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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL 821.008 - MG (2006/0036543-7) RELATOR : MINISTRO JOSÉ DELGADO RECORRENTE : VIAÇÃO SANTA EDWIGES LTDA E OUTROS ADVOGADA : RENATA BARBOSA FONTES E OUTROS RECORRIDO : EMPRESA DE TRANSPORTES E TRÂNSITO DE BELO HORIZONTE S/A - BHTRANS ADVOGADO : JOSÉ GUILHERME VILLELA E OUTROS EMENTA ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. PERMISSÃO. SERVIÇO PÚBLICO MUNICIPAL DE TRANSPORTE COLETIVO. PRETENSÃO À RECOMPOSIÇÃO DE CUSTOS BASEADA EM FALTA DE REAJUSTE DE PLANILHA. PORTARIA BHTRANS 006/96. PRESCRIÇÃO AFASTADA. SÚMULA 39/STJ. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DESEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO NA EXECUÇÃO DO NEGÓCIO FIRMADO ENTRE PARTES. 1. Trata-se de ação processada sob o rito ordinário ajuizada por VIAÇÃO SANTA EDWIGES LTDA. e OUTROS em desfavor de EMPRESA DE TRANSPORTES E TRÂNSITO DE BELO HORIZONTE S/A - BHTRANS objetivando a condenação da no pagamento das parcelas devidas, apuráveis via perícia técnica, no período de agosto de 1995 a julho de 1996, por força da Portaria BHTRANS 006/96 e do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de permissão existente entre elas. Sentença julgou improcedente o pedido, reconhecendo a prescrição qüinqüenal das parcelas pretendidas pelas autoras anteriores à data de 16/01/96 (a ação foi distribuída em 16/01/2002), por força do art. do DL 4.597/42, bem como para declarar a impossibilidade da imposição da Portaria 06/96 à permissão do serviço público, reconhecendo como indevida a modificação do regime tarifário dos serviços autorizados, por ser ato exclusivo da Administração e por serem inaplicáveis o art. 55, II, "d", do DL 2.300/86 ou art. da Lei 8.987/95, por inexistir negócio jurídico bilateral ou contratual a respaldar a pretensão. Apelação das autoras não-provida pelo TJMG sob os seguintes fundamentos: a) ao obter a permissão para realização do transporte, as apelantes se submeteram às regras e condições impostas pela Administração Pública, sem possibilidade de abertura de discussão; b) do instituto da permissão decorre uma adesão às condições impostas e ditadas pelo Poder Público, que pode entender cabível modificá-las a qualquer tempo; c) a Portaria 006/95 do BHTRANS não reconheceu, naquele ato, que haveria diferenças de custos em favor das empresas prestadoras de serviços, mas, tão-somente, determinou que seria procedida uma revisão dos critérios de cálculo das tarifas, salientando que tal procedimento poderia acarretar diferenças até mesmo contra as empresas; d) ausência de equilíbrio econômico-financeiro a ser tutelado. Recurso especial onde as autoras requerem a reforma dos arestos objurgados a fim de se reconhecer o direito ao recebimento dos valores estabelecidos na planilha oriunda da Portaria 006/95 - BHTRANS, que previa o repasse de valores às permissionárias do serviço de transporte público coletivo em Belo Horizonte no intuito de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro, no período de 08/1995 a 07/1996, bem como a inversão dos ônus sucumbenciais. Apontam violação dos seguintes preceitos legais: arts. 131, 165, 458, I, II e III do CPC; art. 177 do CC/1916; art. 884 do CC/2002; arts. 1º, 4º, 9º, 40 e 42 da Lei 8.987/95; art. 55 do DL 2.300/86. Fundamentando-se na Documento: 642871 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 02/10/2006 Página 1 de 34

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RECURSO ESPECIAL Nº 821.008 - MG (2006/0036543-7) RELATOR : MINISTRO JOSÉ DELGADORECORRENTE : VIAÇÃO SANTA EDWIGES LTDA E OUTROSADVOGADA : RENATA BARBOSA FONTES E OUTROSRECORRIDO : EMPRESA DE TRANSPORTES E TRÂNSITO DE BELO

HORIZONTE S/A - BHTRANS ADVOGADO : JOSÉ GUILHERME VILLELA E OUTROS

EMENTA

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. PERMISSÃO. SERVIÇO PÚBLICO MUNICIPAL DE TRANSPORTE COLETIVO. PRETENSÃO À RECOMPOSIÇÃO DE CUSTOS BASEADA EM FALTA DE REAJUSTE DE PLANILHA. PORTARIA BHTRANS Nº 006/96. PRESCRIÇÃO AFASTADA. SÚMULA 39/STJ. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DESEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO NA EXECUÇÃO DO NEGÓCIO FIRMADO ENTRE PARTES.1. Trata-se de ação processada sob o rito ordinário ajuizada por VIAÇÃO SANTA EDWIGES LTDA. e OUTROS em desfavor de EMPRESA DE TRANSPORTES E TRÂNSITO DE BELO HORIZONTE S/A - BHTRANS objetivando a condenação da Ré no pagamento das parcelas devidas, apuráveis via perícia técnica, no período de agosto de 1995 a julho de 1996, por força da Portaria BHTRANS nº 006/96 e do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de permissão existente entre elas. Sentença julgou improcedente o pedido, reconhecendo a prescrição qüinqüenal das parcelas pretendidas pelas autoras anteriores à data de 16/01/96 (a ação foi distribuída em 16/01/2002), por força do art. 2º do DL 4.597/42, bem como para declarar a impossibilidade da imposição da Portaria nº 06/96 à permissão do serviço público, reconhecendo como indevida a modificação do regime tarifário dos serviços autorizados, por ser ato exclusivo da Administração e por serem inaplicáveis o art. 55, II, "d", do DL nº 2.300/86 ou art. 9º da Lei nº 8.987/95, por inexistir negócio jurídico bilateral ou contratual a respaldar a pretensão. Apelação das autoras não-provida pelo TJMG sob os seguintes fundamentos: a) ao obter a permissão para realização do transporte, as apelantes se submeteram às regras e condições impostas pela Administração Pública, sem possibilidade de abertura de discussão; b) do instituto da permissão decorre uma adesão às condições impostas e ditadas pelo Poder Público, que pode entender cabível modificá-las a qualquer tempo; c) a Portaria nº 006/95 do BHTRANS não reconheceu, naquele ato, que haveria diferenças de custos em favor das empresas prestadoras de serviços, mas, tão-somente, determinou que seria procedida uma revisão dos critérios de cálculo das tarifas, salientando que tal procedimento poderia acarretar diferenças até mesmo contra as empresas; d) ausência de equilíbrio econômico-financeiro a ser tutelado. Recurso especial onde as autoras requerem a reforma dos arestos objurgados a fim de se reconhecer o direito ao recebimento dos valores estabelecidos na planilha oriunda da Portaria nº 006/95 - BHTRANS, que previa o repasse de valores às permissionárias do serviço de transporte público coletivo em Belo Horizonte no intuito de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro, no período de 08/1995 a 07/1996, bem como a inversão dos ônus sucumbenciais. Apontam violação dos seguintes preceitos legais: arts. 131, 165, 458, I, II e III do CPC; art. 177 do CC/1916; art. 884 do CC/2002; arts. 1º, 4º, 9º, 40 e 42 da Lei 8.987/95; art. 55 do DL 2.300/86. Fundamentando-se na

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alínea "c", trazem as recorrentes como paradigmas o Resp 337.236/SP, Resp 120.113/MG e AC nº 94.02.20826-7/RJ (TRF/2ª Região). Contra-razões apresentadas defendendo que: a) as parcelas objeto da contenda encontram-se prescritas; b) as recorrentes submetem-se às decisões da Câmara de Compensação Tarifária - CCT, sendo impertinente o pedido pelo pagamento das parcelas contestadas; c) desde 1991 não houve nenhum termo de permissão com prazo certo, o que afasta qualquer obrigação em relação à BHTRANS, que só em 1993 "municipalizou" os serviços de transporte; d) a permissão é ato administrativo, e não contrato, como entendem as recorrentes; conseqüentemente, inexistindo contrato, não há que se falar em revisão.2. Prescrição que se afasta. Aplicação da Súmula nº 39 do STJ. Sociedade de economia mista. Prazo prescricional é o do Direito Civil.3. Permissão de serviço público para exploração de serviço de transporte intermunicipal. Negócio jurídico bilateral administrativo atípico. Sujeição ao princípio determinador do respeito ao equilíbrio financeiro do ajuste.4. Ausência de comprovação, conforme reconhecimento do acórdão do Tribunal "a quo", que o desequilíbrio financeiro-contratual tenha ocorrido.5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Luiz Fux, Teori Albino Zavascki e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 22 de agosto de 2006 (Data do Julgamento)

MINISTRO JOSÉ DELGADO Relator

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RECURSO ESPECIAL Nº 821.008 - MG (2006/0036543-7)

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (Relator): Trata-se de recurso especial (fls.

348/378) interposto por VIAÇÃO SANTA EDWIGES LTDA. e OUTROS, com fulcro nas alíneas

"a" e "c" do permissivo constitucional, contra acórdãos prolatados pelo Tribunal de Justiça do Estado

de Minas Gerais assim sumariados:

- da apelação (fl. 288):

"EMENTA: Ação ordinária. Empresas de transporte público. Pretensão à recomposição de custos baseada em falta de reajuste da respectiva planilha. Portaria BHTRANS 006/96. Ausência de retroação até agosto de 1995, que havia sido determinada pela referida portaria. Natureza jurídica da prestação de serviços que se relaciona com o instituto administrativo da permissão e não da concessão. Ausência de equilíbrio econômico-financeiro a ser tutelado. Regras da permissão, estipuladas pelo Poder permitente não são suscetíveis de discussão por parte das permissionárias. Sentença que julgou improcedentes os pedidos confirmada. "

- dos embargos de declaração (fl. 343):

"EMENTA: Embargos declaratórios. Não existindo omissão ou contradição no julgado, devem ser rejeitados."

Cuidam os autos de ação processada sob o rito ordinário ajuizada por VIAÇÃO SANTA

EDWIGES LTDA. e OUTROS em desfavor de EMPRESA DE TRANSPORTES E TRÂNSITO

DE BELO HORIZONTE S/A - BHTRANS objetivando, em síntese, a condenação da Ré "...no

pagamento das parcelas a elas devidas, apuráveis via perícia técnica, no período de agosto

de 1995 a julho de 1996, por força da Portaria BHTRANS nº 006/96 e do equilíbrio

econômico-financeiro do contrato de permissão continuada existente entre elas. Parcelas a

serem corrigidas monetariamente pela variação do IGP-M mensal (índice que melhor reflete a

inflação do período), mais juros moratórios de 1% ao mês, a contar de cada parcela impaga.

Ou, em ordem sucessiva e em homenagem ao princípio da eventualidade processual, a ser

conhecido por Vossa Excelência em não podendo acolher o RE anterior (artigo 289 do CPC),

o que somente se admite 'ad argumentandum', que a indenização seja devida a partir de

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janeiro e até julho de 1996" (fl. 138).

