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RECEPÇÃO PELA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL DOS ARTS. 23 E 25 DA LEI COMPLEMENTAR PARANAENSE Nº 1/72 (INSTITUIDORA DO CONSELHO DE CONTRIBUINTES E RECURSOS FISCAIS) MARISA ZANDONAI MOREIRA I-Introdução. II- Jurisdição/Contencioso Administrativo. III-Decisão Administrativa. IV- Princípios Constitucionais afetos à administração. V- Leis infra-constitucionais pré-existentes ao novo texto constitucional. VI-Lei Complementar nº1/72.Estrutura Paranaense. VII-Conclusões. I - INTRODUÇÃO O objetivo do presente estudo, deixa-se claro desde já, não é promover a defesa da Lei Complementar Paranaense nº1/72, instituidora do Conselho de Contribuintes

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RECEPÇÃO PELA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL DOS ARTS. 23 E 25 DA LEI COMPLEMENTAR PARANAENSE

Nº 1/72 (INSTITUIDORA DO CONSELHO DE CONTRIBUINTES E RECURSOS FISCAIS)

MARISA ZANDONAI MOREIRA

I-Introdução. II-Jurisdição/Contencioso Administrativo. III-Decisão Administrativa. IV-Princípios Constitucionais afetos à administração. V-Leis infra-constitucionais pré-existentes ao novo texto constitucional. VI-Lei Complementar nº1/72.Estrutura Paranaense. VII-Conclusões.

I - INTRODUÇÃOO objetivo do presente estudo, deixa-se claro desde já, não é

promover a defesa da Lei Complementar Paranaense nº1/72, instituidora do

Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais, como ideal de legislação a nortear

as lides administrativas.

Não passará despercebida a atual e precária composição da

estrutura administrativa, com sentida ausência de Tribunais Administrativos,

dotados de jurisdição e imparcialidade, bem como definitividade de julgados.

O que se busca apenas, até que se atinja esta nova estrutura no

Brasil (se é que algum dia isso será possível), e enquanto pendente o sistema

atual, é demonstrar que a Lei Complementar nº1/72 e mais especificamente seus

arts. 23 e 25, podem e devem subsistir frente à nova ordem constitucional.

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Para isso, é preciso antes de tudo, um esforço do intérprete,

voltando sua mente prioritariamente à tentativa de integração dos textos legais

anteriores à uma nova ordem constitucional à esta, de forma a que seja menos

urgente a renovação dos textos legais e mais útil apenas uma nova roupagem a

estes mesmos textos, sempre que possível, até porque na nossa realidade

brasileira, o legislativo não tem a agilidade necessária a acompanhar as

transformações sociais e políticas do país.

Por força deste propósito, se procurará demonstrar que a lei

analisada não fere qualquer princípio constitucional a exigir seu expurgo do

sistema, mas pelo contrário, suas prescrições além de respeitarem os princípios

no texto maior consagrados, garantem ainda a efetividade de outros.

A construção que se pretende é interpretativa e busca sua

essência no dizer de Carlos MAXIMILIANO que iluminadamente nos abre esta

oportunidade ao assim se referir “O intérprete é o renovador inteligente e cauto, o

sociólogo do direito. O seu trabalho rejuvenesce e fecunda a fórmula

prematuramente decrépida, e atua como elemento integrador e complementar da

própria lei escrita. Esta é a estática, e a função interpretativa, a dinâmica do

Direito.”(in Hermenêutica e Aplicação do Direito, 9ª ed., RJ, Forense, 1979,

pg.12).

II - JURISDIÇÃO UNA / CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO

2.1. Histórico brasileiroFazendo-se um rápido estudo da história constitucional brasileira,

verifica-se que em raros momentos o País vivenciou um contencioso

administrativo, predominando, como queriam sempre os estudiosos do Direito, a

jurisdição una, com inafastabilidade do Poder Judiciário, como será visto na

sequência.

2.1.a. BRASIL COLÔNIA

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Nesse período, os Poderes estavam centrados nas mãos do

soberano português, quer administrativos, quer judiciais. Existiam Tribunais,

compostos por magistrados totalmente subordinados ao governo português, cujo

representante podia avocar causas para dar a solução que lhe conviesse.

Vigorou no período então, a jurisdição una (ao menos até que o

governo avocasse o processo).

Em 1761, criou-se o Conselho da Fazenda, reservando-lhe uma

jurisdição contenciosa. Portanto, durante o Brasil Colônia, percebe-se nítida

jurisdição una com resquícios de contencioso administrativo no final do período.

2.1.b. BRASIL IMPÉRIO

Nessa fase, o novo legislativo, independente de Portugal, buscava

restabelecer a jurisdição una. Em fins de 1830, praticamente inexistia o

contencioso administrativo.

Em 04/10/1831 passou a vigorar uma lei que extinguia o Conselho

da Fazenda e a jurisdição contenciosa que este até então exercia, passou a fazer

parte da justiça ordinária.

O Brasil retornava ao regime da jurisdição una.

Ocorre que, como os contribuintes passaram a ser vitoriosos em

algumas demandas, a Fazenda, insatisfeita, começou a pressionar, culminando

com a lei de 23/11/1841 que instituía o Conselho de Estado, atribuindo-lhe o

contencioso administrativo, de caráter jurisdicional, lei esta que a maioria da

doutrina na época, imputava de inconstitucional.

Alguns Decretos sobrevieram, alargando cada vez mais o campo

de atuação deste Conselho, até surgir o Decreto nº 2343 de 29-1-1859 que

delegava competência ao Ministro da Fazenda, entretanto, outorgando-lhe

jurisdição, já que assim se via: “Art.25 - As decisões dos Chefes das Repartições

de Fazenda, do Tribunal do Tesouro e do Ministro de Fazenda, em matérias de

sua competência de natureza contenciosa, terão a autoridade e a força de

Sentenças dos Tribunais de Justiça”.

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Esse o contencioso administrativo restabelecido e que vigorou até

o final do regime imperial. O Poder Judiciário não tinha competência para

conhecer e decidir matéria acerca de lançamentos de impostos.

2.1.c. BRASIL REPÚBLICA

Promulgada em 1891, a 1ª Constituição Republicana surge com

espírito nacionalista e liberal. Tal Constituição revogou expressamente o

“contencioso administrativo” no Brasil, restaurando a jurisdição una.

2.1.d. CONSTITUIÇÃO DE 1934

Essa Constituição afastava-se por completo da liberal democracia

e instaurava a social democracia. O governo possuía ampla possibilidade de

intervenção no domínio econômico. Mas quanto ao “contencioso administrativo” não se via mudanças

significativas em relação à Constituição anterior, mantendo-se a mesma linha.

2.1.e. CARTA DE 1937

Com esta Constituição, encerra-se a democracia social.

Fortalece-se o Poder Executivo na mão do Presidente Vargas.

Nela não há qualquer previsão legal a respeito do contencioso

administrativo, continuando a prevalecer a jurisdição una. Poder-se-ia falar em

incongruência desta opção uma vez que o País vivia uma ditadura e o governo

queria e tinha o Poder. Ocorre que o Judiciário sofria total opressão, de modo que

não se insurgia, nas suas decisões, contra o Poder Central, a ameaçar os

objetivos do governante de forma a exigir o retorno ao contencioso administrativo.

2.1.f. CONSTITUIÇÃO DE 1946

Instala-se a Assembléia Constituinte em 02/01/46 e promulga-se o

texto Constitucional. Com ele, veio o fim do Estado Novo.

A jurisdição no Brasil continuou a ser una, não se alterando o

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panorama existente na Constituição anterior.

