Jogos Indígenas Aplicados ao Ensino de Ciências e Matemática
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Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de
História da Matemática
Jogos Indígenas Aplicados ao Ensino de Ciências e Matemática
Indigenous Games Applied to the Teaching of Science and Mathematics
Ana Gabriella de Oliveira Sardinha1
Maria Terezinha Jesus Gaspar2
Mônica Castagna Molina3³
Resumo
A Lei nº 11.645 (10 de março de 2008) estabelece a obrigatoriedade da temática „História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena‟ na educação
nacional por meio do currículo oficial da rede de ensino não-indígena, porém a falta de aplicabilidade da temática no ensino está relacionada
à falta de estratégias metodológicas e orientações por parte dos currículos oficiais brasileiros. A proposta de criação de jogos que envolvem
saberes tradicionais indígenas é uma sugestão de estratégia metodológica para este trabalho que é delimitado por estudo bibliográfico de
materiais indígenas e não-indígenas. A pesquisa desenvolvida teve por objetivo elaborar jogos a partir de saberes tradicionais indígenas e
verificar a aplicabilidade dessa temática para estudantes não-índios. O Jogo da Onça, também conhecido por Adugo, é uma atração indígena
que faz parte dos primeiros registros históricos entre os nativos do Brasil. Já os jogos das Ápas Kayabi, das Bacias Hidrográficas, das
Iconografias Kadiweu e o Jogo do Senso foram elaborados a partir de uma perspectiva sociocultural indígena, científica e matemática. As
aplicações dos jogos aconteceram na Faculdade UnB Planaltina, no Centro de Ensino Médio Stella dos Cherubins Guimarães Tróis, no
Centro de Ensino Fundamental Nossa Senhora de Fátima e na Escola Classe 01 de Planaltina-DF. Na fase de aplicação o presente trabalhou
contou com a participação de 66 estudantes da rede pública de ensino, sendo que 41 são do Ensino Fundamental, 10 do Ensino Médio e 15
são estudantes da Graduação. Mediante a aplicação o presente trabalhou constatou que 100% dos participantes tiveram a primeira
experiência e contato com a temática através da pesquisa desconsiderando a participação em datas comemorativas, como por exemplo, o Dia
do Índio. Concluindo que este trabalho, além de aproximar os alunos dos saberes tradicionais indígenas, possibilita encontrar dificuldades
correlacionadas à construção de alguns conceitos e favorece o processo de ensino pela aprendizagem de tais.
Palavras-chave: Educação Indígena e Não-Índia. Ensino de Ciências e Matemática. Jogos.
Abstract
The Law nº 11.645 (10th of March, 2008) establishes the obligation of the theme „History and Cultural Afro-Brazilian and Indigenous‟ in
the education national through the curriculum official of the school system non-indigenous, but the lack of applicability the theme in
education is related to the lack of methodological strategies and guidelines by the Brazilian official curricula. The proposed creation of
games involving indigenous traditional knowledge is a suggested methodology for this work which is part by bibliographical study of
indigenous materials and non-indigenous. The research undertaken aimed to develop games from knowledge indigenous traditional and to
verify the applicability of this to students non-indians. The Game of Oz, also known as Adugo, is an attraction that is part of historical
1 Estudante do Curso de Licenciatura em Ciências Naturais da Faculdade UnB Planaltina – FUP. E-mail:
[email protected] 2 Orientadora e professora adjunta do Departamento de Matemática da Universidade de Brasília – UnB. E-mail:
[email protected] 3 Orientadora e professora adjunta da Faculdade UnB Planaltina – FUP. E-mail: [email protected]
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records between the natives of Brazil. The games of apás Kayabi, watersheds, Iconography Kadiweu, and game of the Sense were prepared
from a sociocultural perspective indigenous science and mathematics. The applications of the games happened in the UNB Faculty
Planaltina, Center High School Stella of the Cherubins Guimarães Tróis, Center Basic School Our Lady of Fatima and School Class 01 of
Planaltina-DF. The implementation phase of this study told with the participation of 66 students of public school, being that 41 are of
elementary school, 10 of high school and 15 are students‟ undergraduates. By applying this work found that 100% of participants had their
first experience and contact with the subject through participation in research excluding holidays, for example, the Indian Day. Concluding
that this work - in addition to bringing students of indigenous traditional knowledge - enables encountering difficulties related to the
construction of some concepts and encourages the teaching learning of such.
