LEI N° 12.403/11. ALTERAÇÕES NO CÓDIGO DE … · parecer n. 002/2011/ccr lei n° 12.403/11....

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Parecer n. 002/2011/CCR LEI N° 12.403/11. ALTERAÇÕES NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRISÃO PROCESSUAL. FIANÇA. LIBERDADE PROVISÓRIA. MEDIDAS CAUTELARES PROCESSUAIS PENAIS. Senhores e Senhoras Procuradores(as) e Promotores(as) de Justiça: Como é de conhecimento de todos, é incumbido aos Centros de Apoio Operacional, dentre outras atribuições, informar aos órgãos de execução do Ministério Público quaisquer fatos ou questões jurídicas que possam contribuir para o bom e regular desempenho das atividades ministeriais nas suas respectivas áreas de abrangência (artigo 5º, parágrafo único, inciso III, do Ato n° 346/2009/PGJ). De igual modo, compete aos Centro de Apoio Operacional remeter informações técnico-jurídicas aos órgãos ligados à sua atividade (artigo 54, inciso VI, da Lei Complementar n° 197/2000); Assim, em virtude das recentes alterações legislativas promovidas no Decreto-Lei n° 3.689/41 (Código de Processo Penal) pela Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, que passará a vigorar em 04/07/2011, apresentamos, abaixo, breve estudo a respeito do novo texto normativo. Passa-se, então, à análise da norma em questão: A Lei n° 12.403/11 alterou a redação dos seguintes dispositivos do Código de Processo Penal, conforme estabelece seu artigo 1º (artigos 282, 283, 289, 299, 300, 306, 310, 311, 312, 313, 314, 315, 317, 318, 319, 320, 321, 322, 323, 324,

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Parecer n. 002/2011/CCR

LEI N° 12.403/11. ALTERAÇÕES NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRISÃO PROCESSUAL. FIANÇA. LIBERDADE PROVISÓRIA. MEDIDAS CAUTELARES PROCESSUAIS PENAIS.

Senhores e Senhoras Procuradores(as) e Promotores(as) de Justiça:

Como é de conhecimento de todos, é incumbido aos Centros de Apoio Operacional, dentre outras atribuições, informar aos órgãos de execução do Ministério Público quaisquer fatos ou questões jurídicas que possam contribuir para o bom e regular desempenho das atividades ministeriais nas suas respectivas áreas de abrangência (artigo 5º, parágrafo único, inciso III, do Ato n° 346/2009/PGJ).

De igual modo, compete aos Centro de Apoio Operacional remeter informações técnico-jurídicas aos órgãos ligados à sua atividade (artigo 54, inciso VI, da Lei Complementar n° 197/2000);

Assim, em virtude das recentes alterações legislativas promovidas no Decreto-Lei n° 3.689/41 (Código de Processo Penal) pela Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, que passará a vigorar em 04/07/2011, apresentamos, abaixo, breve estudo a respeito do novo texto normativo.

Passa-se, então, à análise da norma em questão:

A Lei n° 12.403/11 alterou a redação dos seguintes dispositivos do Código de Processo Penal, conforme estabelece seu artigo 1º (artigos 282, 283, 289, 299, 300, 306, 310, 311, 312, 313, 314, 315, 317, 318, 319, 320, 321, 322, 323, 324,

325, 334, 335, 336, 337, 341, 343, 344, 345, 346, 350 e 439), passando a prever várias alternativas ao cárcere e consagrando a natureza cautelar de toda espécie de prisão anterior ao trânsito em julgado da sentença condenatória.

O Código de Processo Penal, datado de 1941, parte de uma concepção de culpabilidade antecipada à condenação definitiva, o que se tornou absolutamente despropositado com o advento da Constituição Federal de 1988 (observem-se especialmente os incisos LVII e LXI do artigo 5º).

Diante disso, a Lei em comento tem o objetivo de adequar o processo penal brasileiro à ordem constitucional, tendo, contudo, perdido a oportunidade de corrigir pequenos deslizes, dentre os quais Eugênio Pacelli de Oliveira destaca a mantença indevida da expressão liberdade provisória, tendo em vista que provisória será sempre a prisão, não a liberdade 1.

Após essas breves considerações, passemos à análise dos dispositivos alterados, salientando que se visa apenas a elucidar as dúvidas oriundas da modificação legal, não se atendo a questões já suficientemente debatidas na doutrina e nos Tribunais pátrios.

TÍTULO IXDA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE PROVISÓRIA

A primeira alteração que se deve destacar, como já foi dito acima, encontra-se no Título IX, qual seja, a inclusão de outras medidas cautelares alternativas à prisão processual.

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.

Constata-se que o legislador consagrou o princípio da proporcionalidade (entendido como o binômio necessidade e adequação das medidas a serem aplicadas), previsto implicitamente na Constituição Federal e diretamente ligado à garantia dos direitos fundamentais. Deve-se atentar, contudo, ao fato de que a proporcionalidade não se restringe à proibição de excesso, muito tratada na doutrina e na jurisprudência. Muitas vezes, é mais importante se aplicar o outro viés desse princípio, também de forma a garantir a plenitude dos direitos fundamentais: a proibição da proteção deficiente.

1 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal: Separata. Niterói/RJ: Lumen Juris, 2010, p. 6.

O Estado tem o dever de garantir aos cidadãos a possibilidade de exercerem seus direitos, seja negativamente - face mais conhecida do garantismo – (exigência que surgiu junto ao movimento liberal, de absenteísmo estatal), seja positivamente, de forma ativa perante a sociedade. Portanto, é essencial que se tome cuidado ao interpretar as alterações legislativas, a fim de que não se cometa o equívoco de ferir o princípio da proporcionalidade justamente sob o pretexto de aplicá-lo. As medidas cautelares devem não apenas preservar o acusado ou indiciado, mas garantir os fins a que se destinam (aplicação da lei penal, investigação ou instrução criminal, evitação da prática de infrações penais, ou seja, preservação da efetividade do processo).

Logo, o texto da norma em debate não pode servir de baliza à manutenção da ordem pública, apta a ensejar a proteção de uma garantia individual em detrimento do direito difuso à segurança pública. Ou seja, o princípio da proporcionalidade deve ser interpretado de acordo com as peculiaridades que o caso concreto apresentar.

Outro cuidado que se deve tomar é com relação à ponderação, técnica utilizada para dirimir conflitos entre normas (sejam regras ou princípios), que anda muito próxima ao princípio da proporcionalidade, mas vem sendo confundida por muitos com discricionariedade (especialmente no âmbito do Poder Judiciário) e, até mesmo, arbitrariedade.

Nesse sentido, mostram-se oportunas as lições de J. J. Canotilho:

O facto de a constituição constituir um sistema aberto de princípios insinua já que podem existir fenómenos de tensão entre os vários princípios estruturantes ou entre os restantes princípios constitucionais gerais e especiais. Considerar a Constituição como uma ordem ou sistema de ordenação totalmente fechado e harmonizante significaria esquecer, desde logo, que ela é, muitas vezes, o resultado de um compromisso entre vários actores sociais, transportadores de ideias, aspirações e interesses substancialmente diferenciados e até antagónicos ou contraditórios. O consenso fundamental quanto a princípios e normas positivo-constitucionalmente plasmados não pode apagar, como é óbvio, o pluralismo e antagonismo de ideias subjacentes ao pacto fundador.2

O consagrado constitucionalista continua, afirmando que:

A pretensão de validade absoluta de certos princípios com sacrifício de outros originaria a criação de princípios reciprocamente incompatíveis, com a consequente destruição da tendencial unidade axiológico-normativa da lei fundamental. Daí o reconhecimento de momentos de tensão ou antagonismo entre os vários princípios e a necessidade, atrás exposta, de aceitar que os princípios não obedecem, em caso de conflito, a uma lógica do tudo ou nada, antes podem ser objecto de ponderação e concordância prática, consoante o seu peso e as circunstâncias do

2 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. p. 1145-1146.

caso3.

