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Manual de Diagnóstico e Tratamento

das Epilepsias na Infância

PAULO LIBERALESSO

Curitiba 2010

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Biblioteca “Sydnei Antonio Rangel Santos”

Universidade Tuiuti do Paraná

L695 Liberalesso, Paulo Manual de Diagnóstico e Tratamento das Epilepsias na Infância / Paulo Liberalesso. – Curitiba: UTP, 2010.

218 p.

ISBN 978-85-7968-006-9

1. Epilepsia Infantil. 2. Síndromes epilépticas. 3. Eletrencefalografia - conceitos. 4. Semiologia – crises epilépticas. I. Liberalesso, Paulo. II. Título.

CDD – 616.853

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Reitor Luiz Guilherme Rangel Santos

Pró-Reitora Acadêmica Carmen Luiza da Silva

Pró-Reitor de Planejamento Afonso Celso Rangel dos Santos

Pró-Reitor Administrativo Carlos Eduardo Rangel Santos

Pró-Reitora de Promoção Humana Ana Margarida de Leão Taborda

Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão - PROPPE Roberval Eloy Pereira

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO PESQUISA E EXTENSÃO - PROPPE

Pró-Reitor de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão Roberval Eloy Pereira

Coordenadora de Pesquisa, Iniciação Científica e Editoração Científica

Iolanda B. de C. Cortelazzo Faculdade de Ciências Biológicas e de Saúde

João Henrique Faryniuk

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DIVISÃO DE EDITORAÇÃO CIENTÍFICA

Iolanda Bueno de Camargo Cortelazzo Coordenadora de Pesquisa, Iniciação Científica e

Editoração Científica

Haydée Silva Guibor Responsável Técnico

Marcia R. T. Ribeiro Projeto, Produção Gráfica e Editoração Eletrônica

Campus Sydnei Lima SantosRua Sydnei Antônio Rangel Santos, 238

CEP 82010-330 - Curitiba - [email protected]

Imagem da capahttp://www.sxc.hu

COMISSÃO INSTITUCIONAL DE EDITORAÇÃO CIENTÍFICA

Claúdia Giglio de Oliveira Gonçalves Iolanda Bueno de Camargo Cortelazzo

Isadora Dutra José Soares Coutinho Filho

Marcia Elisa de Campos Graf Rosilda Maria Borges Ferreira

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E sucedeu no dia seguinte que, descendo eles do monte, lhes saiu ao encontro uma grande multidão. E eis que um homem

do meio da multidão clamou, dizendo: Mestre, rogo-te que ponhas os olhos no meu filho, porque é o único que tenho; e

um espírito maligno se apodera dele, e subitamente dá gritos, e o lança por terra, e o agita com violência, fazendo-o espumar,

e apenas o larga depois de o ter dilacerado... E quando este se aproximava, o demônio lançou-o por terra, e agitou-o com

violência. Mas Jesus ameaçou o espírito imundo e sarou o menino, e o restituiu ao seu pai. (Lucas 9: 37-43)

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Dedicatória

À minha mãe, Maria Christina, por sua dedicaçãoincondicional à família...Ao meu pai, Paulo de Tarso (in memoriam), por sua retidão de caráter...À Dona Aidê, pelo cuidado maternal para com meus filhos...À minha esposa Vanessa, por aceitar conviver com meus incontáveis defeitos...A meus filhos, Luis Eduardo e Maria Clara, pelas alegrias do dia-a-dia...

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Apresentação

O “Manual de Diagnóstico e Tratamento das Epilepsias na Infância” contém os fundamentos para o estudo clínico das principais síndromes epilépticas infantis. Longe de ser nosso objetivo esgotar um assunto tão extenso em tão poucas páginas, o que se pretende com este estudo é oferecer elementos básicos para o diagnóstico e tratamento das principais formas de epilepsia nas crianças.

O livro é destinado aos pediatras, neuropediatras, neurologistas, estudantes de medicina e demais profissionais de saúde que trabalham em seu dia-a-dia com crianças com doenças neurológicas que apresentam crises epilépticas.

O primeiro capítulo contém aspectos básicos da anatomia e fisiologia do córtex cerebral, bem como elementos fundamentais da semiologia das crises. No segundo capítulo, há uma introdução à história da epilepsia e alguns dados conceituais. No terceiro capítulo, destacamos a evolução das classificações das crises e síndromes epilépticas desde a década de 1980 até os dias atuais. No quarto e quinto capítulos, são abordados, respectivamente, as crises convulsivas febris benignas e as principais síndromes epilépticas da infância, desde o período neonatal até à adolescência. No sexto capítulo, destacamos alguns conceitos básicos sobre eletrencefalografia que acreditamos serem importantes para o clínico. No sétimo capítulo, através de perguntas e repostas objetivas, selecionamos as dúvidas mais frequentes dos pacientes e de seus pais no consultório. No oitavo capítulo, contamos com a participação dos colegas Alfredo Löhr Júnior, Silmara Possas, Paulo Ramos David João, Vitor Costa Palazzo, Rosângela Garbers e Gislaine Souza Nieto na elaboração de um protocolo de atendimento ao estado de mal epiléptico em recém-nascidos e nas crianças maiores. O nono capítulo oferece aos colegas, de forma bastante objetiva, informações essenciais à prática clínica a respeito das principais drogas antiepilépticas tradicionais e novas. No décimo

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capítulo, contamos com a colaboração dos colegas Alfredo Löhr Júnior, Maria Emília Suplicy e Vanessa Liberalesso na descrição dos fundamentos da dieta cetogênica e na exemplificação de algumas receitas. E, por fim, o décimo capítulo traz um esquema de como montar um “diário de crises” com o objetivo de acompanhar de forma precisa a frequência dos eventos.

Se por um lado acreditamos que este livro possa representar uma fonte segura e de fácil acesso dos aspectos fundamentais da epileptologia infantil, acreditamos, também, que ele precise ser constantemente renovado e atualizado. Boa leitura!

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Sumário

Bases anatômicas e funcionais para o estudo das epilepsias ..........

Introdução à história da epilepsia e considerações gerais ..............

Classificação das crises e síndromes epilépticas .............................

Crise convulsiva febril ...................................................................

As principais síndromes epilépticas da infância .............................

Conceitos fundamentais em eletrencefalografia ............................

Perguntas frequentes sobre epilepsia no consultório .....................

Protocolo de tratamento do estado de mal epiléptico ...................

Drogas antiepilépticas: tradicionais e novas ..................................

Fundamentos da dieta cetogêmica ...............................................

Como montar um diário de crises .................................................

Referências ..................................................................................

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Bases anatômicas e funcionais para o estudo das epilepsias

Paulo Liberalesso

Noções básicas sobre anatomia e fisiologia do córtex cerebral são importantes no início do estudo da semiologia das crises epilépticas e na compreensão de determinadas características clínicas de síndromes epilépticas.

O sistema nervoso central é formado pelo cérebro, cerebelo, tronco cerebral e pela medula espinhal. Os três primeiros estão localizados no interior da caixa craniana, enquanto a medula espinhal localiza-se no interior da coluna vertebral.

O cérebro dos mamíferos é composto por uma porção externa, denominada córtex cerebral, de coloração acinzentada, e por uma porção interna, de coloração esbranquiçada e, por este motivo, denominada substância branca. Como o córtex cerebral reveste externamente toda a substância branca, ele é também conhecido pelas denominações de “manto cerebral” ou “pálio”. Como o cérebro está contido em uma estrutura rígida e inelástica, o crânio, a evolução da espécie humana fez com que a superfície cerebral passa-se a sofrer “enrugamentos”, formando as denominadas circunvoluções ou giros cerebrais. É interessante observarmos que as circunvoluções cerebrais são diferentes entre as espécies, mas muito semelhantes entre indivíduos da mesma espécie. Assim, se observarmos a superfície de dois cérebros humanos seremos capazes de identificar em ambos as mesmas circunvoluções e os mesmos sulcos.

Os dois sulcos cerebrais anatomicamente mais importantes são: sulcos centrais, que separam os lobos frontais dos parietais, e sulcos laterais, que estabelecem o limite inferior entre os lobos frontais e temporais e entre os lobos temporais e parietais.

Em sua maior parte, o córtex cerebral tem em torno de 4 a 5 mm de espessura, formado por 6 camadas de células justapostas:

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primeira camada ou camada molecular, segunda camada ou camada granulosa, terceira camada ou camada piramidal externa, quarta camada ou camada granulosa interna, quinta camada ou camada piramidal interna e sexta camada ou camada de células polimorfas. Embora o córtex cerebral represente, em volume, uma porção muito pequena do tecido cerebral, é justamente nele que residem, praticamente, todas as funções reguladoras de nosso organismo. Cada pequena área do córtex cerebral está relacionada à determinada função.

O cérebro humano de um adulto pesa em torno de 1,3 kg, sendo formado por mais de 100 bilhões de células nervosas denominadas neurônios. Existem diversos tipos de neurônios e todos eles se comunicam através de estímulos elétricos e de substâncias químicas chamadas neurotransmissores.

Mas o cérebro não é formado somente por neurônios. Há outro grupo de células de grande importância denominadas células da glia, que se encontram mescladas entre os neurônios e são responsáveis, entre outras coisas, por dar sustentação a todo o tecido cerebral.

O cérebro humano é dividido em duas grandes metades: o hemisfério cerebral direito e o hemisfério cerebral esquerdo. Quando dizemos que determinado hemisfério cerebral é o dominante, estamos nos referindo ao lado do cérebro onde está localizada a área da linguagem. Na grande maioria das pessoas, o hemisfério cerebral esquerdo é o “dominante”, ou seja, a área da linguagem e do pensamento lógico está localizada do lado esquerdo do cérebro. Por outro lado, o hemisfério cerebral direito está relacionado com aspectos de criatividade e pensamento simbólico. Os dois hemisférios cerebrais são igualmente importantes e suas funções se complementam mutuamente.

Segundo a anatomia de superfície, podemos subdividir o cérebro em quatro grandes áreas, que costumamos chamar de lobos cerebrais:

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Lobo frontal.1. Lobo temporal.2. Lobo parietal.3. Lobo occipital.4.

Figura 1 - Vista lateral esquerda do cérebro.

Há um quinto lobo cerebral, denominado lobo da ínsula, que não pode ser observado na anatomia de superfície. Afastando-se os lábios do sulco lateral, constata-se a presença de uma estrutura cônica com ápice voltado para baixo e para frente: a ínsula. Essa estrutura anatômica é composta por giros longos (localizados posteriormente ao sulco central da ínsula) e giros curtos (localizados anteriormente ao sulco central da ínsula). O sulco circular acompanha a ínsula em sua porção superior.

Lobo frontal

Os lobos frontais localizam-se anteriormente aos lobos parietais (separados pelo sulco central) e acima e à frente dos lobos temporais (separados pelo sulco lateral). Cada lobo

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frontal pode ser subdividido em uma porção lateral, polar, orbital ou basal ou ventral e medial. A porção lateral do lobo frontal é composta pelos giros pré-central, parte lateral do giro frontal superior, giro frontal médio e giro frontal inferior. A parte polar do lobo frontal é composta pelo giro frontopolar transverso e giro frontomarginal. A parte orbital do lobo frontal é constituída pelo giro orbital lateral, giro orbital anterior, giro orbital posterior, giro orbital médio e giro reto. A porção medial do lobo frontal é constituída pelo giro frontal superior e pelo giro do cíngulo.

Os frontais são os maiores de todos os lobos, sendo responsáveis por inúmeras funções de grande complexidade, destacando-se:

Origem dos movimentos voluntários.1. Emissão da linguagem falada através do controle dos músculos 2. da boca, língua, lábios e da laringe.Pensamento abstrato e criatividade.3. Sensações e respostas afetivas e de conotação emocional.4. Julgamento social e muitos aspectos relacionados ao 5. julgamento moral.Manutenção da atenção e concentração.6. Todas as demais áreas do lobo frontal são responsáveis pela 7. realização de processos associativos como, por exemplo, aprendizado, pensamento e alguns circuitos responsáveis pela memória.

As chamadas funções executivas dos lobos frontais representam a capacidade de avaliarmos atos presentes e julgarmos consequências futuras, escolha entre ações moralmente e socialmente corretas ou erradas. Esse lobo também é responsável por modular e definir comportamentos socialmente aceitos. O íntimo relacionamento entre o lobo frontal e o sistema límbico é fundamental para a percepção, avaliação e memorização de eventos de cunho emocional.

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A área de Broca está localizada no lobo frontal, sendo a região do córtex cerebral responsável pela produção da fala. Correspondendo às áreas 44 e 45 de Brodmann, a área de Broca localiza-se sobre a porção opercular e a porção triangular do giro frontal inferior. As áreas 44 e 45 de Brodmann recebem aferências de diferentes regiões do córtex cerebral, destacando-se as conexões provenientes do córtex pré-frontal, giro temporal superior, córtex motor, córtex sensorial e das porções inferiores dos lobos parietais. Embora as áreas 44 e 45 de Brodmann sejam contiguas, elas apresentam citoarquitetura, conexões neuronais e funções distintas. Mais recentemente, estudos de neuroimagem funcional vêm demonstrando a importância da área de Broca na compreensão da fala, tarefas cognitivas e perceptuais. É provável que a produção de gestos durante a fala esteja intimamente relacionada à integridade da área de Broca.

Bases da semiologia das crises do lobo frontal

Segundo a classificação das crises e síndromes epilépticas de 1989 (ILAE, 1989), as características essenciais das crises dos lobos frontais são: (1) curta duração, (2) pós-ictal muito breve ou ausente, (3) rápida generalização, (4) manifestações motoras importantes e posturas tônicas (simétricas ou assimétricas), (5) automatismos gestuais podem ocorrer como manifestações iniciais e (6) as crises podem provocar queda quando há comprometimento de ambos os hemisférios cerebrais.

Com a utilização de eletrodos de profundidade, as crises dos lobos frontais podem ser classificadas em: (1) crises da área motora suplementar, (2) crises cingulares, (3) crises orbitofrontais, (4) crises da região frontopolar anterior, (5) crises dorsolaterais e (6) crises do córtex motor. Contudo, por se tratar de uma classificação topográfica complexa e como a utilização de eletrodos de profundidade é restrita a poucos

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centros em todo o mundo, essa classificação praticamente não é utilizada.

Na prática clínica diária, a classificação das crises epilépticas dos lobos frontais em (1) crises motoras clônicas focais, (2) crises tônicas assimétricas e (3) crises parciais complexas do lobo frontal, é mais adequada e útil.

Mioclonias negativas (atonias focais breves) podem ser de natureza epiléptica ou não. Quando no contexto de uma síndrome epiléptica, têm origem no lobo frontal em topografia anterior à área motora.

Com a autorização da autora, reproduzimos a seguir uma tabela com a descrição semiológica das crises do lobo frontal.

Tabela 1. Manifestações clínicas das crises do lobo frontal.

Crises motoras clônicas focais do lobo frontal

Área perirolândica baixa: - Interrupção da fala; - Vocalização; - Disfasia; - Movimentos tônico-clônicos da face contra-lateral; - Deglutição.Área rolândica:

- Crises parciais motoras com ou sem marcha “jacksoniana”.Lóbulo paracentral: - Crises tônicas do pé ipsilateral.

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Crises tônicas assimétricas do lobo frontal

Sintomas subjetivos: - Sensações somatossensitivas de parestesia; - Sensação de constrição; - Sensação de enrijecimento.Sintomas objetivos motores:- Posturas tônicas assimétricas dos membros superiores ou

inferiores;- Posturas distônicas assimétricas dos membros superiores ou

inferiores;- Postura do membro superior abduzido e fletido, com o

punho cerrado;- Movimentos do membro superior ipsilateral;- Movimentos dos membros inferiores (chutar ou caminhar);- Postura tônica ou distônica do membro inferior contra-

lateral;- Movimentos atetóides dos membros superiores, inferiores ou

ambos.

Crises parciais complexas do lobo frontal

- Automatismos motores complexos, súbitos, de aparência agitada;

- Vocalização, desde sussurros até gritos;- Impulsões pélvicas;- Movimentos negativos com a cabeça;- Movimentos bruscos dos membros inferiores semelhantes a

chutes;- Movimentos de pedalada.

Yacubian EMT, Garzon E. Semiologia das crises epilépticas. São Paulo: Lemos Editorial;

2003.

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Lobo temporal

Os lobos temporais são limitados superiormente pelo sulco lateral e posteriormente pela incisura pré-occipital, sendo compostos pelos seguintes giros: temporal superior (funções auditivas e de linguagem), temporal médio (interpretação do significado das palavras durante o ato da leitura e reconhecimento de rostos conhecidos) e temporal inferior (suas funções são menos conhecidas, mas sabe-se que está relacionado à percepção de rostos e talvez às percepções e interpretações da linguagem falada).

Embora o lobo temporal seja muito complexo, tanto do ponto de vista anatômico como funcional, estão entre suas principais funções o processamento de informações auditivas e a interpretação semântica da fala, já que ele é a sede do córtex auditivo primário.

O hipocampo, que se localiza na porção medial do lobo temporal, é a estrutura responsável pela consolidação da memória. Já a amídala, outra estrutura também localizada nas profundezas do lobo temporal, é importante na determinação do comportamento sexual, em condutas sociais e no controle das emoções. O sistema límbico, composto basicamente pelo giro do cíngulo, ístimo do giro do cíngulo, giro para-hipocampal, hipocampo, corpo amidalóide, área septal, núcleos mamilares, núcleos anteriores do tálamo e núcleos habenulares, está relacionado ao controle de processos emocionais, processos motivacionais, controle do sistema nervoso autônomo, regulação do comportamento alimentar e controle dos centros cerebrais de prazer e recompensa.

Bases da semiologia das crises do lobo temporal

A epilepsia do lobo temporal relacionada à esclerose de estruturas mediais é a forma mais frequente de epilepsia na população adulta. Na população pediátrica, as epilepsias extratemporais são as mais frequentes.

A epilepsia do lobo temporal medial na infância é de difícil diagnóstico clínico, uma vez que a história é prejudicada devido à

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escassez de dados semiológicos oferecidos, espontaneamente, pelas crianças. Até o início da idade escolar, as crianças apresentam grande dificuldade para descrever corretamente as auras, que muitas vezes são erroneamente interpretadas pelos familiares e médicos. Características semiológicas relativamente simples como o comprometimento da consciência durante uma crise parcial complexa do lobo temporal em um adulto, podem ser absolutamente incertas e de difícil interpretação quando ocorrem em crianças em idade pré-escolar. Embora sujeito a grandes variações, admite-se que a partir dos 7 anos de idade as crianças passam apresentar semiologia das crises do lobo temporal semelhante àquela observada nos adultos.

Com a autorização da autora, reproduzimos uma tabela com os principais sinais e sintomas das crises do lobo temporal.

Tabela 2. Manifestações clínicas das crises do lobo temporal.

SinalLT não

dominanteLT

dominanteAura psíquica, visual e auditiva XAura de êxtase XAura sexual XAutomatismo de cuspir XAutomatismo de náuseas e vômitos XAutomatismo de tosse XAutomatismo sexual XAutomatismo de riso XAutomatismo motor ipsilateral

Automatismo de piscamento unilateral ipsilateralPostura distônica contralateralPostura tônica contralateralImobilidade crítica unilateral contralateralResponsividade pouco comprometida XResponsividade muito comprometida XLinguagem ictal compreensível XBloqueio precoce da fala XAfasia pós-ictal XRetorno rápido da linguagem falada X

Yacubian EMT, Garzon E. Semiologia das crises epilépticas. São Paulo: Lemos Editorial; 2003.

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O desvio oculocefálico pode ocorrer em crises originadas nos lobos temporal, parietal e occipital. Quando o desvio oculocefálico ocorre no início da crise do lobo temporal é um sintoma que sugere início ictal no lobo temporal ipsilateral. Quando a versão oculocefálica ocorre, tardiamente em uma crise do lobo temporal, é um sintoma que sugere envolvimento do lobo temporal contralateral.

Aura olfativa, embora considerada bastante rara, é sugestiva de envolvimento de áreas medias do lobo temporal ou do bulbo olfatório. Além de rara, a aura olfatória raramente é encontrada isolada de outras auras em pacientes com epilepsia do lobo temporal. Normalmente se trata de odores desagradáveis.

Lobo parietal

Os lobos parietais estão localizados posteriormente aos frontais, acima dos temporais e anterior e superiormente aos occipitais. Os lobos parietais são separados dos frontais, pelos sulcos centrais; dos lobos occipitais, pelos sulcos parieto-occipitais, e dos lobos temporais, pelos sulcos laterais. A divisão anatômica entre os lobos parietais e occipitais não é tão clara como entre os demais lobos cerebrais. A porção mais posterior dos lobos parietais pode ser subdividida pelo sulco intraparietal em lóbulo parietal superior e lóbulo parietal inferior. Essa região anatômica é semiologicamente importante, pois os giros localizados às margens do sulco intraparietal estão relacionados à orientação de movimentação dos olhos e do posicionamento dos membros.

A principal função do lobo parietal é a percepção sensorial, ou seja, é a região do cérebro responsável por processar os diferentes tipos de sensibilidade como o tato, a sensação de dor, temperatura, pressão e vibração, além de ser importante na integração e interpretação de imagens visuais.

O lobo parietal direito é responsável pela orientação visual e espacial, pela noção de profundidade e reconhecimento do próprio corpo, além ser fundamental no aprendizado da escrita, leitura, cálculos e orientação direito-esquerda.

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É exatamente através das porções mais posteriores do lobo parietal que temos a capacidade de reconhecer objetos somente pelo tato, sem utilizarmos a visão.

Bases da semiologia das crises do lobo parietal

Por se tratar de área de representação cortical somatosensorial, as crises dos lobos parietais são caracterizadas, geralmente, por sensação de parestesia em mão, membro ou face, podendo ocorrer de forma isolada e focal ou apresentar marcha “jacksoniana”, crises giratórias, alucinações gustativas, falsa sensação de que um membro está se movendo, sensações de dor em membros ou no segmento cefálico, sensação de perda de força muscular em mãos, braços e pernas, sensação de ausência de um membro ou de outra parte do corpo. Devido à proximidade, manifestações visuais e/ou oculomotoras podem representar envolvimento do lobo occipital ipsilateral a partir de descargas originadas no lobo parietal. Da mesma forma, o comprometimento da compreensão da linguagem falada pode indicar envolvimento de regiões temporais, enquanto comprometimento da expressão da fala pode indicar projeção das descargas em direção às áreas frontais. Portanto, devido o fenômeno de propagação anterior, crises parietais podem evoluir com manifestações típicas de crises dos lobos frontais e temporais.

Lobo occipital

Os lobos occipitais são os menores dos quatro lobos cerebrais anteriormente descritos. O córtex visual primário, também denominado córtex estriado de Gennari, está localizado na porção medial dos lobos occipitais, no sulco calcarino, correspondendo à área 17 de Brodmann.

A função primordial dos lobos occipitais é receber e processar as imagens visuais captadas por nossos olhos. Estas imagens são transmitidas dos olhos até os lobos occipitais por um intrincado

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“caminho neural” que inicia na retina de ambos os olhos, segue através dos nervos ópticos, quiasma óptico, trato óptico, núcleo geniculado lateral do tálamo, radiação óptica e, finalmente, córtex visual primário. Esse último localiza-se no lobo occipital, nas margens da denominada fissura calcarina.

Os lobos occipitais mantêm íntima relação estrutural e funcional com os lobos parietais, temporais e frontais, uma vez que o processamento das imagens visuais é bastante complexo e depende de estruturas occipitais e extra-occipitais.

Lesões localizadas no córtex visual primário tendem a provocar alterações visuais de campo, enquanto lesões localizadas em áreas associativas (regiões parieto-occipitais ou temporo-occipitais) tendem a provocar alterações na identificação de cores e agrafia.

Bases da semiologia das crises do lobo occipital

As principais manifestações das crises dos lobos occipitais são: a) Sintomas Visuais: alucinações elementares – pontos brilhantes,

luzes, faíscas coloridas, bolas coloridas, linhas retas ou circulares, manchas escuras, sombras, escotomas, hemianopsia, borramento de determinada região do campo visual; alucinações complexas - cegueira ictal, micropsia, macropsia, metamorfopsia, palinopsia, envolvendo rostos, pessoas, animais domésticos ou selvagens;

b) Sintomas Oculomotores: desvio tônico dos olhos, desvio clônico dos olhos, piscamentos, fechamento forçado das pálpebras, clonias palpebrais e nistagmo. As manifestações visuais, geralmente, são seguidas de versão tônica ou clônica dos olhos para o lado contralateral, embora versões ipsilaterais possam ocorrer raramente.

Devido à propagação anterior das descargas originadas no córtex posterior, as crises occipitais, geralmente, são seguidas por manifestações ictais típicas dos lobos temporais ou frontais, já descritas anteriormente.

Cefaléia pode ocorrer durante as crises occipitais, constituindo uma manifestação ictal propriamente dita, ou pode ocorrer durante

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o período pós-ictal. Na população pediátrica, a diferenciação entre a cefaléia e as auras relacionadas às crises occipitais e as auras relacionadas às crises de enxaqueca pode ser complexa do ponto de vista clínico. A seguir, com a autorização da autora, reproduzimos uma tabela comparativa com as principais diferenças entre as auras das crises occipitais e as auras visuais que frequentemente acompanham crises de enxaqueca.

Tabela 3. Diferenças entre auras das crises occipitais e da enxaqueca.

Crises epilépticas occipitais Crises de enxaqueca

Padrão circular, colorido ou multicolorido: amarelo, azul, verde, vermelho cintilante.

Padrões acromáticos ou preto e branco.

Círculos, formas circulares, bolas pequenas, pontos que se movem em bloco para o lado contralateral, enquanto os olhos seguem o movimento da alucinação visual.

Linear: espectro de fortificação, teicoscopia (teico: muralha de uma cidade + pisa: visão), formas em zigue-zague, escotoma cintilante (luzes faiscantes circundando áreas escuras no campo visual).

Duração: curta, geralmente segundos, raramente um a três minutos.

Duração: longa, geralmente entre quatro e 30 minutos.

Frequência: diária.Frequência: variável e, excepcionalmente, podendo ocorrer diariamente.

Localização: contralateral, iniciando no hemicampo temporal.

Localização: início no centro do campo visual com propagação para a periferia em 10 a vinte minutos.

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Amaurose: provável propagação para ambos os lobos temporais. Cegueira branca (impossibilidade de ver, pois tudo é visto na cor branca).

Hemianopsia.

Dor orbital durante a fase ictal e vômito ictal, sugestivos de propagação para o lobo temporal não-dominante e ínsula.

Cefaléia pulsátil unilateral, de intensidade moderada a severa, agravada por movimentos da cabeça e atividade física com duração de horas, acompanhada por inapetência, náuseas, vômitos, fotofobia e fonofobia.

Yacubian EMT, Garzon E. Semiologia das crises epilépticas. São Paulo: Lemos Editorial; 2003.

Bases neuroquímicas: GABA e glutamato

Teoricamente, a estabilidade elétrica do tecido cerebral humano é mantida através de um delicado equilíbrio entre sistemas excitatórios e inibitórios. Desse modo, muitos autores sugerem que desequilíbrios ocorridos entre dois dos principais neurotransmissores (glutamato – GLU e ácido gama aminobutírico - GABA) poderiam estar implicados na gênese de determinadas crises e síndromes epilépticas.

Em 1950, Eugene Roberts isolou uma substância no cérebro de camundongos que seria, anos mais tarde, reconhecida como o principal neurotransmissor inibitório do cérebro dos mamíferos: o GABA (“Gamma-Aminobutyric Acid”). Curiosamente, o GABA é formado metabolicamente a partir do glutamato através da ação da enzima L-ácido-glutâmico descarboxilase e do co-fator piridoxal fosfato.

Figura 2 - Estrutura molecular do GABA.

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A função e a expressão dos receptores GABAérgicos depende da maturidade do córtex cerebral. Contudo, receptores GABAA podem ser encontrados em estágios precoces da vida embrionária.

Atuando em receptores transmembrana de neurônios pré e pós-sinápticos e provocando influxo de íons carregados negativamente como o cloreto e efluxo de íons positivos como o potássio, o GABA está implicado em diversos circuitos inibitórios no sistema nervoso central. Receptores ionotrópicos do tipo GABAA podem conter, além do sítio de ligação para GABA, sítios de ligação para outras substâncias como os benzodiazepínicos, barbitúricos e alguns anestésicos. A estimulação de receptores GABAA provoca aumento da condutância da membrana celular a íons cloreto, aumento do fluxo de íons cloreto para o interior dos neurônios GABAérgicos, aumento da diferença de potencial entre a face interna e externa da membrana celular e hiperpolarização dos neurônios pós-sinápticos. Sabidamente, neurônios hiperpolarizados são menos excitáveis. Desse modo, receptores GABAA são os principais responsáveis pela inibição pós-sináptica no sistema nervoso central dos mamíferos.

Receptores metabotrópicos do tipo GABAB também tem ação inibitória no sistema nervoso central, já que levam à abertura de canais de potássio, através da ativação da proteína G, desencadeando a hiperpolarização do neurônio pós-sináptico e impedindo a abertura de canais de cálcio dependentes de voltagem. Por outro lado, a ativação de receptores GABAB pré-sinápticos leva à inibição de canais de cálcio e redução da liberação de GABA.

Receptores ionotrópicos do tipo GABAC, após ligarem-se ao GABA, provocam intenso aumento do fluxo de íons cloreto para o interior dos neurônios, levando à estabilização da membrana e dificultando a transmissão de impulsos elétricos por essas células.

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Figura 3 - Estrutura molecular do glutamato.

O glutamato é o principal aminoácido excitatório do sistema nervoso central e atua em diversas fases do desenvolvimento cerebral, mediando a formação de circuitos neuronais, aprendizagem e memória. Ele tem sua ação mediada por inúmeros receptores morfologicamente e funcionalmente distintos que podem ser ionotrópicos ou metabotrópicos segundo suas propriedades bioquímicas e eletrofisiológicas. Destacam-se quatro tipos principais: receptor glutamatérgico ionotrópico tipo NMDA (N-metil-D-aspartato), receptor glutamatérgico ionotrópico tipo AMPA (D-amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazolepropionato), receptor glutamatérgico ionotrópico tipo cainato (KA) e receptor metabotrópico ACPD (1-aminociclopentano-transdicarboxilato).

Os efeitos da ação do glutamato sobre cada receptor, em particular, variam consideravelmente. Os receptores cainato e AMPA, após serem ativados pelo glutamato, provocam a abertura de canais iônicos permeáveis ao sódio e potássio. O fluxo excessivo desses íons para o interior dos neurônios pode levar a morte celular. Os receptores NMDA, após serem estimulados pelo glutamato ou por substâncias análogas, desencadeiam a abertura de canais iônicos permeáveis ao cálcio e sódio. A ativação de nucleases, lipases e proteases, mediada pelo influxo de cálcio, pode induzir ao aumento do metabolismo neuronal, excitotoxicidade e morte celular.

No período neonatal, sobretudo nas primeiras duas semanas de vida, há uma superexpressão da subunidade NR2B do receptor NMDA, tornando-o mais susceptível à excitação tanto

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pelo glutamato como por substâncias análogas. Após o período neonatal, passa haver superexpressão da subunidade NR2A do receptor NMDA, provocando redução de sua excitabilidade.

Embora tanto os receptores AMPA como NMDA sejam canais iônicos que aumentem a permeabilidade ao sódio, eles diferem entre si pelo fato de os receptores AMPA estarem, geralmente, bloqueados pelo magnésio.

Diversos autores demonstraram haver aumento na concentração de aminoácidos excitatórios no tecido epiléptico humano, sugerindo fortemente que esses neurotransmissores estejam relacionados direta ou indiretamente à gênese de crises epilépticas.

Modelos experimentais classicamente utilizados no estudo da epilepsia, como o modelo da pilocarpina e do abrasamento, demonstram que tanto aminoácidos excitatórios como inibitórios estão presentes na fisiopatologia, quer durante a fase crônica quer na fase aguda da doença. A neurotoxicidade glutamatérgica parece estar relacionada a diversas doenças crônicas degenerativas do sistema nervoso central e ao processo de morte celular em outras doenças cerebrais agudas.

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Introdução à história da epilepsia e considerações gerais

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As mais antigas descrições a respeito de crises epilépticas datam de, aproximadamente, 3.500 anos a.C., sendo atribuídas aos egípcios e aos sumérios. Criadores do termo epilepsia (“surpresa”), os homens da Grécia Clássica atribuíam os “ataques” epilépticos a castigos divinos e espíritos malignos. Acreditando que somente um ser muito poderoso seria capaz de possuir um indivíduo a ponto de privar-lhe os sentidos e provocar um “ataque”, a epilepsia passou a ser conhecida como “a doença sagrada”.

Hipócrates (460-377 a.C.), no capítulo “Sobre a Enfermidade Sagrada”, de sua obra intitulada “Corpus Hippocraticun”, contesta o pensamento supersticioso da época, sendo pioneiro em relacionar a epilepsia a alterações cerebrais orgânicas.

Na Roma Clássica, crises epilépticas eram interpretadas como sinal de pouca sorte, e conhecidas como “mal comicial”. No início da era cristã, acreditava-se haver grande influência dos astros celestes, particularmente da lua, sobre pessoas com epilepsia. Por esse motivo, os indivíduos portadores de epilepsia eram chamados de “lunáticos”.

Em pelo menos três trechos da Bíblia Sagrada, podem-se encontrar descrições muito claras de crises epilépticas. O Evangelista João Marcos, discípulo, secretario e interprete do Apóstolo Paulo (provavelmente em 44 d.C.), o Evangelista Mateus, também chamado Levi, filho de Alfeu e cobrador de impostos em Cafarnaum, (provavelmente entre 42 e 48 d.C.) e o Evangelista Lucas, médico e pintor de Antioquia, porta-voz das palavras e ideias do Apóstolo Paulo (provavelmente entre 55 e 60 d.C.) narram a mesma criança epiléptica apresentando uma crise convulsiva generalizada.

O conhecimento anatômico das estruturas cerebrais foi fundamental para o desenvolvimento de diversos conceitos em

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epilepsia. Em 1543, Andreas Vesalius (1514-64) publica na Basiléia sua mais famosa obra intitulada “De Fabrica Corporis Humani”, incluindo figuras pioneiras sobre diversas estruturas cerebrais como os ventrículos laterais, o núcleo caudado, o tálamo, o plexo coróide, o fórnix, a cápsula interna entre outras. Seus estudos também demonstraram a existência de uma porção branca e outra cinzenta na composição do tecido cerebral. O trabalho de Vesalius representou um esforço científico inicial na compreensão anatômica do cérebro.

Os trabalhos pioneiros de Luigi Galvani (1790) e do médico inglês Richard Caton (1875) representaram a base para a compreensão dos potenciais elétricos fisiológicos do corpo humano e, consequentemente, para o entendimento de alguns dos modernos conceitos sobre a gênese das crises epilépticas.

Provavelmente, a primeira medicação utilizada “cientificamente” para o tratamento das crises epilépticas foi o brometo de potássio. Em 1857, o Dr. Charles Locock, imaginando que as crises epilépticas estariam relacionadas a problemas sexuais nas mulheres, passou a utilizar um medicamento antiafrodisíaco denominado brometo de potássio em suas pacientes epilépticas. Embora atualmente saibamos que a origem das crises epilépticas não tem nenhuma relação com disfunções sexuais, as pacientes do Dr. Charles Locock, que foram tratadas com o brometo de potássio, tiveram redução significativa na frequência e na intensidade de suas crises epilépticas. Por este motivo, este médico é tido como o marco inicial no tratamento medicamentoso da epilepsia.

Embora perfurações no crânio viessem sendo realizadas há séculos para o “tratamento” de indivíduos com epilepsia, a primeira cirurgia realmente “científica” para tratar um epiléptico ocorreu em 1886 e foi realizada pelo Dr. Victor Horsley no National Hospital Queen’s Square.

