Investimento Social Privado

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Investimento Social

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    para fortalecimento e autonomia das Organizaes da Sociedade Civil

    Realizao

    Apoio Institucional

    So Paulo2014

  • AutoresAmlia E. Fischer P.Ana Valria ArajoAnderson Giovani da SilvaAngela PappianiCristina OrphoDimas GalvoDomingos ArmaniFernanda NobreGabriel LigabueGraciela HopsteinJos Carlos Zanetti Maria Amlia Souza Monica de RoureNina ValentiniPaula GaleanoViviane HercowizViviane Hermida

    OrganizaoDomingos Armani Coordenao GeralAna Letcia SilvaAssistncia editorial Adriane CoimbraRevisoAna Letcia SilvaProjeto grficoValria Marchesoni

    2014 GIFE Grupo de Institutos, Fundaes e Empresas

    Conselho de GovernanaGesto 2012/2014Ana Helena de Moraes VicintinInstituto Votorantim Angela DannemannFundao Victor Civita Beatriz AzeredoTV Globo Beatriz Gerdau Johannpeter (Presidente)Gerdau Bernadette CoserFundao Otacilio Coser Denis MizneFundao Lemann Guilherme Vidigal Andrade GonalvesFundao Maria Ceclia Souto Vidigal Marcos NistiInstituto Alana Paulo CastroInstituto C&A Renata de CamargoInstituto de Cidadania Empresarial Ricardo HenriquesInstituto Unibanco

    Conselho FiscalGesto 2012-2014Arnaldo RezendeFundao FEAC Cristiano Mello de AlmeidaBanco J. P. Morgan Jefferson RomonFundao Bradesco

    Secretrio GeralAndre Degenszajn

    GIFE - Grupo de Institutos, Fundaes e EmpresasAv. Brig. Faria Lima, 2413 1 andar Jardim Amrica 01452-000 So Paulo SPtel (55 11) 3816 [email protected]

    GIFEInvestimento Social Independente - So Paulo: GIFE, 2014.187 p.: il.ISBN 978-85-88462-23-61. Investimento Social Independente 2. Autonomia 3. Relevncia

  • Agradecimentos especiais aos associados e parceiros que participa-ram da reunio ampliada A relevncia dos investidores sociais inde-pendentes na nova arquitetura institucional, realizada como parte da Programao Aberta do Congresso GIFE 2014, em 21/03/2014, e aos participantes do seminrio A relevncia dos investidores so-ciais independentes na nova arquitetura de apoio s organizaes da sociedade civil, realizado em So Paulo, em 03/06/2014:

    Amalia E. Fischer Fundo ElasAna Flvia Gomes de S Childhood BrasilAna Paula Carvalho Fundao Otcilo CoserAna Toni GIPAna Valria Arajo Fundo Brasil de Direitos HumanosAnalia E. Tiches Fundo ELASAnderson Silva IcomAngelina Yamada Empreendedora SocialAngelo Lambert Fundo Brasil de Direitos HumanosAntonio Dimas Galvo CESEBianca Cesrio Instituto ArredondarCamila Ferrari ACORDECandace (Cindy) Lessa Fundo ElasCristina Lopes Fundo BaobCristina Orpho Fundo Socioambiental CASADebora Borges Fundo Brasil de Direitos HumanosDimas Galvo CESE Domingos Armani GIFE

    Elena Grosbaum Ideias ConsultoriaEsperanza Cerdan Deutsche Bank Americas FoudationFtima Nascimento Felipe Linetzky Sotto VriosGraciela Hosptein Instituto RioGuilherme Rauselt 3i AngelsGustavo Souza Fundao ObreirosHarley HenriqueJanaina Jatob Instituto C&AJennifer Rithelle SEBRAE MinasJunior GuerraLeticia Rangel Fundao Jos Luiz Egydio SetubalLcia Nader Conectas Direitos HumanosLuiz Alfaya Instituto CriarMarcelo Estraviz Instituto DoarMarcelo Furtado Instituto ArapyaMarcia Silva Instituto ArcorMarco Aurlio Interao UrbanaMaria Amalia Souza Fundo Socioambiental CASAMaria Cecilia Oswaldo Cruz BrazilFoudation

    Matheus Otterloo FASEMille Bojer Instituto Reos Monica de Roure BrazilFoudationNatlia Alves Passafaro Fundo Brasil de Direitos HumanosNina Valentini Instituto ArredondarPamela Ribeiro GIFEPaula Giuliano Galeano Fundao Tide SetubalPaulo Castro Instituto C&ARafael Ary Agenda SustentabilidadeRaquel Coimbra IDISRegina Cabral Instituto Baixada MaranhenseRicardo Henriques Instituto UnibancoRogerio Renato Silva MOVESemramis Biasoli FunBEASilvio R. S. Fundo EsquelTatiana Brasil Nogueira Instituto HolcimVanessa Cancian Silva EnvolverdeVeronica Marques Fundo Elas

  • Origens e trajetria recente do Investimento Social Independente (ISI)

    O lugar e o papel do Investimento Social Independente (ISI) na arquitetura institucional de apoio s OSCs no Brasil

    Introduo

    CESE: Quatro dcadas apoiando movimentos por direitos

    Fundo Brasil de Direitos Humanos - A relevncia dos investidores sociais independentes na nova arquitetura institucional

    ELAS - Fundo de Investimento Social: doar para transformar

    Instituto Rio: desafios e oportunidades para a atuao de uma Fundao Comunitria na Zona Oeste do Rio de Janeiro

    ICom Uma fundao comunitria brasileira no fortalecimento da sociedade civil e na promoo da participao cidad

    Fundao Tide Setubal e o trabalho de desenvolvimento sustentvel em So Miguel Paulista

    Fundo Socioambiental CASA

    BrazilFoundation: a crena e o sucesso de uma filantropia de transformao social

    Arredondar: Como micro-doaes podem gerar recursos organizacionais para o setor social

    O valor e os desafios do investimento social independente

    Quando vamos conversar sobre o que difcil?

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    PrefcioApresentao Introduo

    sumrio

    parte 1A Relevncia do Investimento Social Independente (ISI) 15

    parte 2 Expresses do Investimento Social Independente no Brasil 42

    parte 3 Questes e desafios estratgicos do investimento social independente 176

  • 6O investimento social privado independente brasi-leiro est no centro de um importante dilema nacional, isto , se a sociedade brasileira valoriza a sociedade civil organizada a ponto de financi-la na sua diversidade.

    Investir em uma sociedade livre e democrtica sig-nifica tambm garantir meios pblicos e privados de financiar uma sociedade civil diversa, robusta e inde-pendente. Entretanto, isto parece ainda estar em dis-puta no Brasil, pois a sobrevivncia das organizaes da sociedade civil vista ainda como um problema ex-clusivo e individual das organizaes e no da socieda-de como um todo.

    Diferentemente da tradio americana ou europeia, a maior parte dos recursos do investimento social pri-vado brasileiro advm de empresas ou de grandes for-tunas que, em geral, optam por no financiar aes de outras organizaes da sociedade civil. Nossas funda-es e institutos empresariais ou familiares priorizam financiar suas prprias aes sociais. O governo brasi-leiro, por outro lado, prioriza financiar organizaes que estejam afinadas aos seus programas. E os indivduos, que carecem de incentivos fiscais para fazer doaes, quando doam, tendem a faz-lo para igrejas ou direta e pontualmente a pessoas pobres ou em dificuldade.

    E quem financia a sociedade civil organizada e in-dependente?

    neste contexto adverso que se destaca o valio-so e importante papel dos Fundos Independentes, os fundos de causas ou o chamado investimento social privado independente. Essas organizaes tm em seu DNA a profissionalizao da captao de recur-sos para o apoio a projetos de terceiros. O chamado grantmaking comea, atravs desses fundos, a tornar--se realidade no Brasil.

    Embora infelizmente essas organizaes ainda re-presentem um pequeno volume de recursos no Bra-sil, seu apoio s pequenas e mdias organizaes da

    Prefcio

  • 7sociedade civil nas reas de direitos humanos, rela-es raciais, direitos das mulheres dentre outros, j fundamental para nutrir relaes e iniciativas de suma importncia para a promoo da riqueza de nosso te-cido social.

    Ao elaborar uma publicao que demonstra o papel estratgico do investimento social privado independen-te, o GIFE inspira e desafia seus prprios membros e a sociedade em geral a trazer para si a responsabilidade de fortalecer uma sociedade civil independente e diver-sa. O financiamento da sociedade civil independente uma tarefa de todos e um dilema que nossa sociedade precisa encarar de frente.

    Parabenizo ao GIFE pela iniciativa e acredito que as muitas reflexes que decorrero da leitura destes en-saios contribuiro fortemente para o amadurecimento e o avano deste debate que to importante para a sociedade brasileira.

    Ana Toni

  • 8H mais diferenas do que semelhanas nas mui-tas formas de investimento social privado no Brasil. As estratgias de uso de recursos privados para aes de interesse pblico so diversas e isso um dado posi-tivo. Em 2010, quando o GIFE apresentou sua viso de 10 anos (Viso ISP 2020), um dos eixos estruturantes era justamente a ampliao da diversidade de investi-dores, reconhecendo haver uma concentrao do in-vestimento privado em organizaes empresariais. Os principais vetores de diversificao eram o investimen-to familiar, que vem se fortalecendo e apresenta grande potencial de crescimento, e o investimento indepen-dente, objeto de reflexo deste livro. Outro elemento importante presente na Viso 2020 era a ampliao da abrangncia das estratgias de investimento, o que em grande medida significava a expanso das doaes (grantmaking), em oposio operao direta de pro-jetos, predominante entre investidores brasileiros.

    H uma predominncia, entre os investidores in-dependentes, de apoio a organizaes e projetos no campo da defesa de direitos, alguns contribuindo com causas especficas, como mulheres e equidade racial, outros com estratgias mais abrangentes no campo dos direitos humanos e desenvolvimento.

    Essas trs caractersticas perfil independente, a doao como estratgia principal de investimento e o foco na defesa de direitos contribuem para uma ca-racterizao do perfil de atuao desses investidores, ainda que excees possam ser identificadas.

    As tentativas de construir uma classificao ou ti-pologia do investimento social contribuem para com-preender melhor o perfil e a atuao das organizaes, entender suas relaes e tendncias futuras, mas ao mesmo tempo implicam muitas vezes em generali-zaes excessivas e simplificaes. Essa publicao, ao apresentar um conjunto variado de experincias, tem o intuito de abordar essa diversidade a partir de

    Apresentao

  • 9um conjunto diverso de vozes, com suas aproximaes e diferenas.

    Pretendemos, com isso, ampliar a compreenso so-bre a importncia desses investidores pela funo que cumprem em fortalecer organizaes da sociedade ci-vil. Por suas lentes, convidamos a uma reflexo sobre o papel das organizaes sem fins lucrativos no Brasil contemporneo, que vive o paradoxo da expanso dos programas sociais governamentais e o encolhimento do espao das organizaes da sociedade civil seja pelo estrangulamento financeiro ou desafios de sus-tentabilidade poltica.