O Juízo monocrático julgou improcedente o pedido (fls. 223/233) para reconhecer a

prescrição das parcelas pretendidas pelas autoras anteriores à data de 16/01/1996, por força do art.

2º do Decreto-lei nº 4.597/42, bem como para declarar a impossibilidade da imposição da Portaria

06/96 à permissão do serviço público, reconhecendo como indevida a modificação do regime

tarifário dos serviços autorizados, por ser ato exclusivo da Administração e por serem inaplicáveis o

art. 55, II, "d", do Decreto-lei nº 2.300/86 ou o art. 9º da Lei nº 8.987/95, por inexistir negócio jurídico

bilateral ou contratual a respaldar a pretensão. Outrossim, condenou as autoras em honorários da

ordem de 20% (vinte por cento) sobre o valor atualizado da causa, que será acrescido de juros de

mora de 6% (seis por cento) ao ano a partir do trânsito em julgado da decisão.

Irresignadas, as autoras interpuseram apelação (fls. 234/251) requerendo a reforma da

sentença, consoante as seguintes razões:

(a) não se encontram prescritas as parcelas controversas, haja vista que o direito só foi

constituído em 17/01/1996, data da publicação da Portaria BHTRANS nº 006/95. Logo,

com a distribuição da ação em 16/01/2001, ficou interrompido o prazo prescricional e,

conseqüentemente, assegurado o direito de ação;

(b) a BHTRANS é a responsável pelo gerenciamento do serviço de transporte público

coletivo em Belo Horizonte. Logo, seus atos normativos são tidos como manifestação da

Administração;

(c) a planilha elaborada pela BHTRANS, com o objetivo de restabelecer o equilíbrio

econômico-financeiro com o repasse de valores às permissionárias, não foi seguida de

08/1995 até 07/1996, apesar de previsão expressa na Portaria nº 006/95;

(d) após verificação acerca da possibilidade de aperfeiçoamento tarifário do transporte

coletivo municipal, conclui-se pela necessidade de rever os critérios da planilha de custos

do sistema, pois as variantes encontravam-se defasadas, motivo pelo qual a Ré editou a

Portaria nº 006/96 como meio de recompor o equilíbrio econômico-financeiro do contrato,

dispondo que a revisão de custos retroagiria até 08/1995.

O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais proferiu acórdão (fl. 288) negando

provimento à apelação por entender que: (a) ao obter a permissão para realização do transporte

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público, as apelantes se submeteram às regras e condições impostas pela Administração Pública,

sem possibilidade de abertura de discussão; (b) do instituto da permissão decorre uma adesão às

condições impostas e ditadas pelo Poder Público, que pode entender cabível modificá-las a qualquer

tempo; (c) a Portaria nº 006/95 do BHTRANS não reconheceu, naquele ato, que haveria diferenças

de custos em favor das empresas prestadoras de serviços, mas, tão-somente, determinou que seria

procedida uma revisão dos critérios de cálculo das tarifas, salientando que tal procedimento poderia

acarretar diferenças até mesmo contra as empresas; (d) ausência de equilíbrio econômico-financeiro

a ser tutelado.

Opostos embargos de declaração (fls. 331/342), que foram rejeitados (fl. 343).

Insistindo pela via especial, as autoras requerem a reforma dos arestos objurgados a fim de

se reconhecer o seu direito ao pagamento dos valores estabelecidos na planilha oriunda da Portaria

nº 006/95 - BHTRANS, que previa o repasse de valores às permissionárias do serviços de

transporte público coletivo em Belo Horizonte no intuito de restabelecer o equilíbrio

econômico-financeiro, no período de 08/1995 a 07/1996, bem como a inversão dos ônus

sucumbenciais, trazendo à baila as seguintes razões:

a) afrontou-se o art. 535 do CPC, haja vista que, mesmo em sede de embargos de

declaração, não foi analisada a aplicabilidade e validade da Portaria nº 006/95, bem

como a afronta aos princípios da moralidade administrativa, isonomia e presunção de

boa-fé, ao considerar indevido o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro;

b) violou-se o art. 177 do CC/1916 na medida em que, conforme jurisprudência mais do

que pacífica deste Sodalício, as sociedades de economia mista têm inequívoca natureza

jurídica de direito privado, aplicando-lhes a prescrição vintenária, nos termos da Súmula

nº 39/STJ;

c) segundo corrente doutrinária capitaneada por Maria Sylvia di Pietro, eventual

cancelamento de permissão, quando fixado o seu prazo, implicará indenização, ou seja,

aplica-se o mesmo entendimento dispensado às concessões;

d) o art. 55 do Decreto-lei nº 2.300/86, vigente à época do contrato, estabelecia, em sua

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alínea "d", inciso II, a possibilidade do restabelecimento do equilíbrio

econômico-financeiro do contrato;

e) houve prestação do serviço mediante pagamento insuficiente, conforme comprovado

após a edição da Portaria nº 006/95. Dessa forma, caso sejam mantidos os arestos

combatidos, estar-se-á violando o art. 884 do NCC e os princípios da moralidade,

legalidade e impessoalidade administrativas;

f) segundo o princípio da boa-fé objetiva, é vedado à Administração agir contra os atos

próprios "venire contra factum proprium".

Alega-se violação dos seguintes dispositivos legais:

- do Código de Processo Civil:

Art. 131: "O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento."

Art. 165: "As sentenças e acórdãos serão proferidos com observância do disposto no art. 458; as demais decisões serão fundamentadas, ainda que de modo conciso."

Art. 458: "São requisitos essenciais da sentença:I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes Ihe submeterem."

Art. 535: "Cabem embargos de declaração quando:I - houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição;II - for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal"

- do Código Civil de 1916:

Art. 177: "As ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em 20 (vinte) anos, as reais em 10 (dez), entre presentes, e entre ausentes, em 15 (quinze), contados da data em que poderiam ter sido propostas."

- do Código Civil de 2002:

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Art. 884: "Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido."

- da Lei nº 8.987/95:

Art. 1º: "As concessões de serviços públicos e de obras públicas e as permissões de serviços públicos reger-se-ão pelos termos do art. 175 da Constituição Federal, por esta Lei, pelas normas legais pertinentes e pelas cláusulas dos indispensáveis contratos.Parágrafo único. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a revisão e as adaptações necessárias de sua legislação às prescrições desta Lei, buscando atender as peculiaridades das diversas modalidades dos seus serviços."

Art. 4º: "A concessão de serviço público, precedida ou não da execução de obra pública, será formalizada mediante contrato, que deverá observar os termos desta Lei, das normas pertinentes e do edital de licitação."

Art. 9º: "A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato.§ 1o A tarifa não será subordinada à legislação específica anterior e somente nos casos expressamente previstos em lei, sua cobrança poderá ser condicionada à existência de serviço público alternativo e gratuito para o usuário.§ 2o Os contratos poderão prever mecanismos de revisão das tarifas, a fim de manter-se o equilíbrio econômico-financeiro.§ 3o Ressalvados os impostos sobre a renda, a criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação da proposta, quando comprovado seu impacto, implicará a revisão da tarifa, para mais ou para menos, conforme o caso.§ 4o Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração."

Art. 40: "A permissão de serviço público será formalizada mediante contrato de adesão, que observará os termos desta Lei, das demais normas pertinentes e do edital de licitação, inclusive quanto à precariedade e à revogabilidade unilateral do contrato pelo poder concedente.Parágrafo único. Aplica-se às permissões o disposto nesta Lei."

Art. 42: "As concessões de serviço público outorgadas anteriormente à entrada em vigor desta Lei consideram-se válidas pelo prazo fixado no contrato ou no ato de outorga, observado o disposto no art. 43 desta Lei. (Vide Lei nº 9.074, de 1995)§ 1o Vencido o prazo da concessão, o poder concedente procederá a sua

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licitação, nos termos desta Lei.§ 2o As concessões em caráter precário, as que estiverem com prazo vencido e as que estiverem em vigor por prazo indeterminado, inclusive por força de legislação anterior, permanecerão válidas pelo prazo necessário à realização dos levantamentos e avaliações indispensáveis à organização das licitações que precederão a outorga das concessões que as substituirão, prazo esse que não será inferior a 24 (vinte e quatro) meses."

- do Decreto-lei nº 2.300/86:

Art. 55: "Os contratos regidos por este decreto-lei poderão ser alterados nos seguintes casos: I - unilateralmente, pela Administração: a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos; b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por este decreto-lei; II - por acordo das partes: a) quando conveniente a substituição da garantia de execução; b) quando necessária a modificação do regime de execução ou do modo de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade nos termos contratuais originários; c) quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial; d) para restabelecer a relação, que as partes pactuaram inicialmente, entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do inicial equilíbrio econômico e financeiro do contrato. § 1º O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% do valor inicial do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% para os seus acréscimos. § 2º Se no contrato não houverem sido contemplados preços unitários para obras ou serviços esses serão fixados mediante acordo entre as partes, respeitados os limites estabelecidos no parágrafo anterior. § 3º No caso de supressão de obras ou serviços, se o contratado já houver adquirido os materiais e posto no local dos trabalhos, deverão ser pagos pela Administração pelos custos de aquisição, regularmente comprovados. § 4º No caso de acréscimo de obras, serviços ou compras, os aditamentos contratuais poderão ultrapassar os limites previstos no § 1º deste artigo, desde que não haja alteração do objeto do contrato. § 5º Quaisquer novos tributos ou novos encargos legais que venham a ser criados, alterados ou extintos, após a assinatura do contrato e, comprovadamente, reflitam-se nos preços contratados implicarão na revisão destes para mais ou para menos, conforme o caso. § 6º O acréscimo ou redução de tributos e novas obrigações legais que se reflitam, comprovadamente, nos preços contratados, implicará na sua revisão, para mais ou para menos, conforme o caso.

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§ 7º Em havendo alteração unilateral do contrato, que aumente os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento o equilíbrio econômico-financeiro inicial."

Fundamentando o apelo especial na alínea "c" do permissivo constitucional, trazem as

recorrentes como paradigmas o Resp 337.236/SP, Resp 120.113/MG e AC nº 94.02.20826-7/RJ

(TRF/2ª Região).

Apresentadas contra-razões (fls. 471/481) pugnando pelo não-provimento do recurso,

consoante as seguintes razões: (a) as parcelas objeto da contenda encontram-se prescritas; (b) as

recorrentes submetem-se às decisões da Câmara de Compensação Tarifária - CCT, sendo

impertinente o pedido pelo pagamento das parcelas contestadas; (c) desde 1991 não houve nenhum

termo de permissão com prazo certo, o que afasta qualquer obrigação em relação à BHTRANS,

que só em 1993 "municipalizou" os serviços de transporte; (d) a permissão é ato administrativo, e

não contrato, como entendem as recorrentes. Conseqüentemente, inexistindo contrato, não há que

se falar em revisão.