Dados históricos apontam que inúmeras personalidades importantes apresentam crises convulsivas ou foram portadoras de epilepsia, tais como Sócrates (filósofo ateniense precursor das

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bases da filosofia ocidental), Pitágoras (filósofo e matemático grego), Charles John Huffam Dickens (romancista inglês), Molière (pseudônimo de Jean-Baptiste Poquelin, foi ator e dramaturgo francês), Lord Byron (pseudônimo de George Gordon Byron, poeta e romancista britânico), Fyodor Dostoievsky (escritor russo), Alfred Bernhard Nobel (químico e inventor sueco que criou o cobiçado prêmio que recebe seu nome), Isaac Newton (cientista, físico, matemático, astrônomo, filósofo e teólogo inglês), Piotr Ilich Tchaikovsky (nascido na Rússia e considerado um dos maiores gênios da música), Ludwig van Beethoven (compositor alemão considerado um dos pilares da música ocidental), Liev Tolstoy (um dos maiores escritores de todos os tempos), Giovanni Mastai-Ferretti (Papa Pio IX), Antônio Moreira César (coronel que comandou a terceira expedição militar na Guerra de Canudos), Vladimir Lênin (revolucionário e primeiro ministro da União Soviética que influenciou a Revolução Russa de 1917), John Charles Francis (filho mais novo do rei George V do Reino Unido), Florence Griffith-Joyner (atleta americana campeã olímpica), Joaquim Maria Machado de Assis (poeta, romancista, dramaturgo e teatrólogo, é considerado o maior nome da literatura brasileira), Elizabeth Kortright Monroe (esposa de James Monroe, quinto presidente dos Estados Unidos), Napoleão Bonaparte (imperador francês entre 1804 e 1814), entre muitos outros.

Considerações gerais

Não há uma única definição universalmente aceita para epilepsia. Não se trata de uma doença específica e nem de uma síndrome isolada, mas, sim, de um grande número de doenças e síndromes com etiologias, evoluções e prognósticos muito variados e que tem em comum a presença de crises epilépticas recorrentes e que ocorrem na ausência de condições tóxicas, metabólicas ou febris. Quanto a sua origem, as crises epilépticas podem ser idiopáticas (genéticas), secundárias a uma lesão cerebral estrutural

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(sintomáticas) ou decorrentes de outras doenças neurológicas de caráter sistêmico.

A frequência da epilepsia no Brasil não é bem conhecida, havendo grandes variações conforme a região do país estudada. Estima-se uma prevalência de epilepsia em nosso país entre 10 e 15/1000. Sabidamente, entre 2 e 3% das pessoas receberão o diagnóstico de epilepsia em algum momento de sua vida. A extensão continental de nosso país torna impossível estimar a incidência e prevalência da epilepsia em todo território com base em dados isolados obtidos em trabalhos baseados nas populações dos estados do Sul e do Sudeste.

Há dois picos de incidência de crises epilépticas na população geral. Um primeiro durante a infância, particularmente nas crianças menores de 2 anos, e um segundo nos idosos, principalmente após os 65 anos. Em países em desenvolvimento, como o Brasil, o primeiro pico está relacionado a problemas antenatais (más condições de assistência às gestantes, falta de pré-natal, uso de drogas lícitas ou ilícitas durante a gestação, infecções congênitas) e perinatais (má assistência durante o parto, tocotraumatismo, partos domiciliares). No início da idade escolar, há uma nova elevação no número de casos de crises epilépticas devido ao surgimento das epilepsias generalizadas idiopáticas (principalmente a epilepsia ausência da infância) e às epilepsias focais idiopáticas (principalmente a epilepsia rolândica).

O diagnóstico da epilepsia é fundamentalmente clínico, podendo ou não ser corroborado por exames neurofisiológicos (como o eletrencefalograma e a vídeo-monitorização eletrencefalográfica) e por exames de neuroimagem (como a tomografia computadorizada de crânio e a ressonância magnética do encéfalo). Como ocorre na maior parte das doenças neurológicas infantis, a anamnese é o momento mais importante durante o processo do diagnóstico. Inicialmente, deve-se permitir que o paciente, seus familiares ou quem quer que tenha presenciado a crise fale espontaneamente. Em seguida, a anamnese deve ser formalmente dirigida pelo médico

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na tentativa de se obter detalhes da semiologia ictal que possam auxiliar na determinação da topografia da zona de início da crise.

Conduzir a anamnese é particularmente importante quando se investiga o primeiro episódio suspeito. Dados clínicos que podem ser fundamentais para a compreensão da crise como, por exemplo, automatismos discretos ou fenômenos motores unilaterais, podem ser completamente negligenciados por quem observa o evento.

A maior parte da fenomenologia ictal é totalmente desconhecida da população leiga. Desse modo, muitas vezes quando familiares descrevem uma “convulsão”, parte da descrição diz respeito ao que ocorreu de fato e parte ao imaginário coletivo. Some-se a isso o impacto emocional de pais, professores ou cuidadores próximos, presenciando pela primeira vez uma crise epiléptica em uma criança.

O exame neurológico é normal em muitos pacientes portadores de epilepsia. O exame clínico pediátrico e neurológico deve ser dirigido a doenças que possam cursar com crises epilépticas como, por exemplo, a esclerose tuberosa, neurofibromatose tipo I, angiomatose encefalotrigeminal, hipomelanose de Ito, angiomatose retinocerebelar, malformações faciais que sugiram síndromes dismorfogenéticas ou malformações cerebrais da linha média e sinais de doenças sistêmicas que aumentem o risco de epilepsia como as colagenoses, doenças renais crônicas, doenças endocrinológicas e doenças do sistema cardiovascular.

Durante a aquisição da história clínica, deve-se considerar os principais diagnósticos diferencias de crises epilépticas na infância e adolescência como síncope (pálida e cianótica), crises de perda de fôlego, enxaqueca (principalmente quando associada a auras visuais ou fenômenos motores como a oftalmoplegia), distúrbios paroxísticos do movimento, tiques motores, distúrbios do sono (principalmente aqueles que ocorrem com manifestações motoras proeminentes), síndrome de Sandifer (refluxo gastroesofagiano), episódios agudos de intoxicação e quadros de simulação.

O eletrencefalograma é o exame subsidiário mais importante quando se suspeita que uma criança esteja apresentando crises

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epilépticas. Além de ser utilizado para confirmar o diagnóstico clínico, com seu uso pode-se estabelecer o diagnóstico diferencial com eventos de natureza não epiléptica, bem como distinguir crises generalizadas de focais, estabelecendo assim a melhor opção terapêutica e o prognóstico. Mesmo existindo padrões eletrográficos inespecíficos, muitos padrões são característicos e podem firmar o diagnóstico definitivamente, como no caso da síndrome de West (padrão de hipsarritimia), síndrome de Lennox-Gastaut (descargas generalizadas de espícula-onda lenta) e epilepsia ausência da infância (descargas de espícula-onda generalizada com frequência de 3 Hz). Embora o eletrencefalograma deva ser realizado em todos os casos suspeitos de epilepsia, um exame normal não afasta o diagnóstico, pois, como já vimos, o diagnóstico é fundamentalmente clínico.

A utilidade do eletrencefalograma, para estabelecer a duração do tratamento e determinar o melhor momento para suspender as drogas antiepilépticas, é incerto. Em algumas síndromes epilépticas generalizadas idiopáticas como a epilepsia ausência da infância e a epilepsia mioclônica juvenil, eletrencefalogramas evolutivos podem ser utilizados na determinação do tempo de tratamento. Em pacientes com controle completo das crises e uso regular da medicação, não há necessidade de solicitar eletrencefalogramas com frequência. Nos casos de dúvida diagnóstica, deve-se indicar videomonitorização eletrencefalográfica, exame através do qual é registrada de forma simultânea a atividade elétrica cerebral e a imagem digital do paciente.

Exames de eletrencefalografia e de videomonitorização eletrencefalográfica devem ser realizados por médico especialista com treinamento específico. Exames interpretados erroneamente é um motivo frequente de tratamento medicamentoso desnecessário. A diferenciação entre padrões eletrográficos normais, padrões variantes da normalidade e padrões patológicos exige experiência.

Exames de neuroimagem devem ser realizados durante a investigação de todas as crianças com suspeita de epilepsia. Embora

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muitos centros permaneçam realizando rotineiramente tomografia de crânio, deve-se dar preferência para a ressonância magnética do encéfalo devido ao elevado número de casos de pequenas malformações do desenvolvimento e pequenas displasias corticais que podem não ser diagnosticadas pela tomografia. Lembrar que, mesmo lesões muito pequenas, às vezes imperceptíveis até mesmo aos exames de ressonância magnética, podem apresentar elevada epileptogenicidade.

Por fim, a escolha da melhor droga antiepiléptica depende de uma anamnese detalhada e criteriosa e de exames neurofisiológicos e de imagem adequados. A duração do tratamento varia conforme a etiologia, a síndrome epiléptica, a idade de início das crises e a refratariedade ao tratamento medicamentoso. Enquanto alguns pacientes serão medicados por 2 a 3 anos, outros receberão tratamento medicamentoso por toda a vida. A duração do tratamento e o prognóstico devem, a priori, ser discutidos com a família e com a criança caso essa tenha idade e condições mentais e intelectuais para compreender. Desde o início, é preciso que a família seja informada que o tratamento da epilepsia na infância é um processo geralmente longo, dinâmico e laborioso. A necessidade da correta adesão ao tratamento clínico deve ser discutida e reforçada em todas as consultas.

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Classificação das crises e síndromes epilépticas

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A classificação das crises e síndromes epilépticas vem sofrendo progressiva transformação, nas últimas décadas, devido ao aperfeiçoamento e surgimento de novas tecnologias destinadas à investigação diagnóstica no campo da neurologia, como a videomonitorização eletrencefalográfica, utilização de eletrodos semi-invasivos / invasivos e os exames de ressonância magnética estrutural e funcional.

Crises epilépticas parciais são aquelas que apresentam manifestações clínicas iniciais decorrentes da ativação anormal, excessiva e sincrônica de determinado grupo de neurônios cerebrais. Nas crises generalizadas a ativação neuronal anormal envolve amplas áreas de ambos os hemisférios cerebrais. A diferenciação entre crises focais simples e crises focais complexas é clínica e baseia-se no comprometimento ou rebaixamento do nível de consciência presente nas crises complexas.

Apresentaremos a seguir a evolução cronológica das principais classificações de crises e síndromes epilépticas.

Classificação de crises epilépticas da Liga Internacional Contra Epilepsia (ILAE, 1981)

1. Crises epilépticas parciais ou focais (CP)1.1. Crises parciais simples (CPS):

-Com sinais motores;-Com sinais sensitivos somatossensoriais ou especiais;-Com sinais ou sintomas autonômicos;-Com sintomas psíquicos.

1.2. Crises parciais complexas (CPC).

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1.3. Crises secundariamente generalizadas:-Início de CPS evoluindo para CPC;-Início de CPS, evoluindo para crise tônico-clônica generalizada;-Início de CPS, evoluindo para CPC e crise tônico-clônica generalizada;-Início de CPC, evoluindo para crise tônico-clônica generalizada.

2. Crises epilépticas generalizadas:-Crises tônico-clônicas generalizadas;-Crises de ausência;-Crises de ausência atípica;-Crises tônicas;-Crises clônicas;-Crises mioclônicas;-Crises atônicas.

3. Crises epilépticas não classificáveis:- Aquelas nas quais as informações disponíveis não permitem a classificação.

Classificação das epilepsias, síndromes epilépticas e distúrbios relacionados da Liga Internacional

Contra Epilepsia (ILAE, 1989)

1. Epilepsias e síndromes relacionadas com a localização1.1. Idiopáticas (início relacionado à idade):

-Epilepsia benigna da infância com descarga centrotemporal;-Epilepsia benigna da infância com paroxismos occipitais;-Epilepsia primária da leitura.

1.2. Sintomáticas:-Epilepsia parcial contínua progressiva crônica;-Síndromes com quadros específicos de manifestação clínica: Epilepsia do lobo frontal;

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Epilepsia do lobo temporal; Epilepsia do lobo parietal; Epilepsia do lobo occipital.

1.3. Criptogênicas

2. Síndromes e epilepsias generalizadas2.1. Idiopáticas (início relacionado à idade):

-Convulsão familiar neonatal benigna;-Convulsão neonatal benigna;-Epilepsia mioclônica benigna do lactente;-Epilepsia ausência da infância;-Epilepsia ausência juvenil;-Epilepsia mioclônica juvenil;-Epilepsia com crises tônico-clônicas ao despertar;-Outras epilepsias generalizadas idiopáticas;-Epilepsias precipitadas por fatores específicos.

2.2. Criptogênicas ou sintomáticas:-Síndrome de West;-Síndrome de Lennox-Gastaut;-Epilepsia com crises mioclôno-astáticas;-Epilepsia com ausências mioclônicas.

2.3. Sintomáticas:-Etiologia inespecífica: Encefalopatia mioclônica precoce; Encefalopatia epiléptica precoce com surto-supressão; Outras epilepsias generalizadas sintomáticas;-Síndromes específicas: Crises epilépticas decorrentes de outros estados patológicos.

3. Epilepsias e síndromes indeterminadas, focais ou generalizadas3.1. Com crises focais e generalizadas:

-Crises neonatais;-Epilepsia mioclônica severa da infância;-Epilepsia com ponta-onda contínua durante o sono lento;

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-Epilepsia-afasia adquirida;-Outras epilepsias indeterminadas.

3.2. Sem inequívocas características focais ou generalizadas

4. Síndromes especiais4.1. Crises circunstanciais:

-Convulsões febris;-Crises isoladas ou estado de mal epiléptico isolado;-Crises ocorrendo somente na vigência de alterações metabólicas;-Crises ocorrendo somente na vigência de alterações tóxicas.

Proposta de esquema diagnóstico para pessoas com crises epilépticas e epilepsia (ILAE, 2001)

A proposta de classificação de 2001 da ILAE consiste em 5 níveis ou eixos, visando facilitar e organizar o diagnóstico:Eixo I – refere-se à descrição semiológica dos fenômenos ictais propriamente ditos.Eixo II – refere-se ao tipo das crises epilépticas. Eixo III – refere-se à síndrome epiléptica.Eixo IV – refere-se à etiologia da crise ou da síndrome epiléptica.Eixo V – refere-se ao comprometimento biopsicossocial provocado pela crise ou síndrome epiléptica.

Tipo de crises epilépticas e fatores precipitantes para crises reflexas (Eixo II)

Crises epilépticas autolimitadas

Crises epilépticas generalizadas:-Crise tônico-clônica;-Crise tônico-clônica com início clônico;-Crise tônico-clônica com fase mioclônica;-Crise clônica sem manifestações tônicas;

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-Crise clônica com manifestações tônicas;-Crise de ausência típica;-Crise de ausência atípica;-Crise de ausência mioclônica;-Crise tônica;-Crise de espasmo epiléptico;-Crise mioclônica;-Crise de mioclonia maciça bilateral;-Crise de mioclonia palpebral sem ausência;-Crise de mioclonia palpebral com ausência;-Crise mioclôno-atônica;-Crise de mioclonia negativa;-Crise atônica;-Crise reflexa em síndromes epilépticas generalizadas;-Crise do neocórtex posterior;-Crise do lobo temporal neocortical.

Crises epilépticas focais-Crise focal sensorial com sintomas sensoriais;-Crise focal sensorial com sintomas de experiências;-Crise focal motora com sinais clônicos elementares;-Crise focal motora com sinais tônicos assimétricos;-Crise focal motora com automatismos típicos do lobo temporal;-Crise focal motora com automatismos hipercinéticos;-Crise focal motora com mioclomia negativa;-Crise focal motora inibitória;-Crise gelástica;-Crise hemiclônica;-Crise secundariamente generalizada;-Crise reflexa em síndromes epilépticas focais.Crises epilépticas contínuasEstado de mal epiléptico generalizado:-Estado de mal epiléptico tônico-clônico generalizado;

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-Estado de mal epiléptico clônico;-Estado de mal epiléptico de ausência;-Estado de mal epiléptico tônico;-Estado de mal epiléptico mioclônico.Estado de mal epiléptico focal:-Epilepsia parcial contínua de Kojeynikov;-Aura contínua;-Estado de mal epiléptico límbico (psicomotor);-Estado de mal epiléptico hemiconvulsivo com hemiparesia.

Crises epilépticas precipitadas por estímulos:-Estímulos visuais;-Sons musicais;-Alimentação;-Praxias;-Estímulos somatossensoriais;-Estímulos proprioceptivos;-Leitura;-Água quente;-Estímulos súbitos e inesperados.

Tipos de síndromes epilépticas e condições relacionadas (Eixo III)

-Epilepsia neonatal familiar benigna;-Encefalopatia mioclônica precoce;-Síndrome de Ohtahara;-Epilepsia com crises parciais migratórias da infância;-Síndrome de West;-Epilepsia mioclônica benigna da infância;-Epilepsia familiar benigna do lactente;-Epilepsia benigna não-familiar do lactente;-Síndrome de Dravet;-Síndrome de hemiconvulsão, hemiplegia e epilepsia;-Encefalopatia epiléptica mioclônica não-progressiva;

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-Epilepsia benigna da infância com descarga centro-temporal;-Epilepsia occipital benigna da infância de início precoce (Panayiotopoulos);-Epilepsia occipital benigna da infância de início tardio (Gastaut);-Epilepsia com ausências mioclônicas;-Epilepsia com crises mioclôno-astáticas;-Síndrome de Lennox-Gastaut;-Síndrome de Landau-Kleffner;-Epilepsia espícula-onda contínua do sono de ondas lentas;-Epilepsia ausência da infância;-Epilepsia mioclônica progressiva;-Epilepsia generalizada idiopática com fenótipos variados; -Epilepsia ausência da juventude; -Epilepsia mioclônica juvenil;

-Epilepsia com crise tônico-clônica generalizada exclusivamente;

-Epilepsias reflexas; -Epilepsia do lobo occipital idiopática fotossensível; -Epilepsia sensível a outros estímulos visuais; -Epilepsia primária da leitura; -Epilepsia de sobressalto (“startle”)-Epilepsia autossômica dominante noturna do lobo frontal;-Epilepsia familiar do lobo temporal;-Epilepsias focais sintomáticas ou provavelmente sintomáticas;-Epilepsias límbicas;

-Epilepsia do lobo temporal medial com esclerose hipocampal;-Epilepsia do lobo temporal medial com etiologia específica;-Outros tipos de epilepsias definidas por localização e etiologia;

- Epilepsias neocorticais; -Síndrome de Rasmussen;

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-Outros tipos de epilepsias definidas por localização e etiologia;

- Condições com crises epilépticas que não requerem diagnóstico de epilepsia; -Crises epilépticas neonatais benignas; -Crises febris; -Crises epilépticas reflexas; -Crises epilépticas desencadeadas por supressão de álcool; -Crises epilépticas induzidas por drogas; -Crises epilépticas únicas ou salva de crises epilépticas; -Crises epilépticas que recorrem muito raramente.

Exemplos de etiologia relacionados à epilepsia e síndromes epilépticas (Eixo IV)

Epilepsias mioclônicas progressivas: lipofuscinose ceróide neuronal, sialidose tipo I, doença de Lafora, doença de Unverricht-Lundborg (doença mioclônica báltica), epilepsia mioclônica com fibras vermelho rasgadas, distrofia neuro-axonal, doença de Gaucher, atrofia hereditária dentato-rubro-palidoluysiana, panencefalite esclerosante subaguda, entre outras.

Neuromesoectodermoses: esclerose tuberosa, angiomatose encefalotrigeminal, neurofibromatose tipo I, hipomelanose de Ito, angiomatose retinocerebelar, síndrome de Chediak-Higashi, síndrome de Bloch-Sulzberger (incontinência pigmentar), síndrome do nevus epidérmico, síndrome de DeSanctis-Cacchione (anteriormente denominada idiotia xerodérmica), entre outras.

Malformações do desenvolvimento cortical: esquizencefalia, lissencefalia (síndrome da lissencefalia ligada ao cromossomo X), paquigiria, heterotopias neuronais em geral, heterotopia em banda subcortical (córtex duplo), heterotopia nodular periventricular, displasia cortical focal, polimicrogiria, polimicrogiria focal bilateral, hemimegalencefalia, entre outras.

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Tumores cerebrais: astrocitoma, astrocitoma anaplásico, astrocitoma pilocítico, oligoastrocitoma misto, oligoastrocitoma anaplásico, glioblastoma multiforme, astrocitoma de células gigantes, xantoastrocitoma pleomórfico, oligodendroglioma, tumores de células ependimárias, gangliocitoma, ganglioblastoma, ganglioglioma anaplásico, tumor neuroepitelial disembrioplástico, neuroblastoma, entre outros.

Anormalidades cromossômicas: síndrome de Wolf-Hirschhorn (síndrome 4p-), síndrome do cromossomo 20 em anel, síndrome da trissomia 12p, síndrome de Down (trissomia do cromossomo 21), síndrome de Edwards (trissomia do cromossomo 18), síndrome do X-frágil, síndrome de Angelman, síndrome de Rett, determinadas síndromes com pautas autistas, entre as demais.

Erros inatos do metabolismo: doença de Sanfilippo, doença de Hunter, gangliosidose, lipofuscinose ceróide neuronal, leucodistrofia metacromática, doença de Krabbe, adrenoleucodistrofia, síndrome de Lesch-Nyhan, doença de Wilson, defeitos do ciclo da uréia, homocistinúria, desordens dos aminoácidos, defeitos envolvendo ácidos orgânicos, defeitos no metabolismo do piruvato e de outros carboidratos, doença de Menkes, síndrome de Zellweger, doença de Refsum, dependência de piridoxina, deficiência de glutamato-descarboxilase, defeitos metabólicos relacionados à biotina como a deficiência de biotinidase, deficiência de co-fator molibdênio, defeitos do transporte de elétrons a nível mitocondrial, doença de Tay-Sach, doença de Canavan, doença de Alexander, hiperglicinemia não-cetótica, acidemia propiônica, deficiência de sulfito-oxidase, deficiência de frutose 1-6 difosfato, fenilcetonúria, doença do xarope do Bordo (leucinose), desordens no metabolismo do ácido fólico, alterações congênitas no metabolismo da vitamina B 12, doença de De Vivo (síndrome relacionada à deficiência no transportador de glicose tipo 1), deficiência de fumarase, entre tantas.

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Classificação das crises epilépticas neonatais (Volpe, 1989)

1. Crises sutis, mínimas ou fragmentadas. São as de diagnóstico mais difícil. Podem ser representadas

por eventos paroxísticos de deglutição, movimentos mastigatórios, movimentos labiais, de pedalar, de nadar, alterações da frequência cardíaca (geralmente taquicardia), alteração paroxística da coloração da pele, face pletórica ou pálida, cianose facial ou labial, alteração da pressão arterial, posturas anormais de membros e desvios tônicos dos olhos.

2. Crises tônicas focais. Caracterizadas por aumento do tônus muscular dos membros

superiores ou inferiores, frequentemente associadas a desvio tônico dos olhos. Podem ser acompanhadas por fenômenos autonômicos como a cianose e por apnéia. Durante a crise é comum que ocorra componente clônico discreto ou tremor de membros.

3. Crises tônicas generalizadas. Caracterizadas por aumento do tônus muscular dos quatro

membros, de forma simétrica ou assimétrica. No período neonatal, muito raramente correspondem a fenômenos epilépticos verdadeiros. Quando não apresentam natureza epiléptica, podem estar relacionados a posturas de decorticação ou de descerebração. Quando de natureza epiléptica, podem ocorrer em pacientes prematuros com hemorragia cerebral, encefalopatias hipóxico-isquêmicas e extensas malformações cerebrais.

4. Crises clônicas. São as crises mais frequentemente observadas no período

neonatal. Podem ser focais, quando restritas a um membro

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ou a um segmento, e multifocais, quando migram de um membro para outro e de um dimídio para outro. As clonias, geralmente, envolvem a musculatura facial e fenômenos autonômicos podem estar associados durante crises de maior duração. É possível também indicar etiologia sintomática como hemorragias, lesões isquêmicas ou doenças sistêmicas de causa metabólica.

5. Crises mioclônicas. Podem ser generalizadas ou multifocais e estar associadas

a outros tipos de crises, particularmente as crises tônicas focais e generalizadas. Geralmente indicam patologia neurológica grave e tendem a evoluir para encefalopatias epilépticas como a síndrome de West. Sempre devem levantar a hipótese de um recém-nascido gravemente enfermo do ponto de vista neurológico. É fundamental diferenciar as crises epilépticas mioclônicas das mioclonias benignas do sono do recém-nascido neurologicamente normal.

Classificação das crises epilépticas neonatais (Mizrahi e Kellaway, 1987)

Segundo essa classificação, os eventos paroxísticos neonatais são classificados em eventos de natureza epiléptica e de natureza não epiléptica, sendo estes últimos representados por fenômenos de liberação de tronco encefálico e reflexos patológicos.

1. Crises com correlação eletrográfica consistente:a. Crises clônicas focais:

-unifocal;-multifocal;-hemiconvulsão;-axial.

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b. Crises mioclônicas:-focal;-generalizada.

c. Crises tônicas focais:-crises com flexão assimétrica do tronco;-crises com desvio dos olhos.

d. Crises de apnéia.

2. Crises não relacionadas ou com relação inconsistente com descargas:

a. Automatismos motores:-movimentos linguais, labiais, mandibulares;-sinais oculares;-movimentos progressivos (pedalar, nadar);-movimentos complexos.

b. Crises tônicas generalizadas.c. Crises mioclônicas.

3. Espasmos infantis.4. Crises eletrográficas não acompanhadas por manifestações clínicas.

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Crise Convulsiva Febril

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Introdução

Convulsão febril é um dos problemas neurológicos observados com maior frequencia na população pediátrica e estima-se que de 2 a 5% das crianças, neurologicamente saudáveis, apresentarão pelo menos um episódio de convulsão febril durante a infância.

Diversas definições foram propostas podendo, atualmente, ser entendida como “um evento clínico restrito à infância, mais frequentemente ocorrendo entre 3 meses e 5 anos, quando na presença de febre, sem evidências de infecção do sistema nervoso central ou doença neurológica aguda, estando excluídas crianças com crises epilépticas afebris anteriores e crises neonatais. Recentemente, a Liga Internacional Contra Epilepsia (ILAE - International League Against Epilepsy) atualizou a definição de convulsão febril, mantendo os conceitos já citados e acrescentando a idade mínima para primeira crise a partir de 30 dias de vida. Apesar da definição estabelecer uma faixa etária específica, algumas crianças permanecem com convulsões febris após os 5 anos de idade.

As crises geralmente ocorrem em associação com infecções virais das vias aéreas superiores, infecções pulmonares, intestinais e do trato urinário, sendo as crises associadas à febre decorrente de imunizações, também consideradas convulsão febril.

A fisiopatologia desses eventos críticos apoia-se em três pontos fundamentais: faixa etária, presença de febre e predisposição genética. Sabidamente, o cérebro imaturo apresenta especial predisposição para crises epilépticas devido ao desequilíbrio entre mecanismos excitatórios e inibitórios. Estudos epidemiológicos indicam maior incidência de epilepsia em familiares da criança com convulsão febril, sugerindo que fatores genéticos estejam envolvidos, embora um modelo de herança ainda não tenha sido identificado.

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As convulsões febris são classificadas em simples e complicadas, também denominadas complexas. A primeira tem apresentação generalizada, duração inferior a 15 minutos e não recorre em menos de 24 horas, enquanto a segunda tem duração superior a 15 minutos ou apresenta uma ou mais recorrências nas primeiras 24 horas ou tem início focal. Ressaltamos que a presença de somente um destes aspectos é suficiente para alterar a classificação de convulsão febril simples para complexa.

Apesar de discutido há muitos anos, o risco de crianças com convulsão febril evoluírem com epilepsia no futuro permanece controverso. Aparentemente, mesmo as crianças com convulsão febril simples apresentam risco discretamente maior para evoluírem com crises epilépticas afebris recorrentes quando comparadas com a população geral. Quanto ao risco de recorrência, aproximadamente um terço das crianças que apresentam o primeiro episódio de convulsão febril apresentarão um segundo evento. Estima-se que metade das crianças que apresentam um segundo episódio de convulsão febril, terão um terceiro evento, e o risco de recorrência passa a ser em torno de 70 a 80%.

Primeira convulsão febril abaixo de 18 meses de idade representa o principal fator de risco para recorrência. Se a primeira crise febril ocorre abaixo de 12 meses de vida, o risco de recorrência é em torno de 50 a 60%. Outros fatores de risco para recorrência da convulsão febril são: (1) parente de primeiro grau com epilepsia idiopática; (2) parente de primeiro grau com histórico de crise convulsiva febril; (3) crise desencadeada por febre baixa e (4) primeira convulsão febril do tipo complexa.

Estudos que avaliam a evolução das crianças com crises convulsivas febris demonstram tratar-se de uma entidade benigna e, mesmo nos casos do chamado estado de mal epiléptico febril (crises convulsivas febris com duração superior a 30 minutos), muito raramente são relatadas sequelas neurológicas.

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Investigação neurológica da convulsão febril

O diagnóstico da convulsão febril é essencialmente baseado em dados clínicos, embora exames laboratoriais complementares estejam indicados na identificação do foco infeccioso.

A Academia Americana de Pediatria, em consenso publicado em 1996, sugere que a punção lombar para coleta do líquido cefalorraquidiano seja “fortemente” considerada em crianças abaixo de 12 meses, após a primeira convulsão febril, nas quais as manifestações da meningite podem não estar presentes, e naquelas entre 12 e 18 meses de vida, nas quais essas manifestações podem ser incertas. Em pacientes acima de 18 meses, com primeiro episódio de convulsão febril, a punção lombar não deve ser realizada rotineiramente, mas, sim, mediante a observação clínica de sinais e sintomas sugestivos de infecção do sistema nervoso central. Lembrar que o uso de antibióticos pode mascarar manifestações clínicas de meningite, devendo ser um aspecto analisado no momento de decidir pela coleta do líquido cefalorraquidiano.

Autores mais conservadores acreditam que a punção lombar não deva ser realizada rotineiramente, e sim, guiada pela suspeita clínica frente à observação de quadro sugestivo de meningite, mesmo nos menores de 1 ano.

Embora estas orientações sejam úteis para auxiliar o médico, que atende uma criança no pronto socorro que apresentou a primeira convulsão febril, a decisão final sobre coletar ou não o líquor baseia-se, fundamentalmente, na experiência clínica do médico que assiste a criança.

Exames de sangue, como hemograma, hemocultura, eletrólitos e outros, não devem ser realizados rotineiramente, mas, sim, em casos específicos conforme indicação e necessidade clínica. Estes exames são dirigidos à busca do foco infeccioso, não fazendo parte da investigação rotineira da convulsão febril.

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Eletrencefalograma

O eletrencefalograma tem valor limitado na investigação das convulsões febris, uma vez que não contribui efetivamente para o diagnóstico e conduta. Seu valor quanto à avaliação prognóstica não está completamente estabelecido, embora muitos autores julguem desnecessária sua realização rotineira.

Ao contrário do que se imaginava anteriormente, quando indicado, o eletrencefalograma deve ser realizado o mais precocemente possível, de preferência nas primeiras 24 horas que se seguem ao evento. Sabidamente, quanto mais precocemente realizado maior a chance de serem observadas as alterações eletrográficas, como alentecimentos focais e descargas epileptogênicas.

Se a presença de alterações no eletrencefalograma aumentaria o risco da criança com convulsão febril evoluir com epilepsia, é assunto incerto.

A Academia Americana de Pediatria recomenda que o eletrencefalograma não seja realizado após o primeiro episódio de convulsão febril simples, por não contribuir para o diagnóstico e nem apresentar relação com o prognóstico quanto à recorrência ou a evolução para epilepsia. Mesmo nas crianças com convulsão febril complexa, o eletrencefalograma não deve ser utilizado isoladamente como índice prognóstico para o desenvolvimento de epilepsia.

Exames de neuroimagem

Em decorrência da natureza benigna das convulsões febris, há poucos estudos avaliando um grande número de crianças através de exames de neuroimagem como a tomografia de crânio e a ressonância magnética do encéfalo.

A Academia Americana de Pediatria preconiza que exames de neuroimagem não sejam realizados rotineiramente em crianças com convulsões febris simples. Apesar de assunto ainda controverso,

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exames de neuroimagem são, frequentemente, incluídos na investigação de crianças com convulsão febril complicada.

A indicação ou não de um exame de neuroimagem deve sempre levar em consideração a experiência do médico pediatra ou neuropediatra responsável pela criança e, sobretudo, o exame neurológico realizado de forma minuciosa. Qualquer alteração clínica observada durante o exame neurológico justifica a realização de exame de imagem para avaliar a integridade do córtex cerebral.

Tratamento

O tratamento da convulsão febril deve ser estabelecido em 3 níveis: orientação familiar, tratamento da fase aguda e profilaxia da recorrência das crises.

Orientação familiar

A orientação familiar deve ser detalhada, de modo que os pais entendam o caráter benigno da doença, embora devam estar cientes de que a recorrência da crise pode ocorrer em um número considerável de casos. O controle rigoroso da temperatura deve ser ressaltado como o principal aspecto no controle da recorrência. Embora se trata de uma doença neurológica benigna, a consulta médica da criança com convulsão febril benigna da infância costuma ser longa e laboriosa, uma vez que as crises ocorrem em crianças neurologicamente normais, representando um evento totalmente inesperado para os pais e demais familiares.

Tratamento da fase aguda

Na fase aguda da convulsão febril, a criança deve ser medicada como em qualquer outra situação de emergência envolvendo crises epilépticas, embora a grande maioria dos pacientes chegue ao pronto-socorro após o término da crise e já com recuperação neurológica completa.

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No momento da admissão hospitalar, a temperatura deve ser imediatamente aferida, sendo indicado controle da febre através de meios físicos (compressas) e antitérmicos. Na vigência da convulsão febril, o tratamento com drogas antiepilépticas de resgate (que visam interromper a crise convulsiva em curso) segue o mesmo esquema das crises epilépticas que ocorrem sem febre (vide capítulo do protocolo de tratamento do estado de mal epiléptico).

Os casos devem ser avaliados individualmente, embora crianças neurologicamente saudáveis, com rápida recuperação da consciência e sem déficits neurológicos focais, podem não necessitar de internação hospitalar após uma primeira convulsão febril. Nos casos em que o paciente chega ao hospital em crise na vigência de febre, sendo necessária a administração de drogas antiepilépticas endovenosas, a observação hospitalar por algumas horas pode trazer segurança para a família e para o médico assistente.

Tratamento profilático

Quando falamos em tratamento profilático, referimo-nos ao uso contínuo de medicações antiepilépticas no sentido de reduzir o risco da criança apresentar recorrência da crise. O melhor momento para indicar o início do tratamento com droga antiepiléptica contínua é assunto bastante controverso.

Na prática, a indicação de tratamento contínuo baseia-se muito na experiência pessoal do médico. O uso contínuo de fenobarbital apresenta os inconvenientes dos efeitos colaterais relacionados à droga, destacando-se a sonolência, náuseas, vômitos, alterações do humor (algumas crianças apresentam grande irritabilidade sendo necessário suspender o medicamento) e queda no rendimento escolar, quando utilizado em criança mais velha. O decréscimo do coeficiente de inteligência relacionado ao uso prolongado do fenobarbital é demonstrado em alguns estudos e refutado por outros. Por outro lado, o fenobarbital tem efeitos colaterais amplamente conhecidos devido ao longo tempo de uso, o que o torna mais seguro.

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A profilaxia com valproato de sódio também apresenta riscos relacionados aos seus efeitos colaterais, como náuseas, vômitos, ganho de peso, alteração de textura e coloração dos cabelos (podem se tornar mais claros e ondulados) e alterações sanguíneas. A hepatite desencadeada pelo valproato de sódio, embora um efeito relativamente raro, é potencialmente grave e fatal, particularmente em crianças pequenas. O acompanhamento regular com exames de sangue previne quadros de hepatite e pancreatite induzidos por esse medicamento.

A administração de benzodiazepínicos de forma intermitente (somente nos períodos de infecção e febre) é o tratamento de escolha em muitos casos, na tentativa de evitar os efeitos colaterais indesejáveis relacionados ao uso contínuo de medicamentos, como o fenobarbital e o valproato de sódio. Embora haja diferentes esquemas, habitualmente indicamos que logo no primeiro dia de febre a criança comece a receber o benzodiazepínico por via oral e que permaneça recebendo esta medicação até 24 horas após o término da febre.

A orientação familiar quanto à necessidade do controle rigoroso da temperatura permanece como o aspecto mais importante do tratamento, uma vez que mesmo na vigência de profilaxia com fenobarbital ou valproato de sódio ou da administração intermitente de benzodiazepínicos (como o diazepam, clonazepam, nitrazepam), a recorrência da convulsão febril é relativamente frequente. Não há dúvida de que o uso contínuo de fenobarbital ou valproato de sódio reduzem a frequência de convulsões febris em crianças predispostas. Por outro lado, não há evidências na literatura que comprovem cabalmente que a profilaxia contínua reduza o risco de desenvolvimento de epilepsia.

