Cinema Contemporâneo Dos Países de Língua Portuguesa

download Cinema Contemporâneo Dos Países de Língua Portuguesa

of 53

description

A INVENTIVIDADE DO CINEMA CONTEMPORÂNEO DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA NO SEU CONTEXTO POLÍTICO

Transcript of Cinema Contemporâneo Dos Países de Língua Portuguesa

  • Ter

    esa

    Ca

    ado

    r M

    ora

    is S

    arm

    ento

    de

    Mel

    o,

    A I

    nve

    nti

    vidade

    do C

    inem

    a C

    onte

    mpor

    neo

    dos

    Pas

    es d

    e L

    ngua

    Port

    ugues

    a n

    o s

    eu C

    on

    text

    o P

    ol

    tico

    , 2015)

    -

    A Inventividade do Cinema Contemporneo dos Pases de Lngua Portuguesa no seu Contexto Poltico

    Teresa Caador Morais Sarmento de Melo

    Relatrio de Estgio de Mestrado em Cincias da Comunicao

    (Especializao em Comunicao e Artes)

    Realizado sobre a Orientao Cientfica do

    Professor Doutor Jorge Martins Rosa

    Maro 2015

  • A Inventividade do Cinema Contemporneo dos Pases de Lngua Portuguesa no seu Contexto Poltico

    Teresa Caador Morais Sarmento de Melo

    Relatrio de Estgio de Mestrado em Cincias da Comunicao

    (Especializao em Comunicao e Artes)

    Realizado sobre a Orientao Cientfica do

    Professor Doutor Jorge Martins Rosa

    Maro 2015

  • Aos meus Pais,

    Ao Ricardo.

  • RELATRIO DE ESTGIO

    A INVENTIVIDADE DO CINEMA CONTEMPORNEO DOS PASES DE

    LNGUA PORTUGUESA NO SEU CONTEXTO POLTICO

    TERESA MELO

    RESUMO

    Atravs da observao desenvolvida durante o estgio curricular no FESTin - Festival

    de Cinema Itinerante da Lngua Portuguesa procuro compreender de que forma a conjuntura poltica nos pases seleccionados para competio na 6. Edio deste

    Festival (Angola, Brasil, Cabo Verde, Moambique e Portugal) influencia a

    cinematografia apresentada e discutida durante o mesmo.

    Sublinhando a relevncia de acompanhar a construo de uma identidade cultural para a

    unio dos povos de lngua portuguesa, aprofundo neste documento as preocupaes

    presentes em cada um e introduzidas nas respectivas produes cinematogrficas: desde

    as migraes, as guerras, o meio ambiente, a sade, o sistema poltico vigente, a relao

    entre tradio e modernidade, entre outras.

    Ao aliar o conhecimento poltico adquirido na licenciatura em Cincia Poltica e

    Relaes Internacionais (FCSH-UNL) e a sensibilidade analtica para as questes

    cinematogrficas conquistada durante a componente lectiva deste mestrado, tenho em

    considerao a relao entre o cinema nacional e os grandes acontecimentos poltico-

    sociais, incindido sobre a dimenso subjectiva e auto-reflexiva do cinema como esforo

    para construo de uma identitria nacional.

    PALAVRAS-CHAVE: Cinema Contemporneo, CPLP, FESTin, Lngua Portuguesa

  • INTERNSHIP REPORT

    THE INVENTIVENESS IN CONTEMPORARY CINEMA OF THE

    PORTUGUESE SPEAKING COUNTRIES IN THEIR POLITICAL CONTEXT

    ABSTRACT

    Through the observation developed during the traineeship in FESTin Festival de Cinema Itinerante da Lngua Portuguesa I aim at understanding how the political situation in the countries selected for competition at the 6th edition of this Festival

    (Angola, Brazil, Cape Verde, Mozambique and Portugal) influences the cinematography

    presented and discussed in that same edition.

    Stressing the importance of monitoring the construction of a cultural identity toward the

    union of the peoples of the Portuguese language, I inquire in this document the concerns

    of each country and the way they are reflected in their film production: migration, wars,

    the environment, health, the political system, the relationship between tradition and

    modernity, among others.

    By combining the acquired knowledge in the political degree in Political Science and

    International Relations (FCSH-UNL) and the analytical sensitivity for cinematographic

    issues obtained during the teaching component of this master, I take into account the

    relationship between national cinemas and the most relevant political and social events,

    reflecting on the subjective dimension and self-reflective film as an effort to build a

    national identity.

    KEYWORDS: Contemporary Cinema, CPLP, FESTin, Portuguese Language

  • NDICE

    Introduo ............................................................................................................................ 1

    Captulo I: Definio do Estudo de Caso ............................................................................ 3

    I. 1. Formulao do Problema............................................................................... 3

    I. 2. Objectivo do Estudo ...................................................................................... 4

    Captulo II: Estrutura Conceptual ....................................................................................... 5

    II. 1. Breve Retrospectiva sobre o Cinema Lusfono na Passagem dos Sculos

    XX-X ..................................................................................................................... 5

    II. 2. Reflexo sobre Contexto Sociopoltico como Influncia na Produo

    Cinematogrfica exibida no FESTin 2015 ......................................................... 12

    II.2.1. Angola ........................................................................................ 12

    II.2.2. Brasil .......................................................................................... 15

    II.2.3. Cabo Verde ................................................................................. 18

    II.2.4. Moambique .............................................................................. 20

    II.2.5. Portugal ...................................................................................... 21

    Captulo III: A Entidade Acolhedora: FESTin .................................................................. 25

    III. 1. O FESTin como Promotor do Cinema Lusfono .................................... 25

    Captulo IV: Caracterizao das Actividades Desenvolvidas ........................................... 27

    IV. 1. Produo .................................................................................................... 27

    IV. 2. Comunicao ............................................................................................. 28

    Concluso ........................................................................................................................... 30

    Bibliografia ........................................................................................................................ 32

    Anexos ............................................................................................................................... 37

    I. Lista de Figuras .............................................................................................................. 38

    II. Lista de Tabelas ............................................................................................................. 39

    III. Lista de Filmes Seleccionados .................................................................................... 44

  • 1

    INTRODUO

    O cinema v o seu carcter valorizado pela primeira vez no Manifesto das Sete

    Artes (1911) quando o futurista italiano Ricciotto Canudo lhe props a atribuio do

    ttulo de arte, a stima arte. A partir dos finais do sculo XIX, a magia da imagem em

    movimento inicia assim uma longa viagem pelos caminhos da fico, da informao e

    da evidncia histrica, despertando no espectador o fascnio crescente pelas

    representaes visuais.

    no sculo XX, com o advento e a difuso dos meios de comunicao, que a

    proliferao das artes para as massas se demonstrou determinante para a transfigurao

    social. Partindo da premissa de que o cinema se tornou, graas ao seu prprio progresso,

    numa fonte decisiva para a definio e reconhecimento de uma nao relativamente aos

    povos que a compem, reveladora a singularidade de todos os seus mecanismos de

    figurao1. Neste contexto, o cinema actua no apenas como inspirao, mas sobretudo

    como um instrumento mnemnico til para a construo de novos valores em torno dos

    quais as comunidades se devem reconhecer.

    Neste sentido, a mais internacional das artes transforma-se e difunde-se hoje

    mais rapidamente do que nunca, adoptando progressivamente uma postura que procura,

    mais do que denunciar, explicar os factos e encontrar solues. Todavia, a dialctica

    entre o gnero nacional e a recepo universal dos filmes no afasta a necessidade de

    questionar permanentemente o carcter nativo da prpria criao cinematogrfica.

    verdade que o audiovisual cinematogrfico tem desempenhado um papel

    importante no futuro do espao lusfono, embora de forma bastante diversa. A

    globalizao e as novas tecnologias tm suportado e facilitado a logstica da produo e

    da distribuio dos filmes, aco que interfere inevitavelmente no contedo dos

    mesmos. Contudo, numa era onde os fluxos financeiros e os apoios materiais, as

    imagens e os sons circulam velozmente, a defesa pela livre aco do realizador no

    1 O cinema, como a televiso, um grande propagador de concepes sobre grupos tnicos e naes,

    agindo como agente socializador. Para o receptor, as imagens transmitidas parecem bvias, a prpria

    imagem da realidade. () Os filmes produzem sentidos sobre as naes, constroem identidades. (Santos e Costa, (s/d.), p. 3)

  • 2

    processo produtivo ainda persiste e reflecte-se em tentativas ininterruptas para manter a

    cinematografia nacional com personalidade prpria.

    O presente relatrio de estgio curricular pretende explorar brevemente o

    cinema lusfono contemporneo e a sua importncia na luta pela afirmao poltica,

    cultural, econmica e histrica nos diversos pases que compem a Comunidade de

    Pases de Lngua Portuguesa (CPLP). Nesta perspectiva, coloca-se em discusso se a

    conjuntura poltica nos pases de lngua portuguesa participantes nas Mostras

    Competitivas e No-Competitivas na 6. Edio do FESTin condiciona a criao

    cinematogrfica.

    Relativamente estrutura do documento de investigao proponho a sua

    diviso em trs captulos fundamentais. O primeiro foca-se na identificao e

    formulao da questo central seleccionada e na anlise dos objectivos do estudo,

    particularmente no tocante compreenso do renascimento quantitativo e qualitativo do

    cinema contemporneo nos pases de lngua portuguesa.

    No segundo, evidenciada a dinmica desenvolvida pelos cineastas da

    lusofonia para o reconhecimento pblico do cinema como arte. Como tal, importante

    observar no s as mudanas a nvel institucional ou econmico do cinema como

    tambm as que dizem respeito ao movimento geral das sociedades em questo em

    Angola, Brasil, Cabo Verde, Moambique e Portugal.

    O terceiro captulo aborda descritivamente a entidade acolhedora, o FESTin, e

    o seu papel como agente promotor da produo cinematogrfica dos pases da CPLP em

    Portugal.

    A caracterizao detalhada das actividades desenvolvidas durante o perodo do

    estgio curricular desenvolvida no quarto captulo em duas reas principais: Produo

    e Comunicao.

    O relatrio termina com uma breve concluso sobre a observao e

    consequente pesquisa aqui apresentada.

  • 3

    CAPTULO I: DEFINIO DO ESTUDO DE CASO

    I. 1. Formulao do Problema.

    Num mundo cada vez mais global, o resultado do empenho dos cineastas da

    lusofonia tem sido a construo de um cinema assente na matria-prima da conscincia

    e da auto-reflexo, mas que no se afasta totalmente do gnero comercial.

    Como tal, as novas produes revelam sua audincia uma considerao

    multidisciplinar assente no s na interpelao de uma histria como tambm na

    apresentao legtima de uma interrogao ao exterior2. Na ltima dcada, a

    apresentao de filmes estudantis, experimentais e comerciais tem representado uma

    gerao interessada numa cinematografia distinta e criativa exibida frequentemente em

    diversos festivais nacionais e internacionais3.

