Integralismo e Fascismos: exposição entre diferenças e semelhanças-Felipe Azevedo Cazetta

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    Breve anlise sobre o contexto

    de surgimento do Integralismo e

    Historiografia sobre o assunto

    Neste esforo de pesquisa, busca-se analisar afiliao do integralismo de Plnio Salgado,especificamente, para com os fascismos europeusque ascenderam ao Poder nfase Itlia e

    Alemanha. Este caminho ser traado frente ssimilaridades explcitas entre AIB e Fascismos, aoque tange hierarquia, organizao para-estatal,aos ritos, s cerimnias e etc.; mas apegando-se

    igualmente ao aparato terico-ideolgico da AIB,que conforme terei oportunidade de evidenciar,no limitado apenas a um matiz. Desta forma,objetiva-se tecer uma breve genealogia do Sigma. Apesquisa se concentrar ento, nos marcos de 1932a 1938 (incio oficial da AIB e ltima tentativa deatingir ao poder com a participao de outrossetores sociais na intentona integralista,acontecimento que ficou conhecido como putch

    integralista1), podendo haver transcendnciadestes recortes cronolgicos, visto que a pesquisase prope a uma Histria da Cultura Poltica.

    A AIB, mesmo no sendo o primeiromovimento de extrema-direita no Brasil2, foi o quefigurou trajetria de maior destaque na penetraode sua ideologia entre as massas. Parte destesucesso se d pela relao dialtica de causa -consequncia, pela inoculao do nacionalismo edo terror entre simpticos e adeptos aomovimento. Esta relao se faz atravs de uso,predominante de metforas em discursos e emescritos, aludindo, entre outras mensagens, o pactoentre o comunismo, o satanismo e o liberalismo.Desta forma, possvel se combater dois males talcomo concebe o integralismo - o comunismo e oliberalismo alm de propagar o catolicismo comouma das armas de defesa.

    Frente riqueza de smbolos, rituais e

    uniformes, alm da postura ideolgica nacionalistae de anti-esquerda ser sincrnica ecloso dosfascismos na Europa a comparao com osmesmos, torna-se inevitvel. Desta forma, busca-seanalisar a filiao do integralismo de Plnio Salgado,especificamente, para com os fascismos queascenderam ao Poder nfase na Itlia e na

    Alemanha.O debate que est sendo recuperado, a

    respeito da composio genealgica dointegralismo, remete a uma literatura de cerca de

    trinta anos atrs, quando os rumos das discusses

    historiogrficas do integralismo, e conseqen-temente a respeito da AIB, tomaram um novoflego. Anterior ao ano de 1974, as discussesindubitavelmente meritrias por fornecer ocombustvel para possveis polmicas, deram lugara novas metodologias de investigao. Este debatecontinua vivo atravs de re-significaes.

    O lanamento da obra Integralismo (o fascismobrasileiro na dcada de 30), do autor gacho HlgioTrindade, em 1974, marcou a modificao no statusdas polmicas que cercavam o Sigma. Estas foramrefinadas, haja vista a adoo de ferramentassociolgicas e historiogrficas, enriquecendo a

    tradio de ensaios do momento. A metodologia incrementada pelo apego a um robusto arcabouo

    terico e pelo tratamento exaustivo de fontes denaturezas das mais diversas. Esta inovaometodolgica originou trabalhos de respeito edignos de nota. Dois dos mais importantes autores

    sobre o assunto so: o j citado Hlgio Trindade3 e

    o no menos importante J. Chasin4.Aps estes dois marcos referenciais, que so as

    obras de Trindade e Chasin, surgiram outros nomesque pesquisaram o assunto. Marilena Chau,Gilberto Vasconcelos, Ricardo Benzaquen de

    Arajo entre outros, seguindo, mais ou menos, alinha de um ou outro autor forneceram grandescontribuies sobre o assunto, argumentandosobre a insero ou no do integralismo esfera

    1 Sobre o assunto, ver: SILVA, Hlio.1938: Terrorismo em Campo Verde. Riode Janeiro: Civilizao Brasileira, 1971.

    2 Edgar Carone em: CARONE, Edgar.A Segunda Repblica (1930-1937) .

    Coleo Corpo e Alma do Brasil. SoPaulo: DIFEL, 1974. fornece, a partirde fontes primrias um panoramabastante completo dos movimentos deextrema-direita que precederam aAIB. Para uma abordagem maisanaltica, Hlgio Trindade enriquece oassunto com: TRINDADE, Hlgio.Integralismo (o fascismo brasileiro da

    dcada de 30). So Paulo: Difel, 1974.