No âmbito do Direito Constitucional brasileiro, a questão não poderia ser abordada de outra forma. Vejamos:

De qualquer forma, um juízo definitivo sobre a proporcionalidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação e do possível equilíbrio entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade em sentido estrito). 4

Por fim, devemos atentar para o fato de que não é possível que a noção de proporcionalidade ou de aplicação de princípios leve à insegurança e à incerteza jurídicas, passando a existir um inevitável direito casuístico e discricionário. Nesse sentido:

Parcela expressiva dos juristas ligados à teoria do direito e à teoria constitucional não se deu conta de que a superação do modelo de regras implica uma profunda alteração no direito, porque, através dos princípios, passa a canalizar para o âmbito das Constituições o elemento do mundo prático. Mas isso não pode significar o apelo a uma pragmática de cariz fragmentário e realista, pela qual as decisões passam a ser casuísticas, em que o assim denominado “caso concreto” é significado a partir de um “isolamento de sentido”, como se ele fosse único e pudesse assim ser resolvido, sem estar integrado, de forma coerente, com outros casos, que também são concretos (aliás, um caso é sempre concreto, ou não é caso).5

§ 1o As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente. § 2o As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público. § 3o Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo.

O legislador optou por não restringir a aplicação das medidas cautelares, permitindo sua realização de forma isolada ou cumulativa, bem como sua substituição no curso da investigação ou do processo (rebus sic stantibus – artigo 282, § 4º).

3 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. p. 1146.

4 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 366.

5 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. Da Possibilidade à necessidade de respostas corretas em Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 226.

Pode dar ensejo a discussões a previsão legal de decretar o juiz, de ofício, alguma medida cautelar, tendo em vista o modelo acusatório adotado no Brasil. Contudo, trata-se de medida que visa a resguardar a efetividade do processo, que em qualquer hipótese pode ser tomada pelo juiz, independentemente de provocação.

Todavia, o que mais chama a atenção dentre os parágrafos acima transcritos é a necessidade, exceto em caso de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, de se intimar a parte contrária, a fim de exercer o direito ao contraditório e à ampla defesa, constitucionalmente assegurados.

Não obstante, pelo menos na teoria, tal inovação seja salutar, a prática tende a ficar muito distante do texto legal; a intimação da parte contrária findará por ser exceção, em vez de regra. Isso porque, no âmbito criminal, a logística da execução das medidas cautelares demanda urgência para o seu sucesso. Do contrário, poderá ser inócua por conta de um ato procrastinatório da defesa, levando a efeito alguma consequência irreversível, como a morte da vítima ou de uma testemunha, por exemplo, pela demora da prestação jurisdicional.

Portanto, ao que tudo indica, a única mudança no cotidiano forense tende a ser a temerária discricionariedade conferida pelo legislador ao juiz de oportunizar o contraditório nesse momento ou de diferi-lo, o que parece caracterizar um retrocesso.

§ 4o No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único).

O § 4º consagrou a fungibilidade das medidas cautelares, respeitando-se sempre o princípio da proporcionalidade e analisando-se a presença dos tão mencionados fumus boni juris, periculum in mora ou libertatis e fumus comissi delicti.

Trata-se de um consectário lógico da busca pela efetiva satisfação da medida a que se busca. Ou seja, frustrado o objetivo pretendido, seja por ineficácia da própria via eleita, seja por malícia do destinatário da ordem judicial, pode o Poder Judiciário corrigi-la a qualquer tempo (até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória), dando, assim, efetividade ao fim visado.

Importa destacar que, quanto à substituição da medida em razão de descumprimento de alguma das obrigações impostas, segundo o texto

do dispositivo legal em análise, o Delegado de Polícia não tem legitimidade para representar.

Dessa forma, podemos interpretar essa regra de duas maneiras:

a) considerando que o § 2º admite a aplicação de medida cautelar tanto durante a fase de investigação quanto na fase processual, delimitando a participação da autoridade policial àquela hipótese, até mesmo por uma questão de (in)coerência do texto normativo, parece-nos que a exclusão do Delegado de Polícia do rol dos legitimados a requerer a substituição da medida ocorreu por mero esquecimento do legislador;

b) de outro modo, por uma interpretação literal do texto em análise, pode-se chegar à conclusão de que o legislador quis excluir a possibilidade de substituir a medida cautelar durante a fase investigatória, limitando-a à fase judicial, o que nos parece incongruente, porquanto se trabalha com a hipótese de que a medida foi descumprida e é insuficiente aos fins a que se destina. Considerando a importância de uma boa investigação para a busca da verdade real no processo penal, o desprestígio dado pelo legislador, enfraquecendo-a frente à fase judicial, representa um grande retrocesso. Não são poucas as dificuldades enfrentadas pela polícia judiciária na persecução penal, seja por debilidade de sua estrutura física, seja pela astúcia dos agentes criminosos. Esta questão ganha relevância em dois aspectos, seja pela eficácia da persecução penal propriamente dita, seja pela própria proteção da vítima e de eventual testemunha, a qual antes era reservada apenas aos casos previstos em leis especiais, o que, por certo, ampliaria o poder estatal de cumprir o seu dever de garantir a segurança pública.

Pensamos, entretanto, que o contexto da norma em questão restringe-se tão somente à legitimidade de se requerer, no sentido formal apenas. Logo, descumprida a medida cautelar deferida pelo juiz competente por meio de representação da autoridade policial no inquérito policial, cabe a esta solicitar ao Ministério Público, que atuará como custos legis nesta fase, que requeira em juízo a substituição da medida. De igual modo, a própria vítima pode fazê-lo diretamente ao juiz ou, ainda, ao Ministério Público.

§ 5o O juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Da mesma forma, pode o juiz revogar a medida cautelar ou substituir por uma menos gravosa, quando perceber que seja adequada aos fins almejados.

Trata-se de mais uma discricionariedade conferida ao juiz. Temerosa, na medida em que lhe permite, mesmo que de maneira indireta, a

participação efetiva na produção de provas, conferindo-lhe, de forma travestida, poderes instrutórios, o que, em tese, fere o caráter acusatório do processo penal brasileiro. A revogação, de ofício, de uma prisão cautelar pela mera discricionariedade do juiz poderá trazer imensuráveis prejuízos a uma investigação e, consequentemente, à instrução criminal, podendo, inclusive, colocar todo esse trabalho a perder.

§ 6o A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).

Talvez o § 6º seja redundante, diante dos princípios constitucionais e, até mesmo, dos parágrafos anteriores. No entanto, nunca é excessivo destacar o caráter subsidiário (de ultima ratio) da prisão preventiva, tendo em vista a gravidade da segregação de um não condenado.

Deve-se lembrar, oportunamente, que as medidas cautelares probatórias devem ter prioridade sobre todas aquelas de que trata esse estudo. Nesse diapasão, extrai-se da obra de Eugênio Pacelli:

Aliás, cumpre pontuar: as medidas cautelares probatórias, tal o caso da quebra das inviolabilidades pessoais constitucionais (domicílio, sigilo telefônico, bancário, discal, de dados etc – art. 5º, X, XI e XII, CF) tem [sic] preferência sobre essas que estamos a ver, de natureza estritamente pessoal. 6

Na sistemática anterior, a única medida cautelar pessoal era a prisão, havendo inúmeras medidas cautelares instrumentais (probatórias). Agora, com a previsão expressa de outras medidas pessoais no artigo 319, foi necessário, em uma adequação às normas constitucionais vigentes, a ressalva de que a prisão será a última das alternativas dentre aquelas. Além disso, muito embora não descrito textualmente na nova redação deste Código, a ordem constitucional nos leva à conclusão de que as medidas cautelares probatórias (não pessoais), por serem menos gravosas ao acusado ou indiciado, devem prevalecer sobre aquelas previstas no artigo 319, na medida em que estas cuidam, de certa forma, de limitações à liberdade individual.

Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

Através da redação do artigo 283, o legislador afastou expressamente a possibilidade de execução provisória da condenação criminal, que muito vinha sendo discutida no cenário jurídico nacional, permitindo a prisão

6 Idem, Ibidem. p. 30.

somente após sentença condenatória transitada em julgado. Nesse sentido:

É dizer: agora, com as novas regras, somente se permitirá a prisão antes do trânsito em julgado quando se puder comprovar quaisquer das razões que autorizem a prisão preventiva, independentemente da instância em que se encontrar o processo. 7

No entanto, o autor critica a vedação incondicional da execução provisória, argumentando que o Direito deveria se manter aberto às exceções, vejamos:

Por isso, pensamos que, em casos excepcionais (embora não sejam tão raros os exemplos concretos), em que não haja dúvida quanto à autoria e à materialidade – confissão livre e espontânea em juízo, testemunhos claros e coerentes, ausência de prova da defesa etc. - e, menos ainda, quando à classificação do crime, ou seja, quanto às questões de fato e de direito, não se deveria trancar em definitivo a possibilidade de execução provisória. 8

Cumpre destacar que o presente dispositivo legal parece resolver a dicotomia entre o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça sobre a execução da pena quando interposto recurso a uma das instâncias superiores (recurso extraordinário e/ou especial). Isso porque a Lei n° 8.038/90, que cuida do procedimento junto aos Tribunais Superiores, não conferiu efeito suspensivo a esses recursos. Por conta disso, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 267 (a interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão).

Ocorre, todavia, que, em fevereiro de 2009, o Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou posicionamento no sentido de que a aplicação da referida súmula em sede de recurso extraordinário representa afronta ao princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da Constituição da República), entendendo ser inconstitucional o recolhimento à prisão até o trânsito em julgado do recurso interposto (HC 91676 / RJ).

No entanto, o Superior Tribunal de Justiça manteve o seu posicionamento anterior e continuou negando efeito suspensivo ao recurso especial, determinando a expedição de mandado de prisão após a publicação da sentença condenatória (HC 125187/SP; HC 114653/DF).

Agora, com a reprodução da regra do artigo 5º, LVII, da Constituição da República pelo Código de Processo Penal, parece prevalecer o posicionamento adotado pela Suprema Corte. Logo, para que se possa “executar provisoriamente” a pena descrita na sentença condenatória, dever-se-á invocar algum dos requisitos autorizadores da prisão cautelar, como se

7 Idem, Ibidem, p. 9.8 Idem, Ibidem, p. 10.

abordará mais adiante, no estudo do artigo 311.

§ 1o As medidas cautelares previstas neste Título não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade.

Nesse dispositivo, o legislador apenas materializa o princípio da proporcionalidade, posto que a gravidade dos delitos aos quais não se comina pena privativa de liberdade não é suficiente a ensejar a necessidade de se aplicar alguma espécie de medida cautelar.

Eugênio Pacelli aduz ainda que a prisão preventiva não é cabível em relação aos crimes culposos (fazendo ressalva quanto à hipótese do parágrafo único do artigo 313), bem como nos casos previstos na Lei n° 9.099/95, vejamos:

Com redobradas razões, não se imporá a prisão preventiva e nem mesmo qualquer outra medida cautelar nas infrações consideradas de menor potencial ofensivo, segundo assim dispuser a respectiva Lei 9.099/95, no âmbito dos Juizados Especiais Criminais. É que ali o processo se orienta pela informalidade e pela pacificação do conflito, ostentando, portanto, natureza conciliatória. Por fim, pensamos que, para as infrações penais para as quais sejam cabíveis e (Desde que) aceitas as hipóteses de suspensão condicional do processo, tais como previstas no art. 89 da Lei 9.099/95, não se poderá recorrer às novas medidas cautelares. E assim nos parece porque a suspensão do processo, em si, já determina a ausência de necessidade de preservação da efetividade do processo. 9

§ 2o A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio.

Art. 289. Quando o acusado estiver no território nacional, fora da jurisdição do juiz processante, será deprecada a sua prisão, devendo constar da precatória o inteiro teor do mandado. § 1o Havendo urgência, o juiz poderá requisitar a prisão por qualquer meio de comunicação, do qual deverá constar o motivo da prisão, bem como o valor da fiança se arbitrada.

Trata-se de mera adequação do Código de Processo Penal ao contexto social, diante do fato de que os meios de comunicação mais eficazes atualmente estão muito distantes do telegrama, antes de grande utilidade.

§ 2o A autoridade a quem se fizer a requisição tomará as precauções necessárias para averiguar a autenticidade da comunicação.

9 PACELLI, E. op. cit., p. 15.

§ 3o O juiz processante deverá providenciar a remoção do preso no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da efetivação da medida.

Quanto ao § 3º, pode-se imaginar que muito se falará acerca da reserva do possível, em virtude do estabelecimento do prazo de trinta dias para que se providencie a remoção do preso. É certo que o Estado conta com inúmeras deficiências (sejam financeiras, pessoais ou de outro cunho) e, muitas vezes, não se pode cumprir à risca o que estabelece a legislação. Todavia, há de se cuidar para não confundir reserva do possível com conveniência para determinados administradores públicos e motivos meramente políticos.

Veja-se que o texto legal em questão limita-se a fixar um prazo para que o juiz proceda à locomoção do preso ao local da jurisdição à qual se reporta, silenciando quanto às consequências do não atendimento da medida.

Daí o motivo pelo qual se socorre à reserva do possível, na medida em que o fato de não se remover o preso no prazo legalmente estipulado não enseja, necessariamente, na sua soltura.

Todavia, mesmo que se alegue um eventual excesso de prazo, a própria jurisprudência já sedimentou posicionamento no sentido de que a complexidade do procedimento, ato procrastinatório do preso ou, ainda, outros motivos alheios à atividade jurisdicional propriamente dita, não ensejam, por si só, a soltura imediata do preso.

Nesse sentido:

EXCESSO DE PRAZO. RAZOABILIDADE. AÇÃO PENAL COMPLEXA. PLURALIDADE DEACUSADOS. ATUAÇÃO CRIMINOSA QUE DEMANDA ALTO GRAU DE ORGANIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE DESÍDIA DO ESTADO-JUIZ. CONSTRANGIMENTO NÃO EVIDENCIADO.1. O maior tempo necessário à formação da culpa encontra-se justificado pela complexidade do processo deflagrado contra os pacientes, dada a forma estruturada como agia a quadrilha supostamente voltada ao narcotráfico, bem como a pluralidade de acusados. Ausente, também, desídia da autoridade judiciária na condução do feito, que, apesar das vicissitudes que as particularidades do caso lhe impõem, tem procurado imprimir regular andamento à ação penal, cuja última audiência foi realizada no dia 18.11.2010.2. Ordem denegada.10

O prazo determinado parece subsistir com o intuito de favorecer a instrução criminal no juízo de origem, ao mesmo tempo em que visa a dar efetividade a uma das garantias individuais da pessoa do preso, evitando-se, dessa feita, excessos por parte do Estado, ao permitir, em tese, que fique próximo

10 STJ: HC 177405/SP, Ministro JORGE MUSSI, DJe 28/02/2011.

do seu domicílio.

Art. 299. A captura poderá ser requisitada, à vista de mandado judicial, por qualquer meio de comunicação, tomadas pela autoridade, a quem se fizer a requisição, as precauções necessárias para averiguar a autenticidade desta.

Art. 300. As pessoas presas provisoriamente ficarão separadas das que já estiverem definitivamente condenadas, nos termos da lei de execução penal. Parágrafo único. O militar preso em flagrante delito, após a lavratura dos procedimentos legais, será recolhido a quartel da instituição a que pertencer, onde ficará preso à disposição das autoridades competentes.

Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.

Importante alteração consta do artigo 306, que determina a comunicação imediata ao Ministério Público da prisão de qualquer pessoa e do local onde se encontra, não sendo necessário aguardar a remessa dos autos pelo Poder Judiciário a fim de que se manifeste.

Cumpre ressaltar que a medida já era prevista na Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Santa Catarina (Lei Complementar 197/2000):

Art. 82. São funções institucionais do Ministério Público, nos termos da legislação aplicável:(...)§ 2º A prisão de qualquer pessoa, por parte de autoridade policial estadual, deverá ser comunicada imediatamente ao membro do Ministério Público que tenha atribuição para apreciá-la, com indicação do lugar onde se encontra o preso e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão.

§ 1o Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública. § 2o No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas.

Eugênio Pacelli critica, quanto a esse artigo, o fato de não se exigir a remessa de cópia também ao Ministério Público11, bem como a comunicação da Defensoria Pública apenas caso o autuado não informe o

11 Idem, Ibidem, p. 47.

nome de seu advogado no momento da prisão.