    Mesmo assim, os movimentos frequentes de afirmao ou de dissoluo no

    impediram o cinema em portugus em afirmar a sua originalidade, que se confronta

    continuamente com o conservadorismo adverso s mudanas estruturais. A existncia

    de uma cultura organizacional e de uma certa metodologia de financiamento dificulta os

    jovens cineastas que olham para o cinema como instrumento de ruptura com a

    identidade considerada por muitos como positiva (Lmiere, 2006, p. 734).

    Entre a liberdade artstica e a legislao, a vanguarda e a indstria, o

    audiovisual lusfono encontra-se num perodo muito especfico de convergncia e

    difuso de linguagens. Como tal, a pergunta de partida na minha anlise formulada a

    partir da necessidade de compreender o papel da conjuntura poltica nos pases de

    lngua portuguesa participantes na 6. Edio do FESTin, analisando em profundidade o

    seu reflexo na cinematografia seleccionada.

    2Por exemplo, rompendo com o formato convencional do gnero documental, Aquele Querido Ms de

    Agosto (Miguel Gomes, PT, 2008) Prmio FIPRESCI atribudo no Festival Internacional de Cinema de Viena 2008 constitui uma obra experimental sobre a cultura popular rural que convida o espectador a reflectir sobre as fronteiras entre o documentrio e a fico. 3Alguns exemplos: Alice (Marco Martins, PT, 2005), Prmio Regards Jeunes no Festival de Cannes em

    2005; Rafa, (Joo Salaviza, PT, 2012), Urso de Ouro para Melhor Curta-Metragem do Festival de Berlim;

    Elena (Petra Costa, BR, 2012), Prmio de Melhor Documentrio do Festival de Havana; Cidade de Deus-

    10 Anos Depois (Cavi Borges, BR, 2012), seleccionado para o encontro com produtores no Festival de

    Cannes 2012; Por Aqui Tudo Bem (Pocas Pascoal, AO, 2012), Prmio do Jri para Fico no Los Angeles

    Film Festival.

  • 4

    Nesta perspectiva, questiona-se o cinema lusfono contemporneo e a sua

    relevncia nos contextos poltico, cultural, econmico e histrico nesses mesmos pases.

    I. 2. Objectivo do Estudo.

    O objectivo principal do estgio foi o de contribuir, atravs da experincia

    curricular nas reas especficas de Produo e Comunicao no FESTin, para a

    compreenso da importncia social do cinema contemporneo nos pases de lngua

    portuguesa no contexto em que o filme foi produzido. Numa altura em que o surgimento

    de uma nova gerao de jovens realizadores cada vez mais evidente, identificar os

    elementos sociais e polticos de cada pas, sublinhando, inevitavelmente, a abertura de

    programas estatais de apoio conservao e preservao do patrimnio flmico com

    uma regulamentao efectiva relevante para compreender a posteriori os processos de

    recepo do cinema nos pblicos locais.

    A actual investigao incide apenas sobre os pases seleccionados nas Mostras

    Competitivas e No-Competitivas, excepo das Mostras Brasileiras, da Globo Filmes

    e a de Homenagem a Timor-Leste. De outra forma, envesaria a amostra em estudo pois

    so bastante especficas nas suas exibies e no envolvem os restantes pases em

    competio. Neste sentido, propus-me observar:

    - os componentes contextuais que influenciaram a construo das produes

    cinematogrficas escolhidas para a apresentao final do FESTin;

    - o investimento canalizado nacional e transnacional para o cinema em cada pas;

    - a inventividade formal e inscrio do cinema lusfono na contemporaneidade;

    - a receptividade do cinema como componente transformador cultural da audincia.

    Esta abordagem pretende estabelecer uma viso contempornea e actualizada

    do cinema mencionado e contribuir, certamente, para o desenvolvimento cultural da

    comunidade lusfona.

  • 5

    CAPTULO II: ESTRUTURA CONCEPTUAL

    II. 1. Breve Retrospectiva do Cinema Lusfono na Passagem dos Sculos XX-XXI.

    inevitvel associar as relaes internacionais como uma das principais

    portadoras de confluncias dentro do espao lusfono. Seja por questes lingusticas,

    estratgicas ou comerciais, a aco dos diversos Estados ao longo dos anos tem

    interferido directamente na transformao cultural de cada pas4.

    Lentamente, esta mpar realidade unida pela lngua portuguesa, sai reforada

    entre identidades to divergentes. A evoluo que o Portugus tem sofrido nestas

    sociedades est associada a essa conjuntura5. Contudo, h no cinema contemporneo

    posturas interessantes dentro do seu prprio contexto, no s atravs de acordos de co-

    produo e de distribuio, mas tambm de programas estratgicos de apoio ao cinema6.

    Analisando a histria do cinema brasileiro desde os finais do sculo XX at

    actualidade, evidente a presena de um ciclo construtivo bastante agitado. Na dcada

    de 90, o governo de Fernando Collor de Mello suspende o investimento cultura

    (Ballerini, 2012, p. 34). O Plano adoptado provoca no s uma brusca diminuio no

    nmero de salas de nacionais como extingue importantes instituies como a

    Embrafilme7, a Fundao Nacional de Artes, Fundao do Cinema Brasileiro, o

    Conselho de Cinema, a Lei Sarney (nica lei de incentivo fiscal cultura) e substitui o

    Ministrio da Cultura pelo Instituto Nacional de Actividades Culturais (Idem, p. 35).

    4A globalizao vai abarcando lentamente todos os domnios: comercial, econmico, financeiro,

    tecnolgico, cientfico, educacional, cultural. Pases com afinidades regionais, culturais e interesses

    comuns sentam-se mesma mesa e subscrevem acordos. Foi assim que nasceu a Comunidade dos Pases

    de Lngua Portuguesa (CPLP) em 17 de Julho de 1996, (Sousa, 2010, p. 40). 5Mais informaes sobre a evoluo dos Acordos Ortogrficos na CPLP em L. V. Pedro (2013, 12 Maio).

    6No Frum das Autoridades Cinematogrficas e Audiovisuais dos Estados-Membros da CPLP, realizado

    nos dias 19 e 20 de Novembro de 2014, foi apresentado o Programa CPLP Audiovisual e que incidiu sobre: 2 Edio do "DOCTV CPLP" - Programa de Fomento Produo e Teledifuso do Documentrio

    da Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa; 1 Edio do "FICTV CPLP" - Programa de Fomento

    ao Desenvolvimento, Produo e Teledifuso de Obras de Fico da Comunidade dos Pases de Lngua

    Portuguesa e a 1 Edio do "Nossa Lngua" - Programa de Intercmbio e Teledifuso de Documentrios

    da Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa. (2014, 17 Novembro). 7Outro factor que ajudou a liquidar a Embrafilme foi a gesto do ministro da Cultura Celso Furtado, que

    alegou que a empresa no tinha funes claras e no se adaptava nova repblica, ps-regime militar. Sua

    restruturao, em 1987, foi praticamente o seu fim., (Ballerini, 2012, p. 34).

  • 6

    Sem mecanismos protectores e uma restrita abertura s importaes, verifica-se

    uma queda no nmero de espectadores a rondar os 50%, o que levou muitos cineastas a

    sair do Brasil ou a investir em co-produes (Idem, p. 35).

    O Brasil assiste Retomada em 1992. Substituindo o papel estatal para esse

    efeito, a iniciativa privada investe fortemente na produo cinematogrfica nacional

    graas criao em 1993 do Certificado de Investimento Audiovisual que, atravs de

    ttulos representativos de cotas de participao em obras cinematogrficas, permite um

    investimento at 100% dedutvel do imposto de renda (Idem, p. 40). A estreia de

    Carlota Joaquina (Carla Camurati, 1995) marcante para esta conjuntura. Segundo

    Ballerini (2012):

    as produes nacionais passaram a contar com novas vias de financiamento,

    deixando de depender exclusivamente das leis federais. () Tal cenrio criou

    condies para que as distribuidoras internacionais instaladas no Brasil

    investissem em projectos cinematogrficos nacionais, pois elas podiam debitar

    esses investimentos do imposto pago sobre a remessa de rendimento. (p. 42)

    A chegada do novo sculo marca positivamente a indstria audiovisual

    brasileira. O investimento de 80 milhes de reais referentes a 1999 e 2000 para

    concluso de projectos cinematogrficos em 2002 do programa Mais Cultura reflecte-se

    numa corrida s salas de cinema para ver sucessos de bilheteira como A Cidade de Deus

    (Fernando Meirelles, 2002) e Carandiru (Hctor Babenco, 2003) (Idem, p. 47).

    Perante as adversidades, a produo brasileira tem demonstrado

    heterogeneidade nos seus filmes, voltados sobretudo para a indstria do entretenimento.

    Destacaram-se filmes que exploram a representao histrica, como Desmundo (Alain

    Fresnot, 2002); a realidade das favelas com A Cidade de Deus (Fernando Meireles,

    2002); o choque entre classes sociais em Domsticas (Fernando, 2001); a violncia em

    Carandiru (Hctor Babenco, 2003); ou adaptaes literrias como O Auto da

    Compadecida (Guel Arraes, 2000).

    Contudo, o panorama do cinema contemporneo brasileiro criou

    simultaneamente uma cena de opinies bastante controversas. Perante as novas

    propostas estticas e narrativas, Lcia Nagib declara que o cinema actual um cinema

    sem escola, um cinema sem nenhum vnculo ideolgico () ou seja, h filmes sendo

    feitos (Idem, p. 73). Por sua vez, Neville dAlmeida critica as leis de incentivo que

  • 7

    transformaram o cinema num imenso mar de puxa-sacos e lobistas em que no adianta

    ter talento, experincia, conhecimento (). O que adianta ter um lobby (Idem, p. 73)

    A influncia marcante da capacidade industrial e artstica da televiso e da

    publicidade na construo fotogrfica, narrativa, sonora, etc. no cinema nacional no

    sculo XXI com destaque para a entrada da Globo Filmes no mercado audiovisual no

    final dos anos 90 produz um cenrio comercial cada vez mais definido mas que

    encontra na audincia o reconhecimento ideal para o sucesso de bilheteira (Bona e

    Reichel, 2013, p. 7).

    Relativamente ao contedo, existe uma certa ambiguidade. Os elementos que

    outrora foram inseridos num discurso poltico-sociolgico corrente antes do perodo da

    Retomada, de denncia das foras autodestrutivas do sistema como a pobreza e a

    fome so hoje inseridos num outro contexto imaginrio, onde a misria cada vez

    mais consumida como um elemento de tipicidade ou natureza diante a qual no h nada

    a fazer (Bentes, 2007, p. 244).

    De acordo com Ivana Bentes (Idem, p. 244), a tendncia para a romantizao

    de um serto e das favelas multiculturais e a sua transformao numa espcie de

    jardins exticos so duas propostas cada vez mais comuns no cinema brasileiro

    actual, onde a misria consumida como um elemento natural, diante do qual no h

    nada a fazer. Neste sentido, aponta A Cidade de Deus (2002) como smbolo de uma

    narrativa dbia ora pelo relato sobre o trfico no Brasil, ora pela sensao j

    experimentada no filme de aco hollywoodiano. Aqui, as favelas surgem como um

    turismo no inferno, reforando o clima de terror e clamor pela justia infinita

    (Idem, p. 253).