    3 TRINDADE, Hlgio. Integra-lismo (ofascismo brasileiro da dcada de 30) ,1974.

    4 CHASIN, J.. O Integralismo de PlnioSalgado: forma de regressividade do

    capitalismo hper-tardio. So Paulo:Livraria Editora Cincias HumanasLTDA, 1978.

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    Integralismo e Fascismos:

    exposio entre diferenas e semelhanasFelipe Azevedo Cazetta

    Mestrando em Histria - Universidade Federal de Juiz de Fora - [email protected]

    Resumo:

    No incomum depararmos com comparaes entre a AIB e os Fascismos, sendo o primeiro constantemente reduzido relao demera cpia ou afiliao dos regimes de extrema-direita. Nesta tica h a necessidade de delinear fronteiras dentre as semelhanasdo integralismo e os fascismos quanto a concepes totalitrias de organizao e manipulao das massas.Palavras-chaves: Totalitarismo, Integralismo, Fascismo

    Abstract:

    It is not uncommon to come across with comparison between the AIB and the Fascisms, being the first one constantly reduced tothe relation to mere copy or affiliation of regimes by extreme-right. In this optics, has necessary to delineate borders among similar-ities of integralism and fascism as totalitarian conceptions of organization and manipulations of the masses.Keywords: Totalitarism, Integralism, Fascism

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    dos fascismos. Sob este aspecto que circunda odiscurso de cpia que circunda o integralismo, importante ressaltar que este assistiu ao seu piceentre os anos de 1970 e 1980, anos que igualmenteabrangeram o acirramento das polmicas eembates entre as teorias cepalinas e as teses

    dependentistas. Parece ilustrativo o depoimentofornecido por Gilberto Vasconcelos, respeito daimerso das discusses historiogrficas sobre ointegralismo, na teoria da dependncia, ao pontode situar a situao mimtica em um parmetro decorrelato ao binmio centro-periferia.

    Arriscaria dizer que na periferia a relao entrebase material da sociedade e a superestruturaideolgica tambm, para usar um umaexpresso familiar teoria da dependncia, desegundo grau. Tal expresso, ou outracorrelata, recorrente em autores que tentam aexemplo de Fernando Henrique Cardoso,

    Roberto Shwarz e Florestan Fernandes, fisgar aparticularidade do desenvolvimento capitalista noBrasil, sem, contudo hipostasi-la no sentido deperder de vista que a periferia integra o sistemacapitalista global, ou seja, sem esquecer que aquio regime de classes o mesmo dos pasescapitalistas centrais, embora varie sua gnese e

    sua dinmica em virtude da dominao externa.5

    Seguindo esta lgica, Vasconcelos interpreta omovimento integralista como um fascismoaculturado, porm, que no abdica da sua heranamodernista, advinda do grupo verdamarelo eposteriormente do Anta. Assim sendo, mesmo

    permeado pelo verniz nacionalista e deoriginalidade modernista, o integralista estariapossudo pelo contedo fascista. Este choque queestruturaria a aculturao fascista que ilustraria a

    Ao Integralista Brasileira (AIB). Nas palavras doprprio Vasconcelos:

    Ao Estado Integral, caberia restitu-la [a formaoda nacionalidade], eis onde desemboca a idolatrianacionalista do elemento pr-colonial. Seu

    grande desafio, criar uma cultura exclusivamentebrasileira, como insistiram os ensaios de OCurupira e o Caro. O primeiro passo, portanto,seria pr fim reproduo dos simulacros

    europeus. De que modo? Rompendo com asnaes velhas, esquecendo Ocidente. Utopianarcisista vislumbrando um Brasil debruadosobre si mesmo e auto-suficiente, insulado domundo; contente da vida, mas assexuado, semflancos e orifcios: mnada entricheirado pelo

    cerco do totalitarismo.6

    Seguindo esta linha, ao nos deter obra deChau e Franco, observa-se um enfoque maisrestrito no discurso terico. Chau atenta commaior vigor debilidade retrica e na frouxido doselos que costuram a ideologia da AIB em lugar de

    fazer comparaes. A autora descreve umatrajetria tnue, transitando entre as linhas deChasin (que defende que o discurso de enxerto

    terico apenas desvaloriza a anl ise histrica

    nacional) e a de Trindade (a cpia indubitvel queocupa lugar de relevo no Integralismo).

    No cabe, por hora, discutir a significao dasnecessidades histricas da importao das idiasem que volta e meia se repete uma constelao

    na qual a ideologia hegemnica do Ocidente sefaz figura derrisria, de mania entre manias.Que essa importao determinada pelo ritmointernamente necessrio do capitalismobrasileiro para ajustar-se ao compasso da msicainternacional, coisa que no duvidamos. Que aimportao no indiscriminada nem recolhe in

    toto as constelaes ideolgicas metropolitanas,

    tambm no objeto de dvida.7

    Chau obtm bastante sucesso ao dissertar arespeito da dimenso do movimento, do apoioatribudo AIB, e ao fato de estruturas jconsolidadas encaminharem as massas aointegralismo.

    Se o lema Deus, Ptria e Famlia alimenta ocatolicismo dos militares e explica seu moralismona crtica da democracia liberal que destri os

    valores sagrados, esse lema tambm sustenta aatitude anti-comunista, na medida em que omarxismo, o socialismo, o bolchevismo e ocomunismo, sendo materialistas, so ateus,internacionalistas e destruidores do ncleofamiliar. Todavia, preciso lembrar que asrelaes da AIB com a Igreja sempre foramcomplicadas e nem sempre pacficas, havendonecessidade, a cada passo, por parte do Chefe,de provar sua ortodoxia e apelar para o

    testemunho de eclesisticos integralistas.8

    Fato que, Marilena Chau ainda mantm odilogo j supracitado, com a Teoria da dependnciae da deteriorao dos termos de troca. Linha queRicardo Benzaquen busca romper com esta linha,com seu opsculo Totalitarismo e Revoluo.Inserindo uma discusso iniciada por Chasin, masno explorada, que associao do integralismo nombito das ideologias totalitrias, e para isso eleresponde de maneira afirmativa, porm ressalta aparticularidade deste, visto a penetrao da

    influencia crist no Sigma9; alm da associao,apontada por Benzaquen de Arajo, entre aspropostas conservadoras com o projetos

    totalitrio, definindo um singular espao deconcordncia na negao da doutrina liberal.10

    Feita o breve levantamento historiogrfico deobras que servem de referncia introdutria aoassunto, passamos em revista ao recortecronolgico do rtico, correspondente aos anos de1932 a 1938. A conjuntura nacional no abrangiacondies para a instalao do fascismo no pas. ARevoluo de 1930 no realizou, tampouco tinhacomo objetivo, a modificao da ordem poltica eeconmica, antes dominada pela rgida estruturacoronelista. Desta forma, no primeiro momento,no houve a insero da burguesia nas esferas doPoder11, conforme o reivindicado na Alemanhanazista12. O governo Vargas possua forte

    5VASCONCELOS, Gilberto. IdeologiaCurupira: anlise do discurso integralista.

    So Paulo: Brasiliense, 1979. p. 43.

    6VASCONCELOS, Gilberto. IdeologiaCurupira: anlise do discurso integralista.p. 53.

    7 CHAU, Marilena. Apontamen-tospara uma crtica a Ao Integralista. In.CHAU, Marilena & Franco, MariaSylvia de Carvalho. Ideologia eMobilizao Popular. Rio de Janeiro: Paze Terra, 1978. pp.35 - 36.

