Magnetismo

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Cap´ ıtulo 1 Magnetismo em metais Magnetismo em metais tem natureza bastante diferente do magnetismo em isolantes. A princ´ ıpio ´ e f´ acil perceber que o conceito de spins localizados n˜ao pode ser aplicado diretamente a metais. Al´ em disso, os momentos magn´ eticos por ´ atomo em metais magn´ eticos n˜ ao s˜ ao m´ ultiplos inteiros do momento magn´ etico de um el´ etron. Sendo assim, ´ e necess´ario construir um modelo para o magnetismo em metais que leve em conta o car´ ater extendido dos estados eletrˆ onicos nesse tipo de material. O ponto de partida deve ser um hamiltoniano para el´ etrons numa rede cristalina acrescido da intera¸c˜ ao el´ etron-el´ etron. Como j´ a vimos, o problema colocado por esse hamiltoniano ´ e muito dif´ ıcil. Precisamos, portanto, de aproxima¸ c˜oes que permitam abordar o problema sem perder suas principais caracter´ ısticas. A primeira tentativa ´ e a aproxima¸c˜ ao de campo m´ edio que, como j´a vimos, despreza as flutua¸c˜ oes quˆ anticas das vari´ aveis dinˆamicas do sistema, mas permite tratar o estado fundamental. Voltando ` a fenomenologia, os s´olidos met´alicos elementais que apresentam magnetismo s˜ ao poucos: apenas alguns daqueles cuja configura¸c˜ ao atˆ omica apresenta orbitais d semi-preenchidos: Fe, Co e Ni. Metais compostos e ligas met´ alicas tamb´ em apresentam propriedades magn´ eticas, mas s˜ ao, obvi- amente, mais dif´ ıceis de tratar teoricamente. Como veremos adiante, o car´ ater menos m´ ovel dos el´ etrons que ocupam estados formados a partir dos orbitais d nos metais de transi¸c˜ ao possibilita aapari¸c˜ ao de momento magn´ etico nesses materiais. A teoria de bandas dos estados eletrˆ onicos permite entender a origem do momento magn´ eticon˜ao- inteiro. V´ arias das propriedades dos metais magn´ eticos tˆ em forte analogia com as dos isolantes magn´ eticos, embora as diferen¸cas sejam claras. De 1

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Apostila de Magnetismo

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  • Captulo 1

    Magnetismo em metais

    Magnetismo em metais tem natureza bastante diferente do magnetismo emisolantes. A princpio e facil perceber que o conceito de spins localizados naopode ser aplicado diretamente a metais. Alem disso, os momentos magneticospor atomo em metais magneticos nao sao multiplos inteiros do momentomagnetico de um eletron. Sendo assim, e necessario construir um modelopara o magnetismo em metais que leve em conta o carater extendido dosestados eletronicos nesse tipo de material. O ponto de partida deve serum hamiltoniano para eletrons numa rede cristalina acrescido da interacaoeletron-eletron. Como ja vimos, o problema colocado por esse hamiltoniano emuito difcil. Precisamos, portanto, de aproximacoes que permitam abordaro problema sem perder suas principais caractersticas. A primeira tentativae a aproximacao de campo medio que, como ja vimos, despreza as flutuacoesquanticas das variaveis dinamicas do sistema, mas permite tratar o estadofundamental.

    Voltando a` fenomenologia, os solidos metalicos elementais que apresentammagnetismo sao poucos: apenas alguns daqueles cuja configuracao atomicaapresenta orbitais d semi-preenchidos: Fe, Co e Ni. Metais compostos eligas metalicas tambem apresentam propriedades magneticas, mas sao, obvi-amente, mais difceis de tratar teoricamente.

    Como veremos adiante, o carater menos movel dos eletrons que ocupamestados formados a partir dos orbitais d nos metais de transicao possibilitaa aparicao de momento magnetico nesses materiais. A teoria de bandas dosestados eletronicos permite entender a origem do momento magnetico nao-inteiro. Varias das propriedades dos metais magneticos tem forte analogiacom as dos isolantes magneticos, embora as diferencas sejam claras. De

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  • 2 CAPITULO 1. MAGNETISMO EM METAIS

    qualquer forma, devido a` dificuldade conceitual intrnseca a` interpretacaodos resultados da teoria de bandas relacionados ao magnetismo, as analogiascom os isolantes magneticos podem ser bastante uteis.

