Jornal Angolano de Artes e Letras s ARTES Pág. · vibra a remo no água ... vibrando uma canção...

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Cultura Jornal Angolano de Artes e Letras ͳͲ ʹ͵ ʹͲͳͺ ȁ ͳͷͺ ȁ Ȉ ǣ ± À Ȉ ͷͲǡͲͲ E O BARRO SE FAZ ARTE E HABITA ENTRE NÓS HORÁCIO DÁ MESQUITA ARTES Pág. 7 e 8 Horácio Dá Mesquita é um artista de mão cheia. Toca vários instru- mentos. Modela o barro cinza escuro da Barro do Dande, coze-o a alta temperatura, cobre-o de cobalto do Lubango, sobe ao terraço da casa construída junto à praia de águas castanhas do Cacuaco e ali desenha e pinta coisas que a Vida lhe inspira. Na oficina do quintal, forjada pela sua mão de metalúrgico experiente, brota toda uma arte de recriar a matéria bruta. Ali, o barro se faz Arte e habita entre nós. LETRAS CARMO NETO EXPLICA ANTOLOGIA Uma nova antologia lançada em Portugal faz uma leitura ampla de grande parte da literatura escrita originalmente em português. O secretário-geral da União dos Escritores Angolanos (UEA), Carmo Neto, explica, em entrevista, a importância da presença de autores angolanos neste trabalho que propõe um olhar panorâmico e planetário da criação literária desde os textos fundadores aos escritores revelados até ao ano 2000. Pág. 5 ECO DE ANGOLA Pág. 3 ALMERINDO JAKA JAMBA Filósofo, escritor e historia- dor, Almerindo Jaka Jamba foi um dos membros fundadores da Academia Angolana de Letras e “uma biblioteca viva, um homem de conhecimento profundo e sempre disponível para o partilhar”. Cult tur ra ͵ ʹ Ͳ ͳ C ͺ ͷ ͳ ȁ ͺ ͳ Ͳ ʹ Jornal Angolano de Artes e Letras ult ± ǣ Ȉ ȁ Jornal Angolano de Artes e Letras tur Ȉ À ± Jornal Angolano de Artes e Letras ra Jornal Angolano de Artes e Letras Ͳ Ͳ ǡ Ͳ ͷ LETRAS 5 Pág. Pág. LETRAS 5 3 Pág.

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CulturaJornal Angolano de Artes e Letras

E O BARROSE FAZ ARTEE HABITAENTRE NÓS

HORÁCIO DÁ MESQUITA

ARTES Pág.7 e 8

Horácio Dá Mesquita é um artista de mão cheia. Toca vários instru-mentos. Modela o barro cinza escuro da Barro do Dande, coze-o a alta temperatura, cobre-o de cobalto do Lubango, sobe ao terraço da casa construída junto à praia de águas castanhas do Cacuaco e ali desenha e pinta coisas que a Vida lhe inspira. Na o�cina do quintal, forjada pela sua mão de metalúrgico experiente, brota toda uma arte de recriar a matéria bruta. Ali, o barro se faz Arte e habita entre nós.

LETRAS

CARMO NETOEXPLICA ANTOLOGIAUma nova antologia lançada em Portugal faz uma leitura ampla de grande parte da literatura escrita originalmente em português. O secretário-geral da União dos Escritores Angolanos (UEA), Carmo Neto, explica, em entrevista, a importância da presença de autores angolanos neste trabalho que propõe um olhar panorâmico e planetário da criação literária desde os textos fundadores aos escritores revelados até ao ano 2000.

Pág.5 ECO DE ANGOLA Pág.

3

ALMERINDOJAKA JAMBAFilósofo, escritor e historia-dor, Almerindo Jaka Jamba foi um dos membros fundadores da Academia Angolana de Letras e “uma biblioteca viva, um homem de conhecimento profundo e sempre disponível para o partilhar”.

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2 | EDITORIAL 10 a 23 de Abril de 2018 | Cultura

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Nº 158/Ano VI/ 27 de 10 a 23 de Abril de 2018E-mail: [email protected]: www.jornalcultura.sapo.aoTelefone e Fax: 222 01 82 84

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Director e Editor-chefe:José Luís MendonçaEditores:Adriano de Melo e Gaspar MicoloSecretária:Ilda RosaFotografia:Paulino Damião (Cinquenta)Arte e Paginação: Jorge de Sousa,Alberto Bumba e Sócrates SimónsEdição online: Adão de Sousa

Colaboram neste número:Angola: Analtino Santos, Kindala Manuel, Lito Silva,

Pepetela

FONTES DE INFORMAÇÃO GLOBAL:

AFREAKAAFRICULTURES, Portal e revista de referênciaAGULHACORREIO DA UNESCOMODO DE USAR & CO. OBVIOUS MAGAZINE

a esta horaágualá no Kwanzaé sangueque o solao rio entornou

aíno murmúriodas densas ondas vermelhassó uma velha canoagemendonas águas crepuscularesdo Kwanza

(aquela canoade mafumeiraao rio assim lançadaé sublime invençãode antepassados meus)

no riopela canoa raspadosó o borbulhar dos remoslambendoas águas chorosasdo Kwanza

«ximbica, ximbixamuzangalaprepara o lata Kazúazunir com o canoavibra a remo no águadikumbiantão vai morer já!»

são três remadoresde regresso à Lolalutandocom as ondas vermelhasdo Kwanza

lá vailá vai a canoasobre as ondas do Kwanzavibrando uma cançãona sinfonia dos remosa gente em silênciona canoa assentadaparece dizer uma devota oraçãoao Deus Criadore à senhora da Muxima

ó bela Santa Conceiçãotubingil´etu tu akuaituxikindalanimukumbidia kufuakuetu…

lá vailá vai a canoasobre as ondas do Kwanzavibrando uma cançãona sinfonia dos remos!

DOMINGOSDE BARROS

NETO

U´LUNGU

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GASPAR MICOLOOConselho de Administração daAcademia Angolana de Letrasmanifestou-se comovido com ofalecimento do nacionalista, político,historiador e académico, AlmerindoJaka Jamba, na madrugada de domin-go, 1 de Abril, em Luanda, vítima deum acidente vascular cerebral, segun-do uma fonte familiar.Numa nota a que o Jornal CULTURAteve acesso, a Aacademia lembra que ofilósofo, escritor e historiador ALME-RINDO JAKA JAMBA, foi um dos seusmembros fundadores, sendo que "emnome dos membros da Academia An-golana de Letras, o Conselho de Admi-nistração manifesta o seu profundopesar pelo falecimento de um dosseus mais engajados membros funda-dores. Neste momento de dor, a Aca-demia Angolana de Letras inclina-seperante a sua memória e junta-se àsua família e amigos, registando o seunome para a eternidade na Históriadas Letras Angolanas".Formado em filosofia pela Universi-dade Clássica de Lisboa, era historia-dor e político, tinha 69 anos e na horada partida gera um consenso em tornoda dimensão da sua personalidadesem igual. Dentro da União Nacionalpara a Independência Total de Angola(UNITA) era um dos mais antigos erespeitados militantes, contando ain-da com sólido respeito da sociedadeangolana, dentro e fora do partido. "Era uma biblioteca viva, um homemde conhecimento profundo e sempre dis-ponível para o partilhar. Era uma figuraextraordinária e irrepetível". Foi assimque porta-voz da UNITA, Alcides Sakala

descreveu Jaka Jamba, o último dirigenteda UNITA vivo dos que estiveram pre-sentes na preparação e efectivaçãodos Acordos de Alvor, assinadoem Portugal, (Algarve), em Ja-neiro de 1975, pelos três mo-vimentos de libertação,UNITA, FNLA e MPLA, queviria a definir os parâme-tros do Governo de transi-ção, que viria a integrar.“Morreu Jaka Jamba,deputado da UNITA emembro da Academia deLetras de Angola. Traba-lhei com ele nesses doisórgãos e fizemos uma boaamizade. Partilhamos algu-mas ideias e, quando imperio-so, divergimos respeitosamen-te. Por isso, hoje é um dia triste pa-ra mim. Paz à sua alma”, escreveu oministro da Comunicação Social, JoãoMelo, na sua página do Twitter.Almerindo Jaka Jamba, nasceu a 21de Março de 1949 e era deputado daUNITA, partido político angolano aque aderiu em 1972. Por força dosAcordos de Alvor, assinados em 1975,ocuparia, no Governo de Transição, a

pasta de secretário de Estado da Infor-mação. Foi vice-presidente da Assem-bleia Nacional (1997-2005) e embai-xador na Missão Permanente de Ango-la junto do Organismo das Nações Uni-das para a Educação, Ciência e Cultura(UNESCO), em Paris (2005- 2008).No partido UNITA, já ocupou vá-rios cargos de destaque, tais comoos de secretário de Educação, In-formação, dos Negócios Estrangei-ros, da Cultura e Herança Africana.Em 1992, foi nomeado como se-gundo vice-presidente da Assem-bleia Nacional e porta-voz do gru-po parlamentar da UNITA. JakaJamba fez parte da Comissão Cons-titucional de Angola, em represen-tação do maior partido da oposi-ção angolana.Na mensagem da Casa Civil do Presi-dente da República, Bornito de Sousaescreve que “foi com um sentimentode profunda consternação” que a notí-cia foi conhecida. “Com este infaustoacontecimento, Angola perde um dosseus filhos mais ilustres, intelectual derara estirpe e incansável promotor daconcórdia e harmonia entre os angola-nos”, lê-se na mensagem.