    Na conjuntura africana de lngua portuguesa, o cariz nacionalista presente no

    seu cinema surpreende o projecto de construo nacional, j que muitos cineastas vem

    nele a expresso artstica para fortalecer as identidades locais.

    A dificuldade em consolidar uma unio entre os povos africanos deve-se ao

    legado colonial, representado sobretudo pelas fronteiras artificiais e desrespeito pelas

    etnias existentes. No entanto, apesar do subdesenvolvimento do continente, de realar

  • 8

    que a maioria das produes cinematogrficas privilegia discusses que insistem na

    reconstruo cultural e social das suas naes, aps sculos de explorao e domnio8.

    O cinema de Angola, por exemplo, assistiu a um momento bastante conturbado

    com a ecloso da guerra civil. Em consequncia do aumento da violncia, por um lado,

    e o monoplio da empresa portuguesa Lusomundo, por outro, obrigou importao de

    filmes do leste europeu.

    Aps o fim da guerra civil, assiste-se criao do Instituto Angolano de

    Cinema, Audiovisual e Multimdia (IACAM) e de novas polticas em torno do

    audiovisual, assim como a atribuio estatal de apoios a projectos de fico, levando ao

    renascimento do cinema angolano9.

    Na opinio de Mahomed Bamba, o sentimento geral reflecte-se na diversidade

    dos temas abordados, revelando um contexto sociopoltico que envolve simbolicamente

    todos os pases africanos. Como tal, a cmara digital surge como um instrumento que

    proporciona uma maior facilidade para filmar, mas, sobretudo, uma maior facilidade de

    se deslocar e capturar a realidade africana em todas as suas nuances (Bamba, s/d, p. 7).

    Por sua vez, os jovens governos africanos comeam a reconhecer o cinema

    como uma prioridade educativa junto da populao rural. A sua justaposio com a

    construo de uma identidade poltica coincide com aquilo que podemos chamar a era

    dos filmes de sensibilizao scio-educativa, com desejos ps-coloniais em regimes

    impostos por uma cultura globalizada e no propriamente ideolgicos10.

    No entanto, depois do periodo da independncia, as televises pblicas

    contribuiram para a diminuio dos esforos governamentais africanos no sustento

    sistematico desta arte. Para Bamba, esta situao permitiu que o cinema permanecesse

    na esfera do privado, evitando assim que sofresse o mesmo tipo de estatizao e

    instrumentalizao excessiva que predominam nas TV pblicas (Idem, p. 5).

    No menos importante ser evidenciar o papel das tecnologias digitais no

    armazenamento, na reproduo, na circulao e na visibilidade das obras dos cineastas

    8Este encontro comeou na hora das independncias quando muitos novos estados africanos vem no

    cinema uma forma de expresso artstica e poltica de sua soberania no plano simblico (Bamba M.,

    (s/d), p. 3) 9Ler informaes detalhadas sobre a histria contempornea de Angola em Goethe Institut, s/d, p. 5-55

    10Servem de exemplo os seguintes filmes: Mortu Nega (Flora Gomes, Guin-Bissau, 1988); O Heri

    (Zz Gamboa, Angola/ Portugal, 2004); Ilhu de Contenda (Leo Lopes, Cabo Verde/ Portugal/

    Blgica/Frana, 1996).

  • 9

    africanos. Se por um lado auxiliam na participao de mostras nacionais e

    internacionais, tambm permitem a sua utilizao como objecto de estudo. O cinema

    africano encontra na modernidade tecnolgica um poderoso auxiliar no seio da

    interlocuo e articulao culturais:

    O uso da tecnologia, neste caso da cmara, pode tornar mais poderosa a

    autoridade ou a comunidade, a vida privada ou a vida pblica. O cineasta

    africano no se pode dar ao luxo de usar tecnologia para escapar ao domnio do

    pessoal, isolado de sua interaco com o pblico (Bamba e Meleiro 2012, p.

    132)

    Paradoxalmente o Ocidente que tem oferecido aos cineastas e festivais

    africanos os mecanismos de apoio necessrios11

    . Neste modelo de dependncia, o

    processo de globalizao actua directamente nas expresses artsticas dos pases menos

    desenvolvidos, impondo uma certa tendncia de ocidentalizao da sua forma. Cogitar

    as preocupaes actuais dos pases africanos com esta imposio ser certamente um

    desafio, uma vez que a restrio a um pblico ocidental pode acarretar tambm a

    limitao dos temas, para evitar o estranhamento dos espectadores (Bamba e Meleiro,

    2012, p. 132).

    No fundo, o resultado tem sido o desenvolvimento de um cinema africano

    assente na matria da poltica ps-colonial, onde as novas produes tm revelado sua

    audincia uma reflexo multidisciplinar assente na elaborao de uma conscincia

    nacional em frica.

    A capacidade do cinema portugus para interpelar a sua histria e apresentar

    legitimamente essa interrogao ao exterior torna clara a dimenso auto-reflexiva da sua

    escola (Lmiere, 2006, p. 737).

    De acordo com Manuel Damsio (s/d., p. 7), a mobilizao dos cineastas pelo

    reconhecimento pblico do cinema em Portugal assim como por um apoio estatal

    presente no nova: tem incio na dcada de 60, com vista obteno de uma lei

    11

    Servem de exemplo os seguintes festivais de cinema: African Film Festival (Nova Iorque, EUA); Film

    Africa (Londres, Reino Unido); The Pan African Film Festival (Los Angeles, EUA); The Galway African

    Film Festival (Galway, Irlanda); Festival de Cine Africano Cordoba (Sevilha, Espanha); frica Mostra-se - Mostra de Cinema e Cultura Africana (Lisboa, Portugal); Festival Vues dAfrique (Montreal, Qubec, Ottawa, Canad).

  • 10

    protectora para o cinema que se manteve sempre precria, e mais tarde pela

    apresentao de O Ofcio de Cineasta em Portugal (1972).

    O 25 de Abril de 1974 traz consigo o fim da censura e do isolacionismo,

    reflectindo-se nos primeiros sinais de valorizao do cinema portugus no estrangeiro.

    Lmiere considera:

    este reconhecimento tanto mais necessrio e benfico quanto a legitimidade

    interna foi abertamente posta em perigo, a partir de meados dos anos 80 pelo

    efeito de uma divisa do grupo fundador12

    , por outro, pela presso sobre a

    sociedade portuguesa e sobre o cinema resultante da entrada de Portugal na

    Europa comunitria. (Lmiere, 2006, p. 739)

    As mudanas na nomenclatura do quadro legislativo relativas Lei Orgnica

    do Cinema so fundamentais para compreender as dificuldades na atribuio de apoios

    financeiros13

    . Especialmente no caso das longas-metragens, a maioria do financiamento

    advm de concursos do ICA, sendo que, em termos das regras legais, no se tm

    revelado consistentes o suficiente para garantir o acabamento e divulgao de alguns

    filmes14

    .

    Por sua vez, no deixa de ser necessrio recuar at entrada de Portugal na

    CEE, que permitiu a manuteno de alguns dispositivos especficos produo

    cinematogrfica em Portugal. Quer em termos do desenvolvimento de co-produes

    europeias, quer em filmagens que decorrem em Portugal e onde os produtores

    estrangeiros encontram condies muito atractivas () a custos bastante diminutos

    12

    Segundo Lmiere (2006, p. 738), entenda-se por grupo fundador, um grupo de cineastas que lutou na

    dcada de 60 pela criao de um mecanismo estatal de proteco ao cinema portugus. 13

    Em 7 de Dezembro de 1971, a Lei n 7/ 71 denomina-o como Instituto Portugus de Cinema (IPC); em

    1 de Fevereiro de 1994, o Decreto-Lei n25/ 94 substitui-o por Instituto Portugus de Arte

    Cinematogrfica e do Audiovisual (IPACA); a 21 de Dezembro de 1998 passa a designar-se atravs do

    Decreto-Lei n 408/98 como Instituto do Cinema, do Audiovisual e Multimdia (ICAM); a publicao da

    Lei n 42/ 2004 e do Decreto-Lei n 227/2006 cria o Fundo de Investimento para o Cinema e Audiovisual

    (FICA); por fim, o Decreto-Lei n 95/2007 aprova a actual orgnica do Instituto do Cinema e Audiovisual

    (ICA). 14

    De acordo com o Pblico, o FICA prometeu um investimento de 83 milhes de euros durante cinco

    anos, funcionando apenas no primeiro ano, no valor de 3,3 milhes de euros. Os produtores de cinema

    responsabilizaram o Estado pela paralisao do fundo, que motivou o atraso ou cancelamento de filmes

    nos ltimos dois anos. (Belanciano, V., 2010)

  • 11

    (Idem, p. 750), os fundos resultantes dessa adeso permitiram uma nova abordagem s

    polticas culturais15

    .

    A partir do final dos anos 90, afirmam-se no campo da curta-metragem de

    fico posturas originais sobre a realidade portuguesa, acentuam-se tendncias

    experimentais e destaca-se a abordagem marginalidade socioeconmica prevalecente,

    revelando uma certa inquietao no cinema portugus16

    .

    A diversidade observada nas abordagens narrativas indica a defesa em manter a

    tradio do cinema independente. Daniel Ribas (s/d, pp. 3-5) distingue duas grandes

    tendncias. Primeiro, a criao de um dispositivo de imagens com uma forte

    componente esttica que influenciado sobretudo pelas capacidades tcnicas de

    produo e ps-produo da publicidade [representa] um cinema em que a dimenso

    visual ganha importncia. o caso de Alice (Marco Martins, 2005) ou A Zona (Sandro

    Aguilar, 2008) que prosseguem numa composio de gestos e situaes includa na

    narrativa das suas personagens.

    De seguida, Ribas considera a existncia de um cinema audacioso e

    preocupado com a reinveno narrativa. Fala ento de um discurso cinematogrfico que

    procura devolver s personagens principais o seu protagonismo, como o caso de Odete

    (2005) e Morrer como um Homem (2009) ambos de Joo Pedro Rodrigues.

    Porm, as mudanas nem sempre resultam exclusivamente do sistema

    econmico do cinema mas tambm do movimento de transformao social. O efeito da

    recuperao econmica por meio de diversos fundos europeus no se reflectiu num

    nvel positivo das audincias em Portugal para a produo local que, infelizmente

    continua baixo (Damsio, 2007, p. 94). Se por um lado, o mercado cinematogrfico

    portugus insuficiente para apoiar o circuito comercial, a desconfiana na produo

    local acentua-se e direcciona a audincia para o consumo de mais contedos

    estrangeiros17

    . Por outro, existe uma quebra na identificao com o artefacto cultural,

    15

    E a marca mais sria dessa mudana foi a instituio de um Ministrio da Cultura, em 1995 (). Essa realidade juntou-se () a um consequente aumento e diversificao dos apoios concedidos ao cinema. Pormenor decisivo porque o mercado portugus de cinema () um mercado totalmente dependente dos apoios estatais do cinema. (Ribas, D., (s/d), p. 1) 16

    Seguem-se alguns exemplos de autores da Gerao Curtas: Marco Martins, Catarina Ruivo, Miguel Gomes, Joo Pedro Rodrigues, Raquel Freire ou Sandro Aguilar. 17

    Relativamente privatizao dos meios de distribuio comercial do cinema em Portugal, acusa o

    Manifesto: a Lusomundo/PT/Zon [actualmente Cinema NOS] que controla mais de 50% da

    distribuio de cinema em Portugal, () recusa sistematicamente os filmes dos outros distribuidores, de

  • 12

    encarado como sendo dirigido para uma elite. Na opinio de Lmiere (2006, p. 751), os

    efeitos da privatizao dos canais televisivos traduziram-se na deteriorao do nvel

    cultural e, ao privilegiar o meditico, afastaram os portugueses do cinema portugus

    dominante18

    .

