Lenio Streck contra a _concepção cênica_ da audiência

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    TEMAS JURDICOS

    A concepo cnica da sala de audincia e o problemados paradoxos

    Lenio Luiz Streck

    Pequeno prlogo

    Antes de tudo, quero fazer minhas as palavras domagistrado Andr Luiz Nicolitt, nos autos do Processo n.2003.005.000056-7, ao negar validade aos dispositivoslegais que estabelecem a prerrogativa de os membros doMinistrio Pblico ocuparem assento do lado direito dosjuzes e tribunais:

    Antes de analisar a questo, no custadestacar que o posicionamento oraadotado no se traduz em uma investidacontra a Instituio, tampouco contra oocupante do cargo de Promotor deJustia. Tanto a Instituio quanto seupresentante nesta Comarca so dignos domais auto apreo e admirao destemagistrado, a instituio pela relevnciaconstitucional, e o promotor por ser, semdvida, um dos mais valiosos profissionaisdo Direito com quem este magistrado jtrabalhou.

    Na mesma linha, vo as presentes reflexes. Com omesmo intuito. Por amor ao debate. E um convite aodilogo.

    1. O estado da arte da discusso: a soluo dosparadoxos e os paradoxos da soluo

    Os paradoxos no tm soluo, a no ser que se construaum modo artificial de sua superao. Ou seja, paradoxo algo sobre o qual no se pode decidir. Para explicarmelhor, tomo como exemplo o famoso paradoxo domentiroso (The Liars Paradox), pelo qual um cretense,ao afirmar que todos os cretenses eram mentirosos, criouum problema: ele tambm era cretense e,conseqentemente, estaria includo no conjunto dosepitetados como mentirosos; logo, se era mentiroso,acabara de dizer uma mentira. E o contrrio da mentira a verdade, mas se era verdade, no poderia sermentira...! Assim, ou o cretense sairia de Creta paraafirmar o enunciado, o que criaria um novo problema,exatamente por ele ter sado de Creta, com o que aafirmao todos os cretenses estaria viciada, ou apelaria lgica, afirmando que o enunciado ao qual se refere nofaz parte do conjunto dos enunciados de quem o profere.Kelsen fez isto para construir a sua Teoria Pura do Direito,resolvendo, assim, o problema do dualismo mundo doser e mundo do dever ser, ou seja, a TPD passa a seruma metalinguagem feita sobre uma linguagem objeto.Kelsen escapa, pois, de forma artificial, do mundo dasimpurezas do direito, construindo a sua Teoria Pura doDireito, atravs do artifcio metafsico da Grundnorm (naTPD, de cariz hipottico-dedutivo; na Teoria Geral dasNormas, uma fico necessariamente til, baseado nafilosofia do como se als ob).

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    Mutatis, mutandis, o que parece estar ocorrendo com atese que prega uma nova concepo cnica da sala deaudincias. Segundo a tese, o dispositivo que assegura aprerrogativa ao membro do Ministrio Pblico de ocuparassento ao lado do juiz seria inconstitucional,

    posto que em oposio isonomiaexigida de um processo de partes tal que o processo penal brasileiro, por

    expressa opo Constitucional. Assim,atendendo-se a ratio essendi da normainvocada, dentro de uma interpretaoconforme a Constituio, a prerrogativaem tela s existe nas hipteses em que oMinistrio Pblico to-somente fiscal dalei. Em outras palavras, a igualdade dearmas abrange a concepo cnica dasala de audincias, pois nesse espaopblico tudo conspira como fator para asoluo da causa penal (para tantoreconhece-se o acerto da teoria do agircomunicativo de Habermas). Valeressaltar que no se trata de questomeramente de forma, pois diz respeitodiretamente ao imaginrio da sociedadeque ao ver o promotor de justia ao lado

    do rgo judicial, em plano diverso doDefensor Pblico, forma a opinio de queh uma promiscuidade entre o Estado-juize o Estado-parte incompatvel seja com osistema acusatrio seja com a igualdadeexigida pela Constituio.(...) Parteresumida da deciso de primeiro grauconstante do relatrio do MANDADO DESEGURANA N2004.078.00039- TJRJ.

    A tese parece simptica (e elegante, para usar as palavrasdo Desembargador Relator do Mandado de Segurana n.035/04, da Stima Cmara Criminal do TJRJ). Afinal, nadamelhor que vestir um discurso com o manto do princpioda isonomia, da igualdade, da democracia e at dageopoltica da distribuio dos espaos na sala deaudincia, muito embora alguns termos como igualdade,

    democracia ou isonomia sofram de anemia significativa,mais ou menos como garantismo, hermenutica,razo comunicativa e teoria dos sistemas, para citarapenas estas, que hoje esto sendo descobertas nosmestrados e doutorados em direito de terrae brasilis.

    Ocorre que, embora a simpatia e a elegncia (sic) da tese,esta no pode ser discutida a partir da simples sada ouretirada do cretense da cidade de Creta - para usar ametfora to recorrentemente citada nos compndios delgica -, e tampouco pode ser resolvida mediante oartifcio da metalinguagem. Dito de outro modo, comose o juiz dissesse: todos os que esto nesta sala deaudincia so isonmicos, sem diferenciaes,discriminaes, sem lugares diferenciados, sem mesasmais altas, sem cadeiras com espaldar avantajado, etceno se desse conta de que tambm ele sim, o prprio

    juiz est na sala de audincias, e que a propaladaisonomia ser isonomia ou a igualdade s ser igualdadese, de fato, todos os que esto na sala se beneficiaremda aludida principiologia. Ou a isonomia apenas paraos-demais-atores-que-compem-o-cenrio-daquilo-que--denominado-de-concepo-cnica-da-sala-de-audincia, ficando o juiz de fora da aplicao daprincipiologia?