    Uma particularidade interessante dos metais, que revela a natureza fermionicados eletrons, e a resposta paramagnetica dos metais nao-magneticos. Se pen-sarmos num metal nobre como Au ou Ag, por exemplo, podemos considerarque seus eletrons de conducao sao praticamente livres. O modelo de gasde eletrons deve descrever bem, ao menos qualitativamente, as propriedadesdesses metais. Ao aplicarmos um campo magnetico estatico e uniforme aum metal nobre esperamos que os spins eletroicos se alinhem com o campoexterno. Esse alinhamento, entretanto, e muito menor do que se espera,ingenuamente, de um conjunto de momentos magneticos independentes. Omotivo e o princpio de exclusao de Pauli. O estado fundamental do gasde eletrons e um conjunto de estados de ondas planas preenchidos de formaa obedecer o princpio de exclusao de Pauli. Estados com o mesmo vetorde onda podem ser ocupados por dois eletrons com diferentes valores daprojecao z do spin. Para alinhar todos os eletrons do gas com o campo serianecessario promove-los a estados com vetores de onda maiores do que kF , oque custaria uma energia muito maior do que a energia de interacao entreos momentos magnicos e o campo externo. Assim, apenas uma fracao doseletrons do metal se alinham com o campo. Esse comportamento e conhecidocomo paramagnetismo de Pauli, e pode ser facilmente calculado usando-se omodelo de gas de eletrons.

    Num metal magnetico, entretanto, o momento magnetico no estado fun-damental ja e nao-nulo, mesmo na ausencia de campo magnetico externo.Para entender a origem deste momento magnetico vamos analisar o modelomais simples para eletrons interagentes num solido cristalino, conhecido comomodelo de Hubbard. A ideia central e remover as complicacoes da estruturaeletronica de um material real considerando apenas uma das bandas de ener-gia do sistema.

    H =i,j

    tij

    cicj +i

    Uinini ,

    onde ci cria um eletron num estado de Wannier centrado no stio i comspin , n = cc e tij sao parametros associados aos elementos de matriz dopotencial ionico e da energia cinetica entre estados de Wannier centrados emstios i e j. Ui e o valor esperado da energia de interacao coulombiana paradois eletrons ocupando o mesmo estado de Wannier.

  • 3Como ja comentei, esse e o modelo mais simples para eletrons interagentesnum solido e, mesmo assim, nao possui solucao exata a nao ser em umadimensao com um eletron por stio (banda semi-cheia). A aproximacao maissimples que podemos fazer e desprezar as flutuacoes no numero de eletronspor stio e considerar que os eletrons com spin estao sujeitos a um campomedio produzido pelos eletrons com spin :

    nini nini + nini

    Essa aproximacao reduz o problema original a dois problemas de eletronsindependentes, um para cada direcao de spin.

    H =i,j

    tijcicj +

    i

    Uinini ,

    Entretanto, o hamiltoniano dos eletrons com spin depende do numeromedio de eletrons com spin , que so e conhecido depois que o problema eresolvido. Sendo assim, temos um problema autoconsistente com um vnculo:o numero total de eletrons por stio e uma propriedade do material indepen-dente da forma especfica do hamiltoniano, n+ n = nT .

    E conveniente reescrever o hamiltoniano em termos de nT e de m =n n,

    n = nT +m2

    n = nT m2

    de forma que

    H =i,j

    tijcicj +

    i

    Ui

    (nT m

    2

    )ni .

    Temos, portanto, dois hamiltonianos para eletrons independentes numa redecristalina, agora sujeitos a campos externos que dependem da densidadeeletronica dos eletrons com a direcao de spin oposta. A transformada deFourier diagonaliza esse hamiltoniano [supondo uma rede periodica, ou seja,

    tij = t(|~Ri ~Rj|)].c~k =

    1N

    i

    ei~k~Rici

  • 4 CAPITULO 1. MAGNETISMO EM METAIS

    de forma que

    H =~k

    [t(~k) + V ]c~kc~k ,

    t(~k) =j

    ei~k~Rj t0j ,

    V =1

    2(UnT Um) .