2.1.g. CONSTITUIÇÃO DE 1967

A Carta de 1967 não alterou a situação que existia na

Constituição anterior, de 1946, ou seja, continuava-se a ter no País uma jurisdição

una, não havendo previsão de um suposto contencioso administrativo.

Sobreveio sua alteração, através da Emenda Constitucional nº1

de 17 de outubro de 1969.

2.1.h. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº1/69

Esta emenda, como já se disse, trouxe profunda alteração.

O contencioso administrativo brasileiro avançara muito em relação

às Constituições anteriores, aproximando-se do modelo Francês, onde existia

dualidade de jurisdição. Entretanto, remetia o instituto à Lei Complementar, que

nunca veio, de forma que a previsão constitucional nunca transformou-se em

realidade prática no nosso País.

A Constituição Federal de 1969, para muitos, introduziu em nosso

sistema jurídico o princípio da dualidade da jurisdição. Na verdade, nada mais era

do que a exigência do esgotamento da via administrativa, previamente à judicial,

situação que somente foi alterada com a nova Constituição Brasileira de 1988,

tida como verdadeira Carta cidadã, que será abordada em tópico apartado.

2.2. Modelo atualA Constituição Federal de 1988 retornou ao sistema da Carta de

1967 e não da Emenda de 1969, ou seja, deixou de existir a previsão acerca de

um contencioso administrativo.

A nova Carta, ao contrário, dispõe no art.5º, XXXV, como direitos

e garantias fundamentais, a inafastabilidade da apreciação jurisdicional. A

exemplo da Carta de 1967, tal preceito não veda a possibilidade de existir a

esfera administrativa tributária, mas deixa esta de ser imprescindível, o que não

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ocorreu na Carta de 1969.

Como visto, pela nova Constituição Federal, voltamos ao sistema

de jurisdição una, pela qual se permite a existência de tribunais administrativos,

desprovidos, porém, de função jurisdicional1, esta exclusiva do Poder Judiciário.

2.3. Desvantagens dos dois sistemasO Contencioso Administrativo2 junto ao Poder Executivo não é um

sistema vantajoso, a uma porque se não tiver definitividade nas decisões, na

prática será equiparado ao que temos hoje e a duas, porque, se houver esta

definitividade, implicará em derrogação do sistema de jurisdição una e com ele3,

as conquistas do administrado em termos de confiabilidade e garantia do controle.

Nesta linha, fácil denotar que a idéia de instituir a própria

Administração como juiz de seu contencioso, tem, sem sombra de dúvidas, sérios

defeitos.

Dentre eles, a parcialidade, uma vez que a mesma autoridade que

supervisiona as atividades de fiscalização e arrecadação é incumbida de julgar os

litígios fiscais a nível administrativo, redundando em uma visível incongruência

entre as duas funções, de forma que não há como exigir-se imparcialidade,

quando a um mesmo agente público é atribuído duas funções antinômicas, quais

sejam, de representante do fisco e juiz de litígios, onde o próprio fisco encontra-se

envolvido como parte.

“A Fazenda atua com dupla função: parte e julgador; não é

possível falar-se, então, num processo escorreito e sem privilégios.”4

De longa data, os argumentos já são contrários a esta situação.

Nos idos de 1897/1898, Adolfo POSADA5 em trecho de sua obra, já expunha que:

1 Castro, Alexandre Barros, Procedimento Administrativo Tributário, SP: Atlas, 1996, p.67 e ss.2 A expressão “Contencioso Administrativo Fiscal”, aqui, tem o sentido de órgão com atribuição jurisdicional, diferente do que se tem hoje com os órgãos julgadores administrativos.3 Moreira Neto, Diogo de Figueiredo, Contencioso Administrativo, Rio de Janeiro: Forense, 1977, p.41.4 Castro, Alexandre Barros, Procedimento Administrativo Tributário, SP: Atlas, 1996, p.67 e ss.5 Posada, Adolfo, Tratado, citado por Diogo de Figueiredo Moreira Neto, ob.cit.p.42

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“Los supuestos de lo contencioso-administrativo entrañan graves confusiones. De um lado, se confunde a lo Estado com los funcionários: de otro, no se distingue el acto del Poder Soberano del acto del funcionario, que interpreta erróneamente la ley. Si se tuviera presente que lo que se en las contiendas judiciales no es la Administración misma, sino el hecho de si um acto administrativo lesiona o no el Derecho, de luego se vería lo infundado de lo contencioso-administrativo.”

O administrateur-juge6, com suas variações, seja ele singular ou

um corpo coletivo, seja ele administrador ativo ou não, ligado, como está, à

poderosa máquina de Administração, não pode deixar de sofrer sua constante

influência e pecar por parcialidade.

“Embora o fim fiscal deveria ser informado pelo princípio da imparcialidade, Allorio7 sustenta que a administração por vezes pode fazer prevalecer o próprio fim administrativo sobre o fim de justiça que deveria ser norma de seu comportamento.8”

De outra feita, as demandas acabam por desaguar no Judiciário,

que como já se expôs, não pode ser afastado.

E neste prolongamento, o que se tem hoje é o julgamento da

matéria fiscal por Tribunais ordinários e não especializados, sem embargo da

vantagem de uma jurisdição una e de uma independência dos juízes frente à

administração. Esta estrutura entretanto, também peca por vários aspectos.

Os juízes ordinários, pela composição atual do Judiciário

brasileiro, são assoberbados de feitos, das mais variadas matérias, acabando por

conhecer um pouco sobre tudo. E aí é que reside o problema. A matéria fiscal,

cada vez mais está afeta à complexidade e diversidade, o que exige do julgador

conhecimento especializado para um bom decidir. A atualização e especialização

6 Moreira Neto, ob.cit., p.437 Allorio, Enrico, Direito Processual Tributário, 4ª ed. Torino: UTET,., p.13, citado por Denari, Zelmo, Curso de Direito Tributário, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p.225 e ss..8 Denari, Zelmo, ob.cit.p.225 e ss.

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exige do magistrado dedicação exclusiva à matéria, o que já demonstra a

fragilidade da estrutura.

Se no sistema do contencioso administrativo o contribuinte se

encontra em desvantagem, no atual sistema a desvantagem normalmente ocorre

para a Administração, pelo modo que o magistrado a concebe.

“Pode ocorrer que, inconscientemente, por querer ser honesto e imparcial, ele a faça intimamente uma adversária; reagindo contra o poder do Leviatã, o juiz ordinário, curando de exaltar os direitos individuais, acaba pecando por excesso de zelo, entravando, prejudicando e, inadvertidamente, sacrificando o bem comum por um interesse individual menor, não claramente protegido, mercê de uma interpretação da lei com os olhos do privatista - o generoso liberal do Direito9.”

2.4. Nova propostaAlguns países adotam o sistema dos Tribunais Administrativos, a

exemplo da França, Itália, Alemanha, etc. Dentre as vantagens deste sistema,

pode-se destacar: a) a justiça administrativa especializada é sempre mais barata

(a ex.da justiça do trabalho no Brasil); b) tende a ser mais célere que a justiça

ordinária; c) é mais eficiente, pelo aprofundamento teórico e prático que terá a

magistratura; d) surgem como órgãos do Poder Judiciário sem quebrar a unidade

da jurisdição; e) julgadores imparciais frente as partes envolvidas no conflito.

“Os tribunais administrativos são, a saber, desde o princípio, Justiça e não Administração (334); suas decisões não são atos administrativos, mas sentenças (335).

