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J Y íl 7 '/3 3 xJ Número 29 Ano 1985 “A história da vida do Almirante Alexandrino de Alencar sem dúvida con- funde-se com a própria história da existência da Marinha de Guerra do Bra- sil, tal é o vulto dos inestimáveis serviços que à mesma prestou, com amor e entusiasmo inexcedíveis, durante cerca de sessenta anos. Aspirante naval, a seu próprio pedido participou das glórias e dos peri- gos da Guerra do Paraguai; Capitão-Tenente desde 1885, saltou em terra na manhã de 15 de novembro de 1889, para dar franco apoio ao movimento republicano, cabendo-lhe, logo após, como demonstração de confiança das forças vitoriosas, o comando do encouraçado Riachuelo, encarregado de comboiar o paquete em que foram deportados o Imperador e sua família. Revolucionário de 1893, comandando o Aquidabã, deu provas inequí- vocas de firmeza e decisão, e bravura, de que todo o País tomou conheci- mento. Quando se estabeleceu a disputa pela posse do Território do Acre, na qual tomaram parte o Brasil, Peru e Bolívia, coube-lhe a espinhosa tarefa de comandar a Divisão do Norte, organizada por força das possibilidades de uma guerra com aquelas nações do continente. Eleito Senador pelo Amazonas, em 1905, logo se viu convidado pelo Presidente Afonso Pena, para o cargo de Ministro da Marinha, em que perma- neceu até o fim do quatriênio, por convite do Vice-Presidente em exercício, Sr. Nilo Peçanha. No Governo do Marechal Hermes da Fonsêca passou a ser o titular da Pasta em apreço, no decurso do segundo biênio administra- tivo, nela se conservando no período na gestão do Sr. Venceslau Brás. Decorrido o prazo da administração do Presidente Epitácio Pessoa, quan- do as pastas militares foram confiadas a civis, ei-lo novamente, pela quarta vez, nomeado Ministro da Marinha, pelo Presidente Artur Bernardes, encon- trando-se em pleno exercício de suas funções, quando a morte o veio colher. Mais de 13 anos — exemplo único verificado no País, que me conste, esteve à frente dos destinos da nossa Marinha de Guerra! Tendo em consideração essa circunstância, bem assim o fato de ter sempre agido com zelo, quanto aos interesses da causa pública e extremada dedicação às legítimas necessidades de seus companheiros de farda, o Almi- rante Alexandrino de Alencar consagrou-se aos olhos dos insuspeitos obser- vadores como o ‘verdadeiro criador da Marinha de Guerra na República’ ” . (Alencar Araripe, discurso no Congresso Nacional — Diário do Congresso, 13.11.1948). Instituto Cultural do Cariri-Crato-Ceará

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  • J Y í l 7 ' / 3 3 xJNúmero 29 Ano 1985

    “ A história da vida do Almirante Alexandrino de Alencar sem dúvida confunde-se com a própria história da existência da Marinha de Guerra do Brasil, tal é o vulto dos inestimáveis serviços que à mesma prestou, com amor e entusiasmo inexcedíveis, durante cerca de sessenta anos.

    Aspirante naval, a seu próprio pedido participou das glórias e dos perigos da Guerra do Paraguai; Capitão-Tenente desde 1885, saltou em terra na manhã de 15 de novembro de 1889, para dar franco apoio ao movimento republicano, cabendo-lhe, logo após, como demonstração de confiança das forças vitoriosas, o comando do encouraçado Riachuelo, encarregado de comboiar o paquete em que foram deportados o Imperador e sua família.

    Revolucionário de 1893, comandando o Aquidabã, deu provas inequívocas de firmeza e decisão, e bravura, de que todo o País tomou conhecimento.

    Quando se estabeleceu a disputa pela posse do Território do Acre, na qual tomaram parte o Brasil, Peru e Bolívia, coube-lhe a espinhosa tarefa de comandar a Divisão do Norte, organizada por força das possibilidades de uma guerra com aquelas nações do continente.

    Eleito Senador pelo Amazonas, em 1905, logo se viu convidado pelo Presidente Afonso Pena, para o cargo de Ministro da Marinha, em que permaneceu até o fim do quatriênio, por convite do Vice-Presidente em exercício, Sr. Nilo Peçanha. No Governo do Marechal Hermes da Fonsêca passou a ser o titular da Pasta em apreço, no decurso do segundo biênio administrativo, nela se conservando no período na gestão do Sr. Venceslau Brás.

    Decorrido o prazo da administração do Presidente Epitácio Pessoa, quando as pastas militares foram confiadas a civis, ei-lo novamente, pela quarta vez, nomeado Ministro da Marinha, pelo Presidente Artur Bernardes, encontrando-se em pleno exercício de suas funções, quando a morte o veio colher.

    Mais de 13 anos — exemplo único verificado no País, que me conste, esteve à frente dos destinos da nossa Marinha de Guerra!

    Tendo em consideração essa circunstância, bem assim o fato de ter sempre agido com zelo, quanto aos interesses da causa pública e extremada dedicação às legítimas necessidades de seus companheiros de farda, o Almirante Alexandrino de Alencar consagrou-se aos olhos dos insuspeitos observadores como o ‘verdadeiro criador da Marinha de Guerra na República’ ” .

    (Alencar Araripe, discurso no Congresso Nacional — Diário do Congresso, 13.11.1948).

    Instituto Cultural do Cariri-Crato-Ceará

  • I T A y T E R A

    NÚMERO 29 — ANO 1985

    ÓRGÃO OFICIAL DO

    INSTITUTO CULTURAU.DO CARIRI

    ITAYTERA CRATO N° 29 P. 276 1985

  • Instituto Cultural do Cariri 1985 Secretaria de Cultura e Desporto

    Av. Presidente Castelo Branco, 255 Fortaleza - Ceará - Brasil

    Impresso no Brasil/Printed in Brazil

  • I T A Y T E R A

    N.° 29 — CRATO — CEARÁ — 1985

    Órgão do Instituto Cultural do Cariri

    Presidente do I C C :JOÃO LINDEMBERG DE AQUINO

    Diretor de ITAYTERA:JOÃO LINDEMBERG DE AQUINO

    Redação:Praça Juarez Távora N.° 950

    CEP: 63.100 — CRATO-CEARA

    Os artigos, estudos e conceitos aqui publicados são de responsabilidade dos autores.

    Aceita-se permuta com publicações congêneres.

    Os originais não serão devolvidos.

    Diretoria do I C C

    Período de dezembro de 1983 a dezembro de 1985

    Presidente:JOÃO LINDEMBERG DE AQUINO

    Vice Presidente:JOSÉ HUBERTO TAVARES DE OLIVEIRA

    Secretário Geral:FRANCISCO HUBERTO E. CABRAL

    Secretário:JURANDY TEMÓTEO DE SOUZA

    Tesoureiro:ANTONIO CORREIA COELHO

  • Comissão da Revista ITAYTERA:JOÃO LINDEMBERG DE AQUINO

    JOSÉ HUBERTO TAVARES DE OLIVEIRA FRANCISCO HUBERTO E. CABRAL

    JOSÉ PEIXOTO DE ALENCAR CORTÊZ

    Comissão de Ciências, Letras e Artes

    JÉFFERSON DE ALBUQUERQUE E SOUZA PLÁCIDO CIDADE NUVENS

    FRANCISCO DE ASSIS BRITO RAIMUNDO DE OLIVEIRA BORGES

    Comissão de Sindicâncias

    ELÓI TELES DE MORAIS JÓSIO DE ALENCAR ARARIPE ANTÔNIO NIRSON MONTEIRO

    PE. ANTÔNIO TEODÓSIO NUNES

    CADEIRAS DO INSTITUTO CULTURAL DO CARIRI

    S e c ç ã o d e L e t r a s

    1 — PATRONO — Pe. Dr. José Antonio Maria IbiapinaOCUPANTE: João Lindemberg de Aquino

    2 — PATRONO — Bruno de MenezesOCUPANTE: Dr. Raimundo de Oliveira Borges

    3 — PATRONO — José Alves de FigueiredoOCUPANTE: Pe. Neri Feitosa

    4 — PATRONO — Alexandre Arraes de AlencarOCUPANTE: Edméia Arraes de Alencar

    5 — PATRONO — Mons. Pedro Esmeraldo da SilvaOCUPANTE — Vaga

    6 — PATRONO — Dr. Irineu Nogueira PinheiroOCUPANTE: Pe. Antônio Gomes de Araújo

    7 — PATRONO: — Antônio Barbosa de FreitasOCUPANTE: Vaga

  • 8 — PATRONO — Álvaro Bomilcar da CunhaOCUPANTE: Dr. José Newton Alves de Sousa

    9 — PATRONO — Dom Francisco de Assis PiresOCUPANTE: Prof. Rubens Gondim Lóssio

    10 — PATRONO — Pe. Emidio Leite CabralOCUPANTE: Thomé Cabral dos Santos

    11 — PATRONO — Raimundo Gomes de MatosOCUPANTE: Pedro Gomes de Matos

    12 — PATRONO — Leandro Bezerra MonteiroOCUPANTE: General Raimundo Teles Pinheiro

    13 — PATRONO — Dr. Otacilio MacedoOCUPANTE: Cláudio Martins

    14 — PATRONO — Manoel Rodrigues MonteiroOCUPANTE: F. S. Nascimento

    15 — PATRONO — Dr. Leandro Chaves RatisbonaOCUPANTE: Vaga

    16 — PATRONO — Pe. Francisco PittaOCUPANTE: Aécio Feitosa

    17 — PATRONO — João Brigido dos SantosOCUPANTE: Nertan Macedo de Alcântara

    18 — PATRONO — Raimundo Monte ArraesOCUPANTE: Vaga

    19 — PATRONO — José Alves de Figueiredo FilhoOCUPANTE: Mozart Soriano Aderaldo

    20 — PATRONO — Senador José Martiniano de AlencarOCUPANTE: Vaga

    S e c ç ã o d e C i ê n c i a s

    i — PATRONO — Dr. Barreto SampaioOCUPANTE: Dr. Napoleão Tavares Neves

  • Secretário de Cultura e DesportoJOAQUIM LOBO DE MACEDO (JOARYVAR MACEDO)

    Presidente do Banco do Estado do Ceará FERNANDO ANTÔNIO DOS SANTOS TERRA

    Diretor-Presidente da Imprensa Oficial do Ceará CLÁUDIO GONZAGA SILVA

    A publicação desta obra tornou-se possível graças ao apoio da Secretaria de Cultura e Desporto, Banco do Estado do Ceará e Imprensa Oficial do Ceará — Governo LUIZ DE GONZAGA FONSECA MOTA.