“Nesta hora de dor, e em nome de SuaExcelência o Presidente da República,João Manuel Gonçalves Lourenço, doExecutivo e no meu próprio, apresentocondolências à família do malogrado,na esperança de que a sociedade valori-ze, na sua acção quotidiana, o legado donacionalista que parte prematuramen-te”, escreveu Bornito de Sousa.Homem de cultura e poliglota, JakaJamba, enquanto professor da Univer-sidade Agostinho Neto, é recordadocom um docente atencioso e solidário,que ajudava mesmo na aquisição dosmateriais académicos. Um exímio con-tador de histórias e que gostava de filo-sofar. "Tive neste dia uma grande aulasobre a cultura Bantu, sobre as línguasnacionais, sobre África. O patrimóniohistórico, cultural, material e imate-rial", lembra o jornalista Armindo Lau-reano, que efectuou uma entrevista devida ao académico no popular progra-ma radiofónico "Vivências". "Obrigadopela rica entrevista que ficará parasempre imortalizada no audiolivro«Um ano de Vivências» " . Imortalizadaficará, sobretudo, este legado de "in-cansável promotor da concórdia e har-monia entre os angolanos.

ECO DE ANGOLA | 3Cultura | 10 a 23 de Abril de 2018

ALMERINDO JAKA JAMBAPROMOTOR DA CONCÓRDIA

Almerindo Jaka Jamba

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ANALTINO SANTOSEm Novembro de 2014, o nacio-nalista e académico Jaka Jam-ba, em declarações ao extintosemanário A Capital*, fez uma incur-são em torno da música de interven-ção do lado da Unita. No texto “EmSentido Inverso - o outro lado damúsica de intervenção”, o intelec-tual conciliador de forma pedagógi-ca, fez uma periodização da músicaengajada feita pelos angolanos emprimeiro plano, subalternado a feitapelo seu partido, o que confirmou oseu lado de unificador.A preocupação com as manifes-tações culturais e em especial amúsica ficou patente em váriasocasiões, como foi confirmada nu-ma entrevista ao programa radio-fónico “Café da Manhã”.De forma a homenagear esta emi-nente personagem da cena nacional,importa recuperar o pensamento des-te ilustre cidadão e dar a conhecer asquatro componentes propostas.Apresentou como sendo a primei-ra aquela feita nas áreas em que aUNITA se encontrava durante o pe-ríodo de resistência à presença colo-nial, onde a população já tinha gran-de criatividade às canções de protes-tos contra a dominação colonial. "Seabrirmos os arquivos, se formos fazeruma pesquisa das canções popularesdo leste de Angola, onde estivemos,antes da presença do partido já haviacanções de protestos", lembrou.O antigo representante angolano naUNESCO acreditava ser difícil com-preender este facto, uma vez que geral-mente se dá primazia às canções emportuguês. E exemplificou, brindando-nos com uma canção interpretada emLuvale. É mais ou menos assim: ”Sala-zar kuputuoku mona bongoetu”. Tra-duzida, é como dizer o seguinte: “Sala-zar em Portugal, ao olhar para as nos-sas riquezas, deu aos filhos dele e osnossos não foram tidos em conta”.Jaka Jamba afirmou “estes temasdo folclore angolanos, que já foramencontrados, teriam de alguma for-ma facilitado a mobilização, pois édeste modo que as populações obti-nham as suas experiências de luta.Para a mobilização, vá junto ao povo,viva com ele e construa a partir da-quilo que encontrares”, filosofou an-tes de entoar uma outra canção: “Olodiamante, palate, otchiete, ukuaseo-lóngola, maiunhémaiumhe”. Esteera um grito de denúncia: "o dia-mante, o ouro e prata são riquezasde que não beneficiamos".Para a segunda componente, JakaJamba referiu-se ao papel do cantocomo factor de mobilização da popu-lação ante a necessidade de uma re-

sistência prolongada. Exemplificou oseu movimento que teve em conta osvectores mais importantes da cultu-ra do povo e, por isso, desenvolveuuma série de canções. Quer aquelascom uma tendência mais marcial emilitar, como aquelas que evidencia-vam aspectos da história, apelandopara as grandes resistências do terri-tório do que é actualmente Angola.De acordo com o nosso interlocu-tor, o partido de que militou apresen-tou propostas a vários níveis, paraconsagração de um cancioneiro na-cional tendo em vista a força e a im-portância que temas tradicionais ti-veram para a luta de resistência. "Fa-cilmente encontrávamos a tendênciado uso de temas do cancioneiro tra-dicional em músicas para os recrutasdas FAPLAS, FALAS e ELNA. E nosdias de hoje, possivelmente, encon-traremos esta adaptação", afirmou.A fase seguinte, a terceira, com-preende “canções de intérpretes quese simpatizavam com a UNITA em te-mas de protestos”. Porém, o políticoacrescentou um outro elemento: “eraa poesia engajada que era declamadae algumas chegaram a ser cantadas".A última componente proposta porJaka Jamba é aquela que “abordou ariqueza e a importância da simbioseentre a canção religiosa e as preocu-pações políticas". O Planalto Centralconheceu um vulto que atendia pelonome de Henriques Capingala Suka-kuetchu, um tocador de órgão consi-derado por Jaka Jamba como umapersonalidade importante por reve-

lar-se grande promotor da música re-ligiosa ao combinar na perfeição ocanto religioso com a preocupaçãopara a libertação dos angolanos darepressão colonial então vigente.O também membro do Governo deTransição da Educação de Angola pe-la UNITA ao tempo do Governo deTransição, que antecedeu a procla-mação da Independência Nacional,trouxe à baila mais um exemplo deexaltação do cântico evangélico mascom pendor de intervenção política.“Se VayavayaSukueyemu”, que signi-fica "Louva a Deus".Trata-se de um canção cuja melo-dia e mensagem integram o hino daFNLA. "Os quadros do Planalto Cen-tral influenciaram, de uma certa for-ma, para a passagem do tema religio-so para a vertente política", reforçouJaka Jamba. Aliás, na mesma época,um outro cântico surgiu e foi acolhi-do de bom grado.O político fazia referencia à canção“Sumului Oca OlofekaAsuku”, cuja me-lodia tornou-se no hino da Organiza-ção de Unidade Africana (OUA), a ante-cessora da União Africana (UA), que é amesma canção que os sul-africanos in-titulam “SikelelaAfrikaYetu”, que maispalavra, menos palavra, é o mesmo quedizer "abençoe, Ó Senhor, os povos afri-canos e desperte-os do sono da morte".Demonstrando ser um homem decultura, Jaka Jamba referiu-se aoPrémio Nacional de Cultura e Artes(PNCA) deste ano (2014) atribuído aJustino Handanga, na categoria demúsica, como sendo a quebra de um

dos obstáculos que impediu que omesmo vencesse o prémio em edi-ções anteriores.“Nem toda a gente entende a línguaumbundu, sobretudo os círculos maissensíveis a coisa cultural, mas as mú-sicas de Justino Handanga são de umacriatividade extraordinária e pode-mos encontrar uma dimensão que emportuguês não emergiu que é do ba-lanço do tempo da guerra", explicou."A guerra com todas as suas seque-las encontra-se aí ilustrada e não temsó um interesse cultural em termosde música, mas em termos de histó-ria e de criatividade musical. O mes-mo ocorre com grande parte destacultura feita no tempo de resistência.E como foi feita em línguas nacionais,nem todos entendem”, adiantou.Por isso defendeu: "é necessárioidentificar um quadro que permitauma melhor explicação, uma melhorapresentação para ver o que isto re-presenta em termos de criatividadeartística, em termos de mensagens ede um momento histórico, onde ospovos buscaram criar respondendoàs condições e aos desafios que se co-locavam face a sua resistência".Novembro é independência e reme-te-nos à música de intervenção e daarte engajada. E como acontece em vá-rios sectores do nosso país continua-mos a não olhar para um todo e con-centramo-nos apenas num segmento.______________________________________* “Em Sentido Inverso - o outro lado

da música intervenção” in A Capital557 de Novembro de 2014

AS QUATRO COMPONENTES DA MÚSICA DE INTERVENÇÃO DE JAKA JAMBA

10 a 23 de Abril de 2018 | Cultura4 | ECO DE ANGOLA

Marimbeiros

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GASPAR MICOLO

JoRnAL CULTURA - Sabe-se que aantologia traz obras de escritores daCPLP, sobre vários pontos específicos,as suas próprias vivências e a realida-de dos seus países...

Carmo neto - A antologia envolveumais de 100 especialistas e académicosde diferentes instituições profissionais euniversidades de várias partes do mun-do, inclusive de Angola, como os profes-sores Luís Kandjimbo e Manuel Muanza.São três partes que dão corpo ao projec-to. A primeira parte, com o selo do Cen-tro de Estudos Comparatistas da Facul-dade de Letras de Universidade de Lis-boa, tem 1.500 páginas e está disponívelao público leitor em dois volumes, comtextos de mais de 300 autores, entre afri-canos, brasileiros, portugueses, goeses emacaenses, que tenham publicado des-de a chamada época clássica à moderna,designadamente o ano 2000. Depois sai-rá a segunda parte, também com dois vo-lumes e, finalmente, a última parte, comtrês volumes. Com esse projecto, julga-mos não haver estratégia mais soberanapara se pôr em diálogo várias culturas,épocas e fronteiras que se comunicamem português, e desafiar mesmo a capa-cidade interpretativa do leitor, estimu-lando-o a realizar-se nos diferentesgé-neros que compõem a antologia.JC - Quais foram os critérios para a

selecção dos autores?Cn -Tal como referiu numa entrevis-ta a coordenadora do projecto, a profes-sora Helena Buescu, mais do que pensarem presentes e ausentes, o mais impor-tante é reconhecer a coerência do todo eque fazer escolhas implica incluir e ex-cluir. Uma antologia é uma proposta queobedece a critérios, sendo um deles o daauto-realização no limite do simbólico.Os organizadores seleccionaram textosem prosa, excertos de poemas e poe-mas, sempre procurando o equilíbrio.Sei que definiram secções temáticas pa-ra a selecção dos textos e dos autores,além da inserção histórica, o que ficoutraduzido nas dez categorias. Particu-larmente, gostei da selecção, porque no-

tei o alargamento das ideias da multipli-cidade que a língua portuguesa pode re-presentar no mundo da cultura, compausas e sinfonias diferentes.JC - Como avalia a interacção e

cooperação entre os escritores daComunidade dos Países de LínguaPortuguesa (CPLP) e qual o papelque Angola deve jogar?