É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 821.008 - MG (2006/0036543-7)

EMENTAADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. PERMISSÃO. SERVIÇO PÚBLICO MUNICIPAL DE TRANSPORTE COLETIVO. PRETENSÃO À RECOMPOSIÇÃO DE CUSTOS BASEADA EM FALTA DE REAJUSTE DE PLANILHA. PORTARIA BHTRANS Nº 006/96. PRESCRIÇÃO AFASTADA. SÚMULA 39/STJ. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DESEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO NA EXECUÇÃO DO NEGÓCIO FIRMADO ENTRE PARTES.1. Trata-se de ação processada sob o rito ordinário ajuizada por VIAÇÃO SANTA EDWIGES LTDA. e OUTROS em desfavor de EMPRESA DE TRANSPORTES E TRÂNSITO DE BELO HORIZONTE S/A - BHTRANS objetivando a condenação da Ré no pagamento das parcelas devidas, apuráveis via perícia técnica, no período de agosto de 1995 a julho de 1996, por força da Portaria BHTRANS nº 006/96 e do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de permissão existente entre elas. Sentença julgou improcedente o pedido, reconhecendo a prescrição qüinqüenal das parcelas pretendidas pelas autoras anteriores à data de 16/01/96 (a ação foi distribuída em 16/01/2002), por força do art. 2º do DL 4.597/42, bem como para declarar a impossibilidade da imposição da Portaria nº 06/96 à permissão do serviço público, reconhecendo como indevida a modificação do regime tarifário dos serviços autorizados, por ser ato exclusivo da Administração e por serem inaplicáveis o art. 55, II, "d", do DL nº 2.300/86 ou art. 9º da Lei nº 8.987/95, por inexistir negócio jurídico bilateral ou contratual a respaldar a pretensão. Apelação das autoras não-provida pelo TJMG sob os seguintes fundamentos: a) ao obter a permissão para realização do transporte, as apelantes se submeteram às regras e condições impostas pela Administração Pública, sem possibilidade de abertura de discussão; b) do instituto da permissão decorre uma adesão às condições impostas e ditadas pelo Poder Público, que pode entender cabível modificá-las a qualquer tempo; c) a Portaria nº 006/95 do BHTRANS não reconheceu, naquele ato, que haveria diferenças de custos em favor das empresas prestadoras de serviços, mas, tão-somente, determinou que seria procedida uma revisão dos critérios de cálculo das tarifas, salientando que tal procedimento poderia acarretar diferenças até mesmo contra as empresas; d) ausência de equilíbrio econômico-financeiro a ser tutelado. Recurso especial onde as autoras requerem a reforma dos arestos objurgados a fim de se reconhecer o direito ao recebimento dos valores estabelecidos na planilha oriunda da Portaria nº 006/95 - BHTRANS, que previa o repasse de valores às permissionárias do serviço de transporte público coletivo em Belo Horizonte no intuito de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro, no período de 08/1995 a 07/1996, bem como a inversão dos ônus sucumbenciais. Apontam violação dos seguintes preceitos legais: arts. 131, 165, 458, I, II e III do CPC; art. 177 do CC/1916; art. 884 do CC/2002; arts. 1º, 4º, 9º, 40 e 42 da Lei 8.987/95; art. 55 do DL 2.300/86. Fundamentando-se na alínea "c", trazem as recorrentes como paradigmas o Resp 337.236/SP, Resp 120.113/MG e AC nº 94.02.20826-7/RJ (TRF/2ª Região). Contra-razões apresentadas defendendo que: a) as parcelas objeto da contenda encontram-se prescritas; b) as recorrentes submetem-se às decisões da Câmara de Compensação Tarifária - CCT, sendo impertinente o pedido pelo pagamento das parcelas contestadas; c) desde 1991 não houve nenhum termo de permissão com prazo certo, o que afasta qualquer obrigação em relação à BHTRANS, que só em 1993 "municipalizou" os serviços de transporte; d) a permissão é ato administrativo, e não contrato, como entendem as

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recorrentes; conseqüentemente, inexistindo contrato, não há que se falar em revisão.2. Prescrição que se afasta. Aplicação da Súmula nº 39 do STJ. Sociedade de economia mista. Prazo prescricional é o do Direito Civil.3. Permissão de serviço público para exploração de serviço de transporte intermunicipal. Negócio jurídico bilateral administrativo atípico. Sujeição ao princípio determinador do respeito ao equilíbrio financeiro do ajuste.4. Ausência de comprovação, conforme reconhecimento do acórdão do Tribunal "a quo", que o desequilíbrio financeiro-contratual tenha ocorrido.5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido.

VOTO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (Relator): O recurso especial em exame

merece ser parcialmente conhecido. Presentes os pressupostos de admissibilidade, especialmente, a

exigência do prequestionamento.

Não há, como alegado pelos recorrentes, ofensa ao art. 535, I, do CPC.

A omissão apontada, isto é, a ausência de pronunciamento sobre a aplicabilidade e a

validade da Portaria nº 006/95, bem como a afronta aos princípios da moralidade administrativa,

isonomia e presunção de boa-fé, ao considerar indevido o restabelecimento do pretendido equilíbrio

econômico-financeiro, constituem termos que estão inseridos no contexto das razões desenvolvidas

pelo acórdão.

A Portaria DTP nº 006/95 da BHTRANS não reconheceu e não determinou o pagamento

de qualquer valor às empresas. Ela, apenas, fez estudos sobre revisão de critérios de cálculos das

tarifas, acenando para uma possível diferença que poderia até ser contra as recorrentes.

O acórdão faz referência à mencionada Portaria em duas oportunidades: fl. 290 e fl. 323.

Na última menção registra que a Portaria nº 006/95 não reconheceu a existência de diferenças em

favor das empresas no período compreendido entre agosto de 1995 e julho de 1996.

O acórdão não nega a existência dos estudos da Portaria.

Entende, contudo, que não é devido o valor apurado em face de não haver prova de

qualquer fato extraordinário incidente no período acima apontado a provocar o desequilíbrio da

execução financeira originalmente pactuada.

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A Portaria nº 006/95 foi analisada pelo acórdão, conforme está às fls. 323/328:

"Como exposto no início deste voto, todo o pedido inicial repousa na alegação de que a BHTRANS, por meio de sua Portaria n. 006/95, reconheceu a existência de diferenças em seu favor, no período compreendido entre agosto de 1995 a julho de 1996.

A mencionada Portaria n. 006/95, que assim dispunha: "Art. 1º. Cria a rubrica 'Custo em Apropriação' na planilha de custos do transporte coletivo de Belo Horizonte, com a finalidade de cobrir as diferenças que vierem a ser reconhecidas entre os critérios da estrutura atual e os critérios que forem aprovados, após os estudos realizados no Grupo de Aperfeiçoamento Tarifário. §1º. Os itens em exame compreendidos pela rubrica 'Custo em Apropriação' são os seguintes: I - Seguro de responsabilidade civil, de valores, e de incêndio; II - Remuneração de capital; III - Despesa fixa; IV - Fator de utilização do motorista e cobrador. § 2º. O percentual provisionado para o sistema municipal será de 4,8% (quatro vírgula oito por cento) a partir de 1º de novembro de 1995. § 3º. O percentual provisionado para o sistema metropolitano, de 7,12% (sete vírgula doze por cento) inclui a remuneração de instalações e equipamentos, item já revisto e apropriado no sistema municipal". "Art. 2º. A cobertura dos custos de seguro, caso aprovado, se dará a partir de 1º de novembro de 1995. Parágrafo único. As diferenças nos demais itens referidos no §1º do art. 1º serão retroativas a 11 de agosto de 1995, decêndio em que se processou o reajuste das tarifas do transporte coletivo de Belo Horizonte e de sua região metropolitana". "Art. 3º. Como o aperfeiçoamento de critérios na metodologia tarifária busca apropriar, com maior precisão, a realidade das empresas, estimulando os investimentos voltados à maior qualidade do sistema, os critérios revistos poderão acarretar diferenças a favor ou contra as empresas, fazendo-se a compensação devida no 1º decêndio após a aprovação do novo critério". (vide p. 93)(os grifos não constam do original)

Vê-se, portanto, que a referida Portaria n. 006/95, em que se amparam as autoras, não reconheceu, naquele ato, que haveria diferenças de custos em favor das empresas prestadoras de serviços.

Apenas determinou-se que seria procedida uma revisão dos critérios de cálculo das tarifas, salientando que este procedimento poderia acarretar diferenças até mesmo contra as empresas (v. destaque do art. 3º, supra).

Esta portaria resultou no trabalho denominado "APERFEIÇOAMENTO TARIFÁRIO DO TRANSPORTE COLETIVO POR ÔNIBUS DA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE", datado de agosto de 1996 (fl. 84/201), que visava subsidiar a elaboração do "Manual de Cálculo Tarifário do

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Sistema de Transporte Público Metropolitano por Ônibus de Belo Horizonte" (v. último parágrafo da fl. 87).

Aquele trabalho, já em sua apresentação, expõe quais eram seus pressupostos e seus objetivos:

"O presente trabalho teve início em agosto de 1995, quando se realizou a primeira revisão das tarifas de ônibus da Região Metropolitana de Belo Horizonte após o plano de estabilização de preços. Ao longo dos treze meses do novo panorama econômico, emergia uma nova realidade. De um lado, desaparecia uma importante receita do setor, a receita financeira sobre um fluxo de caixa positivo. De outro, elevou-se significativamente a taxa de juros, variável chave do plano de estabilização. Como o setor, antes do Plano Real, era extremamente atraente para as instituições financeiras, por sua elevada liquidez, o plano real encontrará os empresários de ônibus em um nível de endividamento extremamente elevado e, quase sempre, injustificado do ponto de visto intrínseco da atividade. A metodologia de cálculo tarifário, que tem sua origem no Conselho Interministerial de Preços, CIP, na década de 70, revisão em 1982, e em 1993, pelo GEIPOT, tem uma formulação extremamente simplificada para a remuneração de instalações (garagem) e despesas fixas. Estimadas como diretamente proporcionais à frota, no caso das instalações e equipamentos, ou proporcional ao pessoal de operação, no caso das despesas fixas, tal processo, a par de ignorar economias e deseconomias de escala, e a realidade da empresa (ela é remunerada independentemente de suas instalações e gastos administrativos), o critério subestima fortemente os investimentos e gastos necessários à produção adequada do serviço de transporte urbano. A explicação é simples. As pesquisas que informaram os parâmetros foram realizadas na década de 70 pelo CIP, e em 1981 pelo GEIPOT, quando a realidade do setor, empresas familiares, de gerenciamento rudimentar, era totalmente diversa da de agora. Em Belo Horizonte, em 1984, a METROBEL reformulou a metodologia de cálculo das despesas fixas, que passaram a ser reconhecidas de acordo com o porte da empresa, medido em termos da frota. De qualquer forma, a subestimativa dos investimentos e despesas fixas permaneceu, compensada pela remuneração financeira do fluxo de caixa e pela sobrevalorização do valor do ônibus pelas montadoras, ao qual garagens, almoxarifado, remuneração de capital, depreciação, peças e acessórios estavam indexados. O 'Aperfeiçoamento Tarifário do Transporte Coletivo por Ônibus na Região Metropolitana de Belo Horizonte' apresenta, assim, os estudos desenvolvidos pela BHTRANS e pela Diretoria de Transporte Metropolitano do Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais - DTM - DER/MG, ao longo de um ano de trabalho. Esta revisão da metodologia representa significativa evolução no sentido de definir adequadamente o ressarcimento de investimentos e gastos das empresas de ônibus, viabilizando e induzindo-as à estruturação correta do serviço".(fl. 98)

Note-se: aquele trabalho limitou-se a apontar diretrizes para elaboração de

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um "Manual de Cálculo Tarifário", o que acabou resultando na edição da Portaria BHTRANS n. 95/97, que alterou e consolidou a metodologia para elaboração de planilha de custos operacionais do transporte coletivo por ônibus de Belo Horizonte. Este normativo vigorou a partir de 21 de outubro de 1997 (v. documento de fl. 227).

