JOGOS OLÍMPICOS 2016 E depois dos Cinco ex-atletas contam ... · JOGOS OLÍMPICOS 2016 E depois...

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JOGOS OLÍMPICOS 2016 E depois dos Jogos? Cinco ex-atletas contam como se realizaram fora do desporto Antigos olímpicos. A transição para o mundo real nem sempre é fácil para os atletas que acabam a carreira desportiva e têm de começar outra pro- fissão. Cinco ex-olímpicos partilham com o DN as suas histórias de sucesso ANDRÉ CRUZ MARTINS Alguns terminaram a carreira de desportista de alta competição mui- to cedo, outros prolongaram-na até ao limite, mas os cinco antigos atle- tas olímpicos contactados pelo DN percorreram caminhos que lhes permitiram assegurar independên- cia financeira e felicidade pessoal. A atual profissão nada tem que ver com a modalidade em que ele- varam bem alto o nome do país, mas, provando que o gosto perma- nece, alguns ainda praticam o des- porto pelo qual ficaram conhecidos. Conheça as histórias de Orlando Ferreira, Albertina Machado, San- dra Neves, Catarina Fagundes e Sil- vestre Pereira.

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JOGOS OLÍMPICOS 2016

E depois dos Jogos?Cinco ex-atletascontam comose realizaramfora do desporto

Antigos olímpicos. A transição para o mundo real nem sempre é fácil

para os atletas que acabam a carreira desportiva e têm de começar outra pro-fissão. Cinco ex-olímpicos partilham com o DN as suas histórias de sucesso

ANDRÉ CRUZ MARTINS

Alguns terminaram a carreira de

desportista de alta competição mui-to cedo, outros prolongaram-na atéao limite, mas os cinco antigos atle-tas olímpicos contactados pelo DNpercorreram caminhos que lhes

permitiram assegurar independên-cia financeira e felicidade pessoal.

A atual profissão nada tem quever com a modalidade em que ele-varam bem alto o nome do país,mas, provando que o gosto perma-nece, alguns ainda praticam o des-

porto pelo qual ficaram conhecidos.

Conheça as histórias de OrlandoFerreira, Albertina Machado, San-dra Neves, Catarina Fagundes e Sil-vestre Pereira.

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Transportes Fiscais dosCorreios", recorda. A experiêncianão estava a ser totalmente doseu agrado e, quando viu que aRodoviária Nacional estava aadmitir jovens engenheiros, nãohesitou e concorreu, tendo sidocolocado. Para compensar o sa-lário baixo, dava explicações deFísica e Matemática. O ensino,de resto, continua a ser uma dassuas grandes paixões. "Douaulas há 30 anos no ISCSP[Instituto Superior de CiênciasSociais e Políticas] . Já lecioneiMatemática, Ciências Sociais,Estatística e agora dou aulas nomestrado. Mas o meu trabalhoprincipal, que adoro, é de admi-nistrador na Rodoviária do Tejo.Tenho a felicidade de ter um pa-trão espetacular!", atira.O judo, no entanto, continuousempre presente na sua vida,pois durante muitos anos deuaulas da modalidade no GinásioClube Português e em 1977 crioua Associação Distrital de Judo deLisboa. Sempre que possível, Or-lando utiliza a empresa de que é

administrador em beneficio dojudo, pondo transporte à disposi-ção dos atletas em alguns tor-neios realizados em Portugal.

Orlando Ferreira

Ex-judoca naRodoviária do Tejo> O antigo judoca OrlandoFerreira esteve nos fatídicosJogos Olímpicos de 1972, emMunique, que ficaram marcadospelo atentado que vitimou onzeatletas israelitas, cometido pelogrupo terrorista palestinoSetembro Negro. Na altura, tinhaapenas 19 anos e ficou em 19.°lugar, entre 35 participantes.Ao mesmo tempo que era atleta,estudava Engenharia Civil noInstituto Superior Técnico. Masno 4.° ano da faculdade viu-seforçado a optar pelo judo oupelo curso. "Escolhi a via acadé-mica e, concluída a formação,ingressei na Direção dosE do que gosta mesmo, confessa,é "ir para a bancada escondido"assistir aos torneios da sua mo-

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dalidade de eleição e ficar por lá

sossegado, sem que ninguém o

reconheça.Apesar dos seus 62 anos, quandoas saudades apertam muito, vesteo judogie vai para o tatâmi prati-car com amigos. "Arrependo-mesempre, pois tenho uma hérnianas costas e depois sofro horro-res... Tenho de termais calma e fa-zer como se estivesse numa aulade descanso", reconhece.