  • S U M A R I O

    ICC homenageado na Convenção da família Saraiva Leão 11 Saudação aos convencionais da família Saraiva Leão —

    J. Lindemberg de A quino.......................................... 15Saraivas do Cariri — Joaryvar M acedo........................... 19A lição de papai Saraiva — Luís Edgar de A ndrade___ 33Saudando o prefeito Manoel Salviano — Raimundo Sa

    raiva Brito .................................................................. 39Na convenção da família Saraiva Leão no Cariri — Fer

    nando C âm ara ............................................................. 43“Um Atavismo Progressista” — José de Alencar Bezerra 47 Achegas à obra de Câmara Cascudo — Maria Elvira de

    Macedo Soares ............................................................. 51Onze anos com Silvio Júlio — Francisco de Vasconcelos 59 A Bandeira de Fernão Dias Pais de Ibituruna a S. Pedro

    Paraopeba: uma hipótese a mais — Geraldo Guima-m a rã e s .......................................................................... 75

    O engenho e a arte de Batista de Lima — Edmilson Caminha J ú n io r ................................................................. 101

    10 sonetos — Dandinha V ila r ............................................ 105Faleceu D. Amália Xavier de O liveira............................... 117Província da Ibiapaba e do Cariri Novo — J. C. Alencar

    Araripe ........................................................................... 119Lameiro, postal do Cr ato — Quintilio de Alencar Teixeira 123José Sisnando Lima — Abelardo F. Montenegro............ 127Ciência, consciência e arte do magistério — José Neuton

    Alves de S o u sa ............................................................... 133Novos elogios à revista I ta y te ra .......................................... 145O problema das secas e outros ensaios — Antonio de

    Alencar A raripe............................................................. 147

  • “Sátiras e Sonhos”, um livro de Jeferson de Albuquerque — Napoleão Tavares N eves................................. 149

    Argentina de Alencar Araripe — Mário de A lencar___ 151Doce Exílio — Cláudio A rarip e ......................................... 153Aos amantes do céu — Eugênio C o s ta ........................... 155IBGE conclui trabalhos sobre altitude do C e a rá .......... 156Livros — Abdias L im a ........................................................ 159O recruta e o general — Pádua C am pos......................... 161O processo da independência — Gen. Raimundo Teles

    P in h e iro ......................................................................... 163Homenagem a Denizard Macêdo ..................................... 173Amor Perfeito — José Weberth Brito B ezerra .............. 185Notícia triste de Mauro Mota — Nertan M acêdo............ 187Mauro Mota — Barbosa Lima Sobrinho......................... 190O Coronel Raimundo Augusto Lima — Dimas Macêdo 193 “José Reis Carvalho, um artista descoberto 125 anos

    depois” — Bruno P ed rosa ........................................... 201No centenário do Cel. Filemon Teles — Cláudio Martins 207 Estratégias do discurso dos jesuítas junto aos indígenas

    brasileiros — Aécio F e ito sa ......................................... 211Canto a Lavras da Mangabeira Centenária — Linhares

    F ilh o ............................................................................... 219Joaquim Pinto Madeira — J. Lindemberg de Aquino .. 223Itaytera — Raymundo Farias de O liveira...................... 229Direito e Cultura — Raimundo de Oliveira B orges___ 231O preço do desenvolvimento econômico — José Joaquim

    Neto C isn e ..................................................................... 239O destino predestinado de Ana Couto — Valdelice Alves

    Leite ............................................................................... 243Bibliografia, notas, comentários ....................................... 253

  • ICC HOMENAGEADO NA CONVENÇÃO DA FAMÍLIASARAIVA LEÃO

    Realizou-se em Crato, Juazeiro, Barbalha e Missão Velha, entre os dias 7, 8 e 9 de setembro de 1984 a Nona Convenção da Família Saraiva Leão. Na solenidade de abertura, homenagem ao Instituto Cultural do Cariri, pelos seus relevantes serviços prestados à cultura histórica regional, pela palavra do historiador Fernando Câmara, coordenador da Convenção. Coube ao Presidente do ICC, jornalista J. Lindemberg de Aqui- no, fazer a saudação oficial aos convencionais, no auditório do Cencro de Expansão Educacional da Diocese, na abertura do certame, quando o nosso Presidente falou sobre dois Saraiva Leão que se destacaram na vida cratense, Cesário Saraiva Leão e Júlio Saraiva Leão.

    A seguir, a programação observada na aludida Convenção.

    Dia 6 de setembro

    16:00, 16:30 e 17:00 horas — Partida dos convencionais da Praça de Fátima, em ônibus da Expresso de Luxo rumo ao Centro de Expansão Educacional do Granjeiro (Crato), onde ficarão hospedados.

    Dia 7 de setembro

    7 até 8 horas — Café no Granjeiro.Manhã livre.

    12:30 horas — Almoço no Granjeiro.Repouso.

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  • 16:30 horas — Solene instalação da IX Convenção da Família Saraiva Leão pelo Presidente da Comissão Promotora.

    — Saudação aos Convencionais pelo Jornalis- ta-Escritor J. Lindemberg de Aquino, Presidente do Instituto Cultural do Cariri.

    — Conferência do Acadêmico-Escritor Jcary- var Macedo, D.D. Secretário de Cultura e Desporto. Tema: OS SARAIVAS DO CARIRI

    — “0 Centenário de Pedro Paulo Saraiva”, por sua filha, Valda Bezerra Saraiva Pinheiro (da delegação da Bahia).

    — “Resumo das memórias do Dr. Antônio Gervásio Alves Saraiva” Orador — Fernando CâmaraEncerramento.

    18:30 horas — Partida dos convencionais para o Panorama Hotel, em Juazeiro do Norte.

    19:00 horas — Jantar oferecido pelo Dr. Manoel Salviano Sobrinho, D.D. Prefeito Municipal de Juazeiro do Norte, que saudará os convencionais.

    — Agradecimento do Jornalista Ciro Saraiva, em nome da Família Saraiva Leão.

    21:00 horas — Sessão Solene no Salão de Convenções do Panorama Hotel, sob a Presidência do Dr. Manoel Salviano Sobrinho, para outorga da Medalha “Família Saraiva Leão” ao Jornalista Ciro Saraiva, D.D. Secretário de Comunicação Social.Orador — Jornalista Luís Edgard de Andrade, Editor da Rede Globo de Televisão.

    — Agradecimento do homenageado. Encerramento.

    22:00 horas — Retorno ao Granjeiro. Repouso.

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  • Dia 8 de setembro

    7 até 8 horas — Café no Granjeiro.9:00 horas — Visita aos pontos turísticos de Crato e Jua

    zeiro do Norte, inclusive ao engenho do Brigadeiro José Sampaio Macedo, onde será servido caldo de cana aos convencionais.

    12:30 horas

    16:00 horas

    17:30 horas

    18:00 horas

    19:00 horas

    — Almoço no Balneário do Caldas, em Bar- balha, com banhos de piscina em água corrente. Retorno ao Granjeiro. Repouso.

    — Solene Concelebração Eucarística oficiada por S. Excia. Revma. Dom Miguel Fenelon Câmara, Arcebispo de Maceió, pelos participantes da Convenção do Cariri.

    — Partida dos convencionais para a cidade de Missão Velha.

    — Solenidade de inauguração da Rua Antônio Augusto Saraiva Leão pelo Exmo. Sr. Idil- van Sobreira, D.D. Prefeito Municipal de Missão Velha. Agradecimento pelo Dr. Luís Carlos Saraiva, em nome da família do homenageado.

    — Jantar no Hotel Municipal de Missão Velha, oferecido pelo Exmo. Sr. Prefeito Idilvan Sobreira aos convencionais.Agradecimento do Dr. José Airton Saraiva, pela Família Saraiva Leão.Retorno ao Granjeiro.Repouso.

    Dia 9 de setembro

    7:00 horas — Missa concelebrada oficiada por S. Excia.Revma. Dom Miguel Fenelon Câmara, em sufrágio dos parentes falecidos e homenageados pela Convenção.

    8:00 horas — Café no Granjeiro.

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  • 9:00 horas — Sessão dedicada aos mortos da Família Saraiva Leão: Miguel Fenelon Câmara — Luís Pergentino Saraiva — Francisco Sales Saraiva — Francisco Saraiva Rabelo — Manuel Saraiva Leão — João Batista Saraiva Leão Neto — Irmã Maria Ferreira Lima — Harding Paulo Benício e Sandoval Sá. Encerramento.

    12:00 horas — Almoço no Granjeiro. Repouso.

    14:00 horas — Despedidas. Retorno dos convencionais a Fortaleza.

    Fortaleza, agosto de 1984

    A Comissão Promotora

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  • J. Lindemberg de Aquino

    (07.09.1984 — CRATO)

    SAUDAÇÃO AOS CONVENCIONAIS DA FAMÍLIASARAIVA LEÃO

    Constitui para mim um motivo de excepcional honraria, trazer, neste instante, a palavra de saudação da cidade do Crato e do seu povo, aos participantes da Convenção da Família Saraiva Leão, que ora se instala na Princesa do Cariri.

    Nossa cidade está vivendo, neste dia 7 de setembro de 1984, justamente o dia da Pátria, as alegrias dessa data, que nos é tão cara, pois foi o Crato berço da liberdade e dos mais gloriosos movimentos revolucionários do nosso Estado.

    Sua participação na História da Pátria remonta há muito antes da Independência, sabido que foi o primeiro município cearense a aderir à Revolução pernambucana de 1817 — produzindo-se, aqui, heróis e mártires, a exemplo do Senador José Martiniano de Alencar, Tristão Gonçalves e Bárbara de Alencar.

    Nas antemanhãs da Independência, sempre se fez presente o espírito cívico de nossa gente — em movimentos que marcaram, profundamente, a história desta terra, abençoado rincão cearense que ora recebe a todos vós.

    É com justa alegria, pois, que o Crato recebe tão digna representação da numerosa família Saraiva Leão, pelos seus expoentes mais excepcionais, figuras de valor e de relevo em todos os setores da vida brasileira.

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  • Crato também tem a sua parcela, o seu quinhão, de família Saraiva Leão. Permiti, embora por alguns instantes, que me fixe em alguns deles, para o vosso conhecimento.

    Um desses vultos foi CESÁRIO SARAIVA LEÃO, filho de José de Arimateia Lobo Saraiva Leão e Raimunda Saraiva Leão. Nasceu a 13 de novembro de 1879 e faleceu a 4 de outubro de 1944. Era casado com dona Cacilda de Oliveira Saraiva, que ainda lhe sobrevive.

    Cesário Saraiva não teve filhos, mas criou, educou e orientou para a vida uma filha adotiva, a professora Raimunda Saraiva Cruz, mestra, há 40 anos, de sucessivas gerações cratenses.

    Cesário Saraiva fundou a União Artística Beneficente, sendo seu Presidente por 13 anos. Fundou a Escola 18 de Maio, tendo participado de dezenas de outras instituições locais. Durante 47 anos exerceu o posto de escrivão do Cartório de Títulos e Documentos.

    Uma rua lhe perpetua o nome.Cesário Saraiva foi, juntamente com o jornalista Bruno

    de Menezes, José Gomes da Cunha Filho, Plinio Cavalcante, José Luís de França e outros, um dos fundadores da União Artística Beneficente do Crato, sendo eleito Presidente da mesma por 13 anos. Equilibrou a entidade, fundou a Escola 18 de Maio, para filhos dos sócios, a qual ainda hoje funciona, na Rua José Carvalho, 303, sob o nome de Escola 18 de Maio. Durante 47 anos exerceu no Crato o posto de escrivão do Cartório de títulos e documentos. Participou de dezenas de outras instituições locais. Era cidadão de absoluta integridade.

    Faleceu a 4 de outubro de 1944.Um outro Saraiva Leão que marcou época em nossa

    cidade — e que merece ter sua vida devidamente estudada, foi JULIO SARAIVA LEÃO. Filho de Salviano Saraiva Leão e de Isabel Pereira de Alencar Saraiva Leão, nasceu Júlio Saraiva a 30 de maio de 1895 e faleceu a 24 de maio de 1971. Ainda lhe sobrevive a viúva — e deixou numerosa descendência.

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  • Muito teria a dizer sobre a polivalente personalidade de Júlio Saraiva. Na atividade de ourives ingressou aos 10 anos. Foi fotógrafo a vida toda. Tocava 3 instrumentos de sopro, participou e foi diretor da Banda de Música do Crato.

    Homem de idéias progressistas, sempre se destacou pelo seu pioneirismo: trouxe ao Crato a primeira máquina de pilar arroz, a prmeira máquina de moer café, manteve em nosso meio pequenas indústrias de colorau, pimenta-do-reino e café. Montou e explorou uma fábrica de mosaicos, e montou a primeira amplificadora, serviço de alto-falantes da cidade.

    Júlio Saraiva foi, ainda, o idealizador da hidrelétrica que se instalou em Crato em 1938, realizou a Primeira Feira de Amostras da cidade, construiu a fonte luminosa, o obelisco do Centenário, o Parque Municipal e outros melhoramentos.

    Como bom entendedor de urbanismo, colaborou com todos os prefeitos, e deixou o Crato com apreciável aspecto urbanístico.

    Boêmio inveterado e incorrigível, era o dono da noite, varando as madrugadas. Galhofeiro, sarcástico, cercou-o uma legenda de anedotário picaresco e galhofeiro, pois tinha a sua própria filosofia de vida.