Cn - Reconheço que a interacção ecooperação poderia ser melhor, princi-palmente porque a CPLP poderia de-senvolver um papel bem mais activo afavor da promoção da diversidade cul-tural que enriquece a língua portugue-sa. O papel de Angola tem sido interes-sante, na participação, promoção deacções e estímulos de parcerias entreautores ou nações. Particularizando ocaso da União dos Escritores Angola-nos, de que sou secretário-geral, esta-mos a trabalhar num projecto com Ca-bo Verde para a construção duma anto-logia com autores dos dois países. Te-mos vindo a convidar autores do espa-ço CPLP e temos participado em even-tos literários através dos nossos mem-bros. Mais recente e evidente é tambémessa antologia. Claro que no capítulo da-quilo que pode ser feito no campo da in-teracção e cooperação entre escritoresdo espaço da CPLP é insignificante. Mas,a nosso nível, é o possível.

JC - Além do lançamento de antolo-gias, que se pode inserir no âmbitodo projecto de internacionalizaçãoda literatura angolana, como se podetirar proveito da tradução?

Cn - Boa pergunta. Olha, pela tradu-ção podemos construir uma nítida cons-ciência e reconhecimento do outro. Ora,do ponto de vista criativo, escrever é já,em si, um acto de tradução de uma pala-vra interior. Mas para o editor, leitor, es-tudioso, etc., a tradução é um processobem mais complexo que leva a tirar umtexto de uma margem linguística paraoutra, implicando inclusive questõesantropológicas. Se considerarmos queAngola é um país com uma produção li-terária ainda aquém do esperado, estarápossivelmente mais aberto à necessida-de de procurarmos a tradução. Ou seja, onosso país está “encravado” entre angló-fonos e francófonos, com produções li-terárias bem mais pujantes do ponto devista quantitativo. De igual modo, a po-pulação potencialmente leitora é bemmais numerosa nos países vizinhos.Logo, por esse caminho, devemos ad-mitir que a tradução, para nós, surgirácomo forma de nos darmos a conheceraos vizinhos e consumirmos o que osvizinhos produzem. Desde o fonemáti-co até o semântico, tendo como refe-rência o contexto situacional do texto, atradução surge não apenas como uma

transcrição exacta do que se encontrano texto original, mas também umaárea em constante evolução capaz deprolongar a vida dos textos. E se pre-tendermos prolongar a vida dos textosdos nossos autores, temos também quetirar proveito da tradução.JC - A longo dos seus mandatos, tem

procurado fundamentalmente con-solidar os projectos já existentes eprocurar parcerias para a concretiza-ção de outras iniciativas de interessenacional e internacional em curso.Que balanço faz até agora?

Cn -Se tiver que resumir esse balançoque me pede, eu diria: insatisfação! Se al-guma coisa foi feita, se alguns livros fo-ram publicados ou reeditados; se algumautor foi internacionalizado, se a diplo-macia cultural foi mais longe através dolivro, se alguns acordos foram celebra-dos com instituições internacionais, en-tre editoras, universidades, fundações,etc, ficará sempre em mim a ideia de quemuita coisa ficou por ser feita até aqui.Não interessa agora falar das razões queconcorreram para o alcance do inatingi-do. Claro que estamos satisfeitos com al-guns projectos que marcarão certamen-te a história recente da União dos Escri-tores Angolanos e da literatura angolanano geral. Mas poderíamos ter ido muitomais além. Entretanto, deixe-me mani-festar a minha satisfação por termosparticipado, como União dos EscritoresAngolanos, num dos mais ambiciososprojectos literários, editoriais e até mes-mo científico-académico no que diz res-peito a organização, edição e produçãode uma antologia como essa: Mundosem Português. A presença de autores an-golanos e de textos que modelam nossosdiferentes contextos colocam-nos numaposição privilegiada para sermos lidos eestudados pelo mundo. Nesse particular,estou imensamente feliz.As condecorações, medalhas e títulos

honoríficos outorgados a Agostinho Netoenquanto nacionalista, médico, lutadorpela libertação, poeta, ensaísta, estãoagora reunidas num livro.

“ESTAMOS SATISFEITO POR PARTICIPARNUM AMBICIOSO PROJECTO LITERÁRIO”

A editora portuguesa "Tinta da China" acaba de lançar a obra “Literatura-Mundo Comparada: Perspectivas em Português”, uma antologia comcoordenação de Helena Carvalhão Buescu e Inocência Mata que reúnetextos literários de todo o mundo em sete volumes. A obra, que propõe umolhar panorâmico e planetário da criação literária desde os textos funda-dores aos escritores revelados até ao ano 2000, conta com o alto patrocí-nio do Presidente da República Portuguesa e tem, a secundá-la, parcei-ros institucionais de relevo: da Sociedade Portuguesa de Autores à Fun-dação Macau, da Comissão Geral da UNESCO em Portugal ao InstitutoCamões, do INIC à CPLP, com financiamento da Fundação para a Ciênciae Tecnologia, e o contributo essencial da União dos Escritores Angolanos(UEA). E é exactamente o secretário-geral da UEA, Carmo Neto, que nosfaz uma leitura dirigida da antologia que pretende marcar uma época esugere muitos estudos. "Particularmente, gostei da selecção, porque no-tei o alargamento das ideias da multiplicidade que a língua portuguesapode representar no mundo da cultura, com pausas e sinfonias diferen-tes", diz o escritor.

LETRAS | 5Cultura | 10 a 23 de Abril de 2018

Escritor Carmo Neto

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GASPAR MICOLOCom várias obras publicadas, An-tónio Agostinho Neto, primeiropresidente da República de An-gola, já se afirmava como um dos maisdestacados intelectuais da sua geraçãoquando lhe foi atribuído, em 1970, oPrémio Lótus, pela segunda Conferên-cia dos Escritores Afro-Asiáticos. Pre-zado como o Nobel afro-asiático para aliteratura, o Prémio Lotus ajudou aproduzir um verdadeiro cânone afro-asiático contemporâneo, tendo aindaprestigiado o poeta palestino Mah-moud Darwish (1969), o escritor sul-africano Alex La Guma (1969), os ro-mancistas Sembene Ousmane (1971 )e Ngugi wa Thiongo (1973) e o novelis-ta nigeriano Chinua Achebe (1975).As referências sobre o Prémio Lo-tus e outros títulos honoríficos atri-buídos a Agostinho Neto foram reuni-das no livro “António Agostinho Neto -Uma Vida por Angola”, lançado, re-centemente, no Memorial AntónioAgostinho Neto (MAAN), em Luanda,pela Fundação António Agostinho Ne-to (FAAN), e cuja apresentação coubeao antigo Secretário de Estado da Cul-tura e escritor, Cornélio Caley.O livro apresenta as condecorações,medalhas e títulos honoríficos outor-gados a Agostinho Neto enquanto na-cionalista, médico, lutador pela liber-tação, poeta, ensaísta, demonstrandoem como se tornou num dos maioresestadistas do século XX no nosso con-tinente. A partir dos títulos se podever a trajectória cultural, política e di-plomática do fundador da Nação, que,após a proclamação da independên-cia, foi distinguido com o título Dou-tor Honoris Causa pela Universidadede Lagos, Nigéria. "O discurso proferi-do por Agostinho Neto, quando lhe foioutorgado o Título de Doutor HonorisCausa pela Universidade de Lagos, Ni-géria, coloca a angolanidade na africa-nidade e esta na universalidade. Porisso, Neto, deixa a cada um de nós, so-bretudo aos académicos e políticos,um grande desafio", explica o escritor.As medalhas, troféus, ordens e ou-tras, outorgadas, vão de 1966 até1979, com Neto em vida e, continua-ram até 2013, com o Troféu Raça Ne-gra da Sociedade Afro-Brasileira deDesenvolvimento Sócio-Cultural de17 de Novembro, a título póstumo. “Elaborado com bastante engenho etécnica, é um livro científico, sumáriomas abrangente, de tal forma que, ape-nas em duas páginas, apresenta-nos abiografia completa de Neto. Destaco aúltima página, em que nos acrescentauma relação toponímica pública de di-versos lugares e sítios de memória, emdiferentes países, com o nome deAgostinho Neto: universidades, esco-

las, aeroportos, ruas, praças, avenidasou hospitais", refere Cornélio Caley.Já a presidente da FAAN, Maria Eugé-nia Neto, disse na abertura que Agosti-nho Neto é a maior personalidade an-golana do Século XX, por ter libertado opaís de armas na mão e por ter procla-mado a Independência e ajudado aÁfrica Austral a libertar-se. Maria Eu-génia Neto acrescentou que, Neto estáno catálogo das glórias humanas e or-gulha todos os angolanos pela sua obraliterária, bem como pelas conquistaspolíticas e militares.Para a presidente da FAAN, o maiorfeito do Fundador da Nação foi defen-der a integridade territorial de Ango-la, expulsando os invasores sul-africa-nos e zairenses do solo pátrio e criaras forças armadas com três ramos:exército, marinha e força aérea, comcapacidade estratégica e táctica.

