Interação entre sistema imunológico do suíno e · primárias da imunidade inata do orga-nismo....

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22 Sanidade Interação entre sistema imunológico do suíno e micotoxicose Elizabeth Santin H. Dalagnol Departamento de Medicina Veterinária, Universidade Federal do Paraná [email protected] Introdução O sistema imunológico dos ani- mais é fundamental para a defesa contra agentes estranhos ao organismo como ví- rus, bactérias, protozoários e outros para- sitas. Na realidade, são o equilíbrio entre a boa funcionalidade deste sistema (imu- nocompetência) e os desaos de campo que vão determinar a saúde de um animal. Sempre que ocorrer aumento na pressão infectiva ou uma diminuição na capacida- de imunogênica do indivíduo ocorre o que caracterizamos como doença. Animais enfermos são menos produtivos, e, além disso, aumentam os custos de produção por necessidade de medicamentos e intervenções veteriná- rias. Devido a isso, atualmente vários pro- gramas de manejo (incluindo programas de biossegurança e criações all in all out) têm colaborado na diminuição da pressão infectiva nas instalações para animais. Entretanto, existem vários fatores nesta forma de produção intensiva de animais que possibilita uma menor competên- cia do sistema imunológico dos animais como situações de estresse ou presença de fatores anti-nutricionais e tóxicos na ra- ção. Entre estes fatores destaca-se o papel das micotoxinas, que são produtos do me- tabolismo intermediário de fungos e que podem estar presentes na ração. O cresci- mento fúngico em cereais e rações é cada vez mais comum devido as novas tecnolo- gias de plantio de cereais, péssimas con- dições de transporte, armazenamento e estocagem destas matérias primais, o que aumenta muito a probabilidade da presen- ça de micotoxinas nas rações. Essas micotoxinas presentes na ração podem causar diversas alterações metabólicas no animal, que acarretam em diversas apresentações de enfermida- des que chamamos micotoxicoses. Entre essas micotoxicoses clínicas especícas, podem-se citar as conhecidas formas clí- nicas caracterizadas por estrogenismos e abortos provocados por zearalenona, o edema pulmonar porcino provocado por fumonisinas, vômitos provocados pela toxina DON (vomitoxina), etc. O grande problema no que se refere as micotoxi- nas é que doses de micotoxinas que não causam esses quadros clínicos conhecidos podem culminar com o aparecimento de imunossupressão nos animais caracteri- zadas por infecções subclínicas, falhas de vacinações e enfermidades infecciosa nos animais. Vários são os mecanismos pelos quais as distintas micotoxinas conheci- das podem atuar no sistema imunológico. Desta maneira, neste texto, busca-se apre- sentar estudos envolvendo a interferência destas micotoxinas com o sistema imuno- lógico de suínos. Conhecendo Sistema Imunológico em Suínos De acordo com Abbas et al., (2000), o termo imunidade tem sua ori- gem na palavra latina immunitas que na Roma antiga referia-se a exceções legais oferecidas aos senadores da época duran- te seu período de mandato. Infelizmente hoje ainda esses privilégios políticos aca- bam trazendo inúmeros problemas para nossa sociedade moderna. Entretanto, a parte disso, ao longo dos séculos o termo imunidade refere-se a prevenir doenças, mais especicamente a doenças infeccio- sas. Uma denição mais ampla de imu- nidade relaciona a reação do organismo contra substâncias incluindo microorga- nismos, macromoléculas como proteínas e polissacarídeos. As células e moléculas responsáveis por essa imunidade consti- tuem o sistema imunológico e a interação coletiva dessas estruturas e moléculas na resposta contra agentes estranhos ao orga- A presença de micotoxinas na ração, podem desencadear alguns sinais clínicos como o edema de vulva em leitões recém-nascidos. Suínos & Cia Ano VI - nº 25/2008

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Sanidade

Interação entre sistema imunológico do suíno e

micotoxicose

Elizabeth Santin H. DalagnolDepartamento de Medicina Veterinária,

Universidade Federal do Paraná[email protected]

Introdução

O sistema imunológico dos ani-

mais é fundamental para a defesa contra

agentes estranhos ao organismo como ví-

rus, bactérias, protozoários e outros para-

sitas. Na realidade, são o equilíbrio entre

a boa funcionalidade deste sistema (imu-

nocompetência) e os desaÞ os de campo

que vão determinar a saúde de um animal.