    Ao falecer, a cidade se vestiu de luto e o levou à Câmara Municipal.

    Crato muito lhe deve, em 50 anos de apaixonado amor pela cidade e sua partida para o além desfalcou o Crato de uma de suas melhores figuras humanas.

    Seus irmãos, Celso Saraiva Leão, (o primeiro operador de cinema em Crato) e Aderson Saraiva Leão, (enfermeiro em Fortaleza e líder de movimentos maçônicos) completam esse pedaço de família Saraiva que o Crato tanto estima e guarda na memória.

    Podeis ver, senhores convencionais, que o Crato não é in- fenso à influência e ao bem querer à vossa família.

    Nas novas gerações temos médicos e artistas, como os Irmãos João, José e Antonio Correia Saraiva, em plena liça, fazendo crescer o nome da família. A Sra. Telma Saraiva,

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  • cuja arte fotográfica corre pelo Nordeste, e Salviano Saraiva, magnífico ator teatral, de noites gloriosas da nossa ribalta.

    Crato, é, pois, um bom pedaço dos Saraiva Leão, dos Correia Saraiva, dos Saraiva Moura, dos Saraiva Ribeiro da Silva e tantos outros ramos dessa família tradicional, sem esquecer a nossa queridíssima Irmã Carmélia, fina flor de sua ordem religiosa, e ilustre hospedeira desta Convenção.

    Crato, pois, recebe a todos vós com inusitada alegria e emoção, e seu coração se abre em festas para sediar esta Convenção.

    O sempre verde desta paisagem, a doçura do seu clima, a limpidez de suas águas, o espírito acolhedor e hospitaleiro de sua gente, a sua coragem cívica provada desde as lutas da Independência — tudo se junta, para vos receber e vos saudar.

    Crato é pedaço bem bom do Ceará e do Brasil, que comunga uníssono com os melhores sentimentos da gente brasileira.

    Estejai certos, senhores da Família Saraiva Leão, que a nossa alegria é afetiva e sincera e nossa hospitalidade é uma característica bem marcante da gente cratense.

    Sede bem-vindos!

    A Casa é vossa!

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  • SARAIVAS DO CARIRI

    Joaryvar Macedo

    No Anuário Genealógico Latino, (vol. 1, Ano de 1949, l.a parte), por Salvador de Moya, encontramos a origem dos Saraivas, a qual vem assim apresentada: “O solar desta família é nas montanhas da vila de Saraiva, em Viscaya, de onde são originários, na Espanha. Em 1428 passaram a Portugal Antônio Saraiva e Vicente Fernandes Saraiva e se estabeleceram na vila de Troncoso; foram acompanhar sua irmã, dama da rainha D. Leonor, + 1445, esposa de D. Duarte I, rei de Portugal.”

    Aportados ao Brasil, oriundos, pois, da Península Ibérica, e chegados, também, ao sul do Ceará, posterior mente, ou seja, no Século XVIII, época do seu povoamento regular, e, por conseguinte, o de sua formação ética e social, e, ainda, o da fixação de suas mais antigas linhagens, muito poucos foram os Saraivas que, na região, se sediaram.

    O Pe. Antônio Gomes de Araújo, o mais penetrante historiador do Cariri e este seu modesto discípulo preocuparam-se em investigar, exaustivamente, os povoadores da zona, ao longo do Século XVIII. De nossas pesquisas publicadas, arrolando os colonizadores do sul do Ceará, portugueses, baianos, sergipanos, alagoanos, pernambucanos, paraibanos, norte-rio- grandenses, piauienses e maranhenses, constam apenas três imigrados, todos naturais da região são-franciscana, portadores do sobrenome Saraiva: Antônio Saraiva, João de Brito Saraiva e Lourenço Saraiva da Silva.

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  • O grau de parentesco entre eles, não o sei. No entanto, sei que os três eram casados e que a descendência de Louren- ço Saraiva da Silva constitui o mais expressivo ramo de Saraivas do sul do Estado. São precisamente os Saraivas dos municípios de Missão Velha e Barbalha, muitos dentre os quais, hoje, dispersos por diferentes recantos do País.

    Lourenço Saraiva da Silva, sediando-se na antiga Freguesia das Minas de São José dos Cariris Novos, atual Missão Velha, com sua esposa, Rosa Francisca do Espírito Santo, estabeleceram ali sua prole, que se foi subdividindo em diversos ramos de Saraivas, pelo entrelaçamento de seus rebentos com outras famílias pioneiras no histórico e ubertoso vale. Assim, foram surgindo, entre outros, os Saraivas Landim, os Saraivas da Cruz, os Teles Saraiva, os Duarte Saraiva, os Saraivas Xavier, os Monteiros Saraiva, os Saraivas Arraes.

    Não comportam os limites destas breves achegas mais circunstanciadas considerações sobre todas essas ramificações de Saraivas, procedentes de Lourenço Saraiva da Silva e Rosa Francisca do Espírito Santo. Eis por que me deterei em observações em torno de apenas uma delas — os Saraivas da Cruz — de que fazemos parte minha mulher e eu, lembrando, de passagem, que, no decurso do tempo, como muita vez acontece, em face dos cruzamentos familiares, o sobrenome do Patriarca Lourenço Saraiva da Silva desapareceu, por completo, em considerável porção de sua progênie.

    Antes, contudo, esclareço e o faço também a título de curiosidade e de exemplo, que muito se teria a dizer acerca da numerosa descendência de Lourenço Saraiva da Silva, no tangente aos demais ramos da família, que contam com muitos elementos nucleares, a começar de seus filhos. Um deles, que não se assinava Saraiva, e se chamou mesmo Francisco Monteiro de Queiroz, foi casado com Leocádia Pereira de Castro, sobrinha do famanaz caudilho Capitão-Mor José Pereira Filgueiras, Presidente do Ceará no 2.° Governo Temporário. Do casal procedia o Major Francisco Monteiro Saraiva, vulgo Chico Saraiva, prestigioso chefe político e antigo intendente de Missão Velha.

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  • Descendentes de Lourenço Saraiva da Silva eram, outros- sim, os conceituados clínicos barbalhenses Antônio Saraiva Xavier e Francisco Saraiva Xavier. Este último foi deputado à Assembléia Legislativa do Ceará.

    Ao ramo Duarte Saraiva pertencem os ilustres militares Raimundo Saraiva Barreto e João Gonçalves Sobreira.

    O sangue de Lourenço Saraiva da Silva corria nas veias de José Bezerra de Menezes, ex-industrial em Juazeiro do Norte, filho de Leandro Bezerra de Menezes e Josefa Saraiva Bezerra de Menezes. Saraiva, igualmente, o era, mais precisamente Teles Saraiva, sua consorte, a respeitável matrona D. Maria Amélia Bezerra de Menezes. Trata-se dos genitores do ex-Vice-Governador Francisco Humberto Bezerra, do ex-Go- vernador e atual Vice-Governador do Estado José Adauto Bezerra e de Orlando Bezerra de Menezes, deputado federal, expressões inequívocas da hodierna política cearense.

    Descendentes de Lourenço Saraiva da Silva são, ainda, aqueles Saraivas do município pernambucano de Exu, formando lado a lado das famílias principais dali, onde se envolveram nas lutas sangrentas de imensas e dolorosas repercussões, entre Sampaios e Alencares, aos quais se acham entrelaçados.

    Feitas estas observações um tanto de afogadilho, derno- rar-me-ei, conforme esciareci, em algumas considerações acerca do ramo dos Saraivas da Cruz, descendentes do Patriarca Lourenço Saraiva da Silva e Rosa Francisca do Espírito Santo, ramo a que me vinculo, diretamente, tendo sido, por isso, aquele em que melhormente me adentrei, em minhas perqui- rições.

    Os Saraivas da Cruz integram a família caririense, conhecida como Terésios. E Terésios vêm a ser a progenitura do Capitão José Paes Landim e sua mulher Geralda Rabelo Duarte.

    O Capitão José Paes Landim, alagoano e já radicado no Cariri pelos começos da terceira decúria do Século XVIII, adquiriu terras da família Lobato.

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  • Os Lobatos, originários de Alagoas, são contados entre os primeiros concessionários de sesmos no sul do Ceará, onde monopolizaram imensos latifúndios rurais. Chegaram a possuir dezenas de léguas, em quadro, quer obtidas em sesmarias quer compradas. No inventário do Capitão Antônio Mendes Lobato, de 1719, aparecem, entre outras, as terras do sul cearense denominadas Cachoeira, Canabrava, Lagoa do Ca- rité, Santa Teresa, Jenipapeiro, Brejo da Barbosa, Muriti, to- pônimos bastante conhecidos da gente do Cariri.

    Foi precisamente aquela porção chamada Santa Teresa que adquiriu o colonizador Capitão José Paes Landim, propriedade que organizou e cultivou e onde fundou seu engenho, com o mesmo nome, entre as atuais sedes municipais de Missão Velha e Barbalha — Engenho de Santa Teresa.

    Casou-se ele com a baiana Geralda Rabelo Duarte. Dele, com ela, houve filhos, nascidos todos no Engenho de Santa Teresa, que se tornou destarte, o núcleo originário e sócio- econômico da família, que, ainda hoje, o possui, fracionado em vários sítios: Santa Teresa, Lagoa de Santa Teresa, Salobra, Brejão, Passagem de Pedras etc.

    Como é evidente, o nome Terésios vem de Teresa, da expressão Engenho de Santa Teresa.

    O próprio historiador João Brígido, referindo-se a essa gente, foi assim que lhe chamou: Terésios. São eles os Paes Landim, os Jesus, os Cruz Neves, os Martins de Jesus, os Saraivas da Cruz, os Cruz Santana, os Macedos, os Dias Sobreira, os Olegários e outros e outros.

    Um dos filhos do Capitão José Paes Landim e Geralda Rabelo Duarte, Capitão Domingos Paes Landim, convolcu a núpcias, aos 10 de novembro de 1756, com Isabel da Cruz Neves, natural do Rio de São Francisco, filha do Sargento-Mor Manuel da Cruz Neves, português, e de Joana Fagundes de Sousa (ou Joana Fagundes da Silveira), baiana. Dentre os numerosos filhos deste casal, um se chamou José da Cruz Neves, que se matrimoniou, a 5 de novembro de 1796, com Inácia Maria de Jesus Ferreira, norte-rio-grandense da Serra

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  • do Martins, filha de Leandro Borges da Fonseca e Sebastiana da Fonseca Ferreira (ou Sebastiana Ferreira dos Santos).

    De José da Cruz Neves, com Inácia Maria de Jesus Ferreira, advieram vários filhos, entre eles Manuel Inácio da Cruz, que se casou, (em primeiras núpcias, aliás), com Josefa Maria do Espírito Santo, filha do Patriarca dos Saraivas, Lou- renço Saraiva da Silva, e sua mulher Rosa Francisca do Espírito Santo. Através desse matrimônio, entrelaçaram-se as estirpes Cruz (ou Cruz Neves) e Saraiva.

    0 casal que se fez tronco dos Saraivas da Cruz, Manuel Inácio da Cruz e Josefa Maria do Espírito Santo, residiu sempre no Engenho de Santa Teresa, onde possuíram um oratório, referido não poucas vezes nos livros de termos paroquiais de Missão Velha. Nessa casa-de-oração, realizaram-se muitos casamentos de pessoas da família, vários dos quais abençoados, na década de 1840 a 1850, pelo Pe. José Francisco de Sales Landim, mais conhecido por Padre Landim, irmão do mencionado Manuel Inácio da Cruz. Muito depois é que foram construídas as capelas da família, primeiro, as da Serra do Mato e do Brejão, posteriormente, a da Santa Teresa, e por último, a do Brejinho.

    Ali, no Engenho de Santa Teresa, viram a luz do dia os filhos do casal Manuel Inácio da Cruz e Josefa Maria do Espírito Santo. E foram muitos:

    1 — Capitão Raimundo Nonato Saraiva, conhecido como Mundinho da Gameleira. Casado com a prima legítima Qui- téria de Sales Landim.