    Ao construir uma estratgia de fomento diversida-de do investimento social privado, partindo de uma as-sociao com predominncia de organizaes empre-sariais, o GIFE busca construir uma aproximao no apenas entre os atores, mas fundamentalmente com as causas e agendas que defendem o amplo conjunto de organizaes da sociedade civil no Brasil.

    O desenvolvimento dessa estratgia teve o apoio da Fundao Ford desde o momento inicial fundao que teve tambm o papel de impulsionar o trabalho do GIFE no contexto do marco regulatrio da sociedade civil. Esta publicao produto dessa iniciativa, de um projeto mais amplo de estudo e articulao de investi-dores sociais independentes.

    No so poucos os desafios que se apresentam aos investidores independentes. H uma enorme deman-da de recursos financeiros e o desafio de apoiar orga-nizaes que h anos vm lutando em um contexto poltico, social e econmico muito adverso. Mas no no discurso da falta, da ausncia e da carncia que se encontram as foras dos investidores independentes. Mas naquilo que eles possuem, que tm em abundn-cia, na sua viso e conexo com a sociedade e grupos

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    sociais, nas possibilidades de inventar e reinventar a sua prpria atuao.

    Esse o nosso olhar e nosso convite.

    Andre DegenszajnSecretrio Geral do GIFE

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    Esta publicao apresenta um conjunto de reflexes sobre a relevncia das variadas formas de investimento social independente no apoio s organizaes da so-ciedade civil (OSCs) no Brasil.

    O argumento principal defendido neste livro o de que esses atores no governamentais e no corporati-vos da sociedade civil so pilares importantes da sus-tentabilidade das OSCs e tambm vetores de aprofun-damento da qualidade e da efetividade da democracia entre ns.

    O investimento social independente (ISI) o termo genrico utilizado nesta publicao para designar o campo amplo e diverso das instituies e fundos, no governamentais e no corporativos, que proveem apoio tcnico e financeiro s organizaes da sociedade civil no Brasil.

    So aqui considerados investidores sociais indepen-dentes os fundos independentes, as fundaes comu-nitrias, as instituies gestoras de fundos e os institu-tos e fundaes familiares.

    O uso do termo investimento social para referir a este conjunto de atores guarda relao com seu ante-cessor utilizado no mbito do GIFE para caracterizar os associados no corporativos as ento chamadas FIC: fundaes e institutos familiares, independentes e comunitrias. Com o avano dos debates sobre a arquitetura institucional de apoio s OSCs e o maior conhecimento do campo das instituies e fundos da sociedade civil, percebeu-se que cabia pensar em um termo mais amplo para englobar toda esta diversidade de formas de apoio e fomento s OSCs.

    O campo do ISI aqui pensado como sendo um subsistema de instituies e fundos da sociedade civil dentro da arquitetura institucional de apoio s OSCs no Brasil. Essa arquitetura institucional compreendida como a complexa institucionalidade que prov recur-sos tcnicos e financeiros s OSCs - so instituies,

    Introduo

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    normas, legislaes, culturas organizacionais, padres e redes de relacionamento, fluxos de recursos, etc.

    A arquitetura institucional de apoio s OSCs com-posta por quatro campos bsicos: instituies e fundos pblicos, instituies e fundos internacionais, institui-es e fundos corporativos e instituies e fundos da sociedade civil.

    Dentro do setor sociedade civil tem-se uma enor-me e ainda parcialmente desconhecida gama de inicia-tivas de apoio e fomento organizao e mobilizao social. Alm dos investidores sociais independentes, pode-se identificar: i) a institucionalidade das finanas solidrias fundos solidrios, fundos rotativos para ati-vidades produtivas, bancos comunitrios, cooperativas de crdito solidrio, fundos de gesto mista entre go-verno e sociedade civil, etc.; ii) os negcios sociais e o investimento de impacto; iii) as grandes campanhas de mobilizao de recursos iv) os prmios sociais, e v) os novos formatos de mobilizao de recursos para OSCs, como o financiamento coletivo (crowdfunding).

    Embora todos esses tipos de iniciativas componham o setor sociedade civil na arquitetura institucional de apoio s OSCs, eles no so foco desta publicao.

    Faz relativamente pouco tempo que o pas refle-te sobre formas de apoio e fomento a organizaes sociais. O horizonte de futuro democrtico desejvel de pas e de sociedade entrou na ordem do dia no processo constituinte (1986-88) e no saiu mais da agenda nacional deste a promulgao da Constituio de 1988.

    A relevncia e as formas de a sociedade reconhecer e apoiar organizaes sociais com fins pblicos somen-te emergiram no debate nacional em meados dos anos 1990, por meio das 6 e 14 Rodadas de Interlocuo Poltica do Conselho da Comunidade Solidria, entre 1998 e 2001, as quais contriburam para constituir o tema do marco regulatrio das OSCs na agenda pbli-

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    ca, alm de terem levado aprovao de legislaes especficas, como a Lei das Organizaes da Socieda-de Civil de Interesse Pblico (OSCIPs) (Lei n 9.790, de 23 de maro de 1999).

    Por muito tempo, a situao particular de cada setor da sociedade civil suas circunstncias legais e hist-ricas, seus traos de identidade, suas relaes com o Estado, seu posicionamento poltico dentro da socieda-de civil, seus mecanismos de sustentao financeira, etc. prevaleceu sobre a possibilidade e a necessida-de de articulao estratgica e ao multisetoriais.

    S mais recentemente, em 2003/04, com os dilo-gos e expectativas gerados nos ltimos governos e, de fato, a partir de 2010/11, o debate mais sistmico sobre o conjunto das formas e canais de proviso de recursos s organizaes da sociedade civil foi retomado, agora na perspectiva do marco regulatrio das OSCs. Agora as questes estratgicas do setor no governamental como um todo esto na ordem do dia.

    Como fruto desse processo e da crise de susten-tabilidade enfrentada por muitas organizaes sociais, ganhou impulso a reflexo sobre formas nacionais de apoio e fomento s OSCs de defesa de direitos, as mais afetadas pelas mudanas nas polticas e prioridades das organizaes internacionais.

    , ento, que emerge de forma mais sistemtica a reflexo sobre a importncia dos fundos independen-tes na sociedade civil.

    Sua relevncia reside no apoio s organizaes que promovem e defendem direitos, as quais conectam as condies socioeconmicas de vida a perspectivas ti-cas e polticas, catalisando processos de mudana in-dividual, organizacional e societal.

    Ao apoiarem os mais variados tipos de organiza-es, em todas as regies do pas, essas instituies e fundos apoiam o protagonismo social autnomo na base da sociedade. Esse ativismo cvico-cidado ca-

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    paz de transformar privaes e vulnerabilidades sociais em demandas e propostas ao poder pblico e ao siste-ma poltico. tambm um potente emissor de sinais de alerta e de inconformidade acerca de padres sociais e polticos geradores de injustia e desigualdades so-ciedade como um todo.

    Por isso, esse conjunto de instituies e fundos da sociedade civil que assume a misso de apoiar os pro-tagonistas sociais da cidadania, dos direitos humanos e da democracia to importante: eles operam no for-talecimento e na atualizao das condies de susten-tabilidade da sociedade democrtica.

    A constituio efetiva do campo do investimento so-cial independente em um subsistema da arquitetura Institucional de apoio s OSCs requer seu reconheci-mento como tal pela legislao, com o devido apoio e fomento pblico. Por outro lado, esse apoio no pode se dar de forma a subtrair uma das caractersticas mais importantes das instituies e fundos independentes sua autonomia. Tambm por isso, to estratgico que o campo do ISI possa se nutrir de relaes de apoio e sustentabilidade de indivduos e do setor corporativo.

    As reunies, o seminrio e os artigos que prepara-ram o caminho para esta publicao representaram oportunidades importantes de reflexo sobre as formas de fortalecer os investidores sociais independentes. Es-peramos que agora, com a sistematizao deste pro-cesso, se possa avanar ainda mais.

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    a relevncia do investimento social independente (ISI)

    Domingos Armani

    parte 1

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    Vrias formas tm sido utilizadas no Brasil nas lti-mas dcadas para designar o que aqui definimos como Investimento Social Independente (ISI): fundos delega-dos, fundos populares, fundos de apoio a pequenos projetos, fundos independentes, fundos solidrios, etc.

    Uma breve recuperao histrica de algumas re-ferncias importantes na trajetria desses fundos de apoio a projetos releva a diversidade desse campo, onde coexistem subsetores com identidades e origens relativamente diferentes.

    Origens remotas

    A origem remota dessas iniciativas no Brasil est si-tuada nas aes assistenciais da Igreja Catlica e tam-bm de outras igrejas crists ainda no sculo passa-do. Tambm empresas e outras instituies passaram a fazer doaes mais ou menos regulares de bens e dinheiro aos setores empobrecidos. Muitas vezes es-parsas e reativas, fruto da caridade crist, da beneme-rncia e da filantropia tradicional de extratos da elite, tais iniciativas no chegavam a se constituir em um mecanismo de apoio sistemtico; tampouco se orien-tavam por uma viso emacipatria.

    Durante os anos 1960 e 1970, novas iniciativas sociais foram sendo desenvolvidas dentro das igrejas crists, inicialmente numa abordagem assistencialista e de construo de infraestruturas. Mas, com o en-gajamento das igrejas na crtica ao Regime Militar em meados dos anos 1970, esse trabalho ganhou um ca-rter mais social-comunitrio e de organizao popu-lar, visando superar o tradicional assistencialismo, dar consequncia s orientaes do Conclio Vaticano II (1962-1965) e, em muitos casos, apoiar a mobilizao social em resistncia ao Regime Militar.

    Nesse contexto, um dos registros relevantes a

    Origens e trajetria recente do Investimento Social Independente (ISI)

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    instituio da Campanha da Fraternidade (CF www.cnbb.org.br/campanhas-1/fraternidade), pela Igreja Catlica ainda em 1962, com o objetivo de mobilizar recursos nacionais para o apoio a aes sociais. A CF foi originalmente criada por quatro dioceses do Nor-deste e assumida formalmente pela Conferncia Na-cional dos Bispos do Brasil (CNBB) a partir de 1963. Em 1998 foi criado o Fundo Nacional de Solidarieda-de (FNS www.caritas.org.br/fundo-nacional-de-soli-dariedade/), encarregado da seleo de projetos para aplicao de 40% do valor arrecadado anualmente (os outros 60% ficam com as respectivas dioceses), e tam-bm os Fundos Diocesanos de Solidariedade, respon-sveis pela mobilizao social e financeira da CF ao nvel local (Almeida, Srgio e Pasa, Vitlio, 2006, p. 21)1. A Critas Brasileira compe o Conselho Gestor do FNS. Os projetos apoiados pelo FNS variam de R$ 10 a 50-60 mil. Desde 2014, o Banco Nacional de Desen-volvimento Econmico e Social (BNDES) assume 50% do valor dos projetos produtivos aprovados pelo FNS.