Albertina Machado

Das corridas defundo para as jóias> Albertina Machado foi um dos

grandes nomes do atletismo por-tuguês nas décadas de 1980 e

1990, tendo participado nosJogos Olímpicos de Los Angeles,em 1984, nos 800 e nos 3000 me-tros, em Seul'BB, nos (10 000 me-tros, e em Atlanta'96, na marato-na. Só deixou de correr aos 38anos.Apesar de ser atleta de alta com-petição, manteve sempre o seu

emprego na Câmara Municipal de

Braga, onde beneficiava da com-preensão do presidente daedili-dade na altura, Mesquita Macha-do, que a dispensava do trabalhotodas as manhãs para que pudes-se treinar. Na parte final da carrei-ra decidiu abrir uma ourivesaria,em conjunto com o marido, à qualdeu precisamente o nome de Al-bertina Machado Ourivesaria e

que funciona no Braga Shopping."Tenho o negócio há 19 anos. Foi

algo muito ponderado, a pensarno meu futuro depois do atletis-mo", refere. Confessa que o negó-cio "já teve dias melhores e agoravai indo, pois as pessoas têmmedo de andar com ouro na rua".Atualmente, e em simultâneocom a ourivesaria, mantém o seu

cargo na Câmara Municipal de

Braga. "Sou técnica de desporto,neste momento direcionadaparaatividades com a população sé-nior. Fazemos corridas, caminha-das e ginástica", explica, acrescen-tando que não se limita a ficar à

espera que venham ter consigo e

que se desloca aos mais variadoslocais para motivar as pessoas a

1. A madeirense CatarinaFagundes fez parte da dele-gação portuguesa da vela emAtlanta 1996; agora dedica-

se ao hirdwatchingim ilha2. Albertina Machado com-petiu com atletas comoFernanda Ribeiro e ManuelaMachado. Há 19 anos abriuuma ourivesaria3. Silvestre Pereira aindaentra em provas de canoa-gem para veteranos. E temuma empresa de mármores4. Orlando Ferreira comba-teu nos Jogos de 1 972, emMunique; atualmente é ad-ministrador e dá aulas5. Sandra Neves esteve emSeul com a referência da na-tação portuguesa AlexandreYokochi. Agora é assessorafinanceira num banco

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praticarem exercício físico.Albertina, hoje com 54 anos, acha

que foi muito feliz na forma comogeriu o seu final de carreira no atle-tismo. "Tenho a reforma garanti-da, por via da minha profissão defuncionária pública na Câmara de

Braga. Por outro lado, fiz uma boaaposta na ourivesaria. Vejo o

exemplo de algumas antigas atle-tas do meu tempo que só viviamdo atletismo e que agora passampor muitas dificuldades", lamenta.Albertina Machada foi tão caute-losa que, em 1987, declinou umaproposta do Benfica que, em con-dições normais, seria irrecusável."O contrato era muito bom, maspreferi continuar no Sporting de

Braga, para prosseguir com o

meu trabalho na câmara. Aindabem que decidi dessa forma",reconhece.

Sandra Neves

Assessora financeiranadou em Seul

> Sandra Neves participou nosJogos Olímpicos de Seul, em1988, tendo competido nos 100 enos 200 metros em mariposa, ter-minando em 33.° e 18.° lugar res-

petivamente. Atualmente, é as-sessora financeira no BPI, insti-tuição onde trabalha há 20 anos.O final da carreira de nadadora aoserviço do Benfica foi bastanteprematuro. "Infelizmente deixei a

competição com 21 anos, porquenão estava motivada. Não meacompanharam devidamente edeixei de competir", lembra.Na altura, continuou no Benfica,como monitora, e não demoroumuito até tirar o curso de treina-dora de segundo grau.Entre 1992 e 1996 orientou váriosescalões etários no Clube de Na-tação da Amadora. Teve aindauma passagem como monitorano Belenenses.Curiosamente, a sua atual profis-são nada tem que ver com o curso

que frequentou na faculdade."Entrei em Veterinária, mas ao fimde dois anos e meio desisti. Entre-

tanto, a minha mãe trabalhava naárea financeira e teve a oportuni-dade de me inscrever em part-ti-meno BPI, na altura chamadoBanco de Fomento e Exterior. Fuifazendo formações e progredindona carreira até ao meu atual car-go", conta.Sandra confessa que não mais es-quecerá a presença em Seul, em1988. "Houve três grandes mo-mentos na minha vida: ter sidomãe, o meu casamento e a partici-pação nos Jogos Olímpicos. Possodizer que não há uma única ceri-mónia de abertura dos Jogos emque eu não chore", diz. E aproveitapara lamentar que a sua experiên-cia olímpica não seja aproveitadaem Portugal. "Em Espanha, osatletas olímpicos são convocados

para falar em escolas.. . Tenho

pena que aqui não nos usemcomo exemplos para passar umaboa mensagem a esta juventudeum pouco perdida", defende.Hoje, Sandra Neves faz parte deum grupo de masters e triatlo deSão João do Estoril. "Treino duasou três vezes por semana comdesportistas que fazem triatlo eironman", revela, reagindo comsurpresa quando lhe pergunta-mos se aguenta o ritmo. "Claro

que sim, sem problema, eles é

que às vezes não aguentam!", ga-rante.