Mas o só fato da BHTRANS prontificar-se a rever os critérios de cálculo tarifário não importa em dizer que ocorreu alteração na relação inicialmente ajuste, ou que os encargos do contrato tornaram-se de tal forma onerosos que se rompeu a "equivalência honesta" entre as obrigações das partes.

Sequer se cogitou, menos ainda foi provado, que as obrigações das autoras foram acrescidas por determinação do Poder Permitente. Também não há qualquer alegação de que a comutatividade do contrato tenha sido atingida de modo expressivo, por atos gerais ou regulamentares da Administração (p. ex., aumento de tarifas públicas, impostos etc). Igualmente, sequer foi alegado que houve aumento significativo da folha de pagamento ou dos insumos relacionados com os serviços (combustíveis, p.ex.), que tivesse tornado extremamente onerosa a execução do contrato."

A apontada omissão, por o acórdão não ter feito referência expressa aos princípios da

moralidade administrativa, isonomia e presunção de boa-fé, não procede.

No instante em que foi reconhecido que inexistia o mencionado desequilíbrio

econômico-financeiro, implicitamente os princípios acima foram considerados, embora sem reflexos

positivos a favor dos recorrentes.

Conheço, porém, nego provimento ao recurso pela apontada ofensa ao art. 535 do CPC.

Os recorrentes têm razão quando afirmam que o acórdão violou o art. 177 do Código Civil

de 1916 em c/c a Súmula nº 39 do STJ.

Corretas as suas razões (fls. 356/359):

"II.d – Violação ao Enunciado da Súmula nº 39 do Superior Tribunal de Justiça e diversos paradigmas.

Reza o Enunciado da Súmula nº 39 do Superior Tribunal de Justiça:“Prescreve em vinte anos a ação para haver indenização, por responsabilidade civil, de sociedade de economia mista.”

A simples leitura do entendimento sumulado pela Corte e a verificação da vexata quaestio do presente processo não deixam qualquer sombra de dúvida acerca do dissídio jurisprudencial. Senão, vejamos.

Temos, in casu, uma ação de cobrança intentada em desfavor da pessoa

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BHTRANS EMPRESA DE TRANSPORTES E TRÂNSITO DE BELO HORIZONTE S/A, criada pelo Município de Belo Horizonte a partir da autorização contida na Lei Municipal nº 5.953, de 31 de julho de 1991, como sociedade de economia mista, nos termos definidos pelo Decreto-Lei nº 200/67.

O objeto original da ação ordinária é a cobrança de parcelas devidas e não pagas pela Recorrida, sociedade de economia mista, oriundas da Portaria nº 006/95 – BHTRANS – DTP. Ao entender que a prescrição, in casu, é regida pelo Decreto-lei nº 4.597/42, os acórdãos estaduais violaram frontal e desinibidamente o Enunciado da Súmula nº 39 do STJ, fato que, por si só, é bastante para a admissão do recurso especial e reforma daquele entendimento.

Além do desacordo do entendimento dos v. acórdãos recorridos com o disposto no Enunciado da Súmula nº 39 do STJ, os arestos violaram diversos julgados da Corte, passando-se ao confronto analítico da divergência (art. 255 do RISTJ c/c § 1º do art. 541 do CPC).

No RESP nº 337.236/SP (cópia anexa), o acórdão restou assim ementado:“[...] A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que a prescrição qüinqüenal não atinge as sociedades de economia mista concessionárias de serviço público. A prescrição, in casu, é vintenária. Recurso desprovido.”

A similitude do caso presente e daquele exposto no acórdão transcrito, em que funcionou como relator o Excelentíssimo Ministro LUIZ FUX, não deixa dúvidas acerca do dissídio jurisprudencial.

É importante observar que, no caso paradigma, a demanda circunscrevia-se a uma ação de repetição de indébito ajuizada pela SABESP em desfavor de um condomínio comercial. Dentre outros aspectos desse acórdão, o seu item 4 do relatório revela bem a pretensão das Recorrentes pela aplicação da prescrição qüinqüenal em seu favor:

“4. Finalmente, postulou, a ora embargante, no item 35 de seu apelo, o afastamento de qualquer restituição que eventualmente fosse considerada devida ao ora Embargado e relativas ao período que extravasasse o qüinqüênio anterior ao ajuizamento da ação, por manifestamente prescrita (Decreto-Lei nº 4.957, de 19/08/42)”.

Adiante, no mesmo item (5º parágrafo da segunda página do relatório do acórdão paradigma), a vexata quaestio torna à questão da prescrição vintenária, objeção das Recorrentes, nos seguintes termos:

“Assim, embora a presente ação tenha sido proposta, processada e julgada em Vara de Fazenda Pública, deve vigorar para o caso a prescrição vintenária prevista no art. 177, do Código Civil, eis que sociedade de capital por ações e completamente distintos os fundos econômicos da Embargante e os fundos públicos do Estado, como assentado na r. sentença”.

Vê-se que a questão discutida é absolutamente idêntica. Uma pessoa jurídica privada em lide com uma pessoa jurídica de direito privado – sociedade de economia mista – integrante da administração pública indireta, que, no entanto, argumenta ser seu privilégio a prescrição qüinqüenal tal qual aplicável à Fazenda Pública.

Nessa similitude de discussão, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais optou por aplicar à BHTRANS (pessoa jurídica de direito privado – sociedade de economia mista – integrante da administração pública indireta) a prescrição

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qüinqüenal dos Decretos nºs 20.910/32 e 4.957/42, em confronto com o acórdão paradigma, em que o STJ entendeu cabível a prescrição vintenária do art. 177 do CCB/16.

A controvérsia jurisprudencial não poderia ser mais explícita, merecendo o recurso especial ser conhecido por fundamento inabalável na alínea “c” do inciso III do art. 105 da CF/88.

II.e – Negativa de vigência ao art. 177 do CCB/16.Ademais, o entendimento da 2ª Câmara Cível do Colendo TJMG, ao

entender ser aplicável às sociedades de economia mista a prescrição qüinqüenal, além de violar o Enunciado da Súmula nº 39 do STJ, negou vigência ao art. 177 do Código Civil de 1916, aplicável à época, rememorado aqui em louvor ao princípio do tempus regit actum.

Dispõe o CCB/16 que as ações pessoais prescrevem em 20 (vinte) anos. Dessa forma, a fixação em julgamento de outro prazo prescricional, como no caso, prescrição qüinqüenal, viola o art. 177 do CCB/16, negando-lhe vigência.

Casos como esse e o presente, negativa de vigência de lei federal, impõe a pronta intervenção dessa Corte com fulcro na alínea “a” do inciso III do art. 105 da Constituição Federal de 1988."

Na linha desse entendimento está a jurisprudência do STJ:

a) AgRg no Ag 641230/RS, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 08/05/06:

"AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPANHIA ESTADUAL DE ENERGIA ELÉTRICA - PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA - CORREÇÃO MONETÁRIA. PRECEDENTES.I - "É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada." (Súmula 182/STJ).II - Pacífico o entendimento no sentido de que aplicável o prazo prescricional vintenário às ações movidas contra sociedade de economia mista concessionária de serviço público. III - Esta Corte firmou posicionamento no sentido de ser ilegal a cláusula que prevê a restituição, sem correção monetária, do valor financiado para construção de rede elétrica.Agravo interno a que se nega provimento."

b) Resp 578427/RS, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 27/03/06:

"FINANCIAMENTO. INSTALAÇÃO DE REDE DE ENERGIA ELÉTRICA. RESTITUIÇÃO DE VALORES. PRESCRIÇÃO.– Nas ações movidas contra a sociedade de economia mista, concessionária de serviço público, o prazo da prescrição é vintenário.– A correção monetária não é um plus , mas sim a recomposição do poder aquisitivo da moeda corroída pela inflação. É de ser contada a partir do desembolso, ou seja, da lavratura do contrato.Recurso especial não conhecido."

c) AgRg no Ag 548036/RS, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 27/03/06:

"AGRAVO REGIMENTAL. CEEE. EXTENSÃO DE REDE ELÉTRICA. Documento: 642871 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 02/10/2006 Página 16 de 34

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FINANCIAMENTO PELO CONSUMIDOR. PRESCRIÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA.1. A prescrição qüinqüenal não atinge as sociedades de economia mista concessionárias de serviço público. A prescrição, in casu , é vintenária.2. Constitui disposição leonina a cláusula de contrato de adesão que dispõe sobre a restituição, sem correção monetária, do valor financiado para construção de rede de eletrificação rural. Ademais, a correção monetária não é um plus , mas mero fator de atualização do valor da moeda.Agravo regimental improvido."

d) Resp 598074/RS, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 27/03/06:

"FINANCIAMENTO. INSTALAÇÃO DE REDE DE ENERGIA ELÉTRICA. RESTITUIÇÃO DE VALORES. PRESCRIÇÃO.– Nas ações movidas contra a sociedade de economia mista, concessionária de serviço público, o prazo da prescrição é vintenário.– A correção monetária não é um plus, mas sim a recomposição do poder aquisitivo da moeda corroída pela inflação. É de ser contada a partir do desembolso, ou seja, da lavratura do contrato.Recurso especial não conhecido."

e) AgRg no Ag 704293/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ de 28/11/05:

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. INSTALAÇÃO DE REDE DE ENERGIA ELÉTRICA. FINANCIAMENTO. RECOMPOSIÇÃO DO VALOR ECONÔMICO DA MOEDA. CORREÇÃO MONETÁRIA. PRESCRIÇÃO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PRAZO VINTENÁRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA. SÚMULAS N. 5 E 7 DO STJ. PRECEDENTES.I. As questões federais não enfrentadas pelo Tribunal estadual recebem o óbice das Súmulas n. 282 e 356 do C. STF, não podendo, por falta de prequestionamento, ser debatidas no âmbito do recurso especial.II. O prazo prescricional da ação pessoal contra sociedade de economia mista é vintenário, não se beneficiando a empresa da prescrição qüinqüenal prevista no Decreto n. 20.910/32.III. Do mesmo modo, quanto à correção monetária, "esta Corte tem firmado posicionamento no sentido de ser ilegal a cláusula que prevê a restituição, sem correção monetária, do valor financiado para construção de rede elétrica" (AgR-AG n. 500.695/RS, Terceira Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU de 03.5.04).IV. Acresça-se que, quanto à questão da legitimidade, a análise das razões recursais e a reforma do acórdão recorrido esbarram no óbice das Súmulas 5 e 7 do STJ.V. Agravo regimental desprovido."

f) Resp 513617/SC, Relª. Minª. Eliana Calmon, DJ de 03/10/05:

"PROCESSUAL CIVIL – FORNECIMENTO DE CARVÃO ENERGÉTICO – – SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA EXTINTA PELA LEI 8.029/90 E SUCEDIDA PELA UNIÃO – PRAZO PRESCRICIONAL.1. Às sociedades de economia mista, que têm natureza jurídica de direito privado,

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aplica-se a regra geral do Código Civil relativamente à prescrição (prazo de vinte anos).2. A Companhia Auxiliar das Empresas Elétricas Brasileiras - CAEEB foi extinta pela Lei 8.029/90 e sucedida pela União (art. 4º, III da mesma lei).3. Com a sucessão, o prazo prescricional passou a ser qüinqüenal, conforme previsto no Decreto 20.910/32, mas o termo a quo não pode ser o do pagamento "a menor" das faturas, mas a extinção da CAEEB, quando nasceu o direito de demandar contra a União.4. Recurso especial provido."

