Luciano Koji Abe O processo de criação do telejornal Fantástico · 2017. 2. 22. · A pesquisa...
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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Luciano Koji Abe
O processo de criação do telejornal Fantástico
nas matérias com enfoque em personagens
Mestrado em Comunicação e Semiótica
SÃO PAULO
2016
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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Luciano Koji Abe
O processo de criação do telejornal Fantástico
nas matérias com enfoque em personagens
Mestrado em Comunicação e Semiótica
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de Mestre
em Comunicação e Semiótica, sob a orientação da
Prof.a Dr.a Cecilia Almeida Salles
SÃO PAULO
2016
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Banca Examinadora
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Agradecimentos
Em primeiro lugar, quero agradecer especialmente aos meus pais, Cata-
rina e Takayuki, que sempre me deram o suporte necessário ao meu desenvol-
vimento profissional e acadêmico, acreditaram em minha capacidade e me
apoiaram em todas as minhas decisões. Esta dissertação não seria possível
sem eles. Muito obrigado por tudo!
Discutir televisão no meio acadêmico é um trabalho árduo, mas gratifi-
cante e compensador. É inegável que a maioria prefira discutir o cinema, mas
confesso meu amor à televisão. Por essa razão, agradeço à minha orientadora
Cecília Almeida Salles, que foi de fundamental importância na inspiração teóri-
ca e na busca dos nós da minha rede.
Agradeço também aos amigos e professores da PUC-SP que colabora-
ram com ideias, conselhos, críticas e conversas. Seria uma injustiça citar os
nomes dos meus colegas, pois com certeza irei me esquecer de alguém. Por-
tanto, sintam-se todos abraçados. No entanto, tenho uma gratidão especial por
todos que colaboraram com proveitosas observações no grupo de pesquisa em
processos de criação. Minhas terças nunca foram tão produtivas!
Assistir às aulas de Cecília Salles, José Aidar, Lúcia Leão, Amálio Pi-
nheiro, Leda Tenório, Lucia Santaella e Arlindo Machado foi como navegar nas
águas do rio Amazonas e adentrar em seus inúmeros afluentes. Processos de
criação, teorias críticas da massa, hipermídia, mestiçagem, Roland Barthes e
Charles Pierce. Onde mais eu aprenderia tudo isso em somente dois anos se
não fosse na PUC-SP, que me acolhe com tanto carinho desde a minha gradu-
ação em jornalismo?
Por fim, agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico – CNPq pela bolsa integral que me possibilitou dedicação à pes-
quisa e à vida acadêmica.
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Se você detesta televisão, sobretudo a programação da Rede Globo e o
Fantástico, por favor, não prossiga. Mas se você está livre das amarras ideoló-
gicas e não tem preconceitos, siga em frente. O leitor desta dissertação está
livre para trocar de canal, ou melhor, de livro, quando quiser.
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“Que a televisão não seja o inferno, eterno ermo
Um ver no excesso o eterno quase nada
Que a televisão não seja sempre vista
Como a montra condenada, a fenestra sinistra
Mas tomada pelo que ela é
De poesia.”
(Caetano Veloso)
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RESUMO
Esta dissertação analisa os processos de criação do programa dominical Fantástico nas
matérias telejornalísticas veiculadas pela Rede Globo nos anos 2014-2015, com enfoque
nas semelhanças e diferenças entre o cinema e a televisão, ao lidarem com protagonistas
e a jornada do herói. A pesquisa investiga o processo de criação do telejornal por inter-
médio de recursos utilizados no cinema ficcional ou documental, tais como a montagem
e o roteiro. Por mais diferente que seja do cinema, a televisão, que se popularizou na
década de 1950 com o objetivo de civilizar e entreter os telespectadores, teve como base
a criatividade da invenção dos irmãos Lumière. O capítulo inicial do texto traz um breve
histórico do programa Fantástico, com o foco na delimitação da pesquisa, até chegar ao
atual formato de redação-estúdio, ao mesmo tempo em que aumentam a diversidade de
programação e o número de canais, sobretudo com o advento da TV a cabo. O segundo
capítulo aborda os procedimentos de roteiro na construção de personagens. Esta parte da
dissertação busca compreender os recursos que a reportagem do telejornalismo com
base na construção de histórias de vida de indivíduos ou de grupos sociais utiliza para
estimular as emoções do telespectador. O capítulo final trata dos recursos audiovisuais
na construção de personagens e analisa algumas reportagens. O texto deste capítulo de-
dica um tratamento maior à imagem no mundo pós-moderno e logo-icônico e à monta-
gem por meio do ritmo e das sensações. A dissertação tem base nas teorias de Edgar
Morin e Cecília Almeida Salles, com a importância das teorias da criação como rede e
das influências culturais para se pensar a produção de um telejornal.
Palavras-chave: comunicação, telejornalismo, roteiro, edição, fotografia.
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ABSTRACT
This dissertation analyzes the creative process of Rede Globo's Sunday news broadcast,
Fantástico, produced during the years 2014-2015, focusing on similarities and differen-
ces between film and television, as they pertain to protagonists and the hero's journey.
The research investigates the program's creative process through the examination of
fictional and documentary film resources, such as studying scripts and editing techni-
ques. As with cinema, television, which was popularized in the 1950s with the aim of
educating and entertaining viewers, was based on the creativity of the invention of the
Lumière brothers. The text of the first chapter provides a brief history of Fantástico,
with focus on the delimitation of the research, up to the present newsroom-studio for-
mat, at the same time increasing the diversity of programming and the number of chan-
nels, especially with advent of cable TV. The second chapter addresses the script wri-
ting procedures in the construction of characters. This part of the dissertation, based on
the construction of life stories of individuals or social groups, attempts to understand the
resources that the television news report use to stimulate the viewer's emotions. The
final chapter deals with audiovisual resources in building characters and analyzes some
reports. The text of this chapter devotes greater treatment to the image in the post-
modern world and editing through rhythm and sensations. The dissertation is based on
the theories of Edgar Morin and Cecilia Almeida Salles, with the importance of theories
of creation as network and cultural influences to think about the production of a news-
cast.
Keywords: communication, TV Journalism, script, editing, photography.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 10
1. O FANTÁSTICO – A REVISTA ELETRÔNICA NO DOMINGO DA GLOBO .......... 18
1.1. O Fantástico no formato de redação-estúdio ...................................................... 21
1.2. Reunião de pauta ................................................................................................ 34
1.3. Participação do telespectador ............................................................................. 39
1.4. O fait divers .......................................................................................................... 45
1.5. Reportagem especial ........................................................................................... 49
1.6. Delimitação das matérias estudadas .................................................................. 55
2. PROCEDIMENTOS DE ROTEIRO NA CONSTRUÇÃO DE PERSONAGENS ....... 57
2.1. A construção de histórias motivacionais ............................................................. 57
2.2. O melodrama ....................................................................................................... 61
2.3. O personagem ..................................................................................................... 64
3. RECURSOS AUDIOVISUAIS NA CONSTRUÇÃO DE PERSONAGENS............... 70
3.1. O papel da imagem no telejornal ........................................................................ 70
3.2. A edição e a difícil tarefa de combinar planos .................................................... 73
3.3. Análise de matérias ............................................................................................. 79
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 98
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 101
ANEXOS ....................................................................................................................... 107
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INTRODUÇÃO
Por mais diferente que seja do cinema, a televisão, que se popularizou
na década de 1950 com o objetivo de educar, informar e entreter os telespec-
tadores, ou como disse Huw Wheldon, executivo da BBC nos anos 60, “tornar o
bom popular e o popular, bom”, teve como base a criatividade da invenção dos
irmãos Lumière. Não é à toa que muitos cineastas, a exemplo de Godard, Mi-
chel Gondry, Jorge Furtado e Eduardo Coutinho, também fizeram vários traba-
lhos para a televisão.
As salas de cinema estão ficando menores, as televisões estão ficando
maiores. A programação televisiva que antes era de difícil acesso de-
pois da transmissão original, a não ser em reprises (como “Vale a pena
ver de novo”) agora está ficando cada vez mais disponível em DVDs ou
na internet e plataformas de streaming. Ao mesmo tempo, a qualidade
de muita programação na televisão está melhorando e em alguns ca-
sos se igualando a do cinema. (...) Enfim, há grande criatividade tanto
na televisão quanto no cinema – entrevista de Randal Johnson ao por-
tal de notícias G11
Ao contrário da televisão com suas inúmeras distrações, o cinema exige
um público concentrado diante de duas horas ininterruptas de uma história con-
tada por meio do audiovisual. O ambiente da sala de cinema é escuro para que
não haja distrações, e a maior parte dos acompanhantes são desconhecidos.
Para evitar a sensação de imersão do cinema e provar que a televisão
não é somente a sua miniatura na casa das pessoas, os Estados Unidos pen-
saram a tevê como uma extensão do rádio, para ser visto enquanto se faz ou-
tras tarefas e ser ouvido em outros locais da casa. No Brasil, a propaganda no
início da década de 1950, quando Assis Chateaubriand, dono do império Diá-
rios e Emissoras Associados, trouxe a TV para o Brasil, até dizia: “comprem
uma televisão: o rádio com imagens” (KLAGSBRUNN, 1991, p. 88). A televi-
são, no entanto, não apresenta a agilidade nem o imediatismo do rádio. Por
1 Disponível em: Acesso em: 19 mai.2016
http://g1.globo.com/pop-arte/blog/maquina-de-escrever/post/randal-johnson-relacao-entre-o-cinema-e-televisao-esta-mudando.htmlhttp://g1.globo.com/pop-arte/blog/maquina-de-escrever/post/randal-johnson-relacao-entre-o-cinema-e-televisao-esta-mudando.html
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outro lado, ela tem uma arma poderosa: a informação visual. Ouvimos a notícia
no rádio e logo ligamos a TV para ver as imagens.