Não vemos, contudo, razão em tais críticas. No que concerne à remessa de cópias ao Ministério Público, porque, assim que remetidas ao magistrado, tais cópias serão encaminhadas ao membro do Ministério Público para manifestação, o qual já terá sido comunicado da prisão. Não se vislumbra, desta forma, prejuízo; muito pelo contrário, seria mera burocracia e desperdício de material. No tocante à comunicação da Defensoria Pública, de fato, só se faz necessária quando o indiciado não defina seu próprio defensor imediatamente, o que justifica a revogação implícita do disposto na Lei n° 11.449/07 (em SC, a comunicação é direcionada à OAB/SC, por inexistir a Defensoria Pública instituída).

Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: I - relaxar a prisão ilegal; ou II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

Na realidade, a necessidade de se constatarem os requisitos da prisão preventiva a fim de manter a prisão em flagrante não se trata de novidade, pois, mesmo antes das alterações, o parágrafo único do artigo 310 já trazia essa disposição. Com a nova lei, a determinação vem de forma mais clara e se estabelece, ainda, a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva (alterando apenas a nomenclatura da prisão em flagrante quando mantida, o que na prática, muitas vezes, já vinha sendo feito, ao se considerar a prisão em flagrante uma espécie pré-cautelar).

III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação.

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

Com a atual redação do artigo 311, a prisão preventiva pode ser decretada em qualquer fase do processo, o que certamente inclui a sentença

condenatória, remediando, de certa forma, a impossibilidade de se executar provisoriamente a condenação criminal, conforme tratado anteriormente.

Assim, se existentes os motivos da segregação cautelar, mesmo que surgidos supervenientemente, até mesmo no momento da sentença, a execução provisória da pena será possível. Não procederá, nessa hipótese, a alegação de afronta ao art. 5º, LVII, da Constituição da República, porquanto a prisão será cautelar, de natureza processual e, portanto, precária. Caso revista a decisão recorrida, a liberdade do preso será imediatamente levada a efeito.

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).

A redação do caput do artigo 312 foi mantida, motivo pelo qual não se adentrará em qualquer possível discussão a seu respeito. Incluiu-se apenas o parágrafo único, que permite a decretação da prisão preventiva também em caso de descumprimento de outras medidas cautelares, em razão de sua inclusão no Código de Processo Penal.

Trata-se, na verdade, de medida coercitiva objetivando o cumprimento da determinação imposta. Nem sempre o simples descumprimento da medida cautelar autorizará a prisão provisória, devendo estar presentes os requisitos para a sua imposição.

O dispositivo em comento demonstra coerência, porquanto denota o caráter subsidiário da segregação cautelar, consagrando a restrição da liberdade como medida extremamente excepcional. Logo, uma vez intentado outro meio de assegurar o desenvolvimento regular do processo, revelando-se ineficaz pela própria ação do acusado, é facultado ao juiz decretar sua prisão.

Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;

A hipótese geral de decretação de prisão preventiva restringiu de forma considerável a possibilidade de se recorrer a essa espécie de medida cautelar, bastando, antes, que ao crime fosse prevista pena de reclusão, in

verbis:

Art. 313. Em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos: I - punidos com reclusão;

Considerando que se trata de uma norma de direito processual, cuja aplicação é imediata, vislumbra-se a hipótese de revogação das prisões sob a égide da regra antiga, quando não inseridas na hipótese prevista no inciso I, do art. 313. Isso porque o "princípio do tempus regit actum" tem dois efeitos: a) os atos processuais realizados sob a lei anterior se consideram válidos; b) as normas processuais têm aplicação imediata.12

II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;

O segundo inciso repete redação anterior, adequando apenas o artigo do Código Penal a que faz referência, veja-se:

III - se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 46 do Código Penal.

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;

Nesse caso, o legislador ampliou as possibilidades de segregação preventiva, não mais se restringindo à violência doméstica e familiar contra a mulher (IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência) e abrangendo também crianças, adolescentes, idosos e pessoas portadoras de deficiência.

O dispositivo em questão valorou o critério subjetivo em detrimento do fato típico em si, elevando a condição de hipossuficiência da vítima como elemento ensejador da prisão, o que já era previsto na norma revogada, mas restrito ao gênero feminino, nos casos de violência doméstica.

IV - (revogado). Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou

12 FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. Niterói, RJ: Impetus, 2009, p. 113.

quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

A prisão preventiva em caso de dúvida quanto à identidade civil da pessoa já era prevista no antigo inciso II do artigo em comento (II - punidos com detenção, quando se apurar que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la), o qual, contudo, trazia também a previsão de aplicação da medida cautelar a indiciado vadio (em expressa contradição com a Constituição Federal), excluída na nova redação. Ademais, o legislador agora determinou a imediata colocação em liberdade do preso que seja identificado.

Flávio Martins, em artigo a respeito das alterações legais 13, afirma (equivocadamente) que a possibilidade de se decretar a prisão preventiva em caso de dúvida sobre a identidade do agente é novidade na legislação brasileira e argumenta:

Nesse caso, parece ter sido revogada parcialmente a lei de prisão temporária (lei 7.960/89) que permitia a prisão temporária em caso de não conhecimento da identidade do agente. Em vez de prisão temporária, agora pode ser decretada a prisão preventiva. 14

Ocorre que, como já se mencionou, o antigo inciso II do artigo 313 já trazia essa previsão, sem entrar em conflito com a lei que prevê a prisão temporária, tendo em vista se tratarem de situações distintas. Veja-se o que estabelece a Lei ° 7.960/89:

Artigo 1° - Caberá prisão temporária:[...]II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);

13 Disponível em www.professorflaviomartins.com.br. 14 Ibidem, p. 10.

h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único);i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n. 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n. 6.368, de 21 de outubro de 1976);o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n. 7.492, de 16 de junho de 1986).Artigo 2° - A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.[...]

Assim, destaca-se que a prisão temporária só é permitida quando cometido um dos crimes arrolados no inciso III e pelo prazo previsto no artigo 2º. Ademais, os trâmites para sua decretação são distintos, não se exigindo, por exemplo, o contraditório. Portanto, entende-se que a prisão temporária em virtude da não identificação do agente não foi revogada pela Lei n° 12.403/11.

Art. 314. A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.

O artigo 314 apenas adequou a referência feita aos artigos do Código Penal (A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições do art. 19, I, II ou III, do Código Penal).

Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada.

Sabe-se que a regra no processo penal, ao contrário do que ocorre no processo civil através do recurso de agravo, é da irrecorribilidade das decisões interlocutórias. Daí o rol taxativo elencado no artigo 581 do Código de Processo Penal, que prevê as hipótese de ‘exceção’ para o cabimento do recurso em sentido estrito.

Assim, muito embora o legislador tenha alterado a redação do artigo, substituindo a expressão despacho por decisão, em tese, dentro da

sistemática do Código de Processo Penal vigente, a mudança do texto normativo não repercutirá para efeito de impugnação, porquanto tal hipótese já consta no rol taxativo do artigo 581.

CAPÍTULO IVDA PRISÃO DOMICILIARArt. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.

A possibilidade de se recolher o indiciado em sua própria residência já era prevista no artigo 117 da Lei n° 7.210/84 (Lei de Execução Penal), em caráter de excepcionalidade, em determinados casos de beneficiários em regime aberto (Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de [...]).

No entanto, de forma geral, o Código de Processo Penal ampliou as exigências a fim de que o preventivamente preso possa também se recolher em sua residência.

Deve-se atentar para a presente questão, pois ela pode servir como um subterfúgio para desafogar o saturado sistema carcerário nacional, como vem ocorrendo no âmbito da execução penal.