Convulsão febril e epilepsia do lobo temporal

Existe íntima relação entre crise convulsiva febril complexa na infância e epilepsia do lobo temporal por esclerose medial, o tipo

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mais frequente de epilepsia nos adultos. Embora a relação entre essas duas entidades seja demonstrada por inúmeros trabalhos populacionais, há dúvidas quanto aos aspectos fisiopatológicos dessa associação. Há três teorias a respeito:

As crianças nasceriam com alterações anatômicas das estruturas 1. mediais do lobo temporal, particularmente do hipocampo, as quais se manifestariam através de convulsões febris na infância e da epilepsia do lobo temporal na vida adulta.As crianças nasceriam com alterações anatômicas das estruturas 2. mediais do lobo temporal, as quais seriam agravadas por crises convulsivas febris, na infância, o que provocaria a epilepsia temporal medial nos adultos.As crianças nasceriam com as estruturas mediais do lobo 3. temporal normais e essas seriam lesadas pela ocorrência de convulsões febris, o que provocaria o surgimento da epilepsia do lobo temporal medial nos adultos.

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As principais síndromes epilépticas da infância

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Epilepsia neonatal familiar benigna

Descrita por Rett e Teubel em 1964, a epilepsia neonatal familiar benigna está classificada entre as epilepsias e síndromes epilépticas idiopáticas generalizadas, segundo a Liga Internacional Contra Epilepsia (ILAE, 1989). Trata-se de uma síndrome rara, de herança autossômica dominante, sendo seu diagnóstico dependente da exclusão de causas sintomáticas comuns no período neonatal como a asfixia, malformações do desenvolvimento cortical, lesões cerebrais decorrentes de traumatismo antes ou durante o trabalho de parto, entre outras. Didaticamente, a literatura genética especializada costuma subdividir a epilepsia neonatal familiar benigna em síndrome EBN1 (gene KCNQ2 e locus 20q13.3) e síndrome EBN2 (gene KCNQ3 e locus 8q24).

Em, aproximadamente, 80% dos casos, as crises epilépticas têm início entre o segundo e o terceiro dia de vida. A maior parte das crianças apresenta exame neurológico normal entre as crises, embora algumas possam desenvolver discreta hipotonia e leve atraso do desenvolvimento neuropsicomotor no primeiro ano de vida. Por se tratar de uma síndrome epiléptica rara, a semiologia das crises não é totalmente conhecida, podendo ocorrer crises clônicas, crises de apnéia com fenômenos autonômicos, crises clônicas envolvendo a musculatura facial e os músculos periorbitais. Crises tônicas focais ou generalizadas assimétricas podem ocorrer de forma menos frequente. Uma fase tônica generalizada inicial é relativamente comum. As crises costumam ter curta duração, geralmente inferior a três ou cinco minutos. Alguns pacientes apresentam crises recorrentes com certa frequência, enquanto outros têm crises raras.

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Os aspectos eletrencefalográficos são inespecíficos, podendo ser absolutamente normais no período interictal. Grafoelementos sugestivos de paroxismos epileptiformes do tipo espícula ou espícula-onda são descritos, enquanto achados sugestivos de encefalopatias epilépticas como o padrão de surto-supressão e acentuada desorganização da atividade de base não são relatados nesses casos. Nos raros relatos em que foi possível obter um registro ictal na epilepsia neonatal familiar benigna, as crises registradas apresentaram zona de início ictal generalizada.

Exames de neuroimagem devem ser realizados obrigatoriamente com o objetivo de afastar etiologias sintomáticas.

O diagnóstico diferencial deve ser estabelecido com epilepsia neonatal não familiar (epilepsia neonatal idiopática benigna), epilepsias sintomáticas do período neonatal, eventos de natureza não epiléptica como tremores, mioclonias não epilépticas, sinais de liberação piramidal, hiperecplexia, entre outros.

O tratamento deve ser realizado, preferencialmente, com fenobarbital ou valproato de sódio, por curto período de tempo. Na maioria das crianças, a administração oral da droga antiepiléptica por seis meses é o suficiente.

O prognóstico tende a ser muito bom, sendo relatado casos de crise convulsiva febril em torno de 5% dos pacientes e evolução para epilepsia em cerca de 10 a 15% dos casos. Não há relatos de atraso acentuado do desenvolvimento neuropsicomotor ou de evolução com retardo mental.

Epilepsia neonatal não familiar

Também denominada epilepsia neonatal idiopática benigna ou “crises do quinto dia”, foi descrita por Dehan e colaboradores, em 1977, e se encontra classificada entre as epilepsias e síndromes epilépticas idiopáticas generalizadas, segundo a Liga Internacional Contra Epilepsia (ILAE, 1989). Trata-se de uma síndrome epiléptica rara e com leve predomínio no sexo masculino.

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Em 100% dos casos, a primeira crise epiléptica ocorre na primeira semana de vida. O termo “crises do quinto dia” deve-se ao fato de que em torno de 95% das vezes a primeira crise ocorre entre o quarto e o sexto dia de vida.

Semiologicamente, os eventos iniciais são descritos como crises clônicas unilaterais, apnéias e, de forma ocasional, com fenômenos tônicos focais ou generalizados. As crises podem ser de curta duração, embora seja frequente a evolução para crises longas ou mesmo para estado de mal epiléptico.

O exame neurológico geralmente é normal entre as crises, embora algumas crianças possam permanecer com hipotonia discreta e leve alteração da motricidade nos primeiros anos de vida. Crises epilépticas longas e casos de estado de mal epiléptico podem ser seguidos por regressão transitória do desenvolvimento neuropsicomotor.

O eletrencefalograma tem achados inespecíficos, podendo apresentar-se normal entre as crises, com paroxismos epileptiformes focais ou mesmo multifocais. Ritmo teta alternante, de caráter monomórfico, ora de forma síncrona ora assíncrona, pode ser encontrado em alguns pacientes. O exato significado, tanto no diagnóstico como no prognóstico, desse ritmo nessa síndrome epiléptica é incerto.

Exames de neuroimagem devem ser realizados obrigatoriamente com o objetivo de afastar etiologias sintomáticas.

O diagnóstico diferencial deve ser estabelecido com epilepsia neonatal familiar benigna, epilepsias sintomáticas, eventos de natureza não epiléptica como tremores, mioclonias não epilépticas, sinais de liberação piramidal, hiperecplexia, entre outros.

Nos casos de crises recorrentes, o tratamento pode ser realizado através da administração oral de fenobarbital. Há relatos de pacientes que necessitaram de politerapia.

Encefalopatia mioclônica precoce

Também denominada encefalopatia mioclônica neonatal, foi descrita pela primeira vez em 1978, e está classificada entre as

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epilepsias e síndromes epilépticas generalizadas sintomáticas segundo a Liga Internacional Contra Epilepsia (ILAE, 1989).

Corresponde a uma grave encefalopatia epiléptica rara, porém com incidência desconhecida em nosso meio, que afeta ambos os sexos indistintamente, caracterizada clinicamente por crises epilépticas de difícil controle medicamentoso do tipo mioclonias fragmentadas (envolvendo um segmento corporal, um membro, músculos faciais ou podem ser restritas às pálpebras) e mioclonias maciças (bilaterais e geralmente envolvendo os quatro membros de forma simultânea). As crises têm início bastante precoce, geralmente nos primeiros dias ou mesmo nas primeiras horas de vida e tendem a ser muito frequentes ou mesmo contínuas, inclusive, permanecendo durante o sono do recém nascido. Podem ocorrer, ainda, crises parciais simples com manifestações clônicas, crises tônicas generalizadas, crises tônicas focais e espasmos. Desvios tônicos do olhar para cima podem representar crises epilépticas isoladas, embora em muitos casos estejam associados a espasmos epilépticos simultâneos. Crises epilépticas com fenômenos autonômicos são observadas com relativa frequência, destacando-se apneias, rubor facial e cianose labial paroxística.

Embora a literatura classicamente relacione a encefalopatia mioclônica precoce a quadros de distúrbios metabólicos, particularmente a hiperglicinemia não-cetótica, a maioria dos casos decorre de lesões cerebrais estruturais graves e extensas, quer de etiologia congênita quer adquirida. Embora se trate de uma doença de baixa incidência na população geral, todas as crianças com esse diagnóstico devem ser submetidas à coleta de líquido cefalorraquidiano, uma vez que a hiperglicinemia não-cetótica é confirmada pelo aumento dos níveis de glicina no líquor.

A maior parte das crianças apresenta exame neurológico francamente anormal já ao nascimento, embora algumas possam ser normais nos primeiros dias de vida. De todo modo, a deterioração neurológica é precoce e acelerada, sendo estimada taxa de mortalidade ao redor de 50% até o final do primeiro ano

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de vida. As crianças que sobrevivem aos dois primeiros anos de vida evoluem para estado vegetativo persistente, com pouca ou nenhuma interação social e familiar, comprometimento motor extenso e retardo mental profundo.

O diagnóstico clínico deve ser confirmado pelo traçado típico no eletrencefalograma denominado “padrão de surto-supressão”. Durante a vigília e as fases de sono, são observadas frequentes descargas de morfologia variada, e de média a elevada voltagem, como ondas agudas, espículas e espícula-onda em projeção generalizada e intercaladas por períodos de intensa depressão de amplitude (períodos de supressão da atividade elétrica cerebral). Esse padrão eletrencefalográfico, fortemente sugestivo da encefalopatia mioclônica precoce, será substituído de forma evolutiva, entre o quarto e o sexto mês de vida, por outro padrão patológico como descargas multifocais de morfologia variada ou hipsarritimia.

Quanto ao tratamento clínico, não há drogas antiepilépticas em especial indicadas, uma vez que se trata de uma forma refratária de síndrome epiléptica. Embora já tenha sido indicado uso de fenobarbital, ACTH e corticóides, nenhuma dessas medicações parece alterar o curso maligno da síndrome.

Encefalopatia epiléptica infantil com surto-supressão

Descrita pela primeira vez por Ohtahara e colaboradores, em 1976, essa encefalopatia epiléptica está classificada entre as epilepsias generalizadas sintomáticas, segundo a Liga Internacional Contra Epilepsia (ILAE, 1989).

As crises epilépticas têm início sempre nos primeiros três meses de vida, embora na grande maioria dos casos, iniciem-se já nos primeiros dias de vida. Embora outros tipos de crises epilépticas possam estar presentes, destacam-se, por sua elevada frequência, as crises tônicas ora com posturas flexoras ora extensoras. Crises parciais simples com clonias e espasmos também podem estar presentes. Crises mioclônicas não são observadas, sendo um critério

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rotineiramente utilizado para estabelecer o diagnóstico diferencial entre a encefalopatia epiléptica infantil com surto-supressão e a encefalopatia mioclônica precoce, já que os demais achados clínicos (semiologia das crises epilépticas) e eletrencefalográficos são muito semelhantes.

A etiologia é muito variada, embora a maioria dos casos esteja relacionada à lesão cerebral estrutural grave como isquemias extensas, malformações cerebrais, distúrbios de migração ou de proliferação neuronal, malformações do desenvolvimento cortical de modo geral, agenesia ou disgenesia do corpo caloso, entre muitas outras causas.

Parte das crianças apresenta exame neurológico normal nos primeiros dias de vida, mas acabam sofrendo rápida deterioração cognitiva e motora. As crises tendem a aumentar em frequência e intensidade com o passar das semanas após o nascimento, e o óbito ocorre em aproximadamente metade dos casos durante o primeiro ano de vida.

O eletrencefalograma é caracterizado por padrão de surto-supressão, verdadeiramente indistinto do padrão eletrográfico da encefalopatia mioclônica precoce, e que evolui após alguns meses para descargas multifocais de morfologia variada (ondas agudas, espículas, espícula-onda, poliespículas) ou hipsarritimia. Depois de alguns meses de evolução da síndrome, alguns pacientes passam apresentar no eletrencefalograma o denominado ritmo recrutante epiléptico e as descargas podem tornar-se assíncronas, ocorrendo de forma absolutamente independente entre os hemisférios cerebrais.

Alguns autores sugerem a utilização de fenobarbital, embora o controle completo das crises epilépticas seja uma rara exceção. ACTH pode reduzir a frequência e intensidade das crises em 10 a 20% dos casos. Em alguns pacientes, procedimentos neurocirúrgicos podem trazer algum benefício no controle das crises refratárias.

O prognóstico é reservado em todos os casos. O controle das crises raramente é obtido mesmo com politerapia com drogas antiepilépticas. As crianças que sobrevivem após o primeiro ano de

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vida já passam a apresentar sinais muito evidentes de deterioração neurológica tanto do ponto de vista motor como cognitivo. Aproximadamente, metade dos lactentes com encefalopatia epiléptica infantil precoce vai evoluir para a síndrome de West e perto de um terço dessas crianças evoluirão para a síndrome de Lennox-Gastaut.

Epilepsia parcial maligna da infância com foco migratório

Trata-se de uma forma rara de epilepsia cujas crises iniciam nos primeiros meses de vida, afetando igualmente ambos os sexos.

Semiologicamente, as crises são caracterizadas por clonias em um membro ou em um dimídio. Generalização secundária é frequente e muitas crises são acompanhadas por fenômenos autonômicos, desvios tônicos dos olhos e desvio do segmento cefálico. Nas crianças maiores, as crises podem iniciar com clonias focais, evoluindo para clonias em um dimídio e para crise tônico-clônica generalizada.

Entre as crises, as crianças tendem a ser hipotônicas e sonolentas. Quanto maior a frequência das crises, mais acentuado o atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Os casos mais severos são acompanhados por sinais de liberação piramidal, distúrbios de movimento e microcefalia.

O eletrencefalograma interictal pode ser, inicialmente, normal, mas com a evolução torna-se lento e desorganizado. Descargas de espículas multifocais durante a vigília e o sono são registradas em mais da metade dos pacientes. O eletrencefalograma ictal demonstra crises consecutivas com diferentes zonas de início ictal, o que é o achado eletrográfico patognomônico da síndrome.

As crises costumam ser de difícil controle medicamentoso, estando indicado fenobarbital, carbamazepina ou oxcarbazepina, valproato ou divalproato de sódio e, nos casos refratários, associação com benzodiazepínicos.

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Epilepsia mioclônica benigna do lactente

Trata-se de uma forma muito rara de epilepsia cujas crises são mioclonias que podem comprometer os quatro membros e, menos frequentemente, o segmento cefálico. É possível ocorrer eventos como espasmos dos membros superiores isolados ou associados à flexão do tronco e queda da cabeça. Embora o prognóstico seja bom, as crises podem aumentar em frequência e intensidade nos primeiros meses.

É uma síndrome epiléptica mais frequente no sexo masculino. Aproximadamente em um terço dos pacientes há histórico familiar de epilepsia ou de crise convulsiva febril. Quando familiares de primeiro ou de segundo grau são epilépticos, as formas mais frequentes são as epilepsias idiopáticas focais e generalizadas.

O eletrencefalograma costuma apresentar atividade de base normal e paroxismos epileptogênicos do tipo espícula-onda ou poliespícula-onda em projeção generalizada. Espículas focais podem ser observadas. Exames de neuroimagem devem ser normais para que o diagnóstico possa ser estabelecido.

O prognóstico tende a ser favorável e a maior parte das crianças responde a drogas antiepilépticas tradicionais.

Síndrome de West

A primeira descrição da síndrome de West deve-se à W. J. West que, no ano de 1841, descreveu o caso do próprio filho, através de um relato dramático a Lancet, referindo-se a um tipo particular de síndrome epiléptica que comprometia, de preferência, o lactente. Vasquez e Turner (1951) caracterizaram essa síndrome como uma forma especial de epilepsia, associada à deterioração mental e alteração das características do eletrencefalograma. No ano seguinte, Gibbs e Gibbs (1952) definiram a alteração eletrencefalográfica como padrão de hipsarritimia, termo que deriva do grego e significa “alto” ou “elevado”. Gastaut e colaboradores (1964) definiram a atual

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tríade aceita na caracterização da síndrome: deterioração mental, espasmos infantis e hipsarritimia.

Diversas denominações foram historicamente propostas para designar a síndrome de West, como epilepsia em flexão generalizada, encefalopatia mioclônica infantil com hipsarritimia, espasmos saltatórios, encefalopatia da primeira infância com disritmia maior, espasmos infantis com hipsarritimia e tiques de Salaam.

Há predomínio no sexo masculino e a incidência varia de 1,4% a 2,5% das epilepsias da infância. A etiologia pode ser determinada em, aproximadamente, 75% dos casos, sendo a asfixia perinatal, malformações congênitas do sistema nervoso central e a esclerose tuberosa as causas mais frequentes. Em torno de dois terços dos casos de síndrome de West, são relacionados a fatores pré-natais. Formas sintomáticas costumam apresentar início mais precoce, sendo que início de crises antes do terceiro mês de vida é indicativo de pior prognóstico neurológico.

Aproximadamente, 95% das crianças portadoras da síndrome de West apresentam deterioração mental evolutivamente. Os 5 % restantes são os casos de diagnóstico precoce e que responderam de forma adequada à terapêutica.

O eletrencefalograma é característico da síndrome, sendo constituído pelo padrão interictal de hipsarritimia: ritmo caótico composto pela sobreposição de paroxismos epileptiformes de morfologia variada como ondas agudas, espículas e poliespículas mesclados por ondas lentas na faixa delta de elevada voltagem (normalmente acima de 200 �V). Os surtos de descargas podem apresentar acentuação em regiões posteriores, mas logo em seguida voltam a mostrar projeção generalizada ou multifocal. É caracetrística a falta de concordância de fase nos surtos de descargas. Os momentos em que a hipsarritimia pode ser registrada em sua forma mais clássica são as fases iniciais do sono não REM. Embora se trate de um aspecto interictal “clássico”, Hrachovy e colaboradores descreveram cinco variedades denominadas “hipsarritimia modificada”: (1) hipsarritimia com aumento da

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sincronização inter-hemisférica, (2) hipsarritimia assimétrica, (3) hipsarritimia com anormalidades focais consistentes, (4) hipsarritimia com episódios de atenuação de voltagem generalizada e (5) hipsarritimia com atividade lenta bilateral de elevada voltagem e assíncrona. Os padrões ictais relacionados às crises de espasmos são diversos, destacando-se: (1) depressão de voltagem generalizada, (2) surto de ondas lentas na faixa delta de elevada amplitude e (3) atividade rápida e rítmica (“spindle-like”). Muitas crises de espasmos tendem a iniciar com uma única ou com uma salva de ondas lentas na faixa delta.

Exames de neuroimagem como a tomografia computadorizada, ressonância magnética do encéfalo, tomografia por emissão de pósitrons e a tomografia por emissão de fótons são exames que podem ser utilizados na investigação etiológica.

O tratamento da síndrome de West é complexo e depende de aspectos relacionados à etiologia. Sorel e Dusausy (1958) foram os primeiros a descreverem resultados satisfatórios com o uso de ACTH. Embora seja uma das medicações mais utilizadas no tratamento dessa encefalopatia epiléptica, seu uso pode provocar frequentes e graves efeitos colaterais, como hipertensão arterial sistêmica, alteração sérica de eletrólitos, infecções sistêmicas secundárias a imunossupressão transitória, osteoporose e hiporresponsividade adrenocortical. A prednisona é um corticosteróide que pode ser utilizado na síndrome de West, embora sua eficácia seja variável e individualizada. Inicialmente, parece ter eficácia semelhante ao ACTH, apesar de a médio e longo prazo, apresentar maior índice de recorrência das crises.

Os japoneses têm grande experiência com o uso de piridoxina, sendo considerada droga de primeira escolha na síndrome de West por muitos autores japoneses. Há, também, muitos relatos de bons resultados com a associação de piridoxina e valproato de sódio. Jeavons (1985) foi o primeiro a

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relatar os efeitos do ácido valpróico na redução da frequência e intensidade dos espasmos infantis. Os benzodiazepínicos são utilizados com algum sucesso no controle das crises, mas sem melhora nas aquisições cognitivas e psicomotoras. A vigabatrina, apesar de seu efeito indesejável alterando o campo visual, costuma ser uma medicação bem tolerada pela maioria das crianças e continua sendo droga de primeira linha no tratamento da síndrome de West. Nos casos secundários à esclerose tuberosa, a vigabatrina é sempre a medicação de primeira escolha. Nos casos refratários às medicações habituais, podem ser indicados: topiramato, lamotrigina, sultiame, imunoglobulinas endovenosas e dieta cetogênica. Casos rigorosamente selecionados podem se beneficiar de tratamento cirúrgico, sobretudo aqueles com exames neurofisiológicos e de neuroimagem compatíveis com lesão estrutural focal. A despeito do tratamento adequado, a morbidade neurológica da síndrome de West é elevada e a mortalidade em torno de 5%.

Figura 4 - Observar a sobreposição de paroxismos epileptiformes de diferentes morfologias e sem concordância de fase, mesclados por ondas lentas de elevada amplitude. Registro interictal de hipsarritimia. (Sistema Internacional 10-20 / montagem bipolar).

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Figura 5 - Registro de crise de espasmo em flexão caracterizado eletrograficamente por depressão de voltagem com duração de 1,5 segundo. (Sistema Internacional 10-20 / montagem bipolar).

Figura 6 - Registro de crise de espasmo em extensão. Observar padrão ictal de depressão de voltagem com duração de 2 segundos. (Sistema Internacional 10-20 / montagem bipolar).

Síndrome de Lennox-Gastaut

Descrita por Gastaut e colaboradores, em 1966, essa encefalopatia epiléptica é classificada entre as epilepsias e síndromes epilépticas generalizadas sintomáticas, segundo a Liga

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Internacional Contra Epilepsia (ILAE, 1989). Apresenta ocorrência significativamente maior no sexo masculino e há um pico de incidência ao redor de quatro a cinco anos, embora as crises possam iniciar até aos oito ou nove anos de idade.

A etiologia genética não é documentada até o momento. Casos familiares de síndrome de Lennox-Gastaut também não são registrados na literatura. Síndrome de West, precedendo a síndrome de Lennox-Gastaut, ocorre em torno de 30% dos casos. Na maior parte das crianças, a etiologia é evidente e pode-se identificar uma lesão cerebral de causa conhecida, porém heterogenia. Alguns casos, denominados criptogenéticos, têm etiologia desconhecida, sendo justamente os de menor gravidade quanto as crises epilépticas e quanto ao comprometimento neurológico (cognitivo, motor e comportamental).

Clinicamente, a síndrome de Lennox-Gastaut é definida pela tríade: crises epilépticas atônicas, crises tônicas e crises de ausência atípica. Embora essas três sejam as mais características, podem ocorrer também crises tônico-clônicas generalizadas, crises clônicas focais ou fragmentadas, crises parciais complexas e crises com manifestações autonômicas. Tanto as crises tônicas (muito mais frequentemente) como as atônicas, podem provocar quedas súbitas ao solo (“drop attacks”), levando a traumatismos cranianos e faciais, o que aumenta sensivelmente a morbidade da síndrome.

Do ponto de vista neurológico, as crianças tendem a apresentar retardo mental severo, estando o comprometimento cognitivo intimamente relacionado ao controle das crises epilépticas. Distúrbios comportamentais também são muito comuns, sendo relatado com constância comportamento hiperativo, impulsivo, agressivo e ansioso.

Eletrograficamente, essa encefalopatia epiléptica é caracterizada pelo padrão interictal de descargas de espícula-onda lenta (com frequência inferior a 3 Hz ou 3 ciclos/segundo) em projeção generalizada, além de desorganização moderada

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a severa da atividade de base tanto durante a vigília como durante as diversas fases do sono NREM e REM. Outro aspecto eletrográfico muito característico da síndrome é o denominado ritmo recrutante epiléptico durante o sono. Trata-se de um ritmo patológico constituído por uma salva de atividade rápida com frequência entre 10 e 20 Hz, de média amplitude, que geralmente apresenta projeção generalizada e duração variável. O ritmo recrutante é mais registrado durante o sono.

O tratamento com drogas antiepilépticas raramente conduz ao controle completo das crises, que parecem apresentar um comportamento sazonal, alternando períodos de melhora (com redução na intensidade e frequência) e de piora (com aumento principalmente das crises de queda). Mesmo com o uso regular das medicações antiepilépticas, alguns pacientes evoluem para quadros de estado de mal epiléptico de ausência atípica, o qual também é refratário ao tratamento medicamentoso oral. Fenobarbital pode ser indicado nos casos em que há predomínio de crises tônicas. A carbamazepina não deve ser utilizada rotineiramente, pois pode induzir aumento na frequência de crises mioclônicas e até estado de mal mioclônico. A fenitoína, embora tenha ação em crises tônicas, pode induzir ao estado de mal de ausência atípica, devendo ser evitada. As medicações mais efetivas são o valproato de sódio, divalproato de sódio, benzodiazepínicos (particularmente o clobazam), lamotrigina e topiramato. Há relatos raros de estado de mal de ausência atípica precipitados pelo uso de clonazepam, de modo que esse não deve ser considerado um benzodiazepínico de primeira linha na síndrome de Lennox-Gastaut. Procedimentos neurocirúrgicos, particularmente as cirurgias desconectivas, podem ser indicadas nos casos de eventos de quedas frequentes secundários a crises tônicas, atônicas e mioclônicas maciças. Capacetes de proteção devem ser indicados em todos os casos com crises de queda, levando a traumatismos cranianos e faciais de repetição.

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A mortalidade é estimada em torno de 7% nos primeiros dez anos de vida e, geralmente, está relacionada a acidentes.

Figura 7 - Registro de crise tônica durante o sono leve (sono NREM fase 2). Observar o padrão eletrográfico de início generalizado. (Sistema Internacional 10-20 / montagem bipolar).

Figura 8 - Registro de crise tônica durante o sono leve (sono NREM fase 2). Observar a formação do ritmo recrutante epiléptico. (Sistema Internacional 10-20 / montagem bipolar).

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Figura 9 - Registro de crise mioclônica durante o sono leve (sono NREM fase 2). Observar o padrão ictal de poliespículas generalizadas. (Sistema Internacional 10-20 / montagem bipolar).

Síndrome de Landau-Kleffner

A síndrome de Landau-Kleffner ou síndrome de epilepsia-afasia foi descrita por Landau e Kleffner, em 1957, com base na análise de seis crianças que, após desenvolverem a linguagem falada, passaram a apresentar epilepsia e afasia. A incidência dessa síndrome epiléptica é desconhecida em nosso meio, embora seja considerada pouco comum pela literatura mundial. Há diversos relatos de predomínio no sexo masculino e o pico de incidência ocorre entre três e sete anos de idade.

Embora a presença de crises epilépticas não seja um critério obrigatório para o diagnóstico da síndrome de Landau-Kleffner, esse é um achado clínico relativamente frequente, sendo estimado em 60 a 80% dos casos. Os critérios diagnósticos essenciais são afasia receptiva adquirida, alterações eletrencefalográficas características e distúrbios comportamentais na maioria dos casos.

A etiologia dessa síndrome epiléptica não é totalmente conhecida, tendo sido relatados casos relacionados a tumores cerebrais como astrocitoma de baixo grau, lesões cerebrais secundárias a traumatismo

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cranioencefálico, neurocisticercose, vasculite cerebral, malformações do desenvolvimento cerebral, infecções do sistema nervoso central como as encefalites virais, entre outras. Provavelmente há participação genética na etiopatogenia, uma vez que é frequente a história familiar de crises e síndromes epilépticas.

A causa exata pela qual ocorre a afasia receptiva ainda não está totalmente clara. Contudo, o período da vida em que se instala a afasia coincide com um momento em que grande parte das sinapses neuronais responsáveis pela aquisição e estruturação da linguagem falada está surgindo, se fortalecendo ou sendo descartada. Desse modo, seria simples compreender que a presença de atividade epiléptica frequente e intensa nas regiões temporal média, temporal posterior e têmporo-parietal do hemisfério cerebral dominante para a linguagem, poderia ser diretamente responsável pela alteração da estruturação das conexões interneuronais, levando à formação de sinapses anormais do ponto de vista funcional. Alguns autores sugerem que a afasia de recepção adquirida poderia ser decorrente de uma encefalopatia hipometabólica, desencadeada pela atividade epiléptica intensa sobre o lobo temporal esquerdo. O surgimento de descargas de espícula-onda contínuas durante o sono está intimamente relacionado à estagnação mais precoce e regressão mais intensa da linguagem. Embora pareça contradizer o aspecto mais claro da fisiopatologia da síndrome, muitas crianças permanecem afásicas mesmo após o desaparecimento completo das descargas no eletrencefalograma. Sabidamente, quanto mais precoce a instalação da afasia, mais demorada e menos efetiva é a recuperação da fala. Segundo muitos autores, a intensidade do comprometimento da linguagem falada é muito variável, podendo se estender desde disfasias em grau mais leve até afasias completas. É muito usual, ainda, a utilização abusiva de jargões, tartamudez e estereotipias verbais.

As crises epilépticas podem evoluir de modo distinto, variando de formas oligossintomáticas até epilepsias de difícil controle medicamentoso. Na maioria dos casos, as crises epilépticas tendem

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a ser de fácil controle e uma parte significativa delas apresenta remissão durante ou após a adolescência. Em torno de 30% das crianças, apresentam um único episódio de crise epiléptica, enquanto as demais evoluem com crises recorrentes. Quanto à semiologia das crises, pouco mais da metade das crianças apresenta crises focais e as demais tem crises generalizadas, predominantemente tônico-clônicas e de ausência atípica.

Ainda que não seja um critério diagnóstico obrigatório, distúrbios de comportamento são encontrados em torno de 80% dos casos, e normalmente, correspondem às maiores e mais frequentes queixas dos familiares. Como a presença de estereotipias manuais e intenso déficit de atenção são características muito comuns, é fundamental que seja estabelecido o diagnóstico diferencial entre a síndrome de Landau-kleffner e os transtornos invasivos do desenvolvimento infantil / síndromes autistas. Comportamento hiperativo, agitação psicomotora e ansiedade antecipatória são descritos em mais de 80% das crianças portadoras da síndrome. Embora as queixas geralmente sejam relativas a comportamento exageradamente expansivo, é comum que se observe quadros de depressão, embotamento afetivo e isolamento social.

O eletrencefalograma é fundamental para a confirmação da suspeita clínica da síndrome. A alteração eletrográfica mais característica é a presença de paroxismos epileptiformes do tipo espícula-onda, predominando nas regiões temporais, mesmo que possam ser observados em topografias extratemporais. As descargas podem ser unilaterais ou bilaterais, havendo predomínio sobre as regiões temporais do hemisfério cerebral esquerdo. Em parte dos pacientes, durante a evolução da síndrome, podem surgir descargas de espícula-onda em incidência contínua ou praticamente contínua durante determinadas fases do sono, distorcendo profundamente sua macro e a microestrutura.

O tratamento pode ser dividido em clínico-medicamentoso, cirúrgico e reabilitação. Durante o tratamento das crises epilépticas, em uma fase bastante precoce, pode-se optar pela

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indicação de ACTH ou de corticóides, que além de eficazes no controle das crises, também podem ser eficazes na recuperação parcial da linguagem falada em algumas crianças. Para terapia de manutenção antiepiléptica deve se dar preferência ao valproato de sódio, divalproato de sódio e benzodiazepínicos, particularmente o clobazam. Outras medicações antiepilépticas que podem ser indicadas na falha das drogas de primeira linha são etossuximida, sultiame (droga inibidora da enzima anidrase carbônica ainda não disponível comercialmente no Brasil), imunoglobulina endovenosa e, menos frequentemente, vigabatrina. Fenobarbital e fenitoína estão contra-indicados, devido relatos de exacerbação das crises epiléticas e quadro de estado de mal epiléptico após administração dessas drogas. Há dúvida se crianças portadoras da síndrome de Landau-Kleffner sem epilepsia deveriam ou não receber drogas antiepilépticas. Embora alguns autores sejam contrários a essa teoria, muitos acreditam que mesmo na ausência de crises os pacientes deveriam ser medicados com drogas antiepilépticas uma vez que a própria presença da afasia seria um fenômeno intimamente relacionado à presença da atividade epileptiforme em topografia temporal.

Por se tratar de área eloquente não se pode indicar procedimentos cirúrgicos para ressecção do córtex envolvido. Desse modo, em 1989, Frank Morrell desenvolveu uma cirurgia denominada transecção subpial múltipla na qual se realizam diversas secções perpendiculares à superfície do córtex cerebral na topografia do córtex eloquente envolvido.

Nos casos em que a recuperação da linguagem é muito lenta ou inexistente deve-se optar por alternativas de comunicação. Contudo, dependendo do nível de comprometimento da cognição e do comportamento, o aprendizado de formas alternativas de comunicação como a língua de sinais é absolutamente impossível. Há uma evidente relação entre comprometimento mais intenso e duradouro da fala e piora dos aspectos comportamentais e de relacionamento social e familiar.

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Epilepsia mioclônica severa da infância

A epilepsia mioclônica severa da infância, também conhecida como síndrome de Dravet ou epilepsia mioclônica grave do lactente, foi descrita por Charlotte Dravet, em 1978. Corresponde a uma síndrome epiléptica rara e de etiologia geneticamente determinada. História familiar de epilepsia ou crise febril ocorre em, aproximadamente, 25% das crianças portadoras da síndrome e há discreto predomínio no sexo masculino.

As manifestações ictais têm início no primeiro ano de vida acometendo crianças neurologicamente hígidas, caracterizando-se por crises que recorrem com ou sem febre, geralmente do tipo clônicas generalizadas ou comprometendo somente metade do corpo. Após estas crises iniciais, surgem mioclonias epilépticas (fragmentadas, generalizadas ou restritas ao segmento cefálico levando a quedas da cabeça), crises de ausência atípica e crises parciais clônicas ou tônicas. As crises evoluem sempre de forma refratária ao tratamento medicamentoso. Após o surgimento das crises mioclônicas, a criança apresenta estagnação seguida por regressão franca do desenvolvimento neuropsicomotor. Por volta dos seis anos, as crianças desenvolvem comportamento hiperativo / impulsivo e já apresentam certo grau de comprometimento mental. Ataxia estática e de marcha pode ser observada em até 80% das crianças após cinco anos de vida.

O eletrencefalograma sofre alterações progressivas, seguindo a evolução da doença. Inicialmente, apresenta-se normal na maioria dos pacientes e gradativamente vão surgindo paroxismos epileptiformes e sinais de alentecimento da atividade de base. Em aproximadamente metade dos casos, pode-se observar um ritmo teta interictal com frequência em torno de 4 a 5 Hz, projetado sobre as regiões centrais e parietais de forma síncrona.

O tratamento é controverso até os dias atuais, sendo raros os casos em que se obtêm controle completo das crises epilépticas mesmo com politerapia. De modo geral, fenobarbital, valproato de

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sódio, divalproato de sódio e os benzodiazepínicos podem reduzir a frequência e intensidade das crises. Etossuximida, acetazolamida, zonisamida, sultiame, topiramato e brometo de potássio podem apresentar bons resultados em uma parcela menor de crianças. Há relatos de piora na frequência e intensidade das crises epilépticas após administração de carbamazepina e lamotrigina, inclusive com indução à estado de mal mioclônico. A associação de valproato de sódio, stiripentol e benzodiazepímicos parece ser a mais efetiva.

Figura 10 - Registro de estado de mal mioclônico eletrograficamente caracterizado por descargas contínuas de espículas e poliespículas em projeção generalizada mescladas por ondas lentas difusas. (Sistema Internacional 10-20 / montagem bipolar).

Epilepsia mioclôno-astática

Descrita em 1970, por Herman Doose, a epilepsia mioclôno-astática, também conhecida como Síndrome de Doose, corresponde a uma síndrome epiléptica generalizada com diversos tipos de crises epilépticas, destacando-se as crises mioclônicas, crises astáticas, crises mioclôno-astáticas (crises mioclônicas seguidas de queda), crises generalizadas tônico-

clônicas, ausências e crises tônicas.

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A síndrome de Doose está classificada entre as síndromes epilépticas generalizadas criptogênicas ou sintomáticas, segundo a classificação de Epilepsias e Síndromes Epilépticas da Liga Internacional Contra a Epilepsia (ILAE, 1989).