Sempre que ocorrer aumento na pressão

infectiva ou uma diminuição na capacida-

de imunogênica do indivíduo ocorre o que

caracterizamos como doença.

Animais enfermos são menos

produtivos, e, além disso, aumentam os

custos de produção por necessidade de

medicamentos e intervenções veteriná-

rias. Devido a isso, atualmente vários pro-

gramas de manejo (incluindo programas

de biossegurança e criações all in all out)

têm colaborado na diminuição da pressão

infectiva nas instalações para animais.

Entretanto, existem vários fatores nesta

forma de produção intensiva de animais

que possibilita uma menor competên-

cia do sistema imunológico dos animais

como situações de estresse ou presença de

fatores anti-nutricionais e tóxicos na ra-

ção. Entre estes fatores destaca-se o papel

das micotoxinas, que são produtos do me-

tabolismo intermediário de fungos e que

podem estar presentes na ração. O cresci-

mento fúngico em cereais e rações é cada

vez mais comum devido as novas tecnolo-

gias de plantio de cereais, péssimas con-

dições de transporte, armazenamento e

estocagem destas matérias primais, o que

aumenta muito a probabilidade da presen-

ça de micotoxinas nas rações.

Essas micotoxinas presentes na

ração podem causar diversas alterações

metabólicas no animal, que acarretam

em diversas apresentações de enfermida-

des que chamamos micotoxicoses. Entre

essas micotoxicoses clínicas especíÞ cas,

podem-se citar as conhecidas formas clí-

nicas caracterizadas por estrogenismos

e abortos provocados por zearalenona, o

edema pulmonar porcino provocado por

fumonisinas, vômitos provocados pela

toxina DON (vomitoxina), etc. O grande

problema no que se refere as micotoxi-

nas é que doses de micotoxinas que não

causam esses quadros clínicos conhecidos

podem culminar com o aparecimento de

imunossupressão nos animais caracteri-

zadas por infecções subclínicas, falhas de

vacinações e enfermidades infecciosa nos

animais. Vários são os mecanismos pelos

quais as distintas micotoxinas conheci-

das podem atuar no sistema imunológico.

Desta maneira, neste texto, busca-se apre-

sentar estudos envolvendo a interferência

destas micotoxinas com o sistema imuno-

lógico de suínos.

Conhecendo Sistema Imunológico em Suínos

De acordo com Abbas et al.,

(2000), o termo imunidade tem sua ori-

gem na palavra latina immunitas que na

Roma antiga referia-se a exceções legais

oferecidas aos senadores da época duran-

te seu período de mandato. Infelizmente

hoje ainda esses privilégios políticos aca-

bam trazendo inúmeros problemas para

nossa sociedade moderna. Entretanto, a

parte disso, ao longo dos séculos o termo

imunidade refere-se a prevenir doenças,

mais especiÞ camente a doenças infeccio-

sas. Uma deÞ nição mais ampla de imu-

nidade relaciona a reação do organismo

contra substâncias incluindo microorga-

nismos, macromoléculas como proteínas

e polissacarídeos. As células e moléculas

responsáveis por essa imunidade consti-

tuem o sistema imunológico e a interação

coletiva dessas estruturas e moléculas na

resposta contra agentes estranhos ao orga-

A presença de micotoxinas na ração, podem desencadear alguns sinais clínicos como o edema de

vulva em leitões recém-nascidos.

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Sanidade

nismo é denominado resposta imunológi-

ca.

