Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos

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0 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS XIV COLEGIADO DO CURSO DE LETRAS COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA - LICENCIATURA RODRIGO LIMA DA SILVA INTERFERÊNCIA DA ORALIDADE NA ESCRITA: UMA ANÁLISE DE ERROS ORTOGRÁFICOS Conceição do Coité 2012

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV COLEGIADO DO CURSO DE LETRAS COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA

PORTUGUESA E LITERATURA - LICENCIATURA

RODRIGO LIMA DA SILVA

INTERFERÊNCIA DA ORALIDADE NA ESCRITA: UMA

ANÁLISE DE ERROS ORTOGRÁFICOS

Conceição do Coité

2012

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RODRIGO LIMA DA SILVA

INTERFERÊNCIA DA ORALIDADE NA ESCRITA: UMA

ANÁLISE DE ERROS ORTOGRÁFICOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

Departamento de Educação da Universidade do Estado da

Bahia (UNEB – Campus XIV), no curso de Letras com

Habilitação em Língua Portuguesa e Literaturas -

Licenciatura, como parte do processo avaliativo para

obtenção de grau de Licenciado.

Orientadora: Prof.ª Dra. Lucia Maria Parcero.

Conceição do Coité

2012

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O domínio da ortografia é lento e requer muito contato com a modalidade escrita da

língua. Dominar bem as regras de ortografia é um trabalho para toda a trajetória escolar e,

quem sabe, para toda a vida do indivíduo.

BORTONI-RICARDO (2006, p. 274).

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Dedico esse trabalho primeiramente ao meu Senhor Deus que foi a peça principal pra a

concretização do mesmo, pois sem ele nada é possível. Dedico a todos que me apoiaram e me

ajudaram nos momentos mais embaraçosos dessa caminhada. Obrigado Deus por mais uma

vitória.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Pai e todo poderoso Deus por mais uma etapa concluída; aos meus

amigos e colegas que sempre me ajudaram, especialmente, Norma Cristina, Rosana Lima e

Laiane Thais; a Professora e Orientadora Lúcia Parcero, por ter sido tão compreensiva e

companheira para a realização desse trabalho. Não se esquecendo do ilustríssimo Professor,

Orientador e principalmente amigo, Deijar Ferreira da Silva, que foi peça chave para chegar

aonde cheguei. Obrigado de coração!

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RESUMO

Esta pesquisa, intitulada Interferência da oralidade na escrita: uma análise de erros

ortográficos, foi realizada na cidade de Conceição do Coité. Tem por objetivo verificar a

interferência da oralidade no processo da escrita dos alunos, mais especificamente, comprovar

se, no ensino público, esse fenômeno ocorre com mais frequência. Pretende-se analisar este

aspecto com base nos pressupostos teóricos da Sociolinguística qualitativa, por meio de

Bortoni-Ricardo (2004, 2005 e 2006), Cagliari (2005), Sciliar (2002), Soares (1999), entre

outros. Para o corpus deste trabalho, coletou-se redações de alunos do 6° ano do Ensino

Fundamental em dois colégios, um particular (na sede) e outro público (no Distrito de

Aroeira). Assim sendo, os textos coletados para análise contribuem para realização do estudo.

E como já era de se esperar, os resultados da pesquisa mostram que os erros ortográficos

foram atestados com maior número no ensino público, uma vez que, no ensino particular, a

quantidade é bem inferior, devido, principalmente, a uma alfabetização deficitária e também

pela má orientação dos pais em relação ao processo de ensino e aprendizagem.

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ABSTRACT

This study, entitled Impact of orality in writing: an analysis of spelling errors, was held in the

city of Concepcion de Coité. Aims to verify the interference of orality in the writing process

of students, more specifically, to demonstrate in public education, this phenomenon occurs

more frequently. Intend to analyze this aspect based on the theoretical assumptions of

qualitative Sociolinguistics through Bortoni-Ricardo (2004, 2005 and 2006), Cagliari (2005),

Sciliar (2002), Smith (1999), among others. For the corpus of this work was collected essays

of students in 6th grade of elementary school into two schools, one private (the headquarters)

and other public (in the District of Aroeira). Thus, the texts collected for contributing to the

study. And as was expected, the results show that misspellings were certified with the highest

number of public education, since education in particular, the amount is much lower, mainly

due to a literacy deficit and also by poor parental guidance regarding the process of teaching

and learning.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

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CAPÍTULO 1: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

11

1.1 Pressupostos da Sociolinguística 11

1.2 Noção de erro: língua oral e língua escrita 15

CAPÍTILO 2: METODOLOGIA

21

2.1 Abordagem qualitativa 21

2.2 Observação e análise dos dados 22

2.2.1 O corpus 23

2.2.2 Quadro das ocorrências 24

CAPÍTULO 3: ANÁLISE DOS DADOS

28

3.1 Erros decorrentes da interferência de regras fonológicas categóricas no dialeto

estudado.

29

3.2 Erros decorrentes da interferência de regras fonológicas variáveis graduais. 31

3.3 Erros decorrentes da interferência das regras fonológicas variáveis

descontínuas.

33

3.4 Resumo das ocorrências. 34

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

37

REFERÊNCIAS

39

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 41

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INTRODUÇÃO

Como sabemos, quando os alunos chegam à escola, já são capazes de falar com

competência a variante linguística de seu grupo familiar, de sua região. Se para a oralidade

não se pode falar em erro, já que as variantes constituem maneiras alternativas de dizer a

mesma coisa e a transgressão é apenas um fator social. Na língua escrita, o erro é visto de

outra maneira, uma vez que a escrita deve obedecer a um código convencionado que não

prevê variação,

o domínio da ortografia é lento e requer muito contato com a modalidade

escrita da língua. Dominar bem as regras de ortografia é um trabalho para

toda a trajetória escolar e, quem sabe, para toda a vida do indivíduo.

BORTONI-RICARDO (2006, p. 274).

Assim, o trabalho com a ortografia requer tempo e deve estar sempre associado à

oralidade. Uma vez que, nem sempre o sistema ortográfico do português se baseia nos sons

produzidos pelos falantes, a relação entre grafemas e fonemas traz dificuldades para a

aprendizagem inicial do alfabetizando.

Assim, esta pesquisa tem como objeto de estudo a análise de erros ortográficos a partir

de um corpus constituído de redações de alunos do ensino fundamental de um colégio

público, na comunidade rural de Aroeira e de um colégio particular na zona urbana, ambos

localizados no município de Conceição do Coité, com objetivo de verificar a interferência da

oralidade na escrita.

A partir da reflexão das idéias apresentadas neste projeto, levantamos as seguintes

questões: quais os principais erros ortográficos encontrados na escrita dos alunos em estudo?

Em quais redações (do ensino público ou do privado) esses erros são mais frequentes? Que

fatores podem favorecer a maior ou menor ocorrência de erros entre os alunos do ensino

público rural ou privado/urbano.

O trabalho será desenvolvido com base nos pressupostos da Sociolingüística

qualitativa, postulados por Mollica & Braga (2003), Bortoni-Ricardo (2004, 2005 e 2006)

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aliado a estudos sobre a aquisição da língua escrita em Cagliari (2005), Câmara Júnior (2002);

Soares (1999), Sciliar Cabral (2003), dentre outros pesquisadores do assunto.