O cinema não trabalha o mesmo verossímil que a imprensa, nem o jor-
nal diário o mesmo que a revista feminina, não jogam com as mesmas
regras, que são as regras desde as quais o espectador ou leitor olha ou
lê. A probabilidade ou improbabilidade de algo não reside na natureza
intrínseca do fato, não é problema de essência mas de existência, de
código e de prática social (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 90).
A união entre mensagem visual e mensagem auditiva dentro de casa ga-
rante fácil acesso ao conhecimento e uma forte penetração da TV, atingindo
um público diversificado de todas as classes sociais, faixas etárias e escolari-
dade, o que permite que até mesmo analfabetos possam receber as notícias
gratuitamente. “Ela desfruta de um prestígio tão considerável que assume a
condição de única via de acesso às notícias e ao entretenimento de grande
parcela da população” (REZENDE, 2000, p. 23).
Com a televisão, espectadores conseguem acompanhar eventos do ou-
tro lado do mundo e no mesmo instante. É o principal meio de informação e
entretenimento de grande parte do planeta, sobretudo a partir da segunda me-
tade do século 20, quando a TV se tornou o meio de comunicação hegemôni-
co. A televisão envolve o telespectador porque tem o poder do audiovisual do
cinema com o alcance do rádio. Apesar disso, ela se resume à transmissão de
informações breves e ao entretenimento.
É difícil hoje pretender abordar a historicidade de um gênero popular
limitando-se a estabelecer conexões com os produtos que o precede-
ram. Se há parentesco, há, sobretudo, ruptura: o novo produto que
consideramos é influenciado por outras lógicas estéticas e soci-
ais, situa-se no centro de outras estratégias industriais, está escrito em
diferentes formas de produção e de consumo (MATTELART, 1989, p.
21).
O poder da imagem televisiva é tão grande que o The New York Times
comparou a primeira transmissão nacional de um programa de televisão em
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cores2 a uma obra de arte. “Concentrar tanta informação de cor dentro da mol-
dura de uma pequena tela seria difícil até para o mais talentoso artista fazendo
uma pintura ‘imóvel’. Fazê-lo com imagens em constante movimento parecia
pura mágica”, escreveu o jornal.
A televisão vive um momento de crise, ao mesmo tempo em que aumen-
tam a diversidade de programação e o número de canais, sobretudo com o ad-
vento da TV a cabo no final dos anos 1970. A concorrência com outras mídias
e o autoritarismo da audiência levou à necessidade de mudanças.
Com a expansão do número de televisores no mundo, cresceu o número
de telejornais para informar um público cada vez mais ávido por notícias. Nos
anos 50, pouco se falava de jornalismo na TV. Hoje, com 65 anos de história3,
os telejornais conquistam cada vez mais espaço. Somente a Globo, por exem-
plo, apresenta oito telejornais diários na TV aberta. Sem contar os programas
de entretenimento, como o Encontro com Fátima Bernardes, que incluem notí-
cias que foram divulgadas pela emissora em suas pautas jornalísticas.
Embora haja muitas opções, o telespectador não encontra muita varie-
dade na forma de contar as histórias, que costumam ser as mesmas nos diver-
sos canais, pois o telejornal é o gênero televisivo mais rigidamente codificado
(MACHADO, 2000), sendo igual em todas as partes do mundo. Críticos da cul-
tura de massa, Adorno e Horkheimer afirmam que “A cultura contemporânea a
tudo confere um ar de semelhança” (2002, p. 5). O mesmo telejornal pode até
trazer matérias semelhantes em épocas diversas, pois o público está em cons-
tantes mudanças. Por essa razão, a matéria pode reaparecer alguns anos de-
pois sem ser considerada repetitiva pela audiência.
A construção de um presente (...) que quer esquecer o passado e dá a
impressão de já não acreditar no futuro, foi conseguida pela circulação
incessante da informação, que a cada instante retorna uma lista bem
2 Em 1º de janeiro de 1954, a NBC exibiu o desfile do Torneio das Rosas totalmente em cores.
3 O primeiro telejornal brasileiro foi o “Imagens do Dia”, que estreou em 19/09/1950, segundo
dia após a implantação da primeira emissora de TV do Brasil: a PRF-3 TV Difusora, depois TV Tupi de São Paulo.
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sucinta das mesmas tolices, anunciadas com entusiasmo como novi-
dades importantes, ao passo que só se anunciam pouquíssimo, e aos
arrancos, as notícias de fato importantes, referentes ao que de fato
muda (DEBORD, 2013, p. 176)
Para demonstrar que o telejornalismo tem uma gramática própria com
suas regras de conduta, os videoartistas Antonio Muntadas e Hank Bull até edi-
taram um vídeo ("Cross-cultural Television", de 1987) com partes de telejornais
de vários países. Nele, os repórter e âncoras usam o mesmo tom de voz, e as
reportagens exibem os mesmos padrões de apresentação das matérias. As
imagens de vários telejornais diferentes apenas reiteram o que diz a narração e
têm enquadramentos semelhantes.
Tecnicamente falando, um telejornal é composto de uma mistura de
distintas fontes de imagem e som: gravações em fita, filmes, material
de arquivo, fotografia, gráficos, mapas, textos, além de locução, música
e ruídos (MACHADO, 2001, p. 103-104).
Isso ocorre porque a produção de um telejornal é coletiva, com profissi-
onais que trabalharam em diversos meios de comunicação, e olha constante-
mente para a concorrência, seja no impresso, no rádio ou na televisão. Nas
avaliações do dia dentro de uma redação, os jornalistas discutem, pressiona-
dos pelos índices de audiência, o que o concorrente produziu e que eles não
fizeram.
No dia seguinte, o assunto omitido estará na pauta com diferenças sutis,
imperceptíveis para um leigo, mas consideradas um grande diferencial para o
canal. Tentam obter um furo, uma entrevista ou uma imagem que o outro não
conseguiu. No entanto, a base de informações é a mesma, com os mesmos
entrevistados e os mesmos dados por falta de tempo ou comodidade.
Para ser o primeiro a ver e a fazer ver alguma coisa, está-se disposto a
quase tudo, e como se copia mutuamente visando a deixar os outros
para trás, a fazer antes dos outros, ou a fazer diferente dos outros,
acaba-se por fazerem todos a mesma coisa, e a busca da exclusivida-
de, que, em outros campos, produz a originalidade, a singularidade, re-
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sulta aqui na uniformização e na banalização (BOURDIEU, 1997, p.
27).
Porém, enquanto “zapeava” pelos padronizados telejornais brasileiros,
eu me deparei com uma reportagem do Fantástico que não seguia o telejorna-
lismo tradicional do hard news, pois apresentava uma história diferente e me-
lhor elaborada, com um personagem que já estava morto. A chamada da repor-
tagem dizia que as filhas de um professor descobriram, após a morte dele, 130
cartas escritas por ex-alunos há mais de 20 anos e decidiram continuar a mis-
são do pai.
Era uma reportagem especial e exclusiva, com um trabalho mais aprimo-
rado de edição, roteiro, imagens e escolha dos entrevistados. Nela, o repórter
cinematográfico usou até um plano-sequência, recurso muito utilizado no cine-
ma, sobretudo nos filmes franceses da Nouvelle Vague. A cada semana eu
encontrava uma ou duas matérias que se sobressaíam no Fantástico e esta-
vam longe do hard news das grandes redações.
Dessa forma, fiquei curioso em saber como eram construídas essas ma-
térias e de que forma mexiam com a emoção do telespectador, visto que se
baseavam em histórias de superação. Essas matérias ganham conotações me-
lodramáticas por intermédio do sentimentalismo exagerado, do primeiríssimo
plano nos olhos do personagem e dos fundos musicais que induzem o espec-
tador ao choro.
Embora o entretenimento ocupe boa parte da programação das emisso-
ras, a importância do telejornalismo nos canais abertos e o aumento do número
de telejornais são características da televisão do século XXI. Com as mesmas
pautas, as emissoras buscam um diferencial, uma linguagem própria para atrair
a atenção do telespectador e evitar que ele mude de canal.
Portanto, nada melhor que transformar o telespectador comum em herói,
como ocorre nas matérias com foco num só personagem. Nesses casos, os
telejornais liberam a criatividade e, por vezes, utilizam recursos técnicos da
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montagem como o falso-raccord, a repetição (instant replay) e a câmera lenta,
que levam a TV ao cinema primitivo.
Em suma, qualquer que seja a categoria de um programa de televisão,
ele deve sempre entreter e pode também informar. Pode ser informativo, mas
deve também ser de entretenimento (SOUZA, 2004, p. 39).
Chamou-me a atenção outra característica importante do programa exi-
bido pela Globo em horário nobre4, nas noites de domingo. Sem o formato con-
vencional dos telejornais e com muitos quadros de entretenimento, o Fantástico
pode ser visto por muitos como um produto da Central Globo de Produções,
responsável pelas novelas e programas de humor, por exemplo, e não como
um programa jornalístico.
Ao analisar a história da TV, Richard Paterson, por exemplo, classificou
o Fantástico como um show de variedades ao lado do programa de auditório de
Silvio Santos: “No Brasil e no resto da América Latina, o show de variedade de
forma longa continua sendo extremamente popular com programas como Fan-
tástico (TV Globo) e Silvio Santos Show (SBT)” (PATERSON, 1995, p. 113).
A indefinição de formato, com a combinação de informação e distração,
torna o programa peculiar, sem bancada, mais informal, com a participação
ativa do público e com reportagens especiais que parecem curtas de ficção em
razão das tomadas diferentes de câmera, do roteiro com pontos de virada e de
personagens mais complexos. De acordo com Sandra Reimão, “ficcionalidade
e não ficcionalidade não são categorias mutuamente excludentes, nem mesmo
claramente delimitadas, mas sim tendências dominantes em determinadas ca-
tegorias televisivas” (REIMÃO, 1997, p. 99).