É apenas a particularidade das controvérsias jurídicas destinadas a ela que dá o motivo para colocar ao lado da jurisdição ordinária uma jurisdição administrativa. (336). Hoje, após a solução, sobre os liames organizatórios entre jurisdição administrativa e administração não há mais dúvida, mesmo que não se trate aqui de prestação jurisdicional e sim de justiça. Seu sentido propriamente dito não é, por isso, a proteção do direito objetivo da administração (337), mas sim a proteção dos direitos subjetivos contra a administração (338).10”

9Moreira Neto, ob.cit., p.50 e ss.10 Krueger, Herbert, citado por Diogo de Figueiredo Moreira Neto, ob.cit., p.64

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No Brasil, a instituição destes tribunais, como órgãos do Poder

Judiciário, não sacrificaria nem mesmo a unidade do Poder Judiciário, uma vez

que o Supremo Tribunal Federal, em sendo Tribunal Constitucional, restaria como

último pleito de decisão de todas as questões oriundas de quaisquer tribunais,

tendendo-se a uma unidade de interpretação.

A despeito de tudo o que foi trazido até o presente momento, o

objetivo do presente estudo é trabalhar com o sistema estruturado tal qual se

apresenta hoje, onde há um órgão julgador administrativo, desprovido de

jurisdição e definitividade de decisões, as quais não são pré-requisito para a

discussão judicial, e cuja apreciação jurisdicional é inafastável por garantia

constitucional.

III - DECISÃO ADMINISTRATIVA

3.1. Procedimento administrativoA atual Constituição Federal, por força do art.5º, LIV, determinou

que ninguém será privado de seus bens, sem o devido processo legal, o que

erigiu à categoria de garantia constitucional a exigência de processo

administrativo a nortear os conflitos em matéria fiscal (na esfera administrativa).

Desta forma, “o devido procedimento administrativo constitui para

o contribuinte hoje, uma importante garantia formal, pois supõe que a actividade

da Administração tem de seguir necessariamente canais determinados como

requisito mínimo para poder ser considerada actividade legítima. As formas legais

e a sequência legal impostas aos actos constituem limites para os poderes dos

administradores, que excedem os seus poderes, ou os exercem ilegalmente, se

não observam a forma devida.11”

O devido procedimento tributário deve ser considerado um dos

elementos caracterizadores do Estado de Direito, porque no seu íter todos os

11 Leite Campos, Diogo & Horta Neves, Mônica. Direito Tributário, Coimbra: Livraria Almedina, 1997, p.209.

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princípios constitucionais haverão de ser respeitados, sejam os princípios afetos à

Administração, sejam aqueles garantidores dos direitos dos contribuintes.

Todo o desenrolar do processo administrativo tributário, possui

como fim o ato de decisão da administração fazendária, cujo ato será analisado

no tópico a seguir.

3.2. Natureza do ato decisório administrativo tributário

“O acto tributário, tal como o acto administrativo, é o acto terminal de uma fase processual, de um procedimento tributário ou administrativo que se estrutura com base num complexo de normas reguladoras da acção administrativa.12”

Muito se tem discutido na doutrina, se é jurisdicional a função da

Administração, na atual estrutura, ao decidir num procedimento administrativo

tributário.

Inobstante o posicionamento de ilustres doutrinadores que assim

não pensam, no Brasil, os órgãos administrativos não emitem atos jurisdicionais,

porquanto a nossa Constituição adotou o modelo da jurisdição una. Entre nós,

não existe a separação entre jurisdição administrativa e jurisdição ordinária, a

exemplo do modelo Francês. Neste modelo, como já se expôs em capítulo

anterior, os Tribunais Administrativos são dotados de jurisdição, possuindo todas

as condições e prerrogativas da justiça ordinária.

Dentre outros doutrinadores, Edvaldo BRITO13sustenta que:

“Efetivamente, os órgãos julgadores administrativos não emitem atos jurisdicionais. Assim são entendidos os atos que praticam julgadores que funcionam com condições subjetivas e objetivas de imparcialidade, como sugere Renato Alessi14e que consistem: as subjetivas, em os julgadores não serem

12 Campos e Neves, ob.cit., p.209 e ss.13 Brito, Edvaldo e outros, Processo Administrativo Fiscal, SP: Dialética, 1995, p.60.14 Alessi, Renato, Instituciones de Derecho Administrativo, tomo II, p.590 e ss., citado por Brito, Edvaldo, ob.cit., p.60

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partes e as objetivas, em terem as características da magistratura, isto é, predicamento típico; garantias institucionais e funcionais como vitaliciedade, inamovibilidade, irredutibilidade de vencimentos; conhecer e decidir sobre litígios, mediante procedimentos que assegurem a ampla defesa e o contraditório, atribuições de aplicar sanções de natureza penal.”

Por isso se vê, que no nosso sistema a estrutura administrativa

não contém a condição subjetiva que Renato ALESSI se referia, uma vez que o

julgador em primeira instância, bem como alguns membros da instância superior

administrativa, de certa forma são vistos como partes, porquanto integram a

própria estrutura administrativa, bem como não possui também a condição

objetiva.

De muito tempo já se debatia esta questão, quando no seminário

realizado pelo professor Geraldo ATALIBA15 com participação de inúmeros

professores renomados, a exemplo de RUBENS GOMES DE SOUZA, PAULO DE

BARROS CARVALHO, aquele já concluia ao comentar a resposta de um dos

grupos, cuja opção foi a de considerar jurisdicional a atividade administrativa, que:

“Eles entendem que a Administração exerce ato jurisdicional. E eu, pelas razões

que já expus, divirjo inteiramente. E não é jurisdicional porque todos nós sabemos

que podemos ir ao Judiciário. Não é definitivo porque, se fosse definitivo, não se

poderia ir mais a lugar nenhum. Se não é definitivo, não é jurisdicional, não tem a

característica essencial do ato.”

A impugnação do crédito tributário é apreciada na própria esfera

administrativa, a qual possui órgãos com poderes decisórios. Entretanto, não é

pré-requisito da esfera judicial, bem como não é exauriente, por força da

Constituição Federal, o que faz com que a atividade desenvolvida seja

administrativa e não jurisdicional, esta privativa do Poder Judiciário16.

3.3. Consequências do ato decisório administrativo tributárioOs órgãos da instância administrativa são distribuídos em níveis

15 Ataliba, Geraldo, Revista de Direito Tributário, nº2, p.141.16 Denari, Zelmo, Curso de Direito Tributário, 5ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1995, p.225.

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de competência, cabendo aludir a órgãos de primeira e segunda instâncias

administrativas, pois as decisões de primeiro grau são recorríveis e passíveis de

reapreciação pelos de segundo grau.

A doutrina tem se dividido quanto aos efeitos produzidos pela

decisão proferida pelos órgãos administrativos de grau superior. Esta decisão

seria vinculante ? Em caso positivo, seria vinculante para qual das partes

envolvidas ?

Já se sabe e isso é pacífico na doutrina, que a decisão

administrativa tributária não vincula o contribuinte, uma vez que o art.5º, XXXV da

Constituição Federal garantiu o direito de ação e a inafastabilidade da apreciação

do Poder Judiciário e como se demonstrou em capítulos anteriores, a decisão

administrativa não faz “coisa julgada”, ou seja, não tem característica de

definitividade.

O problema reside em se definir se a decisão final administrativa é

vinculante para a Administração.

Neste passo, a doutrina não é unânime. Alguns entendem que

não e fundamentam sua escolha na idéia de que o acesso ao Judiciário é um

direito subjetivo de ação, não exclusivo do administrado e que negá-lo feriria o o

Princípio Constitucional da isonomia que se poria acima de todos os outros.