Este trabalho se divide em três capítulos. No primeiro, apresentamos a fundamentação

teórica que está subdividida em pressupostos da Sociolinguística e da aquisição da escrita. No

segundo, explicitamos a orientação metodológica, bem como os procedimentos necessários

para nortear a pesquisa. No terceiro, procedemos a discussão e resultados das análises. Em

seguida, apresentamos as considerações finais sobre os dados analisados, bem como as

referências bibliográficas.

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CAPÍTULO 1: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Este capítulo contém os subsídios teóricos que nortearam esta pesquisa. No primeiro

tópico, serão considerados os pressupostos da Sociolingüística e seu objeto de estudo,

atentando para a variação lingüística. No segundo tópico, serão trabalhados a fundamental

importância da sociolingüística para o ensino de língua, além da variação linguística e o

ensino de língua materna. Para finalizar o capítulo, serão abordadas a noção de erro

correlacionando com a língua oral e a língua escrita.

1.1 Pressupostos da Sociolinguística

Romaine (1994 apud Monteiro, 2000, p. 25) informa que o termo sociolingüística foi

cunhado em 1950 para referir-se às perspectivas conjuntas que os linguistas e sociólogos

mantinham face às questões sobre as influências da linguagem na sociedade e, especialmente,

sobre o contexto social da diversidade linguística.

A sociolinguística é uma das subáreas da linguística e estuda a língua em uso no seio

das comunidades de fala, voltando a atenção para um tipo de investigação que correlaciona

aspectos linguísticos e sociais (MOLICA, 2003). Dessa forma, dizer que a sociolinguística

trata da relação entre língua e sociedade é fazer afirmação correta, porém, excessivamente

simplificadora. As últimas três décadas assistiram ao interesse cada vez mais crescente pelo

estudo da linguagem em uso contextual social, mas os diversos enfoques, que abrigam sob o

rótulo sociolinguística, cobrem uma grande variação de assuntos (CAMACHO, 2008).

A língua, como qualquer organismo vivo, sofre variação em seus diversos níveis, e um

dos objetivos do sociolinguista é justamente entender quais são os principais fatores que a

motivam e qual a importância de cada um deles na configuração do quadro variável

(CEZARIO; VOTRE, 2008). A sociolinguística tem, portanto, como objeto de estudo essa

variação, que, nos termos de Mollica (2003), é entendida como um princípio geral e universal

das línguas humanas, passível de ser analisada e descrita cientificamente. E segundo Hudson

(1984), temos o conceito de que a sociolinguística é o estudo da linguagem e relação à

sociedade.

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De maneira simples e direta, Alkmim (2008) ensina que a sociolinguística é o estudo

da língua falada, observada, descrita e analisada em seu estrato social, isto é, em situações de

uso. Seu ponto de partida é a comunidade linguística, um conjunto de pessoas que interagem

verbalmente e que compartilham um conjunto de normas com respeito aos usos linguísticos.

Por sua vez, uma comunidade de fala se caracteriza não pelo fato de se constituir por pessoas

que falam do mesmo modo, mas por indivíduos que se relacionam, por meio de redes

comunicativas diversas, e que orientam seu comportamento verbal por um mesmo conjunto de

regras.

Willian Labov, precursor da sociolinguística, por meio de seus estudos, demonstrou

que as variações e as mudanças ocorridas na língua são impossíveis de serem compreendidas

fora do contexto social das comunidades em que se produzem, visto que, constantemente, são

exercidas sobre a língua pressões de caráter social. Labov (2008) crê que o novo modo de

fazer linguística é estudar empiricamente as comunidades de fala. Os estudos empíricos

possibilitaram o conhecimento e a sistematização de usos, permitindo propostas de ensino que

visem à ampliação da competência linguística do aluno à medida que se ampliam os papéis

sociais e as redes sociais.

A Sociolinguística que Willian Labov propõe é aquela com o propósito de estudar a

estrutura e evolução da língua no contexto social da comunidade, cobrindo a área usualmente

chamada de Linguística Geral, a qual lida com Fonologia, Morfologia, Sintaxe e Semântica

(LABOV, 2008, p. 184). Segundo Figueroa (1996, p. 71), quando se diz que a

Sociolinguística é o estudo da língua em seu contexto social, isso não deve ser mal-

interpretado. A Sociolinguística laboviana não é uma teoria da fala, nem o estudo do uso da

língua com o propósito exclusivo de descrevê-la, mas o estudo do uso da língua no sentido de

verificar o que ela revela sobre a estrutura linguística.

Assumindo a perspectiva de que é impossível entender o desenvolvimento de variação

e mudança linguísticas fora da vida social da comunidade, já que pressões sociais estão

continuamente operando sobre a linguagem, Labov (2008) se propõe, em seus trabalhos

pioneiros, a correlacionar os padrões linguísticos variáveis a diferenças paralelas na estrutura

social em que os falantes estão inseridos. De fato, investigando variáveis fonológicas, o autor

constata uma forte correlação entre a estratificação social dos falantes e seus usos linguísticos

diferenciados.

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Nesse viés, Molica (2003, p. 11) ressalta que cabe à sociolinguística investigar o grau

de estabilidade da variação, diagnosticar as variáveis que têm efeito positivo ou negativo

sobre a emergência dos usos linguísticos alternativos e prever seu comportamento regular e

sistemático. Assim, compreende-se que a variação e a mudança são contextualizadas,

constituindo o conjunto de parâmetros um complexo estruturado de origens e níveis diversos.

Ainda sobre essa questão, Monteiro (2000 apud BRIGHT, 1996) declara que o termo

sociolinguística não é fácil definir com precisão, porque ao dizer que essa disciplina diz

respeito as relações entre linguagem e sociedade é bastante vaga, deixando esse autor de

esclarecer que uma das maiores tarefas da sociolinguística é mostrar que a variação ou

diversidade não é livre, mas que é correlata às diferenças sociais sistemáticas.

Bright (apud CALVET, 2002) faz três distinções como fatores principais: 1, a

identidade social do destinatário e o contexto, situando-se assim no marco de uma análise

linguística que tomou emprestadas noções-chave da teoria da comunicação (emissor, receptor,

contexto), a saber: a oposição sincronia/diacronia; os usos linguísticos e as crenças a respeito

dos usos; 2, a extensão da diversidade, com uma tríplice classificação: diferenças

multidialetal, multilingual ou multissocietal; 3, as aplicações da sociolinguística, com mais

uma classificação em três partes: a sociolinguística como diagnóstico de estruturas sociais,

como estudo do fator-histórico e como auxílio ao planejamento.

Desse modo, por meio da variação pode se captar a direção e algumas generalizações

acerca da mudança. De acordo com Faraco (2005), a mudança não se refere à troca direta e

abrupta de um elemento por outro, mas envolve sempre uma fase de concorrência. Da

variação entre duas formas para a codificação de uma mesma função/significação, uma pode

se fixar na função tornando obsoleta, embora nem sempre seja o caso.

Para explicar a mudança, é preciso dizer o que aconteceu (fatos) e por que aconteceu

(princípios). A teoria da mudança, segundo Lass (1980), teria de incluir a variabilidade como

um axioma, visto ser empírica a variabilidade. Pelo que supõe Lass, o estudo da variação pode

constituir-se em caminho para explicar o fenômeno da mudança linguística.