ANTÓNIO AGOSTINHO NETOUMA TRAJECTÓRIA A PARTIR DAS HONRARIAS

10 a 23 de Abril de 2018 | Cultura6 | LETRAS

Antigo secretário de Estado da Cultura e escritor, Cornélio Caley, apresentou a obra

Irene Neto ladeada da mãe e presidente da Fundação António Agostinho Neto, Maria Eugénia Neto

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ARTES | 7Cultura | 10 a 23 de Abril de 2018HORÁCIO DÁ MESQUITA

E O BARRO SE FAZ ARTE E HABITA ENTRE NÓS

De mãos sujas Modelando o barroO trabalho no torno manual

Forno a gás Tocando concertinaE o barro se fez Arte

JOSÉ LUÍS MENDONÇAHorácio Dá Mesquita é um artis-ta de mão cheia. Toca váriosinstrumentos. E leva semprepor onde vai um ninho de pássaroschilreantes dentro da alma. Modela obarro cinza escuro da Barro do Dande,coze-o a alta temperatura, cobre-o decobalto do Lubango, sobe ao terraçoda casa construída junto à praia deáguas castanhas do Cacuaco e ali dese-nha e pinta coisas que a Vida lhe inspi-ra. É ali também onde extrai da con-certina sons mágicos que os amigosdas tertúlias aos domingos gostam deouvir. Na oficina do quintal, equipadacom forno, tornos, moinhos, embala-gens de argila, tudo forjado pela sua

mão de metalúrgico experiente, o bar-ro se faz Arte e habita entre nós.– Como a combustão não é eléctrica,o forno tem sempre de ser aceso deporta aberta. Seja este forno, seja oforno industrial, tudo o que é combus-tão tem de estar completamente de-simpedido e de porta aberta. – parainício de conversa, assim fala Horácioda Mesquita.O artista plástico liga as enormesbotijas de gás situadas por detrás doforno que ele próprio construiu e on-de já esperam quatro vasos de argilamodelada. O fogo começa a luzir den-tro do forno e o artista vai controlan-do a temperatura:– Se não for aceso desta forma, o for-no corre o risco de explosão, pois não

há escapatória dos gases, – continua DáMesquita, debaixo do zinco da oficina edo chilreio dos pássaros, nas grandesnimis que preenchem o quintal comuma sombra amena. – As peças vão pa-ra forno completamente secas, e de-pois de estarem já no forno, convémanda fazer uma estufa. Enxaguar tudo oque seja humidade, porque a argila ab-sorve-a. Se as peças forem húmidas pa-ra forno, partem-se. E subida da tem-peratura deve ser extremamente lenta.Horácio Dá Mesquita faz uma pausa ecomeça falar da técnica da vidragem,que é a coloração que se empresta aobarro já cozido, para lhe dar uma apre-sentação mais fina e um brilho expositi-vo. É uma cobertura com óxidos metáli-cos, que vão ao forno, a mais de mil

graus, que é o ponto de fusão dos metais. A vidragem e composta de metais oxi-dados. Vem do cobalto, explica Dá Mes-quita, misturado com fundentes: bórax,um fundente de temperatura. Este pro-cesso exige muitos ensaios, ou testes. “Ostestes são constantes, visto que muda-mos sempre de argila”.– Vamos buscar a argila à Barra doKwanza. Os caulinos – para fazer a por-celana e a faiança – estão a vir do Luban-go. Do Uíje vem esta argila branca –mostra artista. – Depois de amassado,vai para o moinho, de onde sai já prepa-rado e depois é condicionado em sacosde plástico, para não absorver nenhumoutro elemento da natureza circundan-te, Senão fica duro. Depois de prepara-do, levo-o para a roda (torno manual).

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8 | ARTES 10 a 23 de Abril de 2018 | Cultura

REPENSAR A INDÚSTRIA– Tenho alguns aprendizes. E vêmtambém artistas. Depende. Todosaqui ao redor percebem de cerâmica econhecem os equipamentos. Eu ensi-nei-os e eles construíram aqui comigo.É um dever, uma obrigação que nós te-mos, de passar os conhecimentos. Se-não, o pais retrocede. Com esta idade,estamos no auge do conhecimento. –Dá Mesquita profere estas palavrascom certo orgulho e solenidade.Angola importa as matérias-pri-mas, explica o artista. Segundo ele, “émelhor seleccionar os reformados –que existem e são detentores desseconhecimento todo – e ensiná-los atransformar as nossas matérias-pri-mas. Estamos a pisá-las. Andamos e ci-ma delas. O estrangeiro leva-as e nãotransmite o conhecimento. O grandeproblema é que temos muita gente ta-lentosa, engenheiros formados quenão reproduzem esse conhecimentoprático, que só se adquire trabalhandonas grandes indústrias e com a idade.Temos de dar aos reformados as con-dições necessárias para eles transmi-tirem o conhecimento, seja nos me-tais, na fundição, na metalurgia, na ce-lulose, em todos os ramos da nossa In-

dústria. Onde nós estamos atrasados,é mesmo na nossa Indústria. A Indús-tria apoia tudo, seja nas peças de repo-sição, seja nas embalagens. Temos de importar as embalagens,e muitas vezes as embalagens são50% do produto, Nós não estamos aproduzir riqueza. Não conseguimosfortalecer a Economia, então não va-mos produzir riqueza. Temos de re-pensar a Indústria e os locais ondeelas devem ser instalados. A maiorparte está instalada onde não há ra-mais de electricidade, pelo menosindustrial. E funcionam a gerador.Gastam muito, enormes quantida-des de combustível, gás, compostosderivados do crude. Mesmo a indús-tria cimenteira não tem necessidadede importar o isolante térmico dosfornos. Temos aqui boa dolomite emtodo o lado. Na era colonial, tínha-mos angolanos a fazer esse trabalho.Agora não existem?MÚSICA NO TERRAÇO– O meu atelier é própria casa – dizHorácio Dá Mesquita. – Subo lá paracima (terraço), onde também faço astertúlias. Aos Domingos, o pessoal,quando sai do Poeira no Quintal, vempara aqui. São meus contemporâneosna música. Sentamos aqui no terraço,fazemos as nossas tertúlias, come-mos o nosso mufete.Dá Mesquita sempre foi músico. Co-meçou a praticar as duas artes – a mú-sica e as artes plásticas – ao mesmotempo. Primeiro a música. O pai deleserá guitarrista. Portanto, anda ele es-tava na barriga da mãe e já ouvia osacordes da guitarra. Em Benguela, nafamília, havia sempre tertúlias aos finsde semana, reuniam-se violões, gui-tarras e outros instrumentos.O desenho, a pintura, veio aos 4anos. Os tios do artista eram metalúr-gicos. Eram homens de concepção, demáquinas, fundidores, dominavam oaço e uma série de metais. – O meu avô montou os fornos da fá-brica de cimento SECCIL, do Lobito, há65 anos. Herdei dele. Sempre gostei deconstruir, fazer máquinas, estudar, in-

vestigar, todas essas tecnologias, a ter-modinâmica, que é a área que domino.AS MÃOS SUJAS DE ARGILA– Vou trabalhar aqui um bocado –diz., já equipado com vestes para sujare uma boina à Che na cabeça.Horácio Dá Mesquita prepara amassa. O barra tem de ser trabalhadode forma especial, tem de ficar com-pletamente homogéneo. Se não forhomogéneo é como um pedaço de ma-deira com um nó. Vai ressaltar muitonaquele nó. Ou uma peça de metal emque a liga não seja homogénea. No tor-no dá mau resultado, diz o oleiro. Ouvem-se os ruídos da roda que semove ao esforço do pé na grande rodainferior e o som peculiar dos dedos amoldar a massa.– A aprendizagem desta arte levaum ano. É como aprender a tocar uminstrumento, – explica o oleiro. Passados alguns minutos de atentotrabalho de mãos e pé, surge na rodasuperior do torno um vaso. Com o auxí-lio de um fio finíssimo, Dá Mesquita se-para-o da base e transporta-o para umamesa, onde ficará a secar por quatrodias. A seguir vai controlar o forno, queagoira está a uma temperatura de 250graus. A chama lá dentro está azul, oque quer dizer que todo o monóxido decarbono está eliminado. Se a chama foramarela, deita fumo, explica o artista. Eescurece a loiça. E nem sobe a tempera-tura. A temperatura da cozedura tem deatingir os 950 graus. Na vidragem temde chegar aos 1020 graus. Ao lado do torno manual repousa umoutro eléctrico, para produção em série.Funciona com moldes de gesso. Um galacanta algures, sobrepondo a sua voz aochilreio dos pássaros. No quintal ao la-do, está um esqueleto em ferro, a ser sol-dado por um colega de Dá Mesquita. É onovo torno eléctrico que vai nascer dali.Deitado sobre as patas dianteiras,Dikanza, a cadela-polícia do artista,olha em silêncio para o sopro vital queo barro adquire nas mãos de Dá Mes-quita, naquele paraíso de grandes ár-vores carregadas de pássaros, enquan-to ele limpa as mãos sujas de argila.

