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JOGOS ELETRNICOS E VIOLNCIA: DESVENDANDO O IMAGINRIO DOS SCREENAGERSLynn Rosalina Gama Alves * RESUMO Este artigo discute a interao dos adolescentes com os jogos eletrnicos considerados violentos. Trata-se de uma investigao de doutorado que parte do pressuposto de que os jogos eletrnicos se constituem em espaos de aprendizagem, tornando possvel aos jogadores ressignificar as suas emoes atravs da catarse que os ambientes, criados pelos jogos, possibilita. Palavras-chave: Jogos eletrnicos Violncia Interatividade ABSTRACT ELECTRONIC GAMES AND VIOLENCE: UNRAVELING THE IMAGINARY OF THE SCREENAGERS This article discusses the interaction of teenagers with electronic games considered violent. It is a doctorates investigation that departs from the assumption that the electronic games are spaces for learning, making it possible for the players to re-signify their emotions through the catharsis that the environments created by the games offer. Key words: Electronic games Violence Interactivity

Screenagers! assim que vem sendo denominada a gerao que nasceu a partir de 1980. Rushkoff (1999) utiliza o termo para referir-se a crianas e adolescentes que nasceram no mundo do controle remoto, do joystick, do mouse, da Internet. Para Tapscott (1999), essa uma gerao Net que vive cercada pela mdia digital na qual os usurios no querem ser apenas espectadores ou ouvintes, mas exigem interatividade. Interatividade aqui compreendida como a possibilidade de efetivar trocas que no se limitam ao simples clicar do mouse ou apertar os comandos do controle remoto, mas uma interatividade do tipo Todos-Todos, isto , na qual cada pessoa se torna emissora e receptora de mensagens (LVY, 1994), enfatizando os aspectos qualitativos (variedade, riqueza e natureza das interaes) em detrimento dos aspectos quantitativos (nmero de pessoas interagindo) (MACHADO, 1997). A interatividade passa ento a levar em considerao a possibilidade de imerso, navegao, explorao e conversao presentes nos suportes de comunicao em rede, privilegiando um visual enriquecido e recorporalizado, em contraponto com um visual retiniano (linear e seqencial), que recompe uma outra hierarquia do sensvel (COUCHOT, 1997), instaurando, assim, uma lgica que rompe com a linearidade, com a hierarquia, para dar lugar a uma lgica heterrquica, rizomtica, hipertextual, passando, portanto, a ser compreendida como a possibilidade de o jogador participar ativamente, interferindo no processo com aes, reaes,

intervindo, tornando-se receptor e emissor de mensagens que ganham plasticidade, permitindo a transformao imediata (LVY, 1994). Acrescenta-se tambm a capacidade, desses novos sistemas, de acolher as necessidades do usurio e satisfaz-lo (BATTETINI, 1996, p.69), criando novos caminhos, novas trilhas, novas cartografias, valendo-se do desejo do sujeito. Em consonncia com estas idias, Marcondes Filho (1994) afirma que os jogos dos computadores de quinta gerao possibilitam uma maior interao do indivduo com a mquina, atuando no nvel multisensorial. Para tanto, basta nos aproximarmos do monitor e a tela do computador se abrir como uma porta eletrnica, permitindo o mergulho por um caminho que se assemelha a um tnel do tempo. Na viso de Hayles, citado por Green e Bigum (1995), o sujeito que est em contato direto com os jogos eletrnicos vive uma interao contnua entre seu sistema nervoso e o circuito do computador, constituindo-se em um cyborg. Para Haraway (2000), um cyborg um organismo hbrido, uma criatura de realidade social e tambm uma criatura de fico. A autora compreende a realidade social como a mais importante construo poltica do sujeito, uma fico que pode mudar o mundo. Estariam as nossas crianas e adolescentes, ao interagir com os jogos eletrnicos, construindo a sua fico acerca das relaes sociais? O que as nossas crianas e adolescentes desejam sentirem-se autores e atores do processo, falantes e no-falantes ao mesmo tempo, obtendo respostas imediatas, utilizando a tela do computador, da TV e/ou das mquinas de jogos eletrnicos como um espao para novas formas de escrever o mundo, caracterizando, assim, uma dimenso comunitria, baseada na reciprocidade, permitindo a criao e interferncia por parte dos indivduos. As mdias que permitem essa interatividade so denominadas de sncronas, pois disponibilizam, em tempo real, o acesso a um contedo vivo, que pode ser modificado e transformado continuamente. Os Chats, RPG e os Muds (masmorras multiusurias) se constituem desse modo em espaos abertos para interaes virtuais, nos quais os sujeitos intercambiam diferentes saberes que podem oscilar do conhecimento espontneo ao conhecimento cientfico. O Roleplaying game surgiu na dcada de setenta nos Estados Unidos com um jogo de tabuleiro, no qual o participante vive uma histria sem ter de obedecer a uma posio apenas passiva, sendo parte ator, parte roteirista de um texto que ainda no foi completamente escrito. As regras se constituem em um apoio que podem, ou no, ser utilizadas, no h ganhadores: todos se divertem e todos ganham. Este tipo de jogo vem sendo adaptado para a WEB. J os Muds so jogos on line nos quais os participantes podem construir diferentes personagens, atuando no mundo virtual, exercendo o poder da palavra por meio do teclado. Estas possibilidades de trocas se efetivam devido ao:

(...) desenvolvimento das tecnologias numricas (da Realidade Virtual na Web, passando pelo CD-ROM) [que] autoriza[m] agora formas de participao mais elaboradas e mais ampliadas. O computador permite, efetivamente, ao pblico interagir instantaneamente com as imagens, com os textos e com os sons que lhe so propostos. permitido a cada um, e conforme o caso, de uma forma mais ou menos profunda, associar-se

diretamente, no somente produo da obra, mas tambm sua difuso (COUCHOT, 1997, p.137).A interao com as mdias sncronas e assncronas (que tem o seu contedo armazenado previamente, como os jornais, livros, CD-Rom, filmes, TV, sites e fruns de discusso) vem provocando modificaes, reorganizaes, exteriorizaes e ampliaes das funes cognitivas dos sujeitos, sendo denominadas por Lvy (1993, 1998) de tecnologias da inteligncia, atuando como elementos mediadores do processo de construo do conhecimento. O autor identifica como as trs principais tecnologias: a oralidade (como a mais antiga e importante), a escrita e a informtica. As duas primeiras marcaram o desenvolvimento da humanidade nos ltimos sculos. A partir de 1950, o aparecimento dos suportes informticos promoveu mudanas significativas na forma de produzir conhecimento e cultura, possibilitando a ampliao da exteriorizao da memria individual e coletiva iniciada com o aparecimento da linguagem escrita e posteriormente intensificada com a imprensa (RISRIO, 1999). Os screenagers tambm aprendem, mediados pelas tecnologias, que vm se constituindo em novos objetos e espaos transicionais para construir e lidar com o real. Lvy (1998) afirma que:

(...) os videogames oferecem os modelos interativos a explorar. Eles simulam terrenos de aventuras, universos imaginrios. Certo, trata-se de puro divertimento. Mas como no ser tocado pela coincidncia dos extremos: o pesquisador que faz proliferar os cenrios, explorando modelos numricos (digitais), e a criana [e o adolescente] que joga um videogame experimentam, ambos, a escritura do futuro, a linguagem de imagens interativas, a ideografia dinmica que permitir simular os mundos (LVY, 1998, p.7).As crianas, adolescentes e at mesmo adultos, independente do nvel scioeconmico, que passam horas em frente aos videogames vivem uma verdadeira euforia onomatopica, partilhada com aqueles que os cercam, discutindo formas de aumentar os seus escores e, quem sabe, at vencer o computador, tornando-se heri. O heri aqui compreendido como aquele que capaz de vencer o mal por intermdio do bem, tornando-se reconhecido, valorizado, respeitado, o centro das atenes por ter ganho as imaginrias batalhas, constituindo-se, assim, num mito, entre os seus iguais, o que faz ressignificar e fortalecer a sua auto-estima. interessante salientar que os prprios conceitos tradicionais de mal e bem so ressignificados a partir de alguns jogos. Para Turkle:

No ciberespao, podemos falar, trocar idias e assumir personalidades que ns mesmos criamos. Temos a oportunidade de construir novos tipos de comunidades comunidades virtuais nas quais participamos com pessoas do mundo todo, pessoas com as quais conversamos diariamente, pessoas com as quais podemos ter relaes bastante ntimas, mas que provavelmente jamais encontraremos fisicamente. (TURKLE, 1997, p.16)[1]Esses avatares, que permitem o exerccio do faz-de-conta e uma maior interatividade, possibilitam s crianas e aos adolescentes aprender, se comunicar,

formar relacionamentos, desenvolvendo habilidades motoras, lingsticas e sociais, potencializando a construo de novos olhares, significados e significantes para a sociedade na qual esto inseridos. Um exemplo significativo o de Taty, uma adolescente de 13 anos, que mora na cidade de Paulo Afonso Bahia, que cursa a 7 srie do ensino fundamental e est fazendo um curso de pintura. Ao interagir com The Sims que um jogo de estratgia que traz a vida de uma comunidade de pessoas simuladas Taty fez uma transposio da sua vida real para o jogo, ao definir a pintura como fonte de sobrevivncia da famlia Sims. A me Sims, criada por esta adolescente, vendia os quadros que pintava para sustentar a sua famlia. Estes novos espaos de aprendizagem se constituiro em espaos do saber vivo, real, exigindo o rompimento com a linearidade que ainda se institui na sala de aula convencional, favorecendo a intensificao de (...) modalidades cognitivas baseadas, sobretudo na interatividade e na sensrio-motricidade, nas competncias que todos ns possumos, que utilizamos quotidianamente, que no temos necessidade de aprender (CAPUCCI, 1997, p.130-131). Portanto, no temos que inventar a roda, mas explorar as possibilidades que emergem frente ao advento das tecnologias digitais e de rede. Contudo, ressoa uma questo que permeia o pensamento de pais, professores, especialistas e profissionais da mdia que (des)informam a populao. A questo gira em torno do outro lado da moeda, isto , se as tecnologias da inteligncia potencializam transformaes cognitivas, certamente provocam mudanas nos aspectos sociais e afetivos. Resta, portanto, uma pergunta: a interao com imagens, jogos eletrnicos, sites que exibem e disponibilizam informaes e cenas de violncia provocam alteraes no comportamento dos sujeitos que vivem imersos neste mundo tecnolgico? Para acirrar este questionamento, aponto outro: os adolescentes, que nasceram na dcada de 1980 e interagem com os jogos eletrnicos considerados violentos, saem reproduzindo as cenas de violncia exibidas nesses programas? Pesquisas realizadas nos Estados Unidos e apontadas por Strasburger (1999) registram que:

Embora a violncia na mdia certamente no seja a causa principal da violncia na vida real, ela um fator significativo e um fator muito mais facilmente suscetvel a mudanas do que, por exemplo, racismo, pobreza, preconceitos sexuais, diferenas psicolgicas individuais ou qualidade de cuidados parentais. Virtualmente, todos esses estudos e revises diferentes concluem que a violncia nos meios de comunicao pode (1) facilitar o comportamento agressivo e anti-social, (2) dessensibilizar os espectadores para a violncia e (3) aumentar as percepes dos espectadores de estarem vivendo em um mundo mau e perigoso. (1999, p.32)Em estudo realizado recentemente na Inglaterra, o professor John Colwell, da Middlesex University, afirmou que h um nmero crescente de evidncias sugerindo a existncia de uma relao entre jogos de computador e agressividade, considerando que esta aparentemente aumentou em rapazes com o tempo de exposio a tais jogos.