Alkmim (2008, p. 42) vem dizer que os grupos sociais dão continuidade à herança

linguística recebida. Nesse sentido, é preciso ter claro que os grupos situados embaixo na

escala social não adquirem a língua de modo imperfeito, não deturpam a língua ―comum‖. A

homogeneidade linguística é um mito, que pode ter consequências graves na vida social.

Pensar que a diferença linguística é um mal a ser erradicado, justifica a prática da expulsão e

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o bloqueio ao acesso a bens sociais. Trata-se sempre de impor a cultura dos grupos detentores

do poder (ou a ele ligados) aos outros grupos.

Cezario e Votre (2008, p. 142-3) dizem ainda que verificou-se, também, que a falta de

concordância podia ocorrer tanto na fala de pessoas analfabetas como na fala de alunos

universitários, por exemplo. As pessoas analfabetas têm tendência a marcar o número plural

apenas no primeiro elemento do sujeito, deixando o substantivo e, sobretudo, o verbo sem

marcas. Já as pessoas mais instruídas têm tendência alta de expressar plural no núcleo dos

sujeitos, nos determinantes e no verbo (que, assim, concorda com o sujeito em número e

pessoa). Mas isso não significa que a forma padrão não ocorra na fala não-culta; também não

significa que a forma não-padrão não apareça na classe dos universitários. Entretanto, as

probabilidades de ocorrência num e noutro grupo são distintas e relevantes.

Labov (2003) diz que guias educacionais têm solicitado aos professores que respeitem

a linguagem não padrão como outro modo de falar, que a reconheçam como simplesmente

diferente da linguagem da escola, em vez de condená-la como falha, desleixada e ilógica.

Afirma ainda, que a correção não pode ensinar um novo tipo de regra, mas fornecer

uma variante a ser usada em situações formais. Além disso, deve o professor ensinar a

significância social das diferenças, já que crianças e jovens percebem diferenças entre sua

linguagem e a do professor ou da escola, mas sabem pouco sobre significação social ou

estilística.

O aluno chega à escola portando um saber lingüístico adquirido de maneira

natural, sem orientações teóricas nem imposições normativas, o que Luft,

denomina ―gramática natural‖. Este saber o torna competente no domínio de

sua língua, que é também o língua da sociedade de que faz parte (CASTRO,

2008, p. 132).

Ainda sobre o aspecto acima, segundo Labov (2003), aqueles que mais usam, na fala

casual, formas estigmatizadas são os que mais estigmatizam a fala dos outros. Esse princípio

tem uma importante consequência para a sala de aula. O professor de uma comunidade que

usa a linguagem não-padrão tem a vantagem de detectar e corrigir as formas não-padrão, mas

tem a desvantagem de reagir de modo extremo a essa linguagem.

Bortoni-Ricardo (2004) postula que temos de considerar que o Brasil é um país

monolíngue. Há que se entender, porém, que monolinguismo não significa homogeneidade. A

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mudança constante de papéis sociais permite maior fluidez entre variedades linguísticas de

natureza social e estilística.

Desse modo, Bortoni-Ricardo (2004), diz que a escola não pode ignorar as diferenças

sociolinguísticas. Professores e alunos devem estar conscientes de que existem duas ou mais

maneiras de dizer a mesma coisa. Sobre essa questão, Monteiro (2000, p. 59) diz que ―duas ou

mais formas distintas de se transmitir um conteúdo informativo constituem, pois, uma

variável linguística. As formas alternantes, que expressam a mesma coisa num mesmo

contexto, são denominadas de variantes lingüísticas.

Além disso, o essencial das observações sociolinguísticas é que a escola não pode

ignorar a heterogeneidade linguística, suas diversas possibilidades de expressão e, por

conseguinte, os indivíduos que a utilizam, ou seja, os falantes concretos e não aqueles

idealizados pela norma culta. Assim, a escola, ao levar em conta essa pluralidade, torna-se um

ambiente de inclusão e democracia.

Conforme o que foi mencionado acima, as leituras sobre a sociolinguística e a variação

são de suma importância para dá suporte ao desenvolvimento da pesquisa.

1.2 Noção de erro: língua oral e língua escrita

No que se refere às relações entre as modalidades falada e escrita de uma língua,

Fávero (2000) afirma que ―a escrita decorre da fala e é secundária em referência a esta‖.

Ainda sobre essa questão, Gívon (apud FÁVERO, 2000) assegura que ―a língua escrita é a

transposição da oral‖. E nos termos de Bortoni-Ricardo, ―[...] O erro na língua oral é, pois, um

fato social. Ele não decorre da transgressão de um sistema de regras da estrutura da língua e

se explica, simplesmente, pela (in)adequação de certas formas a certos usos‖ (2006, p. 272).

Sendo assim, a língua escrita ―depende‖ da língua falada.

Desse modo, sendo compreendido como uma evidência sociológica, formas ou

construções lingüísticas, só serão consideradas, equivocadamente, como erros, somente até o

momento em que a sociedade vê-las dessa forma. Entretanto, quando o que se discute é a

modalidade escrita da língua, há mais exigências, visto que esta é regida por uma série de

convenções. Acerca de tal temática, Ramos (1997, p.68) afirma que ―o erro é concebido

como evidência da aplicação de uma hipótese sobre o sistema ortográfico‖. Em outras

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palavras, configura-se, efetivamente, na escrita, como erro tudo o que rompe com um padrão

já estabelecido, convencionado.

Bortoni-Ricardo (2006) afirma que todos sabem bem que os alunos, quando chegam à

escola, já são capazes de falar com muita competência o português, que é a língua materna da

grande maioria dos brasileiros. Não é necessário se preocupar em ensiná-los a se comunicar

usando a língua portuguesa em tarefas comunicativas mais simples, dia-a-dia, que já fazem

parte de sua competência comunicativa. Todos começam a dominar essas tarefas

comunicativas desde seus primeiros meses de vida. À medida que a criança cresce, vai

ampliando essas habilidades.

No entanto, é tarefa da escola e do professor ajudar os alunos a refletirem sobre sua

língua. Essa reflexão torna mais fácil para eles desenvolverem sua competência e ampliarem o

número e a natureza das tarefas comunicativas que já são capazes de realizar, primeiramente

na língua oral e, depois, também, por meio da língua escrita. A reflexão sobre sua língua

torna-se especialmente crucial quando os alunos começam a conviver a modalidade escrita da

língua.

Nesse sentido, as ocorrências de erro ortográfico não devem ser percebidas como uma

deficiência de escrita, mas como uma maneira de identificar quais as necessidades dos alunos,

visto que estes apresentam, na grafia, suas suposições, os conceitos que conseguiram formular

através das hipóteses elaboradas, a partir do seu conhecimento prévio. Os estudantes podem

ser conscientizados de que suas dúvidas podem ser esclarecidas mediante consultas em guias

ortográficos ou dicionários, ao passo que, automaticamente, se familiarizam com a norma

padrão. Sobre a adequação total à modalidade escrita da língua. Bortoni-Ricardo (2006, p.

274) afirma que

o domínio da ortografia é lento e requer muito contato com a modalidade

escrita da língua. Dominar bem as regras de ortografia é um trabalho para

toda a trajetória escolar e, quem sabe, para toda a vida do indivíduo.