Azulejos Terraço das tertúlias

Torno eléctrico

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ANALTINO SANTOSNo Jade Rooftop, Sandra Cor-deiro apresentou sucessoscomo “Tempo”, “Não dá maisvoltar”, “Vou viver”, “Hoje”, “Talvezum dia”, “Esquece”, “Jiminina”, ”Luan-dense” dentre outros que a consagra-ram como uma das principais refe-rências do “afrojazz” nacional.Com dois trabalhos editados “TataNzambi” e “Luandense”, Sandra Cor-

deiro começou a despontar na Igrejado Carmo. Lá dá os primeiros passoscomo corista, onde aos 12 anos passaa solista do coro. Em casa, os discosdos grandes astros da “blackmusic”moldaram musicalmente a adolescen-te. Depois de ter interpretado “ I'mOutta Love” de Anastacia em 2006, noconcurso "Estrelas ao Palco" em 2006,começa a cantar em bares e restauran-tes na companhia de várias bandas na-cionais e internacionais. A artista foi vencedora do ‘Prémioda Canção Cidade de Luanda’, em2006, arrebatando no mesmo concur-so os galardões de “Melhor Voz”, “In-terpretação” e “Letra”. Neste mesmoano venceu o Festival de Música Popu-lar Angolana (Variante). Com a participação no Festival daCanção de LAC, em 2005, estabeleceuuma forte parceria com o produtor Ni-no Jazz, que foi fundamental na grava-ção do disco “Tata'zambi”, lançado pe-la Kriativa, em 2008, o seu álbum deestreia com o qual venceu os prémiosRevelação e Criatividade. Com o mes-mo trabalho, o reconhecimento inter-nacional chegou ao ser nomeada parao Prix Decouverte RFI da Rádio Fran-cesa, que destaca a 10 melhores novasvozes de África.Destaque para o ano de 2014, quan-do foi consagrada como a melhor doafrojazz no Top da Rádio Luanda e noAngola Music Awards (AMA). Importasalientar que no palco do ‘Jazz no Ku-

bico Fusion’ já passaram, entre outrosartistas, Tito Paris, Jack Nkanga, J.Lou-renzo e muitas outras referências quemarcam a chamada “música alternati-va” e já teve um Festival Internacionalcom as presenças internacionais doRapper e activista brasileiro Emicida,de Portugal a cantora Joana Machado ea dupla Mano a Mano, enquanto queSelda, Anabela Aya, Totó ST, Irina Vas-concelos, Amosi Just A Label e Kamu-tupu Project foram as propostas na-cionais presentes. É NOIZ Festival

Jazz no KubikuNuma época que os produtores recla-mam da dificuldade em realizar eventoscom artistas internacionais e reunirgrandes estrelas angolanas, eis que aKent Managements, de Francisco Valen-te, o fotógrafo Nuno Martins e o artistaplástico Binelde Hyrcan arriscaram coma proposta do Festival Jazz no KubikuFusion. O rapper brasileiro Emicida, foio principal cabeça-de-cartaz, Portugalfoi representado por Joana Machado e adupla Mano a Mano, enquanto a pratade casa participaram Totó St, Selda, Ana-bela Aya, Irina Vasconcelos, A Mosi Just aLabel, e Projecto Kamutupu. Foram duas noites com música dequalidade, não obstante a pouca afluên-cia do público, que ficou aquém da ex-

JAZZ NO KUBIKU SANDRA CANTANO KUBICO DO JAZZ

Um projecto que começou numapartamento com a necessidade deouvirem Jazz, não propriamente ode raiz, mas as vertentes mais dige-ríveis. Aspectos que mais marca oJazz no Kubico/ Fusion são os con-certos intimistas e o sentimento defesta, entre amigos que mensal-mente os organizadores propõem.Sandra Cordeiro foi a proposta domês de Março.

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pectativa da organização que previacerca de 1000 espectadores. O Jazz de“raiz” esteve praticamente ausente, oque marcou presença foi a música defusão. O afrojazz, bossa-nova, Rap. aMassemba à André Mingas e Muken-ga, o Rock, Afro-house, Blues, Soul eoutras sonoridades que misturadasdão uma musicalidade mais eclética,marcaram e encantaram a plateia. Ân-gelo Reis foi o Mestre de Cerimonia doevento, marcou o festival com um esti-lo de apresentação sui-generis, divi-dindo a plateia quanto ao grau deaceitação.Foi ao som de “Monami” da saudosaLourdes Van- Dunem que Emicida co-meçou a actuação, encerrando o Festi-val Jazz no Kubiku Fusion, marcadocom boas apresentações e com poucaplateia. O principal cabeça-de-cartazdo festival esteve sem os membros dasua banda, fazendo-se acompanhar deum Dj. O homem que em tudo ouvia avoz de sua mãe e que viu Deus numamulher preta, teve no concerto deLuanda, a materialização de um so-nho, cantar em África. A performance do rapper e activistabrasileiro foi fortemente marcada pe-la apresentação do álbum “ Sobrecrianças, quadris, pesadelos e liçõesde casa” de 2015 que, dentre outrosmotivos, teve a visita que efectuou emLuanda e em Cabo-Verde, fontes deinspiração, comprovada em “Mufete”.Joãozinho Morgado, Mayo Bass, Texase Joel participaram na gravação em es-túdio de “Mufete” que interpretada noClube Náutico foi carregada de emo-ção e gratidão, quer pelo facto de Emi-cida apresentar ao vivo em Luanda, acidade onde os “chamadores de can-dongueiros” têm musicalidade e os ci-tadinos se identificarem com a mensa-gem; e gratidão pela forma como ospresentes receberam a música que fa-la das suas “quebradas”.Assim como “Mufete”, o tema “Pas-sarinhos”, um dos mais conhecidos deEmicida em Angola, proporcionou ou-tro grande momento, com Selda, dan-do o toque angolano, na parte inter-pretada em estúdio por Vanessa daMata. “Mandume” um som mais pesa-do conquistou os angolanos, não ape-nas pelo nome do herói nacional“Mandume Ya Mufuelo” mas a mensa-gem que aborda a união, a gratidão,amizade e com um pendor interventi-vo forte. O homem que respeita todasas quebradas não deixou de lado Na-grelha e citou algumas “noias” mar-cantes deste jovem que marca o Sam-bila, ficando bem claro que Emicida“provou e gostou” Emicida trouxe as estrelas das noi-tes de “Madagáscar” e o amor foi cha-mado implorando a bênção de sone-tos de amor de Pablo Neruda e outrostantos versos de Mia Couto. “Mãe”,Baiana” e “Boa Esperança” foramaplaudidos. Emicida ofereceu o Rap,MPB, dentre outros sons e até convi-dou o pessoal para dançar kizomba aosom de “Mufete”. Emicida aproveitou e fez uma re-trospectiva na sua discografia “ O Glo-

rioso Retorno de Quem Nunca esteveAqui”,” Doozicabraba e a Revolução”,Emicidio” “Sua Mina ouve meu Rap” e“Prá quem já mordeu um cachorro porcomida, até que eu cheguei mais lon-ge” mostrando não apenas as suasmensagens conscientes mas dando oexemplo de superação e de afirmaçãodo menino Leandro que começou porvender os discos de mão em mão e queconquistou o showbizz brasileiro,sendo um dos maiores empreendedo-res culturais com a sua produtora La-boratórioFantasma, hoje espécie deMotown brasileira.A noite e o festival terminaram comum dos maiores sucessos de Emicida,a motivadora “Levante e Ande”, umamensagem que apesar de ser autobio-gráfica se estende a todos aqueles quelutam pelos seus sonhos.À margem do festival, Leandro Ro-que de Oliveira “EMICIDA” apresentouo documentário “Noiz”, que faz partedo mesmo projecto onde consta o ál-bum "Sobre Crianças, Quadris, Pesa-delos e Lições de Casa” gravado em Ca-bo Verde e Angola.Anabela Aya foi a primeira a subir aopalco e deu o seu melhor. A cantora queexplora muito bem a expressão corpo-ral, fruto da carreira que consolidou noteatro, teve como acompanhantes NinoJazz (teclado), Mayo Bass (baixo), Yas-mane Santos (percussao), Carlos Praia(solo) e Dilson Pitter Groove (bateria).Se com “I love bué, Tic Tac” a sensuali-dade musical de Anabela surge com te-mas como “Teu nome um”, do composi-tor Jomo Fortunato, a Massemba teveum andamento perfeito, com Nelo Jazz,fazendo jus ao nome, jazzeando nos te-clados. Um outro momento foi o toquedado a “Mabele” de Óscar Neves e “ Tia”de Artur Nunes fazendo um entrosa-mento entre temas que marcaram ocancioneiro nacional, com nuancesmodernas, com um groove de MayoBass. Bob Marley e as divas da black-music americana, assim como um to-que Zulu preencheram a primeira pro-posta do Jazz no Kubiku. Anabela Ayamais uma vez exagerou na improvisa-ção e em certos momentos a banda de-monstrou que ensaiou pouco, mas fru-to da cumplicidade que têm noutrosprojectos, o concerto agradou os pre-sentes. Anabela Aya venceu o “GrandePrémio Canção de Luanda”, edição de2017 e em Outubro deste mesmo anoparticipou no Festival de Fado. A segunda atracção da noite, Selda,que levou o pessoal “Naquela Rua”,com “Palavras Doces”, dentre outrostemas do álbum “Morena de Cá” e pro-postas para o aguardado segundo dis-co. Guiselda Tainara Salgueiro Porteli-nha ou simplesmente 'Selda', nasceu a4 de Julho, no Huambo. Os primeirospassos na música surgem aos 12 anose dois anos mais tarde começa a com-por. Em 2005 conhece Toty Sa` Med eCaetano, dois rapazes que estavam amontar uma banda, e junta-se a elespara formar a banda Cueca e Boxes,mais tarde ‘The Kings’, onde era voca-lista e única rapariga. Fez parte destabanda durante quatro anos. Em Se-