Cumpre destacar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento no sentido da possibilidade da prisão domiciliar, mesmo quando não presentes as exigências da LEP, em caso de indisponibilidade de casa do albergado, ou outro local semelhante, apta a abrigar os presos no regime aberto. Vejamos:

EXECUÇÃO PENAL. RECURSO ESPECIAL. REGIME ABERTO. INEXISTÊNCIA DE VAGA NO ESTABELECIMENTO ADEQUADO. POSSIBILIDADE DA PRISÃO DOMICILIAR ATÉ A LIBERAÇÃO DE VAGA. RECURSO NÃO-PROVIDO.1. Sendo deferida ao paciente a progressão ao regime aberto, não pode ser ele compelido a aguardar, em Penitenciária local, o surgimento de vaga em Casa do Albergado. Precedentes.2. Recurso não-provido.15

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO PARA O REGIME PRISIONAL ABERTO. INEXISTÊNCIA DE VAGA EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL ADEQUADO. DESVIO DE FINALIDADE DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO PROVIDO.1. Configura constrangimento ilegal ao jus libertatis, sanável pela via do habeas corpus, o cumprimento de pena em condições mais rigorosas que as estabelecidas pelo juízo sentenciante ou pelo juízo das execuções penais.2. É dever do Poder Público promover a efetividade da resposta penal, na

15 REsp 1112990/RS, Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe 16/11/2009.

dupla perspectiva da prevenção geral e especial; entretanto, não se podem exceder os limites impostos ao cumprimento da condenação, sob pena de desvio da finalidade da pretensão executória.3. Inexistindo vaga em casa de albergado, mostra-se possível, em caráter excepcional, permitir ao sentenciado, a quem se determinou o cumprimento da reprimenda em regime aberto, o direito de recolher-se em prisão domiciliar. Precedentes: STF – HC 95.334/RS, Rel. p/ Acórdão Min. MARCO AURÉLIO; STJ – REsp 1.112.990/RS, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA; STJ – HC 97.940/RS, Rel. Min. LAURITA VAZ; STJ – RHC 12.470/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ.4. Recurso provido para determinar o cumprimento da pena pelo Recorrente em regime domiciliar, enquanto não existir vaga em estabelecimento prisional compatível com o regime aberto.16

Seguindo essa lógica, a prisão domiciliar poderá se transformar em regra geral para o cumprimento da cautelar, pois, como sabido, o preso provisório não poderá ficar segregado junto aos condenados. No entanto, é público e notório que, diante da debilidade do sistema carcerário nacional, a realidade é justamente o contrário, sendo bastante comum a convivência de presos condenados com provisório no mesmo local.

Importa salientar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça só permite a concessão da prisão domiciliar nos casos em que o Estado não disponibilize local apropriado para o cumprimento da pena, ou seja, casa do albergado ou espaço semelhante apto a abrigar os presos durante o repouso noturno de forma a mantê-los separados dos demais detentos que cumprem pena em regime mais gravoso. Casos de superlotação, por exemplo, não justificam a medida.

Nesse sentido:

CRIMINAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. PRISÃO DOMICILIAR. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 117 DA LEP. SUPERLOTAÇÃO DO SISTEMA CARCERÁRIO. ARGUMENTAÇÃO INSUFICIENTE. PRECEDENTES DO STJ. ORDEM DENEGADA.I. Salvo raras exceções, o benefício da prisão domiciliar só deve ser concedido aos apenados que preencherem os requisitos contidos no art. 117 da Lei de Execução Penal.II. O problema da superlotação carcerária, enfrentado pelo Estado, não se mostra apto a justificar a concessão da benesse em comento.III. Precedentes do STJ.IV. Ordem denegada.17

Observada essa grave constatação, vejamos separadamente cada uma das hipóteses:

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:

16 STJ: RHC 25846/MG, Ministra LAURITA VAZ, DJe 06/12/2010. 17 STJ: HC 168637/RS, Ministro GILSON DIPP, DJe 06/12/2010.

I - maior de 80 (oitenta) anos;

Note-se que o Código de Processo Penal foi mais criterioso com relação a essa hipótese, restringindo a possibilidade de cumprimento da prisão cautelar na modalidade domiciliar aos maiores de 80 anos. A regra pré-existente, prevista na Lei de Execução Penal, permite que o beneficiário de regime aberto passe a usufruir do regime domiciliar já com 70 (setenta) anos de idade (inciso I).

II - extremamente debilitado por motivo de doença grave;

Quanto à doença grave, na execução penal basta o condenado estar acometido por ela, não havendo necessidade de que se mostre extremamente debilitado em razão disso (inciso II).

III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;

Trata-se da hipótese em que o Código de Processo Penal mais destoa da Lei de Execução Penal (III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental), podendo-se aventar, inclusive, um excesso de rigor quanto à idade da pessoa que precise de cuidados especiais. Não se pode cogitar a hipótese de que uma criança de sete anos possua independência bastante para não precisar de cuidados especiais do pai, da mãe ou de quem quer que por ela seja responsável. Por outro lado, acertou o legislador ao não restringir o regime domiciliar à mulher, especialmente diante da nova concepção de entidade familiar.

IV - gestante a partir do 7o (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.

Também nesse caso o Código Penal restringiu as possibilidades, permitindo o recolhimento residencial apenas a partir do sétimo mês (não bastando ser gestante) ou em caso de gravidez de alto risco.

Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.

Mais uma vez, denota-se aí a preocupação do legislador em tornar o benefício da prisão cautelar domiciliar mais dificultosa, enaltecendo expressamente o seu caráter subsidiário, o que, esperamos, modifique o tom da jurisprudência nacional, que acabou por banalizar a presente medida no âmbito da Lei de Execução Penal.

Portanto, a exigência da prova idônea da condição prevista pelo dispositivo em comento evidencia a taxatividade do elenco dos requisitos autorizadores da benesse, o que demonstra que tal dispositivo não poderá ser

usado como uma sedutora medida para, por vias tortas, desafogar o sistema carcerário, a grande dor de cabeça do nosso sistema penal.

CAPÍTULO VDAS OUTRAS MEDIDAS CAUTELARESArt. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;

A medida cautelar prevista no inciso III merece destaque por caracterizar um aprimoramento do que a Lei n° 11.340/06 (Lei Maria da Penha) implementou. De fato, não se pode restringir tal provisão acautelatória a casos em que a vítima seja mulher, motivo pelo qual andou bem o legislador ao determinar que o acusado permaneça distante de pessoa específica em razão de circunstâncias ligadas ao fato investigado. Podem-se aplicar, portanto, as mesmas regras utilizadas no cumprimento da medida protetiva prevista no artigo 22, III, da Lei Maria da Penha.

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;

Cuida-se, nesse caso, de uma espécie de prisão domiciliar parcial, tendo em vista que se restringe ao período noturno e aos dias de folga. Da mesma forma que pode ocorrer com a prisão domiciliar, é permitida a sua cumulação com a monitoração eletrônica (salientando que não se trata exclusivamente de tornozeleiras, mas de inúmeros métodos que podem ser utilizados a fim de confirmar a localização do investigado ou do acusado, conforme se abordará adiante).

De acordo com a obra de Eugênio Pacelli, apesar de o Código de Processo Penal não fazer essa exigência, o recolhimento domiciliar é mais adequado como substitutivo da prisão em flagrante, não anterior à decretação da prisão preventiva 18. Defende, ainda, que o tempo de seu cumprimento deve ser levado em consideração para fins de detração da pena, posicionamento com o qual não concordamos, tendo em vista a natureza muito mais branda do recolhimento domiciliar parcial. 18 PACELLI, E. op. cit., p. 20.

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;

A questão, nesse aspecto, é muito mais fácil de se operacionalizar quando se fala em função pública, tendo em vista que devem ser aplicados as noções de direito administrativo.

Todavia, o conceito e a abrangência de atividade de natureza econômica ou financeira são de difícil definição, podendo dar margem a restrições arbitrárias ou permissões indevidas. Frise-se que não se trata de direito civil, no qual conceitos abertos são úteis à adequação da legislação às condições em que se encontra a sociedade, mas de direito processual penal, em que todas as regras devem ser bem delineadas a fim de evitar discricionariedades indevidas.

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;

Não há muito o que falar com relação ao inciso VII, que prevê apenas a medida de segurança preventiva, equivalente à prisão, desde que comprovada a inimputabilidade (ou semi-imputabilidade) e o risco de cometer novo ato criminoso com violência ou grave ameaça. Destaque-se que a redação do artigo não exige que a violência seja praticada contra a pessoa, mas parece ser esta a interpretação mais razoável, devendo-se aguardar manifestações doutrinárias e jurisprudenciais a respeito.