No que se refere violncia na nova gerao dos jogos eletrnicos, Levis (1998) pontua que estes elementos simulam lutas e combates que pem em questo o suposto carter simblico da violncia nos videogames. O autor indica um outro aspecto que no pode ser esquecido: a violncia vende. Atualmente, o mercado dos videogames controlado pelas empresas japonesas Nintendo e Sega que, desde 1994, vm apresentando um significativo crescimento econmico. A violncia vende por favorecer um efeito teraputico, possibilitando aos sujeitos uma catarse, na medida em que canalizam os seus medos, desejos e frustraes no outro, identificando-se ora com o vencedor ou perdedor das batalhas. Visto desta forma, a violncia passa a ser considerada de forma construtiva, como motor propulsor do desenvolvimento. Nesse sentido, os jogos se constituem em espaos de elaborao de conflitos, medos e angstias. Parafraseando Pacheco (1998, p.34), possvel dizer que, por meio das imagens ficcionais e reais, o adolescente elabora suas perdas, materializa seus desejos, compartilha a vida animal, muda de tamanho, liberta-se da gravidade, fica invisvel e, assim, comanda o universo por meio de sua onipotncia. Dessa forma, ela [ele] realiza todos os seus desejos e as suas necessidades. Os adolescentes tornam-se consumidores em potencial das imagens de violncia e so constantemente seduzidos, pelas grandes empresas que investem em um marketing pesado, a comprar verses diferenciadas dos jogos considerados violentos. O acesso e participao nesses jogos se constituem em senhas de reconhecimento dos grupos dos quais eles fazem parte. Para Calligaris (2000, p.15), o adolescente um sujeito capaz, instrudo e treinado por mil caminhos pela escola, pelos pais, pela mdia para adotar os ideais da comunidade. Ele se torna um adolescente quando, apesar de seu corpo e seu esprito estarem prontos para a competio, no reconhecido como adulto. A adolescncia est aqui sendo compreendida na perspectiva psicanaltica, como um processo social e cultural que objetiva fundamentalmente a integrao do indivduo na sociedade dos adultos, caracterizando-se como uma crise psquica que emerge a partir da necessidade de adotar um novo papel, imposto pelo Outro e pelo social. Assumindo, assim, novos encargos, uma responsabilidade que no apenas legal, mas evidentemente psquica. Portanto, a adolescncia deixa de ser pensada como uma etapa cronolgica, para ser vista como uma instituio histrico cultural (ABERASTURY; KNOBEL, 1981). Nessa busca pelo reconhecimento, o adolescente assume a tarefa de interpretar o desejo inconsciente (ou simplesmente escondido, esquecido) dos adultos, oscilando entre a conquista da autonomia e da independncia ou a submisso moratria adolescencial (CALLIGARIS, 2000).

As tentativas de conquistar o seu passaporte para vida adulta geram conflitos de toda ordem, envolvendo as relaes adolescentes/adultos e adolescentes/adolescentes. Conflitos estes que podem dar origem a sintomas como, por exemplo, a violncia ou, na concepo psicanaltica, a agressividade.Corso & Corso utilizam a expresso game over para metaforizar a sensao de impotncia sentida pelos pais durante a adolescncia dos seus filhos. Para estes

autores, emerge nos pais uma sensao de que o tempo que eles tinham para educar seus filhos acabou. Os controles no funcionam mais, no respondem (1999, p.81). Peter Lucas, professor da New York University, realizou uma pesquisa que aponta como causas da violncia na adolescncia, os seguintes aspectos:

a) Violncia que emana do ambiente domstico quando as famlias so foradas a viver na misria como resultado de alteraes demogrficas em grande escala, migrao ou discriminao tnica e racial. b) Existncia de ms condies para a criao dos filhos, quando as crianas so repetidamente expostas violncia domstica, quando os prprios filhos so vtimas de abuso e quando as crianas no tm superviso dia aps dia. c) A violncia tambm pode infiltrar-se nas escolas, quando a comunidade se desintegra, quando a reestruturao deixa um vcuo em seu rastro, quando as crianas carecem de modelos pr-sociais para tomar como exemplo, em funo do longo tempo de desemprego e da pouca perspectiva de um futuro estvel e produtivo. (1999, p.28)Porm, existem outros possveis olhares para as questes da violncia na adolescncia. fundamental compreend-la como um epifenmeno que dever ser investigado mediante o olhar da sade coletiva, da poltica, da psicologia, da comunicao, da sociologia e da antropologia. Porm, o vis que subsidiar a anlise dos dados levantados nesta pesquisa ser o da comunicao e o da psicanlise. Embora esta no trate diretamente da categoria violncia, j que tenta explicar este fenmeno mediante a agressividade, oferece um instrumental terico para compreender as questes afetivas que esto por trs dos comportamentos ditos violentos. J a comunicao vem concebendo a violncia, enquanto uma linguagem, como uma forma de se comunicar algo. Uma linguagem primeira que vem sendo amplificada e potencializada pela mdia, como afirma Rondelli (2000). Para ela, portanto, compreender a mdia no deixa de ser um modo de se estudar a prpria violncia, pois quando esta se apropria, divulga, espetaculariza, sensacionaliza, ou banaliza os atos da violncia est atribuindo-lhes sentidos que, ao circularem socialmente, induzem prticas referidas violncia (RONDELLI, 2000, p.150). Minayo (1999), mediante a interlocuo com diferentes autores (Arendt, Engels, Marx, Mao Ts Tung, Freud, Sorel, Fanon e Domenach) que discutem a questo da violncia, concluiu que esta deve ser analisada como um problema social e histrico, diferenciando-se dos sociobilogos que a compreendem como um fenmeno inerente natureza humana e aos condicionamentos biogenticos que se processam nos indivduos (1999, p.11). E, por fim, cita Chesnais e Burke que reafirmam a idia de que no se pode estudar a violncia fora da sociedade que a produziu, porque ela se nutre de fatos polticos, econmicos e culturais traduzidos nas relaes cotidianas que, por serem construdos por determinada sociedade, e sob determinadas circunstncias, podem ser por ela desconstrudos e superados (1999, p.11). Os adultos da sociedade de fin de sicle, que antes exibiam um padro de vida que os colocava na categoria de classe mdia, agora precisam trabalhar incessantemente para se manter dentro destes limites scio-econmicos, assegurando-lhes um certo status. Para tanto, ausentam-se cada vez mais dos seus lares, deixando os filhos sob a responsabilidade da escola, de outras instituies que os mantm ocupados durante o turno oposto s aulas (cursos de ingls, computador, bal, etc...), da empregada, da mdia (TV, jogos eletrnicos, Internet, etc), de outros familiares. O que se pode esperar