Keywords: Indigenous Education and Non-Indigenous. Teaching Science and Mathematics. Games.
Introdução
O conhecimento adquirido por um indivíduo ao longo de sua vida perpassa o tempo
até se tornar algo místico ou verdadeiro. Segundo D‟Ambrósio (2005) a etimologia da palavra
ciência vem do latim scio que significa saber, e a da matemática vem do grego mátema que
significa ensinar. A arte de „saber ensinar‟ não se restringe apenas aos educadores, sendo uma
ação que perpassa gerações e gerações.
Na cultura indígena está intrínseco este tipo de saber que necessariamente faz parte
do contexto histórico sociocultural do país e precisa ser resgatado e valorizado pela educação
não-indígena. A Lei nº 11.645 (10 de março de 2008) estabelece a obrigatoriedade da temática
„História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena‟ na educação nacional por meio do currículo
oficial da rede de ensino não-indígena, porém “o que se vê é o ensinamento imposto distante
da realidade de cada estudante.” (GASPAR; SARDINHA, 2010, p.1)
A falta de aplicabilidade da temática no ensino não-indígena está relacionada à falta
de estratégias metodológicas e orientações por parte dos currículos oficiais. A proposta de
criação de jogos que envolvem saberes tradicionais indígenas é uma sugestão de estratégia
metodológica para este trabalho.
Quanto a Educação Indígena o contexto histórico revela que a catequização teve seu
princípio nas missões jesuítas e é considerada a primeira educação promovida pelo Estado
„brasileiro-europeu‟ pela finalidade de escravizar e 'civilizar' por meio da transmissão de
conhecimentos a valorização da cultural ocidental. (ÂNGELO, 2006)
No decorrer desse processo a imposição do ensino deixou de lado valores e costumes
que fazem parte da memória histórica e coletiva do país. Logo, o tipo de educação presente na
estruturação das primeiras escolas brasileiras excluiu o contexto sociocultural dos povos
indígenas por considerá-los uma sociedade atrasada e primitiva.
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Segundo Escobar (2003), a existência do multiculturalismo no ensino busca evitar
que uma cultura se sobreponha a outra, tendo assim a escola indígena papel importante no
processo de autodeterminação dos povos indígenas (foto 01).
Foto 01. Yanomani por Grupioni (RCNEI, 1998).
As reivindicações oriundas de projetos educacionais “alternativos” em áreas indígenas
e da crescente mobilização dos profissionais envolvidos, sendo índios ou não-índios,
viabilizam uma luta de resgate do saber Científico e Matemático de cunho brasileiro.
Mediante tais questionamentos o presente trabalho viabiliza a inserção e valorização da
cultura indígena na Educação Não-Índia por meio do multiculturalismo. Este tipo de
contextualização “procura reunir resultados obtidos mediante o enfoque disciplinar.”
(D‟AMBRÓSIO, 2003, p.1)
Diante desse contexto, este trabalho teve por objetivo avaliar em que medida saberes
tradicionais indígenas presentes em jogos elaborados interferem no processo de ensino e
aprendizagem de estudantes não-indígenas.
Jogos indígenas aplicados ao ensino
A valorização do contexto indígena dentro da educação não-índia por meio de jogos
pode ser considerada um mediador de conhecimento que valoriza as representações sociais.
Essa estratégia de ensino adota o aspecto afetivo, dando liberdade para o estudante de
experimentar, refletir e produzir o próprio conhecimento. O papel do educador é propor
desafios e observar as estratégias de soluções de um dado problema, onde o estudante
participa ativamente do seu saber.