    Neste mesmo movimento, foi criado em 1966 o Ser-vio de Projetos de Desenvolvimento - SPD, pelo Con-selho Diretor da Igreja Evanglica de Confisso Lutera-na no Brasil (IECLB), em acordo com as orientaes da Federao Luterana Mundial (FLM). Ele tinha o objetivo de estudar, avaliar e intermediar projetos de desenvol-vimento e acompanhar sua execuo. At quase o final dos anos 1970 o SPD mantinha uma linha assistencia-lista (Armani, Schmitt e Carvalho, 1999, p. 25).

    O SPD no tinha como misso apenas o apoio a pe-quenos projetos, ele tambm tinha uma funo de in-termediao e acompanhamento em relao aos gran-des projetos sociais no mbito luterano apoiados desde

    1 A Campanha da Fraternidade teve trs fases: de 1964 a 1972, foi centrada nas questes da prpria Igreja; de 1973 a 1984, abordou de forma ampla ques-tes sociais do Brasil, e a partir de 1985 passou a abordar as questes sociais de forma especfica, como vem fazendo desde ento.

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    Genebra, conforme se pode constatar no relatrio do CDS (Community Development Liaison and Validation Service, da Federao Luterana Mundial), abaixo2:

    necessrio que haja boas comisses de projetos nacionais, ligadas respectiva igreja. (...) incumbn-cia destas comisses nacionais de projetos estimular novos tipos de assistncia, promover especialmente projetos pioneiros e planejar uma estratgia de ajuda ao desenvolvimento a longo prazo, numa rea determinada (Armani, Schmitt e Carvalho, 1999, p. 26).

    Em 1988 o SPD foi incorporado ao recm-criado Departamento de Diaconia da IECLB. Posteriormente, os servios do SPD foram absorvidos pela Fundao Luterana de Diaconia FLD (www.fld.com.br), criada no ano 2000. No perodo 2011-13 os projetos apoiados so classificados em pequenos (at um ano), estratgi-cos (trs anos) e de resposta a emergncias.

    Por fim, um terceiro registro digno de nota neste campo a experincia do Fundo Samuel, criado em 1971 pela Igreja Evanglica Reformada (So Paulo), com o intuito de apoiar famlias em situao de emer-gncia social e iniciativas comunitrias voltadas para o atendimento de suas carncias (construo de mo-radias, gerao de renda, apoio a familiares de pre-sos polticos, apoio inicial a associaes comunitrias, etc.). Desenvolveu o seu trabalho com o apoio do Dia-conato Mundial das Igrejas Reformadas da Holanda (Kerk in Aktie), ICCO e Solidaridad (Holanda) e Po para o Mundo (Alemanha). Seu diferencial foi o apoio direto a pequenos projetos de base comunitria, ten-do seu foco de atuao em So Paulo, mas apoiando projetos em todo o Brasil. A mdia de financiamento se situava ao redor de R$ 30 mil, apoiando em mdia 50 projetos/ano. Teve atuao pioneira e muitas associa-

    2 CDS FLM, Relatrio do perodo 1963-1969.

    necessrio que haja boas comisses de projetos nacionais, liga-das respectiva igreja. (...) incumbncia destas comisses nacionais de projetos estimular novos tipos de assistncia, promover especial-mente projetos pioneiros e planejar uma estratgia de ajuda ao desen-volvimento a longo prazo, numa rea determinada (Armani, Schmitt e Carvalho, 1999, p. 26).

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    es comunitrias puderam florescer graas ao apoio inicial do Fundo Samuel. Foi constituda como Funda-o Samuel no incio da dcada de 1980 e encerrou suas atividades em 1998. As associaes comunitrias que haviam sido apoiadas pela Fundao Samuel se articularam no ano 2000 na Rede Corrente Viva, visan-do a mobilizao de recursos da sociedade local em apoio ao desenvolvimento de seu trabalho3.

    Os fundos delegados

    A primeira instituio com um fundo de apoio a pro-jetos com viso estratgica e uma abordagem no as-sistencialista foi a CESE - Coordenadoria Ecumnica de Servio (www.cese.org.br), fundada por um grupo de igrejas crists em 1973, sob a inspirao do Con-selho Mundial de Igrejas. A CESE j nasceu afirmando o valor estratgico dos pequenos projetos assumidos com autonomia pelas comunidades de origem, em contraposio ao ento vigente predomnio de gran-des projetos nas polticas de cooperao internacional (Moura, 2013, p. 01). No incio, a CESE organizava seu apoio a projetos por meio de um Fundo de Pequenos Projetos, posteriormente transformado em um Progra-ma de Pequenos Projetos. Por aproximadamente trs dcadas, a CESE obteve suas receitas de forma exclu-siva da cooperao internacional ecumnica. Nos l-timos anos, porm, vem mobilizando recursos nacio-nais de forma significativa. Em seus 41 anos, a CESE j apoiou mais de 10 mil projetos em todo o territrio nacional, tendo beneficiado cerca de 10 milhes de pessoas (Galvo, Hermida e Zanetti, 2014, p. 01).

    O caso da CESE, de certa forma, inaugura uma pri-

    3 Conforme depoimento de Jos Schoenmaker ao autor e informaes de Ru-dolf Von Sinner, Elias Wolff e Carlos Gilberto Bock (orgs.), 2006, p. 182.

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    meira onda de fundos de apoio a projetos caracteri-zados como fundos delegados, apoiados sobretudo pelas agncias europeias de cooperao internacional. Esses fundos se alastraram pela Amrica Latina a partir dos anos 1970 e 1980 como forma de ampliar o apoio ao social de base comunitria sem que isso sig-nificasse uma indevida sobrecarga administrativa das equipes das agncias internacionais.

    A existncia destes fundos se justifica pela neces-sidade dos grupos de base, que frequentemente no tm acesso cooperao internacional, obterem apoios pontuais que possam fortalecer suas dinmicas. Do ponto de vista das agncias financiadoras, h falta de recursos humanos que possam manter contato direto com pequenos projetos desde a sede (Relatrio do I Encontro de Agncias de Cooperao e Fundos para

    Em 1979, o CERIS Centro de Estatstica Reli-giosa e Investigao Social (www.ceris.org.br), criado em 1962 de forma conjunta pela CNBB e pela Confe-rncia dos Religiosos do Brasil (CRB) para fins de pes-quisa e estatstica no campo religioso, passou a operar um Fundo de Apoio a Miniprojetos (FAM). Este fundo contava com recursos de agncias catlicas de coope-rao internacional. Os projetos, em geral, no supera-vam os US$ 3 mil. Entre 1979 e 2005, o FAM do CERIS recebeu mais de oito mil projetos, tendo apoiado cerca de trs mil deles (167 projetos apenas em 2005)4. O fundo veio posteriormente a se constituir em um setor especfico da instituio (FAM), o qual funcionou at pouco antes do encerramento das atividades do Centro de Estatsticas em 2007 (Brunow, 2010, p. 13)5.

    Tambm em 1979 criada, em So Leopoldo/RS,

    4 Cfe. Site do CERIS: . Acesso em 03/07/2014.

    5 O CERIS continua ativo aps 2008 exclusivamente para a realizao do Anu-rio Catlico. Agradeo a Plnio Pereira, que trabalhou no CERIS nos anos 1990, pelas teis informaes fornecidas.

    A existncia destes fundos se justifica pela necessidade dos grupos de base, que frequentemente no tm acesso cooperao interna-cional, obterem apoios pontuais que possam fortalecer suas dinmi-cas. Do ponto de vista das agncias financiadoras, h falta de recursos humanos que possam manter contato direto com pequenos projetos desde a sede (Relatrio do I Encontro de Agncias de Cooperao e Fundos para Pequenos Projetos, 1999, p. 03).

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    por ativistas luteranos, a Associao de Apoio Crian-a e ao Adolescente AMENCAR (www.amencar.org.br), entidade de mbito nacional, voltada assessoria a organizaes sociais de defesa de direitos de crian-as e adolescentes, a qual desenvolveu uma rica tra-jetria de apoio implementao do ECA Estatuto da Criana e do Adolescente, nos anos 1990 e 2000. A AMENCAR manteve, at 2005, o apoio financeiro e acompanhamento tcnico regular a uma rede de 98 instituies conveniadas, distribudas em 80 munic-pios de 14 estados do pas, beneficiando mais de 30 mil crianas e adolescentes6.

    O ressurgimento dos movimentos populares nos anos 1980 levou a ONG nacional FASE (Federao de rgos para Assistncia Social e Educacional, de 1961) a assumir a tarefa de intermediao entre essas novas demandas e as agncias de cooperao internacional. Em 1985 criado o Servio de Anlise e Assessoria a Projetos SAAP (www.fase.org.br/saap/), o qual passa a gerenciar um Fundo de Apoio a Pequenos Projetos. Estima-se que mais de 10 mil projetos j tenham sido apoiados pelo SAAP nestes quase trinta anos (Silveira, 2013, pp. 28-30).

    Nesse mesmo contexto, foi institudo o Fundo de Miniprojetos da Regio Sul (FMP), em 1992, inicial-mente no Rio Grande do Sul, com sede em Porto Ale-gre/RS, e depois para toda a regio Sul. Ele contava exclusivamente com recursos de quatro agncias ecu-mnicas europeias (Solidariedad, Christian Aid, Po para o Mundo, ICCO), aprovando projetos a partir de um comit formado por pessoas indicadas por Ongs da regio Sul). O FMP costumava apoiar 80 projetos/ano de um total de 100 a 120 projetos recebidos por estado (PR, SC e RS), aplicando aproximadamente

    6 Cfe. Site da AMENCAR: . Acesso em 03/07/2014.

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    R$ 300 mil/ano7. O Fundo de Miniprojetos foi encer-rado em 2003, em funo da mudana de prioridades das agncias.

    Em 1995, foi criado o IMS Instituto Marista de Solidariedade (www.marista.edu.br), uma entidade de assistncia social da Provncia Marista Brasil Cen-tro Norte PMBCN, sediada atualmente em Braslia. O IMS manteve desde sua fundao um Fundo de Pequenos Projetos com foco principal em crianas e adolescentes, o qual contava com recursos da UBEE (Unio Brasileira de Educao e Ensino), que a man-tenedora da Congregao Marista no Brasil. O Fundo foi extinto no final dos anos 2000.