desses adolescentes entregues a si prprios, considerando que seu contato com os indivduos que podem lhes possibilitar a sua estruturao como sujeito est cada vez mais esparso, levando-os a uma perda de referncia e de valores? Esses valores passam a ser reconstrudos a partir dos diferentes grupos em que o adolescente se insere para ser aceito. Esse processo de aceitao pode levar a comportamentos transgressores, como a utilizao de drogas, vandalismos, enfim, atos que os distanciam dos adultos e os aproximam dos seus pares. Numa sociedade que parece estar perdendo seus referenciais identitrios, o sujeito precisa do Outro para se estruturar como ser desejante, faltante, que reconhece os seus limites e se mobiliza para venc-los em busca de novos caminhos, novos valores, novos significados. Nesse sentido, cabe a pergunta: os jogos eletrnicos poderiam estar atuando como referenciais para o aumento da violncia na adolescncia? Cabral (1997) pontua as possibilidades e limites desses jogos, quando reconhece que eles contribuem para o desenvolvimento das habilidades motoras e intelectivas. Todavia, a autora sinaliza tambm que estes mesmos jogos podem ajudar o indivduo a interagir mais rapidamente com o establishment cultural e social, reproduzindo modelos hegemnicos. A mdia impressa e eletrnica (ver nas referncias a indicao das reportagens publicadas em um jornal de grande circulao no Brasil que se refere s pesquisas de STERN e LEAKE, 2000) tem assumido um papel marcante no imaginrio popular, gerando, muitas vezes, polmicas que acirram a discusso sobre a relao entre mdia (TV, cinema, Internet, jogos eletrnicos, etc) e violncia, intensificando o surgimento dos neo-ludditas[2] ou, no extremo, promovendo o encantamento, estimulando o consumo de imagens e produtos para entrar na era high tech, numa atualizao da Famlia Jetsons (desenho animado exibido a partir da dcada de 60, sobre uma famlia num mundo futurista, onde os utenslios domsticos eram muito avanados tecnologicamente) que vivia em uma sociedade altamente tecnolgica. Nesta sociedade, novos cones so criados cotidianamente: computadores conectados Internet, Digital Vdeo Disc - DVD, mquinas fotogrficas e filmadoras digitais, a casa do futuro e diferentes verses dos jogos eletrnicos, agora ampliados com a realidade virtual, descartando e/ou substituindo as antigas verses. dentro desta sociedade imagtica, que impe novos valores e comportamentos, que a mdia pode atuar como principal agente na mistificao da interao dos adolescentes com a tecnologia, apontando para a existncia de um perigo (...) que as crianas [adolescentes] percam o controle do processo de escolha do self e se tornem esquizofrnicas, talvez com mltiplas personalidades na vida real (TAPSCOTT, 1999, p.93). So inmeros os exemplos, como a exploso do prdio em Oklahoma City, em que vrios noticirios condenaram a disponibilidade de informaes na Internet sobre a fabricao de bombas. Esta notcia teve uma repercusso maior quando dois adolescentes de New Jersey construram uma bomba caseira ao saber, atravs da TV, que estas instrues estavam disponveis na Internet. Um outro exemplo marcante refere-se ao filme Matrix que, segundo a mdia (informao divulgada em diversos noticirios de TV), influenciou os jovens que invadiram uma escola matando professores e alunos. Outro incidente, envolvendo um filme ocorreu no dia 04 de