BORTONI-RICARDO (2006, p. 274).

Santos e Navas (2002) salientam que o sistema de escrita, de modos diversos e nem

sempre perfeitos, baseiam-se na linguagem oral, fato que tem importantes implicações em

como a escrita e a ortografia, sendo processos cognitivos gerais funcionam. Pode-se pensar

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então que muitos dos erros que a criança comete ao adquirir a linguagem escrita podem ser

ocasionados pela interferência da oralidade neste processo.

No que concerne ainda à noção do erro na língua, Bortoni- Ricardo (2006) argumenta

o fato de alguns linguistas, inclusive ela mesma, trabalharem com a metodologia de erros na

língua escrita. Se para a fala não se pode falar em erro (visto que as variantes constituem

apenas maneiras possíveis de dizer a mesma coisa e a transgressão é apenas um fator social),

na língua escrita, o erro é visto de outra maneira, já que esta constitui um código

convencionado, que não prevê variação (BORTONI-RICARDO, 2006). Dessa maneira, o

professor jamais poderá ignorar a questão do erro na escrita, o que não significa que uma

transgressão na ortografia do aluno deva ser considerada uma deficiência deste. O trabalho

com a ortografia requer tempo e deve estar sempre associado à oralidade, a fim de que o

aluno, ao passo que reconheça a uniformidade da escrita, perceba também as diferentes

realizações da fala e seu contexto de adequação.

Ainda sobre essa questão, Cagliari (2005) diz que os alunos levam muitíssimo a sério

(mesmo brincando) a tarefa de aprender a escrever e põem nisso um grande trabalho de

reflexão, quando estimulados a se autodesenvolverem e não a fazerem um trabalho mecânico

repetitivo, simplesmente. Podem até ―pular‖ uma sílaba, porque nem sempre relêem o que

escreveram, aliás, como os adultos também fazem às vezes.

De acordo com Ferreiro e Teberosky (1999), no início da alfabetização, a criança se

depara com algumas dificuldades no que diz respeito às grafias que correspondem aos

diversos valores sonoros ou, ao contrário, às distintas grafias que correspondem a um mesmo

valor sonoro. A relação entre letras e fonemas é bastante complicada para o aprendiz, já que o

sistema ortográfico do português não é baseado nos sons que os falantes produzem. Assim, a

norma ortográfica de nossa língua estabelece diferentes critérios para as relações entre os sons

e as letras.

No entanto, como é do interesse dessa pesquisa analisar o erro ortográfico através de

uma perspectiva sociolinguística, ou seja, tratar das implicações da variação dialetal na

escrita, considera-se muito pertinente a proposta de Bortoni-Ricardo (2005) que traz quatro

grandes categorias de análise: (1) erros decorrentes da própria natureza arbitrária do sistema

de convenções da escrita; (2) erros decorrentes da interferência de regras fonológicas

categóricas no dialeto estudado; (3) erros decorrentes da interferência de regras fonológicas

variáveis graduais; (4) erros decorrentes da interferência de regras fonológicas variáveis

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descontínuas. Sendo essas três últimas categorias relativas a erros decorrentes da transposição

dos hábitos da fala para a escrita.

São classificados na categoria (1) os erros que resultam do conhecimento insuficiente

das convenções que regem a língua escrita. A maioria decorre das relações plurívocas entre

fonema e letra. Na língua portuguesa há alguns fonemas, principalmente os sibilantes, que

possuem diversas representações ortográficas. Por outro lado, há letras que representam dois

fonemas. A diferença ortográfica do sufixo número-pessoal de terceira pessoa do plural /ãw/,

que é grafado ―ão‖ quando é tônico e ―am‖ quando é átono, também são considerados erros

dessa categoria. Cabe a ressalva, de que essa categoria (categoria 1) não será utilizada para

análise dos dados.

Nas outras categorias, estão classificados os erros decorrentes da transposição de

hábitos da fala para a escrita. A primeira distinção é feita com relação às regras fonológicas

categóricas e as regras fonológicas variáveis. As primeiras aplicam-se sempre, independente

das características sociodemográficas que identificam o falante, e do contexto situacional; já

as regras variáveis podem aplicar-se ou não, dependendo de fatores estruturais linguísticos ou

extralinguísticos. Vale frisar que a classificação em regras categóricas ou variáveis bem como

a distinção destas últimas em subcategorias (variáveis graduais e variáveis descontínuas) tem

de levar em conta o dialeto regional que o estudo focaliza.

Abaixo exemplificam-se alguns tipos de erros decorrentes da interferência das regras

fonológicas categóricas (categoria 2):

a) vocábulos fonológicos constituídos de duas ou mais formas livres ou dependentes

grafados como um único vocábulo formal, como em ‗atrabalhar‘, ‗uque‘

b) neutralização das vogais anteriores /e/ e /i/ e das posteriores /o/ e /u/ em posição

pós-tônica ou pré-tônica, como em ‗piqueno‘ e ‗quenti‘

c) nasalização de ditongo por assimilação progressiva, como em ‗muinto‘.

Segundo Bortoni-Ricardo (2005, p.56):

Um problema difícil no estudo do português brasileiro contemporâneo é o de

estabelecer distinções entre regras variáveis que definem uma estratificação

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gradual, ou seja, quando há um aumento crescente na frequência de uso em

diversos grupos sociais, e as regras que indicam uma demarcação

descontínua e definida entre os grupos sociais e que estão, portanto,

presentes no repertório verbal de alguns estratos e ausentes na linguagem dos

demais.

Percebe-se na citação acima que existe um problema sério em relação ao

estabelecimento de distinções entre regras variáveis. Pois é difícil tratar das variantes sem que

não se esteja a todo o momento reportando-se a norma culta, a de maior prestígio social.

A categoria (3) compreende os erros decorrentes da interferência de traços fonológicos

graduais. Eles funcionam como indicadores de variedades sociais, mas também como

marcadores de registro entre falantes na língua culta, ocorrendo com maior frequência nos

registros não-monitorados, por exemplo:

a) despalatalização das sonorantes palatais, como em ‗olhar‘ ‗oiá‘

b) monotongação, como em ‗outro‘ ‗otro‘

c) queda do /r/ como marca de infinitivo, como em ‗andar‘ ‗anda‘

Bortoni-Ricardo (2005, p. 56) inclui nesta categoria os erros de escrita decorrentes da

interferência de regras que alteram ou suprimem morfemas flexionais, implicando

modificação nas regras de concordância da língua-padrão.

A categoria (4) inclui os traços descontínuos, geralmente provenientes de variedades

rurais e/ou submetidas a forte avaliação negativa. Eis a seguir alguns exemplos:

a) semivocalização do //, como em ‗velho‘ ‗veio‘

b) troca do /r/ pelo /l/, como em ‗sirva‘ ‗silva‘

c) metátese, como em ‗satisfeito‘ ‗sastifeito‘

Como já foi dito, entretanto, não considero a primeira categoria, uma vez que se ocupa

de erros decorrentes da arbitrariedade do sistema de convenções da escrita que, portanto, não

são influenciados pela oralidade, mas sim por normatizações aleatórias.