    8 CHAU, Marilena. Apontamen-tospara uma crtica a Ao Integralista, p.76.

    9 ARAJO, Ricardo Benzaquen de.Totalitarismo e Revoluo: o Integralismo

    de Plnio Salgado. Rio de Janeiro: JorgeZahar editores, 1988. p. 83.

    10 ARAJO, Ricardo Benzaquen de.Totalitarismo e Revoluo: o Integralismo

    de Plnio Salgado.

    p .79.

    11 Ao se caracterizar a revoluo de1930, preciso considerar que aslinhas mais significativas so dadas pelofato de no importar em alterao dasrelaes de produo na instnciaeconmica, nem na substituioimediata de uma classe ou frao declasse na instncia poltica. FAUSTO,Boris. A Revoluo de 1930:Historiografia e Histria. So Paulo:Brasiliense, 1983, p. 86.

    12 ARENDT, Hannah. Origens dototalitarismo. So Paulo: Companhiadas Letras, 1989, p. 384 a 388.

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    colaborao entre as organizaes catlicas quetrabalhavam com emigrantes ital ianos, e osorganismos fascistas ocorreram, mas no no nvel

    de dependncia desejado pelo fascismo18. Deuma forma ou de outra, o poder que o Papa exercia

    entre os italianos, dentro e fora do pas, era minadopelo regime fascista. Quanto Alemanha, o cultoao lder dissertado por Plnio Salgado, tingido porum tom de desprezo e surpresa, devido doexagerado enlace da devoo com a religio,conforme fica explcito no trecho de Palavra Novade Tempos Novos, em sua Carta de Fim de Ano

    A guerra s religies em estado latente, (...)prestes a assar ao estado patente (...) umaconsequncia natural do misticismo que ali secriou, s em base religiosa, isto , misturandoduas manifestaes humanas diferentes, nombito restrito do Estado. a prpria concepodo Estado Totalitrio no seu mximo exagero, noestilo de Csar: Chefe Militar, Chefe Civil ePontfice. (...) misticismo transportado do camporeligioso, onde sempre deveria estar, para ocampo das atividades polticas; a concepo doChefe, como um homem diferente dos outros,um semideus , a encarnao de Odin, e aconcepo de seus adeptos, como sresinumanos, super-religiosos, porm que, sem umfundamento cristo sincero, ultrapassaram a linhahipcrita do velho puritanismo, atingindo o outroextremo, onde a exploso de todos os recalquesacaba se manifestando como negao da prpria

    virtude.19

    Este repdio ao regime nazista alemo atreladoao catolicismo exacerbado que acompanhaSalgado, oposio esta que se potencializa emresposta campanha de perseguio aocatolicismo, desenvolvida por Hitler (ver emanexo). Esta promiscuidade, no entanto, entrereligio e poltica recriminada na Alemanha pelolder da AIB, passou despercebida na Itlia, diantedos elogiosos comentrios ao regime fascistaitaliano, ao ponto de declarar, contraditoriamenteque Somos mais avanados que o fascismo, no

    qual, diga-se de passagem, temos muito queobservar e aproveitar; (...).20

    Ao que insere entre as similaridades, entreintegralismo e os fascismos, o enfoque que mereceateno principal quanto s similaridades dosmodelos de totalitarismo implantado na Itlia, na

    Alemanha, e desejado pela a AIB no Brasil, a meuver, deve ser dado (...) ao comprometimento dapersonalidade do subordinado com o objetivo do

    lder21. Este aspecto bastante ilustrativo porapontar para dois pontos iniciais imprescindveis: acaracterizao essencial do totalitarismo; e a

    oposio deste com o autoritarismo, mesmo comambos muitas vezes se manifestando de maneiraintrnseca no momento da tomada do poder.