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;

A fiança foi incluída no rol das medidas cautelares processuais penais. Contudo, não nos parece que tal nomenclatura (mesmo que, na prática, o instituto continue a funcionar da mesma maneira) seja adequada. Da forma colocada pelo legislador, parece que a regra é a prisão preventiva, sendo exceção a fiança (justamente tida como cautelar). É paradoxal em relação ao restante da lei, que visou a tratar a liberdade como regra e a segregação como última alternativa. A fiança nos parece, na verdade, uma forma de suspender uma cautelar processual penal, não uma cautelar em si.

IX - monitoração eletrônica.

A Lei de Execução Penal, em 2010, passou a prever a possibilidade de monitoração eletrônica nas hipóteses de prisão domiciliar e de saída temporária em regime semiaberto (artigos 146-B a 146-D). O Código de Processo Penal, agora, ampliou o rol de casos em que a monitoração é permitida e, até mesmo, recomendada. É importante, novamente, destacar que a monitoração eletrônica não se restringe ao uso de pulseiras ou tornozeleiras, mas pode ser feita também através de contatos virtuais em determinados horários, dentre outras hipóteses.

Nesse sentido, Eugênio Pacelli menciona o sistema americano:

[…] o monitoramento pode ser feito de duas maneiras.Na primeira, denominado monitoramento ativo, é colocado junto ao monitorado um aparelho transmissor ligado a um computador central. Isso pode ser feito da maneira que menos danos cause à pessoa, no que toca à visibilidade da medida, permitindo maior mobilidade do usuário.Na segunda, monitoramento passivo, um computador é programado para efetuar chamadas telefônicas para determinado local, procedendo à conferência eletrônica do reconhecimento de voz e emitindo um relatório das ocorrências. A constatação da presença do monitorado no local pode também ser feita por meio de uma pulseira ou tornozeleira eletrônica. Nesses casos, a medida impõe também o recolhimento domiciliar em determinados horários. 19

Deve-se lembrar, ainda, que, em virtude do caráter excepcional da medida, o monitorado deve aderir à sua realização, certamente, sob pena de se lhe aplicar outra medida cautelar, que pode vir a ser ainda mais gravosa, como a prisão preventiva.

§ 1o (Revogado). § 2o (Revogado). § 3o (Revogado). § 4o A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título, podendo ser cumulada com outras medidas cautelares.

Seguindo o raciocínio aplicado pelo legislador durante toda a redação legal, o § 4º admite a cumulação da fiança (considerada medida cautelar) com outras medidas cautelares.

Art. 320. A proibição de ausentar-se do País será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.

19 Idem, Ibidem, pp. 22-23.

Não obstante não conste no rol do artigo 319, a proibição de se ausentar do país é mais uma das medidas cautelares incluídas pela Lei n° 12.403/11.

Art. 321. Ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código e observados os critérios constantes do art. 282 deste Código. I - (revogado) II – (revogado)Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos. Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.

Destaca-se que foi ampliado o poder da autoridade policial para conceder fiança, não mais se restringindo aos casos cuja pena prevista fosse de detenção ou prisão simples (antiga redação: a autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração punida com detenção ou prisão simples).

É necessário salientar, contudo, que também nos casos de flagrante de crime inafiançável (inafiançabilidade material-constitucional) não será possível o arbitramento de fiança, mesmo que a pena máxima privativa de liberdade não seja superior a 4 (quatro) anos e não estejam presentes nenhuns dos requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva.

Art. 323. Não será concedida fiança: I - nos crimes de racismo;II - nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos; III - nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;IV - (revogado); V - (revogado).

Com as alterações promovidas no Código de Processo Penal, não há mais a previsão de crime inafiançável pela quantidade da pena imposta, o que, de certa forma, o parágrafo único do artigo 310 já dispunha. Adequa-se a redação do artigo 323 ao que estabelece a Constituição Federal no artigo 5º, XLII, XLIII e XLIV.

Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança: I - aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer

das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código; II - em caso de prisão civil ou militar; III - (revogado); IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).

Art. 325. O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder nos seguintes limites: a) (revogada); b) (revogada); c) (revogada). I - de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a 4 (quatro) anos; II - de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a 4 (quatro) anos. § 1o Se assim recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá ser: I - dispensada, na forma do art. 350 deste Código; II - reduzida até o máximo de 2/3 (dois terços); ou III - aumentada em até 1.000 (mil) vezes. § 2o (Revogado): I - (revogado); II - (revogado); III - (revogado).

Nesse caso, ocorreu um aumento significativo no valor da fiança a ser arbitrada, especialmente no tocante à possibilidade de aumento em virtude da situação econômica do preso, a fim de não tornar o instituto inócuo em determinadas situações.

Diante da banalização da fiança, constituindo-se, na prática, uma verdadeira baliza à prisão cautelar, este dispositivo ganha importância como um instrumento apto a inibir a sensação de impunidade pelo Estado.

Logo, os agentes que detêm legitimidade para a fixação do valor a ser arbitrado na fiança deverão olhar com bastante critério o dispositivo em análise, até mesmo por uma questão de prevenção às práticas delituosas.

Art. 334. A fiança poderá ser prestada enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória.

Art. 335. Recusando ou retardando a autoridade policial a concessão da fiança, o preso, ou alguém por ele, poderá prestá-la, mediante simples petição, perante o juiz competente, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.

A mudança ocorrida no artigo 335 diz respeito à ausência de necessidade de ouvir previamente a autoridade policial que tenha recusado ou retardado a concessão da fiança e ao prazo de 48 (quarenta e oito) horas para que o juiz competente profira sua decisão.

Ganha-se em celeridade, não há dúvidas quanto a isso. No entanto, deixa a desejar quanto à efetividade, porquanto a opinião de quem acompanhou a prisão e todos os detalhes que a envolvem, tornou-se dispensável, ficando a decisão à mercê do magistrado, que na prática pouco sabe sobre as circunstâncias do ato. Mais uma amostra da intenção do legislador em dificultar a prisão cautelar.

Art. 336. O dinheiro ou objetos dados como fiança servirão ao pagamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa, se o réu for condenado. Parágrafo único. Este dispositivo terá aplicação ainda no caso da prescrição depois da sentença condenatória (art. 110 do Código Penal).

A única modificação é atinente à inclusão da prestação pecuniária como destino do valor pago a título de fiança.

Art. 337. Se a fiança for declarada sem efeito ou passar em julgado sentença que houver absolvido o acusado ou declarada extinta a ação penal, o valor que a constituir, atualizado, será restituído sem desconto, salvo o disposto no parágrafo único do art. 336 deste Código.

Art. 341. Julgar-se-á quebrada a fiança quando o acusado: I - regularmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer, sem motivo justo; II - deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do processo; III - descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança; IV - resistir injustificadamente a ordem judicial; V - praticar nova infração penal dolosa.

A antiga redação do artigo 341 (Julgar-se-á quebrada a fiança quando o réu, legalmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer, sem provar, incontinenti, motivo justo, ou quando, na vigência da fiança, praticar outra infração penal) abrangia apenas as previsões atualmente constantes dos incisos I e V. Assim, obstruir o andamento do processo, descumprir medida cautelar ou resistir a ordem judicial são novos motivos de quebramento de fiança.

Art. 343. O quebramento injustificado da fiança importará na perda de metade do seu valor, cabendo ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou, se for o caso, a

decretação da prisão preventiva.

A alteração significativa do artigo 343 (antiga redação: o quebramento da fiança importará a perda de metade do seu valor e a obrigação, por parte do réu, de recolher-se à prisão, prosseguindo-se, entretanto, à sua revelia, no processo e julgamento, enquanto não for preso) diz respeito à ausência de obrigação de o réu recolher-se à prisão, permitindo-se a imposição de outras medidas cautelares e, apenas como última alternativa, a decretação da prisão preventiva.

Art. 344. Entender-se-á perdido, na totalidade, o valor da fiança, se, condenado, o acusado não se apresentar para o início do cumprimento da pena definitivamente imposta.

Art. 345. No caso de perda da fiança, o seu valor, deduzidas as custas e mais encargos a que o acusado estiver obrigado, será recolhido ao fundo penitenciário, na forma da lei.

Art. 346. No caso de quebramento de fiança, feitas as deduções previstas no art. 345 deste Código, o valor restante será recolhido ao fundo penitenciário, na forma da lei.