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20

Segundo os postulados de Castro (2008), percebe-se que o problema da oralidade

interferir na escrita de muitos alunos é bastante presente. É preciso que a escola, professores e

pais estejam atentos para essa situação. Os alunos necessitam de uma orientação consciente e

precisa que possibilitem melhor desenvolvimento nesse processo, pois é fundamental saberem

utilizar sua língua e adequando-a aos determinados contextos, para que dessa forma a sua

oralidade não interfira tanto na sua produção escrita.

De acordo com Carraher (l986), muitas pessoas, inclusive estudiosos, até há pouco

tempo, tratavam o aprendizado da ortografia como um processo apenas mnemônico1.

Contudo, diversas pesquisas realizadas em várias línguas, a partir de perspectivas da

psicologia e da psicolinguística, têm demonstrado que a aprendizagem da ortografia é um

processo complexo que sofre influências tanto das características das palavras de cada língua

como dos fatores vinculados a habilidades do aprendiz e a suas oportunidades de conviver

com a norma escrita que está aprendendo.

Conforme citado acima, Bagno (2004, p. 30) ressalta que é importante o professor

estar sempre consciente de que o aluno que comete desvios de ortografia não está cometendo

―erros de português‖. O aprendizado da ortografia exige exercício, memorização, treinamento

— é uma competência que tem que ser aprendida, ao contrário de outras competências que

são adquiridas naturalmente.

Diante de tudo que foi ressaltado acima, a noção de erro, juntamente com a língua oral

e escrita, serão o ―pilar central‖ para análise dos dados dessa pesquisa. Por meio dessa

abordagem se poderá desenvolver e apresentar algumas conclusões sobre o processo de

interferência da oralidade na escrita.

1 É um auxiliar de memória. São, tipicamente, verbais, e utilizados para memorizar listas ou fórmulas, e

baseiam-se em formas simples de memorizar maiores construções, baseados no princípio de que a mente

humana tem mais facilidade de memorizar dados quando estes são associados a informação pessoal, espacial ou

de caráter relativamente importante, do que dados organizados de forma não sugestiva (para o indivíduo) ou sem

significado aparente. Porém, estas sequências têm que fazer algum sentido, ou serão igualmente difíceis de

memorizar.

Page 22: Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos

21

CAPÍTULO 2: METODOLOGIA

Este capítulo possui os métodos que conduziram esta pesquisa. No primeiro item, será

apresentada a abordagem qualitativa, a qual a presente pesquisa está respaldada. No item dois,

estão presente a observação e análise dos dados, seguida do corpus. Por fim, apresentam-se os

quadros das ocorrências dos dois ensinos (público e partícula).

2.1 Abordagem qualitativa

Este capítulo foi organizado em duas partes. Na primeira parte, apresentamos a

metodologia empregada nesta pesquisa: seleção das escolas, escolha das séries e coleta dos

dados.

Fundamentada em pressupostos da Sociolinguística em sua abordagem qualitativa,

este trabalho se propõe a analisar a interferência da oralidade na escrita, a partir de uma

amostra linguística constituída de textos de alunos da 6º Ano do Ensino Fundamental de duas

escolas: uma pública e a outra privada localizadas em Conceição do Coité.

Seguindo a linha de pensamento de Soares (1999, p. 50-57), as concepções atuais da

aprendizagem da linguagem implicam os processos: a aquisição do sistema de escrita e o

desenvolvimento das habilidades de utilização desse sistema para a interação social.

Este trabalho se insere na primeira opção proposta pela autora que consiste na

habilidade de transitar do sistema fonológico para o sistema ortográfico (escrever). Assim o

aluno deve ser conduzido à regulamentação que a ortografia impõe ao uso dos símbolos,

exigência de natureza social de um sistema de escrita de base alfabética.

Para desenvolver este trabalho utiliza-se a abordagem qualitativa, que segundo Neves

(1996), compreende um conjunto de diferentes técnicas interpretativas que visam a descrever

e a decodificar os componentes de um sistema complexo de significados, a fim de traduzir e

expressar a sentido dos fenômenos do mundo social. Trata-se de reduzir a distância entre

indicador e indicado, entre a teoria e dados, entre contexto e ação.

O desenvolvimento do estudo de pesquisa qualitativa supõe um corte temporal-

espacial de determinado fenômeno por parte do pesquisador. Esse corte define o campo e a

Page 23: Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos

22

dimensão em que o trabalho desenvolver-se-á. O trabalho de descrição tem caráter

fundamental em um estudo qualitativo, pois é por meio dele que os dados são coletados

Manning (apud Neves, 1996, p. 4). Sendo assim, o corte feito para a coleta dos dados da

presente pesquisa, trata-se do recolhimento de textos de alunos do 6º ano do ensino público e

privado para o estudo da pesquisa supracitada.

Uma pesquisa pode revelar a preocupação em diagnosticar um fenômeno (descrevê-lo

e interpretá-lo). É o que se pretende fazer no decorrer dessa pesquisa, analisando os possíveis

―erros‖ na escrita desses alunos, decorrentes do processo de interferência da oralidade na

escrita. Além disso, Neves (1996, p. 4)

recomenda quatro critérios para que a pesquisa qualitativa tenha ―bons

resultados‖: 1 conferir a credibilidade do material investigado, 2 zelar pela

fidelidade no processo de transcrição que antecede a análise, 3 considerar os

elementos que compõem o contexto e 4 assegurar a possibilidade de

confirmar posteriormente os dados pesquisados.

Como foi mencionado acima, para se obter resultados significativos e de real

credibilidade é preciso seguir esses critérios citados por Neves (1996), pois caso uma pesquisa

não apresente ou não ―adote‖ métodos eficientes, certamente não terá validade e nem

reconhecimento, além de que o trabalho estará incompleto por não apresentar provas

concretas e fidedignas que assegurem a pesquisa.

2.2 Observação e análise dos dados

Bortoni Ricardo (2004) diz que os estudos linguísticos, como os citados anteriormente,

têm resultado em interessantes contribuições no que se refere à análise de erros. As teorias

sociolinguísticas, por exemplo, têm demonstrado que os ―erros‖ cometidos pelos falantes de

uma determinada língua são previsíveis e sistemáticos. Sendo assim, tanto a norma padrão

quanto as outras variedades, são igualmente lógicas e bem estruturadas e as variações

linguísticas, do ponto de vista sociolinguístico, não são boas ou ruins, melhores ou piores,

primitivas ou elaboradas, pois constituem sistemas linguísticos eficazes, que atendem a

diferentes propósitos comunicativos.

Page 24: Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos

23

Desta forma, a escola não pode ignorar tais pressupostos e, mais do que isso, ela

precisa desenvolver metodologias que possam levar o usuário da língua a ampliar sua

competência comunicativa2 que, segundo Travaglia (2003), é um dos objetivos de se ensinar

língua portuguesa a falantes nativos. Todo o professor tem a responsabilidade, então, de

ajudar o aluno a empregar adequadamente a língua nas mais diversas situações

comunicacionais. E, para que isso ocorra, a escola precisa estar aberta à pluralidade dos

discursos, evitando emitir juízos de valor que desqualifiquem as produções dos usuários de

variedades estigmatizadas, tanto na sua forma oral como na escrita.