Esse hibridismo de gênero que resulta no “infotainment” (information +
entertainment) está presente no formato de redação-estúdio, inaugurado em 27
4 Os programas exibidos em horário nobre, também denominado prime-time, são exibidos das
19h às 22h30.
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de abril de 2014, uma tentativa de mostrar toda essa mistura em um só pro-
grama.
Para a realização desta pesquisa foi escolhido o Fantástico como objeto
de estudo por ser o telejornal líder de audiência aos domingos por mais de 40
anos e pela facilidade em acessar os vídeos, pois estão disponíveis gratuita-
mente no site.
Esta dissertação, portanto, analisa e discute os modos de construções
de personagens em matérias do programa dominical Fantástico, da Rede Glo-
bo, sob o ponto de vista dos procedimentos de produção, por intermédio da
discussão da imagem, do roteiro, das entrevistas, da trilha e da edição.
A pesquisa tem como base os estudos de Cecilia Salles apresentados
nos livros “Gesto inacabado: processo de criação artística” e “Redes da cria-
ção: construção da obra de arte” (SALLES, 2011 e 2006).
É importante ressaltar que, por necessidade de delimitação do âmbito
desta publicação, o enfoque será o objeto artístico; no entanto, essas
discussões têm se provado também adequadas para o debate sobre a
construção de outros objetos da comunicação. Estamos, portanto,
abordando a arte, em diálogo com aqueles que, como Arlindo Machado
(1999), defendem a abordagem da comunicação em âmbito expandido,
por perceber que se trata de “um conceito-chave no mundo contempo-
râneo, pois dá conta de alguns processos vitais que definem esse
mesmo mundo, mas está longe de ser um conceito consensual. Alguns
o tomam num sentido mais restritivo, abrangendo apenas o campo de
atuação das mídias de massa, outros preferem dar maior extensão ao
conceito, incluindo no seu campo semântico todas as formas de semi-
ose, ou seja, de circulação e intercâmbio de mensagens, inclusive até
fora do âmbito do social e do humano, no nível molecular, por exemplo,
ou na linguagem das máquinas”. Sob esse prisma, as discussões sobre
os percursos de construção de obras não estão restritas ao campo da
arte, abarcando outros processos comunicativos (SALLES, 2006, p. 14-
15).
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No caso do telejornalismo, o processo de criação ocorre por meio de um
grupo de autores, a exemplo do editor, do redator, do repórter e do cinegrafista.
A desfragmentação ou decupagem das matérias permitem compreender, por-
tanto, as intenções dos envolvidos na obra moldada por interconexões de re-
cursos criativos. “É o resultado de uma busca por sistematização de aspectos
gerais da criação para, entre outras coisas, chegar, com maior profundidade,
ao que há de específico em cada artista estudado...” (SALLES, 2011, p. 21).
Por intermédio de diversas teorias como as do cinema, do jornalismo e
da fotografia, o estudo trata da mediação entre a singularidade, a especificida-
de do objeto, e os aspectos gerais da criação como um processo com tendên-
cia em rede.
Outro importante pensador presente no estudo é o antropólogo, sociólo-
go e filósofo francês Edgar Morin, com destaque para seus estudos das rela-
ções entre indivíduos, cultura e conhecimento.
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1. O FANTÁSTICO – A REVISTA ELETRÔNICA NO DOMINGO
DA GLOBO
A televisão tem sido quase sempre cinematográfica, jornalística, teatral.
Quase nunca, televisiva, ou seja, ela ainda está a caminho de descobrir
sua linguagem exclusiva – uma coisa que só possa ser televisivo. E, se
há um programa na história da televisão brasileira que tenha contribuí-
do decisivamente para esta descoberta, esse programa sem dúvida é o
Fantástico5 – Ziraldo.
O telejornal Fantástico foi criado em 1973 pela Rede Globo de Televisão
como Fantástico – o show da vida. Em entrevista concedida pelo ex-diretor de
jornalismo do Fantástico, José Itamar de Freitas, à jornalista Samla Mesquita,
realizada no Rio de Janeiro, em 1992, Boni, que foi diretor geral da TV Globo
na época, disse que a gente sai de casa e vê um mendigo na calçada, um car-
ro milionário na rua, pessoas discutindo e isso é o show da vida, por isso o sub-
título.
A velha experiência do espectador cinematográfico, para quem a rua lá
de fora parece a continuação do espetáculo que acabou de ver — pois
este quer precisamente reproduzir de modo exato o mundo percebido
cotidianamente — tornou-se o critério da produção. Quanto mais densa
e integral a duplicação dos objetos empíricos por parte de suas técni-
cas, tanto mais fácil fazer crer que o mundo de fora é o simples prolon-
gamento daquele que se acaba de ver no cinema (ADORNO;
HORKHEIMER, 2002, p. 10).
Veiculado nas noites de domingo com início às 20h45, o Fantástico tem
cerca de duas horas de duração dividido em sete blocos. O programa que co-
meça após o “Domingão do Faustão” foi idealizado como uma revista ilustrada
semanal da televisão feito a partir de recortes da revista Manchete com revistas
importadas.
5 Depoimento em uma série divulgada no programa do dia 14 de agosto de 1983 em comemo-
ração aos dez anos do Fantástico.
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Segundo a definição do livro “The complete directory to prime time
network and cable TV shows” (BROOKS; MARSH, 1995) o Fantástico pode ser
considerado uma newsmagazine (revista jornalística eletrônica), por apresentar
histórias de comunidades ao redor do planeta e informações sobre política, ce-
lebridades, além das inovações científicas.
Sem apresentador único e fixo (o one man show) ou âncoras, o telejor-
nal da Globo era apresentado incialmente por jornalistas ou artistas que se al-
ternavam com o intuito de mesclar jornalismo (notícias e reportagens) e entre-
tenimento (musicais, teleteatro e humor). Também era diferente de outros tele-
jornais por ter uma edição mais livre e menos formal. O Fantástico começou
como um programa da Central Globo de Produções e só foi transferido para a
Central Globo de Jornalismo no começo da década de 80.
(...) o Fantástico é um painel dinâmico do que é produzido numa emis-
sora de televisão: jornalismo, prestação de serviços, humor, dramatur-
gia, documentários, música, reportagens investigativas, denúncia, ciên-
cia, além de um espaço para a experimentação de novas linguagens e
formatos (Site Memória Globo6).
Embora sempre tenha apresentado os quadros de entretenimento, o
principal destaque da cobertura do Fantástico é o jornalismo com notícias da
semana e do domingo, resultados esportivos e reportagens sobre diversos as-
suntos que abordam o bizarro, o curioso, o inusitado, a ciência, a cura milagro-
sa, a vida dos artistas, a polêmica e a fama. A valorização desses temas, po-
rém, já incomodava bastante os críticos nos primeiros anos do programa.
Em 8 de dezembro de 1976, a jornalista Maria Helena Dutra escreveu
em sua coluna no Jornal do Brasil: “Enquanto a cidade do Rio de Janeiro é in-
vadida pela torcida do Corinthians, feito que me parece inédito em termos
quantitativos no futebol, o Fantástico exibe reportagem sobre um inócuo co-
mentário de um professor brasileiro na Dinamarca sobre o ensino e explicações
a respeito da morte nas escolas primárias”. 6 Disponível em: Acesso em: 19 mai.2016
http://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/programas-jornalisticos/fantastico/formato.htmhttp://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/programas-jornalisticos/fantastico/formato.htm
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Ao completar 10 anos no ar, o Fantástico começou a investir na tecnolo-
gia e na abertura futurista com efeitos especiais do austríaco Hans Donner,
característica que permanece até hoje. À revista Veja do dia 21 de setembro de
1983, Donner falou a respeito do uso da computação gráfica no Fantástico:
“Estamos vinte e cinco anos à frente de qualquer emissora de televisão do
mundo. Não mais de duas dúzias de pessoas na Europa e nos Estados Unidos
seriam capazes de produzir algo semelhante”.
A partir do décimo aniversário, o Fantástico apresenta ao menos 80% de
matérias jornalísticas e começa a ser um prestador de serviços com notícias
sobre os preços e a alimentação. O programa ganha em criatividade e densi-
dade com reportagens de denúncia social divididas em séries, câmeras mais
livres, imagens belas e fortes e angulações diferentes, fora do convencional. A
linguagem se torna mais informal, adjetivada e com gírias, próxima da novela
de sucesso Beto Rockfeller,
Uma novela que rompe com os diálogos formais, propondo uma narra-
tiva de cunho coloquial, repleta de gírias e expressões populares. Re-
produzindo fatos e fofocas retiradas de notícias de revista e jornais da
época, o enredo procurava reproduzir o ritmo dos acontecimentos no
interior da própria narrativa (ORTIZ; BORELLU; RAMOS, 1988, p. 78).
Um cargo imprescindível para as matérias maiores dessa época foi o
produtor de reportagem, que surgiu por volta de 1986 para acompanhar o re-
pórter nas matérias e pesquisar sobre os assuntos. O jornalismo ocupou tanto
espaço na década de 1980 que o subtítulo “o show da vida”, criado em cima da
proposta do fait divers da revista eletrônica, desapareceu em 1989.
De 1990 a 1992, o noticiário fica mais forte com mais reportagens polici-
ais, investigativas e de denúncia e menos entretenimento. Os jornais da época
disseram que o Fantástico começou a parecer um telejornal de verdade. O rea-
lity show “Emergency Call” entra na programação do Fantástico com cenas de
resgate e de atendimentos médicos de urgência. A mistura entre ficção e reali-
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dade atinge até mesmo as reportagens, com o uso de atores em reconstitui-
ções de crimes.