    Sem a metalinguagem, recurso metafsico para superar oparadoxo representado pelo fato de o juiz tambm estarna sala, devendo tambm a ele aplicar-se, porconseguinte, o princpio e a democracia cnica, oprprio juiz ter de se submeter ao enunciado todos os

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    que.... Portanto, no poder ele ostentar espaoprivilegiado (afinal, o prprio estatuto da OAB assegura aigualdade da trade processual). Mais ainda, a aplicao daisonomia ou igualdade (se assim se quiser) no poder seraplicada pela metade, com o que, por exemplo, haverforte prejuzo cnico se apenas o juiz, o promotor e oadvogado tomarem cafezinho, e o ru ou as testemunhasficarem de fora do butim (no Rio Grande do Sul j haveriaum srio problema em face do chimarro, que teria quecorrer de mo em mo...!); por outro lado, haver srios

    problemas com a constitucionalidade dos dispositivoslegais que asseguram tratamento ao nvel de excelncia2

    para algumas autoridades; por certo, haver serissimoprejuzo concepo cnica da sala de audincia se o ruou as testemunhas no obtiverem o mesmo tratamentorepublicano.

    Cabe indagar, de outra banda, as razes pelas quais aconcepo cnica deve ficar restrita sala de audincias.Afinal, por que no espraiar a democracia e a isonomia?Assim, s para argumentar, indagaria: juzes (ou outrasautoridades, incluindo promotores) podem terestacionamento privativo? E elevadores privativos? Erestaurantes separados do restante da populao? Maisainda: que negcio esse de, enquanto as pessoascomuns peo desculpas pela expresso cenicamenteincorreta necessitam entrar em filas de bancos, ns,promotores, juzes e deputados, termos a nossadisposio agncias bancrias instaladas no interior dosrespectivos prdios pblicos s para atender nossascontas? Devo dizer mais ou j suficiente? Afinal, se atese republicana, adequada constitucionalmente, deveser, a toda evidncia, levada s suas ltimasconseqncias. Deixar a sua aplicao restrita sala deaudincias que no exatamente o espao pblico deque fala Habermas no me parece suficiente.

    Retornando ao tema stricto sensu, parece evidente que oproblema da democracia ou da (boa ou m)funcionalidade da justia no reside na geopoltica dasala de audincias ou da sala de sesses do SupremoTribunal Federal (j fico a imaginar o Procurador-Geral daRepblica, a quem cabe a ltima palavra nas aes penais,ser instado a se retirar do lugar que ocupa atualmente,

    para que as pessoas no pensem que haja umapromiscuidade entre o Estado-juiz e o Estado-parteincompatvel seja com o sistema acusatrio seja com aigualdade exigida pela Constituio(sic), tal comoconstou da deciso (processo que redundou no MS035/04, supra mencionado) que inquinou deinconstitucional (sic) o lugar ocupado pelo MinistrioPblico. Ou a concepo cnica no dever valer para oSupremo Tribunal Federal?

    2. O enfrentamento dos argumentos

    2.1. Uma preliminar necessria: a violao dosistema de controle de constitucionalidade brasileiro a flagrante violao do art. 97 da Constituio doBrasil

    Antes de adentrar nos demais pontos a seremenfrentados, devo chamar a ateno para um fato quepode ter passado despercebido. Com efeito, a leituracuidadosa do Acrdo 035/04 aponta para a suainvalidade constitucional. Sua ementa est assim redigida,resumindo, de forma adequada, o teor do julgamento:

    MANDADO DE SEGURANA. ASSENTO DO M.P. COMOPARTE AUTORA. DENEGAO DO WRIT.

    A alterao da disposio da sala de audincias emTribunal do Jri com remoo do assento do MinistrioPblico para posicion-lo no mesmo patamar da Defesa,no importa em violao da prerrogativa funcional

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    traduzida pelo posicionamento direta do seu Presidente vista da disposio do art. 41, XI, da Lei Federal8.625/93 (L.O.M.P.) e, ipso facto, do art. 82, X, da LeiComplementar Estadual 106/06, mas, ao contrrio,atende norma constitucional que assegura s partes, emprocesso judicial penal, tratamento isonmico.

    A plenitude e a efetividade do equilbrio de armas nocontraditrio justificam a necessidade de o juiz envidartodos os meios necessrios para evitar que a disparidade

    de posies cnicas possa influir no xito de umademanda penal, condicionando-o a uma distribuiodesigual de foras, pois a quem acusa e a quem sedefende em juzo, notadamente no Tribunal do Jri,devem ser asseguradas as mesmas possibilidades desucesso na obteno da tutela de suas razes.

    Inexistncia de direito lquido e certo a ser amparado pelavia mandamental.

    Est-se diante de uma deciso que, mutatis mutandis, diz:a remoo do assento assegurado por lei federal eestadual no viola a prerrogativa de quem exatamentetem o direito de ter esse assento. como se uma leidissesse que o magistrado pode estacionar o carro emfrente ao Frum e fosse proferida deciso proibindo-o deestacionar o veculo, com o fundamento de que a

    proibio de estacionar no viola a permisso deestacionar...! No exemplo do estacionamento em frenteao Frum, s h duas maneiras de impedir o magistradode estacionar o seu veculo: a uma, mudando a lei; aduas, inquinando-a de inconstitucional, no foro adequado,devidamente fundamentada. Isto o que se chama deEstado Democrtico de Direito. O resto decisionismovoluntarista. OU ativismo judicial. De ex parte prncipepassamos, de h muito, para ex parte principio.