    2 — Maria Teresa do Espírito Santo. Casada com o primo legítimo Joaquim Domingos Landim.

    3 — José Cândido da Cruz. Falecido sem sucessão, havendo deixado, em Barbalha, testamento nuncupativo, em favor dos irmãos e pessoas de sua estima.

    4 — Coronel Joaquim Manuel da Cruz, vulgo Quinco Manuel. Casado, na família, com Isabel Saraiva da Cruz, conhecida por Bila.

    5 — Joaquina Maria Saraiva da Cruz, conhecida como Quina. Casada com o primo legítimo José Vicente da Cruz.

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  • 6 — Josefa Maria de Jesus. Casada com o parente José Vicente Landim, vulgo Zeca Bindé. Sem descendência.

    7 — Capitão Pedro Manuel da Cruz, conhecido por Pedro Manuel do Jacu. Casado duas vezes, l.° com Rosa Maria da Cruz, 2.° com Cinobilina Isabel da Cruz, ambas irmãs e suas sobrinhas, filhas que eram de seu irmão Oel. Joaquim Manuel da Cruz.

    8 — Felícia Maria da Conceição. Casada duas vezes, l.a com o parente Antônio da Cruz Neves, 2.a com Domingos José da Silva.

    9 — Sebastiana Maria do Espírito Santo. Casada, na família, com Joaquim Saraiva Landim, vulgo Quinco Saraiva.

    10 — João Manuel da Cruz, conhecido por Joca da Game- leira. Casado com a prima legítima Joaquina de Sales Landim, conhecida como Quininha.

    11 — Tenente-Coronel Manuel Saraiva da Cruz, vulgo Né da Cruz. Casado três vezes, l.a com Maria de Jesus Macedo, conhecida por Marica, filha de sua madrasta Maria das Dores da Encarnação (Dôre), 2.a com Maria Francisca de Macedo (Mariinha), sua sobrinha-neta, 3.a com Maria da Glória Saraiva (Glorinha), sua consanguínea, do ramo dos Duartes Saraiva.

    12 — Elias Francisco da Cruz. Casado duas vezes, l.a com Isabel Maria da Conceição, 2.a com sua parenta Luíza Paes Landim, conhecida por Lulu.

    13 — Eliseu Manuel da Cruz. Casado duas vezes, I a com a sobrinha Maria Saraiva de Jesus, filha de seu irmão Capitão Raimundo Nonato Saraiva, 2 a com Maria Florinda Peixoto.

    14 — Inácia Maria Saraiva (Inacinha). Casada com o primo Vicente Duarte Saraiva, conhecido como Vicente Grande.

    15 — Rosa Maria de Jesus. Falecida ainda nova, mas já casada e com filhos.

    16 — Lourenço Saraiva da Cruz. Falecido novo, sem sucessão.

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  • Como se vê, já a partir desta irmandade, composta de dezesseis netos de Lourenço Saraiva da Silva e Rosa Francisca do Espírito Santo, começa a desaparecer o sobrenome Saraiva. Mas, em que pese a isso, ele continua em inumeráveis membros da família, hoje disseminados por muitas localidades do território pátrio.

    Onde quer que se encontrem, no Cariri ou fora dele, com Saraiva ou sem Saraiva acrescido a seus nomes, os descendentes dos filhos de Manuel Inácio da Cruz e Josefa Maria do Espírito Santo, que constituem o ramo dos Saraivas da Cruz, portam o sangue vigoroso do Patriarca Lourenço Saraiva da Silva e sua consorte Rosa Francisca do Espírito Santo, legítimos construtores da civilização em terras caririenses, a par de tantos outros colonos, de diferentes procedências, responsáveis pela gênese social, pela formação histórica, pela huma- nização, enfim, do grande e decantado Vale do Cariri.

    Como outros ramos de Saraivas, projetaram-se, no meio, também os Saraivas da Cruz, pelo trabalho, pelo esforço e pelo espírito criador, construindo a sua abastança, sobretudo na cultura canavieira, base primeira da riqueza da zona.

    Foram, de fato, os engenhos para o fabrico da rapadura, a fonte principal da economia caririense. E os brejos de Missão Velha e Barbalha, notadamente aqueles banhados pelo Rio Salamanca, encheram-se de engenhos dessa família, dos quais ela tirou os recursos com que mandar os filhos para as capitais, encaminhando-os a mais lisonjeiras posições na vida.

    Em verdade, muitos dos seus membros têm ocupado postos de relevo nos setores político e econômico do Ceará e até de outros Estados da Federação, bem assim nas demais áreas da atividade humana. Uma aligeirada citação de nomes corrobora o que acabo de afirmar.

    Honraram o Tribunal de Justiça do Ceará os desembargadores Juvêncio Joaquim de Santana e Manuel Joaquim de Santana, netos do Tenente-Coronel Manuel Saraiva da Cruz.

    Militares, muitos os teve e tem a família. Mencionaria, para exemplificar, o Coronel Antônio Vicente de Macedo, bisneto de Maria Teresa do Espírito Santo, o Coronel Hélio Luna

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  • Alencar, bisneto do Coronel Joaquim Manuel da Cruz, o Coronel Francisco Filgueiras Cruz, neto do Tenente-Coronel Manuel Saraiva da Cruz, e o Coronel Dário Grangeiro Cruz, bisneto deste mesmo Tenente-Coronel Manuel Saraiva da Cruz.

    Deputados à Assembléia Legislativa do Ceará, houve-os também: o referido Juvêncio Joaquim de Santana, que foi, inclusive, Secretário do Interior e Justiça, Edson Olegário de Santana e Francisco Erivano Cruz, bisnetos, estes dois, daquele Tenente-Coronel Manuel Saraiva da Cruz. Ressalte-se que um trineto do Capitão Raimundo Nonato Saraiva, José Saraiva de Macêdo, tomou assento na Assembléia Legislativa do Pará. Esse mesmo Capitão Raimundo Nonato Saraiva era bisavô da Dra. Clisélides Cruz Saraiva, médica, esposa do deputado federal Hildo Furtado Leite.

    Nas letras, poderiam ser referidos alguns nomes, como Dr. Antônio Raimundo da Cruz, mais conhecido por Dr. Cruz, conceituado clínico, vasta cultura, autor de diversos trabalhos, neto do Tenente-Coronel Manuel Saraiva da Cruz, e falecido no Rio de Janeiro, onde residia. Deoclécio Leite de Macedo, historiador, residente no Rio, bisneto de João Manuel da Cruz; Dimas Macedo, poeta e crítico literário, além de pesquisador no campo da História, trineto de Joaquina Maria Saraiva da Cruz; Joaryvar Macedo, membro titular da Academia Cearense de Letras, bisneto dessa mesma Joaquina Maria Saraiva da Cruz.

    Sacerdotes, a família Saraiva da Cruz também os deu: Pe. José Gonçalves Landim, ex-vigário de Iguatu e, atualmente, vigário cooperador em Aurora, sua terra natal, sendo bisneto de João Manuel da Cruz (Joca da Gameleira); Cônego José Edmilson de Macedo, membro do Cabido da Sé de São Salvador da Bahia e vigário da Paróquia de Nossa Senhora das Brotas na capital baiana, trineto de Joaquina Maria Saraiva da Cruz; D. Hilário Leite de Macedo, monge beneditino, e Pe. Juarez Macedo, salesiano, o primeiro, bisneto, e o segundo, trineto de João Manuel da Cruz, o referido Joca da Gameleira.

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  • Concluo esta superficial relação, apresentada a título de exempio, destacando que três Saraivas da Cruz, embora nenhum com o sobrenome Saraiva, partilham do primeiro escalão do atual Governo do Estado, como titulares: Francisco Erivano Cruz na Secretaria para Assuntos Municipais, Joary- var Macedo na Pasta da Cultura e Desporto, e Hélio Luna Alencar no Comando da Polícia Militar do Ceará, bisnetos de três irmãos, respectivamente, Tenente-Coronel Manuel Saraiva da Cruz, Joaquina Maria Saraiva da Cruz e Coronel Joaquim Manuel da Cruz, netos do Patriarca Lourenço Saraiva da Silva.

    Ao ensejo desta exposição, talvez não fosse inoportuno salientar a época de maior fastígio da família Saraiva da Cruz, o que se deve sobretudo ao Coronel Antônio Joaquim de Santana, que a ela se integrou, casando-se com uma filha do Tenente-Coronel Manuel Saraiva da Cruz, e bisneta, portanto, do Patriarca Lourenço Saraiva da Silva.

    Foi nas primeiras décadas do fluente século que os Saraivas da Cruz, como, de resto, toda a família da Santa Teresa, tiveram sua quadra de maior fastígio social e político. Exatamente naquele tempo, em que andou bem acentuado, por todo o Nordeste, o regime do jugo oligárquico.

    Conforme não se ignora, proclamada a República, nos Estados da Federação Brasileira, em face da autonomia constitucional, esse regime foi sobremodo intensificado, mormente no território nordestino, onde cada unidade federada era oli- garquizada por mandões, poderosos e prepotentes. Governando o Ceará, então, ao Dr. Antônio Pinto Nogueira Acióli ensejou-se um comando dos mais absolutistas, e aos seus familiares e apaniguados, a oportunidade de desfrutar das melhores e mais elevadas posições a nível estadual.

    Nas comunas cearenses, com o irrestrito apoio do Presidente do Estado, os chefes locais tornaram-se senhores absolutos, ao passo que suas famílias eram contempladas com as mais avantajadas benesses. Foi assim que um genro do Tenente-Coronel Manuel Saraiva da Cruz, o citado Cel. Antônio Joaquim de Santana, geralmente conhecido como Coronel

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  • Santana, residente no Sítio Serra do Mato, transformou-se no senhor supremo do município de Missão Velha e num dos mais prestigiosos líderes políticos do Cariri, sobrepujado apenas pela dupla famosa Floro Bartolomeu da Costa — Pe. Cícero Romão Batista.

    O Coronel Santana, cujo prestígio e poderio, na região, sobremaneira contribuíram para realçar a família Saraiva da Cruz e os consanguíneos, é um desses personagens que ainda está por ser estudado. E nesta ocasião em que se procura, também, evocar a memória dos que já se foram, não me furto de tracejar algo de sua vida e de sua personalidade, até por questão de justiça.

    O Cel. Antônio Joaquim de Santana, um genuíno Terésio, nasceu no sítio Brejão, município de Barbalha, no ano de 1856, e faleceu no de 1941, portanto com oitenta e cinco anos, tendo chegado a ver trinetos. Era filho de Juvêncio Joaquim de Santana e Jacinta Maria de Jesus (Iaiá), e casado com Josefa Maria de Jesus (Zefinha), igualmente genuína Teré- sia, filha do Tenente-Coronel Manuel Saraiva da Cruz (Né da Cruz) e Maria de Jesus Macedo (Marica), e bisneta, por conseguinte, do Patriarca Lourenço Saraiva da Silva.

    Um dos expoentes do mandonismo sertanejo, vivendo seu tempo, sua época histórica, e, consoante já foi dito, chefe político dos mais prestigiosos do Cariri, o Coronel Santana inaugurou, no sul do Estado, a quadra das deposições a bala, apeando do poder, ao fragor de cerrado tiroteio, no ano de 1901, o Cel. Antônio Róseo Jamacaru, prefeito e cacique de Missão Velha, onde era cantada, então, esta quadrinha, sobre o evento, e atribuída ao poeta popular Luís Dantas Quczado (Luisinho do Roncador):

    Missão Velha está em guerra.E Barbalha estremeceu Santana desceu da serra E Antônio Rosa correu.