    O Estado Burocrtico Autoritrio, conforme

    afirma Guillermo ODonnell, particular asociedades capitalistas, sendo o Estado capitalista,por sua vez, originado por relaes de produo

    desiguais22, de forma a consolidar a diviso entreelite e marginalizados, quando se tem o poder

    como referncia. Desta forma, o EstadoAutoritrio, coopta como base de apoio um gruporestrito, fechado e aristocrtico, comrepresentantes provindos das elites civis e/oumilitares, com a finalidade de purgar o poder doselementos que provocavam ou tenderiam aprovocar distrbios justificando assim arestrio da composio do grupo dirigente; o

    totalitarismo exige a criao de um ldercarismtico, frente natureza distinta do respaldo,em relao ao autoritarismo.

    Ao passo que este se apia na elite civil oumilitar, aquele se sustenta pela simpatia das massas

    - basta recuperar que o fascismo italiano subiu aopoder com apoio amplo da populao, Hitler foieleito democraticamente, Plnio Salgado se lanoucomo candidato presidncia do Brasil em 1936,antes da instituio do Estado Novo, e Mussolini foiempossado com o aval do rei Vtor Emmanuel apsa marcha sobre Roma. Em suma, a democracialiberal, em contexto de instabilidade, propensa esuscetvel a ascenso de regimes totalitrios, mas,

    teoricamente, no pode se dizer o mesmo quanto

    ao autoritarismo23.Essa diferena crucial entre as duas formas de

    Estado de exceo. Ao termo que h odistanciamento dos governados, pelo regimeautoritrio, por julg-los incapacitados de reparar,por eles mesmos os desequilbrios que seinstalam no poder, tampouco serem dignos de

    participao poltica24; vital para o totalitarismo aaparncia fornecida massa, de que esta faz partedas decises polticas tomadas pelo chefe deEstado. Esta fico estabelece a identidadedissertada por Moore, entre lder e subordinados,relao que pouco ou nada importa a uma junta de

    governo autoritria. Tais caractersticas j

    apontadas situam integralismo e fascismos, comomovimentos de instncias totalitrias.Contudo, no basta somente essa relao de

    fidelidade entre lder e governado para seconsolidar o regime totalitrio. H a necessidadedo emprego do terror constante como forma depropaganda, voltado diretamente para os finspolticos. crucial para os partidos totalitrios omovimento tanto fsico quanto psicolgico do

    terror. sempre presente a idia de conspiraes,ou um mal maior que assole a estabilidade interna seja este mal o liberalismo cosmopolita, ocomunismo ou o perigo semita de dominao do

    mundo - que legitime a rdua situao domomento.

    Desta forma, a consolidao de uma utopia, quese tem por certo, no ser atingida ou se fazer em

    18 BERTONHA, Joo Fbio. Sob osigno do fascio: o fascismo, os imigrantes

    e o Brasil, 1922-1943. p. 42.

    19 SALGADO, Plnio. Palavra Nova deNovos Tempos In SALGADO, Plnio.Obras Completas, vol. VII. So Paulo:Editora das Amricas, 1955, pp. 292-293.

    20 SALGADO, Plnio. O Grande Sentidodo Sculo XX. In.A Quarta Humanidade.in. Obras Completas. vol. 5. 2 edio.So Paulo: Editora das Amricas, 1957.p. 102.

    21MOORE, Barrington. Poder poltico eteoria social: sete estudos. So Paulo:Cultrix,1972 . p.26.

    22 ODONNELL, Guillermo. Anlisedo Autoritarismo Burocrtico.Traduode Cludia Shilling. Rio de Janeiro: Paze Terra, 1990. pp.24-25.

    23 Uma tendncia importante dasociedade moderna (...) pode se ver nofato de que cada grupo tende adesenvolver sua prpria perspectiva ea desengajar-se da interpretaopblica de ordem existente. Esta tambm a razo do conhecido, maspouco explicado fenmeno de que ademocra-tizao, em sua primeiraetapa, no produz igualdade emunidade universal de pensa-mento,mas acentua divergncia entregrupos. MANNHEIM, Karl.Sociologia da Cultura. So Paulo:Perspectiva, Editora da Universidade

    de So Paulo, 1974. p. 77.

