Lusiadas Canto III Camoes

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ATIVIDADES PARA ENSINO SUPERIOR

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Texto e anlise do episdio Ins de Castro

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Texto e anlise do episdio Ins de Castro Os Lusadas - Lus Vaz de Cames Canto III, 118 a 135 Indicado para o vestibular da FuvestTEXTO118 Passada esta to prspera vitria, Tornado Afonso Lusitana Terra, A se lograr da paz com tanta glria Quanta soube ganhar na dura guerra, O caso triste e dino da memria, Que do sepulcro os homens desenterra, Aconteceu da msera e mesquinha Que despois de ser morta foi Rainha. 119 Tu, s tu, puro amor, com fora crua, Que os coraes humanos tanto obriga, Deste causa molesta morte sua, Como se fora prfida inimiga. Se dizem, fero Amor, que a sede tua Nem com lgrimas tristes se mitiga, porque queres, spero e tirano, Tuas aras banhar em sangue humano. 120 Estavas, linda Ins, posta em sossego, De teus anos colhendo doce fruito, Naquele engano da alma, ledo e cego, Que a fortuna no deixa durar muito, Nos saudosos campos do Mondego, De teus fermosos olhos nunca enxuito, Aos montes insinando e s ervinhas O nome que no peito escrito tinhas. 121 Do teu Prncipe ali te respondiam As lembranas que na alma lhe moravam, Que sempre ante seus olhos te traziam, Quando dos teus fernosos se apartavam; De noite, em doces sonhos que mentiam, De dia, em pensamentos que voavam; E quanto, enfim, cuidava e quanto via Eram tudo memrias de alegria. 122 De outras belas senhoras e Princesas Os desejados tlamos enjeita, Que tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas, Quando um gesto suave te sujeita. Vendo estas namoradas estranhezas, O velho pai sesudo, que respeita O murmurar do povo e a fantasia Do filho, que casar-se no queria, 123 Tirar Ins ao mundo determina, Por lhe tirar o filho que tem preso, Crendo co sangue s da morte ladina Matar do firme amor o fogo aceso. Que furor consentiu que a espada fina, Que pde sustentar o grande peso Do furor Mauro, fosse alevantada Contra ha fraca dama delicada? 124 Traziam-na os horrficos algozes Ante o Rei, j movido a piedade; Mas o povo, com falsas e ferozes Razes, morte crua o persuade. Ela, com tristes e piedosas vozes, Sadas s da mgoa e saudade Do seu Prncipe e filhos, que deixava, Que mais que a prpria morte a magoava, 125 Pera o cu cristalino alevantando, Com lgrimas, os olhos piedosos (Os olhos, porque as mos lhe estava atando Um dos duros ministros rigorosos); E despois, nos mininos atentando, Que to queridos tinha e to mimosos, Cuja orfindade como me temia, Pera o av cruel assi dizia: 126 (Se j nas brutas feras, cuja mente Natura fez cruel de nascimento, E nas aves agrestes, que somente Nas rapinas areas tem o intento, Com pequenas crianas viu a gente Terem to piedoso sentimento Como co a me de Nino j mostraram, E cos irmos que Roma edificaram: 127 tu, que tens de humano o gesto e o peito (Se de humano matar ha donzela, Fraca e sem fora, s por ter sujeito O corao a quem soube venc-la), A estas criancinhas tem respeito, Pois o no tens morte escura dela; Mova-te a piedade sua e minha, Pois te no move a culpa que no tinha. 128 E se, vencendo a Maura resistncia, A morte sabes dar com fogo e ferro, Sabe tambm dar vida, com clemncia, A quem peja perd-la no fez erro. Mas, se to assi merece esta inocncia, Pe-me em perptuo e msero desterro, Na Ctia fria ou l na Lbia ardente, Onde em lgrimas viva eternamente. 129 Pe-me onde se use toda a feridade, Entre lees e tigres, e verei Se neles achar posso a piedade Que entre peitos humanos no achei. Ali, co amor intrnseco e vontade Naquele por quem mouro, criarei Estas relquias suas que aqui viste, Que refrigrio sejam da me triste.) 130 Queria perdoar-lhe o Rei benino, Movido das palavras que o magoam; Mas o pertinaz povo e seu destino (Que desta sorte o quis) lhe no perdoam. Arrancam das espadas de ao fino Os que por bom tal feito ali apregoam. Contra ha dama, peitos carniceiros, Feros vos amostrais e cavaleiros? 131 Qual contra a linda moa Polycena, Consolao extrema da me velha, Porque a sombra de Aquiles a condena, Co ferro o duro Pirro se aparelha; Mas ela, os olhos, com que o ar serena (Bem como paciente e mansa ovelha), Na msera me postos, que endoudece, Ao duro sacrifcio se oferece: 132 Tais contra Ins os brutos matadores, No colo de alabastro, que sustinha As obras com que Amor matou de amores Aquele que despois a fez Rainha, As espadas banhando e as brancas flores, Que ela dos olhos seus regadas tinha, Se encarniavam, fervidos e irosos, No futuro castigo no cuidosos. 133 Bem puderas, Sol, da vista destes, Teus raios apartar aquele dia, Como da seva mesa de Tiestes, Quando os filhos por mo de Atreu comia ! Vs, cncavos vales, que pudestes A voz extrema ouvir da boca fria, O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes, Por muito grande espao repetistes. 134 Assi como a bonina, que cortada Antes do tempo foi, cndida e bela, Sendo das mos lacivas maltratada Da minina que a trouxe na capela, O cheiro traz perdido e a cor murchada: Tal est, morta, a plida donzela, Secas do rosto as rosas e perdida A branca e viva cor, co a doce vida. 135 As filhas do Mondego a morte escura Longo tempo chorando memoraram, E, por memria eterna, em fonte pura As lgrimas choradas transformaram. O nome lhe puseram, que inda dura, Dos amores de Ins, que ali passaram. Vede que fresca fonte rega as flores, Que lgrimas so a gua e o nome Amores.