No final de 92, com os caras-pintadas e o impeachment do Collor, a
Globo passa a valorizar os jovens com uma programação mais alegre e a volta
dos quadros de entretenimento. A linguagem e a edição são mais livres, menos
formais. Aos 20 anos completados em 1993, o programa assume sua origem
de revista eletrônica com o reforço do entretenimento e volta a usar o “show da
vida” no título. O telejornal se torna descontraído e bem-humorado.
Com a virada do milênio, o Fantástico entra no mundo digital e aproveita
os benefícios da internet para interagir com seus telespectadores e manter o
público em contato com o programa, mesmo após ele terminar, seja por meio
do recebimento de vídeos amadores sobre determinados temas ou do chat
com personalidades e/ou especialistas.
Em 2014, o programa passou por uma de suas maiores transformações
com o uso de hologramas criados por computação gráfica, a participação cada
vez maior do telespectador e a divulgação da reunião de pauta, entre outras
mudanças.
1.1. O Fantástico no formato de redação-estúdio
(...) o mais comercial faz agora o que fazia, um tempo atrás, o cinema
mais experimental (LIPOVETSKY; SERROY).
Diante do momento de crise do jornalismo e da constante queda de au-
diência, o Fantástico apresentou um novo formato de redação-estúdio no dia
27 de abril de 2014. Em busca de uma linguagem jovial para atrair a nova ge-
ração de telespectadores que não desgrudam dos tablets, smartphones e re-
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des sociais, o programa modificou o cenário e prometeu ser “mais dinâmico,
interativo e próximo do telespectador7”.
Em determinado momento, precisa-se de mais, precisa-se da inven-
ção. É aqui que a produção não chega a abafar a criação, que a bu-
rocracia é obrigada a procurar a invenção, que o padrão se detém pa-
ra ser aperfeiçoado pela originalidade (MORIN, 1969, p. 26),
Para fugir do formato convencional do telejornalismo, o Fantástico inte-
grou a redação ao cenário, aumentou a participação virtual dos telespectadores
e abriu, ainda que parcialmente, as reuniões de pauta de algumas matérias.
Com vários ambientes, entre eles um palco e dois sofás, o programa ga-
nhou em informalidade e descontração, permitindo a visita de entrevistados e a
realização de pequenos shows acústicos de artistas, além de projeções holo-
gráficas e de gráficos virtuais. O “Show da Vida8”, que fez 40 anos no dia 5 de
agosto de 2013, quer chegar aos 50 repaginado.
7 Disponível em: Acesso em: 19 mai.2016 8 O título já espetaculariza a vida.
http://gshow.globo.com/programas/encontro-com-fatima-bernardes/O-Programa/noticia/2014/04/tadeu-schmidt-sobre-o-novo-fantastico-o-que-muda-e-como-contar-as-historias.htmlhttp://gshow.globo.com/programas/encontro-com-fatima-bernardes/O-Programa/noticia/2014/04/tadeu-schmidt-sobre-o-novo-fantastico-o-que-muda-e-como-contar-as-historias.htmlhttp://gshow.globo.com/programas/encontro-com-fatima-bernardes/O-Programa/noticia/2014/04/tadeu-schmidt-sobre-o-novo-fantastico-o-que-muda-e-como-contar-as-historias.html
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A diferença com os formatos do passado ocorre já na abertura realizada
em colaboração com os artistas franceses Steven Briand e Cathy Ematchoua.
Com muitos efeitos especiais, característica comum das introduções do Fan-
tástico, a nova abertura de 2014 exibe uma dança da coreógrafa Ematchoua e
representa o telespectador que organiza as ideias, as informações, no meio
caótico de papeis esvoaçantes. A apresentação é parte do trabalho de conclu-
são de curso feito por Steven Briand na escola superior de arte.
Apesar dos inúmeros papeis manipulados por meio da telecinese de
uma mulher habilidosa na abertura9 do programa, o Fantástico quer ser cada
vez mais digital. O uso maior da web no contato com os telespectadores e a
presença de uma “lousa digital” no estúdio confirmam a vontade da emissora
em atrair jovens internautas e se moldar pela interatividade.
Esta performance com uma dançarina solitária evidencia o individualis-
mo do pós-modernismo. Desde a criação do telejornal, em 1973, o Fantástico
nunca havia feito uma vinheta em que houvesse a apresentação de somente
uma pessoa, como ocorre na atual abertura.
9 Disponível em: Acesso em: 19 mai.2016
http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/edicoes/v/veja-a-nova-abertura-do-fantastico/3308578/http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/edicoes/v/veja-a-nova-abertura-do-fantastico/3308578/
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Essa vinheta também ressalta a heterogeneidade de culturas, pois foi
feita com base em movimentos de kung-fu, uma arte marcial chinesa, e em co-
laboração com dois artistas franceses de descendência africana. “No final, esse
é um trabalho que sai da Europa, com influência africana, oriental e que acaba
nas Américas, num programa brasileiro”, diz o repórter Marcos Uchoa no ví-
deo10 que mostra os bastidores da abertura do programa.
Outra característica importante na apresentação do programa é a “aboli-
ção de algumas fronteiras ou separações essenciais, notadamente a erosão da
distinção entre a alta cultura e a chamada cultura de massa ou popular” (JA-
MESON, 2006, p. 18), por inserir uma obra acadêmica na televisão, um dispo-
sitivo de entretenimento.
Após a abertura e para apresentar as novidades da redação-estúdio, a
Globo elaborou um vídeo11 com a apresentação dos jornalistas do Fantástico.
Começa com uma sucessão de pares de olhos, em primeiríssimo plano, para
depois mostrar os pés de um grupo de dançarinos que dão o “primeiro passo”,
conforme diz a narração de Fernanda Montenegro. Os olhos representam os
telespectadores; o passo, os jornalistas atrás das notícias. Segue então, su-
cessivas imagens de dançarinos em uma coreografia ritmada na frente de pon-
tos turísticos brasileiros, a exemplo do Monumento às Bandeiras, em São Pau-
lo, do Congresso Nacional, em Brasília, e das Cataratas do Iguaçu, em Foz do
Iguaçu.
10
Disponível em: Acesso em: 19 mai.2016 11
Disponível em: Acesso em: 19 mai.2016
http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/aberturas/v/nova-abertura-do-fantastico-foi-criada-em-paris/3308827/http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/aberturas/v/nova-abertura-do-fantastico-foi-criada-em-paris/3308827/
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Finda a dança ao som de uma batida de funk, como se fosse um video-
clipe, surgem os apresentadores do Fantástico, Tadeu Schmidt e Renata Vas-
concellos, caminhando para frente, em diversos locais do Rio de Janeiro. A
cada uma ou duas palavras, um plano diferente com apenas um dos apresen-
tadores em cena. A última palavra, pronunciada por Renata, é “Fantástico”.
Inicia-se, assim, uma reprodução muito rápida de partes de algumas vinhetas
antigas do telejornal com o intuito de provocar reações nostálgicas. Mas dura
meros três segundos. É a “total aceitação do efêmero, do fragmentário, do des-
contínuo e do caótico” (HARVEY, 1999, p. 49) numa época em que tudo é des-
cartável.
“O segredo pode estar no desconhecido, no inesperado, na fração de
segundo que transforma o mundo”, diz a narração. Foram 150 planos em 85
segundos, quase dois planos por segundo. “Velocidade, e não duração, é o
que importa. Com a velocidade certa, pode-se consumir toda a eternidade do
presente contínuo da vida terrena” (BAUMAN, 2007, p. 15). Os planos breves e
bruscos buscam mais a sensação do que a compreensão de uma ação, como
fizeram os cineastas da vanguarda francesa dos anos 20, a exemplo de Jean
Epstein e Abel Gance que usaram a montagem acelerada com efeito de ritmo.
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26
Até mesmo os movimentos artísticos estão mais rápidos, conforme
aponta Sant'Anna:
Estilisticamente sabe-se que a Idade Média, grosso modo, durou 1.000
anos, o Renascimento 200, o Barroco 150 anos, o Neoclassicismo 100
anos, o Romantismo 50 anos, o Realismo 30 anos, o Naturalismo uns
20 anos, o Simbolismo uns 10 anos e o Modernismo foi a confluência
de vários movimentos até a formulação do ‘instantaneísmo’ e da ‘não
arte’. São patentes a aceleração da comunicação e a forma cada vez
mais rápida como a novidade é consumida (2013, p. 30).
Como uma vitrine em movimento, os jornalistas do Fantástico caminham
em direção à tela do telespectador. Falam com ele, olham para ele. A cada
plano, um novo cenário, dentro do Brasil ou no exterior. “É aqui, é em qualquer
lugar”, dizem as vozes fragmentadas das repórteres Giuliana Girardi, Renata
Ceribelli e Sônia Bridi. Os jornalistas desempenham o papel de atores que se-
guem um roteiro estabelecido sem espaço para improvisação ou acasos, dife-
rente do que ocorre em uma reportagem.
Agora, sob a ameaça permanente do controle remoto, já não se con-
tam mais histórias completas, esfacelam-se as distinções de gênero e
formato, não mais sobra sequer a distinção ontológica entre realidade e
ficção (MACHADO, 1993, p. 161)
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O repórter Roberto Kovalick caminha em direção à câmera em frente ao Big Ben
A pluralidade de ideias está presente por meio de diferentes gêneros e
idades: há jornalistas homens, mulheres, jovens, idosos e até uma cadeirante.
Todos têm espaço na revista eletrônica de domingo. Nessa montagem de vo-
zes do telejornal, o telespectador desempenha papel de destaque no Fantásti-
co atual. Ele participa e percorre o mundo sentado do sofá.
A ideia de que todos os grupos têm o direito de falar por si mesmos,
com sua própria voz, e de ter aceita essa voz como autêntica e legíti-
ma, é essencial para o pluralismo pós-moderno (HARVEY, 1999, p.
52).