Isso posto, quanto ao aspecto prescricional, dou provimento ao recurso.

No referente aos artigos 131, 165 e 458 do CPC, apontados como violados, não procede a

investida das empresas recorrentes. O acórdão apreciou livremente os fatos depositados nos autos e

indicou os motivos que contribuíram para o convencimento ao final assentado.

Há substancial fundamentação no acórdão que não configura desrespeito algum aos arts.

165 e 458 do CPC.

A apontada violação dos arts. 884 do Código Civil de 2002; dos arts. 1º, 4º, 9º, 40 e 42 da

Lei nº 8.987, de 1995; e do art. 55 do DL nº 2.300, de 1986, conforme será, em seqüência,

demonstrado, não procede. Envolve o mérito da questão. Esta foi, a meu pensar, adequadamente

solucionada pelo acórdão quando não reconheceu a existência de desequilíbrio econômico-financeiro

na execução do negócio jurídico firmado entre as partes.

Na mesma sorte incide a apontada divergência jurisprudencial.

Destaco, por considerar essencial para o julgamento do presente recurso, os seguintes

pronunciamentos constantes dos autos:

a) da sentença (fls. 228/233):

"Cabe inicialmente examinar, que realmente a pretensão argüida na inicial não é lastreada de modo algum num contrato administrativo bilateral existente entre as empresas requerentes e a Administração Pública, mas em mera permissão que foi entregue às permissionárias para que pudessem realizar um serviço que foi monopolizado pelo Município de Belo Horizonte na forma delimitada pelo art. 30, V, da Constituição Federal.

Toda a celeuma que advém da questão reside no fato de que as empresas

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permissionárias estariam pretendendo impor à Administração o dever de manutenção do equilíbrio econômico e financeiro decorrente da permissão, quando a Administração pretende afastar a sua possibilidade tendo em vista que as permissões que foram deferidas não estariam afetas a qualquer reequilíbrio.

De fato, há uma substancial diferenciação entre a concessão de serviços públicos e a permissão de serviços públicos e um dos traços distintivos mais relevantes anotados na doutrina é o fato da precariedade da segunda modalidade de vinculação que poderá nascer da relação jurídica formada entre o poder público e o particular.

Na concessão de serviços públicos inexiste dúvida da aplicação do princípio do equilíbrio econômico e financeiro do contrato, princípio que não é absolutamente aplicável as permissões cuja característica mais marcante é o fato de ser concedida de modo unilateral pela Administração, de forma discricionária e precária, atributos que seriam indissociáveis da modalidade de vinculação administrativa.

Não é demais lembrar que na permissão de serviços públicos as permissionárias assumem os serviços que lhes foram concedidos por ato unilateral por sua conta e risco, não podendo, portanto, reclamar posteriormente da eventual disfunção que possa advir da prestação.

Nos autos não existe a mínima demonstração de que as empresas requerentes tenham efetivamente realizado um ato negocial bilateral com a Administração, capaz de estabelecerem um vinculo tal que propiciasse condições para exigirem uma posição de reequilíbrio econômico e financeiro da prestação de serviços públicos, antes pelo contrário, o que resulta clara da pretensão original trazida na inicial é que as permissionárias de tais serviços estariam se arvorando à condição de concessionárias de serviços de transporte coletivo, baseando sua pretensão de revisão econômica financeira derivada da Portaria da BHTRANS 06/96, que teria estabelecido o aperfeiçoamento tarifário do transporte coletivo de passageiros, por Ônibus da região metropolitana de Belo Horizonte.

Mas o fato é que a permissão não gera o direito de reequilíbrio, antes pelo contrário, é concedida de modo unilateral e precário pela Administração, por conta e risco do particular que, nesta posição, assume tanto os direitos como as obrigações de prestarem os serviços.

Com efeito, para que existisse possibilidade de equilíbrio necessário seria que as empresas requerentes trouxessem aos autos o contrato que lhes garantisse o parâmetro, mesmo porque as permissões de serviços públicos são modificáveis ou não a critério da Administração, vale dizer, não estão sujeitas de modo algum a qualquer condição de equilíbrio.

A discussão a respeito da legalidade ou não da entrega da permissão sem licitação, no meu entender, não tem a força de modificar a relação jurídico-formal existente entre as requerentes e a Administração, antes pelo contrário, não havendo a demonstração apriorística de que a Administração tenha lhes concedido, por ato bilateral, o serviço que estariam desempenhando, no período alegado, nenhum direito teria de exigir a imposição de equilíbrio econômico e financeiro, porquanto assumiram a prestação dos serviços par sua conta e risco e dentro destas condições, não podem exigir da Administração qualquer prejuízo que possam ter tido em decorrência da própria prestação.

A Portaria 06/96, ao meu ver, não teria o condão de impor a modificação da natureza jurídica do vínculo estabelecido entre a Administração e as empresas

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requerentes, antes pelo contrário, apenas importam reconhecimento da necessidade de reavaliação das tarifas, fato que acabou se tornando uma realidade para as eventuais empresas que tenham assumido a condição de concessionárias de serviços públicos, mas que não teria a força de impor qualquer modificação tarifária as empresas permissionárias que tivessem assumido os serviços.

Aliás, o ato normativo citado na inicial não teria o poder de vincular a empresa pública, mesmo porque não teria o condão de se equiparar a legislação e muito menos derivaria de ato negocial bilateral existente entre as partes.

A relação jurídica resultante da permissão dos serviços não pode impor outras obrigações a Administração. A modificação das condições tarifárias seria ato discricionário e unilateral da própria Administração, sendo impossível que as permissionárias pudessem se arvorar a um equilíbrio econômico financeiro que jamais existiu durante o período pretendido na inicial.

As empresas requerentes assumiram os riscos derivados da permissão de serviço público de transporte, sendo uma temeridade pretenderem invocar como contratual o vínculo jurídico que mantinham com a Administração durante o prazo em que pretende o realinhamento econômico e financeiro resultante dos serviços prestados, porquanto assumiram tais serviços por conta e risco, em caráter precário, sem qualquer licitação ou instrumento capaz de impor à Administração o dever de lhes pagar qualquer indenização.

Na verdade a permissão que lhes foi entregue seria pura e simples, sem qualquer condicionamento, tanto que a própria perícia nos dá conta de que inexiste qualquer contrato firmado entre as requerentes e a Administração no referido período.

Não convence, todavia, o argumento de que possa a Administração impor excessivo ônus a permissionária que poderá, a qualquer momento, se eximir da prestação dos serviços uma vez que inexistira termo fixado para os serviços que lhe foram permitidos, bastando notificação regular para que a Administração possa reassumir os serviços que foram permitidos ou substituir o permissionário por outro.

Dessa forma, impossível as requerentes sustentarem a possibilidade de imposição tarifária na forma da Portaria 06/96, seja porque não haveria ato negocial bilateral entre elas e a BHTRANS capaz de propiciar a majoração de valor tarifário por equilíbrio inicial do valor da concessão, seja porque o ato de permissão do serviço de transporte no período pretendido não gera a obrigação de equilíbrio econômico e financeiro pretendido na inicial, se caracterizando como ato unilateral da Administração, precário, onde a permissionária assume os serviços por sua conta e risco.

Diante do exposto, julgo improcedentes os pedidos iniciais, para reconhecer a prescrição das parcelas pretendidas pelas empresas requerentes, anteriores a data de 16/01/1996, por força do art. 2° do Decreto-lei 4.597/42; bem como para declarar a impossibilidade da imposição da Portaria 06/96 a permissão de serviço público, reconhecendo como indevida a modificação do regime tarifário dos serviços permitidos pretendidos na inicial, por ser ato exclusivo da Administração, sendo inaplicável o art. 55, II, letra d, do Decreto-lei 2.300/86, ou a art. 9º da Lei Federal 8.987/95, por inexistir negócio jurídico bilateral ou contratual a respaldar a pretensão."

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b) do acórdão de fls. 294/299:

"Antes de qualquer outra providência, é necessário tecer algumas considerações a respeito da natureza jurídica dos serviços de transporte prestados pelas empresas Apelantes, ao tempo da constituição do suposto crédito reclamado pelas mesmas.

Neste espeque, ensina Maria Sylvia Zanella de Pietro: "A permissão de serviço público é, tradicionalmente, considerada ato unilateral, discricionário e precário, pelo qual o Poder Público transfere a outrem a execução de um serviço público, para que o exerça em seu próprio nome e por sua conta e risco, mediante tarifa pelo usuário. A diferença (entre permissão e concessão)está na forma de constituição, pois a concessão decorre de acordo de vontades, e a permissão de ato unilateral; e na precariedade existente na permissão e não na concessão." (Direito Administrativo, 7º ed., São Paulo: Atlas, 1996, pág. 245)

Na mesma linha doutrinária, complementa o Mestre Hely Lopes Meirelles, citando Basavilbaso:

"Toda permissão traz implícita a condição de ser, em todo momento, compatível com o interesse público, e, por conseguinte, revogável ou modificável pela Administração, sem recurso algum por parte do permissionário" (Direito Administrativo Brasileiro, 270 ed., São Paulo: 2002, pág. 379).

Mais à frente, esclarece ainda o citado doutrinador: "O serviço permitido é executado em nome do permissionário, por sua conta e risco, mas sempre nas condições e com os requisitos preestabelecidos pela Administração permitente, que o controla em toda sua execução, podendo nele intervir quando prestado inadequadamente aos usuários." (op. cit., pág. 379/380)

E, terminando a discussão a respeito da natureza do serviço prestado pela Apelante, verifica-se, na mesma obra retrocitada:

"A permissão, por sua natureza precária, presta-se à execução de serviços ou atividades transitórias, ou mesmo permanentes, mas que exijam freqüentes modificações para acompanhar a evolução da técnica ou as variações do interesse público, tais como o transporte coletivo, o abastecimento da população e demais atividades cometidas a particulares, mas dependentes do controle estatal." (op. cit., pág. 380, sublinhado nosso)

Assim, sendo, constata-se que, ao obter a permissão para a realização do transporte público, a empresa Apelante se submeteu às regras e condições impostas pela Administração Pública ao setor de transporte de passageiros, a serem observadas de maneira obrigatória e sem abertura à discussão.

