue desenvolveu

    com relao a todos os homens depois de ouvir as histrias horrendas relatadas

    pelas mulheres 3'atel" $)ES7. 8pesar de agir em nome do 9stado na recuperao

    das mulheres se!uestradas" ela tam/m podia ver !ue as prprias prticas do

    9stado estavam tornando,se coercitivas. Jsso era mais agudo no caso das crianas"

    e a essa !uesto -amla/ehn dedicou um captulo inteiro. Nas palavras dela1 :No

    incio do tra/alho de recuperao surgiu o pro/lema1 o !ue deveria ser feito nocaso das crianas nascidas depois da 'artio5;. 8 !uesto era se essas crianas

    deveriam ser tratadas como pessoas se!uestradas" ou se deveria ser permitido 0s

    mes dei&ar a custdia dessas crianas com os pais. Nas reuni#es iniciais do

    tri/unal" oficiais do governo eram da opinio de !ue uma criana nascida de uma

    me >indu e um pai %uulmano dificilmente seria aceita por uma famlia >induZ

    essa criana seria um o/stculo no caminho da rea/ilitao da me. Bs oficiais

    sugeriram !ue essas crianas deveriam ser entendidas como /e/=s nascidos durantea guerra" e dei&adas para trs no pas em !ue nasceram. -amla/ehn apontou em

    uma reunio !ue" no caso dos /e/=s nascidos durante a guerra" eram as mes !ue

    ficavam para trs aps a sada dos soldadosZ en!uanto no caso dessa poltica se

    sugeria separar os infantes de suas mes. o/ as splicas das assistentes sociais"

    !ue declararam ser impossvel separar as mes de seus infantes" finalmente

    concordou,se em permitir !ue as mulheres levassem seus filhos consigo para os

    acampamentos. e" contudo" uma mulher fosse aceitvel 0 sua famlia apenas so/ acondio de ter dei&ado seu filho para trs" ento a criana passaria para a tutela

    do 9stado. De acordo com -amla/ehn" as mulheres reivindicadas por seus

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    familiares muitas vezes consideravam impossvel admitir !ue tinham dado 0 luz

    filhos de seus se!uestradores. 9las eram compelidas pelas circunstXncias a dei&ar

    seus infantes so/ os cuidados dos funcionrios dos acampamentos. 8lgumas vezes

    as mulheres ficavam divididas entre seus filhos mais velhos" nascidos

    :corretamente;" e um infante !ue era fruto da viol=ncia. 8ssim" apesar de a

    posio do governo nos de/ates da 8ssem/leia

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    fre!uentemente contra os dese6os dessas prprias mulheres. 8s tens#es !ue isso

    gerou entre as ordens da famlia e do 9stado esto claramente articuladas nas

    reflees de -amla/ehn. indu do 'a!uisto eram as mesmas !ue condenavamnosso tra/alho de recuperao das mulheres %uulmanas das casas >indus aeste do 'a!uisto. 9les rotulavam nosso tra/alho de :o/ras de destruio daalegria domstica.; 8t mesmo polticos maduros" inclusive alguns mem/ros do

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    onde ia a preocupao do 9stado indiano" a tarefa de retirar as mulheres

    %uulmanas das casas >indu ou i?h foi construda como um dever atravs do

    !ual os homens >indu recon!uistariam sua pureza" en!uanto a tarefa de trazer de

    volta as mulheres >indu do 'a!uisto era vista nos termos da honra da nova nao.

    B tema da purificao talvez tenha sido melhor e&presso pelo discurso de

    %ahatma Pandhi noticiado no 'elhi 'iary3L* de Novem/ro" $)*E7" entitulado :8

    troca de prisioneiros e mulheres se!uestradas.; Nessa /reve pea oratria" Pandhi

    diz !ue est atormentado por ouvir !ue as famlias >indu a este de 'un6a/ no

    esto entregando as mulheres %uulmanas se!uestradas so/ a alegao de !ue os

    oficiais pa!uistaneses demoraram a inciar a recuperao das mulheres se!uestradas

    do 'un6a/ 'a!uistan=s. Pandhi prossegue dizendo !ue no aprova isso" pois !ue

    isso demonstra !ue os homens >indu ainda no purificaram seus cora#es.

    8 partir desse e de diversos outros casos poderia parecer !ue no era a

    ordem da famlia !ue se escandalizava pela ameaa 0 pureza imposta pela presena

    das mulheres %uulmanasZ o parentesco prtico 6 conhecia estratgias atravs das

    !uais a/sorv=,las na famlia. 8o contrrio" a ideologia da nao !ue insiste na

    purificao. 8 ideologia da pureza tam/m foi enfatizada nos casos das mulheres

    >indu recuperadas. Irios apelos foram emitidos por lderes nacionais a propsito

    de !ue as famlias fossem reivindicar suas mulheres" 6 !ue essas mulheres notinham violado as normas se&uais voluntariamente. 9ssas mulheres mereciam mais

    compai&o !ue repugnXncia. Kanto Pandhi como Nehru passaram a cham,las de

    suas prprias filhas. @elata,se !ue o %inistrio de @ea/ilitao at emitiu um

    panfleto !ue citava as leis de %anu" para dizer !ue uma mulher !ue fez se&o com

    outro homem !ue no o seu marido estava purificada aps tr=s ciclos menstruais" e

    !ue sua famlia no deveria ter !ual!uer hesitao em aceit,la de volta E.