novembro de 1999, no Shopping Morumbi, em So Paulo, onde um estudante de Medicina disparou sua metralhadora na direo da platia, durante uma seo do filme Clube da luta. O estudante informou que escolheu o filme Clube da luta porque, como ele, o personagem principal um "esquizofrnico". Posteriormente o estudante declarou no ter assistido ao filme (http://www.uol.com.br/fol/geral/cinema.htm). Recentemente, o Jornal Correio Braziliense publicou uma matria intitulada Guerra Eletrnica - Inimigo nada virtual, registrando o fato dos jovens brazilienses que vm matando as aulas para participar de jogos em redes de computadores, disponveis nas lojas de games. Frente a tal acontecimento, os pais destes adolescentes solicitaram a interveno da justia, exigindo do Ministrio Pblico o controle do acesso s casas de jogos eletrnicos, principalmente os que podem ser jogados em rede e que disponibilizam cenas de violncia e pornografia (material publicado no dia 18.04.02 disponvel no site: http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_20020418/pri_cid_180402_236.htm). Qual o atrativo desses jogos que mobilizam os adolescentes a faltarem s aulas e mentirem para os seus pais? Esses jogos possibilitam a interao de at quinze jogadores ao mesmo tempo, o que pode sinalizar a necessidade de participao, competio e cooperao, na medida em que para ganhar o jogo importante a coeso e sintonia do grupo. Contudo, no se pode negar a existncia de adolescentes que tm dificuldade de relacionamentos presenciais que podem ser potencializados por esses jogos. Outro jogo que vem despertando o interesse de diferentes faixas etrias (crianas, adolescentes e adultos) o Laser Shot (este jogo existe em vrias cidades do Brasil e inclusive em Salvador, no qual crianas, adolescentes e adultos vm participando com uma certa freqncia - http://www.lasershots.com.br/index1024.htm), um jogo de realidade virtual no qual as pessoas disputam entre si batalhas e guerras com pistolas a laser. O ambiente do jogo construdo em forma de um labirinto de penumbras, inundado de neblina e efeitos especiais de luzes e sons. O objetivo do jogo somar pontos, atingindo os jogadores inimigos e suas bases. A participao neste jogo, como nos jogos em rede, geram nos sujeitos o desejo de repetir a experincia para tentar melhorar a pontuao. No caso do Laser Shot a simulao sensrio-motora, todo o corpo mobilizado para responder aos diferentes estmulos, os jogadores gastam adrenalina no campo de batalha, tendo uma interao do tipo face to face. Portanto, as imagens presentes nos jogos eletrnicos passam a atuar como representao simblica, na medida em que podem reproduzir uma coisa diferente do que est sendo visto na tela, mas que est relacionada com o universo dos jogadores (CASTORIADIS, 1982). O imaginrio (este conceito ser reconstrudo com base nos referenciais dos adolescentes), a princpio, deve ser tomado nesta pesquisa como (...) faculdade de criao radical de formas/figuras/smbolos, tanto psquico quanto social-histricos, que se exprimem no representar/dizer dos homens. (BARBIER, 1994, p.21) Considerando esta possibilidade, talvez o sujeito possa ser fisgado pela violncia veiculada pelo desenho, pelos jogos eletrnicos e/ou as mltiplas imagens que invadem cotidianamente nossas casas, revelando uma dificuldade em separar a realidade da fantasia. Segundo Turkle (1997), o computador oferece novos modelos de mente e um meio novo de projetar idias e fantasias, no qual a tela atuaria como um espelho que