    Conquistando, assim, o poder, pela força, governou o Coronel Santana o município missãovelhense, de 1901 a 1916, inclusive influindo, preponderantemente, em toda a vida po

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  • lítica do Cariri do seu tempo. Tão grande o prestígio dele, que, quando do célebre encontro dos caudilhos sul-cearenses, aos 4 de outubro de 1911, na então Vila de Juazeiro, e que passou à história como o “Pacto dos Coronéis”, foi ele escolhido para presidir a reunião, da qual fazia parte o Pe. Cícero Romão Batista, a quem cedeu a presidência.

    Homem rústico, porém dotado de senso prático e de larga visão, encaminhou os filhos varões para cs estudos. E dos quatro que teve, um apenas não se formou porque não quis. Os outros galgaram excelentes posições na vida: os desembargadores Juvêncio Joaquim de Santana e Manuel Joaquim de Santana, e o engenheiro civil Antônio Santana Júnior. De fato, uma façanha para a época e o meio.

    Mas valho-me da oportunidade, em ordem a mais algumas considerações em torno da figura do Coronel Santana, que concorreu grandemente para a projeção da família. Nesse tanto, utilizo umas notas que a seu respeito escreveu o inteligente jornalista José Santana, residente em São Paulo, fazendo-o quase à letra.

    Quantos o conheceram guardam do Coronel Santana a lembrança da sua imagem física: alto e esbelto, epiderme clara e rosada, cabelos negros e olhos bem azuis. Na mocidade, deve ter sido um belo homem, um perfeito galã, como hoje se diz. O certo é que a sua liberalidade, a sua reconhecida bravura, ligadas a essa. figura apolínea, chegavam a impressionar as mulheres. Era fisicamente impecável, sobretudo quando vestido em sua farda de gala. Teve, entretanto, uma vida tormentosa, vivida de envolta com a política e as lutas armadas que sustentou.

    Homem singular, personalidade robusta e marcante, caráter forte e inquebrantável, foi o Coronel Santana um bravo e, simultaneamente, um generoso em excesso. Chegou mesmo a ser um perdulário, a ponto de nunca dar o devido cuidado a seus haveres, seu gado, suas terras, seus bens materiais. Tanto assim que nasceu rico e morreu pobre, na mesma região onde tivera sempre o domínio político. Tudo isso, talvez, porque era um Napoleão frustrado. Nascera com vocação para a

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  • carreira militar, o destino, contudo, encaminhara-o para a vida do campo, para as ocupações agrárias. Disso, porventura, resultava a estafante quizília em que ele permanentemente vivia, e onde se enquadram e se encontram todas as pessoas desajustadas. Às vezes, sem motivo aparente, tornava-se furioso e intolerável. A maioria das vezes, todavia, era compreensível e fraternal, sempre de mãos abertas para oferecer o que tinha aos que necessitavam.

    Tradicionalmente católico, para acompanhar a tendência dos seus antepassados, é curioso que o Coronel Santana não frequentava igrejas. Tinha, no entanto, um culto fervoroso para com o santo do seu nome, a quem ele tomara como seu advogado, mentor espiritual e receptáculo de suas mais íntimas confidências. E gostava de ouvir estórias e benditos de Santo Antônio de Pádua, sobretudo desta balada religiosa:

    Antônio! Socorro, Antônio!Neste mesmo continente,Vai livrar teu pai da morte,Que vai morrer inocente.

    Perspicácia incrível, inteligência viva e poderosa, apesar de sua pouca escolaridade, tinha ele bastante facilidade de expressão, grande intuição política e vasta experiência do meio em que vivia. Em reuniões de amigos, tratava, de uma só vez, de vários assuntos e a todos empolgava com admirável mestria. Nesse afã político, era o Coronel Santana realmente incomparável.

    Todavia, esse homem inteligente, forte, poderoso, submetia-se, docilmente, a dois “fracos” insopitáveis: música e mulher. Quantos filhos ilegítimos deixou, talvez nem ele mesmo soubesse. Já no referente à música, não chegou a ser um concertista, mas arranhava as cordas do violão, e dizia: “Não há nada mais belo do que a ressonância da viola, nas mãos de quem sabe tocar!” E na casa-grande da Serra do Mato, acolhia cantadores, para ouvi-los, embevecido, e depois exclamar: “Quando a tristeza bate, não há nada como uma viola bem temperada e um cigarro de fumo das Cabeceiras!”

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  • Era assim o Coronel Santana. Forte, poderoso, um régulo matuto, respeitado, temido, e, ao mesmo tempo, um sentimental, um boêmio que nem a velhice impediu de participar de festas, onde dançava a noite inteira.

    Era assim o Coronel Santana. Uma criatura romântica e, ao mesmo tempo, um trabalhador incansável, um homem de vida prática, um político de largo prestígio e um herói de muitas lutas.

    Graças a ele, no primeiro quartel deste século, a família viveu, conforme ficou devidamente esclarecido, seus dias de maior fastígio. E foi, principalmente, revivendo a época do seu poderio inconteste, quando o clã tanto cresceu, que alguns dos seus membros, residentes no Rio, em documento endereçado, certa feita, à parentela no Cariri, exararam, entre outras, esta verdade insofismável: “Já tivemos, em tempos passados, mais projeção política e social, no vale do Cariri, posição esta gerada mais pela inteligência da força que pela força da inteligência”.

    Por esta razão, quis, rememorar lances da vida e da personalidade do Cel. Antônio Joaquim de Santana, o inconfundível Coronel Santana, na oportunidade em que registro alguns informes a respeito de Saraivas do Cariri, sobretudo dos Saraivas da Cruz, aos quais se integrou pelo matrimônio, honrando, como nenhum outro, o nome dessa antiga estirpe sertaneja.

    x x x

    (Conferência pronunciada na IX Convenção da Família Saraiva Leão, em 7 de setembro de 1984, pelo Acadêmico-Escri- tor, Joaryvar Macedo, Secretário de Cultura e Desporto do Governo do Ceará.)

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  • A LIÇÃO DE PAPAI SARAIVA

    Luís Edgar de Andrade

    Nunca me esquecerei de um livrinho do escritor Érico Veríssimo que li, deslumbrado, no quintal de minha casa, em Fortaleza, quando tinha nove ou dez anos. O livro — escrito para crianças — se chama “As Aventuras de Tibicuera”. O próprio Érico Veríssimo, no prefácio, resume a história em duas frases: “Aqui estão as Aventuras de Tibicuera contadas por ele mesmo. O herói narra sua espantosa viagem que começa numa taba tupinambá em 1500 e termina numa arra- nhacéu de Copacabana em 1942.”

    Contado assim, o personagem, à primeira vista, parece inverossímel. Por isso mesmo, o autor observa: “Pode parecer fantástico que um homem tenha pedido atravessar vivo e rijo mais de quatrocentos anos. Mas estou certo de que, após a leitura do capítulo intitulado “O Segredo do Pajé”, todos vocês aceitarão o fato e, mais, hão de fazer o possível para seguir os conselhos do feiticeiro, a fim de vencer o tempo e a morte.”

    Quarenta anos depois que li pela primeira vez “As Aventuras de Tibicuera”, pego na maior curiosidade uma nova edição do livro, datada de 1974, e passo os olhos no que disse o pajé ao indiozinho Tibicuera para explicar o segredo da sobrevivência. Ele falou assim: “Tibicuera morre? O espírito continua: a coragem de Tibicuera, o nome de Tibicuera, a alma de Tibicuera. O filho é a continuação do pai. E teu filho terá outro filho e teu neto também descendentes e teu bisneto será bisavô dum homem que continuará o espírito de Tibicuera e que, portanto, ainda será Tibicuera.”

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  • Relendo, agora, com a emoção de adulto, essa página singela de Érico Veríssimo, fico pensando, por associação de idéias, em meu bisavô que não conhecí, Antônio Benício Saraiva Leão Castelo Branco, o famoso Doutor Benício, tão lembrado na família e tão citado nestas convenções. Já cego, com catarata nos dois olhos, ele ia tomar banho no rio Putiú. em Baturité, a mão no ombro do neto, João Batista Saraiva Leão, dez anos, órfão de pai — o futuro Doutor Saraiva, o fundador da Faculdade de Medicina em Fortaleza. Enquanto caminhavam, o velho de barba branca, recitava, como o poeta grego Homero, que também era cego, a genealogia da família, até o décimo avô. E, no fim, sabatinava o menino:

    — Ana Batista da Costa Coelho, quem era?— Era minha bisavó — o menino respondia — mulher

    de Papai Saraiva, o Coronel de Milícias Antônio Saraiva Leão.

    — E os pais dela quem eram? — o Doutor Benício insistia — Em que ano ela casou?

    Se o menino não respondia certo, a lição recomeçava. Enfurnado na serra de Baturité, entre os retratos amarelecidos dos parentes já mortos, o velho Doutor Benício, sem saber, fazia igualzinho a Tibicuera, o personagem de Érico Veríssimo, igualzinho a Kunta Kintê, o herói de “Raízes”, a saga de uma família negra americana, escrita por Alex Haley.

    Quando criança, esse Alex Haley ouviu muitas vezes a avó contar a história do antepassado africano que, um dia, saiu para cortar o tronco de uma árvore, na floresta perto de sua aldeia, a fim de fazer um tambor, e, de repente, foi agarrado, acorrentado, levado como escravo para a América num navio negreiro. Kunta Kintê era o nome desse antepassado. Ele fez questão de contar à filha como era sua vida na África — único meio que encontrou de não perder a identidade na terra dos homens brancos. E essa história foi transmitida oralmente, de geração em geração, até chegar a Alex Haley. Já adulto, escritor, Haley decidiu reconstituir a história do seu antepassado africano e das gerações que o sucederam.

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  • Quando estive em Saigon, na guerra do Vietnam, em 68, surpreendi-me ao saber que a religião do povo vietnamita não é o budismo propriamente dito, como acontece nos países vizinhos — os países da antiga Indochina — mas pura e simplesmente o culto dos antepassados. Em qualquer casa de família no Vietnam, fosse um casebre ou uma verdadeira mansão, nas cidades e nas aldeias, sempre vi na parede da sala de visita um retrato de velho, o avô ou bisavô do dono da casa, com uma lâmpada votiva acesa embaixo, como se fosse um altar.

    A revista francesa L’Express, numa recente reportagem de capa sobre a febre da genealogia na França — a reportagem se intitula “Na pista dos ancestrais’’ — conta que ultimamente as empoeiradas salas de arquivo dos departamentos da França estão sempre cheias de gente nos meses de férias. Não há lugar para sentar. São os genealogistas amadores que se debruçam nos velhos papéis do registro civil, cada um deles ansioso por descobrir as origens de sua família.

    Segundo os autores da reportagem, chega a ser engraçado ouvir essa gente falar o jargão dos especialistas: dizer, por exemplo, “Matei minha bisavó” ou então “cheguei afinal aos. 512”. Matar a bisavó, na gíria da genealogia profissional, significa encontrar a certidão de óbito com a data precisa em que a velha morreu. Já o número 512 designa a geração em que temos 512 antepassados. Esse número vem a ser a nona potência do algarismo 2. Levando em conta que a geração da gente tem o número 1, os 512 constituem a décima geração (nove mais um). E como em geral são três gerações por século, supõe-se que essa décima geração viveu há mais ou menos trezentos anos.

    Vocês hão de perguntar por que, ao mesmo tempo, nos sertões do Nordeste e nas cidades da França, se começa a notar um repentino interesse pela história das famílias. A revista L’Express, referindo-se ao caso francês, diz que, no mundo de hoje, as pessoas estão preferindo a realidade à ficção e querem testemunhos verdadeiros.

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  • Numa sociedade culturalmente desenvolvida, o hobby da genealogia reflete o conflito entre duas concepções históricas. O ensino tradicional apresenta a história com H maiúsculo, mestra da vida, como uma sequência de atos importantes, praticados pelos grandes homens. Outra corrente acha que a história é feita por nós mesmos, os homens do povo, as massas anônimas.

    Quando uma grande família começa a investigar de onde veio, parece que inconscientemente há o desejo de descobrir, na multidão dos antepassados, seus próprios heróis, aquelas personagens que viveram à margem da história oficial, os Papais-Saraivas da vida, os Pais-Joãozinhos do Catolé do Rocha.