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, pela Ministra Eliana Calmon, assim discorreu a respeito de questão análoga, em trecho que pode ser perfeitamente transposto para o caso presente:

"As teses desenvolvidas pelas recorrentes são contraditórias, mesmo

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que se considere datarem as permissões de período anterior à CF/88. Afirmam elas que mantêm com a Administração relação jurídica identificada como uma CONCESSÃO, espécie que ensejaria a revisão dos preços para manter o equilíbrio econômico-financeiro da concessionária. Entretanto, a modalidade que favoreceria a revisão das cláusulas exige prévia licitação, o que não ocorreu com a outorga do serviço que lhes foi entregue. Assim, estão elas sujeitas a um regime de permissão, modalidade que, no passado, dispensava a licitação mas impedia a revisão das cláusulas contratuais. (...) Diante da exigência constitucional da licitação, estabeleceram-se duas correntes doutrinárias. A primeira entende que os contratos posteriores à CF/88 não foram alterados na essência e por isso mesmo remontariam à época do início, com a renovação automática em razão da extinção, dentro das novas condições. Pela segunda corrente, impõe-se a licitação para todas as hipóteses, sem possibilidade de alteração de nenhuma das cláusulas, sem que se faça o certame. A supremacia do segundo entendimento salta aos olhos. Afinal, não se pode aceitar, contra texto expresso da Lei Maior, prevalência de situação fática em nome do direito adquirido, mesmo em se tratando de permissão a termo, ou condicional." (STJ, REsp. nº 410.367-MG, Relator Minª. Eliana Calmon, j. 15.11.2002)

Mais à frente, a douta Ministra cita julgado anterior do Colendo STJ, que, decidindo caso semelhante ao que ora se examina, explicou:

"Administrativo e Processual Civil. Ausência de prequestionamento parcial. Transporte coletivo público. Termo de permissão, com características de concessão. Indenização. Alegação de prejuízos decorrentes de tarifas deficitárias. Inocorrência de procedimento licitatório. Ilegalidade. Inexistência de boa-fé do contratante. Prevalência do interesse público sobre o particular. (...) 3. Termo de Permissão assinado pelo Poder Público e pela permissionária. Os elementos componentes do mencionado Termo levam a que se considere que, entre partes, houve, verdadeiramente, a Concessão de serviço público. 4. Exigência de procedimento licitatório prévio para validação de contrato de concessão com a Administração Pública, quer seja antes da Constituição Federal de 1988, quer após a vigência da mencionada Carta. 5. Não havendo a licitação, a fim de garantir licitude aos contratos administrativos, pressuposto, portanto, para a sua existência, validade e eficácia, não pode se falar em concessão e, por conseqüência, nos efeitos por ela produzidos." (STJ, REsp. 403.905/MG, Relator Min. José Delgado, 1º Turma, DJ 06.05.2002)

Advém daí que não há qualquer equilíbrio econômico-financeiro a ser tutelado, quando, como já se disse, as empresas Apelantes detêm a mera permissão do serviço de transporte, nos mesmos moldes como outrora houvera sido pactuado com a Administração Pública. O que ocorre, em se tratando do

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instituto administrativo da permissão, é uma adesão às condições impostas e ditadas pelo Poder Público, que pode, quando entender cabível, modificá-las ao sabor do interesse público, facultado ao permissionário optar por aceitar as condições impostas e/ou modificadas, ou desistir da permissão.

Nas palavras do douto Desembargador José Brandão de Resende: O serviço permitido, como serviço de utilidade pública que é, está sempre sujeito às normas do direito público. Dessa forma, não se pode realizar permissão ou traspassar a prestação de serviço permitido em forma de avença privada, em que predomina o interesse particular dos contratantes. As normas de direito privado nem sempre servirão para regular, satisfatoriamente, o funcionamento do serviço de interesse público." (TJMG, Apelação n. 143.504-9, j. 26.11.99)

Assim sendo, tem inteira razão o digno Magistrado singular, ao fundamentar, em sua sentença, que "a relação jurídica resultante da permissão dos serviços não pode impor outras obrigações à Administração. A modificação das condições tarifárias seria ato discricionário e unilateral da própria Administração, sendo impossível que as permissionárias pudessem se arvorar a um equilíbrio econômico financeiro que jamais existiu durante o período pretendido na inicial." (f. 1.842)

Não têm os pedidos, portanto, base legal para serem atendidos."

c) Idem, fl. 328:

"Quando da celebração do contrato originário, decerto, foi estabelecido um regime de tarifas, segundo critérios reconhecidos pela permissionária como suficientes para a adequada prestação do serviço permitido e a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Cabia às autoras, então, provar que, de qualquer forma, ocorreu agravamento extraordinário da álea contratual, com o conseqüente desequilíbrio da equação financeira originalmente pactuada.

Sem que tenha havido tal demonstração, inviável se mostra o pedido de restauração da base do negócio, traduzido no ajuste contratual."

Ganha importância, para o deslinde do litígio, a conclusão do acórdão no sentido de que não

há, nos autos, prova de que ocorreu agravamento extraordinário da álea contratual, pelo que não

restou demonstrado o desequilíbrio da equação financeira originalmente pactuada.

Dou relevo a essa conclusão do acórdão, não só por apresentar-se em harmonia com as

provas depositadas nos autos, mas, também, por refletir a aplicação dos princípios que regem o

negócio jurídico em análise.

A respeito da natureza jurídica da relação existente entre as partes, tenho convicção na

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mesma linha de pensar do Des. Brandão Teixeira, conforme exposição constante no voto que

proferiu, assim afirmando (fls. 302/323):

"As autoras não são meras permissionárias que, episodicamente, vieram reforçar a estrutura da rede viária da capital.

A perícia técnica informou que as autoras tinham contratos de serviço público municipal para transporte coletivo, firmados com TRANSMETRO e com a METROBEL, no período de junho de 1986 a maio de 1990.

O emérito Prof. CAIO TÁCITO, em parecer publicado em sua consagrada obra "Temas de Direito Administrativo", analisou a situação das empresas prestadoras de serviços públicos de transporte coletivo na região metropolitana de Belo Horizonte, tecendo inclusive um valioso histórico acerca do tema:

"Desde 1963, as empresas exploram o serviço, sem solução de continuidade, atravessando diferentes regimes de organização administrativa. Primeiramente, foram investidas no serviço mediante contratos celebrados com o antigo Departamento Municipal de Bondes e Ônibus (DMBO) e, em seguida, com a Superintendência Municipal de Transportes. Diversas formas administrativas atribuem o controle do sistema de transporte coletivo a órgãos que se sucederam na competência de outorgar permissões e de controlar a execução dos serviços. Instituída a Região Administrativa de Belo Horizonte, a Lei estadual n. 7.275, de 28 de junho de 1978, criou a Companhia de Transportes Urbanos (METROBEL), cujo regulamento, baixado com a Deliberação n. 54/85, prevê que 'a operação do serviço regular de transportes por terceiros será feita sob o regime de permissão'. Dispõe, especialmente, o art. 21 deste ato, que Art. 21 - A permissão será outorgada pelo prazo de 5 (cinco). Parágrafo 1º - Será admitida a prorrogação do prazo se a execução dos serviços for considerada eficiente e tiver obedecido ao presente regulamento, normas e ordens de serviço da METROBEL. Com fundamento nesta previsão legal, a METROBEL celebrou, em 17 de junho de 1986, termos de permissão de linhas com as empresas operadoras do sistema, invocando, no preâmbulo, tanto a referida Lei n. 7.275/78, como igualmente a Deliberação n. 54/85, com a especificação, na cláusula sexta, do prazo de duração, nos termos seguintes, que obedecem à norma indicada: Cláusula Sexta - Prazo 1 - O prazo de duração da presente permissão é de 05 (cinco) anos, contando da data de sua assinatura. 2 - O prazo de duração previsto nesta cláusula poderá ser prorrogado se a execução dos serviços for considerada eficiente e se a Permissionária tiver obedecido ao Regulamento Metropolitano dos Transportes Públicos de Passageiros, ao Regulamento do Serviço Regular de Transporte Coletivo de Passageiros por Ônibus da Região Metropolitana de Belo Horizonte, as resoluções, normas e ordens de serviço da Permitente.

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Em 1987 - na vigência, portanto, dos termos de permissão qüinqüenal - a Lei n. 9527, de 28 de setembro, instituiu a autarquia Transportes Metropolitanos (TRANSMETRO), com a competência específica de 'operar, diretamente ou por contratação de terceiros, os serviços de interesse comum dos municípios integrantes da Região Metropolitana, relativos a transporte e sistema viário'. De modo expresso, determina a lei que a TRANSMETRO substitui a METROBEL, como poder permitente, como deflui do texto do art. 256, in verbis: 'Art. 26 - A Transportes Metropolitanos - TRANSMETRO é sucessora da Companhia de Transportes Urbanos da Região Metropolitana de Belo Horizonte ¿ METROBEL - para todos os efeitos legais, inclusive para os decorrentes de relações trabalhistas, bem como de suas funções administrativas, operacionais e de planejamento'. E, em seu art. 29, a mesma lei inscreve entre os deveres da TRANSMETRO na execução de suas incumbências, a de garantir 'o conforto, continuidade, regularidade, segurança, tarifa e preço socialmente justos, na prestação dos serviços'. II Assumindo, em sucessão à METROBEL, a qualidade de responsável pelo serviço de transporte coletivo, a TRANSMETRO encontrou válidos e eficazes os termos de permissão celebrados, com apoio em lei, com as empresas transportadoras, mediante prazo certo de cinco anos. Constituíra-se direito subjetivo das permissionárias à continuidade das permissões e à sua prorrogação, uma vez reconhecida a eficiente prestação do serviço permitido. Nada obstante a garantia legal estabelecida, o Poder Executivo, a título de regulamentação das atividades da TRANSMETRO, entendeu de desconhecer o estável direito constituído em favor das permissionárias, estipulando, no art. 22 do Decreto n. 28.012, de 14 de abril de 1988, que 'O Governo do Estado poderá, a título precário, autorizar permissão de exploração de serviço de transporte coletivo na Região Metropolitana de Belo Horizonte até 29 de dezembro de 1990'. O pressuposto da norma regulamentar se contrapunha, porém, à disposição de maior hierarquia em virtude da qual se constituíra e se consolidara a validade qüinqüenal das permissões em vigor. O ato executivo estava contaminado de vício de legalidade, que se transmitiu aos atos administrativos praticados pela TRANSMETRO, consistentes na celebração de novos termos de permissão pelo prazo de dois anos. Não será consistente o argumento de que, subscrevendo os novos termos, teriam os permissionários renunciado aos direitos adquiridos à continuidade da relação jurídica estável, de que eram titular. O poder maior da autoridade pública os sujeitava à submissão, em face da coação de difícil resistência e, ademais, a renúncia de direitos não se presume, devendo emanar de atos inequívocos em manifestação livre de vontade. III As permissões de serviço público são, em princípio, atos unilaterais da