    Ainda assim, embora os problemas de exibio e distribuio sejam uma

    realidade, fazendo com que os filmes sejam apresentados sobretudo em Lisboa e no

    Porto, esta nova gerao tem procurado ultrapass-los atravs da criao de novos

    circuitos onde os cineastas possam mostrar os seus filmes e conversar com o pblico19

    .

    Contrariando a existncia de uma cultura organizacional e de uma certa metodologia de

    financiamento que no equaciona os altos custos de produo e a pouca disponibilidade

    estatal, os ltimos anos tm sido marcados por um fenmeno corrente de premiao e

    distino de curtas-metragens portuguesas no estrangeiro.

    II. 2. Reflexo sobre o Contexto Sociopoltico como Influncia na Produo

    Cinematogrfica exibida no FESTin 201520

    .

    II.2.1. Angola

    A concepo que de o cinema africano pode actuar como interface na rede do

    dilogo cultural surge em virtude da abordagem analtica do cinema como um

    mecanismo meditativo. Ao articular-se numa composio harmoniosa de imagens, sons,

    dilogos e cores, capaz de problematizar questes relacionadas com as realidades

    comunitrias, nacionais ou trasnacionais numa narrativa ficcional e documental.

    forma a liquidar essas empresas de distribuio independente, () que uniformiza o cinema que se pode ver e limita a liberdade de escolha dos espectadores; que pe e dispe dos dinheiros pblicos do FICA ao

    servio dos delinquentes e do cinema pimba (O Abafador Tem Nome, 2010) 18

    Em Portugal, a matriz dominante da fico a telenovela, gnero de uma infinita mediocridade

    formal que, h mais de vinte anos, se instalou no quotidiano com um sistema de regras narrativas, dramticas e morais da mais absoluta indigncia mental e criativa, (Joo Lopes cit. in Lmiere, 2006, p. 751). 19

    Servem de exemplo os seguintes festivais de cinema em Portugal: Arouca Film Festival, Vila de Arouca;

    Caminhos do Cinema Portugus, Coimbra; Cinanima, Espinho; Curtas de Vila do Conde, Vila do Conde;

    DocLisboa, Lisboa; Douro Film Harvest, Vale do Douro; Faial Filmes Fest, Horta; Fantasporto, Porto;

    Festival Novos Cineastas | Novo Cinema, Espinho; Queer Lisboa- Festival de Cinema Gay e Lsbico de

    Lisboa, Lisboa; FESTin- Festival de Cinema Itinerante da Lngua Portuguesa, Lisboa; Festival de Cinema

    Luso-Brasileiro, Santa Maria da Feira; Festival Internacional de Cinema do Funchal, Funchal; Festival

    Internacional de Cinema da Figueira da Foz, Figueira da Foz; e IndieLisboa, Lisboa. 20

    Ver Anexo III, Lista dos Filmes Seleccionados.

  • 13

    A populao angolana vive quatro guerras no perodo compreendido entre 1961

    e 200221

    , tornando-se na principal testemunha dos inmeros massacres, da violncia e

    das raras oportunidades de educao e de trabalho. Consequentemente, arrastadas pelas

    dificuldades econmicas, sociais e polticas do pas, foram decando as poucas

    actividades artsticas e culturais existentes.

    Desde ento, os novos cineastas angolanos propem captar o ncleo dessas

    experincias, com o intuito de apresentar as foras histricas associadas s dinmicas

    que afectam esta nao, a uma vasta audincia desconhecedora desta realidade22: o

    processo de procura da prpria identidade est a inspirar Luanda (). Em todo o lado se

    sente este despertar: nos atelis, nos cinemas, nos teatros () (Goethe-Institut, s/d, p.

    9).

    A utilizao do espao urbano como cenrio natural um factor elementar, j

    que os diferentes sectores sociais e profissionais de Angola se encontram ainda hoje

    debilitados (Bamba e Meleiro, 2012, p. 21). Contudo, graas ao crescimento das

    cidades, foi-se desenvolvendo um mundo pujante de jovens angolanos que querem o

    intercmbio com o mundo, de forma mltipla e nas reas mais variadas (Goethe-

    Institut, s/d, p. 5). Neste sentido, a fora de expresso criativa dos artistas angolanos,

    nascida dos antagonismos do prprio pas a riqueza e a pobreza, a tradio e a

    modernidade comeam a ser vistos com grande interesse por um pblico cada vez

    mais internacional.

    Desde 2005 que o cinema de Angola tem assistido a um boom, apoiado, talvez,

    pela linguagem de Nollywood, o cinema nigeriano, concebido por uma gerao de

    autores nascida e criada debaixo da guerra e com pouco acesso educao sobretudo,

    educao cinematogrfica (Idem, p. 32).

    Na sexta edio do FESTin o espectador pde encontrar apenas dois filmes de

    nacionalidade angolana e inseridos na Mostra Competitiva de Curtas-Metragens. Ambos

    foram realizados por Nuno Barreto, numa parceria com a produtora Filmes Sem Futuro

    (FsF) e o Grupo de Teatro Ondjila.

    21

    Na sequncia d Revoluo do 25 de Abril de 1974, Angola ficou independente de Portugal a 11 de

    Novembro de 1975, pondo fim a 400 anos de colonizao portuguesa. Aps a independncia eclodiu uma

    guerra civil que se prolongou at 2002, ano da morte de Savimbi. 22

    Na Cidade Vazia (Maria Joo Ganga, 2004) e O Heri (Zez Gamboa, 2004) exibem essa temtica.

  • 14

    Curiosamente, as duas obras fogem do tpico filme angolano produzido numa

    linguagem televisiva e ps-produo pouco cuidada, em que o ritmo dos crimes,

    violaes, burlas e tiros nos bairros mais pobres de Angola so elementos expostos com

    frequncia. Filmados com um smartphone, os oito minutos de Tchikena (2014) a

    primeira experincia cinematogrfica do autor associam-se s caractersticas do

    assalto, termo utilizado pelos grupos teatrais angolanos para designar uma cena

    improvisada e sem artifcios tcnicos.

    Esta sequncia explora um dos vrios problemas que os angolanos ainda no

    conseguiram superar no ps-guerra: o enorme deslocamento de moradores rurais para a

    capital, indicativo da pobreza nestas comunidades. Tchikena um rapaz que sai do

    campo para a cidade para encontrar melhores condies de vida.

    medida que o filme se desenvolve, atravs das frequentes tentativas da

    personagem em pedir emprego nota-se a preocupao do realizador em demonstrar no

    s as dificuldades na integrao no modo de vida urbano, como tambm a atitude

    repulsiva dos seus cidados para com os do meio rural.

    Umukulu (2014), que significa ancio no dialecto da regio do Lubango,

    provncia da Hula em Angola, o ttulo da segunda curta. O abandono dos mais velhos,

    colocado em evidncia em todo o filme, um retrato da degradao dos valores morais

    ainda muito presentes nas comunidades angolanas. De acordo com o socilogo Joo da

    Graa, a influncia da globalizao nas famlias angolanas um dos factores que

    concorrem para o aumento do nmero de velhos desfavorecidos nas ruas, com maior

    incidncia na capital do pas23

    .

    A insegurana, a instabilidade e a precariedade so representadas nas duas

    curtas-metragens de fico e retratam um pas ainda influenciado por uma certa

    identidade colonizadora que no compreende a diferena.

    Sob a forma de curtas, longas ou documentrios, todas as obras experimentais

    tm demonstrado a criatividade dos cineastas angolanos, que tm procurado no

    estrangeiro os primeiros passos na produo cinematogrfica. No obstante, so eventos

    como o Festival Internacional de Cinema de Luanda e variadas mostras e retrospectivas

    23 Abandono do idoso vulnervel constitui quebra da cultura Bantu (2014, Maio 16).

  • 15

    de cinema mundial que ampliam as hipteses de conhecer no s o cinema nacional mas

    tambm filmes, tcnicos e outros criativos internacionais.

    II.2.2. Brasil

    A comparao entre o cinema da Retomada e o da Ps-Retomada (a partir de

    2003), conduz os cineastas a um debate frequentemente em torno de duas questes: o

    gosto do pblico e a esttica da imagem. Ballerini (2012, p. 72) sublinha a exigncia na

    tecnicidade cinematogrfica e afirma que hoje, a qualidade tcnica mais regra do que

    a excepo. No entanto, contrape a falta de atrevimento e ousadia em relao

    gramtica tradicional. Neste sentido, encontra-se na programao do FESTin uma das

    grandes tendncias do cinema brasileiro: a do universo dos problemas sociais.

    A justificativa da existncia de filmes que parecem imitaes da Tropa de Elite

    (Jos Padilha, 2007) vlida, j que retratam a sociedade brasileira actual: o

    crescimento da periferia urbana, as desiguldades sociais tornam os bairros mais pobres

    no epicentro da violncia e do trfego de drogas (Idem p. 75). o caso de Encontro

    Amigvel (Cristiano Requio, 2014, Mostra Competitiva de Longas-Metragens) que

    relata a histria de um jornalista que denuncia as aces irregulares da polcia e que

    acaba por sofrer as consequncias atravs do seu sequestro.

    No entanto, e destituida de qualquer predeterminao, a participao do cinema

    brasileiro na 6. edio do FESTin revela-se atravs da sua diversidade geogrfica,

    trazendo em cada filme uma contribuio diferente. Em adio, constata-se a influncia

    televisiva e a esttica da publicidade nestas produes, instncia que advm do prprio

    consumidor: menos ideolgico e mais comercial.

    A formao e experincia do realizador em Publicidade influencia a forma

    como A Despedida (Marcelo Galvo, 2014, Mostra Competitiva de Longas-Metragens)

    esteticamente captado. A imagem construda com base na imaginao colectiva

    sobretudo na questo do gnero: Almirante, um homem de 92 anos, decide despedir-se

    de tudo o que ou foi importante na sua vida e viver a sua ltima noite de amor com a

    mulher, Ftima, 40 anos mais nova. O estranhamento inicial que o espectador sente

    quando confrontado com esta relao rapidamente substituido por um elemento

    emocional mgico e quase fetichizado.

  • 16

    A posio da personagem feminina no filme interpretada pela actriz Juliana

    Paes fundamental para a estabilidade das ltimas cenas do filme. Produzidas em

    torno do desejo e da tristeza, sempre centralizado em torno deste casal, estabelecem

    uma relao simultnea de paixo e erotismo.