    Boa parte desses fundos criados at os anos 1990 vieram a formar a Articulao de Fundos de Peque-nos Projetos (AFPPs) ativa entre 1995 e 2006. Os sete participantes mais permanentes nos encontros eram: CERIS, CESE, FUNDO SUL, IECLB (SPD e depois FLD), IMS, SAAP/FASE e AMENCAR, dos quais quatro j no existem mais (Fundo Sul, o Fundo do CERIS, o Fundo do IMS e o apoio da AMENCAR a projetos). A Cri-tas Brasileira tambm participou de alguns encontros, bem como a Fundao Samuel. A AFPPs manteve en-contros regulares desde 1995, inclusive articulando um encontro com sete agncias e organizaes inter-nacionais para debater sobre a relevncia dos fundos de pequenos projetos, no Rio de Janeiro, em maro de 19998. Nesses encontros, o debate em geral esta-va voltado a temas relativos identidade dos fundos (como dar um sentido estratgico aos fundos?), difi-culdade do acompanhamento a pequenos projetos, ao risco de dependncia dos grupos apoiados, relao de sustentabilidade com as agncias de cooperao e

    7 Relatrio do VI Encontro da Articulao de Fundos de Pequenos Projetos, Florianpolis, maio 2001, p. 10.

    8 Relatrio do I Encontro de Agncias de Cooperao e Fundos de Pequenos Projetos. Rio de Janeiro, maro de 1999.

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    colaborao operacional entre dois ou mais fundos. Naquela poca, j se comeava a refletir sobre indi-cadores que pudessem expressar a contribuio dos fundos, bem como o desafio da mobilizao de recur-sos no Brasil.

    Essa articulao de fundos deixou de existir, mas, em 2008, surgiu um processo de articulao continen-tal, liderado pelas agncias ecumnicas alems EED e PPM, hoje fundidas na PPM - Organizao Protes-tante para a Diaconia e o Desenvolvimento a Articu-lao de Fundos de Pequenos Projetos da Amrica do Sul. Essa articulao envolve cerca de doze fundos (a maior parte com caractersticas ecumnicas) com-prometidos com a defesa de direitos em sete pases. Do Brasil participam regularmente a CESE, a FLD e o SAAP-FASE; o Fundo Brasil de Direitos Humanos par-ticipou do encontro de 2013. A articulao j realizou seis encontros, sendo o stimo em setembro de 2014 em Porto Alegre, organizado pela FLD9.

    Os fundos sociais independentes

    Nos anos 2000, d-se uma nova onda de fundos de apoio a pequenos projetos, no mais como os fun-dos delegados das dcadas anteriores, mas sim como fundos sociais independentes, com gesto autnoma em relao a seus doadores internacionais e com uma atuao estratgica mais definida no contexto nacio-nal.

    Esses novos fundos independentes foram, via de regra, institudos por doaes significativas de organi-zaes internacionais, especialmente norteamericanas (Fundao W. K. Kellogg, Fundao Ford, Interame-rican Foundation), em um contexto de mudanas e

    9 Relatrio do VI Encuentro de Fondos y Programas de Pequeos Proyectos de Amrica del Sur, La Paz - Bolivia, Septiembre 2013.

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    mesmo de reduo da cooperao internacional com o Brasil. Tal cenrio estimulou algumas organizaes e agncias a apoiarem a constituio de investidores sociais brasileiros. Em tal contexto foram desencade-ados processos de dilogo e articulao estratgicos entre organizaes internacionais e seus parceiros no Brasil, que tem levado constituio de vrios fundos independentes.

    A semelhana dos fundos delegados, estes fundos tm fortes vnculos com o movimento social mas, di-ferentemente daqueles, tem recortes temticos defini-dos e uma viso estratgica mais claramente orientada pelo fortalecimento do protagonismo social na defesa e promoo de direitos. Sobretudo, estes novos fundos tem uma perspectiva estratgica de longo prazo como novas institucionalidades capazes de impulsionar a sustentabilidade do tecido social vinculado defesa de direitos no Brasil.

    No ano 2000, foram criados o Elas Fundo de Inves-timento Social (originalmente Fundo Angela Borba de Recursos para Mulheres), no Rio de Janeiro, e a Bra-zilFoundation, em Nova York.

    O Fundo Elas (www.fundosocialelas.org) nasceu a partir do movimento feminista, visando assegurar recur-sos para a defesa de direitos das mulheres e seu pro-tagonismo na sociedadfe. O primeiro ciclo de doaes deu-se em 2001, desde quando j apoiou mais de 250 grupos e organizaes de mulheres jovens, adultas e meninas, em projetos com valores mdios entre R$ 5 e 50 mil. Desde 2009, o Fundo ELAS apoia tambm organizaes mais estruturadas, com contribuio im-portante nas reas de advocacy e polticas pblicas.

    A BrazilFoundation (www.brazilfoundation.org/por-tugues/) uma organizao pioneira em promover o

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    conceito de dispora10 na promoo do apoio ao de-senvolvimento social no Brasil. A organizao come-ou a operar com doaes em 2001, contando com poucos recursos doados por um grupo de brasileiros residentes nos Estados Unidos. A BrazilFoundation apoia projetos que representem solues inovadoras e promovam o desenvolvimento das comunidades, nas reas de Direitos Humanos e Participao Cidad, Desenvolvimento Socioeconmico de Comunidades, Negcios Sociais, Sade e Educao e Cultura. Com a definio de Fundos Temticos, a BrazilFoundation alcanou enorme capilaridade, chegando a 26 estados brasileiros. So mais de 400 projetos apoiados. Den-tre os principais parceiros figuram TAM, InterAmerican Foundation (IAF), Instituto HSBC e Fundacin Avina.

    Em 2003 surge o Fundo DEMA (www.fundodema.org.br)11, com uma origem peculiar ele resultado da luta de organizaes e movimentos sociais da Ama-znia Brasileira, que se materializou por meio de uma parceria desses atores sociais com o Ministrio Pblico Federal e o Governo Brasileiro. Naquele ano, cerca de seis mil toras de mogno, madeira nobre da Amaznia, extradas ilegalmente, foram apreendidas pelo IBAMA. Grande parte da madeira havia sido retirada dos mu-nicpios de Altamira e So Flix do Xingu. Por meio da presso social e mediao do MPF, o IBAMA doou a madeira sociedade civil como uma forma de reco-nhecer e fortalecer as comunidades das quais o pro-duto havia sido extrado ilegalmente. Com a venda da madeira, criou-se um fundo patrimonial (endowment) no valor de R$ 9 milhes, investido no Brasil e geren-ciado pelo Banco da Amaznia (BASA), cujos rendi-

    10 Por dispora, a BrazilFoundation entende um mecanismo novo e contn-uo de transferncia de capital financeiro que se torna capital social ao unir brasileiros que vivem nos EUA e outros pases a brasileiros determinados em combater todos os tipos de desigualdade e problemas sociais no Brasil.

    11 O nome do Fundo em homenagem a Ademir Alfeu Federicci, chamado carinhosamente de Dema, liderana dos movimentos sociais da regio do Oeste do Par, assassinado em 2001.

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    mentos so aplicados em projetos sociais. A Fundao Ford doou US$ 1 milho ao fundo patrimonial. A ONG Fase a responsvel jurdica e administrativa do Fun-do Dema, coordenado por um Comit Gestor formado por um coletivo de organizaes sociais. Foram apoia-dos cerca de 220 pequenos projetos no valor de R$ 2,6 milhes entre 2004 e 2010.

    Entre 2005 e 2006 surgem dois novos fundos inde-pendentes: respectivamente, o Fundo Brasil de Direi-tos Humanos e o Fundo Socioambiental CASA, ambos sediados no estado de So Paulo.

    O Fundo Brasil de Direitos Humanos (www.fundo-direitoshumanos.org.br) uma fundao brasileira de direito privado, dedicada ao apoio de atividades de pes-soas e de pequenas organizaes no governamentais voltadas promoo e defesa dos direitos humanos no Brasil. As doaes se do por duas vias: via editais de projetos e por meio de um fundo de pequenos projetos para casos de emergncia e para capacitao tcnica. O Fundo Brasil pretende contribuir para a criao de mecanismos sustentveis de doao de recursos no pas. Entre 2007 e 2014, o Fundo Brasil apoiou 241 projetos de 6.630 recebidos, aplicando um total de R$ 7,6 milhes.

    J o Fundo Socioambiental CASA (www.casa.org.br), nascido Centro de Apoio Socioambiental CASA em 2005, baseou-se na experincia do Global Greengrants Fund (www.greengrants.org) para desenvolver um fun-do que mobiliza e canaliza apoio tcnico e financeiro para iniciativas sociais e ambientais de pequenas ONGs da Amrica do Sul. Um dos diferenciais do CASA che-gar onde muito difcil para os demais financiadores chegarem, graas sua ampla rede de articulao e relao. Seus recursos provem de doadores individuais brasileiros e de vrios apoiadores internacionais (Glo-bal Greengrants Fund, C. S. Mott Foundation, IUCN--NL, Both ENDS, CORDAID, DOEN, Blue Moon Fund,

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    Interamerican Foundation, Solidariedad). Desde 2005, o Fundo j apoiou mais de 700 projetos em dez pases da regio. O CASA membro fundador da Greengrants Alliance of Funds.

    As fundaes comunitrias

    No incio dos anos 2000, um novo tipo de institui-o de investimento social surgiu no Brasil as funda-es comunitrias, cujo principal diferencial ter um foco geogrfico de atuao. So instituies inspiradas em um conceito nascido nos Estados Unidos em 1914, expresso da abordagem denominada internacional-mente community philanthropy, ou filantropia comuni-tria. Seu propsito geral mobilizar recursos locais e externos para fortalecer atores e processos nas co-munidades em que operam, oferecendo capacitao, articulao, formao de lideranas locais e gerando maior confiana entre os atores locais.

    A primeira fundao comunitria no Brasil foi o Ins-tituto Rio, que surgiu no ano 2000, no Rio de Janei-ro. Em seguida, em 2005, foi fundado em Florian-polis/SC, o Instituto Comunitrio Grande Florianpolis (ICom) e, em 2008, no Maranho, o Instituto Baixada Maranhense. So estas, por ora, as trs fundaes co-munitrias brasileiras.

    O Instituto Rio (www.institutorio.org.br) tem por ob-jetivo apoiar e fortalecer iniciativas que promovem o desenvolvimento social da Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. O Instituto hoje uma OSCIP e apoia pequenos projetos (entre R$ 10 e 15 mil) com recur-sos do Fundo Vera Pacheco Jordo, constitudo por doaes de pessoas fsicas. Entre 2003 e 2014, o Ins-tituto apoiou um total de 222 projetos de 80 organiza-es, em um montante de R$ 1,7 milhes. Em 2004, o Instituto Rio criou a Universidade Comunitria da Zona

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    Oeste, com a finalidade de promover a construo de um espao aberto e democrtico de acesso e produo de conhecimentos orientados para dinamizar o proces-so de desenvolvimento comunitrio.