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Administração que facultam aos particulares, a título precário, o direito de uso de bens públicos, ou a exploração de serviços de utilidade pública. A precariedade, que lhes é própria, admite a revogação do ato autorizativo, mediante comprovada conveniência. Aparentemente, à luz deste princípio geral, as permissões não oferecem aos permissionários direito à continuidade de exercício da regularia que lhe é outorgada, passível de ser interrompida a critério da Administração. A substância das relações jurídica oriundas das permissões evidencia, porém, a necessidade de distinguir entre as permissões simples, de extrema precariedade, e os casos em que a fixação de prazo certo, ou mesmo a natureza da obrigação, evidenciam a relativa estabilidade do vínculo instituído. Carlos Maximiliano, em obra clássica sobre hermenêutica jurídica, adverte contra os vícios de atribuir aos vocábulos uma interpretação unívoca, alertando, como regra de ouro, que a realidade prima sobre as palavras: actus, non nomine sed ad effectu, judicatur' (Hermenêutica e Aplicação do Direito - 9ª edição - p. 259). A diversidade de limitações que se pode apresentar na peculiar natureza das permissões chega a inspirar a síntese de CRETELLA JUNIOR no sentido de que 'Há, assim, uma precariedade muito precária, uma precariedade mais ou menos precária e uma precariedade bem pouco precária, ou seja, existem graus diversos de intensidade na utilização precária do bem público' (Revista de Direito Administrativo - vol. 101, p. 27 - grifos do autor). Igualmente, MIGUEL REALE analisa os casos em que o ato permissivo se complementa com deveres de continuidade e de exclusividade na prestação do serviço, de tal modo que 'poder-se-ia dizer que a 'permissão' se como se fora autorização e é exercida como se fora concessão' (Direito Administrativo - 1969 - p. 155). Destacamos, em parecer sobre a matéria, que a exigência, como requisito da permissão de transporte coletivo, do investimento de recursos próprios, tanto na aquisição e manutenção de veículos como em material de apoio, ou, ainda, em garagem própria, é a demonstração nítida de que a relação jurídica assim constituída está necessariamente vinculada a um procedimento adequado de revogação, mormente quando pactuada a prazo certo. Concluímos, à vista desta particularidade, que 'Longe, portanto, da anunciada precariedade, o figurino que mais se aproxima é o das concessões sob a cláusula enquanto bem servir. 'O termo de permissão, pactuado entre as partes é, em sua, em sua essência, um contrato administrativo atípico, consubstanciando uma relação jurídica comutativa, que tem por objeto a prestação de um serviço público' (Revista de Direito Administrativo - vol. 169, p. 191). MEIRELLES TEIXEIRA, em aprofundado estudo sobre as permissões de serviço público, com lastro substancial no direito comparado, destacou a existência da 'permissão de caráter contratual' (Permissão e Concessão de Direito Público - Revista de Direito Público, vol. 6, p.100/s., especialmente p. 122).

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O conceito usual de que as permissões têm caráter precário, submissas ao alvedrio da conveniência administrativa, deve ser entendido, segundo a conhecida advertência de Plínio, o Velho, 'cum grano salis'. O intérprete não pode ficar alheio ao grau de intensidade do compromisso formalizado na permissão que, de ambos os lados - tanto o do permissionário, como o do usuário -, não se compadece com a ruptura brusca, ou inesperada, na prestação do serviço. Por esta razão, HELY LOPES MEIRELLES pondera que 'a doutrina moderna admite essa gradação na discricionariedade e precariedade das permissões, distinguindo as que não acarretam qualquer restrição das que geram alguma restrição para o permitente, em favor do permissionário', e conclui no sentido de que, 'Desse modo, a permissão condicionada toma caráter de quase contrato, porque estabelece condições que a tornam irrevogáveis por força de simples vontade da Administração, mormente quando entre essas condições está a de que a permissão vige por determinado prazo' (Estudos e Pareceres de Direito Público, vol. IX, p. 253-254 ¿ grifos do autor). E leciona, em seu nunca assaz louvado 'Direito Administrativo Brasileiro' (19ª edição, p. 17): 'É admissível a permissão condicionada, ou seja, aquela em que o próprio Poder Público autolimita-se na faculdade discricionária de revogá-la a qualquer tempo, ficando em norma legal o prazo de sua vigência e/ou assegurando outras vantagens ao permissionário, como incentivo para a execução do serviço. Assim, reduzem-se a discricionariedade e a precariedade da permissão às condições legais de sua outorgada. Essa modalidade é adotada nas permissões de transporte coletiva e noutras que exigem altos investimentos para a execução do serviço, tornando-se necessário garantir ao permissionário um tempo mínimo de operação em condições rentáveis' (grifo do autor). IV Os serviços de transporte coletivo na Região Metropolitana de Belo Horizonte foram diversificados em sucessivos atos legislativos. Extinta a TRANSMETRO, as atribuições relativas ao sistema intermunicipal passaram à responsabilidade do DER-MG, reorganizado pela Lei n. 11.402, de 21 de janeiro de 1994. Na área do município de Belo Horizonte, o sistema urbano foi transferido para a BHTRANS, constituída na forma do Decreto n. 6.896 de 30 de setembro de 1991, em conformidade com a autorização constante da Lei n. 5953, de 31 de julho de 1991. No município de Betim, foi igualmente constituído órgão próprio para a gestão do serviço local de transporte coletivo, a TRANSBETIM. A seqüência destas transformações de estrutura administrativa não interferiu, porém, com a continuidade dos serviços urbanos e intermunicipais, atribuídos às empresas transportadoras, que continuaram a ser regidos com base nos termos de permissão outorgados em 1986. Desde então e até agora, os vários órgãos administrativos de controle dos serviços permitidos mantiveram relacionamento permanente e

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satisfatório com as empresas permissionárias, reconhecendo- lhes a prestação dos serviços e emitindo ordens renovadas sobre itinerários, ampliação de frotas e demais instruções inerentes aos poderes de vigilância e controle da regularidade e continuidade no cumprimento das respectivas obrigações. Mesmo após o vencimento do prazo qüinqüenal pactuado em 1986 (que se concluiu em 1991) e até mesmo depois de completado o prazo de dois anos fixado no ato vicioso de 1990, as permissionárias foram, rotineiramente, reconhecidas como prestadoras regulares nas correspondentes áreas que lhes foram determinadas, conforme atos dos órgãos administrativos competentes. Quando se completou, em 1991, o prazo original das permissões outorgadas por cinco anos, a continuidade no respeito destas relações jurídicas importou no reconhecimento implícito da boa qualidade dos serviços prestados, representando, por esta forma, a verificação do requisito expressamente consignado, nos termos de permissão, para a prorrogação da validade de tais instrumentos constitutivos de direitos subjetivos dos permissionários. É, assim, lícito concluir que a validade e eficácia dos referidos termos de permissão estão prorrogadas por igual prazo, devendo vencer-se em 17 de junho de 1996. A extinção prematura destas situações jurídicas, de força bilateral, somente se verificará em caso de falta grave imputável às permissionárias, apurada em procedimento contraditório, com garantia de ampla defesa. Excepcionalmente, havendo relevante e caracterizado interesse público, poderá a Administração competente rescindir antecipadamente a permissão, respondendo, porém, pela indenização dos danos materiais (e eventualmente morais) que possam decorrer do ato unilateral praticado". ("in" ob. cit.. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, 2º volume, p. 1651/1658)

Vê-se então que, tanto à luz do entendimento do ilustrado parecerista acima invocado, as permissões sob análise não correspondem a atos unilaterais e "precários" da Administração Pública, passíveis de interrupção a qualquer tempo e a critério da Administração.

A Administração Pública autolimitou sua discricionariedade, quando se vinculou a cláusulas contratuais na outorga do serviço público de transporte, descaracterizando a mera permissão administração e fazendo surgir uma relação jurídica aperfeiçoada, denominada por CRETELLA JÚNIOR de permissão de segundo grau ou permissão qualificada, na qual a precariedade cede espaço ao sinalagma intrinsecamente contido na relação jurídica ("in" Regime Jurídico das permissões de uso no Brasil. Revista de Direito Administrativo, 101:30-1).

Tratando-se a hipótese dos autos, induvidosamente, de permissão condicionada ou qualificada (ou mesmo de sub-concessão, como apontado pelo ilustrado perito oficial), com nítido caráter contratual, tem-se que, ao mesmo tempo em que devem os permissionários (ou sub-concessionários) prestar o serviço de forma adequada, este dever pressupõe, comutativamente, que se lhes estenda a garantia do equilíbrio econômico-financeiro, consagrada na ordem constitucional pretérita (art. 167, inciso II, da EC 01/1969), na legislação vigente

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ao tempo dos contratos (art. 55, parágrafo 6º, do Decreto-lei 2300/1986), e também a Constituição da República de 1988, que determina que a lei conserve, a par dos direitos dos usuários, a adoção de política tarifária compatível com a prestação de serviço adequado (art. 175, parágrafo único, incisos I, II e III).

A lei federal de contratos administrativos prevê, especificamente, a adaptação dos contratos "para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico- financeiro inicial do contrato", sempre que "sobrevierem fatos imprevisíveis ou previsíveis, porém de conseqüências incalculáveis" (art. 65, inciso II, alínea "b", da Lei 8666/1993). Disposição no mesmo sentido encontra-se inserida no art. 9º, parágrafo quarto, da Lei n. 8987/1995.

No caso em tela tais assertivas impõem-se ainda com maior rigor, porque, adotado o sistema tarifário (o regime de serviço-pelo-custo), é necessária a obtenção de recursos suficientes para cobrir as despesas de operação, manutenção, administração e expansão, bem como para atender ao fundo de depreciação e garantir a remuneração adequada do investimento.

Tem-se então que as empresas autoras, contratadas para atendimento de serviços públicos de transporte coletivo urbano, têm direito subjetivo à manutenção da equação financeira dos contratos, ou seja, à fixação de tarifas adequadas que lhes permitam cobrir os custos diretos e indiretos do serviço e auferir justa remuneração do capital investido.