Nesta linha, o professor Rubens GOMES DE SOUZA:17“Vou

apenas dar a opinião dogmática: acho que é vinculante, e estou me referindo ao

sistema constitucional e positivo vigente. Não estou formulando propositura de lege ferenda. Acho que é vinculante, mas acho, também, que a Administração

não está impedida de postular a sua modificação ou revogação, perante o Poder

Judiciário.”

Outros entendem, tal qual Hugo de Brito MACHADO18, que a

Fazenda não pode ir ao Judiciário contra a decisão de um órgão que integra a

própria Administração, de modo que a decisão a favor do contribuinte opera

17 Gomes de Souza, Revista de Direito Tributário nº2, p.14118 Machado, Hugo de Brito e outros, Processo Administrativo Fiscal, São Paulo: Dialética, 1995, p.82.

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definitividade, haja vista que a Fazenda está impedida de discutir e o contribuinte

não tem interesse processual para fazê-lo.

Sustenta referido autor, que não é permitido o ingresso da

Administração em juízo para suscitar a invalidade de suas próprias decisões, pois

o contencioso administrativo19 existe justamente para filtrar e reduzir a presença

da Administração em ações judiciais. Por isso, diz ele: “A administração não deve

ir à juízo quando o seu próprio órgão entende que razão não lhe assiste. A não

ser assim, a existência desses órgãos da Administração, com função jurisdicional,

resultará inútil.20”

Esta ao que parece, a melhor doutrina, e com ela se traz ainda a

lição de Paulo de Barros CARVALHO21 que assim se expressa:

“Vem, então a pergunta: teria a Fazenda Pública a possibilidade de predicar em juízo a anulação de ato por ela lavrado, depois de um ingente procedimento administrativo, que é de fato uma sucessão de atos controladores da legalidade do lançamento? Estimamos que não. Percorrido o íter procedimental e chegando a entidade tributante ao ponto de decidir, definitivamente, sobre a existência da relação jurídica tributária ou acerca da ilegalidade do lançamento, cremos que não teria sentido pensar na propositura, pelo fisco, de ação anulatória daquela decisão.”

A reforçar este entendimento, sem querer esgotar o assunto,

parece que a questão resta sedimentada com as seguintes conclusões:22

“Os efeitos da decisão tributária proferida na esfera administrativa podem ser analisados de duas formas distintas: a. para o contribuinte não adquire caráter definitivo, quer quando cominatório de penalidades, quer quando venha a referir-se à exigência do tributo propriamente dito, ou seja, a decisão proferida nestas hipóteses não se constitui numa situação imutável, ao contrário, constitui-se numa verdadeira proposta de composição, com o escopo de evitar a via 19 no texto, o autor utiliza o contencioso administrativo para falar da estrutura atual de julgamento das lides tributários pelos órgãos administrativos não dotados de jurisdição.20 Machado, Hugo de Brito, ob.cit., p.8221 Barros Carvalho, Curso de Direito Tributário, 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p.319.22 Castro, Alexandre Barros, Procedimento Administrativo Tributário, São Paulo: Atlas, 1996, p.125

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judicial; b. em relação ao Estado, a decisão administrativa só constituir-se-á definitiva quando reconheça vitoriosa a pretensão do contribuinte.”

Nesta direção, dois importantes aspectos a militar favoravelmente

e que não podem deixar de ser analisados. São eles, o Princípio da Legalidade a

que está afeta a Administração Pública e a Segurança Jurídica, Princípio

Constitucional implícito a beneficiar o contribuinte.

3.3.a. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA SEGURANÇA JURÍDICA

Por força do Princípio Constitucional da Legalidade, a

Administração Pública somente pode agir nos estritos limites da lei. Assim sendo,

o Código Tributário Nacional determina no seu art.156, IX, que a decisão

administrativa a favor do contribuinte opera a extinção do crédito tributário.

Isto quer significar que a decisão administrativa favorável ao

contribuinte (decisão final), não pode ser questionada judicialmente pelos próprios

representantes do Estado, caso contrário, inútil seria tal previsão.

Este dispositivo de lei, traz ínsita, uma garantia do contribuinte

traduzida no Princípio da Segurança Jurídica. Esta deve ser a interpretação, caso

contrário, o contribuinte deixaria de impugnar administrativamente os

lançamentos, se a decisão final de um órgão administrativo a seu favor, não lhe

proporcionasse segurança e definitividade.

Se não houvesse essa garantia, repita-se, a demanda somente

seria interessante na esfera judicial, desnaturando, desta forma, a própria

justificativa de existência deste Tribunal , que desafoga sobremaneira o Judiciário,

dos conflitos fiscais.

Se a Administração Pública deve ser fiel à lei, inexiste lei que lhe

faculte expressamente o ingresso em Juízo, para rediscutir decisão final

administrativa favorável ao contribuinte. Sem embargo da existência da garantia

constitucional (direito de ação), o Fisco está obstado de promover a ação

anulatória de decisão proferida por seus representantes, que entenderam ser

caso de extinção do crédito tributário (e esta é a única hipótese que a lei prevê

expressamente, no art.156, IX do CTN).

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A justificar esta opinião, doutrina de Francesco D’ALESSIO23 que

observa:

“La qualità ad agire può innazi tutto essere attribuita espressamente dalla legge. Così nei casi, già accenatti, in cui un organo determinato dello Stato è abilitato a promuovere il giudizio relativo alla legittimità di un atto amministrativo o ad intervenirvi. Come già rilevammo, pur in tali casi di attribuzioni espressa della qualità d’agire del soggeto (quali ad. es., quello dell”attuazione del diritto); interessi che può considerarsi la condizione necessaria e sufficiente per participare al giudizio, perchè è la legge stessa che lo definisce como idoneo ad eccitare l’esperimento della funzione giurisdizionale.”)(pg.489)

Portanto, somente mediante previsão expressa de lei (ausente a

nível estadual), poderia o Poder Público ingressar em juízo para pleitear reforma

da decisão administrativa que lhe seja desfavorável no todo ou em parte. Em vista

do sistema atual, opera-se definitividade do julgado, se favorável ao contribuinte,

o que impediria o Estado de rediscutir a questão.

E como já bem dizia Geraldo ATALIBA24 “E por questão de

segurança do Direito, que foi muito bem lembrado por diversas turmas, se o

Direito não tiver o caráter de segurança, instaura-se o caos, dá-se a negação da

própria idéia de Direito. Por uma questão de segurança jurídica, a Administração

não pode, amanhã, voltar-se contra si mesma e renegar, administrativamente,

seus atos. Se, observado o que a lei estabelece, a autoridade competente toma

uma decisão favorável ao contribuinte, está encerrado o assunto. A Administração

não pode voltar sobre si mesma; como dizem os espanhóis ‘no puede traicionar el

contribuyente’”.Todo contribuinte tem direito a ter segurança, no sentido de saber

que está livre de perigos e riscos contra ilegalidades, sentindo-se protegido pelo

Estado25.

Isto quer dizer que, ao obter decisão favorável administrativa, com

consequente extinção do crédito tributário, não pode o contribuinte permanecer

23 Istituzioni de Diritto Amministrativo, Torino :.Unione Tipografico Editrice Torinese, 1949, vol.II, citado por Gilberto de Ulhôa Canto , Anteprojeto de Lei Orgânica (Processo Tributário), p.7024 Ataliba, Revista de Direito Tributário nº2., p.15525 Cabral, Antonio da Silva, Processo Administrativo Fiscal, SP: Saraiva, 1993, p.33

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com a insegurança de o Fisco tentar anular decisão proferida por seus

representantes, sob pena de ameaça à segurança jurídica.

Além dos Princípios Constitucionais neste capítulo tratados,

outros de não menos importância acompanham a atividade administrativa e nela

devem restar sempre respeitados. É o que se verá a seguir.