    Segundo os sociólogos, funciona aí também o fator identidade — aquela identidade que o negro Kunta Kintê, cercado de brancos, queria a todo custo preservar. Com a crescente migração do campo para as capitais, nem todo mundo pode ter a felicidade elementar de viver onde nasceu. Se a gente não sabe para onde vai, já é uma segurança saber de onde se veio.

    Nós, os Saraivas Leões do Século XX, temos a sorte de saber de onde viemos, sem fazer força. A árvore genealógica já herdamos prontinha, viçosa e bem regada pelos historiadores que a família teve, de geração em geração. Isso não quer dizer que nossos 512 avós tenham sido melhores ou piores que os dos outros. Eles tinham nossas qualidades e defeitos. Todas as famílias são antigas. Ninguém nasce sem avô, bisavô, tataravô.

    Por isso, aqui. estamos, esta noite, tantos primos, sob a inspiração do primo Fernando Câmara, nosso patriarca do ano 2000, para homenagear o primo João Ciro Saraiva de Oliveira, escolhido para simbolizar todos aqueles que ajudaram a fazer esta IX Convenção da família.

    Como Secretário da Comunicação Social do Governa do Ceará, Ciro Saraiva segue sem dúvida uma das tradições da família: a de participar da vida pública do Estado — uma tradição marcada pelo Doutor Benício que foi deputado pro

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  • vincial e chegou a presidente da Assembléia Legislativa. Ciro Saraiva é o quarto Saraiva Leão que assume uma Secretaria de Estado, numa lista em que figuram José Aurélio Câmara, Ismael Pordeus e rneu pai, Manuel Antônio de Andrade Furtado. Aliás, desta vez, são dois primos no governo: Ciro Saraiva, Secretário da Comunicação, e Joaryvar Macedo, Secretário da Cultura.

    Ciro e eu temos em comum a profissão de jornalista. Em meados dos anos 50, por assim dizer cruzamos na imprensa de Fortaleza. Ele chegava, aos 16 anos, de Quixeramobim — mais precisamente de Sebastião Lacerda, hoje Vicente de Castro — com a experiência precoce do jornalzinho mensal A Voz de Lacerda para ser revisor do jornal O Estado. E eu, ncs meus vinte e poucos, estava de partida para a imprensa do Sul. Naquele tempo, jornalista ganhava pouco, menos ainda do que hoje.

    Meu caro Ciro Saraiva, em vez de contar a sua vida, prefiro reproduzir uma historinha exemplar do seu tempo de revisor. Não tendo conseguido lugar na Casa do Estudante, na Aldeota — sempre cheia — foi morar num quartinho alugado na Avenida José Bastos. Época difícil. Muitas vezes passou fome. Saía, noite alta, da Rua Senador Pompeu, onde ficavam as redações, e ia a pé, madrugada adentro, até a José Bastos. Chegava com tanta fome que muitas vezes comeu, à falta doutra coisa, o pão seco que a velha senhora, dona da casa, enfiava nos buracos da parede para evitar a entrada dos ratos. Hoje você certamente ri da explicação que dava para a velha sobre o desaparecimento do pão. Você dizia que os ratos tinham roído tudo. . .

    Espírito pioneiro, homem gregário, Ciro Saraiva foi um dos fundadores da Associação Cearense dos Jornalistas do Interior, promoveu aqui no Crato o Primeiro Congresso de Jornalistas do Interior e organizou recentemente, em Forta- taleza, o Primeiro Congresso de Secretários Estaduais de Comunicação. Para ele, comunicação social, como deve ser, é o contrário da propaganda. Segundo Ciro Saraiva, todo governo tem a obrigação de informar e o povo tem o direito de saber o que o governo faz. A crítica, é claro, faz parte desse jogo.

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  • Quero aproveitar a presença do Ciro, do Joaryvar, de Dom Miguel, do Fernando e de tantos primos ilustres para lançar, de passagem, entre duas frases, uma pequena idéia. Uma idéia que vai necessitar o apoio do Governo, da Universidade, do Instituto do Ceará, das Dioceses e da Arquidiocese. Eu penso num plano para se começar a fazer o levantamento genealógico do Nordeste, município por município, microfilmando os assentamentos paroquiais e os livros do registro civil, enquanto é tempo, enquanto essa documentação não se perde. Feita a microfilmagem, poderiamos partir, numa segunda fase, para a utilização das modernas técnicas de computação e processamento. Depois vamos pensar com calma num projeto concreto para apresentar à comunidade.

    Meus amigos, se podemos tirar uma lição destes encontros, em nove convenções seguidas, a conclusão mais importante é a fraternidade que deve ligar a família Saraiva Leão às outras famílias do Nordeste, sobretudo as mais pobres.

    Eu citaria, outra vez, o exemplo do nosso Coronel de Milícias Antônio Saraiva Leão, o Papai Saraiva, Patriarca do Banabuiú. Dele se conta — quem conta é o Fernando Câmara — que, num ano seco e de nenhuma colheita, a mulher, Dona Ana Batista, certa vez, o advertiu: era preciso retirar os rebanhos da fazenda, para impedir que o povo faminto das redondezas devorasse o gado. Ele respondeu textualmente: “Aninha, o que será do meu povo se vender o meu gado?” Vejam o tom bíblico da frase. E concluiu: “Sabeis o que eu tenho resolvido. Nem mais nem menos do que abster-me de vender um só boi, para que o pobre povo não vá perecer de fome”.

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  • SAUDANDO O PREFEITO MANOEL SALVIANO

    Raimundo Saraiva Brito

    Convidado pelo estimado primo, o Historiador Fernando Saraiva Câmara, para proferir, em nome da FAMÍLIA SARAIVA LEÃO, discurso de agradecimento a V. Ex.a, Sr. Prefeito, não hesitamos em lhe adiantar que o faríamos possuído da mais viva e intensa satisfação, é que, em residindo por sete anos no Cariri, convivendo com o povo desta Região, pudemos abeberar-nos da beleza poetizada que estas plagas infundem e contagiar-nos da bondade sem limites que a alma deste povo inspira. Ademais, que missão mais agradável e honrosa o agradecer por se sentir favorecido?. . . V. Ex.a, dando vasão à sensibilidade de seu espírito, possuído pelo grande ideal que sempre o comoveu como homem público, que é o de promover, em todos os níveis, o progresso desta grande Cidade e de sua gente, não limitou esforços a nos receber de braços abertos, como a nos dizer a todos, por antecipação, numa conclusão que sentimos de sua hospitalidade: “Venham todos a esta Cidade e podem ficar à vontade”. É, certamente, senhoras e senhores, esta sensibilidade, esta hospitalidade, um apanágio do povo caririense e, de modo particular, do povo juazeirense pela vocação cosmopolita de Juazeiro do Norte que atrai, constantemente, gente de todo o País e, até, do estrangeiro, à força imortal da memória de seu Patriarca, Padre Cícero Romão Batista.

    Temos, aqui e agora, aos olhos e à ciência dos estimados primos e distintos convidados, o mais concreto exemplo dos atributos e das qualidades anímicas que tão bem marcam e caracterizam a índole deste povo: Juazeiro do Norte, que ora

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  • nos abraça, recebia, há alguns anos, um filho de Várzea Alegre, médico recém-formado, que com o coração cheio da mais ardente esperança e abrasado pela confiança e pela fé inabaláveis, iniciava suas atividades profissionais, servindo com dedicação e amor àqueles que, sem embargos e sem discriminação, lhe deram acolhida e lhe favoreceram um espaço propício ao bom desempenho de seu ministério. Esse médico, reconhecido de todos por seu talento e por seu trabalho, foi nomeado, um dia, Diretor do maior hospital desta Cidade, sem que o fato gerasse entre os seus colegas, filhes de Juazeiro, qualquer ressaibo do menor ressentimento. E, como que para registrar à posteridade o exemplo de hospitalidade que esta comunidade sempre tem dado e retratar às gerações futuras a alma aberta e democrática dos habitantes de Juazeiro, este povo fez, em pouco tempo, daquele médico forasteiro o seu maior representante, elegendo-o Prefeito. Eis aqui, senhoras e senhores, eis aqui o médico, de quem lhes falo, o filho de Várzea Alegre, o ínclito Chefe desta grande e laboriosa comunidade que, agora, não apenas, cuida das dores e dos males físicos deste povo, mas que lhe orienta os destinos sociais e políticos com ardente civismo, batalhando sem tréguas o progresso desta Terra e desta gente.

    A par de um reconhecido sentimento de gratidão, tem o Exm.° Sr. Prefeito revelado, em cada atitude assumida, em cada obra executada, um alto senso administrativo, um fino e requintado gosto pelo belo, pelo bom e duradouro e, sobremaneira, há demonstrado sua grande preocupação em satisfazer plenamente os mais lídimos interesses de seu povo, principalmente, no que tange às suas tradições de religiosidade e às necessidades e carências mais pungentes e imediatas. Assim, é que, simultaneamente a uma obra de beleza e suntuosidade raras, mas também de vital importância ao fomento do turismo nesta Cidade, como é o caso deste Hotel, ou do monumental acesso de Juazeiro que, aliás, serve a turistas, a romeiros e acs próprios filhos da Terra, o Sr. Prefeito cuidou da reforma da Praça Padre Cícero, ponto de encontro dos romeiros que para cá convergem ou imigram, definitivamente, nos 365 dias do ano; e, mais ainda, senhores ouvintes: segundo esta

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  • mos bem informados, tem estendido ele, outrossim, o ímpeto dinâmico de sua ação progressista aos bairros da periferia, munindo-os de infra-estrutura, como água, luz, calçamento, escolas e postos de saúde, satisfazendo, assim, as exigências e necessidades mínimas de conforto, de progresso, de saúde e de vida espiritual de seu povo.

    Que missão nobre e honrosa que a vemos cumprir-se, Sr. Prefeito! Que lição de apreço e de respeito ao povo o senhor não há dado a tantos e tantos edis que, apenas, vegetam ou parasitam os erários públicos, Brasil afora! Continue assim, Sr. Prefeito, pregando por seu exemplo a responsabilidade assumida de compromisso selado com esta comunidade que o escolheu por líder. Esta Cidade, este Município, hão de trepidar de progresso e os seus habitantes, mesmo os componentes das facções que por conveniências político-partidárias não combatem sob sua bandeira, nunca irão esquecê-lo e, um dia, o farão figurar, sem dúvidas, na honrosa galeria de seus filhos mais prediletos.

    Tenha, pois, Exm.° Sr. Prefeito, na forma e na sinceridade do que acabamos de proferir, a manifestação de apreço, de admiração e de reconhecida gratidão por esta calorosa acolhida que V. Ex.a, em nome do povo de Juazeiro, dispensou bcndosamente a todos os que fazem a IX CONVENÇÃO DA FAMÍLIA SARAIVA LEÃO. Que Deus o compense por todos nós. E que as santas e poderosas bênçãos do Padre Cícero, o venerável Patriarca de Juazeiro, desçam copiosas e abundantes sobre V. Excelência, sobre sua excelentíssima família, sobre esta acolhedora Cidade e seu gasalhoso povo.

    Muito obrigado.Prof. Rdo. Saraiva Brito

    Discurso de agradecimento ao DD. Prefeito Municipal de Juazeiro do Norte, Dr. Manoel Salviano Sobrinho, proferido no Panorama Hotel, pelo Prof. Rdo. Saraiva Brito, em jantar oferecido por aquele à FAMÍLIA SARAIVA LEÃO, em sua IX CONVENÇÃO, realizada no Cariri, aos 07.09.84.

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  • NA CONVENÇÃO DA FAMÍLIA SARAIVA LEÃO NO CARIRI

    Fernando Câmara

    Depois do sucesso obtido com a realização de oito Encontros na hinterlândia cearense e até mesmo no vizinho Estado da Paraiba, a Família Saraiva Leão promove a sua IX Convenção no Carirí, a ubérrima região conhecida como celeiro de nosso Estado, berço de notáveis vultos da historiografia cearense e uma das mecas do Nordeste Brasileiro!