Quando o sistema imunológico

funciona adequadamente e ocorre um

equilíbrio entre ele e a pressão infeccio-

sa, o animal encontra-se em condições de

homeostase ou apresenta-se saudável. Em

condições de homeostase, este sistema é

um consumidor modesto dos recursos or-

gânicos, porém, uma vez ativado, torna-

se um grande sorvedouro de energia e

nutrientes - os quais o organismo animal

desvia da produção de carne, leite e ovos

(Koutsos e Klasing, 2001). Algumas ve-

zes pode ocorrer também, que esses me-

canismos desenvolvidos para defender o

organismo causem danos teciduais e do-

enças.

A defesa do organismo contra

agentes estranhos é mediada por reações

primárias da imunidade inata do orga-

nismo. Posteriormente, ocorre a resposta

imune denominada adaptativa. A imuni-

dade inata é reconhecida como barreiras

físicas e químicas como epitélio e subs-

tâncias produzidas por algumas células

que possam ter alguma atividade anti-

bacteriana como o ácido estomacal, por

exemplo.

Além disso, fazem ainda parte da

imunidade inata do organismo as células

fagocíticas (macrófagos e neutróÞ los) e

células natural killer (NK), proteínas do

sangue como as que compõem o sistema

complemento e as citocinas que regulam e

coordenam muitas atividades das células

que fazem parte desta imunidade inata.

Apesar da imunidade inata já existir no

animal, independente de qualquer desaÞ o,

sabe-se que esta imunidade aumenta em

magnitude e capacidade defensiva a cada

exposição sucessiva a distintos agentes.

Por outro lado, a imunidade adap-

tativa é considerada a imunidade desen-

volvida especiÞ camente para um agente,

por isso também é denominada imunidade

especíÞ ca, e tem a capacidade de “memo-

rizar”, de forma que a segunda resposta

a esse mesmo agente será ainda mais vi-

gorosa que da primeira vez em que esse

agente for detectado. Os componentes

primordiais desta resposta especíÞ ca são

os linfócitos e seus produtos como as

linfocinas e os anticorpos. Na realidade,

estes dois tipos de imunidade (inata e

adaptativa) trabalham de forma integrada,

sendo que a imunidade inata é fundamen-

tal para que se desenvolva posteriormente

uma imunidade especíÞ ca contra determi-

nado antígeno. Por outro lado, a resposta

secundária da imunidade especíÞ ca utiliza

inúmeros componentes da imunidade ina-

ta para que essa resposta secundária espe-

cíÞ ca seja realmente mais rápida e eÞ caz.

Dentro da imunidade especíÞ ca

pode haver dois tipos de imunidade que

chamamos imunidade especíÞ ca humoral

e imunidade celular. A imunidade humo-

ral é mediada por anticorpos produzido

pelos linfócitos B, que têm como função

neutralizar a infectividade dos agentes e

sinalizá-los para a eliminação através de

vários mecanismos. Alguns anticorpos in-

duzem a fagocitose por células fagocíticas

e outros desencadeiam a liberação de me-

diadores da resposta inß amatória a partir

de mastócitos. A imunidade celular é me-

diada por linfócitos T que normalmente

dirigem-se contra células infectadas. Isso

pode acontecer quando algum vírus, bac-

téria ou protozoário infecta e se prolifera

dentro de fagócitos.

Para otimizar essa interação en-

tre os componentes do sistema imune,

os linfócitos e as células assessórias do

sistema imune encontram-se localizados

e concentrados em órgãos denominados

anatomicamente como órgãos linfóides

primários e secundários. Os primários são

aqueles onde os linfócitos primeiramente

se desenvolvem, expressam os receptores

de antígenos e atingem sua maturidade

funcional. São eles o timo (desenvolvi-

mento de linfócitos T) e a medula óssea

(desenvolvimento de linfócitos B). Os

órgãos imunes secundários são aqueles

para onde migram essas células B e T e

onde ocorre a resposta destas aos antíge-

nos. São eles o baço, linfonodos, sistema

imune cutâneo e sistema imune de muco-

sas. O sistema imune de mucosas é muito

importante para conferir proteção contra

patógenos que tipicamente invadem o or-

ganismo através de suas superfícies.