Mais uma vez, valendo das lições do insigne CAIO TÁCITO, tem-se: "... a estabilidade financeira na prestação do serviço não atende apenas e limitadamente ao interesse do concessionário (ou, no caso, do permissionário). Vai ao encontro igualmente da conveniência da administração, interessada na regularidade do serviço público e, finalmente, ao interesse dos usuários, destinatários finais da atividade concedida. Assim como o particular convocado contratualmente a gerir o serviço não pode interrompê-lo ou torná-lo deficiente, cumpre à administração pública propiciar- lhe os meios materiais e a receita financeira apta à consecução de seus fins. Esta é a finalidade precípua da competência administrativa de fixar tarifas, como alimento da operação do serviço. Não devem elas ser excessivas nem escassas, repelindo-se tanto a abundância como a insuficiência de recursos".("in" ob.cit., p. 1641)

Esta, também, é a orientação do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: "E M E N T A - ADMINISTRATIVO - EXPLORAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO - PERMISSÃO - OUTORGA A PRAZO FIXO - CONCESSÃO - REAJUSTE DE TARIFAS - MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO. - Na execução de serviço de transporte mediante permissão, impõe-se o reajuste de tarifas, sempre que necessário para restabelecer o equilíbrio financeiro do empreendimento (DL 2.300/86, Art. 55). - O credenciamento de empresa privada para executar serviço de transporte, a título permanente e a prazo certo traduz concessão, não singela permissão". (Superior Tribunal de Justiça, RESP 120113/MG, Reg. 199700112560, Primeira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, v.u.,

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julg.13/06/2000, pub. DJ 14/08/2000, p. 141, "in" RSTJ 137/117) Do voto do eminente relator, colhe-se:

"O v. acórdão recorrido assenta-se na tese de que o permissionário de serviço público não tem direito a manter, ao longo do tempo, o equilíbrio financeiro de sua atividade empresarial. Vale dizer: ao contrário do concessionário, o permissionário é obrigado a submeter-se aos valores de remuneração que o Estado permitente lhe impõe, não importa a circunstância de que tais valores nada remunerem ou, mesmo, tornem economicamente gravosa a execução do serviço. O preceito contido no art. 55, II, d, do DL 2300/86, a garantir o equilíbrio econômico da prestação de serviço não se aplicaria ao permissionário, porque esse dispositivo legal refere-se, apenas, aos contratos. Ora, diz o acórdão, permissão é ato unilateral. Tal orientação, data venia, não homenageia o cânone de hermenêutica traduzido na advertência de que nenhuma interpretação pode levar ao absurdo. Para conferir essa afirmação, imagine-se a situação de duas empresas transportadoras, explorando, em concorrência, um determinado itinerário. Imagine-se mais, que uma dessas transportadoras é titular de concessão, enquanto a outra é mera permissionária. A ser verdadeira a tese do acórdão recorrido, somente a concessionária teria direito a reajustes de tarifas, capazes de manter o equilíbrio econômico financeira da atividade empresarial; a permissionária, sem direito algum, estaria exposta aos humores do Administrador e à possibilidade de 'trabalhar no vermelho'. Não bastasse a enormidade de semelhante situação, o exame dos autos revelou-me que a polêmica gera-se em uma questão de nomes, ou melhor, de títulos. De fato, o documento que habilita a recorrente à exploração do serviço público foi denominado 'Termo de Permissão'. No entanto, a leitura revela que nele está documentada, uma concessão de serviço público (cf. fl. 51/53). Em suas cláusulas estão definidos: a linha a ser explorada, o respectivo itinerário, o número de ônibus a ser obrigatoriamente empregado, a submissão aos regulamentos públicos, obrigação de remunerar o Município, pelo gerenciamento operacional e o prazo de duração do ajuste (dois anos, cf. cl. Sexta). Por último, merece atenção a circunstância de que o documento foi assinado pelo Presidente da autarquia Transmetro e pelo gerente da Permissionária. Não me pretende alongar em referência doutrinárias, nem tomar-lhes o tempo, com desnecessárias citações. A qualidade intelectual dos demais integrantes da Turma dispensa-as. Lembro, apenas, que a tênue diferença entre concessão e permissão de serviço público encontra-se em um atributo: a precariedade desta última. Ora, a execução do serviço público não foi outorgada a título precário, mas por tempo certo, explicitamente fixado no documento de outorga. O art. 55 do DL 2300/86, vigente na época do contrato, dizia assim: 'Os contratos regidos por este Decreto-Lei poderão ser alterados nos seguintes casos:

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I - omissis II - por acordo das partes: d) para restabelecer a relação, que as partes pactuaram inicialmente, entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do inicial equilíbrio econômico e financeiro do contrato'. Ora, se a justa remuneração do contrato era um dos objetivos do Decreto-lei, não há como negar incidência do art. 55 nesta lide".

Cabe agora apreciar se o fato das permissões outorgadas não terem sido precedidas de procedimento licitatório consistiria ou não vício capaz de nulificar o contrato, extirpando das prestadoras de serviço do direito à indenização reclamada.

Consoante a máxima latina, "tempus regit actum". A Constituição da República de 1988 dita a regra de que a prestação de

serviço público sob regime de concessão ou permissão será sempre precedida de licitação (art. 175). Mas tal determinação não existia sob a égide da Emenda Constitucional n. 01/1969, quando originariamente foram celebrados os contratos das autoras, sucessivamente prorrogados.

O requisito formal opera "ad futurum", regendo a formação de futuras relações jurídicas. Não importa em caducidade ou em extinção de contratos antes celebrados, segundo o direito vigente à época dos pactos, dos quais emanam direitos subjetivos que a mesma Constituição preserva, em seu art. 5º, inciso XXXVI, que resguarda o ato jurídico perfeito.

Contudo, em que pese repelir a arguição de nulidade do contrato, por vício de formalidade, isto não importa, por si só, em concluir que as autoras tenham direito a receber qualquer indenização em razão de um alegado "desequilíbrio" econômico financeiro dos contratos.

Mais uma vez valendo da melhor doutrina administrativistas, convém colacionar as lições do saudoso HELY LOPES MEIRELES:

"O equilíbrio financeiro ou equilíbrio econômico do contrato administrativo, também denominado equação econômica ou equação financeira, é a relação que as partes estabelecem inicialmente, no ajuste, entre os encargos do contrato e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, do serviço ou do fornecimento. Em última análise, é a correlação entre objeto do contrato e sua remuneração, originariamente prevista e fixada pelas partes em números absolutos ou em escala móvel. Essa correlação deve ser conservada durante toda a execução do contrato, mesmo que alteradas as cláusulas regulamentares da prestação ajustada, a fim de que se mantenha a equação financeira ou, por outras palavras, o equilíbrio econômico-financeiro do contrato (Lei 8666/93, art. 65, II, 'd', e §6º)". (in Licitação e Contrao Administrativo. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 165)(os grifos não constam do original)

Na mesma linha, é o entendimento do emérito professor CAIO TÁCITO, que assim leciona:

"O princípio da subsistência da chamada equação financeira do contrato que, na expressão de MARCEL WALINE é direito fundamental à equivalência entre as vantagens e os custos tal como calculados no

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momento da conclusão do contrato' (Droit Administratif - 8ª edição - 1959 - p. 574) constitui 'direito original do co- contratante da Administração', no dizer de PÉQUIGNOT ('Théorie Genérale du contrat administratif - 1945 - p. 430), a ser respeitado como 'elemento determinante do contrato', conforme LAUBADÈRE, de modo a que se estabeleça o razoável balanciamento gerador do acordo de controle entre as partes contratante (Traité des Contrats Administratifs - vol. VI - 1950 - p. 34)". Cuida-se, por esta forma, de manter a noção da 'equivalência honesta' entre as obrigações das partes, segundo o clássico fundamento do aresto pioneiro do Conselho de Estado francês de 21 de março de 1910, relatado por LÉON BLUM. O princípio da essencialidade da equação econômico-financeira como alicerce da estrutura dos contratos administrativos preserva, a um tempo, o justo interesse do contratante privado como igualmente a especial conveniência administrativa no sentido da viabilidade da satisfatória prestação dos serviços contratados como expressão do interesse da comunidade. Há, nos contratos administrativos, como nos negócios bilaterais em geral, a aceitação, pelas partes, de uma álea ordinária que integra as obrigações assumidas. A obtenção do resultado econômico-financeiro, que inspirou a adesão de vontades formadores do negócio jurídico, poderá, em consequência, ser alcançada em maior ou menor proporção. A obrigação de fazer, por parte do particular contratado, será retribuída pelo preço convencionado, no qual se inclui a remuneração do agente. O ajuste pressupõe, contudo, no ânimo das partes, um nexo causal de proporcionalidade como fundamento da declaração de vontade. Este elemento genético deve ser preservado quando por ato ou fato alheio à vontade das partes, se desequilibra em escala de realce a álea ordinária do contrato. De várias formas operará tal ruptura entre os pratos da balança, com a superposição de áleas extraordinárias imprevistas que abalem o ato formador do contrato. Primeiramente, a obrigação de fazer do contratado poderá ser acrescida por determinação da Administração, em favor de novas necessidades administrativas. O contrato administrativo admite o princípio da mutabilidade, ou seja, o poder da Administração em ampliar os deveres do contratado, dentro do âmbito do contrato (potestas variandi). Poderá, ainda, a obrigação do contratado modificar-se, ou se tornar mais onerosa, por força de atos gerais ou regulamentares da Administração (teoria do ato do príncipe). Em ambos os casos, se a comutatividade do contrato for atingida de modo expressivo, nasce o direito a que se restabeleça a proporção original. Fundada, historicamente, na concepção romana da cláusula rebus sic stantibus(presunção de que as coisas devem permanecer tal como em sua origem), o corretivo da onerosidade sobrevinda se fundamenta,

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como causa da revisão das cláusulas financeiras do contrato, na denominada teoria da imprevisão. Domina, em suma, a teoria do contrato administrativo, a concepção dinâmica de um equivalente econômico, presente em seu nascimento e a ser conservado em sua execução para que não se tornem substancialmente desiguais os direitos dos contratantes. O contrato administrativo - como adverte GASPAR ARINO ORTIZ - é um é negócio público bilateral, de natureza reciprocamente onerosa que tem como necessária expressão a equivalência das obrigações (Teoria del equivalente econômico en los contratos administrativos - Madrid - 1968 - p. 5).

Quando se rompe, acima e além do acordo original de vontades, a correlação entre as obrigações de fazer ou de dar, de um lado, e a obrigação de pagar, de outro, a noção eqüitativa do equilíbrio financeiro se exterioriza na exigibilidade da complementação do preço como forma saneadora da mácula advinda, conduzindo à restauração da higidez do contrato".("in" ob.cit., Rio de Janeiro: Renovar, 3º vol. 2002, p. 264/265)(os grifos não constam do original)."

As excelentes razões acima anunciadas, pela profundidade com que foram desenvolvidas,

recebem o meu irrestrito apoio.

Independentemente da divergência teórica existente nos votos proferidos no Tribunal "a

quo", prepondera o fato, acolhido de modo unânime, que não restou comprovado o desequilíbrio

econômico-financeiro na execução do negócio jurídico firmado entre partes.

Em face do exposto, conheço parcialmente do recurso, e na parte conhecida, nego-lhe

provimento.

É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOPRIMEIRA TURMA

Número Registro: 2006/0036543-7 REsp 821008 / MG

Números Origem: 10024010054724005 200501564142

PAUTA: 22/08/2006 JULGADO: 22/08/2006

Relator

Exmo. Sr. Ministro JOSÉ DELGADO

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. JOÃO FRANCISCO SOBRINHO

SecretáriaBela. MARIA DO SOCORRO MELO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : VIAÇÃO SANTA EDWIGES LTDA E OUTROSADVOGADA : RENATA BARBOSA FONTES E OUTROSRECORRIDO : EMPRESA DE TRANSPORTES E TRÂNSITO DE BELO HORIZONTE S/A -

BHTRANSADVOGADO : JOSÉ GUILHERME VILLELA E OUTROS

ASSUNTO: Administrativo - Ato - Permissão - Transporte - Coletivo

SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr. GABRIEL DE BRITTO CAMPOS pela parte recorrente: VIAÇÃO SANTA EDWIGES LTDA E OUTROS e Dr. JOSÉ GUILHERME VILLELA pela parte recorrida: EMPRESA DE TRANSPORTES E TRÂNSITO DE BELO HORIZONTE S/A - BHTRANS.

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, conheceu parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negou-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Luiz Fux, Teori Albino Zavascki e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 22 de agosto de 2006

MARIA DO SOCORRO MELOSecretária

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