    Aqui estamos mais uma vez reunidos, enfrentando este mundo de violência e terror, mas dando o nosso testemunho de um verdadeiro espírito de fraternidade cristã, para juntos revivermos a história de nosso clã, homenagearmos o parente que se destinguiu na vida pública cearense e reverenciarmos a memória de saudosos familiares, falecidos depois da última Convenção em Tianguá.

    Sentimo-nos felizes e gratificados em promovermos esta Reunião de Família no Centro de Expansão Educacional, gentilmente cedido pelas autoridades diocesanas, as quais, rendemos a nossa homenagem de profunda gratidão, por tão nobre gesto, quando sabemos que outro Encontro de Leigos já estava aqui programado.

    Esta cidade encontra-se profundamente ligada à Família Saraiva Leão, que tem aqui uma de suas raízes históricas e também, pela feliz coincidência de haver sido um ilustre conterrâneo nosso, o primeiro Bispo do Crato, que deixou nesta Diocese a mais pura tradição apostólica!

    Vigário aqui por muitos anos, antes da Paróquia tornar- se Sede Episcopal, Dom Quintino Rodrigues de Oliveira e Silva jamais esqueceu o nosso Quixeramobim, e nas duas vezes

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  • quando recebeu convites da Santa Sé para ocupar as mitras de Teresina e depois Crato, antes de responder à consulta, foi primeiro ouvir a opinião do vigário de nossa terra natal e responsável pela sua vocação religiosa.

    Na primeira oportunidade, Monsenhor Salviano Pinto Brandão, que alguns anos antes havia declinado da mesma honraria, como sucessor do imortal Dom Antônio Macedo Costa, no Sólio Paraense, aconselhou-o a não aceitar o Bispado de Teresina, mas quando o convite foi renovado para a re- cém-criada Diocese do Crato, o nosso saudoso e santo vigário o obrigou a receber a nova missão, dizendo-o que era manifesta a vontade de Deus.

    Hoje, ao nos reunirmos nesta cidade, que teve a felicidade de possuir este grande Pastor, reverenciamos com todo respeito e admiração a sua memória e também de seu ilustre sucessor, Dom Francisco de Assis Pires, conhecido em sua época como “A violeta do Episcopado Brasileiro”, tais eram as suas virtudes, e agora felicito o povo do Carirí, que tem na Chefia de sua Igreja a figura dinâmica e abnegada de Dom Vicente de Araújo Matos e de seu benquisto Auxiliar, Dom Newton Holanda Gurgel, ambos presenças por demais honrosas no Episcopado Nacional.

    Nesta oportunidade, queremos ressaltar o apoio e a colaboração recebidos dos Prefeitos Walter Peixoto, Manuel Salviano Sobrinho e Idilvan Sobreira, os quais tudo fizeram para que a nossa Convenção obtivesse o êxito desejado por todos nós.

    Uma palavra de amizade e gratidão ao nosso boníssimo Secretário de Cultura e Desportos, Acadêmico-Escritor, Joary- var Macedo, nome querido e respeitado em todo o Cariri, que se deslocou de Fortaleza para vir nos honrar com a sua honrosa presença, acompanhado de sua digníssima esposa, Ro- salba Saraiva Macedo.

    Logo mais ele está nos brindando com uma de suas magníficas conferências, “OS SARAIVAS DO CARIRI”, tema este aguardado com a mais viva ansiedade por todos os presentes.

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  • Outra palavra de reconhecimento ao Instituto Cultural do Cariri, aqui representado pelo seu estimado Presidente, Jornalista-Escritor, J. Lindemberg de Aquino, o qual, junta mente com o Jornalista Antônio Vicelmo nos receberam com tantas gentilezas e atenções quando na viagem preparatória para a realização deste Encontro de Família.

    Ao encerrar este pronunciamento quero deixar para cada convencional esta mensagem:

    “que todos procurem manter viva em seus corações a fé católica de nossos antepassados, principal característica de nessa família, cuja maior glória foi a de servir a todos que batiam a sua porta, pois desta vida terrena, só levaremos para a eternidade o bem que praticarmos e não os bens que possuímos.”

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  • UM ATAVISMO PROGRESSISTA”

    José de Alencar Bezerra

    Eu considero a cidade de Pio IX no Piauí uma filha de Crato, povoada por cratenses, tem as duas cidades em sua história, muitos vultos que influíram na vida social de ambas. Vi de uns documentos históricos de Crato, que a Itaitera publicou os nomes de José do Monte Furtado, um dos primeiros povoadores de Pio IX, em Crato foi dono do sobrado que pertence hoje ao Dr. Antonio Araripe e também do sítio “Lameiro”.

    Inácio Caetano, outro citado nos documentos históricos de Crato, era irmão de Francisca Chavelina de Alencar, a matriarca dos Alencar do Saco da Roça de Pio IX.

    O cratense Luís Carlos Saldanha Arrais foi alto comerciante em Pio IX, o major Luís Carlos era generoso e promoveu muita gente.

    Thomás Osterno de Alencar, piononense, foi grande líder da Associação Comercial de Crato, e o maior desses vultos o Dr. Antonio de Alencar Araripe prestou relevantes serviços às duas comunas.

    Francisco Alencar, piononense, foi comerciante de destaque em Crato onde deixou ilustre família, mas com a BR-20 temos pelo intercâmbio cultural Pio IX-Crato.

    Os fazendeiros de Crato que têm fazendas em Pio IX são fatores de extensão rural, levando os piononenses a melhorarem suas técnicas agrícolas, mas com a morte de José Horácio Pequeno, seus herdeiros venderam sua fazenda “Sítios Novos” ao Dr. Ernani Viana, de Fortaleza. Acho que para continuar

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  • intenso o intercâmbio cultural Pio IX-Crato três medidas se fazem necessárias:

    a) Uma linha de ônibus Crato-Parambu, passando por Fronteiras e Pio IX no Piauí;

    b) O osfaltamento do ramal Fronteiras-Covadonga;c) Fazendeiros de Crato, situarem fazendas em Covadon-

    ga-Pio IX.

    2 — “Heli Bezerra, um grande vulto da história de Pio-IX”

    Heli, filho do major Joaquim Pereira Bezerra e de Maria Bezerra, nasceu em Pio-IX na primeira década do século XX. Como bom liberal que era morreu na semana da “Programação da República” desse ano de 1984, estudou no seminário de Fortaleza e depois ingressou no comércio em Pio-IX. Em 1935 deixou o comércio para se candidatar a prefeito, foi eleito, tomou posse em 1936 e governou como prefeito eleito em até 1937. Com o golpe do estado novo foi nomeado interventor e governou o município até 1946, conseguiu que os particulares tirassem os topes das calçadas e fizessem pratibandas nas frentes das casas, construiu uma barragem e dois grupos escolares na sede do município, mandou o agrimenssor Bruno Peixoto fazer a planta da cidade, levantou também as coordenadas geográficas, era um homem progressista, foi quem primeiro trouxe para Pio-IX o rádio, seu rádio era colocado em uma sala cheia de cadeiras e quase toda população da cidade ia ouvir os programas. Heli ainda servia a todos um cafezinho, seus livros, suas revistas andavam de mão em mão, viveu para servir sua comunidade.

    “CURRÍCULUM VITAE DE HELI BEZERRA”

    Com o falecimento de Heli, ocorrido no dia 12 de novembro de 1984, às 23 horas, nossa família perdeu um Varão de Plutarco do seu clã, e a sociedade piononense ficou sem um de seus membros ilustres. Nasceu a 20 de abril de 1906, na cidade de Pio IX-Piauí, filho único (do sexo masculino) do casal Joaquim Pereira Bezerra e de Carolina Bezerra, ambos

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  • já falecidos. Fez o curso primário na Escola Pública dirigida pelo professor Antonio Pereira Bezerra, seu tio Dica como era conhecido.

    Terminado o primário, foi estudar no seminário de For- taleza-CE. Verificando que não tinha vocação para o sacerdócio, deixou o seminário, após o primeiro ano do curso. Era inteligente, comunicativo e sincero.

    Ingressou no comércio, como sócio de seu pai, com quem trabalhou cerca de dez anos, depois passou a negociar por conta própria com o mesmo ramo de tecidos e compra de gêneros de exportação, como sejam: algodão e peles de caprinos. Montou uma usina de beneficiamento de algodão e outras fibras têxteis, movida a motor. Sua loja era a de maior sortimento de mercadorias do ramo, vendendo a grosso e a retalho. Em 1934 foi eleito Prefeito Municipal de Pio IX-PI, por eleição direta. Antes de terminar o mandato, houve o golpe militar de 10 de novembro de 1937, sob a presidência de Getúlio Vargas que instituiu o Estado Novo. Ele continuou no exercício da prefeitura por nomeação do então Governador Leônidas Melo, até 1945, quando surgiu outro movimento militar que depôs o Presidente Getúlio Vargas, e implantou novo regime ditatorial no país.

    Durante sua gestão como Prefeito construiu uma barragem que banha nossa cidade, conservou e melhorou as estradas carroçáveis que ligam Pio IX às cidades vizinhas de Fronteiras e Monsenhor Hipólito no Piauí, e Tauá e Campos Sales no Estado do Ceará, construiu logo na parte principal da rua o Grupo Escolar Padre Ibiapina. É lamentável que esse prédio que prestou relevante serviços à comunidade piononense, ao invés de ser conservado como um monumento histórico, tenha sido demolido pelas administrações que lhe sucederam e no seu lugar construiram uma cadeia pública. Diversas escolas foram criadas no povoado de Alagoinha, Marçal, São Bento, Chupeiro e Pau Ferro, reconstruiu a capela de São Miguel, um açude no povoado Pau Ferro. Idêntica reconstrução foi feita no mercado público. Ele nunca se prevaleceu do poder que tinha nas mãos, ao contrário, procurava fazer o bem sem

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  • distinção de cor, política social ou ideológica. Em 1952, no Governo do Coronel Pedro Freitas, foi nomeado Exator Estadual de Pio IX, cargo que exerceu até 1958, quando renunciou em favor de seu primo Ranulpho Bezerra. Com todas estas atividades ainda chegou a ser suplente de Deputado ocupando duas vezes, com capacidade, o seu lugar na Assembléia.

    Adquiriu bens imóveis e semoventes situados nos municípios de Pio IX, Jaicós, Monsenhor Hipólito e Ipiranga, que lhe davam o status de rico. Depois da morte de seus pais em 1959, ele deixou o comércio e outras atividades lucrativas, limitando-se a administração de seu patrimônio que julgava suficiente para sua manutenção.

    Atualmente ocupava seu tempo numa farmácia (muitos iam a ele cheios de confiança) em busca de consultas. E ele tinha sempre palavras de otimismo que confortavam seus clientes, e fez muito bem ali dentro, nestes seis anos de atividade, que lhe servia de derivativo para o seu espírito sempre voltado para o bem e para as grandezas da outra vida. Era católico bem formado, encarava com naturalidade a outra vida e parece que estava mesmo preparado para retornar à casa do pai, pois quando se falava que ia ficar bom, ele mesmo acrescentava: “não me apavora enfrentar a eternidade, pois deste mundo já desfrutei todos os saldos, só me cabe o resgate a Deus por tudo e aceitar o fato que não vai me causar estranhe- sa, pois já estou preparado”. E com dois dias desta exclamação assistimos sua morte (calma), ele rezava o tempo todo, com um semblante iluminado pela graça, pois não fez nenhum gesto, apenas fitava o crucifixo rezando. O que nos deu um exemplo de fé e de consolação foi que notamos que ele foi mesmo um homem honesto bom e virtuoso até na morte.

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  • ACHEGAS À OBRA DE CÂMARA CASCUDO

    Maria Elvira de Macedo Soares

    Muito se tem escrito e falado sobre o escritor, folclorista e professor Luís da Câmara Cascudo.