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A jornalista Flávia Cintra anda de cadeira de rodas em São Paulo
O vídeo da apresentação contrasta com a forma realista do jornalismo e
segue a “estética MTV”, com ritmo frenético, efeitos especiais, planos breves e
imagens fragmentadas. São “’desconstruções’ em série, destinadas a criar um
posicionamento distintivo, uma ‘imagem de marca’ para um público jovem ávido
de sensações, look e originalidade” (LIPOVETSKY; SERROY, 2009, p. 276).
Brevidade, multiplicidade de pequenos relatos, fragmentação e mistura
de gêneros, remontagem de planos e situações são alguns dos muitos
procedimentos folhetinescos de apropriação do alheio no continente la-
tino-americano, a partir do imenso e diversificado material fornecido pe-
las heterogeneidades migrantes-imigrantes, de uma parte, e, de outra,
pelas teorias e modelos importados (...) (PINHEIRO, 2013, p. 48).
Este público jovem do terceiro milênio inserido no mundo globalizado
convive com a fragmentação da informação na internet e com as múltiplas telas
tecnológicas que fazem parte do seu cotidiano, a exemplo das telas dos celula-
res, da televisão, do cinema, do monitor, das propagandas em shoppings, da
endoscopia, do GPS e outras.
(...) os contínuos avanços das tecnologias midiáticas permitiram que
nossa vida se tornasse como nunca antes, saturada de linguagem,
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29
permeada de significação. Basta um pouco de desprendimento para
notar, em qualquer grande cidade do mundo, essa proliferação de
signos e códigos; e basta um pouco de memória para que dê conta
da velocidade espantosa de seu avanço (DURÃO; ZUIN; VAZ, 2008,
p. 43).
O exagero de telas e tecnologias ou a tecnociência está presente, por
exemplo, na matéria “Repórter-robô do Fantástico entrevista 'irmão' no Sul do
Brasil12. Nela, o jornalista Felipe Santana usou um robô de telepresença para
fazer a reportagem. De casa, ele comandou um robô que estava na redação.
Por meio de uma tela, ele podia ver e ser visto.
Da pauta à entrevista, ele não saiu de casa. Mas o robô até viajou de
avião. Primeiro ele foi ao Hospital Universitário de Maringá, onde foi criado o
primeiro robô de telepresença do Brasil. Depois, Felipe se conectou a um robô
de uma empresa pequena do Vale do Silício que fabrica máquinas parecidas
com a do Fantástico. A milhares de quilômetros de distância, o repórter estava
ligado a ele apenas por cabo de computador. Mas no final da matéria, o jorna-
lista destacou que uma pesquisa da Universidade da Califórnia mostrou que
93% da comunicação num escritório é não verbal.
(...) a televisão, com o seu aparato tecnológico cada vez mais aperfei-
çoado, reivindica para si a capacidade de substituir com vantagem o
olhar do observador individual. Diversas câmaras postadas em lugares
distintos podem captar um número maior de imagens – ou a mesma
imagem segundo vários ângulos –, com muito mais detalhes e maior
precisão do que é facultado ao observador individual (ARBEX JUNIOR,
2001, p. 34)
12
Disponível em: Acesso em: 19 mai.2016
http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/edicoes/v/reporter-robo-do-fantastico-entrevista-irmao-no-sul-do-brasil/3308690/http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/edicoes/v/reporter-robo-do-fantastico-entrevista-irmao-no-sul-do-brasil/3308690/
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Outras telas estão espalhadas pelo estúdio. Sem a bancada tradicional
do telejornalismo e a integração do cenário à redação, os apresentadores po-
dem circular livremente para apresentar as matérias no telão sensível ao toque
de 25m² ou conversar com repórteres de outras cidades do Brasil e correspon-
dentes internacionais por meio de um totem, uma tela vertical também sensível
ao toque.
No palco onde ficam Tadeu Schmidt e Renata Vasconcellos, há espaço
para holografias13 simuladas por computação gráfica em diversas matérias, a
exemplo da imagem de um rapaz que sobreviveu escondido no trem de pouso
de um avião ou das pernas gigantescas de um robô que caminha até os apre-
sentadores. Na pós-modernidade, preferimos a imagem ao objeto, o simulacro
ao real, a espetacularização que intensifica o real e que se torna mais interes-
sante que a própria realidade. “O espetáculo não é um conjunto de imagens,
mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens” (DEBORD,
2013, p. 14).
13
Os recursos gráficos como os efeitos especiais, tabelas e computação gráfica são chamadas
de “artes”, feitas pela Editoria de Arte das emissoras de TV.
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31
A única coisa que parece importar decisivamente para os produtores
e “programadores” das tecnologias de vídeos é a inovação tecnológi-
ca, enquanto o uso social daquelas potencialidades técnicas parece
estar fora de seu interesse (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 294).
Artes mais detalhadas como o avião no estúdio requerem um tempo
maior de elaboração, o que não seria possível no telejornalismo diário do Jor-
nal Nacional, por exemplo. Por essa razão, o programa começa a ser elabora-
do com cinco dias de antecedência, mas com espaço para reportagens que
não estavam previstas no cronograma (MESQUITA, 1999, p. 147-148).
Apesar de semanal, o Fantástico também é sustentado pela lógica da
incerteza, englobando a intervenção do acaso como é apresentado o processo
de criação por Salles (2011). O programa faz até mesmo alterações de última
hora, conforme chegam notícias urgentes e inesperadas, o que obriga a rees-
truturação das matérias no telejornal e a mudança do plano de pautas, a
exemplo do que ocorre na notícia “Mulher morre vítima de bala perdida no
Complexo do Alemão14”, realizada por Bette Lucchese pouco antes do início do
programa.
14
Disponível em: Acesso em: 19 mai.2016
http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/edicoes/v/mulher-morre-vitima-de-bala-perdida-no-complexo-do-alemao/3308826/http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/edicoes/v/mulher-morre-vitima-de-bala-perdida-no-complexo-do-alemao/3308826/
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No fim da reportagem de Lucchese, encontramos um tipo de tela comum
em épocas de insegurança: a de vigilância, representada pela câmera em pla-
no contra-plongéé, ou seja, filmando a pessoa ou o objeto de baixo para cima.
Nesta reportagem, o plano foi utilizado como um recurso para conseguir um
depoimento da filha da vítima sem autorização, de maneira indiscreta. É um ato
de vigiar sem ser visto.
A vigilância é ainda mais forte na matéria “Repórter do Fantástico passa
24 horas em presídio de segurança máxima15”. Nela, a jornalista Lizzie Nassar
passa 24 horas trancada numa cela do presídio de Catanduvas, no Paraná,
onde estão presos perigosos como Fernandinho Beira-Mar, Marcinho VP e Eli-
as Maluco.
15
Disponível em: Acesso em: 19 mai.2016
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A reportagem começa com um excesso de telas: monitores de computa-
dor, televisores e filmadoras amadoras e profissionais. Ao som de uma trilha
que lembra a batida de um coração, a matéria inicia com os bastidores de uma
negociação que levou cinco meses. Contudo, o “making of” se resume a alguns
planos de conversas e estudos de imagens do presídio na ilha de edição com a
narração de Lizzie em voice over.
Dentro do presídio, imagens intercaladas de uma câmera portátil GoPro,
acoplada à cabeça de Lizzie, e dos cinegrafistas profissionais mostram todos
os procedimentos pelos quais passam os presos. A repórter mostra o tamanho
da cela, a refeição e o momento do banho de sol, um reality show com uma só
pessoa. A câmera da jornalista exibe imagens subjetivas que garantem a imer-
são do telespectador, que do seu cômodo, como se fosse uma cela caseira,
passa pela sensação ruim do cubículo do presídio. Revelam a intimidade por
meio de um espetáculo voyeurístico, característica inerente ao jornalismo, para
chegar mais próximo da realidade, sem intervenção de entrevistas ou trilha so-
nora. É a câmera como os olhos do telespectador. Inerte, vejo as imagens que
não posso escolher. O olhar e os ângulos de câmera são do outro.
É uma ironia pós-moderna imaginarmos que ela se sinta menos vigiada
e mais segura fora do presídio, visto que vivemos numa sociedade de vigilância
excessiva que coincide com o estado de insegurança e instabilidade crescente
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do universo pós-moderno. O pânico coletivo leva ao aumento da criminalidade
e a uma democracia securitária. O sentimento de insegurança é uma das ca-
racterísticas do fait divers, presente no Fantástico desde a sua origem.
Outra ironia da vigilância excessiva foi descobrir como seria o novo Fan-
tástico com três semanas de antecedência, pois o piloto vazou na internet e foi
transmitido na noite do dia 4 de abril pelo canal TV Absurda, na plataforma Jus-
tin.tv. A rede mundial de computadores, responsável pelo sucesso do programa
por intermédio da disponibilização dos vídeos na íntegra e da interação com os
telespectadores, conforme veremos a seguir, dessa vez foi sua pior concorren-
te.
1.2. Reunião de pauta
Uma das novidades mais anunciadas no novo formato foi a abertura da
reunião de pauta ao público. Ao revelar parte da reunião de pauta entre as re-
portagens, ainda que muito pouco, visto que o mundo atual tem alergia à pro-
fundidade (EAGLETON, 2005), o Fantástico mostra que o telejornalismo funci-
ona de modo colaborativo, com a participação dos repórteres, câmeras, edito-
res e várias outras pessoas que muitas vezes não aparecem diante da câmera,
ficam nos bastidores da notícia. Pode-se afirmar que essa rede de profissionais
equivale a uma rede neural, que se sustenta por intermédio da interação entre
os neurônios. Como dizem Hardt e Negri (2005, p. 425), “somos mais inteligen-
tes juntos do que qualquer um de nós separadamente”.
O campo produtivo da comunicação, finalmente, deixa absolutamente
claro que a inovação sempre ocorre necessariamente em comum.