    A mobilizao e construo de cdigos realistas que funcionam a partir da

    linguagem, do descontrolo e da desorientao das personagens so o reflexo do vnculo

    profundo entre a cinematografia e a realidade imediata. O panorama actual da sociedade

    brasileira conhecida especialmente pela violncia social e urbana e pelos crimes de

    grande repercusso pblica torna-se facilmente na matria-prima da cinematografia

    apresentada.

    Urbanos (Cludio Fernandes, 2014, Mostra Competitiva de Curtas-Metragens)

    acentua a presena visual de cidados pobres, negros, moradores de favelas, sem-abrigo

    mas tambm de uma classe mdia e rica, com problemas de corrupo e chauvinismo, e

    coloca-os no mesmo patamar de educao e relao com a diferena.

    Numa sequncia onde as vidas dos personagens esto indirectamente ligadas

    entre si, num jogo entre o visvel e o invisvel, a degradao da realidade

    cuidadosamente colocada na imagem projectada. A fisionomia das pessoas, a paisagem

    urbana e o choque entre as situaes ganham a mesma visibilidade que possivelmente

    teram na cena pblica, no fosse a posio privilegiada ocupada pelos veculos

    mediticos na definio destes contornos.

    Diante do desgaste poltico actual, a cultura brasileira tem-se afirmado

    progressivamente como espao para a expanso da cidadania. Na presena das

    expresses cinematogrficas e televisivas da violncia talvez seja paradigmtico para se

    especular sobre essas mltiplas relaes.

    Por sua vez, em A Boneca e o Silncio (Carol Rodrigues, 2014, Mostra

    Competitiva de Curtas-Metragens), a personagem de Marcela explora o tpico heri

    neo-realista, na pele de uma menina de 14 anos que decide interromper uma gravidez

    indesejada.

    O incmodo sentido do incio ao fim do filme ditado pelo drama social da

    interrupo voluntria da gravidez. Segundo os dados preliminares de um estudo

    realizado por Mrio Monteiro e Leila Adesse, entre 685.334 e 856.668 mulheres

  • 17

    realizaram um aborto ilegal. Alm disso, a Organizao Mundial da Sade estima que a

    cada dois dias uma mulher brasileira morre vtima desta causa (Barn, F., 2014).

    A presena momentnea da me, como um apoio imaterial, e o abrao forte do

    namorado surgem como contrapeso s ajudas governamentais relacionadas com o

    planeamento familiar.

    Numa abordagem delicada solido e angstia, desta vez na vida dos mais

    velhos, a curta-metragem Domingo de Marta (Gabriela Bervian, 2014, Mostra FESTin

    +) descreve a tristeza de Marta, senhora de 96 anos, espera dos seus familiares para o

    almoo. O olhar simblico e cruza a prpria histria, que poderia ser a de muitos

    idosos num pas cada vez mais envelhecido (Bianchi, 2013).

    No campo do documentrio, o apelo realista do audiovisual cinematogrfico na

    descrio da vida quotidiana atravessado pelo mais variado tipo de imagens e

    dispositivos, generalizando-o quase a um espectculo: espera-se pela confisso,

    descobrem-se novos espaos, cria-se empatia com a personagem.

    Numa abordagem contra-intuitiva dos programas de rdio e TV mais

    sensacionalistas, de sublinhar o documentrio brasileiro Sem Pena (Eugenio Puppo,

    2014, Maratona de Documentrios) que aborda a dramtica situao dos mecanismos

    judiciais no Brasil.

    A linguagem cinematogrfica escolhida assume um propsito muito peculiar,

    numa clara inteno em concentrar a ateno do espectador apenas no contedo e no

    na aparncia ou classe social de quem est a falar. Contrariando a esttica da televiso

    sensacionalista que utiliza a violncia como entretenimento, as vozes dos entrevistados

    so cobertas por uma composio visual que atravessa instituies, ruas, pessoas ou

    objectos.

    Uma a uma, as declaraes dos intervenientes revelam o fracasso do sistema

    criminal de um pas onde no existem sinais da diminuio da violncia. O desafio,

    afirma o realizador, foi evitar o sensacionalismo sem levantar a bandeira dos direitos

    humanos: "quisemos fazer uma reflexo profunda e mostrar que estamos chafurdados na

    merda24.

    24

    Ler noticia detalhada em Zendron, M. (2014, 09 Setembro).

  • 18

    Neste momento, O Brasil possui a terceira maior populao prisional do

    mundo, depois da China e dos EUA. Alm disso, nem sempre justa nos seus

    processos, especialmente na condenao de pessoas de classes mais baixas (Oricchio,

    2014).

    Os altos custos de produo do cinema de animao obrigam os cineastas a

    preferir o formato das curtas-metragens. Em contrapartida, as novas tecnologias muito

    tm contribudo para o crescimento deste gnero no Brasil, j que o computador

    substitui a instrumentao humana e torna a tcnica mais acessvel - em tempo e em

    dinheiro.

    As personagens do filme Salu e o Cavalo-Marinho (Ceclia da Fonte, 2014,

    Mostra FESTinha) transmitem ao espectador o reconhecimento de um contexto social e

    cultural brasileiro muito especfico. O filme conta a histria de Manoel Salustiano

    Soares (1945-2008), conhecido como Mestre Salustiano, um dos artistas populares mais

    famosos do Brasil. Salu e o Cavalo-Marinho funciona, assim, como uma espcie de

    documentrio que reflecte traos da sociedade brasileira da poca, aproximando o

    espectador a um contexto sociocultural bastante distante da sua realidade. A formulao

    das personagens animadas contribui, naturalmente, para a anlise da sociedade em

    questo e das suas razes.

    II.2.3. Cabo Verde

    Nos quadros da lusofonia, Cabo Verde talvez o pas onde o estado actual do

    cinema est mais debilitado. A falta dos instrumentos fundamentais para a iniciao do

    estudo do cinema, com vista abordagem da sua importncia nas sociedades modernas

    um problema real, embora muitos esforos tenham sido colocados para inverter esta

    situao25

    .

    Contudo, as caractersticas entre os primrdios do cinema caboverdiano,

    fragmentado e focado apenas no consumo do filme e a actualidade no parecem ser

    dspares (Arenas, F., 2011, p. 131) Na opinio do cineasta Mrio Vaz Almeida (2012) o

    cinema est num estado emergente em Cabo Verde e no tem contornos ainda bem

    25

    o caso da realizao do Cabo Verde International Film Festival (CVIFF), festival que ocorre

    anualmente na ilha do Sal e do recente Festival Internacional de Cinema em Praia (1 ed. em 2014) cuja

    programao contou com curtas e longas-metragens de fico e animao provenientes de Portugal,

    Angola, Brasil, Guin-Bissau, So Tom e Prncipe, Frana e Mali.

  • 19

    definidos, acrescentando que h ainda um leque de coisas por estabelecer,

    nomeadamente, na questo da produo, pelo que se refere ao estabelecimento do

    cinema mainstream.

    Tal como acontece noutras realidades africanas aqui retratadas, o

    financiamento e a construo de infra-estruturas so dois mecanismos sem os quais o

    cinema no consegue sobreviver. Na opinio de Mrio Almeida, existe uma falta de

    viso comercial e de credibilidade por parte dos financiadores, pois ningum acredita

    que o cinema d lucro. Neste sentido, a defesa de uma grande poltica governamental

    destinada exclusivamente a rea de cinema, com leis para o audiovisual e o cinema e a

    obrigao televisiva de produzir uma fico por ano , segundo o cineasta, algumas

    solues que poderiam inverter esta situao (Idem).

    Possivelmente o motivo pelo qual o FESTin em 2015 s tenha um filme de

    nacionalidade cabo-verdiana na sua programao resida aqui. Esse filme 7 e , do

    cineasta Mrio Almeida (2014), inserido na Mostra Competitiva de Curtas-Metragens.

    7 e um trabalho de fico com foco no vcio do jogo e no dinheiro. Falado

    em crioulo cabo-verdiano, o filme aproveitou o cenrio urbano da Cidade da Praia para

    descrever a histria de um grupo de amigos que se junta todos os domingos para beber

    whisky, fumar e jogar, a dinheiro e jogar s cartas. Ulisses um jovem violento que no

    tem medo de arriscar na vida para conseguir dinheiro. Contudo, naquele que seria o

    ltimo jogo, os amigos perdem, beneficiando Ulisses, e percebem que aquilo se tornou

    numa autntica batota. Nessa noite do por terminado este jogo e cada um dos jogadores

    resolve dar outro rumo s suas vidas. As cenas que se seguem envolvem fins de

    relaes, homossexualidade e relaes promscuas procura de prazer. S Ulisses

    continua a sua cruzada porque no consegue parar, acabando mesmo por morrer.

    Em 7 e a narrao pertence a uma das personagens que, ao longo das

    sequncias, explica as regras do jogo. Todas as informaes sobre as vidas das restantes

    figuras so transmitidas atravs dos dilogos.

    Em ltima anlise, Mrio Almeida apresenta 7 e como uma metfora dos

    efeitos dos processos sociais nos segmentos mais vulnerveis e marginalizados da

    populao urbana em Cabo Verde. Embora denunciando o desejo pelo dinheiro por

    parte dos sujeitos aqui representados - mas o que querem mesmo dinheiro. Dinheiro

  • 20

    para levar-te falncia (7 e , 13:13) - o filme no os retrata necessariamente como

    vtimas do sistema econmico, poltico ou cultural caboverdiano.

    II.2.4. Moambique

    Desde a sua indepedncia que os esforos de Moambique com vista criao

    de um cinema nacional [desvinculado] do circuito cinematogrfico comercial global e

    ao servio da nao marxista ps-colonismo portugus, colocaram o pas como

    pioneiro na histria do cinema africano ps-colonial. (Bamba e Meleiro, 2012, p. 75).

    Embora a sua produo seja pouco ampliada, Moambique apresenta um fluxo

    contnuo de trabalhos de fico direccionados sobretudo para a televiso26

    . As mudanas

    ideolgicas e polticas sofridas ao longo das ltimas dcadas, marcadas por numa

    conjuntura onde o desinteresse da audincia justificado pela adeso crescente dos

    meios de comunicao digitais27

    , no detiveram alguns cineastas de filmar: Sol de

    Carvalho28

    , Licnio Azevedo29

    , Orlando Mesquita e Joo Ribeiro tm sido fundamentais

    para o desenvolvimento de um legado de compromisso social do cinema moambicano.

    Quitupo, hoy! (Chico Carneiro, 2014) o nico filme moambicano na 6.

    edio do FESTin. Durante 63 minutos o documentrio apresenta o envolvimento social

    nos desafios devastadores da cesso de terras pelo governo moambicano s

    multinacionais Anadarko (EUA), ENI (Itlia) e ENH (Moambique) com vista

    explorao de gs na bacia do rio Rovuma, no norte de Moambique.