Art. 350. Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 deste Código e a outras medidas cautelares, se for o caso.

Nesse caso, novamente, a única inovação diz respeito à possibilidade de aplicar outras medidas cautelares, quando necessárias e adequadas ao caso concreto de concessão de liberdade provisória.

Parágrafo único. Se o beneficiado descumprir, sem motivo justo, qualquer das obrigações ou medidas impostas, aplicar-se-á o disposto no § 4o do art. 282 deste Código.

Art. 439. O exercício efetivo da função de jurado constituirá serviço público relevante e estabelecerá presunção de idoneidade moral.

Com o advento da Lei n° 12.403/11, a função de jurado deixa de dar direito a prisão especial, passando a conceder apenas o status de “moralmente idôneo por presunção”.

Antes de passar ao que prevê o artigo 2º da Lei 12.403/11, é importante fazer algumas considerações.

Inicialmente, cabe destacar que a medida cautelar não tem um prazo pré-determinado, mas deve perdurar enquanto presentes os requisitos que ensejaram a sua decretação.

Ademais, deve ser revogada em caso de sentença absolutória, rejeição da denúncia, absolvição sumária e arquivamento de inquérito.

Por fim, impende definir qual o recurso cabível da decisão que decretar a aplicação de uma medida cautelar. De acordo com Eugênio Pacelli, certamente se tentará a impetração de habeas corpus contra a imposição de medida cautelar, ao fundamento de risco mediato à liberdade de locomoção, dado que, uma vez descumprida aquela (cautelar) será possível a preventiva 20. O autor defende, assim, o cabimento de recurso em sentido estrito quanto à aplicação de qualquer das medidas cautelares previstas nos artigos 319 e 320 do Código de Processo Penal.

Não se pode concordar com tal posicionamento, tendo em vista o fato de ser o rol do artigo 581 (que prevê o recurso em sentido estrito) exaustivo, não exemplificativo. Assim, apenas quanto às hipóteses não abarcadas pelo artigo 581, a única solução seria, de fato, a impetração de habeas corpus. Mesmo na hipótese do inciso VI do artigo 319, que trata da suspensão do exercício de atividade ou função, se descumprida a ordem, poderá importar em sua conversão em prisão, motivo pelo qual cabível habeas corpus preventivo.

Prosseguindo na análise das alterações, o artigo 2º da Lei n° 12.403/11 acresceu ao Código de Processo Penal o artigo 289-A. Vejamos:

Art. 289-A. O juiz competente providenciará o imediato registro do mandado de prisão em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça para essa finalidade. § 1o Qualquer agente policial poderá efetuar a prisão determinada no mandado de prisão registrado no Conselho Nacional de Justiça, ainda que fora da competência territorial do juiz que o expediu. § 2o Qualquer agente policial poderá efetuar a prisão decretada, ainda que sem registro no Conselho Nacional de Justiça, adotando as precauções necessárias para averiguar a autenticidade do mandado e comunicando ao juiz que a decretou, devendo este providenciar, em seguida, o registro do mandado na forma do caput deste artigo. § 3o A prisão será imediatamente comunicada ao juiz do local de cumprimento da medida o qual providenciará a certidão extraída do registro do Conselho Nacional de Justiça e informará ao juízo que a decretou. § 4o O preso será informado de seus direitos, nos termos do inciso LXIII do art. 5o da Constituição Federal e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, será comunicado à Defensoria Pública. § 5o Havendo dúvidas das autoridades locais sobre a legitimidade

20 Idem, Ibidem, p. 31.

da pessoa do executor ou sobre a identidade do preso, aplica-se o disposto no § 2o do art. 290 deste Código. § 6o O Conselho Nacional de Justiça regulamentará o registro do mandado de prisão a que se refere o caput deste artigo.

Introduziu-se, assim, um banco de mandados de prisão, a ser mantido pelo Conselho Nacional de Justiça, devendo a comunicação da prisão ser feita ao juiz que expediu o mandado e ao magistrado que exerça suas funções no local em que foi realizada a prisão, a fim de providenciar certidão extraída do registro no CNJ.

O artigo 4º da Lei em análise revogou, ainda, diversos dispositivos do Código de Processo Penal:

Art. 4o São revogados o art. 298, o inciso IV do art. 313, os §§ 1o a 3o do art. 319, os incisos I e II do art. 321, os incisos IV e V do art. 323, o inciso III do art. 324, o § 2o e seus incisos I, II e III do art. 325 e os arts. 393 e 595, todos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal.

Alguns dos artigos acima citados foram revogados em virtude da incompatibilidade com a nova redação do Código de Processo Penal, outros em razão da necessidade de adequar a legislação instrumental à Constituição de 1988, que consagra o princípio da não culpabilidade, dentre outros antes ignorados pelo legislador.

Passemos, para maior esclarecimento, à análise de cada dispositivo (saliente-se que o que está entre colchetes não foi revogado, mas consta do quadro apenas para facilitar a compreensão):

Art. 298. Se a autoridade tiver conhecimento de que o réu se acha em território estranho ao da sua jurisdição, poderá, por via postal ou telegráfica, requisitar a sua captura, declarando o motivo da prisão e, se afiançável a infração, o valor da fiança.

Diante da criação de um banco nacional de mandados de prisão, por meio do Conselho Nacional de Justiça, o artigo 298 se tornou inócuo, não havendo necessidade para que se proceda à requisição de captura por via postal ou telegráfica (meios também já ultrapassados).

[Art. 313. Em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos:]IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.

Nesse caso, não se trata exatamente de revogação, tendo em vista que o conteúdo do referido inciso foi apenas deslocado para o inciso III do artigo 313.

[Art. 319. A prisão administrativa terá cabimento:]§ 1o A prisão administrativa será requisitada à autoridade policial nos casos dos ns. I e III, pela autoridade que a tiver decretado e, no caso do no II, pelo cônsul do país a que pertença o navio.§ 2o A prisão dos desertores não poderá durar mais de três meses e será comunicada aos cônsules.§ 3o Os que forem presos à requisição de autoridade administrativa ficarão à sua disposição.

A prisão administrativa, cuja constitucionalidade e vigência após o advento da Constituição Federal de 1988 já vinha sendo por muitos questionada, foi expressamente revogada, extirpando a discussão outrora existente e respeitando o que estabelece o artigo 5º, LXI, da Carta Magna.

[Art. 321. Ressalvado o disposto no art. 323, III e IV, o réu livrar-se-á solto, independentemente de fiança:]I - no caso de infração, a que não for, isolada, cumulativa ou alternativamente, cominada pena privativa de liberdade;II - quando o máximo da pena privativa de liberdade, isolada, cumulativa ou alternativamente cominada, não exceder a três meses.

[Art. 323. Não será concedida fiança:]IV - em qualquer caso, se houver no processo prova de ser o réu vadio; V - nos crimes punidos com reclusão, que provoquem clamor público ou que tenham sido cometidos com violência contra a pessoa ou grave ameaça. (Incluído pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977)

Adequa-se, desta forma, o Código de Processo Penal aos princípios constitucionais vigentes, excluindo as noções de vadio e clamor público como motivo para manter a segregação do acusado ou indiciado.

[Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança:]III - ao que estiver no gozo de suspensão condicional da pena ou de livramento condicional, salvo se processado por crime culposo ou contravenção que admita fiança;

O inciso III do artigo 324 foi revogado por se mostrar incompatível com a intenção do legislador de respeitar o princípio da presunção de inocência.

[Art. 325. O valor da fiança será fixado pela autoridade que a

conceder nos seguintes limites:] § 2o Nos casos de prisão em flagrante pela prática de crime contra a economia popular ou de crime de sonegação fiscal, não se aplica o disposto no art. 310 e parágrafo único deste Código, devendo ser observados os seguintes procedimentos: (Incluído pela Lei nº 8.035, de 27.4.1990)I - a liberdade provisória somente poderá ser concedida mediante fiança, por decisão do juiz competente e após a lavratura do auto de prisão em flagrante; (Incluído pela Lei nº 8.035, de 27.4.1990)Il - o valor de fiança será fixado pelo juiz que a conceder, nos limites de dez mil a cem mil vezes o valor do Bônus do Tesouro Nacional - BTN, da data da prática do crime; (Incluído pela Lei nº 8.035, de 27.4.1990)III - se assim o recomendar a situação econômica do réu, o limite mínimo ou máximo do valor da fiança poderá ser reduzido em até nove décimos ou aumentado até o décuplo. (Incluído pela Lei nº 8.035, de 27.4.1990)

Não se trata propriamente de revogação, mas de deslocamento para os incisos e o § 1º do artigo 325.