É de suma importância, no entanto, que o educador não só reconheça a questão das

diversidades linguísticas, mas que saiba como tratá-las em sala de aula. Também é preciso

lembrar que tais variações não se manifestam apenas na oralidade, mas também na escrita.

Cabe ao professor utilizar uma pedagogia culturalmente sensível, (cf. Bortoni-Ricardo, 2004,

p.38), que esteja atenta às diferenças culturais e as considere, mas que também consiga

mostrar a importância do domínio das variedades prestigiadas, pois como ressalta Possenti

(2002) o objetivo da escola é ensinar o dialeto padrão sendo qualquer outra hipótese um

equívoco político e pedagógico.

Assim, com o objetivo de atingir os propósitos mencionados, utilizaram-se os

seguintes procedimentos metodológicos.

2.2.1 O corpus

A – O corpus desta pesquisa é constituído por textos escritos coletados em dois

colégios no município de Conceição do Coité: um Colégio Público e um Colégio Particular

(não foram identificados os nomes dos colégios a pedido da direção). O primeiro fica

localizado na zona rural, no distrito de Aroeira e atende os alunos residentes do distrito e de

povoados e fazendas próximas. O Colégio Particular atende os alunos residentes na sede do

município.

2 Competência comunicativa (expressão cunhada por Dell Hymes, em 1966) é a capacidade que o

usuário tem de empregar adequadamente a língua nas diversas situações de comunicação.

Page 25: Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos

24

Os textos para análise foram selecionados de estudantes do 6º Ano do Ensino

Fundamental, sendo nove (9) redações de estudante do sexo masculino e onze (11) do sexo

feminino, perfazendo um total de 20 textos no cômputo dos dois Colégios.

As redações foram elaboradas por meio de uma produção textual escrita, previamente

planejadas cuja coleta foi feita pelos professores regentes das classes.

B – Codificação dos informantes

É de fundamental importância ressaltar que a codificação dos informantes foi realizada

da seguinte maneira: utilizaram-se as duas inicias do nome de cada informante seguido de um

número. Esse número de 1 a 10 vai representar alunos do ensino público; e de 11 a 20, alunos

do ensino particular. Por exemplo: Igor Almeida e Alef Ribeiro3, ficando codificado como

(IA1)e (AR2), e assim sucessivamente.

C – Levantamentos dos dados das redações (Quadros 1 e 2, no item 2.2.2)

Além disso, cabe a ressalva, no que diz respeito aos dois quadros de ocorrências

(ensino público e particular), pois, neles, foram elencados todos os tipos de ―erros‖, mas serão

focados para análise dos dados, os erros decorrentes do processo de interferência da oralidade

na escrita, ou seja, usos da língua e aos fatos da produção da fala.

D – Agrupamento das palavras, por categorias de ―erros‖ ortográficos, ou seja, daquelas

palavras que não correspondem à ortografia oficial.

2.2.2 Quadro de ocorrências

Quadro 1 – Ocorrências das redações dos alunos do Ensino Público

Informante Ocorrências

“Erros”

Forma padrão Sexo Turma

3 Os nomes citados acima foram escolhidos de forma aleatória. Ou seja, não pertence a nenhum dos informantes

dessa pesquisa.

Page 26: Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos

25

JO1 ―mai‖/ ―meo‖/

―prinsepaumente‖/

―dois‖/ ―atarde‖/

―qi‖/ ―dormi‖

mãe/ meu/

principalmente/

dos/ a tarde/

que/ dormir

Feminino 6º ano A

JC2 ―nevoza‖/

―carioza‖/ ―nassi‖/

―nilsom‖/ ―paessar‖

nervosa/

carinhosa/ nasce/

nilson/ passear

Feminino 6º ano A

MA3 ―naci‖/ ―convever‖

/ ―mel‖/ ―icomeço‖

/ ―us‖/ ―qui‖/ ―da‖/

―muinto‖

nasci/ conviver/

meu/ e começo/

os/ que/ dar/

muito

Feminino 6º ano A

MA4 ―senquerer‖/

―subritair‖/

―apulso‖/

―sequere‖

―nois‖

sem querer/

subtrair/

a pulso/

sem querer/

nós

Feminino 6º ano B

PH5 ―familha‖/ ―joga‖/

―roda‖/ ―acisti‖

―estorinhas‖

família/ jogar/

rodar/ assistir/

historinhas

Masculino 6º ano A

AS6 ―utima‖/ ―mori‖/

―da queles‖/

―dificudades‖/

―dessesperam‖/

―veis‖/

―infelismente‖/

―pensão‖/ ―acaba‖/

―trasformano‖/

―posso‖

―drepresão‖

última/ morre/

daqueles/

dificuldades/

desesperam/

vez/

infelizmente/

pensam/ acabam/

transformando/

poço/

depressão

Masculino 6º ano B

Page 27: Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos

26

JA7 ―çeparação‖/ ―qui‖/

―com cluzão‖/

―mais‖/ ―mora‖/

―u‖/ ―i‖/

―voutarão‖/

―amora‖/ ―junto‖/

―felis‖/ ―inraivado‖/

―mim‖/ ―muê‖/

―chuveno‖

separação/ que/

conclusão/

mas/ morar/

o/ e/

voltaram/

a morar/ juntos/

feliz/ enraivado/

me/ mulher/

chovendo

Masculino 6° ano B

AA8 ―desepisonada‖/

―desepisionei‖/

―namorador‖/

―nois‖/ ―mim‖/

―descupas‖/ ―mais‖/

―deixou‖

decepcionada/

decepcionei/

namorado/

nós/ me/

desculpas/ mas/

deixamos

Feminino 6° ano B

CA9 ―traisão‖/ ―erada‖/

―decepionei‖/

―mim‖/ ―felis‖/

―tou‖/ ―cendo‖/

―portudo‖

traição/ errada

decepcionei/

me/ feliz/

estou/ sendo/

por tudo

Feminino 6º ano A

NO10 ―nasi‖/ ―estudamo‖/

―neum‖

nasci/ estudarmos/

nenhum

Feminino 6º ano A

Quadro 2 – Ocorrências das redações dos alunos do Ensino Particular

Informante Ocorrências

“Erros”

Forma padrão Sexo Turma

DF11 ―estava‖/ ―abraça‖/

―ficara‖/ ―volta‖

estavam/ abraçar/

ficaram/ voltar

Masculino 6º ano 1

AS12 ―tava‖/ ―ir‖/

―estuda‖

estávamos/ irmos/

estudar

Feminino 6º ano 1

Page 28: Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos

27

ER13 ―mim‖/ ―vimos‖/

―viajem‖

me/ víamos/

viagem

Feminino 6º ano 1

EL14 ―perdi‖/

―inesquesiveis‖/

―mais‖/ ―desegei‖

perdir/

inesquecíveis/

mas/ desejei

Masculino 6º ano 1

PL15 ―brinquedor‖/

―sapator‖

brinquedo/

sapato

Masculino 6º ano 1

IR16 ―vi‖/ ―mas‖ vir/ mais Masculino 6º ano 2

GR17 ―computa-dor‖/

―oque‖/

computador/

o que

Masculino 6° ano 2

WC18 ―avontade‖/

―ceparado‖/

―tamta‖/

―camtamdo‖

a vontade/

separado/

tanta/

cantando

Feminino 6° ano 2

AC19 Ø Ø Feminino 6° ano 2

FH20 Ø Ø Masculino 6° ano 2

Com base nos dados apresentados nos Quadros 1 e 2, desenvolveremos uma discussão

do desempenho ortográfico dos alunos no processo da escrita, tentando estabelecer uma

correlação com a fala.