    Carneiro oferece audincia o retrato da vida contempornea desta

    comunidade, relatando atravs da multiplicidade de vozes uma circunstncia

    absolutamente extraordinria e verdadeira vivenciada por estas pessoas. O ethos do

    26

    Por exemplo, a srie de seis curtas-metragens Histrias Comunitrias (2000), destaca o trabalho das

    comunidades rurais em busca de melhores condies de sade, econmicas e de educao e

    sustentabilidade, sempre em harmonia com a sua natureza. 27

    Primeiro foi o TV depois os vdeos e algum tempo seguido, os DVDs. A quem culpa o Mabulo hi ku yakana (). O programa era transmitido no princpio da noite, mais ou menos ao horrio em que se podia ir ver um filme. Mas a radionovela, foi mais forte do que as imagens que se podiam projectar em

    telas gigantes. (Quive E., 2011) 28

    A presena da filmografia de Sol de Carvalho no FESTin frequente: O Bzio (2009), Sesso

    Competitiva de Curtas-Metragens de Fico no FESTin 2010; O Jardim do Outro Homem (2007),

    Meno Honrosa na Categoria de Competio de Longas-Metragens no FESTin 2010; Impunidades

    Criminosas (2011), Sesso Competitiva de Curtas-Metragens de Fico no FESTin 2012. 29

    O Grande Bazar (2005) e Hspedes da Noite (2007), dirigidos por Licnio Azevedo participaram na

    Mostra Frana durante o FESTin 2014.

  • 21

    povo representativo de uma das diversas realidades sociais moambicanas, fora

    motora para o desenvolvimento do documentrio.

    Fiel s caractersticas elementares do gnero documental, Quitupo Hoy!

    oferece uma excelente dimenso educativa e ilustrativa do conflito de interesses

    apresentado. Os close-ups nos rostos das pessoas comuns, nos seus costumes, nos locais

    e nos sons autnticos e a ps-produo bem trabalhada, so intercaladas por um fio

    narrativo que espelha o quotidiano, a paisagem e os rituais que enriquecem a histria em

    causa. Por outro lado, este documentrio dedica grande parte da sua durao a

    entrevistas cara-a-cara com indivduos familiarizados com o Direito do Uso e

    Aproveitamento de Terras: o caso de Burahan Adinami, morador de Quitupo; Alda

    Salomo, Jurista e Directora do Centro Terra Viva ou a Abdul Picons, Secretrio

    Permanente do Distrito de Palma.

    O documentrio resume o perodo de negociao e apresenta as vrias

    conversas entre os moradores de Quitupo, representantes de diversas associaes locais

    e as empresas de gs em torno das repercusses desta explorao. Como resultado desta

    situao especfica, no s o ambiente seria afectado, principalmente a nvel dos recifes

    de corais e maior probabilidade de aumento de poluio na zona, como a aldeia ficaria

    interdita de pescar (principal fonte de sustento) na zona onde as ditas infra-estruturas

    seriam construdas.

    Neste contexto, o equilbrio entre as vidas humanas e a sua natureza

    fragilizada por interesses econmicos, desencadeando um ciclo de sofrimento que

    terminaria finalmente em Agosto de 2014, quando o Governo retrocedeu na sua deciso

    por falta de justificaes para a esta concretizao.

    II.2.5. Portugal

    Embora as dinmicas politico-econmicas afectem injustamente todas as reas

    sociais e culturais, a verdade que, no contando com o normal apoio financeiro anual

    Estatal, atravs do ICA e do Ministrio da Cultura, o cinema continua a oferecer aos

    seus filmes vises individuais e criativas, carregadados de uma ideia tica e poltica

    sobre aquilo que filmam.

  • 22

    No que respeita ao programa do FESTin, muito embora se paream com obras

    autorais, os filmes de nacionalidade portuguesa que compem a Mostra Competitiva de

    Curtas-Metragens apresentam claros traos comerciais. Assiste-se assim, ao surgimento

    de correntes estticas onde a fotografia marcante, assim como a composio dos

    planos e uma enorme vontade de chegar ao pblico: extingue-se uma certa tendncia

    de fazer filmes para si prprio (Pereira e Cardoso, 2010, p. 5).

    Renaissance (Nuno Noivo e Pedro Fanfas, 2014, Mostra Competitiva de

    Curtas-Metragens) demarca-se pela irreverncia nos contrastes. O ambiente reala uma

    sensao de isolamento mas tambm a fatalidade que separa um casal que perdeu a sua

    filha. Aqui, a realidade mistura-se com o fantasmagrico e com a prpria psique dos

    personagens, atravs de uma cuidada gesto da fotografia, da direco de arte e da

    sonoplastia.

    A natureza independente de Renaissance exemplifica a tendncia do cinema

    portugus actual, resultado da limitada produo cinematogrfica apoiada pelo ICA.

    Como explica Nuno Noivo:

    Quando concorremos, a legislao para os subsdios do ICA () era um

    concurso geral. O que que acontecia? Atribuam o financiamento a dez curtas

    anualmente e, com o coeficiente que atribuam ao nosso currculo, era

    impossvel concorrer contra realizadores consagrados. (Charivari, Maro, 13

    2015)

    Na sequncia do cinema independente portugus, insere-se igualmente a longa-

    metragem A Porta 21 (Joo Marco, 2014, Mostra Competitiva de Longas-Metragens).

    Por deciso da equipa de produo, considerou-se ser de maior importncia fazer um

    filme, ao invs de permitir que o projecto ficasse em listas para financiamentos

    (Rodrigues, E., 2014). Com o intuito de enriquecer a pluralidade esttica do cinema

    portugus, o argumento no esquece as paisagens naturais de Portugal como apoio s

    consideraes filosficas inerentes no filme.

    Realizado numa parceria entre Portugal e Inglaterra, Maria (Mariana Marques,

    2014, Mostra Competitiva de Curtas-Metragens) o projecto final de uma turma

    da Northern Film School, em Leeds, Inglaterra, e rene actores de vrias

    nacionalidades, inclusive a portuguesa.

  • 23

    Esta curta-metragem conta a histria de uma rapariga de uma famlia de classe

    mdia no Portugal dos anos 60, que v o seu marido a partir para a guerra colonial, no

    dia a seguir ao seu casamento. Mantendo o foco sobre esta jovem e os seus tormentos

    interiores, mais do que um drama, Maria documenta a influncia dos conceitos

    tradicionais na cultura portuguesa colocando o amor a um nvel de tabu.

    A presena frequente de filmes estudantis no FESTin no um acaso. O

    crescimento das ofertas de formao profissional na rea audiovisual, de programas

    privados, acrescentando a democratizao das cmaras digitais, a facilidade de difuso e

    distribuio nas redes sociais, permite que os alunos explorem este espao e criem

    novas estratgias de produo. Neste caso, podem citar-se A Rapariga que Imaginou um

    Conto (Sara Allen, 2014), A Outra Vida (Joana Filipe, 2014) e O Mal e a Aldeia (Diogo

    Lima, 2014), todos participantes na Mostra Competitiva de Curtas-Metragens.

    Por sua vez, a produo de filmes documentais sempre foi significativa e hoje

    no excepo. A sua regular produo tem sido determinante para manter este sector

    vivo, privilegiando a renovao esttica e tica, num contexto onde a verdade absoluta

    tem sido substituda pela construo de discursos pessoais sobre a realidade,

    reinterpretando o documentrio e dando sentido expresso cinema de no-fico

    (Panorama 2014 8. Mostra do Documentrio Portugus, 2013, p. 63).

    o caso de 2 Metros Quadrados (Ana Lusa Oliveira, Rui Oliveira, 2014,

    Maratona de Documentrios) que surge sob a forma de um projecto multiplataforma.

    Prestando especial ateno ao espao e aos cenrios, o filme retrata a histrias dos

    novos sem-abrigo no Grande Porto, com uma das mais elevadas taxas de desemprego

    e com o maior nmero de pessoas apoiadas com o Rendimento Social de Insero.

    A animao portuguesa continua a demonstrar apetncias para o

    desenvolvimento de projectos artsticos mais inventivos, quer em termos tcnicos, quer

    nas suas histrias. Para alm da curta-metragem Foi o Fio (Patrcia Figueiredo, 2014,

    FESTinha), onde um fio de estendal conduz as aces das personagens envolvidas, de

    salientar as diferentes texturas produzidas atravs das tcnicas de desenho e pintura

    digital 2D utilizadas em A Minha Casinha (Raquel Atalaia, 2014, FESTinha).

    No fundo, percebe-se que para alm das dificuldades inseparveis situao

    actual do pas, h cinema a ser produzido margem e que aposta na consagrao de

  • 24

    novos cineastas preparados para projectar novos olhares transcendentes realidade

    portuguesa.

  • 25

    CAPTULO III: A ENTIDADE ACOLHEDORA: FESTIN

    III. 1. O FESTin como Promotor do Cinema Lusfono.

    A notabilidade do FESTin advm do seu cariz singular na difuso dos aspectos

    multiculturais do cinema nos pases representados na CPLP. Identificando e aceitando o

    estado dissemelhante da arte cinematogrfica entre as identidades lusfonas, o FESTin

    tem como preocupao primordial a valorizao e manuteno da autenticidade das

    origens histricas do espao lusfono, fortalecendo e ampliando as relaes j

    existentes30

    .

    Criado em 2010 no mbito da Semana Cultural da CPLP em Lisboa, o

    curriculo do FESTin conta hoje com cinco edies apresentadas anualmente no Cinema

    So Jorge em Lisboa31

    , apostando sobretudo na promoo e no incentivo das artes

    audiovisuais atravs do intercmbio cultural entre as expresses da lusofonia.

    Os efeitos da economia e falta de apoios institucionais reflectem a organizao

    temporria da equipa. Actualmente, a direco do FESTin possui trs membros

    permanentes e oito elementos voluntrios32

    .

    Embora o trabalho de programao seja exigente no tocante diversificao

    dos filmes exibidos diariamente, evidente que o cinema brasileiro predomina33

    ,

    atravs da oferta de uma srie de filmes independentes de excelente qualidade,

    colocando o Brasil decisivamente como a comunidade mais representada no festival.

    At 2014, foram apresentados duzentos filmes brasileiros e participaram mais de oitenta

    realizadores, artistas e profissionais ligados ao audiovisual.

    A maioria das produes seleccionadas v a sua estreia nas salas do Cinema

    So Jorge durante o FESTin, enquanto tantos outros so premiados posteriormente em

    festivais internacionais. o caso de Elena (Petra Costa, 2012), na lista para a seleco

    ao scar de Melhor Documentrio na 87. edio da Cerimnia e de Lixo

    Extraordinrio (Joo Jardim, 2010), igualmente candidato ao scar de Melhor

    30

    Objectivos do FESTin em detalhe no site oficial. 31

    1 ed.: 4 a 9 de maio de 2009; 2 ed.: 26 de Abril a 1 de maio de 2011; 3 ed.: 9 a 16 de maio de 2012; 4

    ed.: 3 a 10 de Abril de 2013; 5 ed.: 2 a 9 de abril de 2014; 6 ed.: 8 a 15 de Abril de 2015. 32

    Mais informaes sobre a ficha tcnica do FESTin no site oficial 33

    Ver II. Lista de Tabelas, tabela 1.

  • 26

    Documentrio em 2011.