IV - PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS AFETOS À ADMINISTRAÇÃO

4.1. Princípio do contraditórioO contraditório, como garantia constitucional que é, previsto no

art.5º, LV da Constituição Federal, traduz a certeza de que nenhuma decisão

poderá ser proferida sem a ouvida das partes componentes do conflito.

O contraditório está centrado na informação necessária para

possibilitar a reação26. TUCCI E CRUZ E TUCCI27 dizem que “a defesa só poderá

efetivar-se em sua plenitude com o estabelecimento da participação ativa e

contraditória dos sujeitos parciais em todos os atos e termos do processo.”

Mas, o contraditório se aproxima do princípio da ampla defesa,

sendo de certa forma, um consectário do outro. “No estudo do princípio do

contraditório vem à luz seus vínculos com o princípio da ampla defesa, sobretudo

em termos de precedência de um em relação ao outro, de um como decorrência

do outro.28

4.2. Princípio da ampla defesaA ampla defesa reflete a possibilidade de se utilizar de todos os

meios possíveis, para contrapor-se aos argumentos, acusações.29 A ampla defesa

no processo administrativo tributário está ligada a idéia de oportunizar ao

26 Medauar, Odete, A Processualidade no Direito Administrativo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p.103.27 Constituição de 1988 e Processo. Regramentos e garantias constitucionais do processo, 1989, p.60, citado por Odete Medauar, A processualidade no Direito Administrativo, ob.cit., p.102.28 Medauar, Odete, ob.cit., p. 101.29 Medauar, Odete, ob.cit

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contribuinte todos os meios permitidos em direito, para demonstrar que o crédito

exigido é indevido.

Com o novo texto constitucional, a ampla defesa foi introduzida

explicitamente no rol das garantias individuais constitucionalmente asseguradas.

O constituinte de 1988, não mais veladamente (como era no texto anterior), exigiu

o respeito a este direito. A exigência estendeu-se do processo judicial ao

processo administrativo.

“Torna-se útil assinalar que a presente redação [ao comentar o art. 5º, LV da C.F.] eliminou por completo, a dúvida que persistia no sistema anterior, acerca do âmbito de aplicação do princípio. A equiparação entre os litigantes no processo judicial e no procedimento administrativo emerge clara e límpida da própria dicção constitucional.30”

4.3. Processo administrativo tributário e contraditório/ampla defesaAmbos os Princípios (contraditório e ampla defesa) devem estar

presentes no processo administrativo tributário. Nenhum ato, especialmente

aquele oriundo dos órgãos públicos, será válido se orientado a realizar valores

não consagrados na Constituição31.

“Portanto, a garantia constitucional do art.5º, inc.LV, não pode ter sua importância desmerecida. Ali se subordinam os procedimentos administrativos, cujo objeto verse sobre direitos individuais essenciais, à observância de ampla defesa e contraditório, com todas as garantias inerentes. Produz-se uma espécie de jurisdicionalização do procedimento administrativo, intimamente relacionada com a concepção de Estado Democrático de Direito. Trata-se de impedir que competência estatal seja utilizada para sacrificar o interesse privado sem a possibilidade de o interessado fiscalizar a atuação dos agentes públicos e ser previamente ouvido.32”

A exigência do respeito a estas garantias constitucionais no

processo administrativo, é unânime na doutrina, e não poderia ser diferente, 30 Carvalho, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 1993, p. 94. 31 Justen Filho, Marçal, Revista Dialética de Direito Tributário, nº5, p.74.32 Justen Filho, ob.cit., p.74

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diante do novo texto constitucional, a caracterizar um verdadeiro Estado

Democrático de Direito. “Há de se reconhecer a qualquer um o direito de ser

ouvido, o direito de se manifestar e impugnar, bem como o sagrado direito de

apresentar a mais ampla defesa, tudo de acordo com o devido processo legal.33”

Portanto, o contribuinte hoje, tem a seu dispor uma série de

garantias que não podem ser desprezadas, e que orientam a atividade

fiscalizatória. Hugo de BRITO34 traduz a situação ao dispor que:

“Seja como for, induvidoso é que o sujeito passivo da obrigação tributária tem o direito a que o montante do crédito tributário respectivo seja determinado em procedimento administrativo regular, com observância das leis e dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. E tem, inegavelmente, direito a uma decisão administrativa a respeito das objeções que formalmente tenha oposto à pretensão do Fisco, de constituir o crédito tributário. O direito de petição, que a Constituição Federal assegura, tem como corolário o direito a uma decisão administrativa ainda que denegatória da pretensão do administrado.”

V - LEIS INFRA-CONSTITUCIONAIS PREEXISTENTES AO NOVO TEXTO CONSTITUCIONAL

5.1. InterpretaçãoAo operador do direito, incumbe a tarefa precípua de interpretá-lo,

determinando o significado, conteúdo e alcance de uma norma. Todos os

métodos de interpretação conduzem não a um resultado único, mas a um

resultado possível, até pela própria essência da ciência jurídica.

Neste capítulo, se tratará exclusivamente da interpretação de um

texto anterior à constituição vigente, face aos seus novos comandos.

O que o aplicador deve ter em mente sempre, ao iniciar o estudo

de interpretação de uma norma, é o Princípio da Supremacia Constitucional. Mais

do que isso, se entende primordial a idéia de que ao se fazer o confronto entre a 33 Cabral, Antonio da Silva, ob.cit., p.6334 Machado, Hugo de Brito e vários autores, Processo Administrativo Fiscal, São Paulo: Dialética, 1995, p.75

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norma anterior (infra-constitucional) e o novo texto constitucional, deve-se sempre

que possível, preservar a continuidade da ordem jurídica anterior, a fim de evitar

um total rompimento com o passado.

Assim é, que toda legislação infra-constitucional anterior à

Constituição, advinda de qualquer dos entes legiferantes, que não seja

incompatível com a nova ordem, conserva sua eficácia. Sempre é salutar a

preservação da legislação vigorante anteriormente à Constituição - desde que não

incompatível com o novo texto - sob pena de se fomentar a criação de um vácuo

legal.

Este, seguramente, um dos critérios que devem prevalecer,

quando se defronta com normas que podem ser interpretadas de diversas

maneiras, dando-se-lhes significados diversos. A idéia trazida no parágrafo

anterior, encontra respaldo, nada menos no eminente constitucionalista J. Gomes

CANOTILHO35que, ao tratar do princípio da interpretação das leis em

conformidade com a Constituição, assim determina:

“Este Princípio é fundamentalmente um princípio de controlo (tem como função assegurar a constitucionalidade da interpretação) e ganha relevância autónoma quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco dentre os vários significados da norma. Daí a formulação básica para este princípio: no caso de normas polissémicas ou plurisignificativas deve dar-se preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a constituição. Esta formulação comporta várias dimensões: (1) o princípio da prevalência da constituição impõe que, dentre as várias possibilidades de interpretação, só deve escolher-se a interpretação que não seja contrária ao texto e programa da norma ou normas constitucionais; (2) o princípio da conservação de normas afirma que uma norma não deve ser declarada inconstitucional quando, observados os fins da norma, ela pode ser interpretada em conformidade com a constituição; (3) o princípio da exclusão da interpretação conforme a constituição, mas ‘contra legem’, impõe que o aplicador de uma norma não pode contrariar a letra e o sentido dessa norma através de uma interpretação conforme a constituição, mesmo que através desta interpretação consiga uma concordância entre a norma infraconstitucional e as normas constitucionais.