ANLISE

Tragdia de amor momento lrico em poema pico

No Renascimento, o projeto de recriar os grandes gneros da literatura greco-latina levou muitos poetas, em diversos pases, a tentarem compor obras no que era considerado o gnero mximo: o pico. A epopia (ou poema pico) um longo poema narrativo, de estilo elevado e assunto herico, envolvendo grandes acontecimentos do passado. Se os heris e as faanhas so histricos ou mticos esta no uma questo significativa para a pica antiga.

Mas era um ponto importante para Cames, que se orgulhou de estar contando em "Os Lusadas" (1572) uma histria grandiosa realmente ocorrida, verdadeira, e no falsa, inventada, como as dos heris mticos celebrados tanto pelos gregos e romanos da Antiguidade, quanto pelos poetas de seu tempo. A estes teria faltado um tema da magnitude daquele que a histria recente de Portugal oferecia a Cames: a estupenda aventura da conquista do mar e busca de terras distantes e ignoradas, que ampliaram enormemente os limites do mundo ento conhecido. Com uma histria dessas, com seu gnio artstico e uma extraordinria experincia de vida, Cames escreveu a melhor epopia do Renascimento.

Nela, trs histrias se superpem e se imbricam: 1) a histria da viagem de Vasco da Gama e seus marinheiros ndia; 2) a histria de Portugal, chegando at a poca da viagem e antecipando acontecimentos posteriores a ela, e 3) a histria dos deuses que, como foras do destino, tramam e destramam a sorte daqueles bravos portugueses que enfrentam perigos e inimigos desconhecidos para ampliar as fronteiras de seu reino e de sua religio.

Numa longa etapa da obra (cantos III-V), Vasco da Gama (heri da histria 1) conta ao rei de Melinde (costa oriental da frica) a histria de Portugal (histria 2). Entre os acontecimentos notveis do passado portugus, o capito se detm no relato dos eventos que envolveram Ins de Castro, compondo um dos mais belos episdios do poema (canto III, estrofes 118-135). Trgico conto de amor, a histria daquela "que depois de ser morta foi rainha".

O fato relatado por Cames foi registrado por cronistas da poca e pode, em seus dados histricos, ser assim resumido. Dona Ins, da importantssima famlia castelhana Castro, veio a Portugal como dama de companhia da princesa Constana, noiva de D. Pedro, herdeiro do rei D. Afonso 4. O prncipe apaixonou-se loucamente pela moa, de quem teve filhos ainda em vida da princesa, sua esposa. Com a morte desta, em 1435, ter-se-ia casado clandestinamente com Ins, segundo o que ele mesmo declarou tempos depois, quando j se tornara rei. Talvez tal declarao, embora solene, fosse falsa; fato, porm, que o prncipe rejeitou diversos casamentos, politicamente convenientes, que lhe foram propostos depois que ficou vivo.

A ligao entre o prncipe e sua amante no foi bem vista pelo rei, que temia fosse seu filho envolvido em manobras pr-Castela da famlia de Prez de Castro, pai de Ins. (Aqui preciso lembrar que o conflito entre Portugal e Castela, ou seja, a Espanha, remonta fundao de Portugal, que nasceu de um desmembramento do territrio castelhano e que Castela sempre almejou reintegrar a si.) Em conseqncia, o rei, estimulado por seus conselheiros, decidiu-se pelo assassinato de Ins, que foi degolada quando o prncipe se achava caando fora de Coimbra, onde vivia o casal. O crime motivou um longo conflito entre o prncipe e o pai. Depois que se tornou rei, D. Pedro ordenou a exumao (desenterramento) do cadver, para que Ins fosse coroada como rainha.

Cames, que se concentra no conflito entre o amor e os poderes perversos do mundo, no o nico nem foi o primeiro a dar tratamento literrio histria de Ins de Castro, mas a sua verso paira sobre todas as outras, anteriores ou posteriores. Vrios fatores concorrem para que o episdio seja dos mais admirados de "Os Lusadas": a pungncia da histria, devida tanto piedade que inspiram Ins e seus filhos, quanto ao amor constante, inconformado e revoltado de D. Pedro; a gravidade da questo envolvida, que ope o interesse pessoal e os interesses coletivos (a "razo de Estado"), e, finalmente e sobretudo, o encanto lrico de que Cames cercou a figura de Ins, a quem atribui longo e eloquente discurso, impondo-a como um dos grandes smbolos femininos da literatura e no s da literatura de lngua portuguesa. (FRANCISCO ACHCAR)