    A estratgia basilar anualmente adoptada com vista ao cumprimento dos

    objectivos acima referidos composta por sete seces fundamentais34

    . As Mostras

    Competitivas dividem-se em quatro imporantes exibies: a Competio de Longas-

    Metragens; a Competio de Curtas-Metragens; a Maratona de Documentrios; e a

    Mostra Infanto-Juvenil FESTinha, que se subdivide entre curtas e longas-metragens.

    Estes programas esto abertos a qualquer pas da comunidade lusfona interessado em

    candidatar-se.

    No respeitante s Mostras No-Competitivas, a oferta igualmente variada.

    Dada a afluente participao de cineastas brasileiros, em 2012 a equipa do FESTin

    sentiu a necessidade de criar a Mostra de Cinema Brasileiro, mantendo-se at hoje como

    uma das mais importantes divulgaes do cinema brasileiro em Portugal.

    No menos relevante a Mostra Incluso Social, onde so apresentados filmes

    de cariz mais interventivo e que oferecem ao espectador novas perspectivas sobre as

    diferentes realidades polticas e sociais de cada pas aqui representado.

    Por fim, o FESTin apresenta este ano uma Mostra indita, o FESTin +, com

    quatro filmes direccionados para a audincia snior.

    Atravs da organizao de eventos paralelos como as oficinas de iniciao ao

    cinema para o pblico infantil, as mesas redondas, os encontros entre cineastas,

    amadores e interessados pelo cinema e a apresentao de grupos musicais

    representantes dos pases lusfonos, o FESTin sugere nas suas mostras anuais a

    discusso sobre o futuro do cinema de lingua portuguesa e o seu contributo como

    elemento artstico para a compreenso e a prtica dos direitos humanos no espao da

    lusofonia.

    34

    Ver exemplar programao 2015 no site oficial.

  • 27

    CAPTULO IV: CARACTERIZAO DAS ACTIVIDADES DESENVOLVIDAS

    Mais do que um Festival de Cinema falado em portugus, a visibilidade do

    FESTin advm da criao gradual de um espao alternativo e convidativo participao

    e interaco do espectador num ambiente culturalmente concentrado. Para alm da

    tarefa elementar que a da composio da programao diria, a estrutura do FESTin

    constituda por uma tipologia cada vez mais complexa, para que as vrias componentes

    sociais, econmicas, polticas e culturais dos pases envolvidos sejam no s respeitadas

    como representadas o mais equitativamente possvel.

    O estgio curricular realizado nesta instituio num perodo de 400h e

    orientado por Adriana Niemeyer ofereceu-me a oportunidade de analisar com

    profundidade o tipo de organizao, as condies, as contingncias e o contexto no qual

    o festival est inserido e de que forma intercede na representatividade no s nos filmes

    exibidos, como tambm na valorizao do cinema nacional em particular35

    .

    IV.1. Produo.

    A produo e organizao executiva do FESTin concentraram-se sob a forma

    de tarefas administrativas realizadas semanalmente com vista aprendizagem logstica

    das mesmas. A sua realizao concedeu-me uma satisfatria proximidade com os

    realizadores e com as suas obras cinematogrficas, experienciando desta forma os

    contrastes reais entre os diferentes cinemas participantes e o seu reflexo na abordagem

    ao Festival. Tais funes incluram:

    Suporte para a organizao e administrao: elaborao e coordenao de

    planos de tarefas mensais a realizar pela equipa; criao de calendrios e de listas de

    prazos e prioridades; marcao de reunies com os actuais e futuros parceiros;

    assistncia equipa, voluntrios e outros estagirios. Aps a definio e clarificao dos

    objectivos a cumprir, estas tarefas apoiaram a preparao da equipa antes e durante

    festival;

    Assistncia Programao: recepo e coordenao da inscrio das

    candidaturas numa base de dados; coordenao e reviso dos filmes seleccionados,

    35

    Ver anexo II. Lista de tabelas, tabela 2: Painel de Tarefas: FESTin 2015

  • 28

    conferindo as condies prprias de projeco dos mesmos; composio do programa

    final. Partindo do interesse demonstrado em apoiar a programao e os respectivos

    cineastas, possvel referir que os servios desempenhados facilitaram a avaliao das

    cinematografias participantes, auxiliando na anlise e comparao descritas neste

    documento.

    Gesto e manuteno da lista de convidados: administrao e assistncia lista

    de convidados especiais ligados ao Governo e Diplomacia; administrao e assistncia

    relativamente ao alojamento, alimentao e transporte em Lisboa dos cineastas

    convidados; organizao do Kit-Press para directores e convidados ligados ao cinema;

    Planeamento geral de eventos: organizao de eventos artsticos como

    concertos e actividades paralelas ao Festival, de mesas redondas e de oficinas de

    iniciao ao cinema;

    Assistncia a Projectos Paralelos: apoio logstico e de curadoria aos programas

    de intercmbio entre o FESTin e capitais africanas (parceria com o Instituto Cames);

    assistncia ao Lusophone Film Festival36.

    IV.2. Comunicao.

    As tarefas realizadas tiveram como base a assistncia implementao de um

    plano de marketing com vista ao crescimento de um pblico eclctico do Festival e

    promoo das obras cinematogrficas envolvidas em portugus.

    Aps a definio dos canais das plataformas digitais como principal recurso de

    dinamizao, as responsabilidades incidiram sobretudo nos meios comunicao,

    nomeadamente o Facebook e o site oficial. Para isso, no s foram divulgadas

    informaes relevantes em ambas as pginas digitais como foram criadas

    semanalmente, atravs do programa do Photoshop, banners com vista publicidade do

    FESTin37

    .

    No fundo, as funes desempenhadas ao longo do perodo de estgio

    permitiram reflectir sobre as diferenas detectadas na abordagem de cada participante

    36

    Para mais informaes visitar a pgina de Facebook oficial do Festival. 37

    Ver anexo I, figuras 1 e 2.

  • 29

    ao festival. Sendo o FESTin um festival que recebe vrios pases para alm do territrio

    portugus evidente que a organizao e apoio promoo de cada cinema nacional

    sejam distintos.

    No Brasil, por exemplo, a grande maioria dos filmes seleccionados chegaram

    ao FESTin atravs das prprias produtoras que se encarregaram de resolver toda a

    burocracia adjacente. Por sua vez, em Portugal, onde o cinema independente est em

    crescimento, o realizador o principal interessado no festival. Igualmente em frica, os

    fracos mecanismos cinematogrficos e o diminuto interesse reflectem-se num contacto

    directo entre o realizador e o festival.

    H, contudo, que valorizar o desejo crescente na interaco geral entre os

    cineastas e o FESTin, atravs sobretudo da comunicao das redes sociais ou via e-mail.

  • 30

    CONCLUSO

    A concepo de lusofonia em termos das cinematografias nacionais aqui

    apresentadas pode parecer algo abusiva, na medida em que pressupe a existncia

    consensual de um projecto construdo com base em valores comuns. Como sabemos,

    aps a implantao da democracia em Portugal, o processo de descolonizao de frica,

    a transio democrtica do Brasil e a independncia de Timor-Leste, emergncia de

    novos Estados sucederam novas conscincias, nem sempre atentas s clivagens

    existentes.

    Em frica, o desenvolvimento do cinema suportado sobretudo pelos recursos

    de cooperao nas relaes com o Ocidente o que cria um certo comodismo por parte

    dos governos africanos que tendem a desvalorizar o cinema como arte prioritria. A falta

    de promoo e a dificuldade em encontrar obras de produo africana expostas nos

    cinemas locais indicativo de que h muito a fazer. No entanto, de esperar que a

    exploso econmica vivida em pases como Angola expanda as oportunidades do

    cinema e evite as lacunas presentes nas infra-estruturas e tcnicas de produo

    cinematogrfica local.

    No que diz respeito ao mercado cinematogrfico brasileiro, nota-se uma

    convergncia gradual entre as diferentes linguagens audiovisuais. A capacidade

    industrial e artstica do cinema, incitada sobretudo pela Globo, um exemplo desta

    conjuntura: no s parceira das principais distribuidoras de cinema (como a Warner,

    Columbia Fox ou Lumire), como tambm tem acompanhado o desenvolvimento de

    vrios projectos independentes.

    Contudo, e paralelamente a esta tendncia, verifica-se que os elementos que

    outrora seriam utilizados como denncia foram hoje adaptados pelo cinema brasileiro

    actual como algo absolutamente natural.

    Numa tentativa de desenhar uma panormica geral da situao do cinema em

    Portugal, verifica-se a presena de algumas dualidades. Quando no estrangeiro, o

    cinema portugus aplaudido, c dentro revela um certo descontentamento. Veja-se, por

    exemplo, que em 2012, Miguel Gomes vence com o Tabu o prmio da crtica no

    Festival de Berlim e Joo Salaviza recebe o Urso de Ouro para Melhor Curta-Metragem

    com Rafa, dedicando o prmio ao Governo portugus, num ano em que o Governo

  • 31

    Portugus suspende indefinidamente o programa de apoio financeiro produo

    cinematogrfica nacional.

    E os paradoxos sucedem-se numa srie de acontecimentos que reflectem as

    dificuldades de um cinema pouco apreciado em Portugal. ideia criada de que o bom

    cinema portugus se fez durante um suposto perodo ureo do cinema, ideologicamente

    influenciado pelo Estado Novo, ou que muito longo, retirada dos filmes de Manoel

    de Oliveira, adiciona-se os tradicionais problemas de distribuio que trazem a maioria

    dos filmes para as grandes metrpoles. No entanto, a nova gerao encontra nos

    festivais nacionais e internacionais a alternativa para mostrar o que hoje se faz em

    Portugal.

    Apesar das dinmicas vividas ao longo dos tempos, o cinema continua a ser um

    espao privilegiado. O modo de perpetuao o elemento que o distingue. O filme

    convoca a nossa memria atravs de personagens, aces e dispositivos longos e

    complexos. O espectador no confunde o significante com o referente pois est ciente

    de que uma representao (embora a permanncia de uma certa sensao do real) mas

    encontra uma forte componente filosfica, histrica, poltica, social e cultural que

    convoca a Humanidade para as suas obrigaes.

    O cinema em lngua portuguesa surge assim como mediador entre as aspiraes

    actuais j que obriga, de uma forma positiva, extrapolao da geografia para a sua

    expanso: quer em termos de produo, quer na aquisio de novos pblicos ou de

    parcerias, juntos revelam novos paradigmas e solues para os diferentes cinemas,

    apostando sobretudo na manuteno da sua singularidade.

    Colocando como ponto de partida a compreenso sobre o papel da conjuntura

    sociopoltica na elaborao da cinematografia seleccionada para a 6. Edio do

    FESTin, verifica-se que funes desempenhadas durante o estgio curricular neste

    festival contriburam para identificar neste cinema o compromisso particular de

    construo nacional no s numa fase mais poltica ou ideolgica mas, sobretudo, como

    uma forma simblica de expresso artstica da soberania de cada povo.

  • 32

    BIBLIOGRAFIA

    Abandono do Idoso Vulnervel Constitui Quebra da Cultura Bantu. (2014, 16 Maio).