35 Canotilho, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional, 5ª ed., Revista Almedina, Coimbra, 1991, p.235.

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Este princípio deve ser compreendido articulando todas as dimensões referidas, de modo que se torne claro: (a) a interpretação conforme a constituição só é legítima quando existe um espaço de decisão (=espaço de interpretação) em que são admissíveis várias propostas interpretativas, umas em conformidade com a constituição e que devem ser preferidas, e outras em desconformidade com ela; (b) no caso de se chegar a um resultado interpretativo de uma norma jurídica inequivocamente em contradição com a lei constitucional, impõe-se a rejeição, por inconstitucionalidade, dessa norma (=competência de rejeição ou não aplicação de normas inconstitucionais pelos juízes), e proíbe-se a correcção, pelos tribunais, dessa norma inequivocamente inconstitucional (=proibição de correcção de norma jurídica em contradição inequívoca com a constituição); (c) a interpretação das leis em conformidade com a constituição deve afastar-se quando, em lugar do resultado querido pelo legislador, se obtém uma regulação nova e distinta, em contradição com o sentido literal ou sentido objectivo claramente recognoscível da lei, ou em manifesta dessintonia com os objectivos pretendidos pelo legislador.”(negritos não constam do original)

Portanto, ao se fazer análise de qualquer legislação preexistente

à Constituição se deve ter a boa vontade de interpretá-la sob nova luz, sob nova

direção. Em sendo possível compatibilizá-la com o novo regramento, não

desnaturando o sentido da lei, é a postura que se exige.

Sem embargo de todos os métodos interpretativos a orientar os

que com o direito se defrontam, sábias as palavras de Hugo de Brito

MACHADO36, quando diz que: “A cada dia que passa estamos fortemente

convencidos de que a interpretação jurídica é o conhecimento da norma,

impregnado de inevitável conteúdo axiológico, e de que nenhum dos métodos,

processos ou elementos de interpretação é capaz de oferecer um resultado

seguro, objetivo, capaz de evitar fundadas controvérsias.”

Neste diapasão, se poderá dar prosseguimento ao objetivo

traçado neste breve estudo, qual seja, o de compatibilizar os arts. 23 e 25 da LC

nº1/72 à Constituição Federal de 1988, o que se fará explicitamente a partir do

capítulo 5.

5.2. Recepção/revogação

36 Machado, Hugo de Brito, Temas de Direito Tributário II, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1994, p.140

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Constitucionalidade/inconstitucionalidadeMuito se tem discutido na doutrina, bem como na prática forense

a respeito da correta maneira de interpretar a continuidade de uma ordem

jurídica. Segundo a melhor linha, esta se dá através do fenômeno da recepção.

Há a recepção de normas de uma nova ordem jurídica por outra, indo-se mais

além, merecedora de uma nova leitura, pautada nos princípios e fins do novo

texto.

No fenômeno da recepção, o que é verdadeiramente imperativo é

a compatibilidade entre o velho e o novo, como enfatizado pela pena ilustre dos

principais comentadores nacionais37.

Pontes de MIRANDA já dizia: “As leis que continuam em vigor são

todas as que existiam e não são incompatíveis com a Constituição nova.”38

Luis Roberto BARROSO39 adverte entretanto, que esta questão

não é tão pacífica hoje na doutrina, porquanto muitos estudiosos (de grande

quilate inclusive) têm sustentado que o problema entre a legislação precedente e

a nova ordem constitucional não se resolveria no caminho da revogação (plano de

vigência da norma), por afetar esta regra apenas as normas de igual hierarquia.

Segundo estes mesmos autores, o problema restaria no plano hierárquico, (de

validade da norma), de modo que em havendo incompatibilidade entre os dois

textos, seria caso de se pronunciar pela inconstitucionalidade da norma e não sua

revogação.

A despeito da divisão doutrinária a respeito do assunto, alguns

operadores do direito têm sustentado, incidenter tantum, a inconstitucionalidade

de normas infra-constitucionais anteriores ao novo texto constitucional.

Embora se entenda ser caso de arguição de revogação e não

inconstitucionalidade superveniente, como já dizia Luis Roberto BARROSO:

37 BARROSO, Luis Roberto, Interpretação e Aplicação da Constituição, São Paulo, Saraiva, 1996, p.68.38 Comentários à Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, cit,, vol.II, p.560, citado por Barroso, Luis Roberto, ob.cit., p.6839 Barroso, ob. cit., p.69

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“Quando a decisão é pronunciada no caso concreto, não há qualquer implicação prática na opção pela tese da revogação ou da inconstitucionalidade superveniente. É que em qualquer caso, ter-se-ia como ineficaz a norma a partir do momento da promulgação da Constituição. De fato, tanto a revogação - retirada de vigência da lei - como a declaração incidental de inconstitucionalidade - i.e., reconhecimento de sua invalidade - produziriam o mesmo resultado: não-aplicação, pelo juiz, da norma impugnada, que terá deixado de existir ou de valer na mesma data.40”

Como já se demonstrou, no plano prático, não há diferença na

opção, mas reconhecidamente há no plano processual, desde que poderá ou não

ser permitido o uso da Ação Direta de Inconstitucionalidade com a finalidade de

se expurgar a norma do sistema, dependendo de como se entende a relação

entre a nova Constituição e as legislações a ela anteriores.

É salutar, diante deste prisma, que se opte por uma linha de

arguição, ciente das implicações processuais a que se encontra sujeita.

O estudo dos capítulos 1 a 4, teve como objetivo traçar alguns

paralelos, oportunizando a análise doutrinária, a fim de servir como verdadeiro

alicerce para as afirmações e conclusões que a partir de agora se pretende

desenvolver, objeto específico do trabalho que se buscou explorar.

VI - LEI COMPLEMENTAR Nº1/72 - ESTRUTURA PARANAENSE

6.1. Análise dos artigos 23 e 25A LC 1/72, de 02 de agosto de 1972, que instituiu o CCRF

(Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais) no Estado do Paraná,

desenvolve, no seu capítulo VII, quais as instâncias administrativas permitidas ao

processo administrativo fiscal e já no seu art.23 explicita:

“Art.23. O processo administrativo-fiscal desenvolve-se nas

seguintes instâncias:

a) primeira, singular, a nível da Coordenação da Receita do

Estado;

b) segunda, coletiva, a nível do CCRF;

40 Barroso, ob.cit., p.74

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c) terceira e última, singular, a nível do Secretário da Fazenda.”

E o art.25 dispõe sobre o recurso exclusivo da Fazenda:

“Art.25. O recurso à última instância, de decisões não unânimes e contrárias à Fazenda Estadual, caberá ao Representante da

Secretaria de Estado das Finanças, no prazo de 15 (quinze) dias

contados da data da publicação do acórdão no Diário Oficial do

Estado.

§ 1º Antes de encaminhar o recurso indicado neste artigo à

autoridade julgadora, o o CCRF abrirá vista do processo ao contribuinte pelo prazo de 5 (cinco) dias, para que se manifeste sobre as razões apresentadas pela Recorrente.”( negritos não constam do original)

Gilberto Ulhôa CANTO41 criticava veementemente a possibilidade

de uma autoridade isolada cassar aresto de um órgão colegiado, de forma a

desdourar o Tribunal Administrativo. Criticava, ainda, a possibilidade de o

responsável primordial pela arrecadação (in casu Secretário da Fazenda) ser

erigido à categoria de juiz de litígios de cujo deslinde ela depende.