No caso da utilização de vaci-

na por via oral, sabe-se que ao imunizar

esta mucosa desencadeia-se uma prote-

ção também em outras mucosas(22). Outro

ponto interessante neste sistema imune de

mucosa são as alterações morfológicas

descritas por alguns pesquisadores. De

acordo com Pluske et al. (1997) e Brown

et al. (2006), em suínos, logo após o des-

mame o intestino tem papel fundamental

na defesa do organismo e por isso aumen-

ta sua taxa de renovação celular na mem-

brana, alterando a relação vilo/crypta e

aumentando a atividade das enzimas di-

gestivas na membrana em escova da mu-

cosa intestinal.

Desta maneira, Þ ca claro que

o sistema imune tem papel importante

também no desempenho animal podendo

interferir no funcionamento de outros ór-

gãos e sendo interferido por diversos fa-

tores, principalmente nutricionais, como é

o caso da troca alimentar e a presença de

micotoxinas na dieta.

As micotoxinas são substâncias toxicas que atuam diretamente no sistema imunológico, tornando

os animais mais susceptiveis as efermidades.

Suínos & CiaAno VI - nº 25/2008

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Micotoxinas e sua interferência no sistema imune de suínos

Micotoxinas são substâncias tó-

xicas produzidas por fungos que podem

ocorrer em cereais utilizados na ração

animal e que causam inúmeras alterações

no organismo tendo principal inß uência

no sistema imune. Acredita-se que 25%

dos cereais produzidos no mundo estão

contaminados por micotoxinas. Estudos

indicam que as micotoxinas podem ser

formadas em várias partes da cadeia de

produção alimentar como nos cereais ain-

da na lavoura, durante o armazenamen-

to, a fabricação e transporte de rações e

durante o armazenamento deste alimento

nas granjas de produção animal(20).

Até hoje foram descritos mais de

300 diferentes tipos de toxinas produzi-

dos por distintas espécies fúngicas e que

podem afetar de diversas maneiras o sis-

tema de defesa do organismo a agentes

estranhos com imunossupressão ou imu-

noestimulação. Na tabela 1 estão descritas

algumas das principais toxinas produzidas

pelos fungos.

A maioria das micotoxinas é des-

crita como inibidoras da síntese de proteí-

nas como DON, aß atoxina, ocratoxina e

muitos descrevem que a maior inß uência

destas toxinas estaria relacionada ao fato

de diminuírem a cascata de síntese protéi-

ca tão necessária para os mecanismos de

defesa do organismo que envolvem desde

mitose celular até produção de proteínas

como anticorpos e linfocinas, provocando

imunossupressão no animal exposto a es-

tas toxinas.

Entretanto, Pestka et al. (2004)

descreveram que deoxynivalenol (DON) e

outros tricotecenos podem tanto ter efeito

imunoestimulatório como imunossupres-

sivo dependendo da dose, freqüência de

exposição e status imunitário. De acordo

com aqueles autores, baixas doses de tri-

cotecenos interferem com a expressão de

citocinas e genes inß amatórios induzindo

imunoestimulação, enquanto altas doses

promovem apoptose de leucócitos com

concomitante imunossupressão. Aque-

le estudo demonstra que as micotoxinas

podem também causar desregulação na

sinalização celular com conseqüentes al-

terações na expressão gênica de distintos

tipos celulares.

Um estudo in vitro realizado com

células imunes humanas demonstrou que

T-2 e fusarenon X causam efeito imunos-

supresivo em linfócitos. Nivalenol e DON

inibem a mitogenese de células NK e zea-

ralenona, alfa-zearalenol e beta-zearale-

nol apresentam um efeito de inibição na

mitogenese de linfócitos somente em altas

doses(3). Um estudo realizado por Silvotti

et al (1997) demonstrou que quando por-

cas foram alimentadas com 800 ppb de

aß atoxina durante gestação e lactação,

foi detectado 500 ppt de aß atoxina M1 no

leite e os leitões nascidos destas porcas

apresentaram-se alteração na imunidade

celular. No caso da aß atoxina, o meca-

nismo responsável pela imunossupressão

está relacionado com sua inibição na sín-

tese protéica.