A síndrome ocorre em crianças que, inicialmente, são neurologicamente saudáveis, com idade entre três e quatro anos, sendo mais frequente no sexo masculino. Em mais de 90% dos casos, as crises iniciam nos primeiros cinco anos de vida. Em torno de 20% dos casos, mioclonias epilépticas já podem ser observadas no primeiro ano de vida. Nos primeiros meses de manifestação da síndrome, pode haver elevada incidência de crises febris e em 50 a 70% das vezes o primeiro evento epiléptico é uma crise convulsiva febril generalizada do tipo tônico-clônico.

O eletrencefalograma apresenta alterações dinâmicas durante a evolução da síndrome, sendo inicialmente normal e havendo o surgimento posterior de descargas de morfologia variada. Desorganização da atividade de base à custa de alentecimento difuso da atividade elétrica cerebral é observada em praticamente todos os casos. O predomínio de determinado tipo de descarga depende do predomínio do tipo de crise epiléptica naquele determinado momento de evolução da doença. Nas crises mioclônicas, observa-se o predomínio de descargas de espículas e poliespículas generalizadas, enquanto nos momentos de maior frequência das crises astáticas, nota-se predomínio de descargas de espícula-onda lenta com frequência entre 2 e 2,5 Hz. Em alguns pacientes, pode-se registrar um ritmo interictal constituído por ondas na faixa teta com frequência entre 4 e 7 Hz e com predomínio em topografia parietal bilateral, conhecido como “ritmo de Doose”.

Inicialmente, o diagnóstico diferencial com a síndrome de Lennox-Gastaut pode ser difícil. Contudo, na síndrome de Doose, as crianças são, na maioria das vezes, neurologicamente saudáveis antes do início das crises e há forte predomínio das mioclonias, enquanto na síndrome de Lennox-Gastaut, constata-se predomínio das crises tônicas e atônicas e o exame neurológico prévio é alterado.

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O eletrencefalograma também é substancialmente distinto, já que na síndrome de Lennox-Gastaut há o registro do complexo espícula-onda lenta generalizado e do ritmo recrutante epiléptico predominantemente durante o sono.

Quanto ao tratamento medicamentoso, devem ser utilizadas drogas antiepilépticas de maior espectro como o valproato de sódio, divalproato de sódio, topiramato e lamotrigina. Geralmente, é necessária a associação de benzodiazepínicos para melhor controle das crises. Etossuximida e primidona também podem ser usadas com sucesso em alguns casos. Há referência na literatura sobre o uso de ACTH, acetazolamida e felbamato nos casos resistentes. Algumas crianças podem se beneficiar de dieta cetogênica.

O prognóstico é muito variável, havendo desde relatos de remissão espontânea (embora não seja o comportamento habitual dessa síndrome epiléptica), até casos que evoluem com epilepsia refratária associada à deterioração neurológica e distúrbios comportamentais severos. Sabidamente, quanto mais precoce o início das crises e quanto mais intensa a desorganização da atividade elétrica cerebral no eletrencefalograma, pior o prognóstico neurológico.

Figura 11 - Ritmo teta de Doose. Ritmo monomórfico na faixa teta com predomínio nas regiões central, parietal e temporal bilateralmente. (Sistema Internacional 10-20 / montagem bipolar).

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Figura 12 - Descargas de espícula, poliespícula e poliespícula-onda generalizadas com morfologia irregular. (Sistema Internacional 10-20 / montagem bipolar).

Epilepsia rolândica

A epilepsia parcial benigna da infância com paroxismos centro-temporais ou epilepsia rolândica corresponde a uma das mais frequentes epilepsias da infância, com incidência estimada em 21/100.000. A epilepsia rolândica apresenta predisposição genética importante, ocorre em crianças neurologicamente saudáveis, há discreto predomínio no sexo masculino e as crises costumam apresentar remissão espontânea durante a adolescência.

As crises epilépticas têm início na infância, com pico entre sete e dez anos de idade, embora possam iniciar em crianças mais velhas, no princípio da adolescência. Embora possa haver algumas variações quanto à semiologia ictal, a maior parte das crianças apresenta crises estereotipadas, caracterizadas por sensação de parestesia, queimação ou de agulhadas na língua e nos lábios, seguida por clonias faciais, desvio da cabeça e dos olhos, e aumento do tônus muscular no braço e na

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perna do mesmo lado para o qual ocorreu o desvio conjugado dos olhos. Após esta fase inicial, pode ocorrer generalização secundária com evolução para crise tônico-clônica. É comum que a crise epiléptica ocorra durante o sono e pode ter início com a criança emitindo sons guturais ou mesmo um grito.

Após a crise, muitos pacientes permanecem algum tempo (geralmente minutos) com alteração ou mesmo com bloqueio completo da fala. Os eventos ictais costumam ter duração breve, geralmente não ultrapassando 2 a 3 minutos e podem recorrer diversas vezes até a adolescência.

O eletrencefalograma deve ser realizado em todos os casos durante a investigação, podendo auxiliar no diagnóstico, uma vez que há padrões fortemente sugestivos. A atividade de base é absolutamente normal durante a vigília e o sono. O padrão eletrográfico clássico corresponde ao surgimento de descargas de ondas agudas de média amplitude com máxima eletronegatividade ocupando um amplo campo de distribuição (regiões central, temporal e parietal) e podendo se projetar ora no hemisfério cerebral direito ora no esquerdo.

A tomografia de crânio ou a ressonância magnética do encéfalo devem ser realizadas rotineiramente no sentido de afastar alterações cerebrais estruturais como tumores ou pequenas malformações cerebrais preexistentes. Na epilepsia rolândica, os exames de neuroimagem sempre serão normais.

Apesar de a epilepsia rolândica ter um caráter benigno quanto a sua evolução, uma vez que a maioria dos casos remite durante a adolescência, o tratamento com droga antiepiléptica é a regra. As medicações mais utilizadas no Brasil para o tratamento são a carbamazepina e a oxcarbazepina. Alguns autores, nos casos de pacientes com poucas recorrências noturnas, sugerem que não se indique tratamento medicamentoso.

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Figura 13 - Descargas de onda aguda alternando entre as regiões central, parietal e temporal do hemisfério cerebral direito com discreto envolvimento de áreas homólogas contralaterais. Observar o característico agrupamento das descargas durante o sono. (Sistema Internacional 10-20 / montagem bipolar).

Epilepsia occipital tipo Panayiotopoulos

A epilepsia occipital benigna da infância tipo Panayiotopoulos, também denominada epilepsia occipital benigna da infância de início precoce, corresponde a uma epilepsia parcial benigna geneticamente determinada e idade-dependente. As crises são pouco recorrentes, sendo que muitos pacientes apresentam um único episódio durante a vida.

A idade de início das crises epilépticas é ao redor dos cinco anos e a frequência entre os sexos é semelhante, sendo a segunda mais frequente epilepsia focal benigna da infância, após a epilepsia rolândica.

As crises costumam ser estereotipadas e são caracterizadas por alterações comportamentais (irritabilidade e/ou agressividade), palidez, sudorese, cianose, desvio dos olhos e da cabeça para o mesmo lado, náuseas, vômitos e comprometimento parcial da consciência. Alucinações visuais

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e até mesmo cegueira transitória podem ocorrer durante a crise, mas são características semiológicas consideradas raras.

O vômito ictal ocorre em mais da metade dos casos, sendo um achado importante para o diagnóstico da epilepsia de Panayiotopoulos. O comprometimento da consciência pode ser discreto, de modo que algumas crianças podem permanecer emitindo palavras e até frases, mas geralmente fora do contexto apropriado. A duração das crises é muito variável, podendo durar de segundos até mais de uma hora. O estado de mal epiléptico pode ser a primeira e única manifestação ictal nessa síndrome epiléptica.

O eletrencefalograma deve ser realizado rotineiramente em todas as crianças e a presença de paroxismos epileptiformes nas regiões posteriores do córtex cerebral, é um achado importante para o diagnóstico, embora as descargas possam ser encontradas em diversas topografias. Aproximadamente, um terço das crianças apresenta o eletrencefalograma normal, o que não afasta este diagnóstico.

Exame de neuroimagem como tomografia ou ressonância magnética do encéfalo deve ser realizado para afastar a possibilidade de lesões cerebrais estruturais.

Por se tratar de entidade benigna e com baixa recorrência de crises na maior parte dos casos, o tratamento com drogas antiepilépticas deve ser discutido com a família, sendo desnecessário em muitos casos. Quando optado pela administração contínua de drogas antiepilépticas, as mais utilizadas são carbamazepina e oxcarbazepina, embora fenobarbital e valproato de sódio, possivelmente, apresentem a mesma eficácia quanto ao controle das crises.

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Figura 14 - Descargas de onda aguda predominando nas regiões occipitais bilateralmente. Atividade de base compatível com sono leve (sono NREM fase 2). (Sistema Internacional 10-20 / montagem bipolar).

Figura 15 - Observar as descargas de onda aguda predominando nas regiões occipitais bilateralmente. Atividade de base compatível com sono leve (sono NREM fase 2). (Sistema Internacional 10-20 / montagem referencial Fz).

Epilepsia occipital tipo Gastaut

A epilepsia de Gastaut, também chamada epilepsia occipital benigna da infância de início tardio, foi descrita por Gastaut, em

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1952. É considerada uma epilepsia rara, idade-relacionada e geneticamente determinada. As crises geralmente têm início ao redor dos oito anos e ambos os sexos são afetados com a mesma frequência.

A característica fundamental da epilepsia occipital benigna da infância de início tardio são as crises caracterizadas por alucinações visuais elementares (visão de pontos coloridos, brilhantes ou bolas negras se movimentando na horizontal ou vertical ou em círculos no campo visual) e cegueira durante a crise. Em muitas crianças, as alucinações visuais representam a única manifestação, embora outros sinais e sintomas originados nas regiões posteriores do córtex cerebral possam estar presentes, tais como desvio dos olhos, dor ocular, fechamento forçado das pálpebras e piscamentos rápidos e repetidos. Alucinações visuais complexas são raras e geralmente caracterizadas pela visão de faces de pessoas (a criança pode relatar que durante a crise vê o rosto de algum familiar ou mesmo de alguma pessoa desconhecida) e ambientes (que também podem ser ou não familiares). Após essa semiologia visual, que habitualmente inicia a crise, pode ocorrer envolvimento de todo o corpo com clonias bilaterais ou evolução para uma crise tônico-clônica generalizada propriamente dita.

Os vômitos, bastante comuns na epilepsia occipital benigna da infância com início precoce (tipo Panayiotopoulos), são muito raros na epilepsia occipital tipo Gastaut, sendo este aspecto relevante para o diagnóstico diferencial.

Cefaleia de forte intensidade, com características semelhantes à enxaqueca, pode ser observada após as alucinações visuais, embora os mecanismos envolvidos na origem desta não sejam totalmente conhecidos.

O eletrencefalograma também deve ser realizado em todos os casos, pois a presença de descargas epileptiformes em regiões cerebrais posteriores pode auxiliar no diagnóstico. Assim, como nas demais epilepsias, exame de neuroimagem (tomografia ou ressonância magnética de encéfalo) deve ser realizado.

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O tratamento com drogas antiepilépticas deve ser realizado em todos os casos, pois mesmo se tratando de uma entidade benigna, o risco de recorrência é elevado nos pacientes não tratados. Durante a escolha da medicação, deve-se dar preferência à carbamazepina e oxcarbazepina. A remissão na adolescência, embora relativamente frequente, não ocorre em todos os casos.

Figura 16 - Descargas de onda aguda nas regiões posteriores (parieto-occipitais) bilaterais envolvendo, discretamente, áreas centrais. Presença de fusos compatíveis com sono leve (sono fase 2). (Sistema Internacional 10-20 / montagem bipolar).

Epilepsia ausência da infância

A primeira descrição de uma crise de ausência data, provavelmente, de 1770, e é atribuída a Tissot. Nesse relato, o autor descreve uma adolescente de 14 anos com crises de parada comportamental e com crises tipo tônico-clônica generalizada, desde os sete anos de idade. Contudo, foi Calmeil o primeiro a citar o termo “ausência” na literatura médica, em 1824.

A epilepsia ausência da infância é classificada entre as epilepsias e síndromes epilépticas generalizadas idiopáticas, segundo a Liga Internacional Contra Epilepsia (ILAE, 1989), sendo definida como “epilepsia que frequentemente compromete crianças com idade

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entre seis e oito anos, mais incidente no sexo feminino e com forte predisposição genética. As crises podem recorrer diversas vezes ao dia no paciente não tratado e o eletrencefalograma é caracterizado por descargas de espícula-onda generalizadas, de morfologia regular, síncronas e simétricas, com frequência igual ou superior à 3 Hz, podendo haver acentuação nas regiões anteriores de ambos os hemisférios cerebrais, com início e término abruptos”.

A epilepsia ausência típica é a epilepsia generalizada idiopática mais frequente da infância. Há um forte componente genético e o pico de início das crises é ao redor dos seis anos de vida, sendo mais comum no sexo feminino. Corresponde a uma forma de epilepsia que ocorre em crianças neurologicamente saudáveis, sendo as crises caracterizadas por curta duração, geralmente entre cinco e vinte segundos e por súbito e acentuado comprometimento da consciência. Como a recuperação da consciência também ocorre de forma abrupta, ao final da crise a criança retorna imediatamente à atividade em curso. Por exemplo, se a criança apresentar uma crise de ausência durante uma refeição, logo ao final da crise ela retornará a se alimentar normalmente como “se nada houvesse acontecido”. A frequência pode variar de dezenas a centenas de crises ao dia nas crianças não tratadas.

Segundo a Classificação das Crises Epilépticas da Liga Internacional Contra Epilepsia (ILAE, 1981), há sete tipos de crises de ausência típica: (1) crise de ausência com comprometimento da consciência, (2) crise de ausência com componentes clônicos discretos, (3) crise de ausência com componente atônico, (4) crise de ausência com componente tônico, (5) crise de ausência com automatismos, (6) crise de ausência com fenômenos autonômicos e (7) formas mistas (associações de manifestações ictais das formas anteriores).

Crianças com epilepsia ausência da infância podem apresentar, além das crises de ausência, outros tipos de crises como as tônico-clônicas generalizadas e as crises mioclônicas.

O eletrencefalograma é fundamental na investigação, pois a presença dos paroxismos epileptiformes generalizados de espícula-

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onda com frequência igual ou superior a 3 Hz são patognomônicos desta síndrome epiléptica e firmam definitivamente o diagnóstico. No início de uma crise de ausência, a frequência das descargas de espícula-onda é em torno de 3 a 4 Hz e ao final da crise, em torno de 2,5 Hz, demonstrando haver discreta redução na frequência das descargas durante o evento ictal. Há relatos na literatura da coexistência de duas síndromes epilépticas com componente genético. Desse modo, em um mesmo registro de eletrencefalograma é possível se observar paroxismos epileptiformes compatíveis com epilepsia ausência da infância e com epilepsia rolândica. A presença de atividade delta rítmica intermitente em região occipital (OIRDA – Occipital Intermittent Rhythmic Delta Activity) é considerada um indicador de bom prognóstico, reduzindo o risco de associação com crises generalizadas tônico-clônicas.

Os exames de neuroimagem devem ser realizados rotineiramente, embora sejam sempre normais.

Todas as crianças com diagnóstico de epilepsia ausência da infância necessitam ser tratadas com drogas antiepilépticas, uma vez que há elevada recorrência das crises de ausência. As drogas de primeira escolha são etossuximida, valproato de sódio, divalproato de sódio e lamotrigina. Deve-se dar preferência a etossuximida nos casos em que há exclusivamente crises de ausência e deve-se dar preferência a outras drogas antiepilépticas nos casos em que há associação de crises de ausência e crises tônico-clônica generalizadas. O exato mecanismo de ação do valproato de sódio não é totalmente conhecido, embora seus efeitos antiepilépticos provavelmente estejam relacionados à sua capacidade de modulação da condutância dos canais de sódio e ao aumento da inibição mediada pelo neurotransmissor ácido gama-amino-butírico. A etossuximida, embora seja a droga antiepiléptica mais eficaz no tratamento específico das crises de ausência, não tem eficácia comprovada contra outros tipos de crises epilépticas nem parciais e nem generalizadas. É uma droga muita bem tolerada pela maior parte das crianças, embora algumas possam se queixar de desconforto gástrico.

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Apesar de considerada droga de primeira linha no tratamento da epilepsia ausência da infância, a lamotrigina em nosso meio ainda é uma droga relativamente de alto custo para uma parcela significativa de nossos pacientes, o que acaba restringindo seu uso rotineiro. Os mecanismos de ação da lamotrigina ainda não são completamente conhecidos, mas destaca-se sua capacidade em reduzir os níveis centrais de neurotransmissores excitatórios como o glutamato e o aspartato, além de seu efeito estabilizador sobre os canais de sódio voltagem-dependente.

Em casos de epilepsia ausência da infância de difícil controle, pode ser necessária à associação de mais de uma destas medicações e, ocasionalmente, de benzodiazepínicos. Ressaltamos que os benzodiazepínicos devem ser considerados sempre drogas de adição e nunca utilizados em monoterapia.

Nos últimos anos, têm surgido relatos de tratamento de crises de ausência com topiramato em monoterapia sendo, contudo, necessário mais estudos e maior tempo de acompanhamento destas crianças para que esta droga possa ser considerada de primeira linha nessa síndrome epiléptica.

Figura 17 - Registro de crise de ausência eletrograficamente caracterizada por descargas de espícula-onda generalizada, com morfologia regular e frequência de 3 Hz (3 ciclos/segundo). (Sistema Internacional 10-20 / montagem bipolar).

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Figura 18 - Registro de crise generalizada do tipo ausência. Observar que durante a crise ocorre redução da frequência das descargas de espícula-onda. (Sistema Internacional 10-20 / montagem bipolar).

Epilepsia mioclônica juvenil

Também conhecida como “pequeno mal impulsivo”, a epilepsia mioclônica juvenil foi descrita, em 1957, por Janz e Christian, com base em sua série de 47 pacientes. Contudo, em 1867, Herpin já havia descrito pacientes que, provavelmente, apresentavam epilepsia mioclônica juvenil.

Na Classificação de Epilepsias e Síndromes Epilépticas da Liga Internacional Contra Epilepsia (ILAE, 1989), a epilepsia mioclônica juvenil é classificada entre as epilepsias e síndromes epilépticas generalizadas idiopáticas e descrita como uma síndrome caracterizada por “crises com início na puberdade, caracterizadas por mioclonias bilaterais, geralmente simétricas, ocorrendo de forma isolada ou em salvas, comprometendo principalmente os membros superiores, sem comprometimento da consciência e podendo ocorrer em ambos os sexos. As mioclonias são mais frequentes logo após o despertar e são potencializadas pela privação de sono. As crises mioclônicas podem ser acompanhadas, na sequência, por crises tônico-clônica generalizadas e menos frequentemente por crises de ausência. Os

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achados eletrencefalográficos mais característicos são espículas, poliespículas, espícula-onda e poliespícula-onda generalizadas, sendo característica a fotossensibilidade”.

É reconhecida como uma das síndromes epilépticas mais incidentes na população geral, representando entre 20 e 30% de todas as epilepsias idiopáticas da adolescência. Ocorre em pessoas neurologicamente normais e em ambos os sexos, embora algumas séries relatem discreto predomínio no feminino. É uma síndrome idade-relacionada, com início entre 12 e 20 anos e pico entre os 14 e 16 anos. Início antes dos 15 anos ocorre em mais de 70% dos casos. Embora a primeira crise epiléptica possa ocorrer de modo “espontâneo”, muitos casos são precipitados por fatores desencadeantes como privação de sono, estresse físico, abuso de álcool e, menos frequentemente, a utilização de determinadas drogas como antidepressivos tricíclicos.

Trata-se de uma síndrome geneticamente heterogênea e relacionada a mutações em diversos genes, como o GABRA1 (cromossomo 5q34-q35), o CACNB4 (cromossomo 2q22-q23), o CLCN2 (cromossomo 3q26) e o EFHC1 (cromossomo 6p12-p11). Estudos realizados em pacientes com epilepsia mioclônica juvenil, através da realização de tomografia por emissão de pósitrons, sugerem que alterações no sistema de serotonina estejam relacionadas à geração das crises nessa síndrome.

As crises epilépticas que ocorrem na epilepsia mioclônica juvenil têm início na puberdade, podendo ser observados três tipos de crises: as crises mioclônicas, as crises tônico-clônicas generalizadas e as crises de ausência típica.

As mioclonias predominam nos membros superiores, são muito breves, podem ocorrer de forma repetida, bem como anteceder crises tônico-clônicas generalizadas e, geralmente, não são acompanhadas por alterações do nível de consciência. As crises mioclônicas são mais comuns nas primeiras horas após o paciente acordar pela manhã e são ativadas pela privação de sono, uso excessivo de bebida alcoólica, fadiga e distúrbios emocionais.

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Uma parcela considerável dos portadores apresenta fotossensibilidade, ou seja, quando expostos a determinados padrões de luz podem ter suas crises epilépticas desencadeadas.

Há essencialmente três tipos de crises nessa síndrome: mioclonias, crises tônico-clônicas generalizadas e crises de ausência, sendo a presença da primeira fundamental para o diagnóstico. As crises tônico-clônicas generalizadas ocorrem em mais de 90% dos casos sendo, muitas vezes, precedidas por mioclonias. As crises de ausência ocorrem em torno de 15% dos casos e são caracterizadas por breve comprometimento da consciência.

O eletrencefalograma ou a vídeomonitorização eletrencefalográfica devem ser realizados rotineiramente para a confirmação do diagnóstico. A atividade de base é normal durante a vigília e o sono. No período interictal, são registradas descargas de espícula, poliespículas, espícula-onda e poliespícula-onda em projeção generalizada e, ocasionalmente, com acentuação em regiões corticais anteriores. O registro de espículas focais / multifocais, particularmente durante o sono, é considerado um achado habitual nas epilepsias generalizadas idiopáticas. Como na maior parte das síndromes epilépticas, os paroxismos tendem a desaparecer durante o sono fase REM. Em casos mais raros, há relato de complexos espícula-onda lenta generalizados com frequência de 2 a 3 Hz, e complexos generalizados de espícula-onda com frequência de 3 Hz, mas de morfologia bastante irregular. A realização de fotostimulação intermitente durante o exame de eletrencefalograma é fundamental, uma vez que aproximadamente 50% dos pacientes com epilepsia mioclônica juvenil apresentam fotossensibilidade.

Embora o exato mecanismo anatomofisiológico de geração das descargas de espícula-onda permaneça não totalmente compreendido, estudos analisaram a relação entre o metabolismo do tálamo e a presença de paroxismos epileptiformes do tipo espícula-onda, utilizando eletrencefalograma e tomografia por emissão de pósitrons, demonstrando que o tálamo apresenta

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papel importante na geração dessas descargas em indivíduos com epilepsias generalizadas geneticamente determinadas.

A realização dos exames de neuroimagem também é importante, mesmo que estes sejam habitualmente normais nesta síndrome.

A orientação quanto à necessidade de se evitar fatores desencadeantes como a privação de sono, uso exagerado de álcool e/ou café, estímulos luminosos intensos nos indivíduos fotossensíveis e o estresse físico e mental é parte importante do tratamento. Contudo, na maioria dos pacientes, estas medidas não são suficientes para um controle completo ou satisfatório das crises.

Diversas drogas antiepilépticas já foram testadas e mostraram-se eficazes. Valproato de sódio é tido como a droga antiepiléptica de primeira escolha por sua ação nos três tipos de crises que compõe a síndrome (crises mioclônicas, tônico-clônicas generalizadas e ausências), tendo sua eficácia sido comprovada por diversas séries na literatura. Outros medicamentos já testados e comprovadamente eficazes nessa síndrome são o clonazepam (crises mioclônicas) e a lamotrigina (crises mioclônicas, tônico-clônicas e ausências), ambas podendo ser administradas em associação com o valproato ou com o divalproato de sódio. O clonazepam é considerado droga de adição, não devendo ser utilizado em monoterapia. O uso de topiramato no tratamento da epilepsia mioclônica juvenil vem demonstrado resultados promissores. Carbamazepina, oxcarbazepina e fenitoína também foram testadas com resultados pouco satisfatórios, uma vez que além de serem parcialmente eficazes nas crises tônico-clônicas, podem agravar crises mioclônicas e de ausência. Praticamente todos os autores concordam que essas duas drogas devam ser evitadas neste grupo de pacientes. Gabapentina e vigabatrina, por agravarem crises mioclônicas e de ausência, devem também ser evitadas. Embora seja reconhecido como uma droga eficaz no tratamento de mioclonias, o piracetam não é habitualmente utilizado em epilepsias generalizadas idiopáticas. Alguns autores

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sugerem que zonizamida seja segura e eficaz no tratamento de pacientes com epilepsia mioclônica juvenil.

Mesmo nos pacientes em que se obtém controle completo das crises por muitos anos, a suspensão das drogas antiepilépticas provoca recorrência das crises na grande maioria dos casos. Neste sentido, o tratamento da epilepsia mioclônica juvenil é, via de regra, continuo e para toda a vida.

Figura 19 - Descargas de poliespículas em projeção generalizada e com acentuação em regiões anteriores de ambos os hemisférios cerebrais. Atividade elétrica cerebral durante vigília. (Sistema Internacional 10-20 / montagem bipolar).

Epilepsia do lobo frontal autossômica dominante noturna

Trata-se de uma síndrome epiléptica de herança autossômica dominante, com o gene localizado nos cromossomas 20q13.2 e 15p2, sem predomínio entre os sexos. São relatadas mutações em diversos genes, incluindo CHRNA4, CHRNB2 e CHRNA2. A penetrância é variável sendo em torno de 60 a 70%.

As crises tem começo na idade escolar e persistem até a vida adulta, recorrem frequentemente no início do sono ou ao

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despertar e são de curta duração. Semiologicamente, as crises podem iniciar com emissão de sons guturais, olhos abertos e mirando o horizonte, evoluindo com aumento do tônus muscular e movimentos hipercinéticos, algumas vezes bastante amplos e violentos, que podem ser síncronos ou assíncronos. Notam-se, também, impulsões pélvicas (automatismos sexuais), liberação de esfíncter urinário e anal e mordedura da porção lateral da língua. Despertares noturnos com postura tônica ou distônica são relativamente frequentes. Parte dos pacientes, mantém a consciência preservada durante o evento.

O diagnóstico diferencial da epilepsia do lobo frontal autossômica dominante noturna deve ser estabelecido com ataques de pânico noturno, sonambulismo, sonilóquio, discinesia paroxística, distonia paroxística, desordens do movimento durante o sono como a síndrome das pernas inquietas e movimentos periódicos dos membros, mioclonias noturnas benignas e outras epilepsias frontais, particularmente as sintomáticas.

O registro eletrencefalográfico interictal é normal na maior parte dos pacientes. Em alguns casos, podem-se observar descargas frontais, fronto-centrais ou fronto-temporais bilaterais.

A droga de primeira escolha é a carbamazepina, e a de segunda escolha, o valproato de sódio.

Epilepsia com crises tônico-clônicas do despertar

A relação entre ciclo circadiano e crises epilépticas é conhecida há séculos. A epilepsia com crises tônico-clônicas do despertar é discretamente mais frequente no sexo masculino e as crises tendem a iniciar durante a adolescência ou ao final da idade escolar, ocorrendo predominantemente ou exclusivamente, ao despertar. Há forte predisposição genética e muitos pacientes apresentam fotossensibilidade em algum momento durante a evolução da síndrome.

Embora predominem as crises generalizadas tônico-clônicas, podem ocorrer crises de ausência e crises mioclônicas. Para que

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se considere a relação entre despertar a precipitação das crises, é necessário que os eventos ictais ocorram durante a primeira hora do despertar. Alguns autores consideram que as crises possam ocorrer durante as 2 primeiras horas após o despertar.

O eletrencefalograma interictal pode demonstrar a presença de descargas generalizadas de espícula, poliespícula ou espícula-onda dependendo do tipo de crise predominante. Descargas focais podem ocorrer, mas são extremamente raras, enquanto fotossensibilidade está presente em um número considerável de casos. Crises de recorrência diária podem provocar desorganização da atividade de base, particularmente durante o sono.

O tratamento pode ser realizado através da administração oral de valproato ou divalproato de sódio. Em pacientes com crises de difícil controle, pode ser necessário associação com drogas da família dos benzodiazepínicos. Quando são identificados fatores precipitantes de crises, como privação de sono, fadiga mental e estímulos luminosos, esses devem ser evitados.

Síndrome HHE

A síndrome HHE, descrita por Gastaut e colaboradores, em 1960, é caracterizada por hemiconvulsão, hemiplegia e epilepsia e pode ser classificada em tipo I e tipo II. A síndrome HHE tipo I ou forma sintomática ocorre a partir de convulsões febris relacionadas com infecção do sistema nervoso central, lesões isquêmicas focais, hematoma subdural ou outras doenças cerebrais focais ou hemisféricas. A síndrome HHE tipo II ou forma idiopática ocorre, geralmente, após quadro de estado de mal epiléptico febril não relacionado à infecção central.

A síndrome HHE normalmente ocorre em crianças previamente hígidas do ponto de vista neurológico. Possivelmente, sua origem mantém relação com a imaturidade cerebral, já que é descrita em crianças menores de 4 ou 5 anos.

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O terceiro estágio da síndrome, a epilepsia propriamente dita, ocorre após um período livre de sintomas que geralmente é de 2 a 4 anos. Pacientes com síndrome HHE podem apresentar, além do comprometimento motor, muitos outros sinais de comprometimento neurológico como atrofia muscular no dimídio comprometido, deficiência mental, alterações do campo visual, estrabismo, atrofia do nervo óptico ipsilateral ao hemisfério comprometido, distúrbios do movimento por lesão de núcleos da base, alteração da coordenação motora e distúrbios de comportamento em graus variados.

O eletrencefalograma na fase inicial pode ser normal. Após a instalação das crises epilépticas recorrentes, ele pode passar a demonstrar uma grande variedade de alterações como descargas de espículas generalizadas, ondas agudas generalizadas, espículas ou ondas-agudas multifocais e descargas restritas ao hemisfério cerebral comprometido.

Os exames de neuroimagem costumam ser normais nas fases iniciais. Evolutivamente passam a apresentar sinais de atrofia hemisférica, podendo haver hidrocefalia compensatória ipsilateral. Em alguns casos, mesmo após anos de evolução da doença, os exames de neuroimagem permanecem normais.

As crises costumam ser de difícil controle medicamentoso. Alguns casos clinicamente refratários podem ser submetidos a procedimentos neurocirúrgicos. O tipo de cirurgia dependerá dos aspectos clínicos da epilepsia bem como dos achados radiológicos e neurofisiológicos, variando desde abordagens extensas como as hemisferectomias funcionais até cirurgias paliativas como a calosotomia e as desconexões interemisféricas.

Síndrome de Rasmussen

Descrita em 1958, por Rasmussen, Olszewski e Lloyd-Smith, a síndrome de Rasmussen é caracterizada por crises epilépticas clinicamente refratárias, hemiparesia progressiva e comprometimento mental e intelectual também de caráter

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progressivo. Essa descrição pioneira contou com crianças com epilepsia de difícil controle e sinais de encefalite crônica.

As primeiras crises ocorrem normalmente durante a infância, embora possam ocorrer no período de lactância e também durante a adolescência. Os primeiros eventos tendem a ser crises parciais complexas, crises parciais clônicas ou mesmo crises tônico-clônicas generalizadas. Embora durante a evolução da síndrome possam surgir diferentes tipos de crises, a grande maioria dos eventos ictais é focal e envolve um mesmo dimídio corporal. Crises parciais simples podem se tornar muito frequentes e até mesmo contínuas. Estado de mal epiléptico focal pode ocorrer em torno de 20% das crianças.

No início da síndrome, o diagnóstico de encefalite crônica pode passar despercebido, tornando-se evidente após alguns anos com o agravamento da deterioração neurológica. Decorridos alguns anos das manifestações iniciais, a hemiparesia tende a estabilizar, voltando a progredir em momentos de descompensação das crises generalizadas.

A etiologia da síndrome é parcialmente conhecida. Diversos autores sugerem mecanismos relacionados a infecções virais agudas e crônicas. Outros autores apontam a participação essencial de fatores relacionados à resposta imunológica, o que pode ser demonstrado pelos níveis elevados de anticorpos antinucleares e imunoglobulinas no líquido cefalorraquidiano. Inúmeros estudos vêm demonstrando a presença de anticorpos séricos para receptores de glutamato.

Os aspectos eletrencefalográficos variam na dependência do tempo de evolução da síndrome. Muitos pacientes podem ter eletrencefalograma normal ou com discretas alterações nas fases iniciais. Evolutivamente, diversas anormalidades hemisféricas tornam-se evidentes, passando haver alentecimento e desorganização progressiva do hemisfério cerebral doente. Em uma fase avançada da síndrome de Rasmussen, pode haver redução da voltagem das ondas cerebrais do hemisfério

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comprometido. Mesmo quando são observadas anormalidades bilaterais, há franco predomínio no hemisfério que se mostra atrofiado nos exames de imagem. O eletrencefalograma interictal é marcado por paroxismos epileptogênicos focais ou multifocais predominantemente ou exclusivamente em um dos hemisférios. Após anos de progressão da doença, as descargas podem passar a apresentar menor amplitude e incidência devido à severa destruição do tecido cortical e subcortical.

Os exames de tomografia de crânio e de ressonância magnética do encéfalo demonstram atrofia cerebral unilateral mais proeminente nas regiões temporais e insulares. A espectroscopia por ressonância magnética pode demonstrar diminuição relativa do marcador neuronal N-acetil-aspartato (NAA) tanto na substância cinzenta quanto na branca em diversos pontos do hemisfério comprometido.

Embora alguns pacientes possam ter suas crises controladas com drogas antiepilépticas em politerapia e em altas doses, a grande maioria dos casos evolui de forma absolutamente refratária ao tratamento clínico. Os danos motores e cognitivos também não podem ser evitados. Desse modo, atualmente, a indicação cirúrgica deve ser a mais precoce possível. No caso de crianças de baixa idade, fatores relacionados à técnica cirúrgica podem retardar a realização desse procedimento.

Alguns autores preconizam a administração de drogas antivirais como aciclovir, ganciclovir e zidovudina. Outros autores preconizam altas doses de interferon, esteróides, imunoglobulinas, ACTH e plasmaferese. Essas modalidades terapêuticas não são realizadas rotineiramente em nosso meio e demonstram pouca efetividade a longo prazo.

Tanto as drogas antiepilépticas tradicionais como as novas drogas não são capazes de promover controle satisfatório e sustentado das crises epilépticas. O tratamento cirúrgico habitualmente, aborda extensas áreas corticais e subcorticais, sendo o procedimento mais realizado a hemisferectomia funcional. Procedimentos cirúrgicos,

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abordando áreas muito restritas não são capazes de reduzir a frequência e a intensidade das crises de forma satisfatória.

A cirurgia de Morrell ou transecção subpial múltipla, introduzida por Frank Morrell e colaboradores, em 1989, é uma alternativa quando há envolvimento de áreas eloquentes. Estudos em modelos animais demonstraram que focos epileptogênicos localizados a distâncias superiores a 6 mm descarregavam de forma independente, enquanto focos irritativos localizados a menos de 4 mm descarregavam de forma síncrona. Morrell e colaboradores propuseram que transecções subpiais realizadas a cada 5 mm interromperiam a propagação horizontal das descargas síncronas, reduzindo a frequência das crises em epilepsias refratárias. As transecções devem ser cuidadosamente realizadas de forma perpendicular ao eixo longo do giro cerebral. A cirurgia de Morrell não é específica para pacientes com síndrome de Rasmussen, podendo ser utilizada em todos os casos em que há necessidade de se abordar, mantendo aspectos funcionais, o córtex eloquente.

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Conceitos fundamentais em eletrencefalografia

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Em 1924, o psiquiatra Hans Berger registrou, pela primeira vez, a atividade elétrica cerebral em humanos. Naquele momento, isso só foi possível por se tratar de um paciente sem a calota craniana, que havia sido retirada durante uma cirurgia para remoção de um tumor cerebral. No início da década de 1930, Berger descreveu os ritmos alfa e beta como achados eletrográficos fisiológicos do cérebro humano e descreveu paroxismos epileptogênicos interictais e alterações no eletrencefalograma ictal.

Embora em 1931, Berger já houvesse relatado, pioneiramente, as alterações ictais na crise de ausência, coube a William Lennox descrever os detalhes do complexo espícula-onda generalizada com frequência de 3 Hz. Em meados da década de 1930, Gibbs, Davis e Lennox observaram que paroxismos prolongados no eletrencefalograma eram acompanhados por manifestações clínicas, enquanto paroxismos de curta duração, que eles chamaram de “paroxismos larvais”, não eram acompanhados por quaisquer alterações clínicas.