Os aspectos históricos de cada jogo fazem com que o estudante descubra o lado
humano da edificação da ciência e a importância de se aceitar “desafios impostos pela vida e
pela ciência como algo mais natural.” (DIAS; FARIA, 2008, p.93) Vale ressaltar que a
simples presença de estruturas conceituais nos jogos não garante a aprendizagem de certas
atividades. (MUNIZ, 2008)
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O Jogo da Onça (também conhecido por Adugo) pertence aos indígenas brasileiros
das tribos dos Bororo de Mato Grosso, Manchakeri do Acre e Guarani de São Paulo é uma
atração que faz parte dos primeiros registros históricos entre os nativos do Brasil.
Na aldeia, o Jogo da Onça é riscado no chão e são usadas pedras como peças. Para
este trabalho é utilizado um tabuleiro e o fruto da sucupira como peça para representar os
animais e uma semente de uma espécie desconhecida (Família: sapindaceae) para representar
a onça (foto 02).
Foto 02. Jogo da Onça.
Trata-se de um jogo de tabuleiro cujas peças são uma onça e 14 cachorros. A onça tem
por objetivo captura 5 cachorros como no jogo de damas e os cachorros têm por objetivo
imobilizar a onça como no jogo de xadrez.
Esse jogo proporciona o desenvolvimento do raciocínio lógico, requisito básico para a
resolução de problemas. A construção do tabuleiro possibilita o estudo de conceitos como:
quadrado, linha, coluna, diagonal e triângulo. Já as estratégias desenvolvidas pela onça e o
cachorro são diferenciadas pela ação do predador (ataque) e presa (defesa), respectivamente.
O Jogo das Apás Kayabi “foi elaborado a partir de estudo bibliográfico sobre as
peneiras confeccionadas pelo povo Kayabi do Parque Nacional Xingu e segue um roteiro de
conhecimentos matemáticos realizados por Scandiuzzi (1996) em um trabalho de mesmo
nome que envolve conceitos” de simetria, como: translação, rotação e reflexão. (GASPAR;
SARDINHA, 2010, p.6) Este artesanato segue um roteiro de aprendizagem que perpassa
gerações e gerações, sendo necessária a aprendizagem subsequente das peneiras.
Para estudantes que estão em fase de construção do conceito de simetria, se faz
necessária a tarefa de associar cada carta apá a sua respectiva característica (foto 03).
Este jogo permite construir conceitos matemáticos (translação, rotação, reflexão,
ângulo, quadrado, concêntrico, losango, retas paralelas, retas perpendiculares, medida,
mosaico, esquerda, direita, acima, abaixo, repetição, eixos de simetria, contar, sentido horário
e anti-horário) e científicos por meio de representações sociais, naturais e culturais. Além da
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construção, este jogo proporciona ao estudante não-índio a percepção que tais conceitos são
significativos para a cultura indígena por meio de trabalhos artísticos e artesanais.
Foto 03. Jogo das Ápas Kayabi.
O Jogo das Bacias Hidrográficas tem por objetivo realizar um estudo detalhado das
bacias brasileiras reconhecendo a importância das mesmas para a sociedade e para o povo
indígena. Os Aratu-Sapucaí são “agricultares e ceramistas muito semelhantes, culturalmente,
aos indígenas atuais, que viveram em regiões que vão desde o litoral de Pernambuco, Bahia e
Espírito Santo até o interflúvio dos rios Araguaia e Tocantins e, no sul, até o rio Paranaíba.”
(GASPAR, 2003, p. 72) Grandes aldeias foram construídas em ambientes abertos, de relevo
ondulado suave a forte, geralmente em ambientes de mata e raramente nos cerrado nas
proximidades de rios de porte médio a grande como o rio Corumbá (GO). O tabuleiro é
representado por um mapa do Brasil com as bacias hidrográficas delimitadas e os estados
numerados aleatoriamente de 1 a 26 (foto 04).
Foto 04. Jogo das Bacias Hidrográficas.
Os estudantes irão precisar de três dados e peças coloridas para diferenciar cada
jogador no tabuleiro. O primeiro jogador deverá realizar uma operação (+, , , ÷) entre os
números sorteados pelo dado para indicar o seu estado e a bacia que gostaria de conhecer. Por
exemplo, caso seja sorteado os números 2, 2 e 5 o estudante poderá realizar a operação 2 5
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= 10 e 10 2 = 8. Logo, o estudante irá colocar a sua peça no estado da Bahia que é indicado
pelo número 8.