Tanto a imunidade inata como a

adquirida pode ser afetada pelas micoto-

xinas. O efeito das micotoxinas pode ser

ilustrado sobre o epitélio intestinal, por

exemplo, já que essa mucosa é conside-

rada uma barreira física contra patógenos

- possuindo ao mesmo tempo componen-

tes da imunidade inata quanto especíÞ ca

- como é o caso da presença de linfócitos

e IgA. Na realidade, logo da ingestão de

um alimento contaminado, as células da

mucosa intestinal podem Þ car expostas a

grandes concentrações desta toxinas(19).

Como é descrito por Bouhet e Oswald

(2005), a função de barreira física reali-

zada pelo epitélio intestinal é conseguido

através da resistência elétrica trans-epite-

lial (TEER) que existe na monocamada

celular. Algumas toxinas são capazes de

diminuir essa TEER em células do intes-

tino de humanos como ocratoxina, patu-

lina e deoxivalenol. Bouhet et al., (2004)

descreveram que fumonisina altera essa

resistência trans-epitelial nas células do

intestino de suínos.

De acordo com aqueles autores,

essa pode ser uma explicação dos proces-

sos de injúria, descamação e ulceração

observada em animais expostos à inges-

tão de micotoxinas. Vários investigadores

procuraram explicar qual o mecanismo

que as micotoxinas poderiam afetar essa

TEER na mucosa intestinal. McLaughlin

et al. (2004) explica que isso pode aconte-

cer devido a diminuição na quantidade de

proteínas nas junções celulares. De acor-

do com Leung et al. (2003) a diminuição

na biossíntese de esÞ ngolipidios que é ini-

bida pelas toxinas pode alterar a regulação

elétrica das células epiteliais.

Por outro lado, as células da mu-

cosa intestinal que fazem essa proteção fí-

sica inata são um tecido que está em cons-

tante renovação para manter a integridade

deste epitélio, o que ocorre a partir da pro-

liferação de células indiferenciadas prove-

nientes da cripta e que se diferenciam e se

deslocam ao longo das vilosidades, sendo

eliminados por extrusão no ápice do vilo

intestinal. Micotoxinas como T2 (Li et

al, 1997) e ocratoxina(2) induzem necrose

das células epiteliais da cripta chegando

à atroÞ a de vilosidades. Fumonisinas são

descritas como bloqueadora das fases G0/

G1 do ciclo das células epiteliais dimi-

nuindo sua proliferação(4). Baixas doses

de DON interferem com a diferenciação

de enterócitos(10).

Principais toxinas produzidas pelos fungos

Micotoxina Gênero Fúngico Produtor

Aß atoxina, B1, B2, G1, G2 Aspergillus e Penicillium

Tricotecenos (+30 substâncias entre elas T2, DON, DAS, etc)

Fusarium

Ocratoxina Aspergillus e Penicillium

Patulina Aspergillus e Penicillium

Zearalenona Fusarium

Citrinina Aspergillus e Penicillium

Fumonisina Fusarium

Gliotoxina Aspergillus

Ácido Penicílico Penicillium

Moniliformina Fusarium

Ergotamina Claviceps

Ácido ciclopiazônico Aspergillus

Ácido fusárico Fusarium

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Sanidade

Ainda no que se refere à imunida-

de inata da mucosa intestinal, sabe-se que

a produção de muco a partir das células

caliciformes (também chamadas células

Globbet) tem importante função como

lubriÞ cação e barreira protetora deste

epitélio. Sabe-se que quando a mucosa

intestinal é “desaÞ ada” ocorre incremen-

to no número destas células no intestino

com aumento na produção de muco. Isto é

demonstrado no caso de fatores antinutri-

cionais dos cereais (Oliveira et al., 2000).