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ARTES | 11Cultura | 10 a 23 de Abril de 2018tembro de 2006 foi convidada pelo au-tor e compositor Jomo Fortunato a in-terpretar uma de suas canções com otítulo ‘Essa Voz’ no Festival da Cançãoda LAC, onde foi eleita a preferida dopúblico. Selda canta Soul Music, AfroJazz, Blues, Bossa Nova e muitos ou-tros estilos e é dona de uma voz incon-fundível. Com Morena de Cá em 2012,no Angola Music Awards, conquistounas categorias de Álbum Acústico, Me-lhor compositor, Voz Feminina, Me-lhor música. E com a música "AquelaRua", no Top Rádio Luanda, foi consi-derada a voz feminina revelação. De-pois da estreia, a cantora tem sido umapresença constante em festivais do ge-néro como aconteceu no Jazzing e emprojectos musicais como Show doMês, Trienal de Luanda, Jazzmente,entre outros; daí a escolha para o Fes-tival Jazz no Kubiku Fusion Totó ST fez o concerto mais aguar-dado e aplaudido da primeira noite,demonstrando muita maturidade empalco e tendo levado o público cantaros seus principais sucessos. O músicoacompanhado do seu violão, cantoucom a cumplicidade do jovem guitar-rista Mário Gomes, nos solos e ritmos,o baixista Kris Kasinjombela e o cuba-no Yasmane Santos na secção percussi-va. O artista teve um ano com váriasapresentações mediáticas como: na IIITrienal de Luanda, Show do Mês e umadigressão no Reino da Espanha. O artis-ta teve o reportório assente nos discos“Filho da Luz”, lançado em 2015, "Vidadas Coisas" (2006) e "Batata Quente"(2009). Serpião Tomás, ou simples-mente Totó ST, notabilizou-se pela for-ma percussiva de tocar a guitarra e naaposta de fusões rítmicas. Totó encon-tra-se a preparar o seu próximo álbume em Janeiro deste ano actuou na cida-de de Maputo. Este exímio “trovadormoderno” tem as seguintes distinções:Melhor Afro Jazz - World Music” no An-gola Music Awards, edição 2015 e nomesmo ano “Melhor Afro-Jazz” no TopRádio Luanda, entre outras.Joana Machado e Mano a Mano, dalegião portuguesa actuaram de segui-da, dois projectos diferentes, que nanoite do primeiro dia se fundiram pa-

ra o festival. Com uma sonoridade as-sente no jazz, soul, blues, bossa-nova,mpb e outras tendências da Black Mu-sic esta proposta foi penalizada querpelo atraso do início do evento, comodo show arrasador de Totó ST. JoanaMachado é da Madeira, aos seis anosentra no Conservatório e aos 17 mu-dou-se para Lisboa onde frequentoudurante um ano o curso de canto daAcademia de Amadores de Música e,mais tarde, integrou a escola de Jazz doHot Clube de Portugal. Em 2002 mu-dou-se para Nova Iorque a fim de fre-quentar o programa de Jazz e MúsicaContemporânea da New School Uni-versity, que concluiu com uma Bolsa deEstudo atribuída por essa instituição.Joana Machado já integrou o car-taz de inúmeros festivais de jazz e ou-tros eventos, tendo colaborado comdiversas orquestras e big bands. Edi-tou cinco álbuns em nome próprio e asua discografia inclui ainda partici-pações em gravações de Abe Rábade,Amílcar Vasques Dias, Ricardo Pi-nheiro e Septeto do Hot Clube de Por-tugal. Lifestories (2016) é o últimodisco da cantora e reúne dez composi-ções da sua autoria. André Santos eBruno Santos, dois irmãos tocam jun-tos há tempos, apesar dos 10 anos queos separam. Começaram a tocaremjuntos na Madeira, apostando nos“standards” e “bossas” típicos de“jam session”. Com passagens emPortugal em espa-ços como:

Hot Clube, Ondajazz, Café Tati, Ba-calhoeiro Coolectivo Cooltural, Canta-loupe Café, Scat Funchal J Irina Vascon-celos abriu as hostilidades sonoras,com uma proposta com incursões noRock e todos os ritmos que tem experi-mentado, prendendo os presentes. Clo-vis com a guitarra fez o que mais gosta,os solos psicadélicos do Rock, enquan-to Kappa D deu o groove da música afri-cana. Irina Vasconcelos ao som de"Praia Morena", o seu mais recente su-cesso e música mais aclamada, provouque como a famosa Praia Morena, elaapesar de pequena é cheia de garra, eque na frescura daquela noite, conse-guiu abrir as portas das almas e cora-ções dos presentes. Músicas como "Be-lina" e outros temas autorais e versõesantecederam "Kilapanga do Orfão", umdos principais hits do Café Negro. A can-tora interagiu com o público de formasalutar. Também tratada por Clave Ban-tú, a intérprete e compositora conquis-tou o panorama nacional, inicialmentecom o Rock e depois com sons maisecléticos e versões de músicas angola-nas que ganharam um toque especialno seu timbe vocal. Versátil e irreveren-te, com a banda de rock Café Negro, em2014 recebeu o prémio do Grupo doAno no Angola Music Awards e de lá pa-ra cá tem conquistado outros trofeús.Amosi Just A Label que no passadofoi Jack Nkanga teve o seu espaço. Oartista que se estreou no mercado dis-cográfico em 2014 com disco "Oops"onde encontramos “Sonhador”, “Its sohot”, “Eu e a garina” e “Arts & Grafts”,dentre outros, aproveitou e apre-sentou algumas novidades so-noras, assim falou do recente re-conhecimento em França, pelaRFI. Clóvis como solista, KrisKasanjbela no baixo e Dalú Ro-geé na percussão deram o supor-te instrumental que foi essencialpara a segunda actuação, do segundodia, onde mais uma vez o cantor incor-porou estilos africanos, com o funck, osoul e o rock. Importa sempre salien-tar a pesquisa que tem feito com o Ko-nono ritmo Basongo que tem introdu-zido em alguns temas. Amosi Just ALabel prepara o álbum “Konono Soul”

com combinações de sons da músicanegra numa estética singular, dandovida aos elementos derivados do Ko-nono, Funk, Soul, Punk e Jazz. Kamuputu Project trouxe a “vibetropical” do seu Afro-house com letrascheias de poesia. E como disse a can-ção era só “alegria, rosas no ar”, umaaposta que se encaixou perfeitamenteno line-up do Festival, até parecia quenão faltava nada. Ricardo e Paulo Al-ves contaram com Ciryus que substi-tuiu Gari Sinedima, ausente por ques-tões de agenda e com Ivan Alekxei. Te-mas como “Vizinha Maria”, “Vibe Tro-pical” proporcionaram momentos de“chiling” e serviram como um autenti-co “warn-up” ou seja de aquecimentopara a grande atracção do Festival Jazzno Kubiku Fusion, o brasileiro Emici-da. Para os presentes passou desper-cebido a ausência da Banda Mortem,da Dinamarca.

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ADRIANO DE MELOEntre a tradição e o quotidianoexiste todo um potencial inova-dor em termos culturais que po-de ser explorado e apresentado ao pú-blico. Este é o conceito que levou váriosartistas dos países de língua portugue-sa a unirem traços para, juntos, criaremo Volume II de “Autores Lusófonos”.A mostra colectiva, patente no Ca-mões - Centro Cultural Português -,em Luanda, até o dia 26, traz nomesconhecidos das “belas artes”, queprocuraram, no cruzamento de gera-ções, trazer diferenças e pontos co-muns na sociedade dos seus países. O objectivo como fica patente paraquem for visitar a mostra, aberta aopúblico das 10h00 às 18h00, é co-nhecer um pouco mais da realidadedestes países, a partir da visão dosartistas. Os temas em destaque emcada um dos trabalhos expostosapresenta a visão, mais centrada nolado humano, de cada um dos artis-tas convidados desta edição, queprocurou “olhar” não só para o pre-sente, mas também o passado eperspectivar o futuro.Com “Autores Lusófonos”, os artis-tas procuram também apresentar asua ideia sobre certos momentos eexpressões estéticas, que são partefundamental da história e da culturade qualquer um dos seus países. Asmudanças sociais e culturais, provo-cadas por influências externas eaquelas que são comuns a dinâmicada própria sociedade, também estãoem foco na exposição.

Ao visitante diversas questõessurgem ao visitar a exposição. Mas omais importante a reter é a ideia ge-ral, que é mostrar a lusofonia e assuas sociedades num panorama con-temporâneo e mundial, onde a tradi-ção e o modernismo convivem ecriam vários dilemas para os lusófo-nos. Para representar a ideia, artis-tas de duas gerações, sendo umacontinuidade da outra, uniram osseus talentos, através da pintura, fo-tografia, desenho, escultura ou mon-tagens, e fizeram da língua um ele-mento de ligação.Apesar de terem muitos traços co-muns, a diversidade, gerada pela re-flexão individual de cada um dos ar-tistas convidados da mostra e as suasanálises da sociedade actual, dão um“toque especial” feito para atravessar

as fronteiras da língua, através da suaimagem e expressão artística. OS ARTISTASA segunda edição da exposição“Autores Lusófonos” tem diversos no-mes como destaque. A maioria com aexperiência de anos como referência.Outros nem tanto, apesar de já esta-rem ligados há décadas as artes. En-tre os nomes desta edição destacam-se os angolanos Délio Jasse, Ihosvan-ny, Kiluanji Kia Henda, Lino Damião,Paulo Jazz, Paulo Kapela, Paulo Kussie Yonamine, os portugueses Rita GT,Francisco Vidal e Inez Teixeira, o gui-neense Nú Barreto, os moçambica-nos Jorge Días e Mauro Pinto, o cabo-verdiano Abraão Vicente, o são-to-mense René Tavares e a brasileiraRossana Ricalde.

O CONVITEO projecto artístico é uma iniciati-va da Fundação PLMJ - Advogados,de Portugal, que decidiu apostarmais na cultura, desde 2001, comoforma de incentivar a arte e os seuscriadores. A princípio o projecto eradireccionado apenas à arte portu-guesa. Mas com o intuito de o tornarmais amplo decidiu-se incluir os deoutros países lusófonos.A primeira edição foi realizada emMaputo, em 2016, numa iniciativada referida fundação, em parceriacom o Camões, no 11º Encontro dasFundações da Comunidade dos Paí-ses de Língua Portuguesa (CPLP).Desde a primeira edição até hoje oobjectivo de mostrar a actual criaçãocontemporânea das gerações maisrecentes manteve-se.