    8 !uesto da honra nacional veio 0 tona tam/m na linguagem dosnmeros" ou em alguns casos estes eram vistos como e&emplares. 'or e&emplo" em

    Taneiro de $)*E foi decidido !ue o tra/alho de recuperao no estava procedendo

    satisfatoriamente" e ento a primeira semana de fevereiro foi designada :emana

    da @ecuperao;. Durante esse perodo" am/as organiza#es estatais tentaram

    superar uma 0 outra atravs da produo de grandes nmeros de mulheres e

    crianas se!uestradas. Do mesmo modo" a !uesto da honra nacional era sempre

    trazida 0 tona se a mulher se!uestrada pertencia a uma famlia de alto status social.-amla/ehn menciona o caso da mulher %uulmana !ue tinha fugido com um

    E ou grata a @itu %enon por essa informao.

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    homem >indu e casado,se com ele voluntariamente. B governo pa!uistan=s

    converteu o caso da recuperao dessa mulher em !uesto de orgulho nacional. 8

    mulher e seu marido repetidamente garantiram 0s assistentes sociais !ue no

    houvera uso de fora nem se!uestro no caso deles. Bs oficiais da polcia disseram

    0s assistentes sociais !ue o governo pa!uistan=s no iria cooperar na recuperao

    das mulheres >indu a no ser !ue essa mulher em particular tivesse sido

    recuperada. 8 mulher foi ento persuadida a visitar sua famlia no 'a!uisto e

    declarar so/ 6uramento !ue ela tinha voluntariamente escolhido um marido >indu.

    indu ou %uulmana. 9n!uanto prticas da famlia foram su/metidas a

    medidas corretivas pelo 9stado colonial na (ndia via mudanas no direito da

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    famlia e medidas administrativas as medidas tomadas para recuperao de

    mulheres e crianas se!uestradas pelo novo 9stado,nao na (ndia independente

    fornece uma indicao prvia da maneira em !ue o 9stado se apropria do direito

    para determinar !uem e o !u= :indese6vel; na ordem da famlia" e traz assim o

    !ue define" so/ seu controle direto. Kalvez a diverg=ncia mais aguda entre as duas

    ordens rezi6a no fato de !ue as prticas da comunidade foram orientadas em

    direo 0 a/soro de mulheres e crianas nas estruturas da famlia e casamento a

    fim de diminuir sua visi/ilidade" en!uanto a ordem do 9stado deu nova

    visi/ilidade a essas mulheres e crianas. 8t em $))G" %enon e Ahasin 3$))C7

    encontraram mulheres vivendo em acampamentos em algumas cidades de 'un6a/"

    se6a por!ue suas famlias 6amais as reivindicaram de volta" se6a por!ue tenham

    sido recusadas por suas famlias. Devido 0 visi/ilidade permanente por terem sido

    trazidas de volta so/ o poder duradouro do 9stado" essas mulheres so testemunhas

    do poder do 9stado em definir tanto a identidade da mulher indiana" como as

    normas atravs das !uais as mulheres devem ser governadas dentro da ordem da

    famlia.

    De maneira interessante" as crianas indese6veis nascidas da viol=ncia

    se&ual preocuparam o 9stado apenas na medida em !ue esse pro/lema imiscua,se

    0 identidade das mulheres. Jsso consistente com o fato de !ue as mulheresse!uestradas eram perpetuamente definidas como as filhas da nova nao. 8

    se&ualidade delas era relevante apenas se pudessem ser a/sorvidas 0 estrutura da

    famlia como definida pelo 9stado" e sua !ualidade de me era relevante apenas na

    medida em !ue impedia tal a/soro. 8s crianas ainda no foram definidas como

    recursos estratgicos para o 9stado" o !ue talvez possa e&plicar por !ue as

    polticas a respeito das crianas sempre estiveram su/sumidas nas discuss#es das

    rea/ilita#es das mulheres.8s normas de parentesco foram mais atentas com relao 0s crianas.

    Kalvez houvesse algum elemento prodigioso so/re a vida poder /rotar ainda !ue

    fosse de um encontro violento. Kalvez a gravidez das mulheres as tenha

    transformado mesmo aos olhos de !uem as violou. De !ue outra forma se poderia

    e&plicar os vigorosos i?h chorando e soluando diante de suas mulheres sendo

    levadas em/ora de siZ ou" por !ue as mulheres %uulmanas correram o risco de ser

    tratadas como criminosas pelo prazer momentXneo de mirar os pais de seus filhosnem nascidos" ainda uma ltima vez5 Kalvez a heterogeneidade das prticas

    estratgias na famlia permitiu !ue o dese6o flusse mesmo nas rela#es definidas

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    pelo poder" en!uanto na ordem do 9stado a identidade teve de ser to firmemente

    fi&ada !ue no se poderia permitir !ue o flu&o do dese6o corresse.

    8 histria a!ui narrada apenas um pe!ueno fragmento na histria das

    rela#es entre a ordem da famlia e a ordem do 9stado. %as mesmo como um

    fragmento da histria" ele corporifica os diversos discursos e prticas aos !uais

    mulheres" gravidezes e crianas foram su/metidas em um perodo de grave

    desordem civil e poltica. 9sse fragmento de histria su/continental tam/m

    aponta para o fato de !ue" em perodos de viol=ncia coletiva" como guerra"

    insurg=ncias e motins populares difundidos" as mulheres podem tornar,se o centro

    da consci=ncia como categoria a/strata" e a regulao de sua se&ualidade e fun#es

    reprodutivas pode tornar,se visivelmente um pro/lema de 9stado. 8 /usca por

    6ustia em nome das mulheres e crianas se!uestradas ironicamente levou a novas

    formas de sofrimento impostas a elas. 9u gostaria !ue algumas respostas diretas

    fossem possveis a esses pro/lemas ve&atrios. e no esto disponveis" eu

    suspeito !ue por!ue as rela#es entre se&os" at !uando so as mais opressoras"

    trazem algumas das som/ras !ue anunciam a cada da noite.