Estudos posteriores demonstrariam que entre 1 e 3% de todas as crianças neurologicamente normais apresentam paroxismos epileptiformes no eletrencefalograma, havendo predomínio de descargas de onda aguda em topografia rolândica e occipital.

Sistema internacional 10-20

Para a realização de um eletrencefalograma de boa qualidade, diversas normas técnicas devem ser rigorosamente seguidas, a começar pelo correto posicionamento dos eletrodos sobre o couro cabeludo da criança. A colocação dos eletrodos deve seguir o chamado sistema internacional 10-20.

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No momento do exame, o couro cabeludo deve estar limpo e seco. Os cabelos devem ter sido lavados na noite anterior e o paciente não deve estar utilizando nenhum tipo de produto que deixe resíduos como gel fixador ou laquê. Esses produtos, além de dificultarem a colagem dos eletrodos, aumentam muito a impedância.

As crianças devem comparecer ao exame bem alimentadas e trazendo objetos que podem ser necessários para que elas durmam espontaneamente, como chupetas ou pequenos brinquedos.

Inicialmente, a técnica que realizará o exame irá medir e marcar todo o couro cabeludo da criança com um lápis antialérgico. A primeira medida é realizada entre um ponto anterior do crânio (denominado nasion) e um ponto posterior (denominando inion) com a fita métrica, passando exatamente sobre a linha média do crânio. Sobre essa linha imaginária serão feitas 5 marcas: eletrodo fronto-polar da linha média (Fpz), eletrodo frontal da linha média (Fz), eletrodo central da linha média (Cz), eletrodo parietal da linha média (Pz) e eletrodo occipital da linha média (Oz). O ponto Fpz deve estar localizado logo acima do nasion a uma distância de 10% da distância entre o nasion e o inion. O ponto Fz deve estar localizado logo acima de Fpz a 20% da distância entre o nasion e o inion. O ponto Cz deve estar localizado logo acima de Fz a 20% da distância entre o nasion e o inion. O ponto Pz deve estar localizado logo atrás de Cz a 20% da distância entre o nasion e o inion. O ponto Oz deve estar localizado logo atrás de Pz a 20% da distância entre o nasion e o inion. Dessa forma, todos os eletrodos da linha média já terão seus locais determinados.

Na sequência, procede-se a medida da distância entre dois pontos imaginários localizados nas regiões pré-auriculares. A fita métrica deve passar exatamente sobre o ponto central da linha média (referente ao eletrodo Cz). O ponto temporal médio estará superiormente localizado a 10% da distância entre os dois pontos pré-auriculares. Assim, localiza-se os pontos referentes aos eletrodos temporal médio esquerdo (eletrodo T3) e temporal

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médio direito (eletrodo T4). O ponto central da linha média (referente ao eletrodo Cz) estará localizado, necessariamente, a 20% da distância entre os pontos pré-auriculares.

Em seguida, mede-se a distância entre os pontos Fpz e Oz, passando a fita métrica pelo ponto temporal já definido. A 10% da distância entre Fpz e Oz, lateralmente, estarão localizados os pontos F3 (referente ao eletrodo frontal esquerdo), F4 (referente ao eletrodo frontal direito), O1 (referente ao eletrodo occipital esquerdo) e O2 (referente ao eletrodo occipital direito). O ponto temporal anterior estará localizado posteriormente ao eletrodo frontal a 20% da distância entre Fz e Oz. Assim se localizam os pontos referentes aos eletrodos temporal anterior esquerdo (eletrodo F3) e temporal anterior direito (eletrodo F4). O ponto temporal posterior estará presente anteriormente ao eletrodo Oz a 20% da distância entre Fz e Oz. Desta forma situam-se os pontos referentes aos eletrodos temporal posterior esquerdo (eletrodo T5) e temporal posterior direito (eletrodo T6).

Os demais pontos referentes aos eletrodos parietal esquerdo (eletrodo P3) e parietal direito (eletrodo P4) devem ser posicionados ao longo da linha coronal parietal com a fita métrica passando exatamente sobre o ponto Pz.

A letra “Z” significa “zero” e discrimina os eletrodos localizados sobre a linha média (Fpz, Fz, Cz, Pz, Oz). O numeral que segue a letra indica se o eletrodo está situado sobre o lado esquerdo do crânio (numerais ímpares) ou direito (numerais pares).

O sistema internacional 10-20 de posicionamento de eletrodos é utilizado nos exames de rotina. Em casos especiais, pode ser necessário um número maior de eletrodos, quando então se pode utilizar o sistema 10-10 de posicionamento. Alguns eletrodos extras também podem ser empregados, como é o caso do zigomático e esfenoidal (quando se deseja avaliar a porção anterobasal dos lobos temporais).

Não se devem avaliar exames de eletrencefalograma que tenham sido realizados sem a técnica correta de medição e

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marcação do couro cabeludo. Jamais a experiência de uma técnica de eletrencefalograma, mesmo no caso daquelas que exercem a profissão há muitos anos, irá superar a precisão de uma medição cuidadosa.

Figura 20 – Posicionamento dos eletrodos no escalpo.

O eletrodo é um meio metálico que colado ao escalpo será o responsável direto pela captação da atividade elétrica cerebral, que será amplificada no equipamento de eletrencefalograma. O eletrodo é fixado ao escalpo através de uma substância de consistência pastosa, com propriedades eletro-químicas, denominada gel condutor. Na interface escalpo – gel condutor – eletrodo ocorrerá a conversão do fluxo iônico em um fluxo de elétrons.

A nomenclatura dos eletrodos utilizados no exame de rotina é: Fp1 (eletrodo fronto-polar esquerdo), Fp2 (eletrodo fronto-polar direito), F3 (eletrodo frontal esquerdo), F4 (eletrodo frontal direito), C3 (eletrodo central esquerdo), C4 (eletrodo central direito), P3 (eletrodo parietal esquerdo), P4 (eletrodo parietal direito), O1 (eletrodo occipital esquerdo), O2 (eletrodo occipital direito), F7 (eletrodo temporal anterior esquerdo), F8 (eletrodo temporal anterior direito), T3 (eletrodo temporal médio esquerdo), T4 (eletrodo temporal médio direito), T5 (eletrodo temporal posterior esquerdo), T6 (eletrodo temporal posterior direito), Fpz (eletrodo

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fronto-polar da linha média), Fz (eletrodo frontal da linha média), Cz (eletrodo central da linha média), Pz (eletrodo parietal da linha média) e Oz (eletrodo occipital da linha média).

Em casos diferenciados, há necessidade de se utilizar eletrodos especiais, que podem ser do tipo não-invasivos e invasivos. Os eletrodos especiais não-invasivos são: eletrodo nasofaríngeo (posicionado através das narinas até a cavidade nasofaríngea com o objetivo de captar a atividade elétrica do hipocampo e do córtex órbito-frontal), eletrodo zigomático (posicionado próximo ao arco zigomático para captar a atividade elétrica do lobo temporal) e eletrodo esfenoidal (posicionado através de punção transcutânea na fossa subtemporal, sendo muito utilizado na investigação pré-operatória de pacientes com epilepsia do lobo temporal). Os eletrodos especiais invasivos são: eletrodos profundos (contendo múltiplos contatos, eles são inseridos diretamente no parênquima cerebral conforme a topografia que se deseja investigar), placas subdurais e eletrodos epidurais.

Nomenclatura básica e maturação da atividade cerebral

Para compreender adequadamente um laudo de eletrencefalograma, é necessário que o médico esteja familiarizado com alguns termos. Esse capítulo não tem a pretensão de esgotar o assunto, mas, sim, munir o médico pediatra e o neurologista de elementos que o possibilitem ler, interpretar e compreender um laudo técnico e descritivo.

O termo “ritmo dominante” refere-se à atividade elétrica cerebral registrada no córtex posterior, estando o indivíduo acordado e em repouso mental. O ritmo dominante posterior sofre grandes alterações relacionadas à maturação do córtex cerebral até, aproximadamente, 8 anos de idade. Aos 4 meses de vida, o ritmo dominante posterior é de 4 Hz, aos 5 meses de 5 Hz, com 1 ano de 6 Hz, aos 2 anos de 7 Hz, aos 3 anos de 8 Hz, aos 5 anos de 9 Hz e aos 10 anos de 10 Hz.

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O termo “onda alfa” refere-se a uma onda com frequência entre 8 e 13 Hz, enquanto as “ondas teta” tem frequência entre 4 e 7 Hz, as “onda delta” entre 1 e 3 Hz e as “ondas beta” frequência acima de 13 Hz.

O ritmo alfa posterior pode ter maior amplitude no hemisfério cerebral não dominante, sem nenhuma conotação patológica. De modo geral, sua amplitude varia entre 40 e 50 �V. Apresenta comportamento sinusoidal e tem morfologia agudizada durante a infância. O ritmo alfa é abolido quando o paciente abre os olhos (prova de abertura e fechamento dos olhos) ou quando não se encontra em repouso mental.

O “ritmo mü” tem morfologia arciforme e localiza-se sobre as regiões centrais. Corresponde ao ritmo das áreas motoras, ocorre na faixa alfa de frequência e é abortado ou atenuado no momento que o paciente executa qualquer ato motor. A movimentação unilateral de um membro abole o “ritmo mü” do hemisfério cerebral contra-lateral. Mesmo o simples pensamento em executar um ato motor já é capaz de abolir subitamente o “ritmo mü”. De modo geral, sua amplitude é em torno de 50 �V.

A “onda lenta da juventude” ou “onda Pi” é um paroxismo variante da normalidade, que ocorre durante a vigília, com frequência de 3 a 4 Hz, em topografia posterior e que sofre atenuação durante a abertura dos olhos. A “onda lâmbida” também é um paroxismo variante da normalidade, localizada em topografia posterior, que pode surgir durante a abertura ocular e desaparecer com o fechamento dos olhos. Provavelmente, trata-se de um potencial evocado visual. Tanto a “onda Pi” como a “onda lâmbida” não devem ser confundidas e nem interpretadas como paroxismos epileptogênicos, pois não apresentam essa conotação.

Os eletrodos localizados sobre as regiões temporais anteriores podem registrar a atividade elétrica dos músculos reto laterais, pois esses são bastante superficiais. Esses paroxismos são denominados “espículas dos reto-laterais” e não devem ser interpretados como grafoelementos patológicos.

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A atividade de base durante a sonolência (sono não-REM fase 1) pode ser mais claramente diferenciada após os 6 meses de vida. Depois dos 9 meses, a hipersincronia hipnagógica (atividade paroxística síncrona e generalizada, na faixa teta) torna-se bastante evidente na transição do sono para a vigília. Uma atividade, com as mesmas características eletrográficas, pode ser observada na transição da vigília para o sono, sendo denominada hipersincronia hipnopômpica.

As principais características da sonolência no eletrencefalograma são o aumento do contingente de ondas teta, a fragmentação e anteriorização do ritmo dominante posterior e o surgimento dos transientes agudos positivos occipitais do sono (grafoelementos de morfologia agudizada, com frequência de aproximadamente 5 Hz, que surgem ao redor de 8 a 10 anos, localizados nas regiões occipitais). Na sonolência profunda, podem-se observar as denominadas ondas agudas do vértex.

A atividade de base durante o sono leve (sono não-REM fase 2) é caracterizada pelo aumento do contingente de ondas lentas nas faixas delta e teta, de forma difusa no traçado, e pelo surgimento de grafoelementos característicos como os fusos de sono e os complexos K. Ondas agudas do vértex, já presentes na fase de sonolência profunda, continuam sendo observadas durante o sono leve. Até ao redor de 24 a 36 meses, esses grafoelementos podem ocorrer de forma síncrona ou assíncrona. Assincronia persistente de grafoelementos fisiológicos do sono deve ser considerado um achado eletrográfico patológico após 36 meses de vida.

Fusos de sono surgem ao redor de 2 meses de vida, inicialmente em topografia central, com maior frequência (em torno de 14 Hz) e maior duração (até 10 segundos). Gradativamente, durante o período de lactância, os fusos de sono sofrerão anteriorização (assumindo topografia frontal e fronto-central), redução na frequência (em torno de 10 Hz) e diminuição da duração (entre 2 e 3 segundos).

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Ondas agudas do vértex já podem ser observadas a partir de 3 a 4 meses de vida. Embora sua máxima eletronegatividade seja observada no vértex sobre a linha média, ela se projeta também sobre as regiões centrais à direita e à esquerda. Os complexos K também surgem ao redor de 4 a 5 meses de vida e têm maior amplitude na região central sobre a linha média.

A atividade de base durante o sono de ondas lentas (sono não-REM fases 3 e 4) é caracterizada pelo aumento significativo do contingente de ondas lentas na faixa delta de forma difusa no traçado. Durante o sono não-REM fase 3 as ondas delta ocupam entre 20 e 50% do tempo total de registro, enquanto durante o sono não-REM fase 4 elas ocupam mais de 50% do tempo de registro.

Durante o sono REM, há significativa redução da amplitude da atividade elétrica cerebral, que passa e ser composta por ondas nas faixas teta e alfa. Nessa fase, não são registradas ondas agudas do vértex, fusos de sono e nem complexos K.

A diferenciação entre as fases do sono NREM pode levar em consideração outros aspectos como o padrão respiratório e a movimentação ocular. Contudo, esses aspectos não podem ser avaliados adequadamente em um eletrencefalograma de rotina. A análise detalhada do sono pode ser realizada por outro exame eletrofisiológico denominado polissonografia, preferencialmente associada a monitorização contínua através de sistema de vídeo.

A partir da adolescência, a transição do sono para a vigília ocorre de forma abrupta. Entre 2 e 10 anos, essa transição ocorre de forma lenta e gradativa, de modo que no eletrencefalograma pode-se observar a denominada “reação de despertar”, caracterizada por uma atividade na faixa teta de elevada amplitude, generalizada, rítmica e com duração variável.

O termo “paroxismo” pode ser utilizado para se referir a qualquer grafoelemento que se destaque da atividade de base. Portanto, um paroxismo não tem, necessariamente, conotação patológica ou anormal. Uma onda aguda do vértex, por exemplo,

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é um paroxismo fisiológico do sono. Por outro lado, por exemplo, uma descarga de espícula-onda é um paroxismo patológico com conotação epiléptica.

O termo “paroxismo epileptiforme” pode ser utilizado para descrever grafoelementos de morfologia agudizada, espiculada, não necessariamente patológico. Por exemplo, pontas positivas 6-14 Hz são paroxismos epileptiformes de natureza epileptogênica incerta, assim como os transientes epileptiformes benignos do sono e as espículas arciformes. Já o termo “paroxismo epileptogênico” refere-se a um grafoelemento que se destaca da atividade de base e tem relação com quadro epiléptico. O termo “paroxismo epileptogênico” pode ser substituído por “descarga”. Já o termo “descarga epileptogênica” é redundante.

Conforme suas características morfológicas, os principais tipos de paroxismos epileptogênicos são:

Espícula: grafoelemento patológico que se destaca da atividade de base, com morfologia agudizada e duração entre 20 e 70 milisegundos. É um grafoelemento com forte conotação epileptogênica. Em exames com excesso de ritmos rápidos, como por exemplo, nos casos de impregnação medicamentosa, descargas de espículas de baixa voltagem podem passar desapercebidas.

Onda aguda: grafoelemento patológico que se destaca da atividade de base, com duração entre 70 e 200 milisegundos, composto por uma primeira fase agudizada e por uma segunda fase com morfologia arredondada e ampla. Trata-se de um grafoelemento com forte conotação epileptogênica. Observem que o termo “onda aguda-onda lenta” é redundante, pois descargas de “onda aguda” já são compostas por duas fases, uma aguda e outra lenta.

Poliespículas: grafoelemento patológico que se destaca da atividade de base, composto por 3 ou mais espículas rítmicas, com duração variável. Embora possam ter apresentação focal, mais frequentemente tem projeção generalizada. A salva de espículas pode ser seguida por uma onda lenta, condição na qual o grafoelemento passa ser denominado “complexo poliespícula-onda”.

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Complexo espícula-onda: grafoelemento patológico que se destaca da atividade de base composto por uma espícula, que pode ter até 3 fases, seguida por um onda de morfologia arredondada e ampla, com frequência de 3 Hz. É um grafoelemento compatível com crises de ausência típica.

Complexo espícula-onda lenta: grafoelemento patológico que se destaca da atividade de base, composto por uma ou mais espículas seguidas por onda de morfologia arredondada e ampla, com frequência inferior a 2,5 Hz. Antigamente, denominada “descarga de pequeno mal variante” é um grafoelemento encontrado em epilepsias graves e encefalopatias epilépticas como na síndrome de Lennox-Gastaut. Embora o termo “complexo espícula-onda lenta” seja clássico na literatura, a primeira fase do grafoelemento muitas vezes tem duração superior a 70 milisegundos, correspondendo, portanto, a uma onda aguda e não a uma espícula.

Complexo espícula-onda rápida: a morfologia do grafoelemento é semelhante à do complexo espícula-onda, contudo com maior frequência, entre 4 e 5 Hz. São encontrados em adolescentes e estão associados a crises generalizadas tônico-clônicas e crises mioclônicas. Podem ocorrer em pacientes com crises de ausência atípica.

Complexo espícula-onda rudimentar: esse termo é utilizado quando o primeiro elemento (a espícula) do complexo espícula-onda apresenta voltagem muito baixa. Geralmente é observado durante a sonolência, sendo mais frequente em lactentes e escolares. Pode apresentar projeção generalizada, embora projeção parietal seja mais frequente. Seu significado clínico é incerto.

Ritmo recrutante epiléptico: antigamente denominado “descargas de grande mal”, “descargas de espículas rítmicas” e “descargas de atividade paroxística rítmica generalizada”, o ritmo recrutante epiléptico é um achado eletrográfico francamente patológico, mais observado durante as fases do sono e sugestivo

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de formas graves de epilepsia generalizada sintomática. Esse ritmo anormal é composto por um surto de espículas de duração variável, podendo durar até 20 segundos, durante os quais observa-se um aumento progressivo na voltagem das espículas, o que corresponde ao fenômeno de recrutamento neuronal. Habitualmente tem projeção generalizada com acentuação em regiões anteriores. Em casos raros, o ritmo recrutante epiléptico pode ser restrito às regiões frontais. É muito observado durante o sono em pacientes portadores da síndrome de Lennox-Gastaut.

O termo “crise eletrográfica” é utilizado para descrever ritmos ictais com duração igual ou superior a 10 segundos não associados a manifestações clínicas. O termo “crise eletro-clínica” é utilizado para descrever ritmos ictais ou paroxismos isolados de qualquer duração desde que associados a manifestações clínicas ictais.

Métodos de ativação

Algumas provas devem ser realizadas rotineiramente durante o eletrencefalograma com o objetivo de aumentar sua sensibilidade para alterações paroxísticas epileptogênicas.

A prova de hiperventilação voluntária: é realizada solicitando que a criança inspire e expire de forma sequencial durante 3 a 5 minutos. Crianças mentalmente normais, a partir de 5 anos, já são capazes de compreender e colaborar com essa prova. Fisiologicamente, após o início da hiperventilação deve ocorrer alentecimento difuso do traçado com predomínio em regiões posteriores. Alentecimento mais marcante é observado entre 8 e 12 anos. Não se deve solicitar hiperventilação a pacientes com doença cérebro-vascular, com suspeita de hemorragia intracraniana, portadores de doença cardíaca ou coronariana, crianças com doenças respiratórias agudas ou descompensadas, anemia falciforme e doença de moya-moya.

A prova de fotoestimulação intermitente: é realizada através de um foco luminoso de luz estroboscópica, posicionado a

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aproximadamente 50 cm da face do paciente, que deve estar em vigília e com olhos fechados. Luzes avermelhadas aparentemente estimulam mais intensamente o córtex visual primário. Desse modo, quando a luz estroboscópica atravessa as pálpebras, devido sua grande vascularização, acabam atingindo a retina com a cor vermelha. Realizar a fotoestimulação com os olhos abertos é desconfortável e gera artefatos musculares que impossibilitam a análise adequada da atividade elétrica cerebral nas regiões anteriores. A frequência da estimulação luminosa pode ser determinada em cada equipamento. Habitualmente, parte-se de frequências baixas, em torno de 0,5 Hz, e eleva-se de 3 em 3 Hz até atingir uma frequência de fotoestimulação entre 20 e 25 Hz. Os estímulos luminosos devem ter duração de 10 segundos intercalados por períodos sem fotoestimulação também com duração de 10 segundos.

A resposta fotomioclônica corresponde ao registro da atividade elétrica dos músculos frontais e periorbitais, seguindo a frequência da fotoestimulação. Trata-se, portanto, de uma resposta fisiológica.

O arrasto fótico ocorre quando o córtex occipital assume a mesma frequência da fotoestimulação. Corresponde a uma resposta fisiológica do córtex posterior. Assimetria do arrasto fótico pode indicar lesão estrutural do córtex visual.

A resposta fotoparoxística corresponde ao surgimento de paroxismos epileptiformes durante a fotoestimulação. Nesse caso, sugere-se interromper estimulação imediatamente pelo risco de desencadear crise epiléptica generalizada. Em algumas doenças neurológicas específicas, como a lipofuscinose ceróide neuronal e algumas síndromes epilépticas fotossensíveis, a fotoestimulação pode contribuir na elucidação do diagnóstico.

A privação de sono: atualmente não mais se realiza longas privações de sono (12 e até 24 horas) como antigamente. Pede que a criança durma menos na noite que antecede o eletrencefalograma para que possa dormir espontaneamente durante o exame. Caso

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não seja possível registrar o sono espontâneo, pode-se utilizar indutores de sono não benzodiazepínicos, como o hidrato de cloral por via oral. O sono provoca aumento da sincronia neuronal aumentando a possibilidade de se registrar paroxismos epileptogênicos.

A estimulação auditiva: é indicada somente quando há queixa específica de crises desencadeadas ou precipitadas por estímulos sonoros. Em pacientes predispostos, estímulos sonoros podem provocar o surgimento de paroxismos epileptogênicos em regiões temporais.

A estimulação sensitiva: é pouco utilizada nos exames de rotina. Pode ser realizada através da percussão da planta dos pés, podendo provocar o surgimento de paroxismos epileptiformes nas regiões parietais tanto em pacientes portadores de epilepsia idiopática como em indivíduos neurologicamente normais.

Artefatos durante o eletrencefalograma

Os artefatos durante um exame de eletrencefalograma podem ser divididos em fisiológicos, aqueles originados no corpo humano, e não-fisiológicos, aqueles originados por alterações elétricas ou mecânicas alheias ao corpo humano.

Os artefatos fisiológicos mais frequentes são:Artefato de movimentação do paciente.1. Artefato de pulsação arterial ou baristográfico.2. Artefato de contração muscular.3. Artefato de movimentação dos olhos, pálpebra e língua.4. Artefato de mastigação e de deglutição.5. Artefato de sudorese.6.

Os artefatos não-fisiológicos mais frequentes são:Artefato de corrente elétrica ou de 60 Hz.1. Artefato de mal funcionamento elétrico do equipamento.2.

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Elementos eletrográficos típicos do período neonatal

O eletrencefalograma do período neonatal apresenta uma série de particularidades em relação aos exames realizados em crianças maiores. Alguns elementos gráficos existem somente nessa fase da vida e outros, comumente registrados em crianças maiores, jamais serão observados nos recém-nascidos.

Traçado descontínuo: corresponde a um traçado caracterizado por períodos de redução de amplitude mesclados por atividade elétrica cerebral de voltagem mais ampla. Esses períodos de redução de amplitude podem durar de poucos segundos até alguns minutos, sendo um achado eletrográfico característico da prematuridade e desaparecendo ao redor de 32 semanas de idade biológica. Em recém-nascido prematuros-limítrofe, e mesmo durante os primeiros dias de vida dos recem-nascidos a termo, o traçado descontínuo pode ser observado durante o sono.

Traçado alternante: caracterizado por surtos de ondas na faixa teta com voltagem entre 50 e 110 �V, mescladas por grafoelementos de morfologia agudizada e elevada voltagem semelhantes a espículas.

“Encoches frontales”: também denominados elementos ou transientes agudos frontais, correspondem a paroxismos de morfologia agudizada com máxima eletronegatividade nas regiões frontais. São mais constantes durante o sono e podem ser observados após 35 a 37 semanas de idade biológica.

Delta “brush”: atividade lenta na faixa delta modulada por atividade rápida na frequência de 10 a 20 Hz, observada em prematuros durante o sono. Após 40 semanas de idade biológica não devem mais ser registrados.

Teta temporal do prematuro: são paroxismos de morfologia agudizada, na faixa teta, com elevada amplitude (entre 100 e 250 �V) com máxima eletronegatividade nas regiões temporais. Embora seu significado clínico não esteja totalmente compreendido, não parece ter conotação epiléptica e nem lesional.

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Teta agudizado occipital do prematuro: são paroxismos de morfologia agudizada, na faixa teta, com média a elevada voltagem (entre 100 e 150 �V), observados em prematuros de 22 a 24 semanas de idade biológica. Podem ocorrer de forma síncrona ou assíncrona e sempre com máxima voltagem nas regiões occipitais. Assim como o teta temporal do prematuro, seu significado clínico é incerto, não tendo conotação epiléptica e nem lesional.

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Perguntas frequentes sobre epilepsia no consultório

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Durante a consulta de uma criança, que apresentou a primeira crise epiléptica, é comum que os pais tenham muitas dúvidas e, consequentemente, diversas perguntas são feitas. Nesse momento, é importante que o médico que assiste a criança explique de forma clara os principais aspectos das crises, como será o tratamento e o que os familiares devem esperar do futuro em relação à saúde neurológica do paciente.

As dúvidas dos pais são as mais diversas, desde como administrar as medicações, os melhores horários, sobre as aulas de educação física, se o paciente poderá dirigir no futuro entre muitas outras questões.

Desse modo, após alguns anos atendendo essas famílias, selecionamos algumas das mais frequentes perguntas feitas pelos pais bem como as respostas elaboradas de forma simples, objetiva e acessível ao público leigo.

Por que acontecem as crises epilépticas?

Nosso cérebro é formado por milhões e milhões de células chamadas neurônios e estas células comunicam-se através de impulsos elétricos. Desta forma, nosso cérebro pode ser entendido como uma grande usina de energia elétrica, funcionando 24 horas por dia, enquanto estamos acordados e também enquanto estamos dormindo.

As crises epilépticas ocorrem quando estes impulsos elétricos passam ocorrer de forma muito intensa, exacerbada. Quando somente uma pequena parte dos neurônios cerebrais passa a “descarregar” de forma exacerbada, provoca as chamadas crises epilépticas focais (ou parciais). Quando muitos neurônios dos dois lados do cérebro passam a descarregar de forma exacerbada acabam provocando as denominadas crises epilépticas generalizadas.

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As crises epilépticas parciais manifestam-se através do envolvimento de somente uma parte do corpo da criança como, por exemplo, um braço, uma perna ou somente o rosto. As crises epilépticas generalizadas manifestam-se através do envolvimento de todo o corpo.

As crises epilépticas parciais podem ser basicamente de dois tipos: crises epilépticas parciais simples (nas quais não há perda da consciência) e as crises epilépticas parciais complexas (nas quais há perda da consciência).

Existem diferentes tipos de crises epilépticas?

Sim. O tipo de crise epiléptica depende fundamentalmente de qual região do cérebro está sendo comprometida no momento da crise. Como sabemos, cada pequena região do cérebro tem determinada função. Por exemplo, as regiões cerebrais posteriores (que chamamos de lobos occipitais) são as responsáveis pela visão, logo, se a crise envolver estas regiões ela se manifestará através de alterações visuais. Nesse caso, o paciente pode ter alucinações visuais, turvamento ou escurecimento visual, visão dupla e movimentos piscatórios. Outro exemplo: as regiões mais anteriores do cérebro (que chamamos de lobos frontais) são as responsáveis por nossos movimentos, assim, caso a crise epiléptica envolva estas regiões cerebrais ela se manifestará através de alterações como aumento do tônus muscular (pode permanecer com os braços ou com as pernas endurecidas), tremores, abalos musculares ou espasmos.

Desta forma, existem muitos tipos diferentes de crises epilépticas e por esse motivo é muito importante que os familiares que cuidam da criança e que eventualmente tenham presenciado alguma crise a descrevam com o máximo de detalhes possível. O médico neurologista vai utilizar a descrição de quem presenciou o evento para descobrir em qual região do cérebro foi gerada a crise. Portanto, por mais difícil que seja, se você estiver frente a uma criança que está apresentando uma crise epiléptica mantenha

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a calma e observe cuidadosamente o maior número possível de detalhes para poder contar ao seu médico no momento da consulta.

Crise epiléptica e epilepsia são a mesma coisa?

Não. Quando utilizamos o termo crise epiléptica ou crise convulsiva estamos nos referindo a somente um evento, somente uma crise isoladamente. Quando utilizamos o termo epilepsia estamos nos referindo a uma doença que se caracteriza pela ocorrência de crises epilépticas de forma recorrente e espontânea. Ou seja, uma criança portadora de epilepsia pode apresentar uma crise epiléptica a qualquer momento, sem nenhum aviso prévio, sem que haja algum fator desencadeante.

Crise convulsiva e crise epiléptica são a mesma coisa?

Não. Quando utilizamos o termo crise convulsiva ou simplesmente convulsão, estamos nos referindo a uma crise na qual há obrigatoriamente alguma movimentação do paciente, algum comprometimento motor. As crises que não tem nenhum comprometimento motor (como, por exemplo, as crises de ausência) são crises epilépticas, mas não são crises convulsivas.

Portanto, toda crise convulsiva é uma crise epiléptica, mas nem toda crise epiléptica é uma crise convulsiva. Para o público leigo, essa diferença é meramente “semântica”. Contudo, os profissionais de saúde devem conhecer a diferença e utilizar os termos corretamente.

Qualquer pessoa pode ter uma crise epiléptica?

Sim. De modo geral, qualquer pessoa pode apresentar uma crise epiléptica em qualquer momento da vida. Contudo, existem algumas fases da vida nas quais o risco é maior. Sabidamente, no primeiro ao de vida (particularmente nos primeiros trinta dias de vida) e após

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os sessenta anos de idade o risco aumenta consideravelmente. A cada mil bebês nascidos vivos, entre dois e cinco apresentarão pelo menos uma crise convulsiva nos primeiros trinta dias de vida. Nas crianças mais velhas, a prevalência de crise epiléptica é em torno de 5/1.000 habitantes (nos países desenvolvidos) e 10/1.000 habitantes (nos países em desenvolvimento). Nos idosos, principalmente após os sessenta anos, o risco de ter uma crise aumenta muito em decorrência do aumento na incidência dos acidentes vasculares cerebrais (os chamados derrames).

Os recém-nascidos também podem ter epilepsia?

Sim. Atualmente sabemos que até mesmo antes do nascimento a criança pode apresentar crises epilépticas. É isso mesmo! As crianças ainda durante a vida fetal podem convulsionar. Há diversos relatos de gestantes que descrevem os bebês tendo crises mesmo dentro de seu ventre. As crises nos recém-nascidos são mais difíceis de serem diagnosticadas porque, na grande maioria das vezes, são mais discretas. Por este motivo, no período neonatal costumamos chamar muitos eventos epilépticos de “crises sutis”.

Existem diversos fatores que aumentam o risco de um recém-nascido desenvolver um quadro de epilepsia, como por exemplo: prematuridade (quanto mais prematuro o bebê, maior o risco de evoluir com crises epilépticas no período neonatal), o uso de drogas ilícitas pela gestante, presença de malformações cerebrais, icterícia severa, baixo peso de nascimento (principalmente os bebês que nascem com peso abaixo de 1.500 gramas), idade avançada da gestante e histórico de epilepsia na família dos pais, entre outros.

O que fazer durante uma crise epiléptica?

Inicialmente, a pessoa que está presenciando uma crise epiléptica deve agir com calma e pedir ajuda se necessário. O paciente deve ser colocado em um local seguro, pois não é raro que as crianças sofram lesões, principalmente na cabeça,

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devido traumatismos que poderiam ter sido facilmente evitados. Um local seguro pode ser encontrado em qualquer ambiente, como um sofá, uma cama ou mesmo um tapete. Em seguida, deve-se afastar do paciente qualquer objeto que possa provocar traumatismos, como mesas e cadeiras. O mais importante é sempre protegermos a cabeça da criança, evitando uma lesão desnecessária. O paciente deve ser mantido em decúbito lateral (deitado de lado) para evitar que engasgue com a saliva que normalmente é abundante durante a crise. Se a criança tiver qualquer coisa dentro da boca que possa aspirar, essa deve ser imediatamente retirada.

Após estes cuidados iniciais, o paciente deve ser conduzido, sem pressa, até um setor de atendimento de emergência.

O que não fazer durante uma crise epiléptica?

Costumo dizer aos meus pacientes que mais importante que “o que fazer durante uma crise” é “o que não fazer durante uma crise”. Uma série de crendices são tão populares que acabam se confundindo com medidas realmente terapêuticas. A seguir farei uma breve lista do que não fazer durante uma crise epiléptica: não soprar no rosto do doente, não passar água, álcool, vinagre ou óleo no corpo durante a crise, não colocar a criança dentro de banheiras com água (nem quente e nem fria), não introduzir absolutamente nenhum objeto (como por exemplo, o cabo de uma colher ou outros talheres) na boca do paciente, jamais tentar segurar a língua e muito menos puxá-la para fora da boca (é um mito popular que as pessoas durante uma crise epiléptica podem vir a morrer por se asfixiarem com a língua) e não fazer respiração boca a boca e nem massagem cardíaca (estes procedimentos são utilizados na reanimação de pessoas em parada cárdio-respiratória e por quem realmente saiba como realizá-los). Jamais segurar o paciente tentando conter seus movimentos durante a crise e não dar água ao paciente (isso, além de não contribuir

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em absolutamente nada na recuperação da crise, pode agravar o quadro provocando asfixia e pneumonia).

Quais exames devem ser realizados quando uma criança tem uma crise epiléptica?

Atualmente existe um grande número de exames que podem ser realizados na investigação de crianças com epilepsia, como por exemplo, o eletrencefalograma, poligrafia neonatal, videomonitoração eletrencefalográfica, ecografia cerebral transfontanelar, tomografia de crânio, ressonância nuclear magnética do encéfalo, SPECT cerebral, tomografia por emissão de fóton único, tomografia por emissão de pósitrons, monitoração invasiva e semi-invasiva com eletrodos esfenoidais, eletrodos de forame oval, eletrodos de profundidade, placas e grades corticais entre outros.

Contudo, o fundamental e certamente muito mais importante que a realização que qualquer exame subsidiário, é que a história clínica do paciente seja adequadamente coletada e que a descrição da crise epiléptica seja a mais completa possível.

Como já dissemos anteriormente, a epilepsia é um diagnóstico clínico, até mesmo por que, frequentemente, crianças epilépticas, têm todos os exames subsidiários normais. De modo geral, a investigação inicial após a primeira crise deve ser realizada com um exame eletrofisiológico (eletrencefalograma de rotina) e por um exame de imagem (preferencialmente a ressonância magnética do encéfalo).

Todas as crianças terão as crises controladas com as medicações?

Não. De um modo geral, em torno de 80% das crianças terão controle completo das crises epilépticas com uma ou com a associação de duas medicações antiepilépticas. Ao redor de 15 a 20% das crianças com epilepsia, não obterão controle completo

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das crises mesmo com o uso regular de drogas antiepilépticas associadas.

Sabemos que nos casos em que os exames de neuroimagem demonstram a presença de lesões cerebrais (como os tumores, malformações ou lesões adquiridas) o controle das crises costuma ser mais difícil, quando comparados às crianças que têm exames de neuroimagem normais (sem lesão cerebral aparente).

Quando utilizamos algumas drogas antiepilépticas sem haver resposta adequada, ou seja, sem o controle das crises, utilizamos o termo “epilepsia clinicamente refratária”. Algumas destas crianças podem ser submetidas a algum tipo de procedimento cirúrgico para o tratamento da epilepsia. As crianças que não respondem às medicações, e que não podem ser submetidas a nenhum procedimento cirúrgico, são denominadas portadoras de “epilepsia intratável”.

Alguém pode morrer durante uma crise epiléptica?