Entretanto, somente um estudo na litera-

tura demonstra que fumonisina induz hi-

perplasia de células epiteliais da mucosa

intestinal de frangos de corte(6). Mais es-

tudos neste aspecto são necessários para

veriÞ car a inß uência desta e outras mi-

cotoxinas sobre a proliferação de células

caliciformes e a produção de muco.

Na imunidade especíÞ ca de muco-

sa destaca-se o papel das imunoglobulinas

e células imunes como linfócitos T. Em

suínos, assim como em outros mamíferos,

80-90% das imunoglobulinas presentes

nos ß uídos intestinais, lágrimas e glându-

las parótidas são IgA(08). De acordo com

revisão de Bouhet et al. (2005), toxina T-2

suprime as células B nas placas de Peyer

mas o efeito direto sobre a produção de

IgA não foi investigado. Por outro lado,

Petska et al. (2004) aÞ rmam que outros

tricotecenos como DON e nivalenol pro-

vocam uma dramática elevação na produ-

ção de IgA em ratos, a ponto de o acú-

mulo destes anticorpos causar nefropatia

e hematuria.

Outro aspecto afetado pelas mi-

cotoxinas é a produção de citocinas pe-

las células intestinais que desempenham

papel fundamental no recrutamento de

células inß amatórias para defesa desta

mucosa. Oswald et al. (2003) descreveu

que leitões alimentados com baixos níveis

de fumonisina diminuem a expressão de

IL-8 no íleo, sugerindo que este fato pode

ter grande inß uência na maior susceptibi-

lidade à E. coli observada nestes animais

quando comparado ao grupo controle.

Aqueles autores sugerem que esse me-

nor recrutamento de células inß amatórias

ocasionado pela diminuição na expressão

de IL-8 se associa a ação desta toxina na

redução de proliferação celular e integri-

dade da mucosa do intestino aumentado a

susceptibilidade dos animais a coloniza-

ção bacteriana.

A interferência de micotoxinas na

defesa das mucosas também foi descrita

sobre a funcionalidade de macrófagos al-

veolares em suínos. Liu et al. (2002) de-

monstrou que tanto fumonisina B1 quanto

aß atoxina apresentam citotoxicidade dose

e tempo dependente para macrófagos al-

veolares de suínos, porém a partir de al-

terações distintas uma vez que são meta-

bólitos totalmente diferentes. Fumonisina

B1 inibe a esÞ gosina e esÞ gosina N-ace-

tiltransferase que são fundamentais para a

rota “de novo” de síntese de esÞ ngolipí-

dios. Este é descrito como um evento ini-

cial da citotoxicidade da fumonisina em

células. Alguns estudos demonstram que

a toxicidade da fumonisina para macrófa-

gos de aves (Qureshi and Hagler, 1992) é

maior que a observada em suínos(12), su-

gerindo uma diferença entre as espécies

animais quanto à sensibilidade a esta mi-

cotoxina.

Por outro lado, o efeito biológi-

co de toxicidade celular das aß atoxinas

inclui citotoxicidade aguda que requer

a ativação do 2,3 epoxy metabólito pela

monooxigenase, ativando ligações co-

valentes entre aß atoxina epoxidos com

macromoléculas. De acordo com Liu et

al (2002) macrófagos de suínos possuem

essa monooxigenase para ativar aß ato-

xina B1, gerando citotoxicidade nestas

células de forma 10 vezes mais potente

que a fumonisina B1. Aqueles autores re-

lataram ainda que somente a fumonisina

induz apoptose nestes macrófagos, mas

ambas as toxinas diminuem a atividade

fagocitica destas células. A fumonisina

atuaria ainda reduzindo a produção de ci-

tocinas por essas células o que diminui a

regulação da resposta inß amatória nestes

tecidos. Pang et al. (1987) observaram

diminuição na capacidade fagocítica de

macrófagos alveolares e na resposta blas-

togênica de linfócitos pulmonares em suí-

nos que inalaram T-2.