    O ICom - Instituto Comunitrio Grande Florian-polis (www.icomfloripa.org.br) promove o desenvolvi-mento comunitrio por meio da mobilizao, articula-o e apoio a investidores e organizaes sociais. Em seus quase nove anos de trajetria, o ICom estabeleceu uma rede de relacionamentos com cerca de 200 orga-nizaes sociais na Grande Florianpolis, para as quais j fez doaes na ordem de R$ 2 milhes. O ICom teve um papel destacado na cocriao com OSCs locais de iniciativas estratgicas, como o www.portaltransparen-cia.org.br, uma plataforma de promoo da transpa-rncia e do desenvolvimento institucional de OSCs, e o Centro de Apoio a Inovao Social (CAIS), um espao de uso compartilhado onde OSCs, empreendedores sociais e investidores sociais encontram servios, as-sessoria e oportunidades de colaborao.

    O Instituto Baixada Maranhense (www.institutobai-xada.org) foi criado em 2008 por lideranas da regio conhecida como Baixada Maranhense, no Nordeste Brasileiro. A origem desta Fundao Comunitria foi o CIP Jovem Cidado - Conjunto Integrado de Projetos implantados nesse territrio maranhense a partir de 2003. O fundo de apoio inicial para sua criao foi apor-tado pela Fundao Kellogg no valor de R$ 280.000,00. Dentre seus objetivos consta o apoio a projetos sociais e produtivos a partir de fundos especficos voltados ao fortalecimento das organizaes locais e ao desenvol-vimento regional. O Instituto j apoiou pequenos pro-jetos, em um valor total de R$ 375.155,30. O Instituto criou uma rede de embaixadores voluntrios para co-laborar no seu trabalho e uma rede de embaixadores doadores, da Baixada ou de fora dela.

    Por fim, em 2011, surge o Fundo Baob para a

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    Equidade Racial (www.baoba.org.br), com o objetivo de mobilizar pessoas e recursos, no Brasil e no exte-rior, para apoiar projetos pr-equidade racial de orga-nizaes da sociedade civil (OSCs) afro-brasileiras. O Fundo Baob surge a partir de uma iniciativa da Fun-dao Kellogg, em 2008, como parte de sua estratgia de sada do Brasil. A Kellogg convidou um grupo de in-telectuais e ativistas afro-brasileiros para discutir alter-nativas de longo prazo para a sustentabilidade poltico--financeira de OSCs afro-brasileiras e seu trabalho pr--equidade racial. O Fundo Baob faz doaes por meio de seu endowment. Campanhas de mobilizao de re-cursos devem gerar doaes que sero casadas com o legado deixado pela Fundao Kellogg na proporo de 1:1 para cada Real doado para o Fundo Baob, um Real dever ser doado pela Fundao Kellogg, at o limite de US$ 25 milhes.

    Como expresso dessa nova onda de criao de fundos independentes como componentes estratgi-cos de uma nova arquitetura institucional de apoio s OSCs no Brasil surge, em 2012, a Rede de Fundos Independentes para a Justia Social. composta por nove integrantes, dentre instituies, fundaes comu-nitrias e fundos: CESE, Fundo Baob para a Equidade Racial; Fundo Social Elas, Fundo Brasil de Direitos Hu-manos, Fundo Socioambiental Casa, BrazilFoundation, Instituto Rio, ICom - Instituto Grande Florianpolis e Instituto Baixada Maranhense (Lessa, Candace (Cin-dy); Hopstein, Graciela, 2013).

    A Rede o resultado do processo de dilogo e arti-culao entre alguns fundos independentes no mbito das reunies da Articulao D3 Dilogo, Direitos e Democracia entre 2010 e 2011, quando a oportuni-dade e a necessidade de se ter investidores sociais de natureza independente na arquitetura institucional de apoio brasileira ficaram evidentes. A Rede de Fundos Independentes surge para promover e diversificar a

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    cultura filantrpica no Brasil, estimulando a doao in-dividual e de famlias e o investimento social estratgi-co, incrementando os recursos para direitos humanos, equidade racial e de gnero, direitos socioambientais e desenvolvimento local sustentvel.

    O mais novo fundo independente o Fundo Posi-thiVo: Fundo Nacional de Sustentabilidade s OSCs que trabalham no campo das DST/AIDS e Hepati-tes Virais12. Como os demais fundos independentes, o Fundo PosithiVo surge para tentar suprir a precarie-dade da sustentabilidade das respostas a diferentes te-mticas sociais no Brasil. Entende-se que a vantagem de ser um fundo a possibilidade de movimentao de recursos financeiros provenientes de fontes diferen-tes, que podem ser utilizados de forma mais flexvel, de acordo com os parmetros estabelecidos por seu Conselho de Administrao.

    O Fundo PosithiVo segue nessa linha e pretende atuar no fortalecimento da resposta ao HIV/AIDS e Hepatites Virais, no momento fragilizada. Surge como uma possibilidade para enfrentar o problema de sus-tentabilidade financeira para as OSCs que atuam nes-se campo. Est sendo fomentado pelo Departamento Nacional de DST/AIDS e Hepatites Virais, do Ministrio da Sade, que reconhece a necessidade de garantir a sustentabilidade da resposta social frente epidemia e os agravos em sade dela decorrentes13.

    12 Agradeo s informaes de Cristina Cmara sobre o processo de criao do Fundo PosithiVo.

    13 Apesar de fomentado por um organismo externo, como os demais fundos com a peculiaridade do fomento governamental , o Fundo surge como independente e quando consolidado atuar de forma aut-noma. Atualmente, h uma equipe composta por trs consultores (um captador de recursos, uma sociloga e uma advogada, com experin-cias diversas no campo de HIV/Aids e Hepatites Virais) contratados pelo DN para a estruturao do Fundo. Est em discusso seu formato, a criao da personalidade jurdica, a definio do Conselho de Adminis-trao, etc. e s depois deste processo bem definido que se comear a captao de recursos propriamente dita, provavelmente no final de 2014 para incio de 2015. Independente disso, j h uma mobilizao no sentido de criar parcerias e alianas e comear a dar visibilidade ao Fundo PosithiVo.

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    O investimento social privado na histria dos fundos independentes

    Os primeiros fundos delegados e fundos indepen-dentes criados no Brasil entre as dcadas de 1960 e 1990 contaram basicamente com o apoio de igrejas e instituies ecumnicas nacionais e internacionais.

    Pelo menos dois fundos tm ou tiveram importante apoio governamental - o Fundo DEMA e o Fundo Po-sithiVo.

    J vrios dos fundos independentes criados a partir dos anos 2000 tiveram sua constituio viabilizada por instituies de investimento social privado internacio-nal, especialmente as Fundaes americanas Kellogg e Ford, a partir de suas sedes no Brasil. Estas, jun-tamente com alguns institutos e fundaes privados brasileiros, seguem fornecendo apoio estratgico a boa parte dos atuais fundos independentes.

    O grande desafio para os fundos independentes a ampliao da mobilizao de recursos nacionais, no que, a busca por estabelecer maior relacionamento e parcerias com o investimento social privado nacional tem sentido estratgico.

    Desde 2010, o GIFE tem aberto espaos de dilogo e favorecido iniciativas de articulao desses fundos no campo do investimento social privado.

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    Referncias

    ABONG; ARTICULAO D3. Fundos Independentes e Cooperao Internacional para o Desenvolvimento (debate). So Paulo: 19 e 20 de julho de 2011.

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    O limiar de um novo ciclo de mudanas

    O Brasil parece estar vivendo no limiar de uma mudana de ciclo. Pode-se dizer que o pas vive um momento desafiador em muitos sentidos. Os padres de desenvolvimento social e de democratizao gera-dos a partir dos pactos estabelecidos na Constituio de 1988 foram fundamentais para os avanos socio-econmicos e polticos alcanados at recentemente. Este ciclo virtuoso que reduziu os nveis de pobreza, ampliou e legitimou a participao social e promoveu avanos nas polticas pblicas e no investimento social e, especialmente, na defesa e na promoo de direitos universais nos ltimos vinte e cinco anos, trouxe mui-tos ganhos ao pas e colocou-o em um novo patamar de desenvolvimento, mas tambm de desafios.

    Algumas foras vitais deste ciclo de desenvolvimen-to social do sinais de crescente esgotamento, como, por exemplo: a enorme dificuldade para fazer avanar a qualidade dos servios pblicos (especialmente sa-de, educao e segurana pblica), a desqualificao da poltica partidria, a baixssima viabilidade de uma real reforma poltica, a institucionalizao da corrup-o, os impasses socioambientais do modelo desen-volvimentista, a limitada efetividade dos conselhos de direitos, a fragilidade das organizaes da sociedade civil (OSCs) de defesa de direitos e a criminalizao dos movimentos sociais.

    A institucionalidade ps-Constituio de 1988 que nos trouxe at aqui d mostras claras de que precisa ser revista e atualizada. Das manifestaes descontro-ladas de violncia na sociedade ao recrudescimento das polarizaes ideolgicas, virtual desistncia de muitos movimentos sociais e OSCs de lutarem por dentro dos canais institucionais existentes, aos protes-tos de junho de 2013, podem ser observadas muitas sinalizaes de que um ciclo histrico est se esgo-

    O lugar e o papel do Investimento Social Independente (ISI) na arquitetura institucional de apoio s OSCs no Brasil

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    tando. Como resultante, provocou-se um clima geral de ceticismo quanto s reais possibilidades de o pas avanar a um novo patamar em termos democrtico--republicanos.

    necessrio desafiar o pas a superar os elementos que o prendem ao passado e que j no se mostram suficientes para a construo de um futuro melhor e precisam ser revitalizados.

    O pas precisa repensar e redirecionar suas opes de futuro. necessrio agora investir no dilogo e de-bate no espao pblico, na reviso e incorporao de novas perspectivas, novas prticas e novos arranjos institucionais vocacionados ao interesse pblico, ao bem comum. Os vrios setores sociais e as instituies, e no somente o governo, precisam enfrentar os desa-fios de melhor compreender os anseios e demandas da sociedade e de atualizar seu papel e sua contribuio no processo de construo de um novo futuro.

    Um desafio particularmente importante, especial-mente depois das chamadas jornadas de junho (2013) fazer com que a institucionalidade democrti-ca esteja altura da complexidade e das exigncias da sociedade brasileira. Trata-se de aproveitar a energia crtica e inovadora da advinda para atualizar o patamar tico e republicano das instituies.

    Para que a democracia ganhe em qualidade e efeti-vidade, o desenvolvimento social seja mais sustentvel e inclusivo, e as instituies e corporaes sejam mais socialmente responsveis, faz-se necessrio que as ins-tituies, todas elas governo, Legislativo, Judicirio, escolas e universidades, mdia, organizaes da socie-dade civil, empresas, etc. mostrem-se capazes de se conectar aos novos movimentos e novas energias de mudana na sociedade, para poderem proceder atu-alizao articulada de suas formas de ser e de operar.

    Essa tarefa revela-se urgente.