    No particular, a deciso em tela, ao negar a segurana,confirmou deciso de primeiro grau que violoufrontalmente lei federal e estadual. Isto parece claro. Nobasta o juiz de direito dizer, por exemplo, que a norma x inconstitucional ou que est fazendo uma interpretaoconforme. preciso ter claro que, para inquinar umanorma jurdica de inconstitucional, no basta diz-lo. Deve

    haver uma fundamentao e uma justificao. Como sesabe, um juiz pode deixar de aplicar uma norma se, deforma fundamentada e justificada, entend-la comoinconstitucional; o tribunal no caso, o rgo fracionrio s poder faz-lo se suscitar o incidente deinconstitucionalidade (excetuadas as hipteses do art.

    481, do CPC).3

    A declarao de inconstitucionalidade em uma democracia medida de exceo. Sempre medida de exceo. Epara fazer uma verfassungskonforme Auslegung(interpretao conforme a Constituio) ou umaTeilnichtigerklrung ohne Normtextreduzierung (nulidadeparcial sem reduo de texto), h que se ter claro que seest diante de decises, a primeira, de rejeio parcialqualitativa de inconstitucionalidade, e, a segunda, deacolhimento parcial qualitativa de inconstitucionalidade.

    Mais do que isto: se o juiz no primeiro grau diz que anorma x inconstitucional (com adequada ouinadequada fundamentao) e a parte adversa recorre aoTribunal sob o argumento de que a norma x no inconstitucional, o Tribunal ter dois caminhos a seguir:revoga a deciso de 1. Grau, por entender que a normax no fere a Constituio (portanto, o Tribunal desfaz oequvoco do juiz de 1. Grau); a segunda opo oTribunal confirmar a deciso de 1. Grau, concordandocom a deciso do juiz. Neste caso, como a deciso deprimeiro grau afastou norma infraconstitucional com basena Constituio (questo prejudicial), o rgo fracionriodever necessariamente suscitar o respectivo incidente de

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    dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa! Afinal, por maisque um intrprete seja convincente, por certo noconseguir convencer o interlocutor, por exemplo, queno foi a Alemanha que invadiu a Polnia, e sim ocontrrio...! Este , alis, um dos problemas da cinciajurdica no Brasil, constatvel a toda evidncia, tambmno Supremo Tribunal Federal, que, por vezes, ao deixar deaplicar a Constituio, transforma-se - ilegitimamente -em constituinte originrio (ou derivado). No caso sobcomento, em havendo um comando legal, no h

    qualquer justificativa para no aplicar a lei, a menos queesta repito seja declarada inconstitucional. Repita-se:h limites no processo interpretativo, que no pode ser

    relativizado.7 Resumindo:

    a) um juiz s deve aplicar leis vlidas (veja-se, sempre, adiferena, muito cara teoria do direito, entre vigncia,que secundria, e validade, que primria);

    b) um juiz s pode deixar de aplicar uma lei se, de formafundamentada e justificada, entend-la inconstitucional,afastando-a da relao, porque questo prejudicial;

    c) na mesma linha, o juiz pode elaborar uma interpretaoconforme Constituio (ser uma deciso de rejeioparcial qualitativa de inconstitucionalidade), no havendo,neste caso, reduo do texto , no precindindo, este

    processo, de cuidadosa fundamentao e justificao;

    d) ainda no mesmo diapaso, o juiz poder entender queum dos sentidos do texto inconstitucional, elaborando,assim, uma inconstitucionalidade parcial sem reduo detexto (ser uma sentena de aco lhimento parcialqualitativa de inconstitucionalidade), devendo deixarexplcito o que resta do sentido (tambm aqui no hreduo de texto);

    e) tambm poder deixar de aplicar a lei a partir dautilizao dos critrios para resoluo de antinomias,sempre com um olhar na Constituio, porque, por vezes,a lex posterior que revoga lex anterior pode ser contrriaa Constituio...!

    Fora dessa hipteses, o juiz no tem outro caminho: no

    pode deixar de dar aplicabilidade lei.Portanto, a deciso do Tribunal de Justia do Rio deJaneiro, ao negar validade aos dispositivos legais das leisorgnicas do Ministrio Pblico que inequivocamentedefinem o lugar do assento do membro do MinistrioPblico, formalmente inconstitucional, por infringncia aoart. 97 da Constituio do Brasil.

    2.2. Da inadequada parametricidade alegada emambas as instncias

    Fica claro, assim, que, no Estado Democrtico de Direito,as leis que no forem invalidadas constitucionalmente ouque no forem revogadas/derrogadas por outras leis(critrio para a soluo de antinomias), no podem deixarde ser aplicadas pelo Poder Judicirio. Esta a garantia dademocracia. O fato de um juiz considerar injusta uma

    lei ou, por critrios pragmticos, entender em noaplic-la, no lhe d o direito de ignor-la,negando-lhe validade. O Poder Judicirio pode noaplicar uma lei, como j dito, s que, para tanto, deveseguir os passos que o sistema jurdico estabeleceu paraesse desiderato: o controle de constitucionalidade.

    No caso sob comento, tanto no primeiro como nosegundo grau foi esgrimido o argumento de que as leisorgnicas do Ministrio Pblico (federal e estadual), aoestabelecerem a prerrogativa do assento ao lado dapresidncia, contrariavam (sic) o princpio da isonomia.Creio, entretanto, que a simples alegao do ferimento doprincpio da isonomia ou da igualdade no suficiente, por

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    tudo que a tradio (no sentido gadameriano) nos temensinado, sendo desnecessrio cansar o leitor com umasucesso de citaes doutrinrias que digam respeito aoconceito de isonomia, igualdade formal e igualdadematerial, alm da diferena entre a igualdade na lei e aigualdade perante a lei. O problema talvez esteja no fatode que, por vezes, a Constituio no nos diz aquilo quequeremos ouvir. E no se pode tortur-la, arrancando-lhesentidos que no possui.