ARTE LUSÓFONA NO CAMÕES

TENDÊNCIAS E INOVAÇÕES EM MOSTRA

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KINDALA MANUELOfilme “Cobaias 72 Horas deTerror” é a nova aposta cine-matográfica que o realizadorangolano, Funzula Eduardo “Genuí-no” tem levado às salas de cinema dopaís, desde Fevereiro do corrente ano.Com tempo de uma hora e 50 mi-nutos, o filme é um misto de acção,drama e terror, enquadrado no pro-jecto “Cinema da Minha banda”, lan-çado em Dezembro do ano passado,pela produtora Maffia Filmes, umprojecto de abrangência nacional,que visa à formação de actores e pro-dução de filmes de baixo custo, exibi-dos em zonas urbanas e subúrbiosem vários pontos do país.O filme estreou na segunda quinze-na de Fevereiro do corrente ano, na ca-sa da Juventude de Viana, e já foi exibi-do na Mediática Zé Dú do Cazenga e emsimultâneo, nas províncias do Bengo,Uíge, Zaire, Cuanza Norte e Sul, Moxi-co, Malange, Cabinda e Benguela. Deacordo com Genuíno, o projecto prevêa exibição do filme ao longo do ano, emtodas as províncias do país, juntamen-te com outros títulos da produtora. Escrito por João Manuel Kimbum-buisa, o argumentista de “Cobaias 72horas de terror” inspirou-se em ce-nas do dia-a-dia, ligadas a tradição,usos e costumes vivenciados tantoem regiões urbanas e rurais de An-gola, como a crença no feiticismo,também associado às ambições des-medidas da juventude, que na ânsiado lucro e riqueza fácil, tem aposta-do em actos que em nada dignificama boa educação e a moral. Para o pré-roteiro, o ficcionista apoiou-se tam-bém nos dois últimos filmes da pro-dutora, o “Sangue derramado” e “Pâ-nico na floresta” escritos pelo pro-dutor Finda Artes.O filme conta a história de um gru-po de jovens que em busca de melho-res condições de vida, vão à procurade uma estátua de grande valor e nodecorrer das buscas descobrem que azona era dominada por homens infec-tados por um tipo de vírus, que alteraa aparência humana, transformando-os em seres perigosos. Este vírus ob-riga o grupo a enfrenta-los, com a con-dição de cumprirem a missão em 72horas, ou abandonar o território. CONFLITOCom a esperança de que a estatuamudaria suas vidas, o filme é divididopor cenas de discórdias e ambições en-tre os elementos do grupo, sentimentoque em momentos coloca em perigo amissão. Das mais conhecidas técnicasdo roteiro cinematográfico, o “confli-to” no filme “Cobaias 72 horas de ter-ror”, centraliza-se no plano de alcanceda peça valiosa, a estátua misteriosa,

onde na sequência do enredo, vêmos aambição entre os elementos do grupo,que diante do perigo eminente, uns de-cidem desistir, enquanto outros, prefe-rem colocar as mãos no suposto tesou-ro, com a condicionada operação acon-tecer em menos de 72 horas, pois, aci-ma deste tempo, todos estariam dizi-mados pelos seres estranhos, posses-sos de espíritos malignos daquela re-gião. Entre as personagens, já à meioda missão, Ngola o mais calmo do gru-po, entre a suposta peça valiosa e a vi-da, preferiu ouvir a voz da razão, deci-dindo afastar-se da tal aventura, acon-selhado os restantes colegas a valori-zarem o bem da vida em detrimento dariqueza fácil. Mas Afra, o gananciosodo grupo, não aceita a proposta e con-vence Luinga a ficar, tomando destaforma a decisão que viria determinar orumo de suas vidas.DA CARACTERIZAÇÃO AO TERRORDe acordo com Genuíno, o terror é umgénero cinematográfico ligado à fanta-sia especulativa, que, com ajuda da ca-racterização e softwares de edição naprodução final, causa medo e aterrorizaa consciência das pessoas. Conhecidono mundo da arte e do cinema como“Maquilhagem artística”, a caracteriza-ção é a acção de maquilhar visualmenteàs personagens para a representação.Formado no curso de caracterização pe-la TV Miramar Moçambique, em 2009,Funzula Eduardo “Genuíno”, disse queproduzir um filme de terror no real sen-tido, envolve muitos gastos, na comprade material, sobretudo para caracteriza-ção de feridas. Para minimizar a situa-ção, o cineasta tem usado material depouco custo. No filme “Cobaias - 72 ho-ras de terror” usou papel higiénico, Colabranca, pó e massa de múkua, ginguba,massa de carro e corante de gelado. Nofilme “Sangue derramado” produzido

em 2015 e no “Pânico em Cacuaco”, usouplasticina, gelatina, corante de gelado epapel higiénico. O realizador adverteque para a produção de um filme de ter-ror, exige-se técnicos especializados,desde a caracterização à produção final,tendo em conta as cenas de continuida-de. Para o realizador, a produção cine-matográfica da actualidade compadece-se com o que o público quer ver e nãocom o que o realizador oferece. "As pes-soas ficam entediados ao assistir filmesque não mudam de formato há mais de20 ou 30 anos, como os policias, os de ac-ção e as novelas. “Quando alguém apa-rece com algo não muito secular, comoos filmes de temáticas animistas tradi-cionais e religiosas, que mostram valo-res culturais de uma determinada re-gião, conquista audiência perante o pú-blico”, disse. Gravado no ano passado,entre as províncias de Luanda, zona dasMabubas e Caxito, e do Bengo, “Cobaias-72 horas de terror”, foi produzido pelaMaffia Filmes e Nginga TV, e realizadopor Funzula Eduardo “Genuíno”.“CINEMA NA MINHA BANDA”O projecto “Cinema na MinhaBanda”, da produtora Maffia Filmes,pertencente ao realizador, “Genuí-no” é um projecto criado em 2014,que funciona em um estúdio impro-visado na casa do seu mentor, sita naVila Alice, que visa a feitura de umtipo de cinema com poucos recursosfinanceiros, dando oportunidade ajovens interessados em aprendertécnicas de cinema.Funzula Eduardo “Genuíno” con-sidera o projecto uma porta abertaao surgimento e desenvolvimentode artistas da nova geração e anóni-mos, desde que possuam talento evontade de aprender e fazer cine-ma. De acordo com o realizador, oprojecto não tem patrocinadores esobrevive com o rendimento das

exibições dos filmes já concluídos.Desde a sua criação em 2014, opro-jecto já formou vários actores de cine-ma, muitos deles solicitados por ou-tras produtoras para integrarem ou-tros projectos cinematográficos. Parao cineasta, é possível gravar três fil-mes em simultâneo, por se tratar deobras de pouco custo financeiro e con-tam com os mesmos actores que vãomudando de figurino em função dopapel e o tipo de filme que desempe-nham. Para melhor divulgação do ci-nema nacional, consta do projecto aexibição das obras, nas zonas subur-bana e rurais do interior do país.O projecto criado em 2014, já pro-duziu mais de cinco filmes. Entre estedestacam-se “Sangue Derramado”,feito no Bengo, em 2015, “Vidas emRiscos” rodado em Luanda, Benguelae Portugal, em 2017, “Fúria no Kala-wenda”, gravado no Bengo e Luanda,em 2017, “Cobaias - 72 horas de Ter-ror”, filmado em Caxito, em 2017, eencontra-se em rodagem, em Luanda,o filme “Traição Morta”, que é lançadoainda este ano.

ARTES | 13Cultura | 10 a 23 de Abril de 2018PROJECTO “CINEMA DA MINHA BANDA”

GENUÍNO LEVA TERROR ÀS SALAS

Jovens actores durante as filmagens de “Cobaias 72 Horas de Terror”

Realizador Funzula Eduardo

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Este livro de Jean-Michel Mabe-ko-Tali, Guerrilhas e Lutas So-ciais - O MPLA perante si pró-prio (1960-1977) está condenado aser uma importante referência paraquem se interesse pela história doMPLA ou, mais geralmente, pela histó-ria política de Angola. O presente tra-balho provém da sua tese de doutora-mento apresentada em França. No en-tanto lê-se com extrema facilidade,graças à forma fluente e ágil como estáescrita, à riquíssima informação e épioneiro em muitos aspectos. Jean-Mi-chel, que conheço há cerca de 45, 30anos, era ele um jovem de olhos esqua-drinhadores e perspicazes em Brazza-ville, Congo, onde nasceu, talvez sejahoje mais angolano que congolês. Nãofalo de nacionalidades de papel, queacaba por ser o menos importantenestas questões de identidades, mas amaneira de ser e o sentimento comque ficamos agarrados a um chão, oque consideramos nosso. Tanta vivên-cia tem ele de Angola e tantos laçospessoais, tecidos desde a sua tenra ju-ventude, que é evidente ser dos nos-

sos. Mas o facto de ter nascido e cresci-do fora, numa família diferente, mar-cou-o indelevelmente. Também. O que lhe dá uma característica, e éessa que me interessa para aqui, ago-ra, de ser de dentro e ao mesmo tempode fora. Quer dizer, ele olha para Ango-la e a sua história com dois olhares di-ferentes, o de dentro e o de fora, con-forme achar melhor no momento. Oque é uma enorme vantagem para po-der analisar a realidade, ao mesmotempo de uma forma racional, desa-paixonada, apontada do exterior, ecom o carinho e interesse que só o fi-lho tem pela mãe. Penso que quem lereste livro sentirá constantemente apreocupação com a objectividade, abusca aprofundada das fontes e, van-tagem suprema, o conhecimento pordentro daquilo que se passou, a com-preensão pelos sentimentos dos acto-res que fizeram a História e portanto aemotividade que, por vezes, só ela po-de explicar gestos, atitudes, rotinas depensamento, aparentemente meno-res, mas que, em momentos decisivos,podem marcar o percurso de um país.