    24 Como exemplo desta auto-significao dos regimes autoritriosRosana Castiglioni expe que: Comoocorre em outros regimes autoritrios,a principal ideologia dos militareschilenos era a doutrina de segurananacional. A eleio e um governosocialista e os crescentes nveis depopulari-zao poltica queprecederam o colapso democrticocontribu-ram para a radicalizao dasidias militaristas. Isso por sua vezestimulou uma autopro-clamadamisso fundadora eu buscava criar umnovo Chile, transformandoestruturas institucionais polticas,econmicas e sociais. CASTI-GLIONI, Rosana. Penses e Soldados: opapel do poder, dos atores polticos com

    poder de veto e das ideologias sob o

    regime militar no Chile e no Uruguai. InCOELHO, Vera Schattan P. (org. ). AReforma da Previdncia Social na

    Amrica Latina. Rio de Janeiro: EditoraFGV, 2003. p. 69.

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    um longo tempo, que as vidas humanas nocomportam sintomas esses de uma exponencialatomizao da populao o princpio vital de umregime totalitrio, pois a partir do presentesombrio e da promessa de um futuro melhor, a

    violncia no primeiro momento e o terror soaceitveis e legitimados. Esta caracterstica expressamente encontrada nos programas dosmovimentos totalitrios. Por estar trabalhandoapenas com movimentos de extrema-direita citoduas passagens, referentes respectivamente anazismo e ao integralismo:

    Himmler, que conhecia tambm a mentalidadedaqueles a quem organizava, descreveu noapenas os membros da SS, mas as vastas camadasde onde os recrutava, quando disse que eles noestavam interessados nos problemas do dia-a-dia , mas somente em questes ideolgicas que

    trabalham numa grande tarefa que s apareceuma vez a cada 2 mil anos.25

    Plnio Salgado mais modesto em seus prazosde longa durao, quando diz que Nossacampanha durar, pelo menos um sculo. Oscamisas-verdes realizaro paradas e desfiles,conferncias, cursos, estudos, no com amentalidade dos galinceos, que no consideramnada alm do exguo terreiro, mas com a viso das

    grandes aves de asas abertas no infinito azul.26Aadeso em massa a este tipo de discurso,

    demonstra a necessidade de pertencer a um grupo,pouco importando que os integrantes possam ver oresultado final de sua ao. Em outras palavras h asobreposio da massificao, em detrimento doinstinto de autoconservao por parte dosindivduos massificados.

    Todavia, ainda que diante da abrangncia dentrodo mesmo conceito, os movimentos possuemdiferenas ora extrnsecas ora inerentes a si. Mooreaponta alguns tipos-ideais para explicar osmecanismos de ecloso para as lutas pela poder,dentre estes esto:

    O primeiro caso, o mais simples, aquele emque a sociedade empreende uma nova srie deatividades que, pela prpria natureza, requeremelevado grau de coordenao central. Osegundo, muito mais complexo, ocorre quandoum choque externo ou uma decadncia internaproduz um movimento no sentido dacompulsria reintegrao da sociedade, empadres novos ou parcialmente novos de

    comportamento.27

    O autor aponta diferenas interessantes quepodem abranger as dissidncias conjunturais que se

    pretende explicitar entre fascismos e integralismo.No h dvidas que Brasil e Europa viviammomentos distintos em seus respectivospercursos, em outras palavras, neste modelo

    proposto por Barrington Moore, o primeiro casopoderia ser aplicado ao contexto brasileiro;enquanto a Alemanha principalmente, mas tambma Itlia e todo o restante da Europa amargavam umperodo de depresso por terem sido palco da IGuerra Mundial, sofrendo colapsos econmicos epolticos, sincrnicos tarefa de reconstruo.Desta forma, mesmo sabendo que estes modelospropostos so tipos ideais, que podem serutilizados nas mais diferentes conjunturas ao longoda Histria, estes momentos dspares podem serencontrados nas falas e queixas das lideranas doSigma e do Nazismo.