    Dito de outro modo, o princpio da isonomia assimcomo o da igualdade no uma panacia que possibiliteinquinaes de inconstitucionalidade no atacado, como foio caso de um conhecido jurista que, mal havia sidopromulgada a Lei 9296/96 regulamentando a escutatelefnica, defendeu, com contundncia, ainconstitucionalidade do dispositivo que no determinava aintimao da defesa (ou do acusado) por ocasio daautorizao da instalao da escuta, tudo com base noprincpio da ampla defesa e da isonomia (sic). De fato,seria interessante avisar o investigado antes de instalar aescuta...! Ou seja,nem sempre o que parece, .

    Nessa mesma linha, caberia ainda indagar: seriaminconstitucionais o prazo em dobro da defensoria pblica eo prazo privilegiado da fazenda pblica? inconstitucionalo dispositivo do CPP que garante a prvia defesa (prazo

    de 15 dias) ao funcionrio pblico antes do recebimentoda denncia, enquanto as pessoas comuns no tmesse direito? Fere o princpio da igualdade (ou daisonomia) o dispositivo que garante o recebimento dadenuncia contra juiz, promotor ou deputado, pelocolegiado do Tribunal competente? Afinal, o que aConstituio garante apenas o foro privilegiado e no orecebimento privilegiado da denncia (enquanto aspessoas comuns tm recebida sua denncia mediante asimples aposio de um carimbo). Creio desnecessriodesfilar um rosrio de exemplos de pretensa quebra deisonomia. Por isto, repito, nem sempre o que parece, .

    Desse modo, o argumento de que o Ministrio Pblico e aDefesa devem sentar juntos, porque o lugar ocupado peloMinistrio Pblico fere a democracia, a concepo cnica ea isonomia, isso tudo alm de incrementar uma certa

    promiscuidade(sic), deve ser hermeneuticamenteirrigado, em primeiro lugar, a partir do perfil jurdico-constitucional assumido, na atualidade, pelo MinistrioPblico. Evidentemente, uma tal configurao institucionalno pode ser desencaixotada do regime poltico-normativo, antidemocrtico e pr-constitucional quefecundou o CPP, seno que haver de ser reco lhido daConstituio de 1988, notadamente a partir do art. 127,claro em dispor que ao Ministrio Pblico incumbe, comoinstituio permanente e essencial funo jurisdicional doEstado, defesa da ordem jurdica, do regime democrticoe dos interesses sociais e individuais indisponveis.

    luz desta e das subseqentes disposies constitucionaisque formatam o perfil jurdico-poltico da instituio, -nosfacultado reconhecer, tambm, que o Ministrio Pblicodos tempos atuais lana-se ao exerccio de uma

    magistratura ativa na defesa da ordem jurdico-democrtica, expresso essa cunhada por um de seuslderes histricos porquanto Procurador-Geral daRepblica poca da discusso em torno do textoconstitucional porvir , o hoje Ministro do Supremo

    Tribunal Federal Seplveda Pertence8 . Depreende-se deseu voto , em julgamento envolvendo a matria de queestamos a cuidar:

    O Ministrio Pblico da Unio, emparticular, desvinculado do seucompromisso original com a defesajudicial do Errio e a defesa dos atosgovernamentais, que o prendiam

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    necessariamente aos laos de confianado Executivo, est agora cercado decontrafortes de independncia eautonomia, que o credenciam ao efetivodesempenho de uma magistratura ativade defesa impessoal da ordem jurdicademocrtica, dos direitos coletivos e dos

    direitos da cidadania.9

    Essa vocao defesa da legalidade democrtica o quefundamenta a existncia e o estatuto constitucional doMinistrio Pblico. Sua misso institucional, portanto, nopode ser hermeneuticamente reduzida em supostaobedincia bipolaridade prpria de uma teoria linear doprocesso. Afinal,

    (...) mesmo que no plo ativo da lide,visa a fiscalizar a exata aplicao da lei,em cujo favor intervm, e no embenefcio da pessoa que eventualmentepoder vir a ser beneficiada por sua ao,pois, trata-se de tutelar um interesse

    pblico, e no um interesse privado10

    No seria exatamente por isso que h uma diferena entre

    o papel do Ministrio Pblico e do defensor?11

    O Ministrio Pblico tradicionalmente ocupa o lugar queocupa no porque mais importante ou porque igual parte ou o juiz, mas, sim, porque ocupa um lugar que simplesmente diferente. E isto no faz o Ministrio Pblicoser mais ou menos democrtico, assim como o uso doselevadores privativos ou o lugar de destaque da mesa dojuiz no fazem o judicirio mais ou menos democrtico. nesse sentido que devemos superar um certo usoreificante da linguagem, como se as palavrascarregassem um sentido prprio e nas coisas estivesse asua essncia. Enfim, como se, de forma reificada, osentido da democracia estivesse contido (essencialmente)na coisa (concepo cnica). No conveniente, pois,que, em plena era do ontologische Wendung (viragemhermeneutico-ontolgica), volte-se metafsica clssica.

    De qualquer sorte, poderiam ser aqui colacionadas vriasindicaes constitucionais da posio diferenciadaassumida pela instituio do Ministrio Pblico. E, insisto,no deve haver problema nenhum em assumir essadiferenciao. Nos termos do art. 127 da Constituio,incumbe-lhe a defesa da ordem jurdica, do regimedemocrtico e dos interesses sociais indisponveis. Regimedemocrtico este, fundado em premissas principiolgicascomo a cidadania (art. 1., inciso II), promoo dadignidade da pessoa humana (art. 1., inciso III),construo de uma sociedade livre, justa e solidria (art.3., I), etc.