Sim, embora isso seja muito raro. O risco de morte durante uma crise é significativamente maior quando esta tem duração superior a trinta minutos. Pacientes que apresentam crises com duração superior a trinta minutos devem sempre ser conduzidos a um serviço de emergência para serem medicados e para a realização de alguns exames laboratoriais. A maior parte das pessoas que morrem durante uma crise convulsiva, não morrem diretamente devido ao fenômeno epiléptico, e, sim, de forma indireta devido acidentes, traumatismos cranianos ou complicações como as pneumonias aspirativas maciças.

Podem ocorrer falsas crises epilépticas?

Sim. Tanto as pessoas portadoras de epilepsia como aquelas que nunca tiveram uma crise podem, em determinadas circunstâncias, apresentar uma falsa crise epiléptica. Em momentos de grande ansiedade, alguns indivíduos podem desencadear uma respiração

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rápida e ofegante, levando à produção excessiva de dióxido de carbono, alterando a bioquímica sanguínea, e desencadear perda da consciência e movimentos que podem ser confundidos com uma crise epiléptica.

Todavia, um médico experiente observando estas manifestações clínicas tem condições de diferenciar as crises epilépticas verdadeiras das falsas crises. A simulação de crises epilépticas é, estatisticamente, mais frequente no sexo feminino e a partir da adolescência.

E na escola? Para quem devemos contar que a criança tem epilepsia?

A maioria das crianças com epilepsia controlada pode ter vida social absolutamente normal, inclusive no ambiente escolar. De modo geral, orientamos que a família informe aos professores sobre a questão para evitar “surpresas” caso a criança apresente uma crise epiléptica enquanto se encontra na escola.

Crianças com crises controladas podem realizar educação física regularmente, sem nenhuma restrição. Os jogos esportivos habitualmente desenvolvidos nas escolas durante as aulas de educação física não colocam a criança em risco e nem aumentam a chance de ocorrer uma nova convulsão.

No caso de aulas de natação, não há restrição específica para os pacientes com crises controladas, desde que as aulas se desenvolvam sob supervisão de adulto capaz de prestar socorro em caso de crise convulsiva e afogamento.

A criança com epilepsia pode realizar exercícios físicos?

Para crianças com crises controladas, os jogos esportivos habituais como futebol, vôlei, basquete, tênis, ginástica de solo, corrida, podem ser realizados sem restrição. Como já dissemos anteriormente, a natação em ambiente fechado pode ser realizada desde que sob supervisão.

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Não são indicados esportes náuticos em espaço aberto. Por exemplo, evidentemente, o bom senso dos pais indicará que uma criança portadora de epilepsia (mesmo com crises controladas) não deve realizar natação em mar aberto, rios ou lagos, nem mesmo sob supervisão.

São contra indicados esportes em altura como ginástica em barra, alpinismo, escalada, vôo com asa delta e pára-quedismo. Costumamos contra-indicar o uso de bicicleta em ruas movimentadas e sem supervisão.

Durante a consulta, quando os pais perguntam sobre o que a criança pode e o que não pode fazer, costumo dizer: - Pergunte a você mesmo! Tudo que seu bom senso lhe disser que é perigoso deve ser evitado. Contudo, mesmo contando com o bom senso dos pais, devemos reforçar as explicações sobre os riscos envolvidos em cada modalidade esportiva, quais esportes podem ser praticados sem restrição e quais são temporariamente proibidos.

E o adolescente com epilepsia? Há algum cuidado especial?

A adolescência é uma fase em que uma série de hábitos pode aumentar o número e a intensidade das crises epilépticas, até mesmo em pacientes que vinham com controle das crises há bastante tempo.

A ingestão de bebidas alcoólicas pode desencadear crises epilépticas em indivíduos previamente saudáveis (não epilépticos) e pode descompensar a epilepsia em pacientes com crises controladas.

Outro problema que observamos muito frequentemente nos adolescentes epilépticos é a falta de adesão ao tratamento. Muitos adolescentes fazem uso irregular das drogas antiepilépticas e até mesmo interrompem o tratamento sem orientação médica e sem o conhecimento dos familiares.

A privação de sono (dormir poucas horas durante a noite) pode agravar algumas síndromes epilépticas, particularmente a

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epilepsia mioclônica juvenil. E como sabemos, dormir pouco é um hábito comum para muitos adolescentes.

Pessoas com epilepsia podem dirigir?

Não há uma resposta única para essa questão que possa abranger todas as pessoas com epilepsia. A decisão sobre quem poderá obter ou renovar sua habilitação é individualizada e depende de uma criteriosa avaliação médica que pode envolver tanto o médico perito como o médico assistente do paciente.

Em alguns países, existem normas específicas para a liberação de habilitação para pessoas com epilepsia como, por exemplo, estar com controle completo das crises há pelo menos 12 meses, não ser motorista profissional e conduzir exclusivamente carros de passeio. Em diversos países, pessoas portadoras de epilepsia (mesmo com as crises controladas) não recebem autorização para conduzirem veículos de transporte público e nem veículos pesados como caminhões e ônibus.

No Brasil, sabe-se que muitos indivíduos portadores de epilepsia, até mesmo aqueles em tratamento regular com drogas antiepilépticas e com controle completo das crises, não mencionam a doença quando solicitam a permissão para dirigir ou no momento de renovação da habilitação. O ato de omitir a doença (epilepsia) ou mesmo o uso contínuo de medicação antiepiléptica constitui crime de falsidade ideológica regularmente previsto no Código Penal Brasileiro.

Atualmente, no momento da primeira solicitação da habilitação ou na renovação da habilitação o solicitante deve preencher um questionário e a omissão deste dado (“ser portador de epilepsia”) gera um documento falso assinado.

No Brasil, devido à falta de dados estatísticos confiáveis, não sabemos com certeza o número de indivíduos epilépticos envolvidos em acidentes de trânsito.

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O que é a cirurgia para epilepsia?

Alguns pacientes portadores de determinadas síndromes epilépticas graves, não podem ter suas crises controladas satisfatoriamente com a utilização das medicações disponíveis no momento. Alguns destes pacientes podem ser submetidos a procedimentos cirúrgicos visando reduzir a intensidade e a frequência das crises (denominadas cirurgias paliativas), ou mesmo, visando obter o controle completo das crises (cirurgias curativas).

Embora há mais de 50 anos se reconheça a possibilidade de remover cirurgicamente um foco epileptogênico, somente nas últimas duas décadas as técnicas cirúrgicas possibilitaram a realização destes procedimentos de forma segura e efetiva. Atualmente, estes procedimentos cirúrgicos são realizados tanto nas crianças como nos adultos.

Certamente, o fator que mais contribui para o sucesso de uma cirurgia de epilepsia é a seleção criteriosa do paciente. Alguns exames pré-operatórios devem ser realizados rotineiramente, como o eletrencefalograma, a videomonitorização eletrencefalográfica (exame no qual tentamos gravar/filmar algumas crises epilépticas do paciente para estudo) e a ressonância nuclear magnética do encéfalo. O paciente considerado “ideal” para indicação cirúrgica é aquele no qual há concordância entre a descrição das crises epilépticas (geralmente realizada pelos familiares), os exames eletrofisiológicos e a ressonância magnética. Nos últimos anos, os exames de neuroimagem têm ganhado cada vez mais importância na investigação pré-operatória em pacientes portadores de epilepsia.

O que é a disritmia cerebral?

O termo disritmia cerebral foi introduzido na literatura médica e na cultura popular, pelo casal americano Frederick A. Gibbs e Erna L. Gibbs, entre as décadas de 1920 e 1930. Provavelmente,

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quando este termo foi criado o objetivo era diminuir a carga de preconceito da sociedade sobre o real nome da doença: “epilepsia”. Contudo, após alguns anos, o termo “disritmia cerebral” perdeu seu significado original e passou a ser utilizado para designar diversas outras doenças neurológicas como o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, crises de perda de fôlego, síncopes, distúrbios de origem emocional e outras desordens neurológicas.

Embora se trate de um termo em franco desuso, há muito tempo, ainda nos dias de hoje, é comum observamos algumas pessoas, inclusive médicos, falando e escrevendo sobre a “disritmia cerebral”. Resumindo, o termo “disritmia cerebral” não deve ser utilizado nem por médicos e nem mesmo pelos pacientes, uma vez que não tem seu significado definido. “Disritmia cerebral” não é sinônimo de epilepsia e nem mesmo se refere a uma forma particular de crise epiléptica.

Gardenal pode diminuir a inteligência das crianças?

O fenobarbital (Gardenal®) é uma das medicações antiepilépticas mais antigas e por este motivo uma das mais conhecidas e estudadas. Sua eficácia é considerada alta quanto ao controle de crises epilépticas. Nos dias de hoje, ainda permanece como uma das medicações mais utilizadas no tratamento de pessoas com epilepsia, principalmente nos países subdesenvolvidos e naqueles em desenvolvimento, devido seu baixo custo. Lembramos que em diversos países do mundo como, por exemplo, no Brasil, o fenobarbital é de distribuição gratuita na rede pública, o que certamente influencia a prescrição médica.

Há muitos anos, os efeitos colaterais do fenobarbital são relatados e amplamente discutidos na literatura mundial. Logo após o início do tratamento com esta medicação, muitas crianças desenvolvem sinais de sonolência e outras de agitação, o que é um efeito que costuma desaparecer ou regredir consideravelmente após alguns dias ou semanas. Embora seja algo temporariamente

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incômodo para os pais, este não é um efeito colateral que realmente chegue a causar preocupação para os médicos.

A grande questão envolvendo o fenobarbital é quanto a possibilidade de redução da capacidade cognitiva das crianças a longo prazo. Quer dizer, qual o risco de uma criança que faz uso desta medicação ter sua capacidade intelectual (sua “inteligência”) reduzida após alguns anos ou décadas? Embora muitos estudos tenham tentado responder a esta pergunta, os resultados são conflitantes a este respeito. Alguns autores utilizam o termo “barbiturismo” (palavra derivada de “fenobarbital”) para descrever os efeitos colaterais de sonolência, transtornos comportamentais e alterações cognitivas relacionadas ao uso crônico do fenobarbital. Evidentemente, a intensidade destes efeitos colaterais varia de um paciente para outro, na dependência de uma série de fatores, alguns relacionados ao próprio paciente, outros relacionados ao esquema de tratamento (como a dose utilizada, os horários de administração e até mesmo a associação com outras drogas antiepilépticas). Outro efeito colateral do fenobarbital, este mais observado em adolescentes e adultos, é o desenvolvimento de sinais e sintomas de depressão, que pouco ou nada respondem aos medicamentos antidepressivos.

Embora se trate, indiscutivelmente, de uma medicação bastante eficaz no controle das crises epilépticas, o uso indiscriminado do fenobarbital vem sendo motivo de preocupação em diversos países do mundo. Ressaltamos que nas crianças menores, sobretudo naquelas abaixo de um ano, o fenobarbital permanece como uma das medicações mais utilizadas em todo o mundo. Sua indicação precisa (nos tipos de epilepsia sensíveis a esta droga) e por um período de tempo razoável não aumenta o risco de déficits cognitivos permanentes no futuro.

A indicação de fenobarbital como droga de primeira escolha para tratamento de epilepsia nas crianças maiores, adolescentes ou mesmo nos adultos é uma conduta condenável nos dias atuais,

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uma vez que há um grande número de alternativas terapêuticas com menos efeitos colaterais e, muitas vezes, com maior eficácia.

Como diferenciar as crises epilépticas verdadeiras das “falsas crises”?

A denominação correta para as chamadas “falsas crises” é “crises psicogênicas não epilépticas”. Crises psicogênicas não epilépticas são eventos que simulam uma crise epiléptica embora não tenham origem em uma alteração elétrica do cérebro, como ocorre nos casos verdadeiros de epilepsia.

É importante ressaltarmos que existe uma grande série de eventos que podem representar um diagnóstico diferencial com as crises epilépticas, como alguns distúrbios do sono (terror noturno, sonambulismo, narcolepsia), as síncopes, crises de perda de fôlego cianóticas e pálidas e algumas formas de distúrbios de movimento, entre outros. Contudo, o termo “crises psicogênicas não epilépticas” não se refere a estes pacientes e sim àqueles pacientes que consciente ou inconscientemente simulam uma crise com características muito semelhantes às de uma crise epiléptica verdadeira.

Um fator complicador é que as crises psicogênicas não epilépticas podem, e frequentemente ocorrem, em pacientes que são portadores verdadeiramente de epilepsia. Ou seja, o paciente tem crises epilépticas verdadeiras e passa a apresentar, por motivos geralmente de ordem emocional, crises psicogênicas não epilépticas. Nestes casos, há necessidade de utilizarmos um exame denominado vídeomonitorização eletrencefalográfica, no qual filmamos o paciente realizando um eletrencefalograma durante algumas horas, tentando registrar um ou alguns desses eventos para posterior análise.

A “doença do bicho do porco” causa epilepsia?

Popularmente conhecida como “doença do bicho do porco”, a cisticercose é uma doença muito frequente, e até mesmo, endêmica

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em algumas regiões do Brasil. A cisticercose é provocada pelo acometimento dos hospedeiros intermediários (os porcos) e dos hospedeiros anômalos (os homens) pela larva da Taenia solium (o chamado cisticerco), o que ocorre quando o homem ingere a carne do porco contaminada com cistos viáveis. O cozimento ou fritura da carne do porco torna-a segura para alimentação humana.

Os cisticercos têm predileção por determinados tecidos e órgãos do corpo humano, como os olhos, os músculos e o tecido cerebral. Quando atingem o tecido cerebral, os cisticercos provocam uma doença chamada cisticercose cerebral ou neurocisticercose, caracterizada pela formação de focos de lesão inflamatória cerebral que no futuro sofrerão calcificação. Estas lesões cerebrais podem provocar desde manifestações neurológicas menores (como falta de atenção e concentração) até epilepsias de difícil controle medicamentoso. Alguns casos de neurocisticercose podem desencadear grave processo inflamatório no tecido cerebral, particularmente nos pacientes com alguma deficiência de imunidade, levando a morte.

A neurocisticercose é uma das principais causas de epilepsia em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, como o Brasil, uma vez que está intimamente relacionada às condições de saneamento básico da população. De forma resumida, quanto pior as condições de saneamento maior o risco neurocisticercose.

O diagnóstico da neurocisticercose é geralmente feito após uma primeira crise epiléptica, na qual o paciente realiza um exame de neuroimagem e se constata um cisticerco. Caso a doença esteja ainda em uma fase inicial, o cisticerco pode estar “vivo”, provocando ativamente um processo inflamatório local. Se a doença tiver algum tempo de evolução, o que é mais frequente, o cisticerco é visto como um pequeno ponto branco na tomografia, indicando sua fase de calcificação. Ambas as lesões (tanto na fase aguda como na fase subaguda ou crônica) podem provocar crises epilépticas. Por fim, lembramos que no caso particular da

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neurocisticercose, o exame de tomografia de crânio é considerado superior à ressonância magnética do encéfalo por ser mais sensível na detecção de lesões cerebrais calcificadas.

Qual a melhor droga antiepiléptica para a mulher grávida?

Até alguns anos acreditava-se que o fenobarbital era a medicação com menos risco para o feto. Contudo, após a publicação de alguns relatórios americanos, a carbamazepina, a oxcarbazepina e a lamotrigima são consideradas as medicações mais seguras nessa situação. O valproato de sódio permanece como a droga com maior risco de desencadear malformações fetais.

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Protocolo de tratamento do estado de mal epiléptico

Paulo Liberalesso, Alfredo Löhr Júnior, Silmara Possas, Paulo Ramos David João, Vitor Costa Palazzo, Rosângela Garbers,

Gislaine Souza Nieto

Crises epilépticas correspondem a eventos clínicos transitórios e autolimitados decorrentes de atividade anormal e hipersincrônica de um determinado grupamento de neurônios do córtex cerebral (crises epilépticas focais) ou de neurônios de amplas áreas de ambos os hemisférios cerebrais (crises generalizadas).

Epilepsia corresponde a uma doença caracterizada por crises epilépticas (convulsivas ou não convulsivas) que ocorrem de forma recorrente e não desencadeadas por febre, drogas ou distúrbios metabólicos. A epilepsia pode ocorrer como uma doença isolada ou no contexto de uma síndrome epiléptica em associação com outros sinais e sintomas.

Estado de mal epiléptico corresponde a uma crise epiléptica com duração igual ou superior a 30 minutos ou crises epilépticas subintrantes sem que haja recuperação completa da consciência entre elas. Do ponto de vista clínico, o estado de mal epiléptico pode ser dividido em convulsivo (com manifestações motoras) e não convulsivo (sem manifestações motoras ou com mínimas manifestações motoras).

O estado de mal epiléptico é uma emergência médica relativamente comum nos pronto-socorros pediátricos. Estima-se que na população geral em torno de 5% dos indivíduos apresentarão pelo menos uma crise epiléptica até o final da adolescência. Não são raras as síndromes epilépticas cuja primeira manifestação clínica é um quadro de estado de mal epiléptico do tipo convulsivo. Além de relativamente frequente nos serviços de emergência pediátrica, o estado de mal epiléptico apresenta morbidade neurológica e mortalidade

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Paulo Liberalesso

relativamente elevadas em comparação com outras situações emergenciais.

Segundo a proposta de esquema de diagnóstico para pessoas com crises epilépticas e epilepsia da Liga Internacional Contra Epilepsia (ILAE, 2001), o estado de mal epiléptico deve ser classificado em: (1) estado de mal epiléptico generalizado (estado de mal epiléptico tônico-clônico generalizado, estado de mal epiléptico clônico, estado de mal epiléptico de ausência, estado de mal epiléptico tônico, estado de mal epiléptico mioclônico) e (2) estado de mal epiléptico focal (epilepsia parcial contínua de Kojeynikov, aura contínua, estado de mal epiléptico límbico ou psicomotor, estado de mal epiléptico hemiconvulsivo com hemiparesia).

Protocolo de tratamento do estado de mal convulsivo

Passo 1 – Determinação primária da etiologia da crise

Exame neurológico sucinto.• História prévia de epilepsia?• Interrompeu tratamento com droga antiepiléptica?• Histórico recente de traumatismo craniano?• Suspeita ou quadro clínico compatível com alteração • metabólica?Suspeita ou quadro clínico compatível com infecção do sistema • nervoso central?Suspeita ou quadro clínico compatível com intoxicação • medicamentosa (questionar a respeito de teofilina, imipenem, isoniazida, clozapina, ciclofosfamida, fentanil, propoxifeno, antibióticos betalactâmicos).

Passo 2 - Exames primários de investigação

Em todas as crises: hemograma, glicemia, sódio, potássio, • cálcio e gasometria arterial.

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Para crises acima de 15 minutos: TGO, TGP, amilase, uréia, • creatinina.Sinais de infecção do sistema nervoso central: líquido • cefalorraquidiano.Primeiro episódio de convulsão febril abaixo de 18 meses: • líquido cefalorraquidiano.Suspeita de lesão estrutural cerebral aguda ou subaguda: • tomografia de crânio.Em casos específicos: exame toxicológico e nível sérico de • drogas antiepilépticas.

Passo 3 - Medidas gerais de tratamento

Leito ou maca com grade de proteção lateral.• Introduzir cânula de Guedel entre os dentes (prevenção de • laceração da língua).Aspirar boca frequentemente (prevenção de pneumonia • aspirativa).Monitoração frequente de sinais vitais (frequência cardíaca, • frequência respiratória, pressão arterial e temperatura).Manter vias aéreas desobstruídas.• Oxigênio sob máscara a 2 a 3 litros/minuto.• Obter acesso venoso (evitar acesso venoso central em situações • de crises com manifestação motora exacerbada, devido o risco de pneumotórax).

Passo 4 - Medidas farmacológicas

Drogas de primeira linha• :Diazepam (5 mg/ml) – 0,2 a 0,3 mg/kg/dose/EV. Infusão: 1 mg/kg/minuto (ou)Diazepam (5 mg/ml) – 0,3 a 0,5 mg/kg/dose/retal, sem diluição, em bolus (ou)Midazolam (5 mg/ 5 ml) – 0,15 a 0,3 mg/kg/dose/EV. Infusão: 1 mg/kg/minuto (ou)

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Midazolam (15 mg/ 3 ml) – 0,15 a 0,3 mg/kg/dose/EV. Infusão: 1 mg/kg/minuto (ou)Midazolam (15mg/3ml) – 0,15 a 0,3 mg/kg/dose/nasal com seringa de insulina

Crises refratárias – administrar até 3 vezes sequenciais com intervalos de 10 minutos, não excedendo a dose máxima cumulativa de cada droga nas 3 administrações.

Crises com duração superior a 15 minutos• :Fenitoína (250 mg/ 5 ml) – 15 mg/kg/dose/EV. Diluição 1:10 em água destilada ou soro fisiológico 0,9%. Infusão: 50 mg/minuto. Fenitoína deve ser diluída somente para lactentes e idosos acima de 65 anos.Crise persistente ou recorrente: administrar dose adicional de fenitoína (250mg/5ml) de 5 a 10 mg/kg dose/EV. Diluição 1:10 em água destilada ou soro fisiológico 0,9%. Infusão: 50 mg/minuto. Não ultrapassar a dose de 300 mg (durante o ataque).Crise persistente após fenitoína: administrar fenobarbital (200 mg/2 ml) – 10 mg/kg/dose/EV. Sem diluição. Infusão: 100 mg/minuto. Não ultrapassar 200 mg nas primeiras 24 horas de tratamento.

Em ambiente de terapia intensiva pediátrica• :Midazolam infusão contínua EV: iniciar 3 �g/kg/minuto

e aumentar 1 �g/kg/minuto a cada 15 minutos até o controle completo da crise. Quando possível, a dose deve ser titulada com eletrencefalograma contínuo até que as descargas sejam totalmente suprimidas ou até padrão de surto-supressão (2 a 8 surtos por minuto). Dose máxima: 17 �g/kg/minuto ou até que a criança apresente disfunção cardiocirculatória grave.

Tiopental sódico infusão contínua EV: iniciar 3-5 mg/kg/dose (ataque) e seguir com 20mg/kg/hora, aumentando 10 mg/kg/hora a cada 15 minutos até o controle da crise ou até que o

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eletrencefalograma apresente surto-supressão (2 a 8 surtos por minuto). O tiopental sódio deve ser preparado em soro fisiológico 0,9% e não deve ser misturado com outras drogas. O tiopental sódico torna-se instável se exposto ao ar.

Passo 5 - Alternativas farmacológicas nos casos refratários

Propofol infusão contínua EV: iniciar 2 mg/kg/dose (ataque). Dose de manutenção entre 2 e 10 mg/kg/hora em infusão contínua. Após o controle da crise, reduzir para 1 a 3 mg/kg/hora. Utilizar eletrencefalograma para titular dose. A interrupção completa das descargas ou o surgimento do padrão de surto-supressão (2 a 8 surtos por minuto) indica o momento para iniciar a redução da dose do propofol.

Lidocaína infusão contínua EV: iniciar com 1 a 2 mg/kg/dose (ataque). Dose de manutenção de 6 mg/kg/hora (crianças) e 1,5 a 3,5 mg/kg/hora (adolescentes) em infusão contínua. Utilizar eletrencefalograma para titular dose.

Topiramato (cápsula de 15 mg e comprimidos de 25, 50 e 100 mg): poucos estudos sobre sua eficácia no estado de mal epiléptico refratário. Dose inicial de 2 mg/kg/dia e dose máxima de 12 mg/kg/dia, divididas em 3 tomadas. Não exceder 500 mg/dia. As doses podem ser ajustadas entre 24 e 72 horas. O medicamento deve ser amassado, diluído em água e administrado via sonda nasogástrica.

Passo 6 - Complicações do estado de mal epiléptico

Acidose metabólica grave (lembrar que a correção da • acidose metabólica pode aumentar o sódio e agravar o edema cerebral e pulmonar).Hipotensão arterial (correção com agentes • vasopressores).Arritmia cardíaca (correção com agentes antiarrítmicos).•

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Hipertermia (acelera o dano neuronal e por esse motivo • deve ser combatida precocemente com antitérmicos e compressas).Hipoglicemia (quando surge na fase tardia do estado de • mal epiléptico somente deve ser corrigida se for muito intensa, uma vez que há estudos demonstrando que a hiperglicemia na fase tardia tem maior capacidade de lesão neuronal que a hipoglicemia).Pneumonia aspirativa, rabdomiólise e mioglobinúria, podendo • provocar necrose tubular aguda e insuficiência renal.Edema cerebral (pode ocorrer em decorrência de lesões • cerebrais estruturais, distúrbio metabólico grave ou crise convulsiva prolongada).

Passo 7 - Particularidades do estado de mal epiléptico no período neonatal

Droga de primeira linha• :Fenobarbital (200 mg/2 ml) – 10 mg/kg/dose/EV. Sem

diluição. Velocidade de infusão: 100 mg/minuto. Caso não ocorra o controle completo da crise epiléptica o fenobarbital deve ser repetido até 4 vezes, via EV, com intervalos de 10 minutos, até dose cumulativa máxima de 40 mg/kg nas primeiras 24 horas.

Teste rápido de glicemia (Dextrostix) deve ser realizado em todos os casos: se abaixo de 40 mg/dl, infundir 2ml/kg/dose de glicose a 10% EV em bolus. Repetir o teste rápido de glicemia e a administração de 2ml/kg/dose de glicose a 10% EV em bolus até que o valor encontrado esteja acima de 40 mg/dl.

Crise persistente após fenobarbital• :Midazolam (5 mg/ 5 ml) – 0,15 a 0,3 mg/kg/dose/EV. Infusão: 1 mg/kg/minuto (ou)Midazolam (15 mg/ 3 ml) – 0,15 a 0,3 mg/kg/dose/EV. Infusão:

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1 mg/kg/minuto.No caso de crise refratária, o midazolam dever ser administrado

até 3 vezes sequenciais com intervalos de 5 minutos. Não exceder a dose máxima cumulativa nas 3 administrações.

Crise persistente após terceira dose de benzodiazepínico• :Fenitoína (250 mg/ 5 ml) – 15 mg/kg/dose/EV. Diluição 1:10 em água destilada. Velocidade de infusão: 50 mg/minuto. Durante a infusão da fenitoína, é obrigatório a monitorização cardíaca devido o elevado risco de arritmia cardíaca.Cloridrato de piridoxina - 100mg/dose/via sonda nasogástrica.

Midazolam, tiopental sódico e propofol contínuo• :Midazolam infusão contínua EV: iniciar 1 �g/kg/minuto

e aumentar 1 �g/kg/minuto a cada 15 minutos até o controle completo da crise. Quando possível, a dose deve ser titulada com eletrencefalograma contínuo até que as descargas sejam totalmente suprimidas ou até que o eletrencefalograma apresente surto-supressão (2 a 8 surtos por minuto). Dose máxima: 17 �g/kg/minuto.

Tiopental sódico infusão contínua EV: iniciar 10 mg/kg/dose (ataque). Manutenção de 0,5 a 5 mg/kg/hora aumentar 1 mg/kg/hora a cada 15 minutos até o controle da crise ou até que o eletrencefalograma apresente surto-supressão (2 a 8 surtos por minuto).

Propofol, lidocaína e topiramato são medicações consideradas experimentais no período neonatal, estando contra-indicados.

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Drogas antiepilépticas: tradicionais e novas

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Fenobarbital

O fenobarbital foi sintetizado pela primeira vez no ano de 1902 e passou a ser comercializado a partir de 1912, substituindo o uso rotineiro dos brometos. Conta a história que, entre as décadas de 1930 e 1940, o fenobarbital teria sido utilizado na Alemanha nazista para assassinar crianças nascidas com deformidades físicas e pessoas com deficiência mental, doenças incuráveis ou idosos fisicamente incapazes.

Seu baixo custo e grande eficácia no controle clínico de crises epilépticas fazem com que seja, ainda, a droga antiepiléptica mais utilizada em todo o mundo.

Mecanismos de ação:

O fenobarbital age através do aumento dos efeitos inibitórios mediados pelo GABA, aumento das correntes pós-sinápticas de receptores mediados pelo cloreto através do prolongamento do tempo de abertura dos canais desse íon e redução dos potenciais de ação dependentes do cálcio nos neurônios pré-sinápticos.

Figura 21 - Estrutura molecular do fenobarbital.

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Apresentações mais comuns (administração oral):

Gardenal (comprimido de 50 mg, comprimido de 100 mg, solução oral 40 mg/ml). Barbitron (comprimido de 100 mg). Edhanol (comprimido de 100 mg). Fenobarbital (comprimido de 100 mg). Garbital (comprimido de 100 mg e solução oral 40 mg/ml). Fenocris (comprimido de 100 mg e solução oral 40 mg/ml). Carbital (comprimido de 100 mg). Unifenobarb (comprimido de 100 mg e solução oral 40 mg/ml).

Indicações:

Crises parciais, crises tônico-clônicas generalizadas, crises no período neonatal e convulsões febris.

Contra-indicações:

Idiossincrasias, hipersensibilidade a barbitúricos, doença renal e hepática descompensada, insuficiência respiratória grave, parkinsonismo, em associação com bebidas alcoólicas. O uso durante gestação e amamentação deve ser discutido com o médico responsável.

Dose para crianças:

Oral – 3 a 5 mg/kg/dia.

Efeitos colaterais / adversos / idiossincrasias:

Efeitos mais comuns: alterações de humor, sonolência, agitação, hiperatividade, náuseas, vômitos, constipação intestinal, rash cutâneo.

Efeitos menos comuns: diminuição da libido, impotência sexual, osteomalácia, angioedema, síndrome de Stevens-Johnson,

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contratura de Dupuytren, hepatotoxicidade. Embora esteja entre as drogas antiepilépticas consideradas relativamente seguras para o uso durante a gestação, há relatos de fetos nascidos com malformações cardíacas, fenda palatina e dismorfismos faciais de menor importância.

Carbamazepina

A carbamazepina foi desenvolvida em 1952, e poucos anos depois já era utilizada rotineiramente no tratamento de crises epilépticas focais e na nevralgia do trigêmio.

Mecanismos de ação:

(1) Bloqueia canais de sódio, reduzindo o fluxo de íons cálcio nos neurônios pré-sinápticos e diminuindo a liberação de neurotransmissores pré-sinápticos, (2) diminui os potenciais repetidos de alta frequência nos neurônios pós-sinápticos e (3) potencializa a ação do GABA no sistema nervoso central.

Figura 22 - Estrutura molecular da carbamazepina.

Apresentações mais comuns (administração oral):

Tegretol (suspensão oral de 20 mg/ml, comprimido de 200 mg, comprimido de 400 mg). Tegretol CR (comprimido de 200 mg, comprimido de 400 mg). Carbamazepina (suspensão de 20 mg/

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ml, comprimido de 200 mg e comprimido de 400 mg). Carbazol (comprimido de 200 mg). Carmazin (comprimido de 200 mg e comprimido de 400 mg). Convulsan (comprimido de 200 mg). Tegretard (comprimido de 200 mg e comprimido de 400 mg). Tegrex (comprimido de 200 mg). Tegrezin (comprimido de 200 mg). Uni carbamaz (suspensão de 20 mg/ml e comprimido de 200 mg).

Indicações:

Crises parciais e crises tônico-clônicas generalizadas.

Contra-indicações:

Idiossincrasias, hipersensibilidade à droga, doenças cardíacas graves ou descompensadas, alterações em porfirinas, uso de inibidores da monoaminoxidase (IMAOs). Não utilizar em crianças que já tenham apresentado reação alérgica à oxcarbazepina. Utilizar com cautela em crianças portadoras de doenças sanguíneas, com alergia a outros medicamentos, em portadores de doenças renais ou hepáticas e em indivíduos com glaucoma. Carbamazepina não deve ser utilizada em pacientes com crises de ausência e/ou crises mioclônicas. Adolescente fazendo uso de contraceptivo oral: podem ter seu efeito muito reduzido ou mesmo inativado pela associação com carbamazepina. Nesses casos, a associação entre contraceptivo oral e método de barreira é indicada formalmente.

Dose para crianças:

Oral – 10 a 30 mg/kg/dia.

Efeitos colaterais / adversos / idiossincrasias:

Sonolência, ataxia, sensação de vertigem, náusea e vômito (no início do tratamento), borramento visual, alterações de humor,

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reações de hipersensibilidade (erupções cutâneas, aumento de linfonodos e do baço), síndrome de Stevens-Johnson, alterações sanguíneas. Leucopenia transitória ocorre em 5 a 15% das crianças nas fases iniciais do tratamento com carbamazepina, geralmente não sendo necessário a suspensão da medicação. Menos frequentemente, pode ocorrer retenção hídrica e hiponatremia (devido alterações do hormônio antidiurético) e neuropatia periférica. Alguns estudos demonstram incidência de malformações fetais idênticas entre filhos de mulheres que fizeram e que não fizeram uso de carbamazepina durante a gestação. Contudo, outros autores relatam atraso global do desenvolvimento em graus variados, dismorfismos faciais menores, alargamento da base do nariz, nariz curto, orelhas pequenas e de baixa implantação, epicanto (dobra epicântica), hipertelorismo e hipoplasia ou agenesia ungueal.

Oxcarbazepina

A oxcarbazepina foi sintetizada ao final da década de 1960 e passou a ser utilizada como anticonvulsivante a partir da década de 1990, na Dinamarca. Corresponde a uma estrutura molecular derivada da carbamazepina, cujas alterações na estrutura molecular diminuem significativamente os efeitos colaterais, principalmente àqueles relacionados às alterações sanguíneas e hepáticas.

Mecanismos de ação:

Muito semelhantes aos da carbamazepina, destacando-se seu efeito bloqueador sobre os canais de sódio dependentes de voltagem, além de aumentar a condutância do potássio e modular a atividade dos canais de cálcio dependentes de voltagem. Provavelmente, também tem ação potencializando efeitos GABAérgicos.

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Figura 23 - Estrutura molecular da oxcarbazepina.

Apresentações mais comuns (administração oral):

Trileptal (suspensão oral de 60 mg/ml, comprimido de 300 mg e comprimido de 600 mg). Auram (comprimido de 300 mg e comprimido de 600 mg). Alzepinol (comprimido de 300mg e comprimido de 600 mg). Oleptal (comprimido de 300mg e comprimido de 600 mg). Oxcarb (suspensão oral de 60 mg/ml, comprimido de 300 mg e comprimido de 600 mg). Oxcarbazepina (comprimido de 300 mg e comprimido de 600 mg). Zyoxipina (comprimido de 300 mg e comprimido de 600 mg).

Indicações:

Crises parciais com ou sem generalização secundária para crises tônico-clônicas.

Contra-indicações:Semelhantes à carbamazepina.

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Dose para crianças:

Oral – 10 a 50 mg/kg/dia.

Efeitos colaterais / adversos / idiossincrasias:

Sonolência, ataxia, náusea, vômito, escurecimento ou borramento visual, fadiga muscular, cefaléia, erupções cutâneas e síndrome de Stevens-Johnson. Outros efeitos gastrointestinais que podem ser observados são dor abdominal, diarréia, constipação intestinal, diminuição do apetite e boca seca. Menos frequentemente, pode ocorrer neuropatia periférica, retenção hídrica e hiponatremia. Em estudos clínicos não foram observados efeitos graves sobre o sistema hematopoiético e alterações das enzimas hepáticas e pancreáticas parece ser bem menos frequente que com o uso da carbamazepina. A oxcarbazepina atravessa livremente a barreira placentária, de modo que os níveis séricos fetais são semelhantes aos maternos. Poucos estudos tratam da farmacocinética dessa droga antiepiléptica durante a gestação. Embora alguns autores relacionem o uso de oxcarbazepina, no primeiro trimestre de gestação a aumento no risco de malformações cardíacas, os últimos estudos americanos sugerem ser uma das drogas mais seguras durante a gestação.

Valproato

Anteriormente conhecido como um solvente, o valproato passou a ser utilizado como droga antiepiléptica no início da década de 1960, sendo nos dias atuais considerado uma das medicações mais importantes no tratamento de crises focais, crises generalizadas e crises focais com generalização secundária. Além do ácido valpróico e do valproato de sódio, há alguns anos foi lançado no Brasil uma forma denominada divalproato de sódio que, constituído por moléculas não-hidroscópicas, apresenta concentrações plasmáticas mais estáveis e, consequentemente,

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menos efeitos colaterais relacionados à flutuação do nível sérico da droga.

Mecanismos de ação:

Corresponde a uma das drogas antiepilépticas com o maior número de mecanismos de ação conhecidos. Age através do bloqueio dos canais de sódios dependentes de voltagem, inibe a enzima GABA-transaminase, provocando aumento dos níveis de GABA no sistema nervoso central e inibe a descarboxilase do ácido glutâmico.