Cabe aos jogadores conseguirem visitar as regiões dominadas pelos Aratu-Sapucaí ou
quatro bacias hidrográficas, lembrando-se que o ganhador do jogo deverá também visitar mais
vezes uma determinada região do que seu oponente.
O Jogo das Iconografias Kadiweu tem como contexto o povo Kadiweu (índios
cavaleiros) que lutaram pelo Brasil na Guerra do Paraguai, principal motivo pelo qual
possuem suas terras reconhecidas por meio de uma reserva localizada na Serra da Bodequena
(MS), ao sul do Pantanal.
A arte da iconografia está no dia-a-dia desse povo em desenhos corporais, em peças de
cerâmica, em enfeites de parede e desenhos em papel. As matérias primas para estes trabalhos
são diferentes tons de areias, verniz da resina de pau-santo e jenipapo. Para o jogo será
preciso fichas contento iconografias (foto 04), folha branca, lápis, tinta comum e pincel.
Foto 04. Fichas das Iconografias Kadiweu.
Cada estudante deverá sortear uma ficha Kadiweu e identificar padrões geométricos e
de simetria. Esta tarefa foi realizada por Lévi-Strauss em 1935 e Darcy Ribeiro em 1948 que
coletaram 400 e 1000 desenhos respectivamente. (SIQUEIRA, 2000) A quantidade de padrões
identificados corresponde à pontuação do jogador. O ganhador será definido ao término das
fichas e pela contagem de pontos. Para verificar a compreensão dos estudantes os mesmos
terão que criar grafismo contendo padrões geométricos identificados nas iconografias
utilizando tintas convencionais.
O Jogo do Senso tem por objetivo que o estudante reconheça a importância do senso
comum para a construção científica além da compreensão que o conhecimento pode começar
a ser produzido, por exemplo, pela observação do que ocorre à sua volta. Todos os dias, em
suas aldeias, os indivíduos de uma comunidade indígena observam muitos fenômenos. O
nascer do sol; seu aparente movimento pelo céu; os jogos de luz e sombra; o tempo. Como
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observadores atentos a tudo o que acontece à sua volta, os povos indígenas e outros grupos
tradicionais conseguem descrever com riqueza de detalhes o comportamento de terminados
fenômenos sem precisar de instrumentos científicos.
Comparativamente, uma sociedade não-indígena possui maior dependência de suas
relações com outras comunidades humanas do que com a natureza. As soluções encontradas
por esses povos refletem suas experiências materiais e culturais, tentando cada um encontrar
estratégias efetivas para garantir um futuro melhor. A origem do conhecimento científico no
Ocidente está relacionada com a observação que os antigos povos europeus faziam do céu e
os registros que fizeram daquelas observações. Além disso, todos os mitos e histórias criadas
pelas diversas culturas se relacionam de alguma maneira com o aspecto que o céu tinha para
cada uma daquelas populações e as mudanças que eram percebidas. (RCNEI, 1998)
Os materiais necessários são instrumentos de medida (relógio, bússola, trena e
transferidor) e fichas contendo as seguintes perguntas: Que horas são?, Onde fica o norte
geográfico?, Onde fica o sul geográfico?, Onde fica o norte magnético?, Onde fica o sul
magnético?, Qual a área (m²) dessa sala?, Qual a área (cm²) dessa sala?, Onde o sol se põe?,
Onde a lua cheia nasce? e Qual a posição do sol (em graus)?.
O objetivo do jogo é analisar as respostas dadas pelo senso comum com aquelas
obtidas por meio do conhecimento científico e compará-las. Para isso o educador deve dividir
a turma em grupos e entregar a cada grupo uma ficha com pergunta. Cada grupo deverá
responder sua pergunta pelo senso comum e em seguida encontrar uma resposta utilizando os
instrumentos de medida necessários.