    Agregue-se, por fim, que equivocada a ciso porquetodo dualismo metafsico - entre Ministrio Pblico fiscalda lei e Ministrio Pblico parte (por exemplo, o jri),como se houvesse diferena na atuao. Fazer essa ciso o mesmo que pensar que o juiz do cvel ao julgar

    aes de carter interindividual diferente do juiz quedecide uma ao civil pblica. O Ministrio Pblico possuiprerrogativas institucionais e garantias constitucionaisexatamente porque no atua por si; sempre atua emnome da sociedade. Na sinttica assertiva de Mazzilli, oMinistrio Pblico advocacia de partido o partido dos

    interesses sociais e individuais indisponveis. 12

    2.3. A crise dos paradigmas de direito e de Estado ede como a tese da concepo cnica esconde aquiloque quer desvelar

    Relembro, por relevante, uma questo que remete a

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    discusso ao problema dos paradigmas do direito e doEstado. Refiro-me sempre perigosa (re)afirmao doparadigma liberal-individualista, prprio de umadeterminada concepo de direito e de Estado. Assim, nopodemos olvidar que:

    a) no Estado liberal o Estado tem a preocupao voltadapara a proteo dos interesses interindividuais, frutoexatamente do triunfo contra o velho regime;

    b) no Estado Social, que exsurge da crise do modeloliberal, a preocupao passa ser a proteo de grupos, apartir de um direito promovedor, em contraponto a umdireito meramente ordenador da fase liberal-absentesta;

    c) no Estado Democrtico de Direito a preocupao passaa ser com os direitos de terceira e quarta dimenso,agregando as fases anteriores, a partir de um direito e deum Estado que, agora, passam a ter a sociedade comopreocupao maior.

    Veja-se, pois, a evoluo: indivduo, grupo, sociedade. Eno h como negar que o Ministrio Pblico - na moldurainstitucional que lhe foi dada pelo constituinte, reforadana EC 45/04 foi elevado ao epicentro dessas alteraesocorridas no direito e no Estado. Os princpios e asfunes institucionais que lhe do vida afiguram-se

    consagrados em uma Constituio democrtica, a qual,afastando-o do Poder Executivo, tornou-lhe, em umaconsiderao pragmtica, esperana social. Tenha-se emmente, no particular, que no contexto em que est imersaa sociedade contempornea, esperana social podersignificar esperana de democracia substancial, de reduodas desigualdades sociais, enfim, esperana de justiasocial ou, minimamente, esperana de real e efetiva

    defesa dos interesses sociais.13

    dizer, pois: de um Ministrio Pblico protetor dosinteresses individuais, de perfil liberal-individualista aoqual, certamente, os defensores da tese da concepocnica se referem -, salta-se para um novo MinistrioPblico, que claramente deve assumir uma posturaintervencionista em defesa do regime democrtico e dosdireitos fundamentais sociais, a partir de uma dupla

    interveno: de um lado, utilizando os remdiosconstitucionais, buscando, em todas as instncias(polticas e jurdicas), a concretizao de tais direitos(direito sade, educao, etc); de outro, atuando, comlegitimidade prioritria, no combate aos delitos quecolocam em xeque os objetivos da Repblica. nessecontexto que a Constituio do Brasil elegeu o MinistrioPblico como a guardio da ordem democrtica. E,convenhamos, queiramos ou no, isto no pouca coisa.

    Portanto, a propalada readequao da concepo cnica ao procurar isonomizar e/ou igualar o MinistrioPblico defesa (que sempre defesa do indivduo)-, naverdade busca consciente ou inconscientemente,corporativamente ou no desqualific-lo, tendo comopano de fundo o velho paradigma liberal-individualista, emque o Estado co locava suas baterias na defesa do

    indivduo, e em que o Estado era contraposto sociedade.E nisso reside o equvoco: a sociedade no deve sercontraposta ao Estado; esse dualismo falso. O Estadono uma entidade metafsica. A sociedade se realiza noEstado.

    Dizendo de outra maneira: o Estado no necessariamente mau; ele pode ser amigo dos direitosfundamentais. A ruptura com o modelo dogmtico-formalista (de cariz liberal-individualista) aparecenitidamente na dupla face do papel a ser exercido pelaao do Estado, isto , essa alterao de papel d-sequando o Estado, de potencial opositor a direitosfundamentais (essa era a perspectiva do modelo de direito

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    formal-burgus), torna-se seu protetor, e, o que maisincrvel que o Estado se torne amigo dos direitos

    fundamentais (Stern),14 problemtica bem visvel naConstituio do Brasil, quando estabelece o comando daerradicao da pobreza, da construo de uma sociedadejusta e solidria, etc. Isto significa afirmar que este (oEstado) deve deixar de ser visto na perspectiva de inimigodos direitos fundamentais, passando-se a v-lo comoauxiliar do seu desenvolvimento (Drindl, Canotilho, VitalMoreira e Stern) ou outra expresso dessa mesma idia,deixam de ser sempre e s direitos contra o Estado para

    serem tambm direitos atravs do Estado.15Dito deoutro modo, por detrs da tese da concepo cnica possvel vislumbrar o velho preconceito contra o Estado,e, via de conseqncia, contra a sociedade. Ou seja, atese esconde exatamente aquilo que quer desvelar.

    Em sntese, o Ministrio Pblico, seja na sua atuaocomo fiscal da lei ou como parte, inexoravelmente deverser pr-compreendido no mbito do horizonte de sentidodo Estado Democrtico de Direito. A tese da concepocnica, alm de estar fundada em um pressupostoestruturalista de igualdade, olvida a diferena de sentidopresente nos papis desempenhados pelo defensor e peloagente ministerial.