Figura 24 - Estrutura molecular do valproato.

Apresentações mais comuns (administração oral):

Depakene (cápsula de 250 mg, comprimido de 300 mg, comprimido de 500 mg e xarope 250 mg/5 ml). Ácido valpróico (cápsula de 250 mg). Epilenil (cápsula de 250 mg e xarope 250 mg/5 ml). Valpakine (comprimido de 200 mg, comprimido de 500 mg e solução oral 200 mg/ml). Valprene (comprimido de 300 mg, comprimido de 500 mg e xarope 250 mg/5 ml). Depakote (divalproato de sódio - comprimido de 250 mg e comprimido de 500 mg). Depakote sprinkle (divalproato de sódio - cápsulas de 125 mg). Depakote ER (divalproato de sódio - comprimido de 500

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mg). Zyvalprex (divalproato de sódio - comprimido de 250 mg e comprimido de 500 mg).

Indicações:

Crises tônico-clônicas generalizadas, crises de ausência, espasmos, mioclonias e crises parciais.

Contra-indicações:

Valproato não deve ser utilizado em crianças com conhecida hipersensibilidade à droga e em pacientes com doenças ou insuficiência hepática e não deve ser administrado à gestantes.

Dose para crianças:

Oral – 30 a 60 mg/kg/dia.

Efeitos colaterais / adversos / idiossincrasias:

Os mais frequentemente observados são náusea, vômito, dor epigástrica, ganho de peso, alteração na cor, textura e queda de cabelos, erupções cutâneas, síndrome de Stevens-Johnson, tremor nas mãos e alteração de enzimas hepática e pancreática. Há relatos na literatura de insuficiência hepática e pancreatite hemorrágica fatal desencadeadas pelo uso de valproato. Pacientes em politerapia com drogas antiepilépticas, menores de três anos, portadores de doenças metabólicas congênitas e aqueles com retardo mental severo e profundo, aparentemente, apresentam maior risco para hepatotoxicidade e pancreatite grave. Lembrar que a disfunção hepática e pancreática pode progredir mesmo após a suspensão do valproato. Intoxicação aguda pode provocar rebaixamento do nível de consciência e confusão mental. Do ponto de vista endocrinológico, são

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relativamente frequentes as alterações no ciclo menstrual, ovários policísticos e amenorréia. Alterações sanguíneas como trombocitopenia, alteração na agregação plaquetária, aplasia de medula e depleção de fibrinogênio são observadas com menor frequência. Há relatos de hiperamonemia mesmo sem alterações de enzimas hepáticas. O uso durante a gestação pode induzir malformações congênitas (síndrome fetal do valproato): defeitos de fechamento do tubo neural (mielomeningocele, meningocele, encefalocele, síndrome de Arnold-Chiari), malformações cerebrais (agenesia ou disgenesia do corpo caloso, holoprosencefalia, anencefalia), hipotonia, atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, atraso na aquisição da linguagem falada, sucção débil, malformações cardíacas, anormalidades oculares, cranioestenose (trigonocefalia em particular) e dismorfismos crânio-faciais.

Fenitoína

Descoberta por Putnan e Merrit no ano de 1937, é um dos medicamentos mais utilizados nos dias atuais para o controle clínico de crises convulsivas em situações de emergência. Seu uso como droga antiepiléptica de manutenção na pediatria é bastante restrito devido a seus efeitos colaterais estéticos, como a hiperplasia gengival e o hirsutismo.

Mecanismos de ação:

Apresenta diversos mecanismos de ação, destacando-se o bloqueio de canais de sódio, potássio e cálcio nas membranas neuronais, potencializa os efeitos inibidores mediados pelo GABA e modula a liberação de segundos mensageiros como íons cálcio. Estudos em modelos experimentais demonstram que a fenitoína age no tecido epiléptico, bloqueando a propagação da atividade anormal paroxística.

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Figura 25 - Estrutura molecular da fenitoína.

Apresentações mais comuns (administração oral):

Epelin (cápsulas de 100 mg e suspensão oral 100 mg/5 ml). Hidantal (comprimido de 100 mg). Dantalin (comprimido de 100 mg). Fenital (comprimido de 100 mg). Feniton (comprimido de 100 mg). Fenitoína (comprimido de 100 mg).

Indicações:

Crises parciais e crises tônico-clônicas generalizadas.

Contra-indicações:

Fenitoína está contra-indicada a pacientes com conhecida hipersensibilidade à droga ou a seus derivados. Não deve ser utilizada no tratamento de crises de ausência e em mioclonias epilépticas.

Doses para crianças:

Oral – 4 a 8 mg/kg/dia.

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Efeitos colaterais / adversos / idiossincrasias:

A intoxicação aguda por fenitoína pode provocar alterações no controle da movimentação ocular (nistagmo), alterações da fala (disartria), comprometimento do sistema vestibular (ataxia) e alterações da consciência (sedação, letargia, estupor). Efeitos estéticos de surgimento tardio (hirsutismo, hiperplasia gengival, embrutecimento facial, acne e pigmentação facial anormal) fazem com que a fenitoína seja pouco indicada como droga de manutenção na pediatria. Erupções cutâneas, síndrome de Stevens-Johnson, anemia megaloblástica, anemia aplástica, eosinofilia, trombocitopenia, alterações de enzimas hepática e pancreática, alteração da função renal, linfadenomegalia, podem ocorrer, embora não sejam frequentes. Quadro de intoxicação por fenitoína pode exacerbar crises epilépticas (efeito paradoxal ou pró-epiléptico). Do ponto de vista endocrinológico, há relatos de associação de fenitoína com aumento dos níveis de ACTH, cortisol, prolactina, LH e FSH. O uso de fenitoína durante a gestação, particularmente no primeiro trimestre, pode induzir malformações fetais (síndrome fetal hidantoínica) quer pela redução dos níveis de ácido fólico, quer pela diminuição da conversão do ácido fólico em metabólicos ativos, quer por outros mecanismos de agressão direta ao produto da concepção. Possíveis malformações relacionadas à exposição fetal à fenitoína incluem, em ordem de frequência: baixa implantação das orelhas, alargamento da base do nariz, nariz pequeno, hipertelorismo, estrabismo, lábios grossos, fontanelas grandes, hipoplasia de falanges distais, malformações de unhas, anormalidades ósseas (esterno, coluna e costelas), hérnia inguinal e umbilical, hipospádia, fenda labial, fenda palatal e malformações de órgãos como coração, rins e do aparelho digestivo.

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Primidona

A atividade antiepiléptica da primidona deve-se a dois de seus principais metabólicos ativos: o fenobarbital e a feniletilmalonamida.

Mecanismos de ação:

Não são totalmente claros. Entre os principais mecanismos de ação, destaca-se o aumento dos efeitos GABAérgicos de inibição no sistema nervoso central e diminuição dos potenciais de ação dependentes do cálcio em neurônios pré-sinápticos.

Figura 26 - Estrutura molecular da primidona.

Apresentações mais comuns (administração oral):

Primidon (comprimido 100 mg). Epidona (suspensão oral 125 mg/5 ml). Mysoline (comprimido de 250 mg). Primid (comprimido 100 mg e comprimido de 250 mg).

Indicações:

Crises parciais e crises tônico-clônicas generalizadas.

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Contra-indicações:

Pacientes com conhecida hipersensibilidade à droga ou aos seus derivados ou a outros componentes da fórmula. Não utilizar em crianças que sabidamente tenham demonstrado hipersensibilidade ao fenobarbital ou à fenitoína. Não utilizar em pacientes com porfiria aguda, dependentes de álcool ou de drogas ilícitas. Indicar com cautela em pacientes com disfunção hepática, renal ou com doenças respiratórias agudas ou crônicas. Os efeitos teratogênicos da primidona são desconhecidos de modo que deve ser evitada durante a gestação e também durante a lactação. Recém-nascidos de mães que utilizaram primidona durante a gestação parecem apresentar maior risco de doença hemorrágica.

Dose para crianças:

Dias 1 a 3: 50 mg ao deitar. Dias 4 a 6: 50 mg duas vezes ao dia. Dias 7 a 9: 100 mg duas vezes ao dia. Dia 10: 125 mg três vezes ao dia.

Efeitos colaterais / adversos / idiossincrasias:

Efeitos mais comuns: alterações de humor, sonolência, agitação, hiperatividade, náuseas, vômitos, constipação intestinal, perda transitória do apetite, erupções cutâneas morbiliformes, ataxia e sensação de vertigem. Início do tratamento com dose elevada pode provocar alterações visuais, principalmente diplopia e nistagmo.

Efeitos menos comuns: diminuição da libido, impotência sexual, osteomalácia, angioedema, síndrome de Stevens-Johnson, contratura de Dupuytren, hepatotoxicidade. Efeito paradoxal com quadro de excitação, irritabilidade, ansiedade, agitação psicomotora e agressividade. Há raros relatos de anemia megaloblástica durante o tratamento com primidona e que foram

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tratados com ácido fólico com sucesso. A suspensão da droga deve ser gradual para se evitar desencadeamento de estado de mal epiléptico.

Topiramato

Desenvolvido com o objetivo de tratar pacientes diabéticos revelou-se, inesperadamente, uma excelente droga antiepiléptica com múltiplos mecanismos de ação. Em meados da década de 1990, seu uso foi liberado na Inglaterra para tratamento de crises epilépticas de difícil controle.

Mecanismos de ação:

Provavelmente é a droga antiepiléptica com maior número de mecanismos de ação, destacando-se o bloqueio dos canais de sódio dependentes de voltagem, modulação de canais de cloreto, bloqueio de receptores excitatórios de glutamato, aumento da atividade inibitória mediada pelo GABA e inibição leve da anidrase carbônica.

Figura 27 - Estrutura molecular do topiramato.

Apresentações mais comuns (administração oral):

Topamax (comprimido de 25 mg, comprimido de 50 mg e comprimido de 100 mg). Topamax sprinkle (cápsula de 15 mg e cápsula de 25 mg). Amato (comprimido de 25 mg, comprimido de 50 mg e comprimido de 100 mg). Toptil (comprimido de 25 mg, comprimido de 50 mg e comprimido de 100 mg). Topiramato

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(comprimido de 25 mg, comprimido de 50 mg e comprimido de 100 mg). Sigmax (comprimido de 100 mg).

Indicações:

Crises parciais e crises tônico-clônicas generalizadas, ausências, espasmos e mioclonias.

Contra-indicações:

Pacientes com conhecida hipersensibilidade à droga ou aos seus derivados. Não deve utilizar topiramato pacientes com doença renal (particularmente nos portadores de litíase) e aqueles com glaucoma. Em pacientes com função hepática reduzida, a medicação deve ser utilizada com precaução. Evitar o uso em pacientes com doenças de base que aumentem o risco de acidose metabólica.

Dose para crianças:

Oral – 1 a 9 mg/kg/dia.

Efeitos colaterais / adversos / idiossincrasias:

Efeitos gastrintestinais são frequentes, embora geralmente desapareçam com o tempo (náusea, vômito, dor epigástrica, perda de peso, redução do apetite e diarréia). Cefaléia, fadiga, parestesia em membros, lábios e face, insônia noturna e/ou sonolência diurna também são relativamente frequentes. Com o aumento da dose, é comum surgirem queixas de perda de memória, redução da capacidade de evocar palavras, déficit de atenção e concentração e confusão mental. Embora pouco frequentes na prática clínica, há relatos de quadros de psicose em crianças e adolescentes fazendo uso de topiramato. Casos de nefrolitíase, provavelmente relacionados à inibição da anidrase

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carbônica, são frequentemente descritos na literatura, sendo mais comuns no sexo masculino. Seu uso deve ser evitado em pacientes portadores de doença renal crônica e todas as crianças tratadas com topiramato devem ser orientadas a ingerir um maior volume de água por dia. Acidose metabólica hiperclorémica e alcalose respiratória compensatória podem ocorrer em crianças fazendo uso de topiramato devido seu efeito inibidor sobre a anidrase carbônica. Embora quadros de acidose metabólica sejam mais frequentes no início do tratamento, podem ocorrer mesmo após meses de uso do topiramato. Há relatos de uma síndrome em crianças e adolescentes tratados com topiramato constituída por miopia e glaucoma agudo de ângulo fechado, sendo os principais sintomas a dor ocular, hiperemia da conjuntiva e redução da acuidade visual de forma aguda ou subaguda. A confirmação do diagnóstico deve ser realizada através da aferição da pressão intra-ocular por médico oftalmologista. Confirmado o diagnóstico de glaucoma relacionado ao topiramato, a medicação deve ser descontinuada o mais brevemente possível. Manifestações cutâneas, hepáticas, pancreáticas, cardíacas ou hematológicas, não ocorrem ou são extremamente raras. O topiramato atravessa com facilidade a barreira placentária de modo que os níveis fetais são semelhantes aos maternos. Trata-se de uma medicação com potencial teratogênico, e seu uso durante a gestação deve ser cauteloso. A maior parte dos estudos demonstra que gestantes em esquema de politerapia com topiramato têm risco muito maior de malformações fetais quando comparadas às gestantes em monoterapia com topiramato.

Lamotrigina

A lamotrigina está entre as chamadas “novas drogas”, tendo sido introduzida na Europa e Estados Unidos no início da década de 1990 e no Brasil em meados dessa mesma década.

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Mecanismos de ação:

Seu principal mecanismo de ação parece ser o bloqueio dos canais de sódio dependentes de voltagem, além de reduzir a liberação de neurotransmissores excitatórios, particularmente o glutamato e aspartato.

Figura 28 - Estrutura molecular da lamotrigina.

Apresentações mais comuns (administração oral):

Lamictal (comprimido de 25 mg, comprimido de 50 mg e comprimido de 100 mg). Lamitor (comprimido de 25 mg, comprimido de 50 mg e comprimido de 100 mg). Lamotrigina (comprimido de 25 mg, comprimido de 50 mg e comprimido de 100 mg). Lamotrix (comprimido de 25 mg, comprimido de 50 mg e comprimido de 100 mg). Nortrigin (comprimido de 50 mg e comprimido de 100 mg). Neural (comprimido de 25 mg, comprimido de 50 mg e comprimido de 100 mg). Neurium (comprimido de 100 mg).

Indicações:

Crises tônico-clônicas generalizadas, ausências, mioclonias epilépticas, crises focais e focais com generalização secundária.

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Contra-indicações:

Pacientes com conhecida hipersensibilidade à droga ou aos seus derivados.

Dose para crianças:

Com indutores enzimáticos: semana 1 e semana 2, iniciar com 0,6 mg/kg/dia divididos em 2 tomadas. Semana 3 e semana 4, passar para 1,2 mg/kg/dia divididos em 2 tomadas. A partir da semana 5, manter dose de 5 a 15 mg/kg/dia divididos em 2 tomadas. Com valproato de sódio: semana 1 e semana 2, iniciar com 0,15 mg/kg/dia divididos em 2 tomadas. Semana 3 e semana 4, passar para 0,3 mg/kg/dia divididos em 2 tomadas. A partir da semana 5, manter dose de 1 a 5 mg/kg/dia divididos em 2 tomadas. A dose máxima para crianças não deve, preferencialmente, ultrapassar 200 mg/dia.

Dose para adolescentes:

Com indutores enzimáticos: semana 1 e semana 2, iniciar com 50 mg/dia em uma administração diária. Semana 3 e semana 4, passar para 100 mg/dia divididos em 2 tomadas. A partir da semana 5, aumentar 50 mg a cada semana. A dose de manutenção geralmente está entre 300 e 500 mg/dia em 2 tomadas diárias. Com valproato de sódio: semana 1 e semana 2, iniciar com 25 mg em dias alternados. Semana 3 e semana 4, passar para 25 mg/dia (todos os dias). A partir da semana 5, aumentar 25 mg por semana. A dose de manutenção geralmente está ao redor de 200 mg/dia em duas tomadas.

Efeitos colaterais / adversos / idiossincrasias:

Sonolência, fadiga, vertigem, cefaléia e diplopia geralmente

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ocorrem com a utilização de doses elevadas ou em politerapia com outras drogas antiepilépticas. Erupções cutâneas e eritema multiforme são efeitos colaterais cutâneos relativamente frequentes. Manifestações dermatológicas graves são mais frequentes com a associação entre lamotrigina e valproato de sódio, quando se utiliza dose elevada logo no início do tratamento e quando se realiza incrementos de dose muito rapidamente. Eritema leve nas primeiras oito semanas de uso da lamotrigina é um achado relativamente comum, devendo essas crianças ser monitoras clinicamente de forma rigorosa. Geralmente, casos leves e que regridem progressivamente não requerem a suspensão da lamotrigina. Raramente são descritos casos de insônia, tiques motores, síndrome de Stevens-Johnson, necrose epidérmica tóxica e falência hepática associada à febre e erupções cutâneas. Embora a lamotrigina seja uma medicação indicada em síndromes epilépticas com crises mioclônicas, ela pode agravar crises mioclônicas em determinados pacientes devendo, nesses casos específicos, ser descontinuada. A lamotrigina atravessa livremente a barreira placentária, de modo que a concentração da droga no feto é semelhante à concentração na mãe. Provavelmente, trata-se de uma das drogas antiepilépticas mais seguras para gestantes. Contudo, seu efeito inibidor da diidrofolatoredutase reduz os níveis séricos de ácido fólico aumentando o risco de malformações do tipo não fechamento do tubo neural.

Vigabatrina

Mecanismos de ação:

Age através da inibição irreversível da GABA-transaminase, provocando aumento do nível de GABA na fenda sináptica.

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Figura 29 - Estrutura molecular da vigabatrina.

Apresentações mais comuns (administração oral):

Sabril (comprimido de 500 mg).

Indicações:

Indicação formal na síndrome de West, principalmente nos casos sintomáticos secundários à esclerose tuberosa. Pode ser utilizada como droga antiepiléptica adjuvante no tratamento de crises focais de difícil controle. Crises focais respondem melhor à essa droga que as crises secundariamente generalizadas.

Contra-indicações:

Hipersensibilidade à droga ou outros componentes da fórmula. Utilizar com cautela em pacientes com histórico prévio de distúrbio psiquiátrico. Essa medicação não deve ser administrada a adolescentes grávidas ou com risco de engravidar, já que seus efeitos sobre o produto da concepção não são totalmente claros até o momento. Não utilizar em mulheres que estão amamentando. De modo geral, corresponde a uma droga muito bem tolerada na faixa etária pediátrica.

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Doses para crianças:

Oral – 50 a 150 mg/kg/dia.

Efeitos colaterais / adversos / idiossincrasias:

No início do tratamento, os efeitos mais frequentes são náusea, vômito, sensação de fadiga, sonolência, cefaléia e alterações de humor (irritabilidade, agitação psicomotora, ansiedade, sinais transitórios de depressão). Os efeitos sedativos costumam desaparecer com a continuidade do tratamento. Ganho de peso e tremor em mãos pode ocorrer em algumas crianças. Alterações visuais: diplopia pode ocorrer se a dose inicial for elevada ou se o incremento da dose é rápido demais; constrição progressiva do campo visual é considerada um efeito colateral pouco frequente e, geralmente, ocorre somente após alguns anos de uso contínuo da medicação. Com a administração de doses elevadas pode surgir perda de memória e alterações na fala (disartria). Erupções cutâneas, alterações hepáticas, quadros de psicose são considerados muito raros com essa medicação.

Gabapentina

Embora nos Estados Unidos tenha sido liberada como droga coadjuvante no tratamento de crises parciais, em outros países é indicada em monoterapia. A maior parte dos estudos sugere um efeito antiepiléptico pequeno, uma vez que a gabapentina apresenta pouca ou nenhuma interação com receptores GABAérgicos.

Mecanismos de ação:

Os mecanismos de ação dessa droga não são totalmente conhecidos. A gabapentina parece agir através da ligação em

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sítios específicos da membrana neuronal, levando a aumento na concentração de GABA extra-neuronal. A gabapentina não é metabolicamente convertida em GABA, muito menos em substâncias agonistas do GABA.

Figura 30 - Estrutura molecular da gabapentina.

Apresentações mais comuns (administração oral):

Neurontin (cápsula de 300 mg, cápsula de 400 mg e comprimido de 600 mg). Gabapentina (cápsula de 300 mg, cápsula de 400 mg e cápsula de 600 mg). Progresse (cápsula de 300 mg e cápsula de 400 mg). Gabaneurin (cápsulas de 300 e cápsulas de 400 mg). Gamibetal (cápsula de 300 mg e cápsula de 400 mg).

Indicações:

Crises parciais com ou sem generalização secundária.

Contra-indicações:

Hipersensibilidade à droga ou outros componentes da fórmula

Dose para crianças:

Crianças de 3 a 4 anos: 40 a 60 mg/kg/dia.Crianças acima de 5 anos: 25 a 60 mg/kg/dia.

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Efeitos colaterais / adversos / idiossincrasias:

Sonolência, náuseas, vômitos, boca seca, aumento do apetite, vertigem, ataxia, alterações de humor, alterações sanguíneas (leucopenia), comprometimento da memória, déficit de atenção e concentração e cefaléia. Alguns pacientes podem se queixar de prurido no início do tratamento. Em casos mais severos, pode ocorrer, diplopia, escurecimento visual e nistagmo. Sua segurança em gestantes não está satisfatoriamente determinada. Intoxicação aguda por gabapentina pode provocar rebaixamento do nível de consciência em graus variados, ataxia, nistagmo, tremor de extremidades, alterações da fala (disartria), alterações de humor (alterando padrões de agitação psicomotora, nervosismo e depressão) e alterações de coordenação motora.

Clobazam

Mecanismos de ação:

Pertence ao grupo dos benzodiazepínicos. Embora não totalmente conhecidos, seu principal mecanismo de ação parece ser o aumento dos efeitos GABAérgicos inibitórios no sistema nervoso central.

Figura 31 - Estrutura molecular do clobazam.

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Apresentações mais comuns (administração oral):

Frisium (comprimido de 10 mg e comprimido de 20 mg) e Urbanil (comprimido de 10 mg e comprimido de 20 mg).

Indicações:

Crises de ausência, crises atônicas, mioclonias, crises parciais, crises tônico-clônicas generalizadas.

Contra-indicações:

Hipersensibilidade à droga ou outros componentes da fórmula. Evitar o uso em pacientes com insuficiência respiratória moderada ou em crianças com doença respiratória cujo aumento da secreção brônquica possa agravar consideravelmente a doença de base. Usar com cautela em crianças com doenças renal e/ou hepática. Em determinados pacientes com função renal e hepática alterada, pode ser necessário o ajuste da dose do clobazam. Prescrever com cautela em crianças com glaucoma agudo, miastenia gravis e dependentes de álcool e drogas. Embora não se tenha, até o momento, documentado efeitos teratogênicos, o clobazam deve ser evitado durante a gestação, principalmente no primeiro trimestre. Evitar utilizar em mulheres que estejam amamentando, pois a droga passa para o leite podendo provocar sedação no lactente. Todos os pacientes, ou familiares de crianças, em uso de clobazam devem ser orientados quanto às precauções de atividades físicas ou laborais que possam envolver riscos devido aos efeitos potencialmente sedativos dessa medicação.

Dose para crianças:

Oral – 0,5 a 1 mg/kg/dia.

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Efeitos colaterais / adversos / idiossincrasias:

Os efeitos colaterais mais observados são sonolência, hipotonia, sensação de fraqueza muscular, amnésia, vertigem, cefaléia, constipação intestinal, boca seca e aumento da secreção brônquica e salivação excessiva. Iniciar o tratamento com dose elevada costuma provocar alterações visuais como diplopia e ataxia estática e dinâmica. Erupção cutânea, prurido e reação paradoxal, são consideradas raras, mas podem ocorrer em decorrência de sensibilidade individual. Alterações de enzimas hepáticas e pancreáticas são pouco frequentes. Síndrome de abstinência pode ser observada nos casos de suspensão abrupta do clobazam. Lembrar que o clobazam passa para o leite materno, de modo que crianças em aleitamento materno podem apresentar efeitos colaterais da droga. A suspensão abrupta do clobazam pode provocar síndrome de abstinência, de modo que se recomenda redução gradativa da droga, principalmente quando utilizado em doses elevadas. Suspensão abrupta do clobazam pode estimular manifestações maiores como convulsões e estado de mal epiléptico mioclônico associado a estado confusional.

Clonazepam

Mecanismos de ação:

Pertence ao grupo dos benzodiazepínicos. Embora não totalmente conhecidos, seu principal mecanismo de ação parece ser o aumento dos efeitos GABAérgicos inibitórios no sistema nervoso central.

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Figura 32 - Estrutura molecular do clonazepam.

Apresentações mais comuns (administração oral):

Rivotril (comprimido de 0,5 mg, comprimido de 2 mg, solução oral 2,5 mg/1 ml). Clonazepam (gotas na concentração de 2,5 mg/ml, comprimido de 0,5 mg e comprimido de 2 mg). Clonotril (comprimido de 0,5 mg e comprimido de 2 mg). Clopam (gotas na concentração de 2,5 mg/ml, comprimido de 0,5 mg e comprimido de 2 mg). Epileptil (comprimido de 2 mg). Navotrax (comprimido de 0,5 mg e comprimido de 2 mg). Uni Clonazepax (gotas na concentração de 2,5 mg/ml, comprimido de 0,5 mg e comprimido de 2 mg).

Indicações:

Crises de ausência típica e atípica, crises atônicas, mioclonias, crises parciais, crises tônico-clônicas generalizadas. Pode ser utilizado em crises de espasmo na síndrome de West. É considerada uma droga antiepiléptica adjuvante.

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Contra-indicações:

Hipersensibilidade à droga ou outros componentes da fórmula. Deve ser utilizado com cautela em crianças com doenças renais, hepáticas, doenças respiratórias crônicas, glaucoma agudo de ângulo fechado, miastenia gravis, dependentes de drogas ilícitas, dependentes de álcool e portadores de porfiria. Deve ser evitado no primeiro trimestre de gestação, exceto em caso de extrema necessidade. Os efeitos teratogênicos do clonazepam não estão claros. Todos os pacientes, ou familiares de crianças, em uso de clonazepam, devem ser orientados quanto às precauções de atividades físicas ou laborais que possam envolver riscos devido aos efeitos potencialmente sedativos dessa medicação.

Dose para crianças:

Oral – 0,01 a 0,03 mg/kg/dia.

Efeitos colaterais / adversos / idiossincrasias:

Os efeitos colaterais mais observados são sonolência, amnésia, fraqueza muscular, boca seca e aumento da secreção brônquica. No início do tratamento, algumas crianças queixam-se de diplopia, embaçamento visual, alteração da coordenação motora fina, hipersalivação e aumento da secreção brônquica. Depressão respiratória e incontinência ou retenção urinária podem ser observadas em crianças pequenas, fazendo uso de doses elevadas. Manifestações gastrointestinais, alterações de enzimas hepáticas e pancreáticas são pouco frequentes. Síndrome de abstinência pode ser observada nos casos de suspensão abrupta do clonazepam. Lembrar que o clonazepam passa para o leite materno, de modo que crianças em aleitamento materno podem apresentar efeitos colaterais da droga. O clonazepam é um medicamento hematologicamente bem tolerado.

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Reações paradoxais com agitação psicomotora, alterações do humor e comportamento em crianças fazendo uso de clonazepam são raras. A suspensão abrupta do medicamento pode provocar síndrome de abstinência, de modo que se recomenda redução gradativa, principalmente quando utilizado em doses elevadas.

Nitrazepam

Mecanismos de ação:

Pertence ao grupo dos benzodiazepínicos. Embora não totalmente conhecidos, seu principal mecanismo de ação parece ser o aumento dos efeitos GABAérgicos inibitórios no sistema nervoso central.

Figura 33 - Estrutura molecular do nitrazepam.

Apresentações mais comuns (administração oral):

Sonebom (comprimido de 5 mg). Nitrapan (comprimido de 5 mg). Nitrazepol (comprimido de 5 mg). Nitrazepam (comprimido de 5 mg).

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Indicações:

Crises de ausência, crises atônicas, mioclonias, crises parciais, crises tônico-clônicas generalizadas. É considerada uma droga antiepiléptica adjuvante. Pode ser utilizado em crises de espasmo na síndrome de West.

Contra-indicações:

Hipersensibilidade à droga ou outros componentes da fórmula. Deve ser evitado em pacientes com glaucoma agudo, miastenia gravis, dependentes de drogas ilícitas, dependentes de álcool. Deve ser evitado no primeiro trimestre de gestação, exceto em caso de extrema necessidade. Os efeitos teratogênicos do nitrazepam não estão claros. Todos os pacientes, ou familiares de crianças, em uso de nitrazepam, devem ser orientados quanto às precauções de atividades físicas ou laborais que possam envolver riscos devido aos efeitos potencialmente sedativos dessa medicação.

Dose para crianças:

Oral – 5 a 20 mg/dia.

Efeitos colaterais / adversos / idiossincrasias:

Mais comumente pode-se observar sonolência, amnésia, fraqueza muscular, boca seca e aumento da secreção brônquica. Menos frequentemente podem ocorrer erupções cutâneas, diarréia, náuseas, vômito, constipação intestinal, incontinência ou retenção urinária, redução da libido, tremores discretos de extremidades, cefaléia e alterações de enzimas hepáticas e pancreáticas.

Síndrome de abstinência pode ser observada nos casos de suspensão abrupta do nitrazepam. Lembrar que o nitrazepam passa para o leite materno, de modo que crianças em aleitamento materno podem apresentar efeitos colaterais da droga.

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Há relatos de pacientes usando nitrazepam que apresentam reações paradoxais com agravamento da ansiedade, agitação psicomotora, irritabilidade, agressividade, alucinações visuais e psicoses.

A suspensão abrupta do medicamento pode provocar síndrome de abstinência, de modo que se recomenda redução gradativa do nitrazepam, principalmente quando utilizado em doses elevadas.

Diazepam

Mecanismos de ação:

Pertence ao grupo dos benzodiazepínicos e é metabolizado rapidamente em substâncias ativas como nordiazepam, hidroxidiazepam e oxazepam que se ligam fortemente às proteínas plasmáticas. Embora não totalmente conhecidos, seu principal mecanismo de ação parece ser o aumento dos efeitos GABAérgicos inibitórios no sistema nervoso central.

Figura 34 - Estrutura molecular do diazepam.

Apresentações mais comuns (administração oral):

Valium (comprimido de 5 mg, comprimido de 10 mg). Dienpax (comprimido de 5 mg e comprimido de 10 mg). Kiatrium

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(comprimido de 5 mg e comprimido de 10mg). Noan (comprimido de 5 mg e comprimido de 10 mg). Calmociteno (comprimido de 5 mg e comprimido de 10 mg). Ansilive (comprimido de 5 mg). Diazefast (comprimido de 5 mg e comprimido de 10 mg). Diazepam (comprimido de 5 mg e comprimido de 10 mg). Menostress (comprimido de 5 mg e comprimido de 10 mg). Relapax (comprimido de 5 mg e comprimido de 10 mg). Uni diazepax (comprimido de 5 mg e comprimido de 10 mg).

Indicações:

Crises de ausência, crises atônicas, mioclonias, crises parciais, crises tônico-clônicas generalizadas, crises prolongadas e estado de mal epiléptico convulsivo ou não convulsivo.

Contra-indicações:

Hipersensibilidade à droga ou outros componentes da fórmula. Deve ser evitado no primeiro trimestre de gestação, exceto em caso de extrema necessidade. Usar com muito cuidado em pacientes com miastenia gravis. Advertir os adolescentes que a associação de diazepam com bebidas alcoólicas pode acentuar os efeitos colaterais da medicação. O uso em pacientes com insuficiência respiratória deve ser cauteloso, pois a droga apresenta efeito potencialmente depressor do centro respiratório central. Todos os pacientes, ou familiares de crianças em uso de diazepam, devem ser orientados quanto às precauções de atividades físicas ou laborais que possam envolver riscos devido aos efeitos potencialmente sedativos dessa medicação.

Doses para crianças:

Medicamento utilizado habitualmente por via endovenosa em setores de pronto atendimento. Não administrar por via

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intramuscular. Posologia e formas de administração: vide capítulo “Protocolo de tratamento do estado de mal epiléptico”.

Efeitos colaterais / adversos / idiossincrasias:

Sonolência, alterações comportamentais, amnésia retrógrada, boca seca e relaxamento muscular. Efeitos menos frequentes e relacionados a doses mais elevadas são confusão mental, diplopia, disartria, hipotensão arterial, depressão respiratória, incontinência ou retenção urinária, constipação intestinal, náuseas e vômitos. Raramente podem ocorrer erupções cutâneas e alterações de enzimas hepáticas e pancreáticas.

Reações paradoxais caracterizadas por agitação psicomotora, insônia, alucinações e exacerbação de crises epilépticas podem ocorrem em alguns casos. Síndrome de abstinência pode ser observada nos casos de suspensão abrupta do diazepam. Lembrar que o diazepam passa para o leite materno, de modo que crianças em aleitamento materno podem apresentar efeitos colaterais da droga.

Etossuximida

Mecanismos de ação:

Os mecanismos de ação das drogas antiepilépticas do grupo succinimida agem especificamente bloqueando paroxismos epileptiformes do tipo espícula-onda com frequência de 3 Hz (3 ciclos por segundo). A etossuximida age bloqueando canais de cálcio do tipo T.

Apresentações mais comuns (administração oral):

Etoxin Xarope a 5% (50 mg/ml)

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Indicações:

Tratamento de crises de ausência.

Contra-indicações:

Hipersensibilidade à droga ou outros componentes da fórmula. Epilepsias ou síndromes epilépticas que não cursem com crises de ausência.

Dose para crianças:

De 3 até 6 anos: iniciar com 15 a 40 mg/kg/dia por via oral ou 250 mg (5 ml do xarope) 1 vez/dia. Aumentar 50 mg por semana até obter controle completo das crises de ausência.

Acima de 6 anos: dose inicial de 500 mg/dia (10 ml do xarope) e aumentar 250 mg por semana até obter-se controle das crises de ausência. Para a maioria das crianças, a dose de manutenção encontra-se ao redor de 20 mg/kg/dia.

Efeitos colaterais / adversos / idiossincrasias:

No início do tratamento, pode surgir dor abdominal, sensação de vertigem, sonolência, cefaléia e perda da coordenação motora. Dependendo da sensibilidade pessoal, pode haver erupções cutâneas e dores articulares. Há relatos de discrasias sanguíneas (leucopenia, trombocitopenia, eosinofilia, pancitopenia, agranulocitose, anemia aplástica) e de lúpus eritematoso sistêmico.

Devido à possibilidade de alterações da função hepática, pancreática, renal e hematológica, deve-se realizar controles periódicos dos níveis séricos de TGO (aminotransferase glutâmico-oxalacética) ou AST (aspartato-aminotransferase), TGP (aminotransferase glutâmico-pirúvica) ou ALT (alanino-

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aminostransferase), amilase, uréia, creatinina e hemograma com contagem de plaquetas. Utilizar com cautela em pacientes portadores de porfiria e doença renal crônica. Há relatos de efeitos teratogênicos relacionados à etossuximida. Não se sabe se drogas do grupo de succinimida são excretados pelo leite materno, mas não há relatos na literatura de efeitos sobre lactentes em aleitamento materno.

Tiagabina

Mecanismos de ação:

Seu mecanismo de ação não está completamente claro até o momento. Aparentemente, a tiagabina diminui a re-captação do GABA na membrana pré-sináptica, aumentando a quantidade desse neurotransmissor inibitório na fenda sináptica. Esse efeito é observado tanto em neurônios como em células da glia. A tiagabina parece agir modulando canais de sódio, cálcio e cloreto na membrana neuronal, além de se ligar a receptores benzodiazepínicos e de serotonina.

Apresentações mais comuns (administração oral):

Gabitril (comprimidos revestidos por película de 2,5 mg, 5 mg, 10 mg e 15 mg).

Indicações:

Crises parciais com ou sem generalização secundária.

Contra-indicações:

Hipersensibilidade à droga ou outros componentes da fórmula. A segurança não está completamente estabelecida em crianças menores de 12 anos de idade. Contra-indicada em

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pacientes com doença hepática grave ou insuficiência hepática. Não utilizar em epilepsias generalizadas, particularmente em síndromes epilépticas que cursem com crises de ausência típica ou atípica, síndrome de Lennox-Gastaut, síndrome de Doose e em síndromes epilépticas com crises mioclônicas. Tiagabina pode desencadear estado de mal epiléptico não convulsivo. Estudos em modelos animais não demonstraram potencial teratogênico, embora em dose muito alta possa ter efeito tóxico para o feto. Não é uma droga que deva ser administrada durante a gestação e lactação.