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    A sustentabilidade das OSCs

    As organizaes da sociedade civil tm tido uma contribuio muito importante em relao luta contra a pobreza e as desigualdades, ao aprofundamento da democracia e promoo de um modelo de desenvol-vimento sustentvel, desde longa data. No obstante, a equao que dava base sua sustentabilidade po-ltica e financeira tambm vem se esgotando: o apoio internacional, pea chave para sustentar o campo das organizaes de defesa de direitos, mudou de priorida-des e mesmo reduziu-se; o acesso a recursos pblicos se ampliou, mas de forma burocratizada, com srios riscos de politizao e criminalizao e com uma viso de OSCs como provedoras de servios; a valorao po-sitiva da opinio pblica sobre as OSCs foi desafiada pela polarizao poltica e por casos de corrupo. Em um contexto como esse, ainda so grandes as dificul-dades da maior parte das organizaes para mobilizar recursos de indivduos no pas, fragilizando as causas em que atuam.

    Se antes a sustentabilidade das OSCs de defesa de direitos era dada pela alimentao de um nmero relativamente pequeno de relacionamentos e parcerias, especialmente internacionais, ela hoje exige esforos continuados no sentido de criar uma cultura e capa-cidades internas de mobilizao de recursos de diver-sas naturezas e origens, de manter uma comunicao institucional que as posicione adequadamente no es-pao pblico, bem como de desenvolver uma compe-tncia gerencial altura da diversidade de formas de gerar receita.

    Essas novas condies tm levado muitas das OSCs a situaes crticas do ponto de vista financeiro e ao risco de reduo de seu porte e capacidade operacio-nal, ameaando at mesmo a relevncia desse campo de organizaes. Algumas organizaes e fundos inde-

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    pendentes, por exemplo, deixaram de existir nos lti-mos 15 anos14. Com isso, ameaado um pilar funda-mental de construo de um futuro melhor para o pas a atuao autnoma das OSCs. Essas organizaes so chave para mobilizar e manter a vitalidade do teci-do social orientado pela defesa e promoo de direitos, e para a sustentabilidade da prpria democracia. So vetores fundamentais para a inovao nas estratgias para lidar com problemas socioambientais, e para a construo da legitimidade das entidades que atuam em nome do interesse pblico.

    A sustentabilidade do setor de defesa de direitos como um todo exige a constituio e ampliao de uma cultura de doao voltada ao compromisso com causas sociais e no apenas com solicitaes pontuais, quase sempre assistenciais e caritativas. Requer a existncia de toda uma infraestrutura nacional de apoio e fomen-to s OSCs15.

    A populao precisa conhecer e valorizar mais as organizaes da sociedade civil e estas precisam se comunicar mais e melhor com a sociedade, estar mais abertas aproximao das pessoas e permeveis participao externa, bem como mais transparentes. Investidores sociais tm a oportunidade e, provavel-mente, a capacidade de potencializar a contribuio dessas organizaes, dedicadas a reconhecidas agen-das de interesse pblico. Para serem tomadas a s-rio pela sociedade em geral, e mais especificamente

    14 No caso dos fundos, tem-se a Fundao Samuel (at 1998), o Fundo Sul (operante at 2003), o Fundo de Miniprojetos do CERIS (at 2005/6), o Fundo de Apoio da AMENCAR (at incio dos anos 2000) e o Fundo de Projetos do IMS (at o final dos anos 2000). Ver artigo sobre origem e trajetria dos fundos nesta publicao (Parte I).

    15 A Lei 7.168/2014, que trata do chamado marco regulatrio das OSCs, aprovada recentemente pela Cmara Federal e sancionada pela Presidente da Republica, estabelece novas normas para parcerias voluntrias da Unio, dos estados, do Distrito Federal e dos municpios com Organizaes da Sociedade Civil (OSCs), mas no acolheu iniciativas de apoio e fomento pblico a fundos independentes.

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    pelos investidores sociais privados, as OSCs e os in-vestidores sociais independentes precisam encontrar e desenvolver alternativas para demonstrar que sua atuao na defesa de direitos qualifica a democracia e que isso resulta em bens pblicos relevantes para o futuro do pas.

    A sustentabilidade das OSCs e dos investidores so-ciais independentes depende de forma intensa de sua capacidade de conferir materialidade, visibilidade e sentido questo dos direitos como elemento organi-zador da convivncia social democrtica.

    A arquitetura institucional dos direitos e os investidores sociais independentes

    A sustentabilidade das OSCs est vinculada de for-ma significativa prpria sustentabilidade da perspec-tiva dos direitos na sociedade brasileira. nesta cone-xo que o debate sobre uma nova arquitetura institu-cional de apoio s OSCs ganha sentido estratgico.

    O Brasil vive um momento no qual a sociedade pas-sou a exigir novo patamar de qualidade nas polticas pblicas, novas formas de escuta e participao, e mais compromisso com justia social e o desenvolvi-mento sustentvel.

    O pas precisa avanar; precisa escutar mais e me-lhor para revisar e atualizar a infraestrutura institucio-nal responsvel por proteger e efetivar direitos. nesta sinergia entre mobilizao social e aperfeioamento da democracia que o fortalecimento autnomo das OSCs e dos investidores sociais independentes ganham sentido.

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    Relevncia

    Uma sociedade democrtica requer instituies in-dependentes para a vivncia e o fomento da prpria democracia. Ao apoiar a movimentao social autno-ma, a experimentao de alternativas, a formao de novas lideranas sociais, a cocriao de inovaes e a voz daqueles menos ouvidos pelo sistema poltico, o investimento social independente contribui de forma importante para o aperfeioamento democrtico.

    Uma das grandes virtudes dos investidores sociais independentes justamente a sua independncia, ido-neidade e capilaridade. Eles podem e devem receber recursos tanto de organizaes internacionais, como governamentais e privadas, mas isso no limita sua ca-pacidade de utilizar tais recursos de forma autnoma em prol do interesse pblico.

    Dados sua capacidade de relacionamento, seu co-nhecimento e suas relaes de confiana com os diver-sos interlocutores em determinada temtica e/ou terri-trio, e seus processos de governana, os investidores sociais independentes tm maiores possibilidades de estar alinhados ao interesse pblico.

    Uma das dimenses desse processo a capacida-de dos fundos independentes e fundaes comunit-rias de funcionar como um radar que mapeia constan-temente elementos relevantes em um dado contexto, catalisando interaes e processos de transformao. Eles se constituem em uma rica fonte de anlise sobre contextos sociais, seus atores e desafios estratgicos.

    A capacidade de gerar relaes de confiana entre interlocutores relevantes em determinada problemti-ca social outro ativo estratgico dessas instituies.

    O papel dos investidores sociais independentes em relao democratizao do acesso a recursos para projetos sociais tambm muito importante. Sua capi-laridade e flexibilidade favorecem o acesso de peque-

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    nas organizaes, em muitos casos, at mesmo de in-divduos e grupos informais que, do contrrio, estariam excludos do alcance de recursos e da oportunidade de crescer.

    Os fundos independentes tm oferecido uma im-portante contribuio para reduzir as agruras da sus-tentabilidade das organizaes pequenas e mdias. Trabalham com uma ampla e diversificada cobertura temtica, abrigando assuntos no privilegiados por ou-tros investidores. Eles muitas vezes apoiam temas con-trovertidos em relao aos quais a sociedade precisa refletir e formar opinio. Eles, com isso, contribuem para colocar tais temas na agenda pblica, justamente na tica dos interessados mais frgeis, fortalecendo e qualificando o debate no espao pblico.

    Essa diversidade temtica dos fundos independen-tes ganha ainda maior relevncia em relao ao inves-timento social privado, especialmente o corporativo, na medida em que as empresas demonstram dificuldades em se associar a temas e causas sociais mais contro-vertidas (equidade racial, igualdade de gnero e direitos reprodutivos, questo da terra, direitos indgenas, etc.). Muitos investidores sociais independentes tm a viso e a capacidade de apoiar o fortalecimento de organiza-es e no apenas doar recursos para projetos. O foco exclusivo em projetos especficos, por vezes agravado pela preocupao excessiva com resultados tangveis e sem adequada cobertura de custos institucionais, um dos elementos a limitar a sustentabilidade das OSCs. O apoio a projetos bem delimitados desenvolvidos por uma organizao social pode ter sido um avano h dcadas atrs em termos de gerenciamento de inter-venes sociais. Mas hoje isso parece ter se tornado obsoleto como elemento da cultura de doao, diante da complexidade dos problemas sociais e da necessi-dade de colocar foco nas organizaes como agentes de mudana.

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    Uma caracterstica especialmente importante dos investidores sociais independentes como setor que eles so mobilizadores de recursos. Com isso, ao bus-carem constituir uma rede de apoiadores e parceiros alinhados com a perspectiva dos direitos, eles do sig-nificativa contribuio transformao da cultura de doao no Brasil. Tambm notvel a associao es-tratgica que os investidores independentes fazem en-tre o apoio a projetos e o fortalecimento e capacitao das organizaes como sujeitos sociais autnomos.

    Ao nvel estratgico da formao de uma nova ar-quitetura institucional de apoio s OSCs, os investido-res sociais independentes representam um novo tipo de grantmaking, no alinhado a interesses governa-mentais ou corporativos. Eles podem ter um papel po-ltico importante na anlise do sistema de doao local e internacional e pensar estrategicamente sobre isso. Tm o potencial de ir adensando aos poucos sua arti-culao e reflexo para forjar uma cultura de doao e um tipo de institucionalidade brasileiras.

    Para pensar o futuro da arquitetura institucional de apoio s OSCs imprescindvel que os investidores so-ciais independentes sejam proativos em enxergarem--se como parte de um novo desenho, contribuindo para enunciar seu traado.

    Os investidores sociais independentes representam novas formas de apoiar o ativismo cidado no Brasil e precisam ser viabilizados financeira e politicamente. O setor pblico e o setor corporativo podem equacio-nar melhor suas responsabilidades nesse sentido. importante legitimar o papel dessas instituies e fun-dos como atores com perspectivas diferenciadas nessa nova arquitetura institucional.

    O protagonismo autnomo da sociedade civil, de indivduos e organizaes, orientado pelo interesse p-blico e pela perspectiva dos direitos, uma fora fun-damental de qualificao das relaes na sociedade e

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    de fortalecimento constante da democracia. Entretan-to, um dos elos frgeis na presente situao, que ajuda a compreender o paradoxo entre a economia (6 PIB mundial) e a sociedade (79 no IDH), a baixa capaci-dade das instituies existentes de fazerem a socieda-de avanar. A sociedade civil organizada no consegue se fazer representar e exercer influncia e controle so-cial efetivos junto a essa institucionalidade. Tampouco tem conseguido ajudar a construir alternativas ao atual estado de coisas.

    Por isso, to importante constituir um setor so-cial voltado ao fortalecimento das capacidades rege-neradoras da sociedade; um conjunto de instituies, sistemas e processos que, em seu conjunto, podem configurar um complexo e diverso ecossistema insti-tucional de fomento s organizaes e iniciativas que promovem e defendem direitos na sociedade.