Esses casos de inovação em rede poderiam ser considerados como
uma orquestra, sem regente uma orquestra que através da perma-
nente comunicação estabelece seu próprio ritmo e só poderia ser de-
sarticulada e silenciada pela imposição da autoridade central de um
regente. Precisamos livrar-nos da noção de que a inovação depende
do gênio de um indivíduo. Nós produzimos e inovamos juntos apenas
em redes (HARDT; NEGRI, 2005, p. 423).
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Em televisão, o trabalho é realizado em equipe, com o envolvimento de
vários profissionais. Um jornalista elabora a pauta e a entrega ao repórter, que
vai para a rua com o repórter cinematográfico. Durante a preparação da maté-
ria, muito se discute com o editor até o encerramento da reportagem. A filma-
gem do cinegrafista é enriquecida por outras informações visuais como gráfi-
cos, desenhos e outros efeitos eletrônicos. A editora de arte complementa a
editoria de texto. Antes de gravar, repórter e editor já definiram as vinhetas,
artes e enquadramentos.
Hoje o mundo prioriza as organizações como redes em detrimento das
hierarquias piramidais. As estruturas e tarefas são definidas constantemente
pela rede, não por uma só cabeça pensante que tudo vê e que tudo domina.
“Por um lado, é ruim, porque às vezes o profissional perde a referência do todo;
mas, por outro, é bom, porque o resultado final é a junção de formas diferentes
de olhar o fato” (CARVALHO, 2010, p. 17).
Embora haja um processo cooperativo, cada pessoa que faz parte da
equipe reserva um momento em que trabalha de forma solitária em prol de um
objetivo comum. Em cada etapa do processo, um profissional, à semelhança
de um artista que se isola para terminar sua pintura ou de um escritor para fina-
lizar sua obra, debruça-se sobre a mesa e desenvolve a sua parte.
O conhecimento é algo cumulativo e ele vem da interação entre dois
campos distintos, mas que se complementam: o conhecimento tácito e
o conhecimento explícito. (...) Basicamente, o primeiro diz respeito às
experiências vividas e o segundo aquilo que pode ser absorvido por
meio de livros, filmes, jornais, televisão, documentos, enfim, daquilo
que é disponibilizado de forma clara e objetiva para o consumo de to-
dos (CARVALHO, 2010, p. 114-115).
Caso não haja uma harmonia comandada pelo diretor, corre-se o risco
de montar um Frankenstein. No entanto, se os profissionais trouxerem seus
pontos-de-vista e suas experiências sobre o assunto abordado, o trabalho em
equipe é recompensado com um bom produto audiovisual multifacetado. A au-
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sência de paredes na redação do Fantástico possibilita essa troca e combina-
ção de ideias.
A pauta é um organismo vivo em contínua evolução, mas a longa trajetó-
ria da ideia até virar imagem na televisão não é mostrada na TV. Nesse caso, a
reunião somente atualiza as previsões e não discute as pautas. Não há discus-
sões nem apostas erradas. A beleza da metamorfose fica escondida no casulo
da redação.
O programa, que começa a ser feito nas manhãs das terças-feiras, até
incentiva a entrada de novas ideias com a presença de convidados. Nesse pri-
meiro programa, o ator Thiago Fragoso fez parte da reunião de pauta, e o ator
Murilo Rosa com a atriz Maitê Proença participaram da entrevista coletiva com
Felipão na Redação.
Ressaltam-se tanto os bastidores e a informalidade, que o programa
mostra a tietagem de Murilo e Maitê, que fizeram selfies com o técnico antes da
entrevista. A atriz até sentou no colo de Felipão para tirar a foto. Aqui nova-
mente o conteúdo deu lugar ao espetáculo.
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A reunião de pauta, em que chegam muitas sugestões que são filtradas
pelos produtores, foi editada e inserida em partes no início de algumas maté-
rias. Na reportagem “Especialistas explicam como jovem sobrevive em trem de
pouso de avião16”, por exemplo, participaram da reunião de pauta as produto-
ras de reportagem do Rio de Janeiro (Luciana Osório) e de São Paulo (Stepha-
nie Lotufo) e o ator Thiago Fragoso.
As interações são muitas vezes responsáveis por essa proliferação
de novos caminhos: provocam uma espécie de pausa no fluxo da
continuidade, um olhar retroativo e avaliações, que geram uma rede
de possibilidades de desenvolvimento da obra (SALLES, 2006, p. 26).
Foram três sugestões, mas só a da produtora de São Paulo entrou na
matéria. Durante o processo de criação da reportagem há um “acúmulo de
ideias, planos e possibilidades que vão sendo selecionados e combinados”
(SALLES, 2011, p. 40). Esse infinito número de escolhas é denominado de
“possível adjacente” pelo cientista Stuart Kauffman. Apesar das incontáveis
formas de produzir uma reportagem e das muitas sugestões, somente algumas
mudanças irão ocorrer. A reunião de pauta é uma disputa de poder. Ganha
quem tiver o melhor argumento que convença o editor a apostar na ideia.
A “força” de um argumento mede-se, em dado contexto, pela acuida-
de das razões; esta se revela, ente outras coisas, pelo fato de o ar-
gumento convencer ou não os participantes de um discurso, ou seja,
de o argumento ser capaz de motivá-los, ou não, a dar assentimento
à respectiva pretensão de validade (HABERMAS, 2012, p. 48).
O possível adjacente é limite e abertura. Ele nos dá novas configurações
que nos permite fugir da rotina e experimentar outros caminhos. A reunião de
pauta é o momento de colocar a ideia em rede e estabelecer conexões.
Cada combinação introduz novas combinações no possível adjacen-
te. Pense nele como uma casa que se expande num passe de mági-
ca ao se abrir cada nova porta. Você começa numa sala com quatro
16
Disponível em: Acesso em: 19 mai.2016
http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/edicoes/v/especialistas-explicam-como-jovem-sobrevive-em-trem-de-pouso-de-aviao/3308787/http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/edicoes/v/especialistas-explicam-como-jovem-sobrevive-em-trem-de-pouso-de-aviao/3308787/
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portas, cada uma levando a uma nova sala que ainda não visitou. Es-
sas quatro salas são o possível adjacente. Mas depois que você abre
uma dessas portas e entra na próxima sala, três novas portas apare-
cem, cada uma levando a outra sala nova em folha a que você não
poderia ter chegado a partir de seu ponto de partida original. Continue
abrindo portas, e por fim terá construído um palácio (JOHNSON,
2011, p. 30).
A edição que resume a reunião de pauta em menos de um minuto, no
entanto, pode levar a dois pensamentos distintos:
1) para o leigo, as pautas são definidas no momento da reunião, como
se fosse num brainstorm, ou em lampejos de genialidade do jornalista, momen-
tos instantâneos como a maça de Newton. Neste caso, não há espaço para a
intuição lenta e o embate de ideias.
2) para os profissionais, a reunião de pauta do Fantástico é pura ence-
nação, tudo é roteirizado e as matérias já estão prontas antes mesmo desta
reunião.
A reunião e a presença de convidados são importantes para o comparti-
lhamento de ideias, conforme destaca o professor e pesquisador Vincent Cola-
pietro, que estuda as relações entre indivíduos, cultura e conhecimento, uma
vez que o sujeito é um ser histórico, inserido no espaço e no tempo (2014).
Mas, por mais inovadora que seja a linguagem do novo Fantástico, as
matérias tendem a seguir a gramática narrativa dos telejornais, os esquemas já
consagrados. Mudou-se o meio, mas não o conteúdo. Como disse José Ortega
y Gasset, “vive-se com a técnica, mas não da técnica” (1971, p. 111).
Isso nos leva mais uma vez ao pastiche: em um mundo no qual a ino-
vação estilística não é mais possível, tudo o que resta é imitar estilos
mortos, falar através de máscaras e com as vozes dos estilos no mu-
seu imaginário (JAMESON, 2006, p. 7).
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1.3. Participação do telespectador
C’est le regardeur qui fait le tableau (É aquele que olha que faz o qua-
dro) – Marcel Duchamp
Mesmo que tenha a mesma estrutura de notícias dos outros telejornais,
um grande diferencial do Fantástico é a interação com o público, pouco explo-
rado por outras emissoras. O programa quer ser cada vez mais moldado pelo
público, como ressalta o próprio telejornal na internet. Eles dizem que é “A sua
revista eletrônica, que traz as melhores reportagens e novidades na Rede Glo-
bo”. O pronome possessivo “sua” reforça a ideia da interação com o telespec-
tador. Não é “nossa” nem apenas mais uma revista eletrônica, mas é a “sua”
revista, uma mídia em que você ajuda a fazer a matéria quase “personalizada”.
O mais importante não é o que se vê, mas o fato de se falar sobre isso.
A televisão é um objeto de conversação. Falamos entre nós e depois
fora de casa... Se a televisão não existisse, muita gente sonharia em
inventar um instrumento capaz de reunir todos os públicos. Isso é o
que é a unidade teórica da televisão (WOLTON, 1996)
Mas agora não é mais o individuo passivo diante da tela, com o poder
único do controle remoto prestes a mudar de canal. Para evitar o zapping, o
Fantástico solicita a participação do telespectador por intermédio do envio de
vídeos e mensagens pelo site.
Comunicar é comunicar-se em torno do significado significante. Desta
forma, na comunicação, não há sujeitos passivos. Os sujeitos co-
intencionados ao objeto de seu pensar se comunicam seu conteúdo. O
que caracteriza este comunicar comunicando-se, é que este é diálogo,
assim como o diálogo é comunicativo (FREIRE, 1979, p. 67).