Catarina FagundesVela desiludiu aobservadora de aves

> Catarina Fagundes foi 21 .a clas-

sificada nos Jogos Olímpicos deAtlanta'96, na classe mistral.Na altura, tinha apenas 18 anos e

pensava que iria ter longos anospela frente na modalidade, masnão foi isso que sucedeu."Achava que a FederaçãoPortuguesa de Vela iria apostarem mim e no ano seguinte aos

Jogos preparei-me para ir aoEuropeu, mas à última hora nãome levaram. Tinha 19 anos e es-tava a ser sustentada pelos meuspais, que me pagavam os estu-dos. Achei que chegava de terfalsas ilusões na vela e decidi de-dicar-me a 100% à faculdade,depois de ter congelado a matrí-cula para preparar os Jogos",relata.Concluído o curso de Gestão e

Planeamento em Turismo, em2003, concorreu ao concurso Em-preendedores do Futuro, na Ma-deira, e o seu projeto ganhou, ten-do beneficiado de incentivos paraa constituição da empresa Madei-ra Windßirds, especializada emobservação de aves. "Na altura,éramos gozados pelos rececionis-

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tas quando íamos apresentar o

projeto aos hotéis, pois ninguémfazia a mínima ideia do que era o

birdwatching mas agora temosum grande sucesso, e se esta arM-dade está desenvolvida na Madei-ra, é devido ao nosso trabalho",enaltece.Catarina gere a empresa junta-mente com o seu comp anheiro.No início, o projeto contemplavaunicamente a observação de avesem terra, mas o crescente sucessotrouxe maior capacidade de in-vestimento e em 20 10 passaram aorganizar observação de aves nomar. Catarina destaca três espé-cies que apenas podem ser obser-vadas na ilha: o pombo-torcaz, aestrelinha-da-madeira e a freira--da-madeira, a sua preferida,"uma ave marinha que só aparecede noite em terra".O seu trabalho ocupa-lhe 12 a 14horas diárias na primavera e no

verão, mas nos restantes meses doano está quase parado. Nessa al-tura, ajuda o seu companheironuma empresa de tecnologia quelhe pertence. Atualmente, atépode bater alguma saudadequando vê alguém a praticar vela,mas logo pensa que o seu tempo"hámuito passou", confessando--se "muito feliz" com a sua atualocupação.

Silvestre Pereira

Referência dascanoas e das pedras> Nome histórico da canoagemportuguesa em canoa, SilvestrePereira atingiu as meias-finaisnos Jogos Olímpicos de Atlanta,em 1996. Aos 30 anos, decidiu darpor terminada a carreira comoatleta de alta competição para as-sumir em exclusivo o trabalho naempresa de mármores e granitoque pertencia ao seu pai. Hoje éele o principal responsável daMármores Bom Sucesso. "Já lávão 20 anos e o negócio continuaa ir muito bem. Do Porto paracima, vou a todo o lado de ondeme chamam para realizar traba-lhos", conta, ele que vive na vilade Prado, no Minho.No entanto, mesmo quando eraatleta, já trabalhavanapedra."Treinava no rio às seis da manhãe ao final da tarde e durante o diajá ajudava o meu pai na empresa.Não era fácil, mas ter tido tantasatividades foimuito positivo parao meu desenvolvimento pessoal e

profissional", considera.O final da vida de desportista foitraumático, mas não propria-mente pelo facto de ter abando-

nado precocemente, quandoainda estava no auge. "A Federa-ção Portuguesa de Canoagemdeixou de ter verbas para pagaraos atletas e nunca cheguei a vero dinheiro que me ficaram a de-ver, ficando a 'arder' em dez mileuros", lamenta. Valeu-lhe o su-cesso da empresa. "Sou muito fe-liz e consigo sustentar a minhafamília. Trabalho bastante e nãotenho horas para largar o traba-lho, enquanto for preciso tenhode lá estar... Mas não me possoqueixar, até porque o pior da cri-se económica já passou", refere,confessando que não se vê a teroutra atividade: "Se abandonas-se este trabalho qual seria o meufuturo? Está tudo montado e afuncionar na perfeição, não hárazão para mudar."Silvestre tem 44 anos e continua apraticar canoagem, em torneiosde veteranos. Há poucas sema-nas, participou no CampeonatoEuropeu de Maratonas, em ca-noagem, que se realizou em Pon-tevedra (Espanha) . É uma formade compensar a saudade quesente do tempo em que era atle-ta. "Que saudades tenho dos es-

tágios, do convívio com os meuscolegas. . . Mas ainda estou emforma!", atira.