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    expresses do investimento social independente no Brasil

    parte 2

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    Esta seo apresenta artigos produzidos especial-mente para esta publicao por nove fundos indepen-dentes, fundaes comunitrias e instituies gestoras de fundos para projetos, todas elas aqui consideradas como expresses do investimento social independente.

    Embora estes nove casos estejam longe de cobrir o campo do investimento social independente no Brasil, eles ilustram sobejamente a diversidade e a riqueza de formas de operar dessas instituies.

    Dentre estes casos, tem-se tanto uma instituio que gerencia fundos para pequenos projetos ligada a igrejas oriunda da dcada de 1970 a CESE -, uma instituio de apoio a projetos criada fora do Brasil a BrazilFoundation -, fundos temticos independentes criados nos ltimos dez a quinze anos como o Fundo ELAS, o Fundo Brasil de DH e a Fundo Socioambiental CASA -, quanto fundaes comunitrias Instituto Rio e ICom , e instituies que representam novas formas de atuao como a Fundao Tide Setbal e o Instituto Arredondar.

    A leitura deste conjunto de casos ilustrativos possi-bilita uma viso tanto panormica sobre o campo do in-vestimento social independente quanto reflexiva sobre as virtudes e potencialidades desses atores, bem como de seus desafios estratgicos.

    Acima de tudo, sobressai da leitura uma ntida per-cepo do valor social deste tipo de investidor social como componente da arquitetura institucional de apoio s OSCs.

    Boa leitura!

    Domingos Armani

    Introduo

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    CESE: Quatro dcadas apoiando movimentos por direitos

    Antonio Dimas Galvo 16

    Viviane Hermida 17

    Jos Carlos Zanetti 18

    Antonio Dimas Galvo16

    Viviane Hermida17

    Jos Carlos Zanetti18

    Um pouco de historia

    A CESE uma entidade ecumnica, fundada em 1973, em plena ditadura militar. Sua misso fortale-cer organizaes da sociedade civil, especialmente as populares, empenhadas nas lutas por transformaes polticas, econmicas e sociais que conduzam a estru-turas em que prevalea democracia com justia. Para cumprimento de sua misso, tem como principal linha de ao a intermediao de recursos financeiros para apoio a projetos do movimento popular.

    A CESE tem como princpio fundamental de sua ao a igualdade de direitos e estabeleceu quatro po-lticas referenciais para nortear seu trabalho: Direito a Terra, gua e Territrio, Direito Cidade, Direito a Tra-balho e Renda e Direito Identidade na Diversidade.

    Em sua trajetria de 41 anos j apoiou mais de 10.000 projetos em todo o Brasil, beneficiando cerca de 10 mi-lhes de pessoas. Nos ltimos cinco anos foram pouco mais de 15 milhes de reais transferidos para projetos populares atravs dos vrios programas existentes na instituio, especialmente do Programa de Pequenos Projetos, que funciona desde a sua fundao.

    A CESE abraa os seguintes princpios ticos:

    Compromisso com justia e prticas democrti-cas;

    Compromisso com lisura e transparncia na gesto de recursos nas esferas governamentais e no governamentais;

    O compromisso com a participao popular na gesto pblica;

    16 Coordenador de Projetos e Formao da CESE.

    17 Assessora de Projetos da CESE.

    18 Assessor de Projetos da CESE.

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    Promoo de relaes sociais baseadas na equi-dade, sem discriminao de raa, etnia, gne-ro, orientao sexual, credo religioso e opinio poltica;

    Defesa do desenvolvimento economicamente vi-vel, socialmente justo, culturalmente diverso e ambientalmente sustentvel;

    Valorizao da diversidade religiosa e do dilogo intereclesial e inter-religioso.

    Foco prioritrio

    O Programa de Pequenos Projetos apoia iniciativas em todo o pas, com prioridade para as regies Nor-te, Nordeste e Centro-Oeste. Ele atende demandas da populao rural e urbana que vive diretamente as con-sequncias das desigualdades no Brasil, lutando de forma organizada pela afirmao de direitos individu-ais e coletivos. Esse pblico diversificado, incluindo camponeses/as, povos indgenas, quilombolas, extrati-vistas, trabalhadores/as da economia popular solidria, mulheres, populao negra, pessoas com deficincia, populao de rua, entre outras categorias. Em todas as categorias, a CESE d prioridade especial para mulhe-res, apoiando organizaes e aes especficas, bem como valorizando a dimenso de gnero e o protago-nismo feminino nas iniciativas de organizaes mistas. O apoio contempla principalmente iniciativas locais, oriundas de organizaes com poucas chances de acesso a outras fontes de financiamento, mas tambm inclui suporte a aes estratgicas de movimentos e articulaes regionais e nacionais, o que mantm a CESE sintonizada com as lutas da sociedade civil em momentos-chave da conjuntura brasileira.

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    Critrios de acesso

    Para acessar o Programa de Pequenos Projetos, as organizaes devem ser formalmente constitudas, porm grupos informais tambm podem ser benefi-ciados, desde que indiquem uma organizao formal-mente constituda como responsvel legal pela gesto dos recursos. Os projetos devem atender alguns crit-rios, entre os quais se destaca: promover a realizao de direitos econmicos, polticos, sociais e culturais; exercer funo educativa, incentivando as comuni-dades envolvidas a tomar conscincia da realidade social, tanto local como geral, e de como essa rea-lidade pode ser transformada; preparar a populao interessada para o exerccio do seu direito de partici-pao democrtica nos diversos nveis de deciso da sociedade, possibilitando-lhe intervir na formulao e fiscalizao das polticas pblicas; fortalecer a orga-nizao comunitria e afirmar sua autonomia; ter um potencial multiplicador.

    Fontes de recursos19

    Os programas de apoios a projetos so financia-dos atualmente por Brot fr die Welt/EED (Po para o Mundo - Alemanha), Terre des Hommes Schweiz, Wilde Ganzen (Gansos Selvagens/Holanda), Apletton Foundation(EUA), HEKS (Servio das Igrejas Protes-tantes da Sua), ICCO (Holanda), Instituto C&A (Bra-sil), Kerkinactie (Igreja em Ao - Holanda) e Misereor (Alemanha).

    19 Fontes apoiadoras de outros programas: Christian Aid, Fundao Kellogg, Petrobras.

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    Processo de seleo dos projetos

    As propostas so analisadas semanalmente pela equipe de assessoria da CESE, que possui perfil multi-disciplinar, buscando atender s demandas de manei-ra gil e planejada e em conformidade com os crit-rios estabelecidos pela instituio. Em cada programa, tambm so realizadas aes de formao para as or-ganizaes populares apoiadas, com encontros, inter-cmbios, publicaes e estmulo articulao.

    O Programa de Pequenos Projetos possui um sis-tema de PMA Planejamento, Monitoramento e Ava-liao de programa, que inclui: critrios de apoio de-finidos e publicizados; planejamento anual de metas (por natureza, regio, pblico e abrangncia); anlise de relatrios enviados pelos grupos, com registro de indicadores no sistema de gesto de projetos (GP - ver quadro abaixo); monitoramento mensal de alcance de metas; visitas de monitoramento por amostragem; en-contros de agentes de projetos; avaliaes de efetivida-de por amostragem; estudos de impacto do Programa; auditoria por amostragem.

    A CESE realiza avaliaes de efetividade do apoio a pequenos projetos. Com isso, verifica em que medi-da os pequenos projetos contribuem para mudanas sociais, polticas e econmicas, afirmando os direitos humanos. As avaliaes de efetividade do PPP esto baseadas nas quatro Polticas Referenciais j mencio-nadas. Cada avaliao concentra-se, geralmente, em um tema especfico dentro da poltica ou em um seg-mento populacional afetado. A CESE tambm realiza estudos de impacto, entendido como mudanas reais e duradouras nas vidas das comunidades.

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    Fluxograma do Programa de Pequenos Projetos

    Programa CESE pequenos projetos

    * por amostragem

    s

    envio de contrato

    relatrioaps 6 meses

    no recebido

    carta cobranainsatisfatrio

    recebido

    satisfatrio

    finalizao

    monitoramento mensal de metas

    visitas*avalizaes de efetividade*

    auditorias*

    estudo de impacto*

    encontros de agentes de projetos

    projetoaprovado

    restrio

    dados complementares

    ciclo de anlise e apoio a projetos

    ciclo de monitoramento e avaliao

    cadastro

    recebimento

    envio de recursos

    avalizao dos projetos

    projeto negado

    projetopendente

    anlise

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    Os fundos independentes20 na arquitetura do investimento social no Brasil

    A CESE surge em 1973, fruto de uma reflexo e articulao entre lideranas de igrejas comprometidas com a justia e a violao dos direitos humanos duran-te o regime militar. A base terica dessa opo era a Teologia da Libertao que inspirou setores significati-vos de algumas igrejas histricas do ramo protestante e da igreja catlica romana para sua ao em um mundo injusto e desigual. Nasce pioneira na criao de um fundo de apoio para grupos populares para a defe-sa de direitos e justia social em uma perspectiva de restabelecimento da democracia abortada pelo regime de exceo.

    Sendo a CESE uma expresso do movimento ecu-mnico, os recursos para a sua ao provinham da cooperao ecumnica internacional em quase sua totalidade, e uma parte apenas simblica provinha das igrejas nacionais associadas. Apesar de ser um fundo delegado por essas agncias, abrigado em uma orga-nizao de base eclesial, a autonomia e a independn-cia da CESE para a ao e definio de onde os re-cursos deveriam ser aplicados foi um pressuposto nas reflexes que levaram sua criao. Essa prerrogativa estava assegurada pelo processo que se deu para a fundao da instituio, por sua arquitetura quanto governana, mas, sobretudo pela credibilidade poltica dos personagens que se envolveram no processo e por serem conhecedores da realidade brasileira.

    20 Para este campo de organizaes sero utilizadas as expresses: fundos autnomos, fundos independentes, investidores sociais independentes, fundos de pequenos projetos.

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    Um salto na histria

    Decorridos 41 anos, a CESE aprimorou seus me-canismos de apoio a grupos populares e criou novos programas para apoio a projetos. No mudou sua per-cepo sobre o lugar desse servio como estratgico para o fortalecimento dos movimentos sociais e da in-terveno institucional. No Brasil, superamos a ditadu-ra e construmos uma democracia permeada de fragi-lidades, mas que avana; temos um modelo de desen-volvimento calcado no consumo, em grandes projetos, concentrador das riquezas e desigual regionalmente, que o torna insustentvel como modelo; a populao multiplicou-se rapidamente; a concentrao da terra no mudou e houve uma exploso urbana descontro-lada e com ndices de violncia assustadores; temos uma economia mais pujante e recursos circulando no territrio nacional e fora dele; leis e programas sociais foram constitudos, mas h avanos e recuos quanto formulao, implementao e controle social; os in-dicadores sociais melhoraram no geral, mas continua-mos sendo um dos pases mais desiguais do mundo, com profundas violaes de direitos em vrios campos; temos uma sociedade civil muito mais plural e mais organizada que interfere e incide sobre a poltica e sobre as polticas pblicas. Nesse processo bastante complexo, de muitas e gigantescas contradies, ou-tros fundos autnomos foram sendo constitudos21 ao longo das ltimas dcadas para apoiar organizaes da sociedade civil na perspectiva da defesa de direitos. Redes e articulaes entre esses fundos foram se plas-mando para potencializar a estratgia poltica e fortale-

    21 Fundos Populares: formar redes e transformar realidades Revista Pro-posta da Fase, edio 126, 2013.

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    cer sinergias e atuao conjunta22. Da mesma maneira, outros atores, com concepes, modelos e diferentes perspectivas tambm foram constituindo fundos para atuar na esfera da sociedade civil - no campo empre-sarial, familiar e governamental23.