Dose para crianças:

Crianças com idade superior a 12 anos: iniciar com 5 mg ao dia por uma semana, e aumentar para 10 mg ao dia, a partir da segunda semana. A dose de manutenção varia entre 15 e 30 mg ao dia. Nos pacientes fazendo uso de drogas indutoras enzimáticas, a dose de manutenção da tiagabina pode ser mais alta.

Efeitos colaterais / adversos / idiossincrasias:

Corresponde a uma droga bem tolerada pela maior parte dos pacientes. Os principais efeitos adversos são náusea, vômito, sensação de cansaço, fraqueza muscular e sonolência. Menos frequentemente, pode ocorrer alterações de humor, labilidade emocional (nervosismo, ansiedade, irritabilidade, agitação psicomotora), tremores, déficit de atenção e concentração, alucinações visuais e diarréia. A maior parte dos efeitos colaterais surgem nos primeiros dias de tratamento e tendem a desaparecer com o tempo. Ocasionalmente, redução da dose pode ser necessário para controle das manifestações indesejadas. Alterações no campo visual são descritas.

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Zonisamida

Mecanismos de ação:

Seu efeito farmacológico está relacionado ao bloqueio de canais de sódio dependentes de voltagem. A zonizamida também age inibindo a anidrase carbônica, modulando canais de cálcio tipo T, interagindo com receptores de dopamina e serotonina e potencializando os efeitos inibitórios do GABA.

Apresentações mais comuns (administração oral):

Zonegran (cápsula de 25 mg, cápsulas de 50 mg, cápsulas de 100 mg).

Indicações:

Crises epilépticas parciais com ou sem generalização secundária. Considerada droga coadjuvante no tratamento das epilepsias. A segurança dessa medicação em crianças e para indivíduos com peso inferior a 40 Kg ainda não foi estabelecida.

Contra-indicações:

Hipersensibilidade à droga ou outros componentes da fórmula ou às sulfonamidas. Evitar o uso em pacientes com doença renal crônica, devido o aumento no risco de litíase. Não utilizar em pacientes com doença hepática, pois não há estudos que comprovem a segurança da droga nesse grupo de pacientes. Não utilizar em paciente que estejam fazendo uso de outros inibidores da anidrase carbônica. Não utilizar durante a gestação, particularmente no primeiro trimestre. Não há dados a respeito do potencial teratogênico dessa medicação. Evitar o uso durante a lactação.

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Dose para crianças:

Em crianças, a dose inicial é de 2 a 4 mg/kg/dia em duas tomadas diárias, e a de manutenção é entre 4 e 8 mg/kg/dia. A dose inicial para adultos é de 100 a 200 mg/dia, e a de manutenção de 400 a 600 mg/dia. Quando necessário, a dose pode ser aumentada a cada duas semanas.

Efeitos colaterais / adversos / idiossincrasias:

Podem ocorrer erupções cutâneas e alterações hematológicas, incluindo anemia aplástica, agranulocitose, trombocitopenia, leucopenia. São descritos casos raros de síndrome de Stevens-Johnson. Casos de litíase renal, provavelmente decorrentes da inibição da anidrase carbônica, são relatados em pacientes fazendo uso de zonisamida. Raramente pode ocorrer pancreatite e aumento da temperatura corporal secundária à redução da sudorese.

Felbamato

Foi a primeira das “novas drogas” introduzida no mercado americano, em 1993. Contudo, relatos de graves efeitos colaterais inviabilizaram a prescrição dessa medicação.

Mecanismos de ação:

Age aumentando os efeitos inibitórios do GABA no sistema nervoso central, além de bloquear canais de sódio dependentes de voltagem. Possivelmente tenha algum efeito modulador sobre receptores de glutamato.

Apresentações mais comuns (administração oral):

Taloxa suspensão oral (120 mg/ml). Taloxa (comprimidos de 400 mg e 600 mg). Felbatol suspensão oral (600 mg/5ml). Felbatol (comprimidos de 400 e 600 mg).

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Indicações:

Eficaz no tratamento de epilepsias com crises parciais com ou sem generalização secundária e crises primariamente generalizadas. Foi uma droga utilizada amplamente no tratamento da síndrome de Lennox-Gastaut. Trata-se de uma medicação proscrita na maior parte do mundo.

Contra-indicações:

Pacientes com discrasias sanguíneas, doença hepática ou indivíduos portadores de hipersensibilidade conhecida ao felbamato ou outros componentes da fórmula. Trata-se de uma medicação proscrita em muitos países.

Dose para crianças:

Dose inicial de 7,5 a 15 mg/Kg/dia, divididos em 2 a 3 tomadas. A dose de manutenção é entre 15 e 45 mg/Kg/dia, não devendo exceder os 3600 mg/dia.

Efeitos colaterais / adversos / idiossincrasias:

Alterações gastrointestinais como náusea e vômitos são os efeitos colaterais mais relatados. No início do tratamento, pode haver sensação de vertigem, distúrbios do sono (principalmente insônia). Felbamato está relacionado a reações graves de hipersensibilidade. Pouco tempo após sua liberação comercial nos Estados Unidos, passaram a surgir relatos de anemia aplástica e insuficiência hepática fulminante. Lembrar que mesmo pacientes que realizam controle periódico da função hepática e hemograma, podem desenvolver anemia aplástica e insuficiência hepática fulminante.

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Levetiracetam

Elaborado, inicialmente como uma droga ansiolítica, foi liberado nos Estados unidos, em 1999, para ser utilizado como droga antiepiléptica em tratamento coadjuvante.

Mecanismos de ação:

Desconhecido. Sabe-se que moléculas da droga ligam-se à sítios (proteínas) específicos na membrana neuronal.

Apresentações mais comuns (administração oral):

Keppra (solução oral de 100 mg/ml, comprimido de 250 mg, comprimido de 500 mg, comprimido de 750 mg e comprimido de 1000 mg).

Indicações:

Epilepsias com crises parciais com ou sem generalização secundária. Alguns estudos sugerem que seja uma droga efetiva no tratamento de epilepsia com crises mioclônicas, crises generalizadas tônico-clônicas e em algumas formas de epilepsias idiopáticas fotossensíveis.

Contra-indicações:

Hipersensibilidade à droga ou outros componentes da fórmula.

Dose para crianças:

Quando em monoterapia, iniciar com 10 mg/kg/dia em 2 tomadas diárias. Os aumentos podem ser realizados a cada 1 a

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2 semanas até a dose de 30 mg/kg/dia em duas tomadas. Em adolescentes, pode-se iniciar com 250 mg/dia em dose única e, após 1 a 2 semanas, aumentar para 500 mg/dia em duas tomadas. Conforme a necessidade, a dose pode ser aumentada após 1 a 2 semanas para 1000 mg/dia divididos em 2 tomadas.

Efeitos colaterais / adversos / idiossincrasias:

Poucos efeitos colaterais são realmente observados na prática clínica. No início do tratamento, algumas crianças podem apresentar sonolência, fraqueza muscular e sensação de vertigem.

Stiripentol

Mecanismos de ação:

Pouco conhecido. Age, provavelmente, mediando os efeitos inibitórios do GABA no sistema nervoso central.

Apresentações mais comuns (administração oral):

Diacomid (cápsula de 250 mg, cápsula de 500 mg, saches para diluição de 250 mg e de 500 mg).

Indicações:

Indicado no tratamento da epilepsia mioclônica severa da infância (síndrome de Dravet) em associação com valproato de sódio e clobazam.

Contra-indicações:

Hipersensibilidade à droga ou outros componentes da fórmula.

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Doses para crianças:

A dose inicial deve ser de 50 mg/kg/dia em 2 tomadas. Após 2 semanas, a dose pode ser aumentada, se necessário, para 100 mg/kg/dia em 2 a 3 tomadas.

Efeitos colaterais / adversos / idiossincrasias:

Manifestações gastrointestinais como náuseas e vômitos podem ocorrer no início do tratamento, particularmente quando o stiripentol é administrado em associação com valproato de sódio. Essa medicação inibe fortemente o sistema citocromo P 450, de modo que interfere no nível sérico de diversas drogas antiepilépticas e outras medicações. Sabidamente, o stiripentol aumenta o nível sérico dos barbitúricos, carbamazepina, fenitoína e de alguns benzodiazepínicos como o diazepam e o clobazam.

ACTH (hormônio adrenocorticotrófico)

Em 1958, Sorel e colaboradores descreveram os efeitos do ACTH no controle das crises de espasmo na síndrome de West. Embora seus mecanismos de ação não sejam totalmente compreendidos, em modelos animais o ACTH acelera o padrão de mielinização do córtex cerebral gerando algum efeito protetor contra lesões induzidas por crises generalizadas sobre o cérebro imaturo.

Apesar da eficácia do ACTH no controle dos espasmos infantis poder atingir 80 a 90%, a recorrência das crises após a suspensão da medicação também é elevada, podendo ocorrer em praticamente metade dos casos em algumas séries. Mesmo sem dúvidas quanto sua eficácia na redução dos espasmos infantis e no controle da hipsarritimia, o efeito do ACTH a longo prazo na síndrome de West é incerto. Nos Estados Unidos, o ACTH é a droga de primeira escolha entre os neurologistas para tratamento da síndrome de West. No Brasil, devido à inexistência dessa

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medicação em nosso mercado farmacêutico, as drogas mais utilizadas no tratamento da síndrome de West são a vigabatrina e a associação de valproato de sódio e benzodiazepínico. Em alguns países asiáticos, particularmente no Japão, a droga de primeira escolha para tratamento da síndrome de West é a piridoxina.

Inicialmente, utilizava-se o ACTH natural, obtido a partir do extrato de glândulas de bovinos. Contudo, devido ao risco de encefalopatia espongiforme, o ACTH natural foi abandonado. Atualmente, é disponível somente a forma sintética do ACTH.

Não há consenso na literatura sobre o melhor esquema terapêutico com ACTH. Em diversos centros pelo mundo, a dose pode variar entre 30 e 230 UI/dia (unidades internacionais por dia). Alguns autores sugerem iniciar com dose de 3 UI/kg/dia (unidades internacionais por kg por dia).

Habitualmente, utilizamos ACTH sintético na dose de 30 UI/dia, via intramuscular, dose única diária, por 1 semana. Nas 2 semanas seguintes, utilizamos a mesma dose (30 UI/dia) em dias alternados (“dia sim, dia não”). Nas 3 semanas seguintes, utilizamos a mesma dose (30 UI/dia) a cada 3 dias (“um dia sim, dois dias não”).

Os principais efeitos colaterais do ACTH são distúrbios eletrolíticos, aumento da glicemia, diminuição da imunidade e aumento no risco de infecções sistêmicas e hipertensão arterial. É comum que crianças pequenas apresentem alterações de humor como irritabilidade e aumento no peso durante o tratamento. Sinais de disfunção adrenal podem ocorrer, mas são menos frequentes. Esses efeitos indesejáveis estão intimamente relacionados à dose e duração do uso do ACTH.

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Fundamentos da dieta cetogênica

Paulo Liberalesso, Alfredo Löhr Júnior, Maria Emília Suplicy, Vanessa Liberalesso

Em 1921, Geyelin e Wilder, observando que o jejum reduzia a frequência de crises convulsivas em pacientes epilépticos, propõe a utilização de uma dieta rica em gorduras e pobre em proteínas e hidratos de carbono (dieta cetogênica), como forma de tratamento para epilepsia.

A dieta cetogênica apresentou grande importância na década de 1930, devido à escassez de drogas antiepilépticas disponíveis no mercado. Até meados da década de 1930, o arsenal terapêutico contra as epilepsias era composto pelos brometos (em uso desde o final do século XVIII), pelo fenobarbital (introduzido em 1912) e pela fenitoína (introduzida em 1938). No final de década de 1930, a dieta cetogênica é relegada a um segundo plano, com a descoberta empírica de outras drogas antiepilépticas, retornando a ser enfatizada somente na década de 1980, com a constatação de que as “novas drogas” controlariam somente 2% das epilepsias refratárias às drogas tradicionais.

Teorias sobre os mecanismos de ação

Após mais de 70 anos de sua descrição, o exato mecanismo através do qual a dieta cetogênica reduz a frequência das crises convulsivas não é totalmente conhecido. As principais teorias dizem respeito à acidose, o balanço hídrico e eletrolítico, a produção dos corpos cetônicos e a ação dos lipídeos.

Estudos em modelos animais demonstraram que nem acidose neuronal e nem aumento do nível de GABA foi observado no córtex cerebral, no período em que os animais estavam submetidos à dieta cetogênica. Esses estudos sugerem que esses dois mecanismos, provavelmente, não estariam envolvidos no controle das crises epilépticas.

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Outro estudo, também realizado em modelo animal, mostrou que o estímulo elétrico necessário para provocar convulsões em ratas adultas aumentou após dez dias em que estes animais foram alimentados com dieta rica em gorduras. No grupo de ratas alimentadas com dieta rica em hidratos de carbono não houve aumento do limiar convulsivógeno. Quando a dieta rica em gorduras (dieta cetogênica) foi substituída pela dieta rica em hidratos de carbono, o limiar convulsivógeno retornou ao nível pré-dieta. Quando foram realizadas análises bioquímicas, níveis elevados de cetoácidos (acetoacetato e D-ȕ-hidroxibutirato) foram encontrados no sangue dos animais submetidos à dieta cetogênica. A análise das células cerebrais revelou níveis elevados de D-ȕ-hidroxibutirato e de sódio. Esses dados sugerem que a cetose alteraria o metabolismo cerebral da glicose e, consequentemente, aumentaria o limiar convulsivógeno. O excesso de cetoácidos circulantes provoca aumento do nível sanguíneo do íon hidrogênio e diminuição do bicarbonato, levando a um estado de acidose metabólica. William Lennox foi o primeiro a sugerir que a acidose provocada pela dieta cetogênica seria o principal fator para o controle das crises epilépticas.

O metabolismo hídrico e eletrolítico também foi motivo de investigação. Em 1964, Millichap e colaboradores publicaram estudo sugerindo que a redução das crises estaria relacionada à diminuição na concentração dos íons sódio e potássio nos tecidos, sem nenhuma relação com os níveis de cetoácidos circulantes. Em 1966, foi proposto que a dieta cetogênica alteraria o metabolismo e os níveis séricos de lipídeos e que esse seria o mecanismo através do qual haveria redução na frequência das crises.

Noh e colaboradores, realizando estudos em modelos experimentais através da administração sistêmica de ácido caínico, sugeriram que a dieta cetogênica poderia apresentar mecanismos neuroprotetores, incluindo a inibição da caspase-3 mediadora de apoptose neuronal.

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Estudos recentes sugerem a participação de neuropeptídios, particularmente o neuropeptídio Y, na redução da frequência e intensidade das crises epilépticas em crianças tratadas com dieta cetogênica. Sabidamente, dietas ricas em triglicerídeos de cadeia longa e triglicerídeos de cadeia média estimulam a secreção do neuropeptídio Y que funciona como um anticonvulsivante endógeno.

Indicações

A dieta cetogênica é indicada para crianças portadoras de epilepsia de difícil controle medicamentoso. Sua indicação em adultos é ainda motivo de discussão. Crianças abaixo de oito anos parecem ser as que apresentam melhor resposta. Embora não haja contra-indicação absoluta referente à idade, sua indicação para crianças epilépticas menores de um ano é bastante restrita pelo risco de cetose e hipoglicemia graves.

O grau de desenvolvimento intelectual em crianças epilépticas não constitui critério de contra-indicação, sendo reportado sucesso terapêutico em crianças com graus variados de comprometimento cognitivo.

Quanto ao seu espectro de ação, pode ser eficaz em tipos variados de crises epilépticas, como as crises tônico-clônicas generalizadas, crises mioclônicas, crises focais e focais com generalização secundária.

Possivelmente, as indicações mais frequentes são no grupo das encefalopatias epilépticas, destacando-se a epilepsia mioclônica precoce, epilepsia ausência mioclônica da infância, epilepsia mioclôno-astática, síndrome de Lennox-Gastaut, síndrome de West e síndrome de Landau-Kleffner. Menos frequentemente, pode ser indicada em crianças com epilepsia clinicamente refratária secundária à deficiência de piruvato desidrogenase, deficiência de fosfofrutoquinase e na síndrome de Rett.

Há relato recente do uso de dieta cetogênica no tratamento de estado de mal elétrico do sono lento em 5 crianças, sendo

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que o controle completo dos paroxismos foi obtido em um caso somente.

Eficácia

Vining e colaboradores realizaram um estudo multicêntrico em 1998, no qual foram avaliadas 51 crianças com idade média de 4,7 anos, todas portadoras de epilepsia de difícil controle medicamentoso, com falha em pelo menos 2 esquemas terapêuticos corretamente utilizados. Todas as crianças apresentavam anormalidades generalizadas ou multifocais no eletrencefalograma, estavam em uso de dieta cetogênica e apresentavam crises dos tipos: tônico-clônicas generalizadas, mioclônicas, atônicas, clônicas, tônicas, parciais simples e complexas, crises de ausência típica e atípica, espasmos infantis e crises não classificáveis. Muitas crianças apresentavam mais de um tipo de crise. Metodologicamente, o controle das crises foi avaliado em três, seis e doze meses. Três meses após o início da dieta cetogênica, 88% das crianças permaneciam em dieta, 25% com controle de crises acima de 90%, 29% com controle entre 50 e 90% e 33% com controle abaixo de 50%. Seis meses após o início da dieta cetogênica, 69% permaneciam em dieta, 29% com controle de crises maior que 90%, 24% com controle entre 50 e 90% e em 16% controle menor que 50%. Um ano após o início da dieta cetogênica, 47% permaneciam em dieta, 22 % com controle acima de 90%, 18% com controle entre 50 e 90% e somente 8% com controle abaixo de 50% das crises.

Triglicéridios de cadeia média são, potencialmente, mais cetogênicos que triglicerídeos de cadeia longa, podendo constituir uma variante da dieta cetogênica clássica. Em 1985, Trauner avaliou 17 crianças, cinco com inteligência normal, três com retardo mental discreto, três com retardo mental moderado e 6 portadoras de retardo mental severo ou profundo, que apresentavam crises dos tipos tônico-clônicas generalizadas, focal

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motora, parcial complexa, mioclônica, atônica e de ausência, demonstrando que 29% tiveram controle completo e 29% tiveram redução de mais de 50% das crises. Este estudo concluiu que a dieta com triglicerídeos de cadeia média oferece uma alternativa segura, efetiva e de melhor paladar que a dieta cetogênica clássica ou tradicional, para o tratamento de crianças com epilepsia.

Sirven e colaboradores, acompanhando onze adolescentes e adultos jovens com epilepsia refratária, demonstraram que após 8 meses mais da metade dos pacientes apresentava redução de pelo menos 50% na frequência das crises, sugerindo um grau de efetividade bastante razoável nessa faixa etária.

Em um estudo realizado em 2009, Sharma e colaboradores avaliaram, durante 12 meses, a eficácia e a tolerabilidade da dieta cetogênica em 27 crianças com idades entre 6 meses e 5 anos com epilepsia de difícil controle medicamentoso. Os autores observaram que 48% das crianças tiveram redução da frequência de crises acima de 50% e que em 15% delas foi obtido controle completo das crises por um período de 6 meses.

Complicações

Todos os medicamentos administrados a crianças apresentam efeitos colaterais, que podem ser mais ou menos acentuados na dependência de fatores relacionados à própria droga e de fatores relacionados ao paciente. O mesmo raciocínio deve-se ter em relação à dieta cetogênica que, mesmo não sendo uma droga antiepiléptica, pode apresentar efeitos colaterais potencialmente graves.

Embora diversas complicações sejam relatadas em crianças fazendo tratamento com dieta cetogênica, na prática, poucos efeitos colaterais realmente graves são observados. A constipação intestinal é considerada a complicação mais frequente e pode ser facilmente controlada com medicações que não interfiram no estado metabólico gerado pela dieta.

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Best e colaboradores avaliaram, do ponto de vista cardiológico, 21 pacientes epilépticos em dieta cetogênica, com idade média de 9,8 anos, encontrando 3 crianças com intervalo QT (QTc) maior que 450. Dois pacientes que apresentavam QTc prolongado, tinham também dilatação de átrio e ventrículo esquerdos. Um paciente apresentava dilatação de câmaras cardíacas esquerdas com função sistólica normal e sem alteração do QTc. O aumento do QTc é de grande interesse por sua co-morbidade com arritmia ventricular e morte súbita. Aparentemente, anormalidades cardíacas em crianças usando dieta cetogênica parecem estar relacionadas à deficiência de selênio, embora outras alterações bioquímicas possam ser responsáveis por arritmias.

Outras complicações descritas são diarréia, vômitos, anorexia, litíase renal, hipoglicemia, hipercolesterolemia, aumento do número de infecções, alterações do humor como irritabilidade, ansiedade, hiperatividade, agitação psicomotora, comprometimento da resposta plaquetária e, raramente, alopecia e pancreatite fulminante. Entre 5 e 8% das crianças, em dieta cetogênica, desenvolvem litíase renal. O exato mecanismo fisiopatogênico envolvido na litíase renal não é claro, embora suspeitas recaiam sobre o aumento da absorção intestinal e da excreção renal de oxalato.

Quadros de hipoglicemia acentuada, desidratação grave e acidose metabólica descompensada são mais frequentemente observados em crianças de baixa idade, com retardo mental profundo a severo e durante infecções que desconpensam o metabolismo basal.

Como a dieta cetogênica é pobre em muitas vitaminas, principalmente as do complexo B e o ácido ascórbico, sua suplementação é fundamental para evitar quadros de hipovitaminose.

Em um estudo recente, realizado por Sharma e colaboradores, com crianças portadoras de epilepsia refratária em dieta cetogênica, os efeitos colaterais mais frequentes foram constipação

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intestinal (74%), perda de peso (14,8%) e edema secundário à hipoalbuminemia (7,4%).

Quando utilizada em crianças maiores, a queixa de “estar com fome”, distensão abdominal e constipação intestinal são relativamente comuns. A sede pode ser um problema para algumas crianças, uma vez que a ingestão de líquidos é limitada e o excesso de água pode provocar descompensação de epilepsia satisfatoriamente controlada através da dieta.

O início da dieta cetogênica em crianças epilépticas que, na maior parte das vezes, encontra-se em politerapia com drogas antiepilépticas, pode provocar sonolência excessiva, devendo o médico estar sempre atento para os níveis séricos das drogas.

Exemplos de receitas para crianças em dieta cetogênica

Sopa de cebola

Ingredientes:4 cebolas cortadas em fatias1 colher das de sopa de manteiga2 dentes de alho2 folhas de louro1 litro de creme de leite grosso½ litro de caldo de galinhaCebolinha, sal e pimenta

Modo de preparar:Derreta a manteiga, acrescente as cebolas, o alho e o louro. Frite até ficarem dourados. Acrescente o caldo de galinha e cozinhe até que o líquido seja reduzido pela metade. Adicione o creme de leite em seguida e deixe ferver por 15 minutos. Tempere com sal e pimenta a gosto. Retire as folhas de louro. Se preferir na forma de creme, após esfriar, bata no liquidificador e peneire.Rendimento: 4 porções.

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Valor calórico: 540 Kcal / porção.Gramas de Carboidrato: 14,4g / porção.

Salada de cogumelos

Ingredientes:8 fatias de bacon picadas1 cebola pequena picada2 colheres das de sopa de manteiga derretida3 colheres das de sopa de suco de limão2 colheres de salsinha picada500g de cogumelos frescos em fatias finasQueijo parmesão para polvilhar

Modo de preparar:Frite o bacon até que fique transparente. Adicione a cebola picada e continue a fritar até que o bacon fique tostado e a cebola dourada. Escorra a gordura do bacon. Acrescente a manteiga, o suco de limão e a salsinha. Leve para ferver. Derrame sobre os cogumelos e borrife com queijo parmesão a gosto.Rendimento: 4 porções.Valor calórico: 260 Kcal / porção.Gramas de carboidrato: 7,5g / porção.

Omelete básica e suas variações

Ingredientes:2 ovos1 colher de sopa de cebolinha1 colher das de sopa de creme de leite1 colher de sopa de manteiga1 pitada de sal / pimenta do reinoModo de preparar:Junte todos os ingredientes - menos e manteiga - e bata levemente. Derreta a manteiga em uma frigideira. Vire a mistura sobre a

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frigideira e deixe cozinhar por 1 – 2 minutos, sem mexer, até que as laterais comecem a soltar e o centro esteja somente úmido. Com cuidado, vire a mistura para que cozinhe do outro lado.É possível acrescentar nesta mistura: tomates picados, queijo, cogumelos frescos, cebola, bacon ou brócolis.Rendimento: 1 porção.Valor calórico: 297 Kcal / porção.Gramas de carboidrato: 1,94g / porção.

Abobrinha recheada

Ingredientes:2 abobrinhas grandes200g carne moída 4 colheres das de sopa de creme de leite fresco½ cebola picada1 dente de alho1 colher das de sopa de óleo vegetal1 tomate picado1 pitada de Sal e pimenta

Modo de preparar:Lave as abobrinhas, corte-as no sentido do comprimento e retire toda a polpa e reserve. Cozinhe as abobrinhas com água e uma pitada de sal, por aproximadamente 5 minutos (até ficarem macias). Em uma frigideira separada, refogue a cebola e o alho no óleo vegetal, depois de murchos, acrescente a carne moída, o sal, pimenta e tomate picado. Misture o miolo da abobrinha e deixe cozinhar por mais alguns minutos. Recheie as abobrinhas, acrescente uma colher de sopa de creme sobre o recheio e leve para gratinar.Rendimento: 4 porções.Valor calórico: 171 Kcal / porção.Gramas de carboidrato: 4,5g / porção.

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Estrogonofe de carne

Ingredientes:½ quilo de filé mignon cortado em tiras1 cebola picada2 colheres das de sopa de manteiga3 tomates passados na peneira1 lata de champignon1 lata de creme de leiteSal e pimenta do reino à gostoModo de preparar:Tempere as tiras de carne com sal e pimenta do reino. Frite aos pouco (para não acumular água) com uma colher de manteiga. Acrescente a carne já frita aos tomates e deixe no fogo por mais 5 minutos. Acrescente os champignons, misture bem e acrescente o creme de leite. Retire do fogo e sirva a seguir.Rendimento: 4 porçõesValor calórico: 466 Kcal / porçãoGramas de carboidrato: 8,6g / porção

Musse de limão

Ingredientes:7 ovos (separadas as claras em neve e as gemas)1 ½ xícara das de chá de creme de leite frescoSuco de cinco limões grandes1 envelope de gelatina natural, sem açúcar8 envelopes de adoçante

Modo de preparar:Misture os adoçantes e as gemas. Reserve. Em uma panela grande, misture o suco de limão com a gelatina e derreta. Quando derretida, deixe pingar as gemas adoçadas, mexendo constantemente. Reserve. Bata o creme de leite grosso. Quando

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estiver consistente, bata com a mistura da gelatina. Bata as claras em neve até formarem picos firmes. Junte ao creme. Corrija a doçura com mais adoçante, se necessário. Cubra com papel alumínio e deixe no refrigerador.Rendimento: 12 porçõesValor calórico: 106 Kcal / porçãoGramas de carboidrato: 2,1g / porção

Gelatina colorida

Ingredientes:2 envelopes de gelatina com sabor framboesa, sem açúcar - DIET½ xícara de morangos fatiados½ xícara de creme de leite batidoModo de preparar:Prepare um pacotinho de gelatina, conforme a embalagem. Acrescente os morangos, coloque em uma fôrma e deixe gelar até ficar firme. Prepare o segundo envelope de gelatina em metade da quantidade de água descrita na embalagem. Misture lentamente o creme batido. Coloque sobre a outra gelatina já endurecida e leve ao refrigerador para endurecer a segunda camada. Para retirar da forma, passe a faca pelas bordas e mergulhe por alguns instantes a fôrma em água quente.Rendimento: 8 porções.Valor calórico: 80 Kcal / porção.Gramas de carboidrato: 3,0 g / porção.

Amendoim doce

Ingredientes:1 xícara das de chá de amendoim½ xícara das de chá de adoçante – forno e fogão½ xícara das de chá de água1 colher das de café de fermento em pó

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Modo de preparar:Misture todos os ingredientes em uma panela e leve ao fogo. Mexa até secar. Prepare com muita atenção, pois ele seca rapidamente. Coloque em uma forma e leve ao forno por alguns minutos. Deixe esfriar.Rendimento: 4 porções.Valor calórico: 228 Kcal / porção.Gramas de carboidrato: 6,3 g / porção.

Sorvete de baunilha

Ingredientes:5 gemas de ovo3 colheres das de sopa de extrato de baunilha2 colheres das de sopa de adoçante em pó¼ xícara das de chá de água2 xícaras de creme de leite batido

Modo de preparar:Em uma batedeira, coloque as gemas, a baunilha, o adoçante e a água. Bata em velocidade média por 1 minuto. Misture lentamente a mistura das gemas com o creme, até formar um creme batido. Bata bem, tendo cuidado para não reduzir o volume do creme. Coloque na geladeira. Deixe gelar por 2 horas.Rendimento: 8 porções.Valor calórico: 175 Kcal / porção.Gramas de carboidrato: 2,5 g / porção.

Creme zabaglione

Ingredientes:1 xícara de creme de leite batido3 ovos – separadas as gemas das claras1 ½ colheres das de sopa de adoçante – forno e fogão1 bandeja de morangos

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Modo de preparar:Aqueça o creme de leite, sem ferver. Bata as claras em neve com 1 colher de adoçante. Derrame o creme de leite sobre as gemas e misture bem com um batedor. Cozinhe a mistura em uma panela grande, batendo sempre com o batedor, até que comece a engrossar. Deixe esfriar. Bata as claras com o restante do adoçante até que fiquem consistentes. Misture cuidadosamente com a mistura cremosa, de modo que as claras não desmanchem. Deixe esfriar no refrigerador e sirva sobre morangos.Rendimento: 6 porções.Valor calórico: 147 Kcal / porção.Gramas de carboidrato: 4,3 g / porção.

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Como montar um diário de crises

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Janeiro

DIA 1 DIA 2 DIA 3 DIA 4 DIA 5 DIA 6

DIA 7 DIA 8 DIA 9 DIA 10 DIA 11 DIA 12

DIA 13 DIA 14 DIA 15 DIA 16 DIA 17 DIA 18

DIA 19 DIA 20 DIA 21 DIA 22 DIA 23 DIA 24

DIA 25 DIA 26 DIA 27 DIA 28 DIA 29DIA 30

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Tratamento atual

Droga antiepiléptica Manhã Tarde 1 Tarde 2 Noite

Observações importantes____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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Fevereiro

DIA 1 DIA 2 DIA 3 DIA 4 DIA 5 DIA 6

DIA 7 DIA 8 DIA 9 DIA 10 DIA 11 DIA 12

DIA 13 DIA 14 DIA 15 DIA 16 DIA 17 DIA 18

DIA 19 DIA 20 DIA 21 DIA 22 DIA 23 DIA 24

DIA 25 DIA 26 DIA 27 DIA 28

Tratamento atual

Droga antiepiléptica Manhã Tarde 1 Tarde 2 Noite

Observações importantes___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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Março

DIA 1 DIA 2 DIA 3 DIA 4 DIA 5 DIA 6

DIA 7 DIA 8 DIA 9 DIA 10 DIA 11 DIA 12

DIA 13 DIA 14 DIA 15 DIA 16 DIA 17 DIA 18

DIA 19 DIA 20 DIA 21 DIA 22 DIA 23 DIA 24

DIA 25 DIA 26 DIA 27 DIA 28 DIA 29DIA 30

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Tratamento atual

Droga antiepiléptica Manhã Tarde 1 Tarde 2 Noite

Observações importantes____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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Abril

DIA 1 DIA 2 DIA 3 DIA 4 DIA 5 DIA 6

DIA 7 DIA 8 DIA 9 DIA 10 DIA 11 DIA 12

DIA 13 DIA 14 DIA 15 DIA 16 DIA 17 DIA 18

DIA 19 DIA 20 DIA 21 DIA 22 DIA 23 DIA 24

DIA 25 DIA 26 DIA 27 DIA 28 DIA 29 DIA 30

Tratamento atual

Droga antiepiléptica Manhã Tarde 1 Tarde 2 Noite

Observações importantes

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Maio

DIA 1 DIA 2 DIA 3 DIA 4 DIA 5 DIA 6

DIA 7 DIA 8 DIA 9 DIA 10 DIA 11 DIA 12

DIA 13 DIA 14 DIA 15 DIA 16 DIA 17 DIA 18

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DIA 25 DIA 26 DIA 27 DIA 28 DIA 29DIA 30

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Tratamento atual

Droga antiepiléptica Manhã Tarde 1 Tarde 2 Noite

Observações importantes____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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Junho

DIA 1 DIA 2 DIA 3 DIA 4 DIA 5 DIA 6

DIA 7 DIA 8 DIA 9 DIA 10 DIA 11 DIA 12

DIA 13 DIA 14 DIA 15 DIA 16 DIA 17 DIA 18

DIA 19 DIA 20 DIA 21 DIA 22 DIA 23 DIA 24

DIA 25 DIA 26 DIA 27 DIA 28 DIA 29 DIA 30

Tratamento atual

Droga antiepiléptica Manhã Tarde 1 Tarde 2 Noite

Observações importantes__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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Julho

DIA 1 DIA 2 DIA 3 DIA 4 DIA 5 DIA 6

DIA 7 DIA 8 DIA 9 DIA 10 DIA 11 DIA 12

DIA 13 DIA 14 DIA 15 DIA 16 DIA 17 DIA 18

DIA 19 DIA 20 DIA 21 DIA 22 DIA 23 DIA 24

DIA 25 DIA 26 DIA 27 DIA 28 DIA 29DIA 30

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Tratamento atual

Droga antiepiléptica Manhã Tarde 1 Tarde 2 Noite

Observações importantes__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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Agosto

DIA 1 DIA 2 DIA 3 DIA 4 DIA 5 DIA 6

DIA 7 DIA 8 DIA 9 DIA 10 DIA 11 DIA 12

DIA 13 DIA 14 DIA 15 DIA 16 DIA 17 DIA 18

DIA 19 DIA 20 DIA 21 DIA 22 DIA 23 DIA 24

DIA 25 DIA 26 DIA 27 DIA 28 DIA 29DIA 30

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Tratamento atual

Droga antiepiléptica Manhã Tarde 1 Tarde 2 Noite

Observações importantes__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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Setembro

DIA 1 DIA 2 DIA 3 DIA 4 DIA 5 DIA 6

DIA 7 DIA 8 DIA 9 DIA 10 DIA 11 DIA 12

DIA 13 DIA 14 DIA 15 DIA 16 DIA 17 DIA 18

DIA 19 DIA 20 DIA 21 DIA 22 DIA 23 DIA 24

DIA 25 DIA 26 DIA 27 DIA 28 DIA 29 DIA 30

Tratamento atual

Droga antiepiléptica Manhã Tarde 1 Tarde 2 Noite

Observações importantes__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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Outubro

DIA 1 DIA 2 DIA 3 DIA 4 DIA 5 DIA 6

DIA 7 DIA 8 DIA 9 DIA 10 DIA 11 DIA 12

DIA 13 DIA 14 DIA 15 DIA 16 DIA 17 DIA 18

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DIA 25 DIA 26 DIA 27 DIA 28 DIA 29DIA 30

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Tratamento atual

Droga antiepiléptica Manhã Tarde 1 Tarde 2 Noite

Observações importantes________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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Novembro

DIA 1 DIA 2 DIA 3 DIA 4 DIA 5 DIA 6

DIA 7 DIA 8 DIA 9 DIA 10 DIA 11 DIA 12

DIA 13 DIA 14 DIA 15 DIA 16 DIA 17 DIA 18

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Tratamento atual

Droga antiepiléptica Manhã Tarde 1 Tarde 2 Noite

Observações importantes________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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Dezembro

DIA 1 DIA 2 DIA 3 DIA 4 DIA 5 DIA 6

DIA 7 DIA 8 DIA 9 DIA 10 DIA 11 DIA 12

DIA 13 DIA 14 DIA 15 DIA 16 DIA 17 DIA 18

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DIA 25 DIA 26 DIA 27 DIA 28 DIA 29DIA 30

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Tratamento atual

Droga antiepiléptica Manhã Tarde 1 Tarde 2 Noite

Observações importantes____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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Referências

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