O número de pontos para cada grupo será dado pelo valor da diferença entre a
resposta da pergunta (senso comum) e a resposta pela solução (conhecimento científico). Ao
término da atividade o grupo ganhador será definido sobre aquele que obtiver a menor
quantidade de pontos do placar. O educador deverá discutir com o grupo qual a diferença
entre as respostas pelo senso comum e os resultados obtidos com apoio dos instrumentos de
medida.
Na cultura indígena o conhecimento é refletido nas gerações pela aquisição e
produção, sendo evidente que a Ciência e a Matemática se complementam. Pela acepção
proposta por D‟Ambrósio (2003) ambos se confundem da mesma maneira que o saber e o
fazer.
Os jogos indígenas abordados nesse trabalho visam integrar conhecimentos
matemáticos e científicos com o desenvolvimento de habilidades de raciocínio lógico e
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intuitivo. Nesse processo é valorizado o potencial criativo de cada estudante e seu
aprendizado.
Resultados e conclusões da pesquisa
Este trabalho resultou na aplicação do Jogo da Onça, de cunho indígena, e na
elaboração e aplicação dos Jogos: Apás Kayabi, Bacias Hidrográficas, Iconografias Kadiweu
e Senso. A aplicação perpassou a Faculdade UnB Planaltina, o Centro de Ensino Médio Stella
dos Cherubins Guimarães Tróis, o Centro de Ensino Fundamental Nossa Senhora de Fátima e
a Escola Classe 01 de Planaltina-DF. Ao todo 66 estudantes participaram da pesquisa, sendo
22 estudantes do EF (1º ao 5º ano), 19 do EF (6º ao 9º ano), 10 do EM e 15 Graduandos.
O Jogo da Onça contou com a participação de 77% dos estudantes e foi considerado
o preferido do público, sendo possível a aplicabilidade a partir da 3ª série ressaltando que nem
todos os indivíduos são iguais, uns podem ter mais dificuldade que outros.
Diante desse jogo apenas 4,5% dos jogadores conseguiram ganhar com os cachorros
e apenas 1,5% dos sujeitos conseguiu perceber que havia estratégias diferenciadas entre presa
(cachorros) e predador (onça).
A estratégia de defesa visa analisar as consequências dos atos, pois os indivíduos
precisam se prevenir dos ataques do predador. Logo, em todos os níveis de ensino os
estudantes apresentaram, em sua maioria, a estratégia de ataque voltada para o mesmo tipo de
raciocínio.
O Jogo das Apás Kayabi teve sua aplicação restrita a estudantes a partir do 7º ano do
EF pelo interesse de conhecer novos conceitos. Para os participantes dessa atividade o jogo
despertou o interesse pelo contexto, pelo alto nível de dificuldade (por causa dos conceitos) e
por fazer pensar, gerando concentração.
Para este trabalho a aplicação ficou restrita a associação de cartas, podendo ser
considerada uma nova forma de jogar. Apenas 22% dos estudantes participaram da atividade,
sendo que 35% (1º ao 6º ano do EF) não fizeram parte da pesquisa.
Durante a mediação os conceitos foram discutidos com os jogadores e concretizados
pela tarefa de associação. A resolução desenvolvida por estudantes de EF busca uma
estratégia de relacionar a carta característica com a abstração reflexiva, tendo os estudantes
uma melhor habilidade de associação a partir de interpretações científicas por meio de
representações sociais, naturais e culturais. Por exemplo, o homem é representado por um H
(apá 7), o pai é representado por 3 figuras (apá 8), a apá 9 é representada pela apá 7 + apá 8 e
o povo kayabi (apá 10) pode ser representado por vários Hs (foto 05). Já a associação
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realizada pelos estudantes de EM e Graduandos visou uma associação mais concreta por meio
dos conceitos matemáticos. O esperado da atividade era que estudantes com maior
compreensão de conceitos matemáticos (EM e Graduandos) conseguissem melhor resolver o
problema, porém as estratégias criadas pelos estudantes de EF conseguiram equiparar os
resultados provando que os conceitos partem de um nível abstração reflexivas para o concreto
real. E que apesar de métodos diferentes os resultados foram satisfatórios.
Foto 05. Cartas Apás e suas características.