E este livro trata efectivamente dopercurso de Angola, visto a pretextoda história de um dos seus elementosconstitutivos, o MPLA. Haverá certa-mente quem não concorde totalmen-te com o facto de eu considerar oMPLA um dos elementos constituti-vos da nação angolana.Felizmente para o género humano,há sempre alguém que protesta, pois aunanimidade mesmo que momentâ-nea tem sido geradora das piores into-lerâncias. Mas se fizermos uma análi-se algo cuidadosa, teremos de aceitarque muitas características do nossopaís, sem sobre elas se fazer um juízode valor, hoje se devem a essa organi-zação política que é aqui escalpelizadapor Jean-Michel. E muitas dessas ca-racterísticas resultam afinal da ideo-logia e da acção protagonizadas entreo nascimento do MPLA e Dezembro de1977, a data do Congresso constituti-vo do MPLA-Partido do Trabalho, épo-ca que é abarcada pela presente obra.Jean-Michel toca, como não podiadeixar de ser, todos os momentos con-troversos da história desta organização

política. Em particular, a intermináveldiscussão sobre a data da fundação doMPLA, tendo para isso apresentado do-cumentação e sobretudo argumentaçãoque estarão por certo muito próximasdo definitivo. Trata também da primeiradissidência, a de Viriato da Cruz, a me-nos conhecida hoje, com a objectividadenecessária. E de alguns assuntos, quaseou totalmente tabus na organização, co-mo seja a questão racial. Penso que, par-ticularmente, neste aspecto o livro deJean-Michel pode provocar uma muitosalutar e (espero!) serena reflexão so-bre assuntos que têm sido mais ou me-nos abafados, porque incómodos. O mé-rito dos académicos é o de ponderaremas coisas e nos ajudarem depois a desco-brir que muitas vezes aquilo que em cer-ta altura nos divide até pode ter tido al-guma razão de ser num dado momentodo passado, mas que entretanto perdeuconsistência, porque absolutamente ul-trapassado pela dinâmica dos proces-sos e a patina dos tempos. E que os pre-conceitos só persistem quando as dife-renças sociais que os originaram nãoforam entretanto dirimidas.

JEAN-MICHEL MABEKO-TALI“GUERRILHAS E LUTAS SOCIAIS O MPLA PERANTE SI PRÓPRIO”

Jean-Michel Mabeko Tali é originário da República do Congo-Brazzaville. Após receber um ‘Baccalauréat’ em Letras e Ciências Sociais,instalou-se em Angola em 1976, onde leccionou em várias instituições deensino médio de Luanda e do Lubango.

Em 1983, partiu para França com o objectivo de prosseguir os seus es-tudos universitários. Obteve a sua Licenciatura em História pela Universi-dade de Saint-Etienne, e um Master em Estudos Africanos conjuntamentepelo Instituto de História da Universidade Bordeaux III e pelo Instituto deEstudos Políticos – IEP – da Universidade de Bordeaux I. Em 1996, douto-rou-se em História pela Universidade Paris VII-Denis Diderot. De regressoa Angola, foi Professor Associado de História no Instituto Superior deCiências da Educação.

Desde 2002, instalou-se nos Estados Unidos da América, onde con-correu com sucesso para Professor da Universidade Howard, em Was-hington, DC, instituição onde, actualmente, é Professor Titular da Cá-tedra de História de África. Tem sido Professor Visitante em diversasuniversidades francesas e brasileiras. Foi membro do Comité Interna-cional da UNESCO para o Uso Pedagógico da História Geral de Áfricaencarregado, entre 2009 e 2017, da elaboração de manuais de Histó-ria de África para todos os níveis de ensino no continente. É tambémmembro e contribuidor da subcomissão para o Tomo III do Comité In-ternacional da UNESCO responsável pela redação do IX Volume daHistória Geral de África.

Como estudioso da História política e social de Angola e do Congo,publicou vários trabalhos, entre artigos, contribuições a obras conjun-tas, prefácios e críticas de obras. Publicou uma versão inicial e parcialda presente obra sob título de Dissidências e Poder de Estado, o MPLAperante si próprio, 1962-1977, Luanda, Nzila 2001, e um estudo com-parativo das transições políticas e os debates identitários em Angola eno Congo nos anos 1990-2000, sob o título Barbares et Citoyens. L’iden-tité nationale à l’épreuve des Transitions africaines: Congo-Brazzavil-le, Angola. Paris, L’Harmattan, 2005. Como romancista, publicou L’Exilet l’Interdit, Paris L’Harmattan, 2001 et Le Musée de la Honte, Paris,L’Harmattan, 2002.

PEPETELA

Frente Leste. Mário Pinto de Andrade e um guerrilheiro

10 a 23 de Abril de 2018 | Cultura14 |HISTÓRIA

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Questões aturadamente analisadasno livro (e já me referi a uma delas),são as dissidências com que o MPLA sedefrontou na sua história.As chamadas de Viriato da Cruz, Re-volta do Leste e Revolta Activa, antesda independência, e o processo a se-guir a ela, com lutas e divisões intesti-nais, culminando no 27 de Maio de1977. O balanço que Jean- Michel nosapresenta mostra que o MPLA sempreteve uma vida conturbada, percorridopor opiniões e interesses contraditó-rios, muitas vezes em perigo real deimplosão e sem nunca ter esclarecidoinsofismável e definitivamente as po-sições, preferindo que um opaco man-to deitado por cima dessas contradi-ções as levem a adormecer, quiçá a de-saparecerem milagrosamente.Em todos estes casos se sente no en-tanto uma preocupação do autor coma apresentação objectiva dos factos euma tentativa de explicação das dife-rentes razões dos actores sociais. Porvezes parece que o historiador seaproxima mais de uma posição que deoutra, e até podemos divergir nas suassupostas opções, mas o relevante é atentativa constante e extremamentefrutífera de recorrer ao olhar de fora,

para temperar o posicionamento queos seus sentimentos em relação a pes-soas e a alguns factos que viveu deperto poderiam sugerir. Nesses mo-mentos delicados, em que se podesentir que o autor tem a sua opiniãobem estruturada que quase rompe abarreira da necessária frieza de análi-se, é que compreendemos em toda adimensão a vantagem de também serde fora e, sobretudo, de ter a inteligên-cia para saber usar tal privilégio.Para concluir, e como disse no prin-cípio, Guerrilhas e Lutas Sociais - OMPLA perante si próprio (1960-1977)é uma obra de fundamental importân-cia para quem queira compreenderum pouco melhor as razões e os pro-cessos que nos conduziram à situaçãoactual, pois se é baseada na acção deuma organização política tem fatal-mente de fazer referência às outras or-ganizações que existiam na época e aocontexto geral em que se desenrola-ram os processos. E só se pode enten-der de facto o presente se se conhecero passado, que felizmente começa aser estudado em diversos lugares domundo e também em Angola. Se estelivro é importante para qualquer pes-soa, angolana ou não, que se interesse

pelo nosso país, ele tem uma especialrelevância para os que se reconhecemno MPLA, pois pode fazê-los entendermelhor o meio em que se movem e ins-pirar as suas reflexões e atitudes. Parautilizar como muleta o subtítulo, diriaque este livro terá o enorme mérito de,sem subterfúgios calculistas, por oMPLA perante si próprio, o que é im-portante para fazer avançar a História.

Pioneiros em 1975

CARLA MARISA PIRES RODRIGUES“TRIBUTOS PARA UMA HISTÓRIA

DO CAMINHO DE FERRO DE BENGUELA”Nota Introdutória da obraIndependentemente do tempo emque se vive e do espaço que se habi-ta, a História foi e continuará a serconhecimento e identidade. E mes-mo em momentos de grande instabi-lidade e mudanças aceleradas, a His-tória será sempre referência parauns e inspiração para outros. A lín-gua portuguesa, por outro lado,constitui um vínculo histórico paraos povos dos países que integram aComunidade dos Países de LínguaPortuguesa e é um meio privilegiadopara difundir valores culturais numaperspectiva aberta e universalista. É,pois, com estas duas perspectivas —histórica e linguística — que nospropomos apresentar Tributos parauma História do Caminho de Ferrode Benguela (Angola), um livro denão ficção, que pretende contribuirpara o conhecimento do antigamen-te e para um melhor entendimentodo agora.Na primeira parte, numa perspecti-va de contextualização histórica, men-cionaremos não só a Política Europeia,na viragem do Século XIX para o Sécu-lo XX, nomeadamente as rivalidades e

interesses dos países mais industriali-zados e de Portugal, assim como tam-bém a importância da Conferência deBerlim na partilha de África. Na segunda parte, recuperandofontes menos conhecidas, referire-mos de modo breve a política portu-guesa de desenvolvimento de trans-portes ferroviários no território deAngola e centrar-nos-emos nos an-tecedentes políticos inerentes aoacordo para a construção do Cami-nho de Ferro de Benguela. Passare-mos, depois, pelas dificuldades eetapas da sua construção, mencio-nando, também, o acto da inaugura-ção propriamente dito. Aludiremos,ainda, a alguns aspectos do modus-vivendi da Companhia, finalizandocom a reabilitação daquela linhaférrea, de modo a que a sua reaber-tura pudesse ter ocorrido no pre-sente Século.Sempre que se revelar necessário,este texto será acompanhado pornotas de rodapé, de modo a ancoraros factos históricos que irão sendoreferenciados no decorrer da narra-tiva, e por imagens, que podem po-tenciar uma multiplicação de olha-res e de leituras.

HISTÓRIA | 15Cultura | 10 a 23 de Abril de 2018

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