    2.4. A tese da concepo cnica e o agir comunicativohabermasiano ou de como o consenso no pode serforado/obrigatrio

    Por ltimo, enfrento o argumento de que a localizao doMinistrio Pblico na sala de audincia fere a concepocnica, questo que encontra(ria) respaldo na teoria doagir comunicativo de Habermas. Entendo que temerrioo transplante da teoria habermasiana tese. J de pronto preciso dizer que a deciso judicial que manda retirar oMinistrio Pblico do seu lugar, antes de ser compatvelcom o agir comunicativo apregoado por Habermas, comele absolutamente contraditria. Com efeito, adargumentandum, uma vez que no h maioresindicadores de que a teoria do agir comunicativo permite arecepo da sala de audincia como um espaopblico, preciso ter claro que, para Habermas, asnormas servem para a tomada de decises que nopodem esperar. Aquilo que no pode ser alcanado porconsenso exige a utilizao da norma. Se no hconsenso, necessrio argumentar. No momento em quefalamos, fazemos uma oferta. Ante a oferta, aceitamosou no. Se h aco rdo, no h o que dizer. Aargumentao surge na falta (de consenso). Da aconstruo de uma situao ideal de fala, que devefuncionar como realidade contra-ftica. Em um mundo deracionalidade discursiva perfeita, no h manipulao. Poristo, Habermas elabora o conceito de realidade contra-ftica. Essa situao ideal resultado dos pressupostosdas prticas sociais, fornecendo, assim, um padro paracriticar essas mesmas prticas que serviram para aconstruo da situao ideal. Ora, se a concepo cnica tida como situao ideal ( o que parece, embora istono fique explicitado na tese), devendo, portanto,funcionar como contrafao, ento, antes disso, ointrprete dever buscar o consenso. Para tanto, ter queargumentar. E muito. Jamais seria possvel impor oconsenso (sic). Isto seria antidemocrtico. Logo, estariana contramo do agir comunicativo. Na verdade,estar-se-ia (ou estar-se-?) frente a uma contradio:um consenso forado. Portanto, parece que osdefensores da tese da concepo cnica queimarametapas. Conseqentemente, impossvel colocarcontrafaticamente a atual situao da sala de audinciacom a situao tida por ideal (quais os critrios paraconsider-la ideal?).

    Alis, a teoria habermasiana pode ser esgrimida contra a

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    Pelo mesmo motivo, os significados dos bens variam de

    uma sociedade para outra.20Desta feita, as relaesentre Poder Judicirio e Ministrio Pblico podem cair napromiscuidade independentemente da cadeira na qual sesentam.

    Ora, o mundo da vida existe independentemente daquiloque percebido como mundo da vida pelos defensoresdesta tese. Nos ltimos anos o Ministrio Pblico tem sidocompreendido pela comunidade como a instituioresponsvel por uma atuao forte em matria deimprobidade administrativa; atuante no combate sprticas criminosas que lesam em milhes a PrevidnciaSocial; fundamental para coibir a utilizao demo-de-obra infantil ou a institucionalizao do trabalhoescravo e, mais recentemente, de capital importncia paradesvendar ilcitos contra a vida de cidados brasileiros ouestrangeiros engajados na defesa do meio ambiente.

    por intermdio deste modo de ser cotidiano que asociedade v o Ministrio Pblico e no no mbito doreduzido espao pblico da sala de audincia. Mais umavez, importante aludir o autor supra mencionado, MichaelWalzer, quando aduz: a igualdade uma relaocomplexa de pessoas, mediada por bens que criamos,compartilhamos e dividimos entre ns; no uma

    identidade de posses

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    . Aqui reside um dos grandesproblemas da tese da concepo cnica da sala deaudincia, pois reduziu metafisicamente a questo daigualdade ao lugar ocupado por defensores e membros doMinistrio Pblico. Com certeza no assim que seconstri uma igualdade fundada em bens sociais paraserem compartilhados pela comunidade; e o cidado,quando se dirige ao Poder Judicirio, busca partilha debens sociais como sade, educao, segurana, respeitoaos seus direitos de consumidor, etc. Logo, para ocidado pouco significa a disposio das cadeiras, masque, no mnimo, ele consiga o bem da vida perseguido.Quando no artigo 37, caput, da Constituio Federalindica-se o princpio da eficincia, determina-se, em ltimaanlise, a efetiva prestao da tutela jurisdicional. Por isto,no creio que a disposio das cadeiras seja algo detamanha relevncia...!

    Numa palavra: a tese da concepo cnica da sala deaudincias estabelece um paradoxo, problemtica quetalvez pudesse ser melhor examinada no luz da teoriado agir comunicativo, mas, sim, da teoria dos sistemas,de Nicklas Luhmann, em que a autopoiese o modo deobservar o paradoxo (e no de solucion-lo). Mas,provavelmente, nem Habermas, nem Luhmann e nemGadamer pensaram na concepo cnica da sala deaudincias de um pas abaixo do Equador.

    Por derradeiro, parece evidente que a concepo cnicada sala de audincia deve e merece ser rediscutida, desdeo modo como esto distribudos os espaos o que incluitambm rediscutir o papel destinado ao juiz a partir danecessria superao do paradigma da subjetividade(relao sujeito-objeto) at o modo de solenizao daprpria audincia. Para essa rediscusso, parece, sim,importante o apelo para a construo de uma razocomunicativa. Mas isto no pode ser feito por decreto.H que se argumentar, uma vez que no h consensosobre a matria. E no momento em que falamos, fazemosuma oferta, como diria Habermas. E o que estoufazendo a partir destas reflexes...Um convite ao dilogo.E, quem sabe, rumo a um consenso.