    Considerando essa arquitetura existente, os fundos ou investidores sociais independentes ocupam um lugar diferenciado no setor por um conjunto de carac-tersticas:

    A mobilizao popular para a luta poltica no apenas legtima, mas necessria para a radicali-zao e consolidao do processo democrtico, por isso, deve ser estimulada. Sem interferncia da sociedade civil, no h democracia. Para os fundos independentes, a sociedade civil se ex-pressa na ao dos movimentos e organizaes populares que atuam especialmente com po-pulaes que tm seus direitos violados ou no reconhecidos. Essas populaes so sujeitos de direitos e no apenas beneficirias das aes.

    Apoio a processos de transformao libertado-ra, reconhecendo o papel protagonista das or-ganizaes na luta poltica emancipatria, bem como reafirmando sua autonomia em relao a partidos polticos, religies, governos e financia-dores. Nesse sentido os projetos apoiados so concebidos como parte de um processo poltico maior, ainda que a ao de um grupo aparen-te certo isolamento ou desconexo com outras lutas. Por exemplo, um grupo de mulheres em uma comunidade que se mobiliza contra a vio-

    22 Articulao de Fundos de Pequenos Projetos, 1995, CESE. H tambm a Articulao de Fundos de Pequenos Projetos da Amrica do Sul, que rene fundos de 07 pases, com participao da CESE, FLD, Fase-Saap e Fundo Bra-sil de Direitos Humanos do Brasil.

    23 Transformando a filantropia no Brasil: o fenmeno da Rede de Fundos In-dependentes para a Justia Social, Candace Lessa e Graciela Hosptein, 2013.

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    lncia domstica est sintonizado com a luta das mulheres de maneira mais ampla. Processos ar-ticulados, em rede ou outras modalidades que agrupem organizaes populares para a ao so valorizados e estimulados como estratgicos para a interveno na sociedade, nas polticas pblicas e para melhor alcance de objetivos (o projeto dentro do processo).

    possibilitado/facilitado o acesso a recursos pe-los grupos mais vulnerveis e informais, com ins-trumentos adequados para garantir a tramitao em bases formais, alm de garantir a agilidade no processo de contratualizao. No entanto, os fundos cumprem um papel que ultrapassa o de financiador de projetos, se colocando na con-dio de parceiros na luta poltica dos grupos apoiados advogando causas comuns, se articu-lando para aes conjuntas, viabilizando proces-sos de formao para o fortalecimento institu-cional e para a incidncia, tanto na sociedade quanto na poltica. Nesse sentido, a relevncia da ao poltico/organizativa e do processo da luta junto sociedade e aos pblicos-alvo con-siderada mais importante que a eficcia dos n-meros olhados isoladamente e dos resultados meramente quantitativos.

    Ainda que os relatrios financeiros e de ativida-des sejam analisados com critrios e rigor no sentido de garantir a execuo das aes con-forme oramento aprovado em contrato, a meto-dologia dos fundos tem um olhar mais pedag-gico e educativo do que punitivo sobre a gesto dos recursos repassados aos grupos.

    Valorizam a visibilidade pblica e a afirmao de sujeitos coletivos e/ou novas identidades - normalmente discriminadas ou invisibilizadas - como atores polticos relevantes para a defesa

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    e afirmao de direitos tais como populaes tradicionais, indgenas, quilombolas e popula-o negra, mulheres, moradores em situao de rua, pblico LGBT e povo de santo. Por isso, conseguem chegar a todos os recantos do pas, com uma rica diversidade de organizaes pro-ponentes, de pblicos atendidos e de temas abordados nos projetos apoiados. Alm disso, os fundos independentes proporcionam modali-dades diversas de capacitao para mobilizao e gesto dos recursos, fortalecimento institucio-nal, elaborao de projetos e em temas relevan-tes para os grupos.

    Movimentos sociais e polticas pblicas

    A forma de atuao dos fundos independentes reconhecida e valorizada por movimentos e organiza-es populares que atuam no campo dos direitos (en-tendidos em sua dimenso econmica, social, cultural e ambiental). Em recente encontro da CESE com mo-vimentos sociais do Brasil24, os participantes reafirma-ram que os fundos de projetos como os da CESE so um dos poucos espaos em que as organizaes que lutam por direitos podem dialogar abertamente e re-correr para desenvolver suas aes de mobilizao so-cial, realizar seus processos de formao poltica, fazer presso sobre determinadas questes que vicejam no meio do movimento, mas que no encontram ampa-ro e apoio em outras fontes de recursos existentes no Brasil. Alm disso, os fundos desempenham um papel relevante para a mudana de valores e na construo

    24 Encontro realizado bienalmente pela CESE, com representao de movi-mentos e organizaes sociais, espao no qual os participantes trazem contri-buies avaliativas para a ao institucional e indicam sugestes para o plane-jamento futuro, permitindo CESE uma sintonia fina com o contexto da ao dos movimentos. O ltimo encontro ocorreu nos dia 8 e 9 de abril de 2014.

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    de uma nova cultura democrtica. A defesa de direitos e a participao popular esto

    intimamente conectadas com o aperfeioamento da democracia. Nesse sentido, as aes das organizaes apoiadas pelos fundos incidem, necessariamente, so-bre o conjunto das polticas pblicas, sendo o Estado e as instncias governamentais, tanto em mbito federal, estadual e municipal, caixa de ressonncia principal da interveno e da presso, uma vez que estes tm a responsabilidade, lato sensu, de garanti-las para o conjunto dos cidados.

    A existncia de alguns programas de governo e po-lticas de Estado, instncias de representao como conselhos, leis especficas como o PAA (Programa de Aquisio de Alimentos), Lei Maria da Penha, institui-o de programas cotas raciais, PRONERA (Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria), LOSAN (Lei Orgnica da Segurana Alimentar e Nutricional), CONSEA (Conselho Nacional de Segurana Alimentar e Nutricional) e SEPPIR (Secretaria de Polticas de Pro-moo da Igualdade Racial), bem como o que h de avanos em relao reforma agrria e direitos territo-riais de populaes tradicionais so apenas alguns de muitos exemplos de conquistas no mbito das polticas pblicas que so, em grande parte, fruto da presso e interveno dos movimentos sociais ao longo dos anos.

    Apesar de o papel do Estado ser fundamental para a efetivao dessas polticas, diversos outros atores, in-clusive essas mesmas organizaes, podem contribuir para a formulao, implementao, controle e at mes-mo na execuo de parte dessas polticas25.

    Importante ressaltar que os fundos independentes cumprem uma funo de apoio aos movimentos, no os substituindo no papel estratgico de interveno e participao em espaos de representao existentes,

    25 O Programa 1 Milho de Cisternas P1MC - formulado e executado pela ASA um exemplo.

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    ainda que exeram um protagonismo importante nos processos de discusso e de formulao de inmeras iniciativas relacionadas ao tema26 visando reforar esse campo poltico.

    Direitos humanos e rede de doadores individuais: desafios a serem enfrentados

    A diminuio do apoio da cooperao internacional traz um imenso desafio para a sustentabilidade, no s dos fundos, mas para a atuao da sociedade civil or-ganizada. Um dos principais entraves sensibilizao dos cidados para a solidariedade a esse campo de organizaes a resistncia disseminada na sociedade ao tema, genericamente falando, dos direitos huma-nos. Tal resistncia foi sendo percebida a partir dos anos 1980 quando a grande mdia iniciou uma onda de criminalizao dos movimentos sociais ao noticiar as marchas, ocupaes de terra e de rgos pblicos pela defesa da reforma agrria no Brasil, realizadas por movimentos camponeses. Nos ltimos 15 anos hou-ve uma ampliao das vozes da criminalizao, refor-adas por setores do Poder Judicirio e muitos outros oponentes27 da luta poltica travada pelos movimentos populares. Ampliou-se tambm o alvo do ataque: ne-gros, indgenas, quilombolas, mulheres, pblico LGBT, povo de santo, entre outros.

    Justifica-se a violncia contra o cidado comum flagrado em delito, negando-lhe a condio de sujeito

    26 O MROSC (Marco Regulatrio das Organizaes da Sociedade Civil) o caso mais recente, com participao de alguns fundos independentes na Plata-forma do Marco Regulatrio.

    27 Bancadas ruralista e evanglica do Congresso Nacional, ncoras de not-icirios televisivos sensacionalistas com forte penetrao nas camadas popula-res e grupos diversos espalhados nas redes sociais so alguns exemplos.

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    de direitos28. Tudo isso feito publicamente, com todas as letras, nas redes sociais e outras mdias de gran-de alcance. Nesse cenrio de negao dos direitos, os fundos independentes tm um desafio anterior ou si-multneo em relao ao doador individual ou potencial colaborador. Para alm de criar mecanismos visando a fidelizao desse pblico, em grande parte contamina-do por essa ideologia criminalizadora dos movimentos sociais, necessrio estabelecer, acima de tudo, uma relao criativa e pedaggica com os cidados, apta a desconstruir a percepo negativa sobre o tema dos direitos humanos, comunicando outros valores, sedi-mentando uma nova conscincia cidad e ampliando a percepo e sentido da democracia.

    Nessa perspectiva, a comunicao nas suas mais variadas formas - adquire papel estratgico para os fundos independentes, pela qual os valores, a mis-so, o planejamento e as principais aes devem ser divulgadas como um portal de dilogo e um estmulo participao na vida da instituio. Da mesma for-ma, a disponibilizao transparente e pblica dos da-dos relacionados aos recursos manejados - onde e em qu foram aplicados e quais projetos apoiados - so fundamentais para sensibilizar possveis colaboradores e para fidelizar os que j abraaram a causa. Possibi-litar participao em atividades da instituio, facilitar intercmbio com projetos apoiados e grupos popula-res, estimular o engajamento em campanhas e causas diversas, informar sobre datas e atividades que esto acontecendo, tambm podem contribuir para enrique-cer a relao com os doadores individuais e o fortaleci-mento da sua pertena causa.

    28 No raras vezes defensores dos direitos humanos so associados a defen-sores de bandidos.

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    A dinmica da relao com agncias de cooperao internacional

    Agncias de cooperao internacional esto na ma-triz dos apoiadores de