Embora a crítica formulada, não se pode esperar do Tribunal

Administrativo (sem jurisdição), o que não é da sua essência. Já se demonstrou,

no decorrer do trabalho, que não se pode exigir dos órgãos julgadores

administrativos, dentro da atual sistemática, a tão falada imparcialidade, o que

somente passaria a existir com a criação de Tribunais Administrativos, integrantes

do Poder Judiciário, com todas as garantias e prerrogativas deste Poder,

primando-se pela especialidade e imparcialidade (sem deixar de observar que a

criação destes, não derrogaria a existência daqueles, que continuariam cumprindo

sua função - privar pelo interesse público).

Não quer significar entretanto, que em decorrência disto, o fisco

julgará sempre contra o contribuinte. Não é o que se vê na prática.

41 Canto, Anteprojeto de lei orgânica (Processo Tributário), p.66

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Estes órgãos julgadores, compostos de acordo com o art.23 antes

transcrito, do qual fazem parte integrante, na sua grande maioria, técnicos e não

juristas, limitam-se a proferir decisões que demonstram a forma de interpretação

da matéria tributária, no que diz respeito a Administração Fazendária.

“A Administração Pública com base na Constituição de 1988 oferta ao contribuinte o direito de impugnar o lançamento por ela efetuado.

A partir daquela contestação, a Administração Pública revisa com seus próprios critérios, com sua forma de ver aquele lançamento, para confirmá-lo e dar-lhe portanto, validade desde seu início ou alterá-lo ou mesmo anulá-lo.

Por esse procedimento administrativo, o fisco verifica, pela última vez, se agiu corretamente em face da impugnação formulada...42”

Ocorre que a idéia de justiça fiscal para o Fisco, visa a

preservação do interesse público, enquanto a justiça fiscal para o contribuinte visa

a preservação do seu interesse particular. Ciente disso, é que o constituinte

deixou como opção ao administrado a análise da demanda pelo Poder Judiciário,

do qual desse sim se exige a imparcialidade.

Como vigora para nós a jurisdição una, o contribuinte tem a opção de discutir seu interesse junto à Administração Fazendária, podendo nela

resolver o conflito de interesses, ou não estando satisfeito com a decisão

proferida, buscar a solução através da via judicial.

O constituinte de 1988 não primou pela exigência do esgotamento

da via administativa previamente à judicial, como na Constituição anterior, de

forma que a justiça administrativa não se torna uma imposição, mas sim uma

escolha, a qual se encontra estruturada de forma a preservar o interesse público,

que exige cuidados.

A LC nº1/72, a exemplo da lei vigente na maioria dos Estados da

Federação, é pautada na determinação de um íter processual que de forma

alguma infringe qualquer garantia constitucional do contribuinte, a lhe desmerecer

crédito.

42 Castro, Alexandre Barros, Procedimento Administrativo Tributário, São Paulo: Atlas, 1996, p.91.

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Na verdade, as críticas lançadas à estrutura julgadora tributária

administrativa carecem de substrato, porque a uma, se se tratasse de verdadeiro

Contencioso Administrativo, fazedor de coisa julgada, dela se estaria a exigir

posturas diversas e a duas porque tentam içá-la à categoria de Tribunal

Administrativo, dotado de imparcialidade, composto por membros não afetos à

Administração e que é parte integrante do Poder Judiciário e não do Poder

Executivo.

Ademais, a Constituição Federal de 1988 não exigiu da

Administração Fazendária a imparcialidade de seus julgados, porque a ela não

estendeu as prerrogativas do Poder Judiciário. Exigiu sim, a existência de

Processo Administrativo Tributário, que se deve nortear pelos Princípios

Constitucionais consagrados no texto, dentre eles o do contraditório e o da ampla

defesa, bem como o Princípio da Legalidade e o da Segurança Jurídica.

Os advogados têm procurado atacar a Lei Complementar em

questão, alegando que restam infringidos os Princípios Constitucionais do

contraditório e o da ampla defesa, insertos no art.5º, LV da Constituição Federal.

O Princípio Constitucional da ampla defesa não é violado pelo fato

de o art.25 prever recurso à “terceira instância” apenas para a Fazenda, , pois

para o contribuinte, exaure-se a via administrativa quando da decisão do CCRF

(segunda instância), cujo pronunciamento, se desfavorável ao contribuinte não lhe

impede (como não impedia mesmo antes de proferida a decisão) seja levada a

matéria para apreciação do Poder Judiciário, elastecendo-se a ampla defesa a

este Poder.

A previsão normativa em estudo não limita estes princípios para o

contribuinte. É lógico que este direito não pode ser restrito, mas sua amplitude se

limita ao que a legislação determina como recursos cabíveis, autoridades

competentes para recebê-los e prazos.

Mesmo GILBERTO DE ULHÔA CANTO, ao tecer críticas, não

deixava de admitir que o recurso do Representante da Fazenda ao seu superior

(exclusivo para a Fazenda), constitui no sistema atual, um indispensável elemento

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de equilíbrio, a fim de possibilitar ao Fisco discutir a decisão administrativa em

juízo, aspecto que será abordado na sequência.

A Constituição Federal de 1988 consagrou no art.5º, XXXV, o

Princípio Constitucional do Direito de Ação e consequentemente a inafastabilidade

do Poder Judiciário, ao determinar que a lei não excluirá da apreciação do Poder

Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Com base neste Princípio Constitucional, o contribuinte a qualquer

momento, seja sem esgotar a via administrativa, seja enquanto nela estiver

litigando, ou, quando se sentir prejudicado por ocasião da decisão administrativa,

poderá sempre recorrer ao Poder Judiciário (sistema de jurisdição una).

O constituinte originário preocupou-se com este amplo direito,

ciente da inexistência no nosso sistema jurídico, de um Tribunal Administrativo

(investido de jurisdição), e ainda, porque a instância administrativa, como já se

viu, opera sob duas premissas: inexistência de imparcialidade e não definitividade

de seus julgados.

Em contrapartida, para o Fisco, opera-se a definitividade dos

julgados quando unânimes a favor do sujeito passivo. É o que se depreende da

leitura do art.25 da Lei Complementar em estudo. Mas esta definitividade, à vista

do contido neste artigo, somente se dá de imediato após a decisão final do

Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais e se unânime.

Se dessa forma, a decisão opera de per si a extinção do crédito,

por força do art. 156, IX do Código Tributário Nacional o qual dispõe que extingue

o crédito tributário a decisão administrativa irreformável, assim entendida a

definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação

anulatória, impedindo de imediato o acesso ao Judiciário, relativamente a este

crédito.

Essa definitividade, é primado da segurança jurídica para o

contribuinte, que não pode ficar à mercê da Administração, permitindo-se que

esta possa tentar anular decisão proferida por seus membros junto ao Poder

Judiciário.

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E dessa forma deve ser a interpretação, uma vez que o Fisco

(através de seus representantes, juntamente com os representantes do setor

privado), analisando a matéria, entenderam indevido o lançamento tributário

efetuado contra o contribuinte.

Nunca é demais lembrar que os tribunais e as autoridades que

compõem a estrutura que decide a fase administrativa são compostos também

por integrantes do Poder Executivo e não é compreensível que os

pronunciamentos emanados dos ramos de sua própria composição, possam

ensejar questionamentos judiciais.

Como já se trouxe em capítulo anterior, muitos doutrinadores não

admitem esta intervenção do Fisco. “Importante é observar que decidindo em

última instância a autoridade administrativa contra o contribuinte, tem este a seu

dispor a via judicial43. ‘Não tem sido, entretanto, facultado à Fazenda Pública

ingressar em Juízo pleiteando a revisão das decisões dos Conselhos que são

finais quando lhes sejam desfavoráveis. 44”

O próprio artigo 25 da Lei deixa claro, como requisito de

admissibilidade do recurso em questão, que a decisão do CCRF não pode ser

unânime. O legislador, atento aos interesses das partes, assim pugnou, visto que

se unânime a decisão do Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais, o

processo administrativo não poderia prosseguir em desfavor do contribuinte, pois

os representantes do próprio setor público e privado unanimemente assim

entenderam.