    Notas

    1 - Lenio Luiz Streck Procurador de Justia-RS; Doutorem Direito do Estado; Ps-Doutor em DireitoConstitucional e Hermenutica; Professo r dos Cursos de

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    Mestrado e Doutorado em Direito da UNISINOS-RS;Coordenador do Acordo Internacional (CAPES-GRICES)UNISINOS-FACULDADE DE DIREITO DE COIMBRA;Professor Visitante da Universidade de Lisboa; ProfessorColaborador da UNESA-RJ; Membro Catedrtico daAcademia Brasileira de Direito Constitucional; autor, entreoutras, das seguintes obras: Hermenutica Jurdica E(m)Crise, Cincia Poltica e Teoria Geral do Estado, AsInterceptaes Telefnicas e os Direitos Fundamentais,editadas pela Livraria do Advogado,RS; Crime e

    Constituio (co-autoria com Luciano Feldens) eJurisdio Constitucional e Hermenutica, 2. Edio,estes pela Fo rense. Editor do sitewww.leniostreck.com.br; e- mail [email protected]

    2 - No podemos esquecer que na Europa no existemesses privilgios. A propsito: em dezembro de 2004, oPresidente do Governo da Espanha baixou decretoproibindo o tratamento de excelncia aos membros dogoverno (alis, na mesma semana em que aquele juizbrasileiro ingressou com mandamus para ser chamado deexcelncia e doutor).

    3 - Nesse sentido, meu Jurisdio Constitucional eHermenutica Uma Nova Crtica do Direito. 2a. Ed. Riode Janeiro, Forense, 2003, em especial captulos 10 e ss.

    4 - Esta questo est muito clara no mbito do SupremoTribunal Federal. Com efeito, mesmo que o rgofracionrio apenas afaste a aplicao da normainfraconstitucional, por ser esta inconstitucional, noestar liberado de suscitar o respectivo incidente. Valereferir, pela relevncia, a seguinte deciso do SupremoTribunal Federal:Controle difuso de constitucionalidade de norma jurdica.Art. 97 da Constituio Federal. A declarao deinconstitucionalidade de norma jurdica incidenter tantum,e, portanto, por meio de controle difuso deconstitucionalidade, o pressuposto para o Juiz, ou oTribunal, no caso concreto, afastar a aplicao da normatida como inconstitucional. Por isso, no se podepretender, como o faz o acrdo recorrido, que no hdeclarao de inconstitucionalidade de uma norma jurdicaincidenter tantum quando o acrdo no a declara

    inconstitucional, mas afasta a sua aplicao, porque tidacomo inconstitucional. Ora, em se tratando deinconstitucionalidade de norma jurdica a ser declarada emcontrole difuso por Tribunal, s pode declar-la, em facedo disposto no art. 97 da Constituio, o Plenrio dele ouseu rgo Especial, onde este houver, pelo voto damaioria absoluta dos membros de um ou de outro. Nocaso, no se observou esse dispositivo constitucional.Recurso Extraordinrio conhecido e provido. RE179170-CE, DJ 30.10.98.

    5 - A Lei n 8625, de 12 de fevereiro de 1993, que dispesobre normas gerais para a organizao do MinistrioPblico dos Estados e d outras providncias, em seuartigo 41, inciso XI, constitui como prerrogativa dosmembros do Ministrio Pblico, alm de outras previstasna Lei Orgnica, tomar assento direita dos Juzes de

    primeira instncia ou do Presidente do Tribunal, Cmara ouTurma. Por sua vez , a Lei Complementar estadual n106/03, em seu artigo 82, inciso X, da mesma formaassegura aos Membros do Ministrio Pblico aprerrogativa de sentar-se no mesmo plano eimediatamente direita dos Juzes singulares ou dosPresidentes dos rgos judicirios ou dos demais rgosperante os quais o ficiem, inclusive nas sesses solenes.Assim, toda a legislao citada garante aos Membros doMinistrio Pblico as prerrogativas e, no exerccio de suasfunes, tomar assento direita dos Juzes de primeirainstncia ou do Presidente do Tribunal, Cmara ou Turma.Estabelece o artigo 128, pargrafo 5, da ConstituioFederal que Leis complementares da Unio e dos

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    Estados, cuja iniciativa facultada aos respectivosProcuradores-Gerais, estabelecero a organizao , asatribuies e o estatuto de cada Ministrio Pblico....

    6 - Antes que me acusem de conservadorismo, chamoa ateno para a diferena que existe entre a firme defesaque fao da aplicao da jurisdio constitucional questo sobre a qual tenho escrito (JurisdioConstitucional e Hermenutica, 2a. Edio, Forense,2003) e praticado de h muito, a partir da tese (que

    proponho) de uma Constituio Dirigente Adequada aPases de Modernidade Tardia e a necessria crtica adiscricionarismos judiciais. No podemos esquecer que adiscricionariedade uma forma de positivismo. E, emtempos de neoconstitucionalismo, h que se combatertoda forma de resistncia positivista. Afinal, oneoconstitucionalismo suplanta o positivismo (nas suasvariadas faces) a partir de trs frentes de batalha: a teoriadas fontes, a teoria da norma e um novo paradigmainterpretativo. neste contexto que se encaixam asminhas crticas s mltiplas formas assumidas pelopositivismo nesta quadra da histria.

    7 - Remeto o leitor, aqui, para o meu HermenuticaJurdica E(m) Crise, 5a. Ed. Porto Alegre, Livraria doAdvogado, 2004, em especial item 12.10.

    8 - Sobre o tema, Luciano Feldens, Tutela Penal deInteresses Difusos e Crimes do Colarinho Branco poruma relegitimao da atuao do Ministrio Pblico, PortoAlegre: Livraria do Advogado, pp. 242-243.

    9 - Voto proferido no Mandado de Segurana n21.239-DF, in RTJ 147/161.