Art. 393. São efeitos da sentença condenatória recorrível:I - ser o réu preso ou conservado na prisão, assim nas infrações inafiançáveis, como nas afiançáveis enquanto não prestar fiança;II - ser o nome do réu lançado no rol dos culpados.

Nesse caso, parece desarrazoada a revogação inciso I, haja vista que, se o acusado respondeu ao processo preso, estavam desde então presentes os requisitos da prisão preventiva. Não se deveria fazer necessário que, em toda sentença condenatória, o magistrado analisasse a necessidade de manter a prisão ou a possibilidade de converter em outra medida cautelar processual penal, o que deveria ser requerido por uma das partes.

Também, diante da perceptível escolha do legislador pela não presunção de culpabilidade no decorrer do processo, seria inevitável revogar o inciso II do artigo 393, vedando-se o lançamento do nome do réu no rol dos culpados antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.

Art. 595. Se o réu condenado fugir depois de haver apelado, será declarada deserta a apelação.

Mesmo antes da revogação do artigo em apreço, a Súmula 347 do Superior Tribunal de Justiça dispunha que o conhecimento de recurso de apelação independia de sua prisão, enunciado cujo teor não afetava diretamente a hipótese de deserção em caso de fuga.

O Supremo Tribunal Federal, contudo, vinha decidindo no sentido da incompatibilidade do artigo 595 com a Constituição Federal. Vejamos:

RECURSO - PRESSUPOSTOS DE RECORRIBILIDADE. Os pressupostos de recorribilidade hão de estar ligados ao inconformismo revelado pela parte, ao próprio recurso interposto. APELAÇÃO CRIMINAL - DESERÇÃO. Surge extravagante ter-se como deserta a apelação ante o fato de o réu condenado haver empreendido fuga. APELAÇÃO CRIMINAL - DESERÇÃO - ARTIGO 595 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. O artigo 595 do Código de Processo Penal mostrou-se incompatível com a Constituição Federal de 1988, surgindo, na dicção da ilustrada maioria, a ausência de recebimento do preceito, concluindo o relator pela inconstitucionalidade. 21

AGRAVO DE INSTRUMENTO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. INOBSERVÂNCIA DO PRAZO RECURSAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO INTEMPESTIVO. RECURSO NÃO CONHECIDO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE IMPUGNA INTERPRETAÇÃO DADA AO ARTIGO 595 DO CPP. RECURSO DE APELAÇÃO CONSIDERADO DESERTO PELA FUGA DO RÉU. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO PARA DETERMINAR AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE REEXAMINE A ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE APELAÇÃO. PRECEDENTE. 1. Não merece prosperar o presente recurso, porquanto intempestivo. 2. O Recurso Extraordinário impugna decisão do Tribunal de Justiça que considerou deserta a apelação interposta porque o apelante, ora agravante, evadiu-se do distrito da culpa. 3. Habeas corpus concedido de ofício, para determinar ao Tribunal de Justiça que reexamine a admissibilidade do recurso de apelação. Precedente. 4. Recurso de Agravo de Instrumento não conhecido. Habeas corpus concedido, de ofício. 22

Sem atentar a uma ordem lógica, o legislador determinou o prazo para entrada em vigor da Lei no artigo 3º (antes mesmo de revogar os artigos acima transcritos), estabelecendo o interregno de 60 (sessenta) dias a partir da data da publicação. Portanto, tendo em vista que a Lei em apreço foi publicada no dia 05 de maio, passará a vigorar no dia 04 de julho do corrente ano.

Cabe salientar que, por se tratar de norma processual penal, tem aplicação imediata, preservando-se os atos já praticados. A respeito, oportuno transcrever a lição de Julio Fabbrini Mirabete:

O art. 2º do CPP refere-se à aplicação do princípio tempus regit actum, do qual derivam dois efeitos: a) os atos processuais realizados sob a égide da lei anterior se consideram válidos; b) as normas processuais têm aplicação imediata, regulando o desenrolar restante do processo. Fica assim estabelecido o chamado principio do efeito imediato ou princípio da aplicação imediata da lei processual penal, que se aplica também à matéria de competência, seja ela regulada por leis do processo, seja por normas de organização judiciária. Mesmo que a lei nova venha criar ou suprimir uma ordem de jurisdição, substituir juízes, modificar composição de

21 Habeas Corpus 85961. Relator Ministro Marco Aurélio. Julgado em 5/3/2009.22 Agravo de Instrumento n° 548272. Relator Ministro Joaquim Barbosa. Julgado em 15/4/2008.

tribunais etc., deve ser ela aplicada aos processos em curso. 23

Denilson Feitoza Pacheco, preocupado com a discussão que divide a doutrina acerca da natureza das normas processuais penais, faz uma análise aprofundada da questão atentando para o fato de que as normas processuais de cunho material devem ser excepcionais, sob pena de fazer da regra do art. 2º do Código de Processo Penal letra morta da lei. Não obstante o autor mencione as leis da última reforma realizada no Código de Processo Penal, as ideias de aplicam ao presente caso, senão vejamos:

As Leis 11.689/2008 (júri), 11.689/2008 (provas) e 11.719/2008 (procedimentos, emendatio libelli, mutatio libelli, fundamentos absolutórios, direito de recorrer, efeitos civis etc.) produziram extensas e profundas modificações no Código de Processo Penal, com o que se coloca a questão da aplicabilidade do princípio do efeito imediato e da teoria das normas mistas.Não podemos levar ao extremo a teoria das normas mistas, pois, nessa linha, o próprio procedimento processual penal como um todo afeta a aplicação da pena e, assim, seria aplicável o procedimento vigente ao tempo da prática da infração penal.Acabaríamos chegando à conclusão de que há um direito ao procedimento integral vigente ao tempo da infração penal, que seria o devido pelo Estado ao acusado, por força do princípio constitucional do devido processo legal. Considerando o procedimento integral, em vez de atos processuais isoladamente, teríamos grande dificuldade para saber que procedimento seguir diante de alterações 'processuais materiais' (ou mistas) contraditórias, por haver, simultaneamente, normas benéficas e prejudiciais ao acusado.A própria Constituição distingue os direitos penal e processual penal, conforme se verifica na competência privativa da União para legislar, distintamente, sobre direito penal e processual (art. 22, I, CR).Assim, a Constituição se refere especificamente ao direito penal, quando ela estabelece que 'a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu' (art. 5º, XL), com o que institui o princípio da temporalidade da lei penal, com seus subprincípios da retroatividade da lei mais benéfica (ao investigado, réu ou condenado), da ultratividade da lei mais benéfica e da irretroatividade da lei mais gravosa.Essa idéia de um direito ao procedimento integral não encontra, portanto, respaldo na Constituição. Seria possível que a lei infraconstitucional estabelecesse que o procedimento anterior continuasse, mesmo entrando em vigor um novo procedimento. Todavia, isso não seria feito como uma decorrência direta de normas constitucionais – seria, a rigor, uma opção legislativa do legislador infraconstitucional, como é a opção atual pelo princípio do efeito imediato.A mesma idéia se aplica aos institutos processuais que compõem o procedimento.Não podemos atribuir caráter penal a institutos processuais de maneira generalizada, como se não houvesse a distinção constitucional entre direito penal e direito processual, com regimes jurídicos distintos (art. 5º, XL, e art. 21, I, CR).24

23 In: Código de Processo Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 2003, p. 80. 24 In: Direito processual penal. Niterói/RJ:Impetus, 2009. p. 115.

Assim, ressaltando a ausência de qualquer caráter vinculativo, são essas as principais considerações a respeito das alterações promovidas pela Lei n. 12.403/11.

Florianópolis, 14 de junho de 2011.

Onofre José Carvalho AgostiniPromotor de JustiçaCoordenador-Geral