Na matéria do presídio, por exemplo, a apresentadora Renata Vascon-
cellos diz: “Acompanhe agora, e conectado ao nosso site, se manifeste, mani-
feste o que você sentir durante a nossa reportagem especial dessa noite, que
começa agora”. Ao se dirigir diretamente ao telespectador, convidando-o a par-
ticipar e opinar sobre a matéria, Renata constrói um vínculo ativo com a recep-
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40
ção, que se transforma em coparticipante da matéria, a última etapa da produ-
ção. O uso desta função conativa ou apelativa da linguagem visa a persuadir o
telespectador, fazendo uso de verbos no imperativo, pronomes na segunda
pessoa e vocativos, estratégia utilizada, sobretudo, em publicidade e propa-
ganda.
Agora o acesso aos conteúdos informacionais na tela mobiliza um
usuário ativo que navega nos sites, conserva isso e elimina aquilo, vai
em busca de informações, comenta os dados institucionais, compara
os preços, transforma-se em fotógrafo e repórter amador (LIPO-
VETSKY; SERROY, 2009, p. 259).
A manifestação do telespectador ocorre por meio das animações conhe-
cidas como Fantcons17, que expressam o que o público está sentindo durante a
reportagem. Pelo site do Fantástico, o internauta escolhe um dos vários tipos
de rostinhos parecidos com emoticons. Há Fantcons angustiados, curiosos,
revoltados, alegres etc. No site do programa também é possível conversar com
os amigos nas redes sociais e com a produção do Fantástico. Agora os conta-
tos interpessoais são tela a tela, permeados por diversos equipamentos ele-
troeletrônicos.
(...) não importa tanto afirmar que boa parte do público, talvez sua mai-
oria, utiliza o telejornal como uma forma de espetáculo cotidiano do
mundo, como uma distração e divertimento e que muito se decide e se
toma partido... isto é óbvio. Importa mais dizer ou compreender como o
telejornal se constitui e se constrói como forma de realizar de maneira
eficaz tal dimensão do espetáculo (CALABRESE & VOLLI, 2001, p.
86).
17
Disponível em: Acesso em: 19 mai.2016
http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/edicoes/v/internautas-podem-mandar-seus-fantcons-para-o-fantastico/3308777/http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/edicoes/v/internautas-podem-mandar-seus-fantcons-para-o-fantastico/3308777/
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Essa medida demonstra que o mesmo telejornal pode ter várias leituras
dependendo do telespectador. Um exemplo dessa ambiguidade ocorreu na
Guerra do Golfo Pérsico, quando Peter Arnett, correspondente de guerra da
CNN, foi acusado de favorecer os EUA por uns e de ser pró-Iraque por outros.
As escolhas também estão presentes na reportagem do robô. O Fantás-
tico sugeriu três nomes e pediu que o internauta escolhesse o melhor. O ven-
cedor foi TILT, que ganhou de dois nomes bem esquisitos: RF4NT e BIT BYTE.
Uma das tendências, particularmente promissora, que pode ser identifi-
cada como característica do novo cenário tecnológico, integrado e inte-
grador, é a interatividade, isto é, a possibilidade de interação simultâ-
nea entre emissor e receptor (leitor e/ou espectador). Otimistas che-
gam até mesmo a chamar as sociedades deste início do século XXI de
“sociedades interativas”, muito diversas, com certeza, daquela “socie-
dade de massas” idealizada no século XIX (...) (LIMA, 2001, p. 56).
Já na entrevista coletiva18 com o técnico da seleção brasileira de futebol
Luiz Felipe Scolari na redação, o telão que fica atrás do técnico exibe 30 retra-
tos de internautas. O Fantástico até liberou um palpite e uma pergunta de in-
18
Disponível em: Acesso em: 19 mai.2016
http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/edicoes/v/nosso-foco-e-jogar-futebol-diz-felipao-sobre-protestos-contra-a-copa/3308843/http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/edicoes/v/nosso-foco-e-jogar-futebol-diz-felipao-sobre-protestos-contra-a-copa/3308843/
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ternautas para o técnico. O palpite causou risos e constrangimentos, visto que
o internauta pediu a convocação do goleiro cruzeirense Fábio no lugar de Julio
César, chamado pelo telespectador de “mão de alface”, goleiro que não conse-
gue segurar a bola. É certamente uma pergunta que os jornalistas da Globo
não fariam.
O telespectador também pode participar enviando vídeos19 dos jogos
amadores de futebol no Brasil. O jogador amador que faz um belo gol é o “bola
cheia” da semana, e o pior, o “bola murcha”. O telespectador vira personagem
e agente da notícia. “A tela on-line permite que as paixões exibicionistas e hi-
pernarcísicas se manifestem numa escala desconhecida até então.” (LIPO-
VETSKY; SERROY, 2009, p. 291).
A televisão dos anos 50 pretendia-se cultural e de certa maneira servia-
se de seu monopólio para impor a todo mundo produtos com pretensão
cultural (documentários, adaptações de obras clássicas, debates cultu-
rais etc.) e formar os gostos do grande público; a televisão dos anos 90
visa a explorar e lisonjear esses gostos para atingir a mais ampla audi-
ência, oferecendo aos telespectadores produtos brutos, cujo paradigma
é o talk-show, fatias de vida, exibições cruas de experiências vividas,
frequentemente extremas e capazes de satisfazer uma forma de vo-
19
Disponível em: Acesso em: 19 mai.2016
http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/edicoes/v/bola-murcha-da-semana-tenta-jogar-volei-no-meio-de-uma-partida-de-futebol/3308698/http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/edicoes/v/bola-murcha-da-semana-tenta-jogar-volei-no-meio-de-uma-partida-de-futebol/3308698/
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yeurismo e de exibicionismo (aliás, como os jogos televisionados dos
quais se deseja ardentemente participar, mesmo como simples espec-
tador, para ter acesso a um instante de visibilidade). (BOURDIEU,
1997, p. 68).
Essas medidas confirmam a situação atual do jornalismo, em que a notí-
cia está descentralizada. Antes, um jornalista escrevia no jornal para milhares
de pessoas passivas consumirem os mesmos textos. Com a proliferação de
blogs e sites, o jornalista já não tem mais o monopólio da notícia.
Interessante observar que essa construção de uma identidade nacional
que integra brasileiros de todas as regiões do país teve início a partir de um
marco nada democrático, o Golpe Militar de 1964, quando houve um investi-
mento maciço dos governos nos meios de comunicação de massa.
Nesse processo, a Globo se tornou uma emissora de alcance nacional,
pois construiu uma boa relação com o governo militar ao não incomodá-lo com
a programação em troca de favorecimentos em localizações e importações de
equipamentos. “Com os meios de comunicação de massa a longa distância, o
isolamento da população revelou-se um meio de controle bem mais eficaz”
(MUMFORD apud DEBORD, 2013, p. 113). Em 22 de março de 1973, o presi-
dente da República, General Garrastazu Médici, deu uma declaração que de-
monstra essa proximidade com a emissora de Roberto Marinho:
“Sinto-me feliz todas as noites, quando ligo a televisão para assistir ao
jornal. Enquanto as notícias dão conta de greves, agitações, atentados e confli-
tos em várias partes do mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao desenvolvi-
mento. É como se eu tomasse um tranquilizante, após um dia de trabalho20”.
“Não seria exagero dizer que a comunicação constrói a realidade. Num
mundo todo permeado de comunicação – um mundo de sinais – num
mundo todo tele informatizado, a única realidade passa a ser a repre-
sentação da realidade – um mundo simbólico, imaterial. Isso é tão ver-
20
Apud Lins da Silva, Carlos Eduardo. Muito além do Jardim Botânico. São Paulo: Summus, 1985
-
44
dade, que na linguagem do dia-a-dia já se podem ouvir frases como es-
tas: ‘Já acabou a greve?’. E se alguém pergunta por que, a resposta é:
‘Deve ter acabado, pois o jornal não diz mais nada...’, ou: ‘A televisão
não mostrou mais nada...’. A conclusão a que chegamos é a de que
uma coisa existe, ou deixa de existir, à medida em que é comunicada,
veiculada. É por isso, consequentemente, que a comunicação é du-
plamente poderosa: tanto porque pode criar realidades, como porque
pode deixar que existam pelo fato de serem silenciadas.” (GUARES-
CHI, 2004, p. 14).
Enquanto a emissora de Roberto Marinho formatava o “Padrão Globo de
Qualidade” como uma alternativa aos programas popularescos da época e sem
mostrar a miséria e os atrasos do país e com a exibição de matérias internaci-
onais, o movimento cinematográfico brasileiro do Cinema Novo divulgava um
país sem censura. Por meio de “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”,
os cineastas gravavam com som direto e imagens mais realistas, um método
mais próximo do jornalismo. O cineasta Gustavo Dahl resume o ideal do grupo
que buscou valorizar a cultura nacional e expor as mazelas do sertão:
Nós não queremos Eisenstein, Rosselini, Bergman, Fellini, Ford, nin-
guém. Nosso cinema é novo não por causa da nossa idade. (...) Nosso
cinema é novo porque o homem brasileiro é novo e a problemática do
Brasil é nova e nossa luz é nova (...). Nossa geração tem consciência:
sabe o que deseja. Queremos fazer filmes antiindustriais; queremos fa-
zer filmes de autor, quando o cineasta passa a ser um artista compro-
metido com os grandes problemas do seu tempo; queremos filmes de
combate na hora do combate e filmes para construir no Brasil um patri-
otismo cultural” (ROCHA, 1981)
A hegemonia da Rede Globo é tão grande que a revista norte-americana
The Economist publicou uma matéria sobre o domínio da emissora. “Nada me-
nos que 91 milhões de pessoas, quase metade da população, assiste à Globo
todos os dias: o tipo de audiência que, nos Estados Unidos, tem só uma vez
por ano, e apenas para a emissora que ganhou os direitos naquele ano de
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45
transmitir o jogo do Super Bowl, a final do futebol americano21”, escreveu a re-
vista.