    10 - Cfe. Oliveira, Jos Maria Leoni de. A Nova Lei deInvestigao de Paternidade.4a ed. Rio de Janeiro: LumenJuris, 1999, pp. 148-149. V., tambm, sobre a matria:Viegas, Joo. Reconhecimento da Paternidade in Revistados Tribunais, n 699, 1994, p. 13).

    11 - Como assinalado pelo STF, o Ministrio Publico,mesmo intervindo como fiscal da lei, qualifica-se como umdos sujeitos da relao processual. (STF, ADIn n 758,Rel. Min. Celso de Mello, J 22.04.1993, DJU 08.04.1994.

    V., tambm, sobre o tema: STF, AR n 1.364, Rel. Min.Moreira Alves, J 22.05.2002, DJU 02.05.2003).

    12 - Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurdico do MinistrioPblico, So Paulo, Saraiva, 1993, p. 25.

    13 - Sobre o assunto, ver Lenio Luiz Streck e LucianoFeldens. Crime e Constituio: a legitimidade da funoinvestigatria do Ministrio Pblico, Rio de Janeiro:Forense, 2003.

    14 - Cfe. Maria da Conceio Ferreira da Cunha.Constituio e Crime, Po rto: Universidade Catlica doPorto, 1995, pp. 273 e segs

    15 - Idem, ibidem.

    16 - De todo modo, registro minha discordncia comalgumas teses habermasianas, como j deixei claro nomeu Jurisdio Constitucional e Hermenutica UmaNova Crtica do Direito . 2a. ed. Rio de Janeiro: Foresne,2003, em especial capitulos 1 a 4. Tenho sido umferrenho defensor dos valores substantivos constitucionaise destes enquanto guia do processo hermenutico-constitucional, na esteira de autores como L. H. Tribe,Ferrajoli, entre outros. Portanto, discordo frontalmentedas teorias dos valores adjetivos ou procedimentalistas,para as quais a Constituio somente garante o acessoaos mecanismos de participao democrtica no sistema.Ver, tambm, Tribe, L. H. The Puzzling Persistence ofProcess-Based Constitutional Theories, in The Yale Law

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    Journal, vol. 89, 1073, 1980, p. 1065 e segs.; Ibidem,American Constitutional Law. The Foundation Press,Mineola, New York, 2a. ed., 1988; Ibidem, Taking Textand Structure Seriously: reflection on free-form method inconstitutional interpretation, In Harvard Law Review, vol.108, n. 6, 1995. Conferir, tambm, Diaz Revorio,Francisco Javier. La Constitucin como o rden abierto.Madrid: Estudios Ciencias Jurdicas, p. 161 e segs.

    17 - Da a importncia em registrar que, embora

    Habermas no recuse o modelo de Ronald Dworkin, noaceita o so lipsismo nsito descrio do juiz como umHrcules que teria que confiar em suas habilidadespessoais e individuais a garantir-lhe acesso justia,quando, na leitura de Habermas, em razo dos postuladoshermenuticos iniciais do prprio Dworkin, seria de serequerer desse juiz que, ao se reconhecer como membrode uma comunidade de homens livres e iguais, sereconhecesse como um copartcipe do mundo da vida quesustenta as pretenses de justia cotidianamentevivenciadas por essa mesma comunidade e simplesmentebuscasse expressar, deontolgica e no axiologicamente,em face do caso concreto a crena intercompartilhada,aplicando adequadamente as leis aprovadas para reger asua vida em comum, co locando-se no lugar de cada umdos afetados pelo provimento, com a certeza de que asnormas gerais e abstratas no foram feitas para gerar

    resduos de injustia para ningum. Veja-se, ademais, acontundente crtica que Habermas faz ao realismo jurdico que precisamente em razo de suas altas exignciasmorais para com o direito termina por dele descrertotalmente e, assim, por no delimitar as fronteiras entreo direito e a poltica quando explica as decises judiciaisatravs de fatores externos ao sistema jurdico;recusando ainda o positivismo jurdico por este optar pelagarantia de certeza das decises judiciais em detrimentode uma base de validade fundada nas pretenses dejustia que concretamente densifica as concepes deliberdade e igualdade intercompartilhadas inclusive nasprticas sociais daquela comunidade. Cfe. JrgenHabermas. Direito e Democracia I. Rio de Janeiro: TempoBrasileiro, 1997, em especial, p. 245 e segs.

    18 - A existncia de tribunais constitucionais no

    auto-evidente para Habermas. E, mesmo onde elesexistem e ele restringe-se Alemanha e aos EstadosUnidos h controvrsias sobre o seu lugar na estruturade competncias da ordem constitucional e sobre alegitimidade de suas decises. Critica, assim, a idia deconcretizao dos valores materiais constitucionais,aludindo que, aos deixar-se conduzir pela idia darealizao de valores materiais, dados preliminarmente nodireito constitucional, o tribunal constitucionaltransforma-se numa instncia autoritria. A invaso daesfera de competncia dos tribunais, medianteconcretizaes materiais de valores, desestimula o agirorientado para fins cvicos, tornando-se o juiz e a lei asderradeiras referncias de esperana para indivduosisolados. Idem, ibidem.

    19 - Ver, nesse sentido, a percuciente anlise de Neves,

    Marcelo. Entre Tmis e Leviat: uma relao difcil, SoPaulo, USP, 1997, p. 142, 275 e 276.

    20 - Cfe. Walzer, Michael. Esferas da Justia. Uma defesado pluralismo e da igualdade. So Paulo: Martins Fontes,2003, p. 07.

    21 - Op. Cit., p. 21.

    Lenio Luiz StreckMembro do Ministrio Pblico do Estado do Rio Grande do

    Sul

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