    No conjunto das obras de Plnio Salgado, soinmeras as referncias ao perodo de transio emudanas estruturais nos setores sociais eeconmicos do pas, contudo, optou-se por um deseus romances, O Esperado, absolutamente

    embebidos em sua ideologia anti-burguesa liberal eanti-cosmopolita, anti-comunista, e nacionalistaonde ironicamente - , o autor escreve no prefcioda primeira edio que: ste romance nodefende nenhuma tese. Expe uma situao eprocura marcar tipos expressivos de uma

    sociedade angustiada.28 Falas um tanto quantoestranhas para quem satiriza os marxistas, taxando-os de metafsicos do materialismo histrico, ouos anarquistas de A expresso negativa de todas as

    comunhes.29

    Apenas para citar duas amostras das sensaes

    que o autor transparece sobre as mudanas daquiloque Salgado chama de estado de esprito do pas,logo no prefcio da terceira edio daquele livro, older integralista expe que Desde a revoluopoltica de 30, criou-se um estado de esprito novono Brasil. Da o sbito aparecimento de inmeros

    romances sociais.30 E completa com acontraposio do Brasil urbano e acelerado dasdcadas de 20 do sculo passado, com o agrarismoencontrado no interior do pas convivendosincronicamente:

    Carrilhes azuis! E as fbricas que mugem

    tornos zumbindo, limas-cigarras cantando nosossos de ao, fornalhas, teares troantes; e, longe,os tratores arranhando, em todos os sentidos, a

    terra; arados mordendo o peito do serto;cantigas matrimnios, germinaes fervendo,

    vozear irrevelado de vozes...31

    O que importa para o momento a observaodas dissonncias do momento vivido entre Brasil eEuropa. Ambos passam por crises entre as dcadasde 1920 e 1930, contudo so momentos distintosobservados com excelncia por ODonnell, quandoexpe 4 modelos de instabilidade que os Estados

    democrticos podem vir a sofrer. Observemos doisdestes, pois sero estes os mais teis:

    Um segundo nvel o de crise de regime. Isto ,no s grupos expulsando do governo, mas

    25 Discurso de Heinrich Himmler sobrea Organizao a dever da SS e da

    polcia. apud. ARENDT, Hannah.

    Origens do totalitarismo. Traduo deRoberto Raposo. So Paulo:Companhia das Letras, 1989. pp. 365-366.

    26 SALGADO, Plnio. DesfraldarBandeiras. in. Palavras novas dos TemposNovos. in. Obras Completas. v. 7. SoPaulo: Editora das Amricas, 1955. pp.256-257.

    27 MOORE, Barrington. Poder polticoe teoria social: sete estudos.. p. 12

    28 SALGADO, Plnio. O Esperado. In.Obras Completas. v. 12. So Paulo:Editra das Amricas, 1955. p. 23.

    29 SALGADO, Plnio. O Esperado,p.365.

    30 SALGADO, Plnio. O Esperado. p.18.

    31 SALGADO, Plnio. O Esperado, p.41.

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    tambm colocando a pretenso de instaurarcritrios divergentes de representao e canais deacesso a esses papis. Isso tambm no intrascedente, j que pelo menos, reveladesacordos potencialmente explosivos entre aselites que assim competem. (...).

    Outra uma crise de acumulao. Resulta aode classes subordinadas que, enlaadas ou nocom crises j discutidas, so percebidas pelasclasses dominantes como se obstaculizassemsistematicamente um funcionamento daeconomia e uma taxa de regularidade deacumulao de capital, definidas por estas como

    satisfatrias (...).32

    Compreende-se, portanto, que, enquanto omomento poltico-econmico brasileiro, era de

    transio de uma elite agrria em declnio, para umdesenvolvimento inicial para o mbito industrial,com presente investimento das novas elitescafeeiras, e seu escoamento industrial da lavourapara a fbrica, a Alemanha e a Itlia, assistiam com

    temor o desenvolvimento da cultura polt icaoperria, acentuada no perodo entre - guerras.