    Uma inspecao de V revela que ha uma parte do potencial que independede spin e outra que tem sinais opostos para direcoes de spin opostas. Am-bas independem do vetor de onda, o que significa que resultam em deslo-camentos rgidos das bandas de energia com relacao a` solucao do problemanao-interagente. Esse deslocamento depende linearmente da magnetizacaom do sistema que, por sua vez, depende do deslocamento. O caso m = 0corresponde a` solucao nao-interagente. A pergunta natural e se ha estadoscom m 6= 0 com energia mais baixa que o estado m = 0. Para verificar essapossibilidade vamos produzir uma excitacao do sistema que corresponde a`aplicacao de um campo externo uniforme e calcular a variacao de energiaprovocada pela excitacao. Se a variacao for negativa o estado fundamentalparamagnetico e instavel e e favoravel a formacao do estado magnetico.

    Na aproximacao de campo medio, energia total do sistema e

    H = ~k

    t(~k)

    n~k+1

    2

    ~k

    U(nn~k+ nn~k

    )

    = H = ~k

    t(~k)

    n~k+ Unn ,

    onde n~k = c~kc~k.

    A energia do estado fundamental paramagnetico e obtida fazendo-se asubstituicao

    n = n = nT2.

    A variacao de energia devida a` transferencia de uma quantidade de eletronsn do entorno do nvel de Fermi da banda de spin minoritario para a bandade spin majoritario e composta de duas partes: energia de banda e energiade interacao. A transferencia e de n eletrons com energia media EF 12E

  • 1.1. DETERMINACAO DO ESTADO FUNDAMENTAL 5

    para uma faixa com energia media EF +12E. A variacao de energia de banda

    e

    EB = (EF )E(EF +1

    2E) (EF )E(EF 1

    2E) = (EF )(E)

    2

    e a variacao da energia de interacao e

    Eint = U(nT2

    + n)(nT2 n) nT

    4= U(n)2 = U [(EF )E]2

    = E = (EF )(E)2[1 U(EF )].Ou seja, se U(EF ) > 1 o estado paramagnetico e instavel e o estado fun-damental deve apresentar m 6= 0. Esse e o chamado criterio de Stoner parasurgimento de momento magnetico em metais.

    1.1 Determinacao do estado fundamental

    O estado fundamental de um metal ferromagnetico na aproximacao de campomedio e determinado pelo valor da magnetizacao. O proprio hamiltoniano dosistema, entretanto, depende da magnetizacao do sistema atraves do campoefetivo ao qual os eletrons estao submetidos. Este e um exemplo de umproblema autoconsistente, que deve ser resolvido por um procedimento ite-rativo. Como mencionamos na secao anterior, o problema deve ser resolvidosob a condicao de que o numero de partculas no estado fundamental ferro-magnetico seja constante, independente do valor da magnetizacao.

    n(m,EF ) = EF

    d[(;m) + (;m)

    ]Como vimos anteriormente, as densidades de estados para eletrons com spin e sao dadas por

    (;m) = lim0+

    1pi Im~k

    1

    [E(~k) Um

    2+ Un

    2

    ]+ i

    (;m) = lim0+

    1pi Im~k

    1

    [E(~k) + Um

    2+ Un

    2

    ]+ i

  • 6 CAPITULO 1. MAGNETISMO EM METAIS

    ~k nas somas acima sao vetores na primeira zona de Brillouin do cristal emquestao.

    Para satisfazer a condicao n(m,EF ) = nT ajusta-se o nvel de Fermi dosistema. Alternativamente, pode-se fixar o nvel de Fermi e introduzir umpotencial adicional 0 que age tanto sobre eletrons com spin quanto comspin . Podemos abosrver nesse potencial o termo independente de spin Un

    2,

    de forma que as densidades de estados agora dependem de 0 e m.

    (;m, 0) = lim0+

    1pi Im~k

    1

    [E(~k) Um2 + 0

    ]+ i

    onde = +() para = (). Para encontrar o valor de m adota-se umprocedimento iterativo, conforme o esquema mostrado na figura 1.1.

  • 1.1. DETERMINACAO DO ESTADO FUNDAMENTAL 7

    Escolha um valorinicial para a

    magnetizacao, mi

    Encontre 0 talque n(mi, 0) +n(mi, 0) = nT

    Calculemf = n

    (mi, 0) n(mi, 0)

    mi mf

    |mf mi| < ?

    Convergiu,estado funda-

    mental: (mf , 0)

    nao

    sim

    Figura 1.1: Fluxograma do ciclo autoconsistente. e a precisao desejadapara a solucao.