Page 29: Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos

28

CAPÍTULO 3: ANÁLISE DOS DADOS

Historicamente a fala nos é dada, pois, onde quer que haja seres humanos, há

linguagem verbal oral, ao passo que a escrita, precede a leitura e é uma convenção que

necessita ser ‗intensiva e sistematicamente aprendida‘. Então na escrita o estatuto do erro tem

natureza diferente

porque representa a transgressão de um código convencionado e prescrito

pela ortografia. Aqui também há um forte componente de avaliação social,

pois erros ortográficos são avaliados muito negativamente. Mas podemos

considerá-lo uma transgressão porque a ortografia é um código que não

prever variação. A ortografia de cada palavra é fixada ao longo de anos e até

séculos no processo de codificação lingüística. (BORTONI-RICARDO,

2006, p. 273).

Se na oralidade o que a sociedade chama de ‗erro‘ é concebido pela sociolingüística

como variantes linguísticas, maneiras diferentes de dizer a mesma coisa, a exemplo de

vontad[e] / fala[r], as variantes não padrão vontad[i] / fal[á] são utilizadas na maior parte

das regiões do país, com a escrita não ocorre o mesmo, como vimos na citação o código

convencionado e prescrito pela ortografia não prever variação.

Assim, como mencionado anteriormente, este trabalho se propõe a analisar a

interferência da oralidade na escrita, com base em um corpus de análise constituído de

redações de alunos da 6º ano do ensino fundamental, a partir da proposta de Bortoni-Ricardo

(2006, p. 54-96).

Além disso, pretendemos comparar os erros da escrita de alunos do ensino público da

zona rural à escrita de alunos do ensino particular na da zona urbana. Portanto, estamos

cruzando duas categorias de variáveis distintas: público versus rural; particular versus urbano.

Page 30: Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos

29

Tabela 1. Erros de escrita de alunos

1 - Erros decorrentes da própria natureza

arbitrária do sistema de convenções da

escrita

2 - Erros decorrentes da transposição dos

hábitos da fala para a escrita.

a) - erros decorrentes da interferência de

regras fonológicas categóricas no dialeto em

estudado.

b) - erros decorrentes da interferência de

regras fonológicas variáveis graduais.

c) - erros decorrentes da interferência de

regras fonológicas das variáveis

descontínuas.

O erro referente a 1 corresponde ao fato de um mesmo fonema ser representado por

diversos grafemas, como em manso, passado, cenário, caçula. Ou de outra forma um grafema

corresponder a mais de um fonema como em exame, táxi, xarope. Algumas dessas

arbitrariedades podem ser explicadas pelas mudanças históricas ocorridas na evolução da

língua.

Como objeto de análise temos os — erros decorrentes da transposição dos hábitos da

fala para a escrita (2) — subdividido pela autora como regras fonológicas:

a) - categóricas no dialeto estudado;

b) - variáveis graduais;

c) - variáveis descontínuas.

3.1 Erros decorrentes da interferência de regras fonológicas categóricas do dialeto estudado

Nessa categoria, a autora apresenta os seguintes processos fonológicos em curso no

PB, em particular no português rural:

Page 31: Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos

30

a) Juntura vocabular que consiste em duas ou mais formas livres grafadas como um

único vocábulo formal (atrabalhá, uque)

b) Neutralização das vogais anteriores /e/ e /i/ e das posteriores /o/ e /u/ em posição pré-

tônica e pós-tônica como em (piqueno e quenti)

c) Nasalização da palavra muito [mũyto].

Quadro 2 – Erros decorrentes da interferência de regras

fonológicas categóricas no dialeto estudado.

Escola Pública

a) Juntura Em vez de Informante

atarde a tarde JO1

senquere sem querer MA4

apulso a pulso MA4

portudo por tudo CA9

icomeço e começo MA3

b) Neutralização de vogais Em vez de Informante

qui

di

us

fossi

que

de

os

fosse

MA3

MA3

MA3

EA4

c) Nasalização // //

muinto Muito [mũyto] MA3

Das categorias apresentadas em 3.1 por Bortoni-Ricardo, encontramos o processo de

juntura, a neutralizacao de vogais e a nasalização da palavra muito [mũỹto].

A juntura reflete os critérios que os estudantes usam para analisar a fala, uma vez que

na oralidade não existe separação de palavras, a não ser quando, marcadas pela entonação do

falante, a exemplo de apartir, mifalou, jalicontei. Os grupos tonais do falante, ou conjuntos de

sons ditos em determinadas alturas, é um dos critérios que o aprendiz iniciante utiliza para

dividir a sua escrita (CAGLIARI, 2005).

Na palavra ―muito‖, transcrita como [mũyto], há uma nasalização que não é

representada grafematicamente. Daí decorre a dificuldade da escrita pelo estudante

alfabetizando ou por aquele que não foi alfabetizado devidamente. Assim, a ocorrência de

Page 32: Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos

31

muinto em lugar de muito representa um erro decorrente do processo de nasalização de

ditongo por assimilação progressiva.

No quadro abaixo, temos as ocorrências atestadas do ensino particular.

Quadro 3 – Erros decorrentes da interferência de regras

fonológicas categóricas no dialeto estudado.

Escola Particular

Juntura Em vez de Informante

avontade

oque

a vontade

o que

WC8

GR7

Dos três processos apresentados na categoria 3.1, no corpus referente ao ensino

particular foram encontrados dois processos de juntura vocabular, o que pode sinalizar que no

ensino particular e urbano a interferência da oralidade na escrita é mais reduzida.

3.2 Erros decorrentes da interferência de regras fonológicas variáveis graduais

Segundo Ricardo-Bortoni (2006), os erros a seguir são indicadores de variedades

sociais, mais precisamente, de variações diastráticas e servem como marcadores entre falantes

da língua culta, ocorrendo com maior freqüência nos registros não-monitorados.

a) despalatalização de / ɲ /, representado graficamente por ―nh‖

b) monotongação como em outro [otro]; ―oro‖.

c) queda do /r/, marca de infinito como em andar [andá] e outros mar ma.

Quadro 4 – Erros decorrentes da interferência de regras

fonológicas variáveis graduais.

Escola Pública

a) despalatização de / ɲ / Em vez de Informante

Page 33: Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos

32

mia

neum

minha / mi[ɲ]a

nenhum / ne[ɲ]um

NO10

teo/

estórias

carioza

tenho / te[ɲ]o

historinhas/ histori[ɲ]as

carinhosa

PH5

b) monotongação

Em vez de Informante

mas mais JC2

primero primeiro MA3

c) queda do /r/ final

Em vez de Informante

jogá

rodá

jogar

rodar

PH5

morá

muê

morar

moer

JA7

dormi dormir JO1

acabá acabar AS6

Quanto aos erros encontrados na categoria 3.2, temos em (a) a perda da palatalização

dos grafemas (nh), foneticamente representado por /ɲ/. Temos, então, as variantes [‗mia]

alternando com ‗mi[ɲ]a; neum / ne[ɲ]um; carioza / cari[ɲ]osa.

