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Cinema e Teatro Imagem, Tecnologia e Percepção no Contexto Contemporâneo

Maria Helena B. V. da Costa

Professora do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas-UFRN Pesquisadora do CNPq

Palavras chave: Tecnologia, Imagem, Teatro, Cinema

As diversas manifestações artísticas contemporâneas não buscam o novo e o original como na

época do modernismo, mas têm adquirido um olhar retrospectivo que intuitivamente parece

interferir e, portanto, produzir resultados cujo valor não está essencialmente na novidade das

formas, mas na elaboração de sistemas visuais significativos criados a partir da conjunção de

diferentes formatos de imagens. Como resultado, surgem na contemporaneidade novas

estruturas artísticas que têm como característica comum o uso, a disposição e a articulação

livre de uma infinidade de imagens que possibilitem diversas alternativas e transcendências da

arte de maneira geral. Em acordo, este trabalho é resultado de uma reflexão a respeito de dois

aparatos producentes de imagens – cinema e teatro –, o seu uso e articulação de novas

tecnologias no contexto da sua criação e produção no âmbito imagético-cênico.

Para autores como Higson (1996), é fundamental considerar os aspectos tecnológicos

responsáveis pelos elementos extra-cênicos em relação à prática da percepção/recepção das

imagens produzidas no sentido de alargar a compreensão a respeito das formas de

manifestações artísticas e os seus meios, e conseguintemente, as práticas de consumo já que

na atualidade as manifestações artísticas se co-relacionam e interligam enquanto instrumento

de mediação das relações sociais em um aspecto contemporâneo diferenciado: o da “produção

do entretenimento” que obedece à denominada “cultura dos meios” que promove e também

influencia a organização da vida social e artística.

O mundo tecnológico, computacional e digital nasceu e vem se desenvolvendo de forma

frenética no âmbito das formações políticas e socioeconômicas do capitalismo globalizado,

que por sua vez tem relação com a turbulência sócio-cultural do nosso tempo resultante dos

conflitos econômicos, étnicos, religiosos, do ressurgimento do nacionalismo, etc., que

compartilham do mundo do consumo gerenciado por estratégias de marketing, e determinado

pela cultura da publicidade.

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Isso, por sua vez, tem a ver tanto com o “mundo lá fora”, aquele também agora re-

dimensionado pelas representações e construtor de sentidos e significados que se revertem ao

imaginário e à própria realidade. Assim, Jameson (2004) propôs há algum tempo que a

contemporaneidade – considerada por ele, não sem argumentos e reações contrárias, como

pós-modernidade – se caracteriza como um período em que a “sociedade se submerge em

imagens” (p.23). Ele remete à “visualização mais completa da realidade” que surge como

princípio base das imagens construídas sobre o alicerce da nossa percepção e vivência da

realidade concreta aparecendo também como resposta ao processo de “estetização e

visualização” provocado pela produção e consumo exagerados de imagens.

É necessário entender que esse processo provoca fundamentalmente uma modificação não

apenas na imagem em si, mas no seu rebatimento na própria realidade representada, pois a

imagem captada da realidade retorna como “outra” a ela, no momento da produção artística,

modificando e interferindo, conseqüentemente, no contexto e na forma como percebemos a

imagem “real”, a imagem primeira (captada) e a “outra”. Nesse contexto, novas propostas

estéticas podem ser detectadas norteando a construção imagético-cênica na

contemporaneidade.

No período contemporâneo, a tecnologia e os meios de comunicação são os verdadeiros

veículos da função cultural se infiltrando na realidade concreta através da rotina diária

colonizando-a e produzindo “híbridos”, formas altamente tecnológica de todos os tipos –

instalações, performances, arte computacional, etc. Assim, novas tecnologias trabalham como

um constructo social da técnica e da performance ao destruir fronteiras estabelecidas pelos

códigos e convenções particulares a cada meio incentivando à experimentação, à mudança e à

produção de uma nova identidade.

Hoje, uma verdade aceita unanimemente é a de que não há arte sem tecnologia. Tal é a

contingência da esfera artística. Formas e meios artísticos como cinema e teatro, de uma

maneira geral, têm se interessado e pautado enormemente suas produções no incremento do

uso das mais diversas formas de tecnologias na produção de imagens e efeitos visuais

estabelecendo novos parâmetros para o cumprimento dos objetivos específicos e inerentes às

suas particularidades de produção e de recepção.

Assim, pensar sobre como as representações culturais produzem a tecnologia em seus

espetáculos significa o exercício de compreensão da cultura a partir das suas formas artísticas

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e subjetivas de manifestação. Isto é, pensar a relação entre o cinema e o teatro de forma

conectada a partir do uso das novas tecnologias, apesar de poder ser um foco de genuína

contradição, possibilita uma interpretação adequada das imagens, novas estéticas e narrativas

que surgem bem como dos efeitos produzidos pelas novas tecnologias.