O Jogo das Bacias Hidrográficas teve uma favorável aplicação para todos os
segmentos de ensino, ressaltando que para estudantes de 1º ao 3º ano as operações a serem
realizadas foram de adição e subtração. Esta atividade contou com a participação de 30% dos
estudantes. Por meio de discussões os sujeitos envolvidos aprenderam a realizar algumas
operações, localizações de certos estados e nome de algumas bacias hidrográficas.
O Jogo das Iconografias Kadiweu foi aplicado a 40% dos estudantes. Cada estudante
deveria sortear uma ficha Kadiweu e identificar padrões geométricos, simétricos e
matemáticos. Os estudantes de 1º ao 5º ano escolheram várias figuras e conseguiram
encontrar a presença de círculos, xis (sinal de vezes), pingos, voltas (que são os espirais),
quadrados, pessoas, e desenhos repetidos.
Já os estudantes de 6º ao 9º ano conseguiram perceber a existência de losangos, 3
homens, uma lança, linhas paralelas, seguimentos de reta, número 4, número 6, número 9,
semicircunferência, (sinal de multiplicação), pontos, quadrados, círculos, triângulos, eixos
de simetria, linhas horizontais e verticais.
As iconografias elaboradas pelos sujeitos foram coletadas e apenas 27% atenderam o
objetivo da atividade. Já era esperado desse trabalho que estudantes do 1º ao 5º ano tivessem
pouca percepção pelo nível de conhecimento, mas as iconografias elaboradas pelos estudantes
mantiveram um mesmo padrão de percepções matemáticas, geométricas e simétricas (foto
06).
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Foto 06. Iconografias elaboradas por um estudante do 4º ano (à esquerda) e 7º ano.
O Jogo do Senso foi aplicado para 37 % dos estudantes. Os estudantes do EF e EM
desconheciam a diferença entre o norte (ou sul) geográfico e magnético, não conseguiram
calcular a área em cm² da sala e desconheciam que o sol se põe no oeste e que a lua cheia
nasce a leste. Durante a mediação da atividade os estudantes aprenderam a utilizar alguns
instrumentos de medida como a trena e a bússola.
Apesar das dificuldades encontradas os estudantes tentaram responder as perguntas
utilizando métodos desenvolvidos pelo senso comum, como por exemplo, calcular a área de
uma sala contando a quantidade de placas que possuem 1 m². Já os estudantes de graduação
apresentaram dificuldade de responderem as perguntas utilizando o senso comum, sendo
necessária a utilização de métodos científicos para as respostas.
Por meio desse jogo os estudantes perceberam que se faz necessário ter uma
percepção do senso comum, como nas comunidades indígenas e culturas tradicionais, e
conhecimento científico para responder as perguntas. Pela mediação percebi que este jogo, de
característica prática, possibilita encontrar dificuldades individuais e coletivas, bem como
ensinar conceitos científicos e matemáticos.
Conclui-se que a aplicação deste trabalhou constatou que 100 % dos sujeitos tiveram
a primeira experiência com a temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” através
da pesquisa, não levando em consideração as datas comemorativas, como por exemplo, o Dia
do Índio.
Os Jogos Indígenas propostos fazem parte de uma iniciativa e estratégia
metodológica que possibilita a inserção da temática para estudantes de todos os seguimentos,
levando em consideração uma abordagem científica e matemática do saber ensinar.
Este trabalho, além de aproximar os estudantes dos saberes tradicionais indígenas,
possibilita encontrar dificuldades correlacionadas à construção de alguns conceitos e favorece
seu processo de ensino pela aprendizagem. A relação entre educador e estudante é
aproximada pela reflexão de estratégias e possíveis soluções. À medida que o estudante joga
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este passa a adquirir uma capacidade de solucionar problemas por desafios, pela crítica e
intuição.
A percepção da Educação Indígena como uma proposta de ensino visa integrar o
contexto sociocultural do país no processo de ensino e aprendizagem não-indígena. A
especificidade deste trabalho leva a refletir o quanto é gostoso criar e aplicar jogos indígenas
levando em consideração a eficiência do processo de ensino e aprendizagem.
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