Esta inß uência dos metabólitos tó-

xicos de fungos na imunidade das muco-

sas pode afetar muitíssimo o desempenho

animal, já que a indução desta imunidade

é muito importante para conferir proteção

contra diversos patógenos que tipicamen-

te invadem essas superfícies. Em adição,

existe aparentemente uma interrelação

entre as distintas mucosas do organismo,

o que permite que a estimulação de uma

superfície mucosa potencialmente induza

proteção especíÞ ca em outras mucosas(22).

Como a administração de vacina via oral

também é uma rota bastante prática e eco-

nômica de imunização dos animais, quan-

do ocorre a interferência de micotoxinas

nesta resposta imune, o resultado da vaci-

nação pode ser afetado.

Estudos em ratos também apre-

sentaram que o efeito da fumonisina so-

bre a resposta à imunização com SRBC

(eritrócitos de carneiro) depende do mo-

mento da administração da toxina, sendo

seu efeito evidente somente se a imuni-

zação ocorrer concomitantemente com a

vacinação(23). Aqueles autores também de-

clararam que somente os machos, e não as

fêmeas, tiveram sua imunidade humoral

afetada pela fumonisina.

As micotoxinas podem ser formadas em várias partes da cadeia de produção alimentar, como nos

cereais ainda na lavoura, no armazenamento e transporte.

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O efeito de micotoxinas afetando

a produção da imunidade a vacinações

já foi descrita em 1978 por Cysewski et

al. demonstrando que dietas contamina-

das com aß atoxina diminuíam a resposta

de suínos a vacinação contra Erisipela.

De acordo com Oswald (2006), alimen-

tação de suínos com 8 ppm fumonisina

não modiÞ ca a concentração sérica total

de imunoglobulinas mas diminui signi-

Þ cativamente a resposta especíÞ ca a um

modelo de antígeno como a vacina de

micoplasma. Aquela mesma autora aÞ rma

que em estudos in vitro a fumonisina inibe

a proliferação celular e altera a produção

de citocinas, referindo-se especiÞ camen-

te ao aumento na síntese de IFN-y, uma

citocina de linfócitos T helper 1 (Th1)

envolvidas na mediação da resposta imu-

ne celular e ao mesmo tempo, diminui a

IL-4, citocina Th2, envolvida na resposta

imune humoral.

Na verdade, todas essas alterações

descritas na literatura comprovam que as

micotoxinas alteram a resposta imune dos

animais, podendo interferir com a resposta

vacinal deixando os animais susceptíveis

a infecções inespecíÞ ca ou mesmo para

aquelas as quais esses animais tenham

sido vacinados. Cabe ainda ressaltar que

a maioria dos estudos citados relaciona a

adição de micotoxinas puriÞ cadas a dietas

de boa qualidade. Na prática, quando há

presença de micotoxinas na dieta, em al-

gum momento ocorreu o desenvolvimen-

to de fungos neste cereal e/ou ração. Nor-

malmente, esse desenvolvimento fúngico

causa perdas nutricionais, além de poder

haver várias toxinas presentes, cujo siner-

gismo ainda não é conhecido. Nestas con-

dições é bem possível que o efeito do uso

de cereais e/ou alimentos contaminados

com fungos e micotoxinas na dietas dos

animais possa promover interferências no

sistema imune dos animais que ainda não

são conhecidas, mas que provavelmente

esteja relacionada a imunossupressão.

Infelizmente, está bastante dis-

tante a solução para o controle total das

micotoxinas em alimento animal, mas o

emprego de um programa adequado de

controle de fungos e micotoxinas pode

ajudar a prevenir ou minimizar esses efei-

tos deletérios das micotoxinas.

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Referências

Suínos & CiaAno VI - nº 25/2008

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