possibilita um novo espao para aprender a viver em um mundo virtual, e essa cultura de simulao afeta as nossas idias sobre a mente, o corpo, o eu e a mquina. O sujeito passaria a se constituir por uma linguagem atravs da tela, intercambiando significantes, onde cada um uma multiplicidade de partes, fragmentos e conexes. possvel que, em casos assim, a tecnologia funcione como uma vlvula de escape, liberando questes intrnsecas aos sujeitos e que precisam ser resolvidas. A interao com estes elementos tecnolgicos pode promover, assim, um efeito catrtico para a agressividade existente em todos ns, ocupando as horas de prazer e lazer como um mero passatempo, no sendo, portanto, encarados como uma compulso. Jogar compulsivamente sinaliza um sintoma que precisa ser investigado, um caminho que o sujeito encontra para dizer que algo no est bem. Portanto, objetivando aprofundar e desmistificar a relao linear que vem sendo feita em torno da relao imagens violentas-comportamentos violentos, emerge o meu desejo de investigar mais profundamente as imagens que permeiam o imaginrio dos adolescentes os quais interagem com os jogos eletrnicos classificados como violentos, indo alm de posies reducionistas e maniquestas, no que se refere relao tecnologia/violncia. Esta investigao vem sendo feita com o objetivo de analisar as implicaes dos jogos eletrnicos no comportamento violento da gerao screenagers. Rushkoff (1999) utiliza o termo para referir-se a crianas e adolescentes que nasceram no mundo do controle remoto, do joystick, do mouse, da Internet), identificando pistas, recorrncias capazes de compor, dentro do contexto cultural dos adolescentes, um mapa que se constri frente s dinamicidades das experincias vividas por estes jovens, acerca da violncia presente nos games, construindo, assim, um olhar diferenciado desta interao. Objetiva tambm apontar as potencialidades e limites que podero subsidiar as prticas pedaggicas, bem como as relaes familiares, mediadas pelos games eletrnicos. REFERENCIASABERASTURY, Arminda e KNOBEL, Maurcio. Adolescncia Normal. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1981. BARBIER. Ren. Sobre o imaginrio. Em Aberto: educao e imaginrio: revendo a escola. Braslia, p.15-23, jan/mar.1994. BATTETINI, G. Semitica, computao grfica e textualidade. In: PARENTE, A. (Org.). Imagem mquina: a era das tecnologias do virtual. Traduo de Alessandra Coppola. Rio de Janeiro: 34, 1996. p.65-71. BOGDAN, Robert e BIKLEN, Sari. Investigao Qualitativa em Educao: uma introduo teoria e aos mtodos. Traduo Maria Joo Alvarez e outros. Lisboa: Porto, 1994. CABRAL, Ftima. Jogos eletrnicos: tcnica ilusionista ou emancipadora? Revista USP: "Dossi Informtica/Internet", So Paulo, n. 35, p.134-145, set/nov. 1997. CALLIGARIS, Contardo. A adolescncia. So Paulo: Publifolha, 2000. (Folha explica). CAPUCCI. Luigi. Por uma arte do futuro. In: DOMINGUES. Diana (org). A arte no sculo XXI: a humanizao das tecnologias. So Paulo: Editora da UNESP, 1997. p.129-134. CASTORIADIS, Cornelius. A instituio imaginria da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

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Professora da Universidade do Estado da Bahia - UNEB; doutoranda em Educao e Comunicao pela Faculdade de Educao - FACED/UFBA. . Email: [email protected] / URL: www.ufba.br/~lynn

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[1]

En el ciberespacio podemos hablar, intercambiar ideas y asumir personajes de nuestra propia creacin. Tenemos la oportunidad de construir nuevas clases de comunidades, comunidades virtuales, en las que participamos com gente de todo el mundo, gente con la que conversamos diariamente, gente com la que podemos tener una relacin bastante ntima pero que puede que nunca conozcamos fsicamente. (TURKLE, 1997, p.16) (T.A.)[2]

Expresso utilizada para se referir aos novos adeptos do Movimento Luddita que foi liderado por Ned Ludd, na Inglaterra, no incio do sculo XIX. Este movimento consistiu na primeira reao popular introduo das mquinas na produo fabril. Destruindo mquinas, os ludditas queriam salvar os seus empregos e o seu modo de vida. (MAGNOLI, 1999, p.60)