(...) Bonner e Bernardes são realmente atores, no caso representando
eles mesmos, festejados como a moderna família feliz, em que não fal-
ta uma prole simpática. Como casal moderno, chegam com um sorriso,
comportam-se com cortesia e firmeza e iniciam uma conversa culta e
consciente, apresentando os principais fatos do mundo, alertando so-
bre golpes e ações antiéticas. Ao se despedirem, deixam para trás a
melhor das impressões (...) (TEMER, 2002, p. 186).
1.4. O fait divers
Desde o primeiro programa, o Fantástico é uma colagem de assuntos
inspirados no fait divers, expressão que surgiu na França, no séc. XVI, e que
mistura real e ficção. O estilo do fait divers se difundiu nos vilarejos, de forma
oral, e nas occasionnels, folhetos informativos com histórias extraordinárias de
monstros, fenômenos sobrenaturais e visões diabólicas. Mais tarde, os fait di-
vers passaram a ser histórias contadas nos folhetins até se tornarem histórias
sobre crimes.
No fait divers, os personagens são estereotipados e a narrativa é sim-
ples e segue estrutura cronológica, dando palavras às testemunhas. O fait di-
vers também tenta mexer com as emoções através de apelos sentimentalistas,
e os títulos ou chamadas apresentam expressões como “o mais triste”, “o dra-
ma”, “o perigoso”, “a ameaça”, “uma polêmica”. Para Roland Barthes, o fait di-
vers é a informação contida em si mesma e abrange as notícias e reportagens
sobre o inusitado, o diferente, o perigoso.
A televisão vem usando esse recurso tanto nos telejornais, quanto nos
programas de entretenimento como os reality shows e os programas de auditó-
rio. Para o sociólogo francês Jean Baudrillard, a característica da sociedade de
consumo “é a universalidade do fait divers na comunicação de massa” (2010, 21
GLOBO domination. The Economist, Estados Unidos, 7 jun. 2014.
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46
p. 25) [grifo do autor]. Mas, enquanto no impresso, o tempo é o do leitor, que
poderá ler em seu próprio ritmo de leitura, na televisão o tempo é fundamental
(MARTÍN-BARBERO, 2004).
No audiovisual, as imagens do fait divers mostram pouca relação ao
evento (exceto nos casos raros de filmagem ao vivo). O lugar e mo-
mentos precisos, e mesmo os personagens principais, mostram uma
certa deficiência. Deste ponto, as imagens nos levam aos lugares, en-
trevistam as testemunhas, e às vezes fazem uma reconstituição. Estas
imagens, como as fotografias, ajudam a desnormalizar estes regressos
dando uma cara aos protagonistas, ou acentuando os detalhes do ce-
nário. As imagens possibilitam tocar o nível emocional do público e é
exatamente isso que reforça a presença do fait divers na mídia audiovi-
sual (DUBIED e LITS, 1999, p. 47).
Para exemplificar o fait divers no Fantástico, vejamos as matérias do
programa no dia 07 de dezembro de 2014, dentro do período da pesquisa:
Tradição indígena faz pais tirarem a vida de crianças com deficiência física
'Jornada da Vida' viaja até o berço da humanidade: a Etiópia
Médicos alertam para os riscos das próteses à base de hidrogel
Grupo que age em presídios paulistas se espalha pela América do Sul
'Continuo a mesma', diz Jennifer Lawrence sobre sucesso e prêmios
Menina de 13 anos faz treinamento na Nasa e se prepara para ir a Marte
Golpistas usam internet para tirar dinheiro de mulheres apaixonadas
Mãe passa no vestibular junto com a filha portadora de síndrome de Down
‘Eu era ruim’, conta escritora que chefiou boca de fumo na Rocinha
Especialistas ensinam como reagir a problemas e acidentes em elevadores
'Não sinto pressão', diz Gabriel Medina antes da final do mundial de surfe
Metade das canetas laser testadas pelo Inmetro são reprovadas
Papais Noéis usam criatividade e enfeitam táxi, ônibus e carro
Mães e filhos enviam vídeos mostrando o que gostam de fazer juntos
Veja os gols da última rodada do Brasileirão 2014
Palmeiras empata com o Atlético-PR e se livra do rebaixamento
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Câmeras de segurança registram cena chocante de atropelamento no PR
Tufão provoca a morte de três pessoas nas Filipinas
Fim de semana é marcado por protestos nos EUA e no México contra a vio-
lência
Escolha o nome dos mascotes das Olimpíadas e Paralimpíadas de 2016
Novo depoimento lança suspeita sobre avô de Isabella Nardoni
Com uma interação de notícias sérias e divertidas, o programa trata de
personalidades, ídolos do esporte, criminosos e cidadãos comuns com histórias
comoventes ou heroicas que possam interessar a quase todo mundo. O fait
divers sugere um sentimento de alívio ou reflexão sobre a vida ao mexer com
as emoções do telespectador. É o caso da portadora de síndrome de Down
que passou no vestibular com sua mãe: “Até onde vai a dedicação de uma
mãe? Jacqueline está ajudando a filha, Tatiane, a se superar e realizar um
grande sonho. A receita? Paciência, disciplina e amor”. Na lista de matérias
vemos um pouco de tudo do fantástico show da vida, como reforça o título. É o
jornalismo espetáculo do extraordinário.
Outra particularidade do fait divers presente nesta grade de notícias diz
respeito a um acontecimento que pode ocorrer com qualquer pessoa. A repor-
tagem “Especialistas ensinam como reagir a problemas e acidentes em eleva-
dores” trata de um elevador que despencou em Porto Alegre. A repórter diz que
“em São Paulo, por exemplo, os elevadores transportam diariamente 23 mi-
lhões de pessoas”, ou seja, esse acidente pode ocorrer com você.
(...) ao jornalismo, seja ele de rádio ou de jornal, não basta informar.
Ele precisa chamar a atenção, precisa surpreender, assustar. Os pro-
dutos jornalísticos são produtos culturais e, nessa condição, fazem o
seu próprio espetáculo para a plateia. Como se fossem produtos de pu-
ro entretenimento, buscam um vínculo afetivo com o freguês. Mas o
que se dá na televisão é mais que isso – e na televisão brasileira é du-
as vezes mais (BUCCI, 1997, p. 29)
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Essas notícias universais não levantam problemas ou questionamentos,
apenas contam uma história que não choca o público, a não ser pela emoção
da identificação. Elas homogeneízam o telespectador, como faz a novela. Por
ser compreendida por qualquer pessoa, a linguagem da emoção é um recurso
importante no telejornalismo, visto que o repórter se dirige à milhares de pes-
soas com personalidades e opiniões diversas. Cercado por amigos e familiares
ou mesmo por desconhecidos em um consultório médico ou na mesa de bar,
assistimos às notícias fait divers sem discordarmos da opinião alheia.
O fato mais surpreendente apresentado por uma multidão psicológica é
o seguinte: quaisquer que sejam os indivíduos que a compõem, por
mais semelhantes ou dessemelhantes que possam ser seu tipo de vi-
da, suas ocupações, seu caráter ou sua inteligência, o mero fato de se
haverem transformado em multidão dota-os de uma espécie de alma
coletiva. Essa alma os faz sentir, pensar e agir de um modo completa-
mente diferente daquele como sentiria, pensaria e agiria cada um deles
isoladamente (LE BON, 2008, p. 32).
Mas o Fantástico dá as dicas para você escapar do perigo e entrevista
especialistas que comprovam a segurança dos elevadores. No minuto final, a
jornalista entrevista uma mulher que teve um ataque de nervosismo dentro de
um elevador que não parou no andar dela. “Então Jaira, depois de todas as
explicações, agora você acredita que o elevador é seguro, né? “Eu acredito,
mas o meu medo na hora bloqueia qualquer crença”, finaliza Jaira”. É o senti-
mento de alívio presente em alguns fait divers.
O fait divers se faz presente também nas notícias de crime e violência
como “Golpistas usam internet para tirar dinheiro de mulheres apaixonadas” e
“Câmeras de segurança registram cena chocante de atropelamento no PR”. No
primeiro caso, a notícia serve como um alerta, e no segundo, o adjetivo “cho-
cante” reforça ainda mais o estilo fait divers.
Já a matéria “Tradição indígena faz pais tirarem a vida de crianças com
deficiência física” se baseia no incomum, no tabu. Se na cidade uma garota
com síndrome de Down passou no vestibular com ajuda de sua mãe, na flores-
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ta os deficientes são mortos pelas próprias genitoras. “Um assunto da maior
importância: o direito à vida. Você acha certo matar crianças recém-nascidas
por causa de alguma deficiência física?”, questiona o programa de forma mani-
queísta.
(...) a construção de metáforas da guerra entre o Bem e o Mal não se
restringe ao noticiário diário. O noticiário é apenas uma parte da opera-
ção que dá vida e sentido às metáforas. As outras peças são formadas
por documentários supostamente ‘objetivos’, pela opinião de ‘especia-
listas’ em religião, história e ciências sociais, por ‘pesquisas de opinião’
e por uma imensa quantidade de filmes produzidos em Hollywood (...)
(ARBEX JÚNIOR, 2001, p.118)
Como outros exemplos de fait divers, o primeiro programa de dezembro
traz uma matéria de ciência sobre o sonho de uma menina que treina para ir à
Marte, a história de superação de uma ex-traficante que escreveu um livro, a
prestação de serviços por meio dos testes das canetas laser, a ameaça dos
bandidos que comandam o tráfico de drogas de dentro da cadeia, a atriz cuja
fama não subiu à cabeça, os resultados de futebol e o debate sobre o uso de
próteses à base de hidrogel.
1.5. Reportagem especial
Com mais tempo para a elaboração da matéria e um trabalho exaustivo
de pesquisa que leva centenas de horas para ser contada em poucos minutos,
a reportagem especial na televisão permite aprofundar o t