Entretanto, havendo qualquer voto discordante, sempre restaria

duvidosa a decisão proferida no sentido de se operar a imediata extinção do

crédito tributário, como antes se disse, e consequentemente impedir o acesso ao

Judiciário pelo Fisco, razão porque nesta hipótese e em se tratando de dinheiro

público que se está a dispensar, é prudente que se ouça a opinião de quem

representa em nível máximo o órgão arrecadador. Aqui está a razão de ter a lei

43 Machado, Hugo de Brito, Processo Administrativo Fiscal, Dialética,ob.cit., p.8944 Campos, Dejalma de, Direito Processual Tributário, São Paulo: Atlas,, 1993, p.60, citado por Hugo de Brito Machado,, ob.cit., p.89

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fomentado apenas o fisco da possibilidade de interpor recurso de terceiro grau ao

Senhor Secretário da Fazenda.

O espírito da lei é o de alçar uma responsabilidade de extrema

importância ao Sr. Secretário, na medida que revendo o julgamento do CCRF,

possa estar convencido de que o crédito é indevido (tornando definitiva a decisão

para o Fisco), ou ainda, havendo qualquer resquício de dúvida (até porque nem

sempre é um operador do direito), manter o lançamento como forma de propiciar

ao Fisco o acesso ao Judiciário, para eventual discussão do crédito.

A previsão da LC 1/72, no sistema atual é um indispensável

elemento de equilíbrio45a contrabalançar a possibilidade de o contribuinte

ingressar em juízo para anulação do débito que lhe seja imposto

administrativamente, e que ao Fisco a lei não assegura, porque atribui

definitividade aos arestos dos Conselhos que sejam unânimes em favor do sujeito

passivo, ou que, mesmo decorrente de votação apenas majoritária, não tenham

sido objeto de recurso do Representante da Fazenda.

A Fazenda Estadual de São Paulo possui o denominado Recurso

Extraordinário (equivalente ao recurso previsto no art.25 da legislação

paranaense). Celso Alves FEITOSA46ao comentar o recurso paulista sustenta que

“Tampouco acompanhamos as críticas de que são alvo o Recurso Especial da

Fazenda Federal e o Recurso Extraordinário da Fazenda Estadual de São Paulo,

por privilegiarem o Poder Público. Entendemos injusta a crítica, porque o acesso

ao Poder Judiciário, que é garantido aos contribuintes, permite entender que aí

estaria o equilíbrio reclamado.

Uma vez julgado o processo administrativo a favor do contribuinte,

torna-se definitiva a questão. Já, quando o entendimento for contrário à pretensão

do contribuinte, a matéria pode ser devolvida ao Poder Judiciário.”

O direito de ação dos contribuintes se encontra assegurado não

só administrativamente, como judicialmente. A se entender revogados os arts. 23

45 Canto, Gilberto Ulhôa, ob.cit., p.6646 Feitosa, Processo Administrativo Fiscal, 2º volume, diversos autores, São Paulo: Dialética, 1997, p.39

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e 25 da LC 1/72, restaria ferido o Princípio Constitucional inserto no art.5º, XXXV

da CF (direito de ação) com relação ao Fisco, pois se estaria excluindo uma

possibilidade de, pela última vez, ter o órgão a certeza da legalidade ou

ilegalidade do lançamento tributário.

O Senhor Secretário, apreciando o recurso, ou torna definitiva a

decisão anterior (colegiada), quando favorável ao contribuinte, ou a modifica,

oportunizando ao Fisco a discussão no Poder Judiciário, de forma que a retirada

desta possibilidade do sistema, é que fere os Princípios Constitucionais da ampla

defesa, bem como o Direito de Ação com relação à própria Fazenda, pois restaria

vedada a possibilidade de acionar o Judiciário, por ocasião de decisões não

unânimes pelo CCRF. O Princípio da Isonomia, impõe que se dê tratamento

desigual aos desiguais.

O Princípio Constitucional do Contraditório da mesma forma, resta

preservado no texto legal em análise. Da simples leitura do § 1º do art.25 da LC

1/72 (já transcrito) encontra-se demonstrada a intenção da instauração do

contraditório ao dispor o texto que o contribuinte terá vistas do processo pelo

prazo de 05 (cinco) dias, a fim de querendo contra-arrazoar o recurso interposto

pelo Representante da Fazenda.

Portanto, os atos não se revestem de caráter sigiloso, permitindo

ao contribuinte conhecer das razões do recurso e ainda com possibilidade de a

elas se contrapor, de forma que encontra-se instaurada a informação, para

possibilitar a reação.

Não se pode deixar de observar inclusive, que os Princípios

Constitucionais do contraditório e da ampla defesa, que são corolários do

Princípio do Devido Processo Legal, decorrem do próprio direito de ação, pois

este precede àqueles, não somente porque os primeiros são verificáveis dentro

de um processo, como também em virtude de o próprio texto constitucional assim

privilegiar ao incluir o Direito de Ação muito antes do direito ao contraditório e à

ampla defesa.

Portanto, os arts.23 e 25 da Lei Complementar 1/72 estão em

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perfeita consonância com os princípios consagrados pela Carta Constitucional, de

forma a não se vislumbrar revogação (esta a corrente que parece a melhor, e não

a da inconstitucionalidade, conforme tratado em capítulo anterior) dos

dispositivos, face à nova ordem Constitucional.

Pelo contrário, a manutenção e aplicação dos artigos 23 e 25, é

medida que se impõe, sob pena de violação dos princípios constitucionais da

isonomia (elementos de equilíbrio para acessar o Judiciário), da segurança

jurídica (para o contribuinte, quanto à definitividade da decisão unânime a seu

favor), da legalidade (o Fisco encontra-se impedido legalmente de propor ação

judicial para anular decisão favorável ao contribuinte), bem como infringência ao

direito de ação (por que os dispositivos oportunizam o acesso ao Judiciário pelo

Fisco), todos consagrado no texto constitucional.

VII - CONCLUSÕES1 - A opção histórica brasileira predominante e a atual opção a orientar os litígios

tributários é a da jurisdição una;

2 - O julgamento das lides tributárias tanto pelo órgão administrativo, quanto pelos

juízes ordinários, não é a melhor maneira de solucionar lides desta natureza. O

ideal seria a criação de Tribunais Administrativos Especializados, pertencentes ao

Poder Judiciário, com todas as prerrogativas deste. O Supremo Tribunal Federal

daria a última palavra;

3 - A decisão administrativa não tem natureza jurisdicional, porque não é definitiva

e é proferida por quem representa a Administração Fazendária e não possui

prerrogativas de Poder Judiciário;

4- O contraditório e a ampla defesa devem nortear o procedimento administrativo

tributário. As normas infra-constitucionais preexistentes a uma nova Carta

Constitucional que sejam plurissignificativas, devem ser interpretadas buscando-

se sempre que possível sua constitucionalidade;

5 - A adequação destas normas anteriores ao novo texto constitucional, deve ser

pautada pelo fenômeno da recepção/revogação e não da

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constitucionalidade/inconstitucionalidade;

6 - Os artigos 23 e 25 da Lei Complementar nº1/72, não ferem qualquer princípio

constitucional, tendo sido recepcionados pelo novo texto constitucional.

7- A recepção dos arts.23 e 25 é medida que se impõe, sob pena de infringência

aos princípios constitucionais da isonomia, da segurança jurídica, da legalidade,

bem como ao direito de ação consagrado no texto constitucional.

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