    Nascido em Natal, Rio Grande do Norte, no dia 30 de dezembro 1898, filho do jornalista Francisco Cascudo, iniciou- se no jornalismo em 1918 no jornal de seu pai “A Imprensa” de Natal. Fez o 4.° ano de Medicina, formou-se em Direito em 1928, e finalmente, dedicou-se ao ensino e ao estudo de tradições populares.

    De uma inteligência magnífica, pesquisador nato, versátil, profundamente independente, sensivel, curioso, Câmara Cascudo nasceu com todas as qualidades e elementos para vir a ser o que é hoje, o maior folclorista brasileiro, considerado entre os grandes do mundo, a glória de sua terra, o Rio Grande do Norte, como do Brasil, nacional e internacionalmente conhecido.

    A obra do Professor, como ele prefere ser chamado, se caracteriza pela seriedade e profundidade de seus conhecimentos, onde cada livro terminado, deixa saudades e vontade de relê-lo, pela graça, alegria, sensibilidade nos detalhes onde uma frase resume uma situação, ilumina uma explicação.

    Câmara Cascudo, esmiuça, explica, compõe. O que impressiona na sua obra, é também, sem perder a qualidade, a sua diversidade.

    Câmara Cascudo muda de assunto com uma facilidade espantosa. Ora um romance, ora cartas, um dicionário, mexe com a história e conta estórias.

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  • Tanto quanto numa obra de fôlego, como num pequeno cartão de visitas, o seu estilo é impecável, aula de bem ler, bem aprender.

    A obra de um escritor não se separa do autor, de sua personalidade, sua vida íntima, sua época: ela reflete, mesmo inconscientemente suas qualidades e defeitos.

    Câmara Cascudo se revela nos seus livros: o estudioso, a inteligência incomparável, o independente que despreza uma convenção se esta é pobre e não tem razão de ser.

    Tranquilamente, no seu livro “Dante Alighieri e a tradição popular no Brasil”, encara Dante, frente a frente, como o era de fato: um ser humano, sensível à sua época, com defeitos, mas cujo temperamento e gênio davam-lhe o direito de tê-los.

    Tira-nos a distância: somos transportados para os séculos XIII e XIV. Ele nos leva a viver o dia-a-dia dos costumes, da linguagem e do pensamento de Dante. Deixa este, de ser um mito, um símbolo nebuloso. Dá-lhe vida, e acabamos achando natural e simples a “Divina Comédia”. ..

    O grande folclorista não fez apenas neste livro a pesquisa sobre o folclore dos séculos 13 e 14, em comparação com o nosso atualissimo.

    Fez mais: com esta semelhança de superstições e crenças populares, nos mostra que o homem não muda. Dante, gênio medieval, já trazendo a Renascença no seu Paraíso, é o mesmo homem que fala sobre pôr a língua de fora, fazer figa, acreditar na sereia; gênio irascível, vingativo, humano e injusto, deixando-se levar pelos seus amares e ódios, descarregando seus sentimentos, emoções, medos na sua obra imortal: a Divina Comédia.

    O livro de Câmara Cascudo “Dante Alighieri e a tradição popular no Brasil”, é mais do que o estudo do homem eterno versus o homem de hoje. É um livro riquíssimo da História medieval e renascentista.

    Abrange a linguagem, a literatura, de diversos países da Europa, a influência da escrita. Vejamos a página 14: “A universidade da língua latina, falada e lida da Inglaterra à Fin

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  • lândia, da Escandinávia ao Adriático desintegrava-se no exercício de idiomas novos, tornados vastos e consagrados pela escrita. Na Espanha e Portugal, poetava-se em galego e na Catalunha em provençal, este tão corriqueiro, que, um momento, supôs-se origem das falas neo-latinas”.

    Chama o autor a atenção sobre o teatro ponto de encontro da nobreza e do povo, vibrando com os mesmos sentimentos, as mesmas emoções.

    “Três homens (págs. 23 e 24) traduziram a Divina Comédia em português: o doutor Francisco Bonifácio de Abreu, barão da Vila da Barra, nascido em 29.11.1819, falecido em 30.7.1887, Araripe Júnior (1848-1911) e José Pedro Xavier Pinheiro (12.10.1822), falecido em 20.10.1882.”

    Em 1967, sétimo centenário do Poeta, o escritor paulista, Hernani Donato, publicou sua versão da Divina Comédia (pág. 27) em prosa. Editora Cultrix, S. Paulo. Já a primeira edição é de abril 1472, Ludovico Dolce, imp. Giolito Tligno, e o título aparece inicialmente na edição veneziana de 1555.

    E o livro do professor continua encantando o leitor: a descrição do fogo do inferno, a idéia generalizada do suplício do caldeirão onde se cozinham sêres vivos que até hoje aparecem nos livros infantis onde canibais preparam o almoço com missionários ou presos apavorados. Mau costume dos índios. . .

    O Purgatório, alivia um pouco a tensão que nos inspira o inferno, cujo sofrimento maior é a ausência de Deus...

    O jogo da Zara, jogado com três dados; antes de jogá-los era preciso dizer o número que saíria.

    A língua estirada com significado insultuoso, igual à má-criação dos moleques de hoje.

    O interessante é que todos estes hábitos, crenças, costumes, são descritos com uma “verve” incrível, em estórias ane- dotárias, sem o esquecimento da época, dos personagens; estórias tão vivas que nos levam num tapete mágico a participar in loco delas.

    Mas mesmo distraindo, encantando o leitor, Câmara Cascudo não perde o fio da narrativa sobre a Divina Comédia de Dante.

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  • Trechos do Inferno e do Purgatório em poesia, o encontro do poeta com o amigo cantor Casela, e seu pedido para que cante para consolá-lo de sua morte. Casela então entoa a canção:

    “Amor, che nella mente mi ragiona”. Longo poema de 90 versos.

    Cacciaguida, trisavô de Dante, “falando” no Paraíso (XVI, 42), lembra “II vostro annual gioco” que era uma corrida de cavalos em Florença, no dia de seu padroeiro, São João Batista.

    Continuando (pág. 105): “Chegados à ilha do Purgatório, Virgílio e Dante encontram Porcius-Catão, o Catão de útica, impressionante de gravidade mistério, lenta compostura e majestade indizível.”

    Já Câmara Cascudo chamara a atenção sobre a condenação tanto da Igreja quanto dos costumes para os suicidas. No entanto, diz o Professor, por respeito e admiração, Dante coloca-o no Purgatório onde “ilumina-o a luz de quatro estrelas num halo de santidade” (pág. 105).

    A areia jogada por Virgílio em Cérbero que o enfrentou na entrada do 3.° círculo, foi, segundo Câmara Cascudo, uma reminiscência da própria infância de Dante Alighieri no gesto comum a todos os garotos, que amedrontados, atiram areia ou pedra aos cães dos quais têm medo.

    Continua Câmara Cascudo na sua crítica da Divina Comédia, pesquisando, escarafunchando, encontrando verdadeiras pérolas como neste capítulo (pág. 164): Searmiglione, que quer dizer mal penteado, é um dos demônios do canto XXI, de ação viva no inferno, armado de croques, fisgando os danados sem piedade. Surpresa é ter Dante Alighieri, depois de denominar os demônios com apelidos truculentos, especificamente pejorativos, dado a um dos mais ferozes, o nome de mal penteado como constituindo expressão típica de maldade ou de loucura sádica.

    Explica então, o Professor, o significado da expressão: cabelo desfeito, revolto, é sinal de desordem mental. Cabelo penteado é protocolarmente retidão, aprumo, regularidade.

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  • Sintoma de revolta, afirmação de independência, luta contra as convenções que o digam a mocidade da fase dos cabeludos influenciada pelos Beatles...

    Lição de história admirável é o capítulo sobre as sereias. O Professor aproveita a descrição de uma sereia para nos dar uma verdadeira aula sobre a importância das sereias na Antiguidade. Ulisses, Orfeu, Ovídio, Horácio, Virgílio. . . Plinio, na sua História Natural e quantos m ais... Sob o estilo minucioso, leve, as lendas vão se multiplicando aos nossos olhos, e termina: “A informação Dantesca é preciosa para demonstrar que, nos séculos XIII, e XIV, na Itália, na concepção normal coletiva, a sereia já seria como a compreende, deseja e teme o homem do povo brasileiro.” Dante com o seu temperamento tempestuoso, altivo, independente, é curiosa a sua atitude em relação aos frades franciscanos. Nascido 39 anos depois da morte de S. Francisco de Assis, o Poeta, não somente foi hóspede dos Franciscanos, como depois do falecimento de Beatriz, fez questão de sepultar-se com o hábito Franciscano em Ravena. Para sua vida tumultuosa, a paz, a serenidade e gentileza dos franciscanos lhe trouxe com certeza a paz tão almejada.

    Segue Cascudo no seu livro completo e espetacular, onde a cultura Cascudeana nos traz verdadeiras jóias do saber: “bater no peito”: Dante à porta do Purgatório, clama misericórdia e bate três vezes no peito; sobre a celeste borboleta, que na China é anúncio de morte, alma humana entre os gregos, a psiké, alma, espírito, e também borboleta.

    As de cores suaves, são mensageiras de felicidade, as de cores escuras, aviso de desgraça, lutos. A citação de Dante se refere à psiké sutil, imponderável, fora da matéria.

    Abre-se o capítulo da pág. 209, com a “bela dona Matilde, abraçando a cabeça de Dante e o mergulhando no rio Letes cuja água extinguia no homem a memória”.

    Comenta o Professor, que o abraço na cabeça, passar a mão sobre a cabeça, além de um gesto de ternura é também o gesto do perdão, da misericórdia. Vêm em seguida o “Honesto Bonturo”, onde a ironia de Dante atira na 5.° fossa do 8.° círculo, o funcionário fraudulento e cúpido.

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  • Não se esquece Dante de Vanni Fucei, ladrão sacrílego que no inferno faz figa e insulta a Deus.

    Segundo Câmara Cascudo, este gesto foi trazido pelo colonizador Castelhano e Português.

    Capocchio, falsificador, transformado no inferno num macaco sofredor, coberto de pústulas, o imitador por excelência do homem.

    No lago de pez onde doze demônios exercem vigilância aterradora, fisgando os danados com imensos croques, Ciam- polo, o condenado avisa aos companheiros que fiquem debaixo do pez, para enganar o demônio; quando este se distrai com um assovio, um condenado avisa ao outro que não há perigo à vista.

    O Professor lembra com razão o humilde assovio, “como tem na realidade valor de comunicação, rápido, simples, intuitivo.”

    Como uma máxima afronta, Dante escreve sobre a cloaca de fezes repugnantes onde condenados são supliciados (inferno, XVIII, 112-114-115-117) Câmara Cascudo lembra a reputação enlameada, a honra enlameada.

    Segundo pesquisa do Professor os nomes dos demônios eram populares na Itália no século XIII. Daí, Malacoda (cauda má), e quantos outros, que vivem, torturam, torturados eles mesmos, na Divina Comédia.

    Dante não esquece os colocados à direita e à esquerda. À direita, os benditos do Padre Eterno e à esquerda, os malditos.

    “Rubicante, o demônio vermelho, é o barba de cão, no Brasil. Cão é o diabo. Já a idéia da barba ruiva num homem é sinal de que não seja uma pessoa de bem, símbolo de mau gênio, mau caráter.

    Cascudo se deixa penetrar de tal maneira pelo espírito de Dante que parece um diálogo entre dois gigantes. Onde começa um e acaba o outro? Não volte para trás é a recomendação do anjo para Dante. Cascudo sempre foi para frente. Pesquisando, ilustrando, comparando, enriquecendo nossa cultura e vocabulário. Atravessou as chamas do cansaço, dos muitos desânimos, de tardes mornas e longas quando os ouvi

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  • dos lhe negavam o som e seus olhos pouco a pouco se apagavam. Se não fosse a companheira fiel, esposa dedicada, atenta e compreensiva, estas chamas frias seriam piores que o inferno de Dante. Mas com a mão na mão da companheira, Câmara Cascudo passou pelo mundo de Dante, incól