Em (b) temos a monotongação, processo muito comum no PB quanto à redução dos

ditongos /ey/ e /ow/. Como em [‗cadeira] [‗cadera]; [‗ouro] [‗oro], ou seja, na fala há a perda

das semivogais [y e w]. Esse processo ocorre na fala espontânea, poucas pessoas pronunciam

as semivogais [w] e [y], representadas na escrita pelas letras /u/ e /i/, em palavras, tais como

“peixe, caixa, trouxa”. Esse fenômeno, denominado redução do ditongo decrescente ou

monotongação, consiste na passagem de ditongos /ey/, /ay/, /ow/ para a situação de vogais

simples, /e/, /a/, /o/.

Os erros encontrados em (c), a perda do /r/ no infinitivo dos verbos, tais como

acabar/acabá, na fala, já são bastante generalizados no PB. Em geral, São Paulo, no sudeste, e

Page 34: Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos

33

dos estados do sul, realizam esse segmento fônico. Em outros estados, incluindo a fala das

cidades do Rio de Janeiro e de Salvador, esse segmento já não se realiza. Em contextos de

infinitivo como levar, buscar utilizam-se levá, buscá, assim como em outros vocábulos como

mar, ser / má, sê.

Isso acontece, por, geralmente, não haver, na fala, a pronúncia do ―r‖ em posição pós-

vocálica no final de palavra, fenômeno que é transferido para a escrita. Esses erros

mencionados acima, como se pode ver, se referem aos alunos da escola pública. Sendo os

seguintes referentes à escola privada:

Quadro 5 – Erros decorrentes da interferência de regras

fonológicas variáveis graduais.

Escola Particular

Queda do /r/ final Em vez de Informante

abraçá abraçar DF11

voltá voltar WC18

3.3 Erros decorrentes da interferência de regras fonológicas variáveis descontínuas

Fazem parte dessa categoria os seguintes processos fonológicos:

a) Semivocalização do /lh/, como em milho / mio

b) A troca do /r/. pelo /l/, como em Sirva / Silva - Si[w]va

c) Metátese como em sastifeito;

Quadro 6 – Erros decorrentes da interferência de regras

fonológicas variáveis descontínuas.

Escola Pública

a) despalatalização do /ʎ/ Em vez de Informante

mué mulher JA7

b) semivocalização Em vez de Informante

mauço / seuviço março / serviço //

Page 35: Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos

34

c) metátese // //

cranero

drepresão

carneiro

depressão

PH5

Como afirma Bortoni-Ricardo (2005, p. 57), subtipo em 3.3 possui uma forte

avaliação negativa e inclui traços provenientes de variedades rurais, em comunidades semi-

isolada, é geralmente submetidas a forte avaliação negativa.

a) a semivocalização do /r/ pela semivogal /w/, a exemplo de março / mauço; serviço /

seuviço.

b) A troca do /r/, isto é, a troca do /r/ pelo /l/, realizado como uma semivogal /w/, como

em serviço / se[w]viço.

c) A metátese que corresponde à transposição de um segmento ou de sílabas dentro de

uma palavra como em vrido, preguntar.

Como vimos, os processos no Quadro 6 são usados, principalmente, por falantes não

alfabetizados da zona rural. Pela avaliação negativa que as pessoas que as pessoas fazem de

tal uso, à medida que os falantes da zona rural vão à escola ou passam a conviver com pessoas

escolarizadas, deixam de usar tais variantes.

Assim, justificam-se tais variantes não terem sido atestadas na escola particular, ou

seja, as ocorrências em 6, sendo todas atestadas no ensino público, exceto a semivocalização

que foi usada apenas como ilustração. Nenhum desses processos fonológicos, na amostra

analisada, ocorreu na escola particular.

3.4 Resumos das ocorrências

Neste item, apresentam-se dois gráficos que resumem as ocorrências dos erros da

oralidade interferir na escrita por categorias e por ensino (público/particular),

respectivamente, gráficos 1 e 2, como seguem.

Page 36: Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos

35

GRÁFICO 1 – OCORRÊNCIAS (DE ERROS) POR CATEGORIAS

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

Erros da interferência de regras fonológicas categóricas no dialeto estudadoCategoria 3 - Interferêcia de regras fonológicas variáveis graduaisCategoria 4 - Interferência de regras fonológicas variáveis descontínuas

Juntura vocabular

Neutralização das vogais anteriores

Nazalização

Queda do "r" final

Monotongação

Despalatização do /ɲ/

Despalatização do /ʎ/

Semivocalização

Metátese

Page 37: Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos

36

GRÁFICO 2 – OCORRÊNCIAS (DE ERROS) POR ENSINO

(PÚBLICO/PARTICULAR)

0

1

2

3

4

5

6

7

Ensino Público Ensino Privado

Juntura vocabular

Neutralização das vogais anteriores

Nazalização

Despalatização do /ɲ/

Monotongação

Queda do "r" final

Despalatização do /ʎ/

Semivocalização

Metátese

Page 38: Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos

37

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como já era de se esperar, os resultados da pesquisa mostram que os erros ortográficos

foram mais atestados no ensino público, uma vez que o colégio de onde os dados foram

coletados encontra-se em uma comunidade rural. O fato de a escrita provir de um código

único, convencionado e que deve dar conta de todas as variantes em curso na língua contribui

para as dificuldades de transposição da língua falada para escrita. Assim temos no Quadro 4 a

monotongação, muito comum na oralidade, como em [osadia], e também no Quadro 4 a queda

do /r/ final em infinitivos de verbos como em jog[á], em uso na fala dos brasileiros, mas que

na escrita deve obedecer ao código ortográfico vigente.

Além disso, temos a realidade da escola onde as crianças são portadoras de um dialeto

rural, onde provêm de famílias geralmente de baixa escolaridade, pertencentes a estratos

sociais menos privilegiados

onde os professores do ensino fundamental ganham salários degradantes,

onde os direitos humanos mais elementares são negados, barram qualquer

motivação para aprender a ler e escrever. A maioria das famílias destas

crianças, mesmo se um dos pais reconhece umas poucas palavras, pratica

unicamente seus mais rudimentares usos sociais, valendo-se de algumas

estratégias que estão muito distantes dos princípios dos sistemas alfabéticos

(SCILIAR-CABRAL, 2003, p. 41)

Como vimos, os processos apresentados no Quadro 6 possuem uma forte avaliação

negativa, embora em número reduzido erros como ‗muié‘, ‗cranero‘ foram encontrados na

escrita de alunos do ensino público.

No ensino particular, encontramos apenas dois erros de juntura na categoria 2 e e dois

erros referentes à queda do / r / final. Em relação à categoria 4, nenhuma ocorrência foi

encontrada.

Page 39: Interferência da oralidade na escrita uma análise de erros ortográficos

38

Hoje há métodos4 tanto para a aquisição do sistema da escrita como para o

desenvolvimento das habilidades de utilização desse sistema para a interação social. Talvez

falte vontade política para investir em formação e remuneração dignas para os professores

desempenharem sua função com eficiência.

4 Como, uma ação pedagógica partindo da análise da escrita espontânea da criança (Soares, 1999), dentre tantos

outros programas eficientes.

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