A tecnologia, nesse caso, é levada para dentro da mensagem estética, de modo a funcionar, a

partir daí, como significado intrínseco, mais do que um determinante causal extrínseco. Nesse

contexto devemos considerar a influência das diversas mídias na transformação do teatro

tradicional, da performance e do cinema.

Com a incorporação/união de novas tecnologias possíveis em um mesmo meio/espetáculo, há

uma compreensão generalizada de que não apenas o uso, mas o consumo de tais tecnologias

no contexto artístico espelha os saltos da tecnologia e o espetáculo da cultura midiática

contemporânea.

As produções cinematográficas e teatrais contemporâneas trabalham o homogêneo e o

heterogêneo de maneira a ligá-los e interconectá-los com o propósito de tornar significativo o

que antes parecia um despropósito. Efeitos localizados na criação do espaço narrativo

diferenciado, ampliação do imaginário representativo, imagem sofrendo efeito e pedindo mais

efeitos para produzir mundos imaginários alternativos e destacando os efeitos para serem

vistos em si, são agora dinâmicas praticadas. Novas tecnologias digitais, em particular os

computadores e seus complexos programas de simulação das diversas artes, passam, portanto

a servir ao desejo de produção de um novo tipo de estrutura subjetiva.

A incorporação de procedimentos heterogêneos para experimentar novas sensorialidades no

cinema e no teatro provoca conseqüentemente a dissolução das fronteiras dos territórios das

artes. Esses procedimentos que lidam com transferências, misturas heterogêneas,

fragmentação, desconstrução, sabemos que ocorrem no teatro contemporâneo – segundo

Lehmann (2007) é uma das trajetórias que o caracterizam como teatro pós-dramático – e

semelhantemente no cinema considerado “expandido”1 ou “híbrido”, de montagem aberta.

Nota-se no teatro contemporâneo a recusa da representação dramática em favor de uma poesia

de imagens em movimento – o uso freqüente de vídeos dentro das produções teatrais as tem

1 O termo “cinema expandido” foi cunhado por Gene Youngblood na década de 1970 para explicar uma série de experiências híbridas que surgiram na época, unindo cinema, vídeo e tecnologia digital à luz da teoria cibernética e de uma aposta na indistinção entre arte e vida.

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tornado cada vez mais reflexivas, imagéticas e fílmicas. Manipulação viva de fragmentos de

filmes, filme-instalação, cinema ao vivo, montagem aberta, dispositivos cinéticos

circunscrevem-se também como teatro cinematográfico, teatro midiático.

Percepção e expressão são agora postas em função do desenvolvimento tecnológico, que abre

o acesso a tecnologias digitais de produção de imagens. Testemunha-se hoje o surgimento de

uma nova categoria de imagens, cujos aspectos formais, simbólicos, expressivos e

comunicativos apontam para novas relações cognitivas e de comunicação, com as quais

estabelecemos novas relações, novos usos sociais, novos entendimentos. A imagem em

movimento passa a se constituir como uma linguagem de circulação e acesso universais,

portanto objeto interdisciplinar e indispensável à pesquisa na área das artes e comunicação.

Adaptando conceitos das mídias tradicionais para realizar uma hibridização entre mídias,

estabelecendo um diálogo entre procedimentos dos videogames e do cinema no seio teatral,

além de misturar as convenções tanto da técnica e da estética cinematográfica quanto dos

videogames, as produções contemporâneas desenvolvem um novo estilo e estética que se

constrói na alternância de picos dramáticos, teatralizados a partir do uso das novas estruturas

midiáticas provocando momentos de interiorizações ou instantes de exacerbação de

representação. As fronteiras entre cinema e teatro estão sendo desconstruídas, portanto, na

medida em que são re-pensadas as múltiplas possibilidades de troca entre as duas artes no seio

de uma mesma obra. A inserção de novas tecnologias também altera o panorama da criação

artística e dos processos comunicacionais.

A título de conclusão, pode-se considerar que, hoje, manifestações artísticas como cinema e

teatro, como meios de representações culturais e artísticos, dependem da tecnologia e da

criação do espetáculo baseado em um conjunto de valores estéticos (e técnicos) que

finalmente incluem uma “política”, ou no mínimo uma ideologia cultural expressa, baseada na

exaltação da sua própria tecnologia e/ou do seu uso e o que esta passa a representar. Toma

força também o florescimento de posições em favor da “tecnologização” dos aparatos e em

favor de formas de narrativas que destacam os cenários, os movimentos, e o realce dado às

novas realidades que surgem a partir da confluência dessas tecnologias antes

inseridas/enquadradas de forma restrita ao formato das premissas do seu próprio meio. Para

alguns, a tecnologia interfere na relação do homem com o universo que o cerca de forma a

trazer benefícios no sentido de produzir uma maior distribuição, possibilitar uma maior

participação do espectador e permitir um aumento da troca de informações que o modifica

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cognitivamente. Hoje, portanto, por meio das novas tecnologias produtoras e transformadoras

de imagens, as manifestações com tradição modernista buscam através de novos formatos

estéticos participarem e desconstruir de forma ativa o processo de construção do mundo sócio-

cultural.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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