    Portal de Angola. Acedido a 10 de Maro de 2015 em: http://www.portalangop.

    co.ao/angola/pt_pt/noticias/sociedade/2014/4/20/Abandono-idoso-vulneravel-constitui-

    quebra-cultura-Bantu,a7524ea1-616b-494e-b895-593aa0d2d96e.html.

    Agonia do Cinema Portugus: O abafador tem nome (2010, 24 Jun). Em Espao

    Pblico na edio impressa no Jornal Pblico. Acedido a 15 de Janeiro de 2015 em:

    http://apr-realizadores-portugal.blogspot.pt/2010/06/agonia-do-cinema-portugues-o-

    abafador.html.

    Almeida, M. (2012, 13 Dez). Cinema em Cabo Verde: O Cinema est num Estado

    Emergente em Contornos em Definidos. Sapo Notcias. Acedido a 10 de Maro de

    2015 em: http://noticias.sapo.cv/vida/noticias/artigo/1287521.html.

    Areal, L. (2011). Cinema Portugus, Vol.2 Um Pas Imaginado: Aps 1974. Lisboa:

    Edies 70.

    Arenas, F. (2011). Lusophone Africa: Beyond Independence. Minneapolis: University of

    Minnesota Press.

    Ballerini, F. (2012). Cinema Brasileiro no Sculo 21: Reflexes de Cineastas,

    Produtores, Distribuidores, Exibidores, Artistas, Crticos e Legisladores sobre os

    Rumos da Cinematografia Nacional. So Paulo: Summus.

    Bamba, M. (s.d.). Os Cinemas Africanos: entre Construo Identitria Nacional e Sonho

    Pan-Africanista. 3. Mostra Malembe Malembe: Cinema Africano em Debate (pp. 1-12).

    Bamba, M. e Meleiro, A. (2012). Filmes da frica e da Dispora: Objectos de

    Discursos. Salvador: EDUFBA.

    Barn, F. (2014, 28 Set). Silncio diante do Drama do Aborto Clandestino. El Pas-

    Brasil. Acedido a 13 de Maro de 2015 em:

    http://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/28/politica/1411937015_378864.html.

    Batista, T. (2010). Nationaly Correct: The Invention of Portuguese Cinema (p. 3- 18).

    Acedido a 10 de Setembro de 2014 em

    http://www2.let.uu.nl/solis/psc/P/PVOLUMETHREEPAPERS/BAPTISTA-P3.pdf.

  • 33

    Belanciano, V. (2010, 7 Out). Fundo para o Cinema j Reiniciou Pagamentos. Pblico.

    Acedido a 14 de Janeiro de 2015 em:

    http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/fundo-para-o-cinema-ja-reiniciou-

    pagamentos-261051.

    Bentes, I. (2007). Sertes e Favelas do Cinema Contemporneo Brasileiro: Esttica e

    Cosmtica da Fome. ALCEU 8(15) (pp. 242-255). Acedido a 06 de Maro de 2015 em:

    http://revistaalceu.com.puc-rio.br/media/alceu_n15_bentes.pdf.

    Bianchi, p. (2013, 29 Nov). Brasil Vai Se Tornar um Pas de Idosos j em 2030, Diz

    IBGE. Terra. Acedido a 14 de Maro de 2015 em:

    http://noticias.terra.com.br/brasil/brasil-vai-se-tornar-um-pais-de-idosos-ja-em-2030-

    diz-ibge,91eb879aef2a2410VgnVCM10000098cceb0aRCRD.html.

    Bona, R. e Reichel, C. (2013). Influncias da Televiso no Cinema: Breve Relato sobre

    a Atuao da Globo Filmes no Mercado Audiovisual Brasileiro. Trabalho apresentado

    no DT 4 Comunicao Audiovisual do XVIII Congresso de Cincias da Comunicao

    na Regio Sudeste (pp. 1-15). Acedido a 27 de Fevereiro de 2015 em:

    http://www.portalintercom.org.br/anais/sudeste2013/resumos/R38-0219-1.pdf.

    Cabeinhas, R. e Nhaga, N. (2008). Memrias Coloniais e Dlogos Ps-Coloniais:

    Guin-Bissau e Portugal. Em Comunicao Intercultural: perspectivas, dilemas e

    desafios: actas da Conferncia Internacional (pp. 109-132). Braga: Campo das Letras

    Capital de Cabo Verde Organiza Primeiro Festival Internacional de Cinema. (2014, 02

    de Maio). Agncia Lusa. Acedido a 12 de Maro de 2015 em:

    http://www.ionline.pt/artigos/mais/capital-cabo-verde-organiza-novembro-primeiro-

    festival-internacional-cinema.

    CPLP refora cooperao na Cultura. (2014, 17 Nov). Acedido a 04 de Maro de 2015

    em: http://www.cplp. org/id-

    4447.aspx?Action=1&NewsId=3425&M=NewsV2&PID=10872.

    Damsio, M. (s.d.). Processos de Recepo do Cinema Portugus Entre os seus

    Pblicos Locais. (pp. 1- 16). Lisboa: Caleidoscpio.

    Entrevista Renaissance: Os Contrastes do Melhor Filme Portugus do Fantasporto

    2015. (2015, 13 Mar). Charivari. Acedido a 17 de Maro de 2015 em:

  • 34

    http://charivari.pt/2015/03/13/entrevista-renaissance-os-contrastes-do-melhor-filme-

    portugues-do-fantasporto-2015/.

    FESTin (Site Oficial). Acedido a 23 de Maro de 2015 em: http://festin-festival.com/

    Figurelli, R. (2013). Cinema, a Stima Arte (p-110-119). Extensio: Revista Electrnica

    de Extenso. Florianpolis: SC. Acedido a 17 de Janeiro de 2015 em:

    https://periodicos.ufsc.br/index.php/extensio/article/view/1807-

    0221.2013v10n15p110/25455.

    Goethe Institut, (s/d). 1.12 Reportagens, Imagens, Conversas A Luanda Brilha!

    Angola em Movimento. Acedido a 10 de Maro de 2015 em:

    http://www.goethe.de/uun/pro/gim/gi_01-12_web_pt.pdf.

    Lmiere, J. (2006). Um Centro na Margem: O Caso do Cinema Portugus. Em

    Anlise Social (pp. 731-765). Acedido a 10 de Setembro de 2014 em:

    http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php?pid=S0003-

    25732006000300003&script=sci_arttext.

    Lopes, F. (2012). Cinema em Portugus: III Jornadas. Covilh: Livros LabCom.

    Lopes, F. e Pereira, A. (2013). Filmes Falados: Cinema em Portugus, V Jornadas.

    Covilh: UBI, Livros LabCom.

    Lusophone Film Festival. (s/d). Em Facebook [Pgina Oficial]. Acedido a 23 de Maro

    de 2015 em: https://www.facebook.com/Lusophonefilmfest?ref=ts&fref=ts

    Martins, A. e Washington, D. (2013). frica em Movimento: A Histria e o Cinema

    Africano Contemporneo. Rio de Janeiro: UFRJ (p. 22-37). Acedido a 10 de Setembro

    de 2014 em: http://setorlitafrica.letras.ufrj.br/mulemba/artigo.php?art=artigo_9_3.php.

    Meleiro, A. (2007). Cinema no Mundo: frica, Vol.1. So Paulo: Escritora Escrituras.

    Moambique, Portal do Governo de. (s/d). Direito do Uso e Aproveitamento de Terra.

    Acedido a 12 de Maro de 2015 em:

    http://www.portaldogoverno.gov.mz/Informacao/dirTerra/.

    Oricchio, L. (2014, 18 Set). Sem Pena, de Eugenio Puppo, Fala sobre a Justia no

    Pas. Estado. Acedido a 14 de Maro de 2015 em:

    http://cultura.estadao.com.br/noticias/cinema,sem-pena-de-eugenio-puppo-fala-sobre-a-

    justica-no-pais,1562292.

  • 35

    Panorama 2014 8 Mostra do Documentrio Portugus. (2013). (Catlogo). Acedido

    a 13 de Janeiro de 2015 em http://videoteca.cm-lisboa.pt/publicacoes/lista/panorama-

    mostra-do-documentario-portugues.html.

    Pedro, L. V. (2013, 12 Maio). A Evoluo do Portugus: O Portugus Moderno. Jornal

    de Notcias. Acedido a 04 de Maro de 2015 em:

    http://www.jn.pt/Dossies/dossie.aspx?content_id=3213131&dossier=Portugu%EAs%20

    atual.

    Penafria, M. (2006). O Documentarismo do Cinema: Uma Reflexo sobre o Filme

    Documentrio. Tese de Doutoramento, Universidade da Beira Interior, Portugal.

    Pereira, A. e Cardoso e Cunha, T. (2013). Gerao Invisvel: Os Novos Cineastas

    Portugueses. Covilh: Livros LabCom. Acedido a 16 de Janeiro de 2015 em:

    http://www.livroslabcom.ubi.pt/pdfs/20130619-

    .201306_acatpereir_titocc_osnovoscineastas.pdf.

    Pinto, S. (2008). A Construo da frica: Uma Reflexo sobre A Origem e Identidade

    no Continente. Revista Electrnica Acolhendo a Alfabetizao nos Pases de Lngua

    Portuguesa (p. 212-234). Acedido a 11 de Setembro de 2014 em:

    http://www.acoalfaplp. org.

    Promessa de Uma Nova Era para o Cinema e Audiovisual em Portugal j Leva Cinco

    Anos (2010, 31 Mar). Pblico. Acedido a 14 de Janeiro de 2015 em:

    http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/promessa-de-quotuma-nova-era-para-o-

    cinema-e-audiovisual-em-portugalquot-ja-leva-cinco-anos-de-q-253690.

    Quive, E. (2011, 29 Ago). Moambique Pblico Ausente: Salas de cinema exibem

    filmes com cadeiras vazias. Pgina Global. Adquirido em 10 de Maro de 2015 em:

    http://paginaglobal.blogspot.pt/2011/08/mocambique-publico-ausente-salas-de.html.

    Ribas, D. (s/d). Os ltimos Autores do Cinema Portugus. Acedido a 13 de Janeiro de

    2015 em http://www.acuartaparede.com/wp-content/uploads/2011/01/OS-

    %C3%9ALTIMOS-AUTORES-DO-CINEMA-PORTUGU%C3%89S-por-Daniel-

    Ribas-versi%C3%B3n-en-portugu%C3%A9s.pdf.

    Ribas, D., Dias, M. (2010). Agncia, uma Dcada de Curtas. Vila do Conde: Curtas

    Metragens CRL. Acedido a 08 de Maro de 2015 em:

    http://media.curtas.pt/static/images/agencia/static/Agencia_10_Anos.pdf.

  • 36

    Rodrigues, E. (2014, 22 Dez). Filme Algarvio A Porta 21 Seleccionado para a

    Competio Nacional do Fantasporto 2015. Sul Informao. Acedido a 17 de Maro de

    2015 em: http://www.sulinformacao.pt/2014/12/filme-algarvio-a-porta-21-selecionado-

    para-a-competicao-nacional-do-fantasporto-2015/.

    Sales, M. (2010). Em busca de um Novo C