    Gramsci, em sua obra El Risorgimento,relata a tenso que circunda a unidade nacionalitaliana e, mesmo aps o processo, a turbulnciapoltica que eclodiu com maior intensidade entre osanos de 1919 e 1926 perodo que compreendia orecorte que ficou conhecido os Anos de Grande

    Medo33. H a organizao inicial, neste perodode camponeses e operariado na realizao deparalisaes e greves, o que desestabiliza ossetores aristocrticos mais fragilidades no perodops-formao do Estado nacional:

    (...) en 1920 los latifundistas sicilianos sereunieran em Parlermo y pronunciaran um

    verdadero ultimtum contra el gobierno deRoma amenazando con la separacin, (...)muchos de estos latifundistas continuaranmanteniendo la ciudadania espaola e hicieranintervenir diplomticamente al gobierno de

    Madrid (caso del Duque de Bivona em 1919)para que protegiera sus intereses amenazadospor la agitacin de los campesinos ex

    combatientes.34

    Na Alemanha, Barrington Moore expe que adebilidade e temor da burguesia, convergiram paraa constituio da aliana para com a aristocracia, na

    tarefa de modernizao industrial, o queevidentemente suscitaria a modificao estruturalpoltica, econmica e social, principalmente nocotidiano dos setores inferiores da sociedadealem. Temendo pela reao dos setores

    populares, operariado e camponeses, h aimplementao de uma poltica excludente dosmesmos, beneficiando buscando silenciar osrevoltosos em potencial com polticas sociais, tais

    como ampliao e desenvolvimento dos direitos

    trabalhistas35.

    Os fatores presentes na Itlia e na Alemanha, apartir de Gramsci e Moore, caminham para o

    processo que o autor de Origens Sociais da Ditadurae da Democracia chama de modernizaoconservadora ou Revoluo vinda de cima,atualizando o conceito de via prussiana de Lnin.Este termo utilizado por Moore para descrever aconjuntura interna do Japo, da Itlia e da

    Alemanha, pases que tiveram o fascismo comoalternativa poltica ao poder, no momento de crise.Nesses termos, Moore aborda, utilizando oconceito de modernizao conservadora que:

    No Japo, a noo de compromisso total perantea autoridade proveio, aparentemente, mais do

    aspecto feudal da equao do que de seu aspectomonrquico. Tambm na Itlia, onde o fascismofoi inventado, no havia uma monarquia nacionalpoderosa. Mussolini teve de chegar antigaRoma para conseguir encontrar o simbolismocorrespondente.

    Numa fase posterior do discurso damodernizao, provvel que aparea um fatornovo e crucial, sob a forma de uma coligao

    grosseira entre os setores influentes das classesfundirias e os interesses comerciais e industriaisemergentes. (...). Marx e Engels, na suadissertao sobre a revoluo abortada de 1848

    na Alemanha, embora errados em outrosaspectos, puseram o dedo neste ingredientedecisivo: uma classe comercial e industrialdemasiada fraca e dependente para tomar opoder e governar por seu direito prprio, e que,por isso, se lana nos braos da aristocraciaproprietria e da burocracia real, trocando odireito de governar pelo direito de ganhardinheiro. necessrio acrescentar que, mesmoque o elemento comercial e industrial seja fraco,deve ser suficientemente forte (ou em breve

    tornar-se suficientemente forte) para constituirum aliado poltico digno de valor. Caso contrrio,pode surgir uma revoluo camponesa que leve

    ao comunismo.36

    No por acaso, este diagnstico bastanteparecido com o feito por Trindade para o Brasil

    pr-193037. Porm alguns dos itens em comumentre o esquema de Moore e o de Trindade, no secomportam de maneira confortvel, quandoinseridos na realidade brasileira. Existem algumasdiferenas, que por mais sutis que possam ser,fazem-se necessrias de serem consideradas. Soestas dissidncias, alm de vetores intrnsecos aosmovimentos, que so divergentes e inconciliveis

    entre fascismo e integralismo, que sero abordadosno item a seguir.

    32 ODONNELL, Guillermo. Anlisedo Autoritarismo Burocr-tico . pp. 53-54.

    33 Angelo Trento apresenta que osAnos de Grande Medo, situados

    entre os anos de 1918 e 1920,receberam este nome, poiscompreendia o retorno dos ex-combatentes, grande parteimpossibilitados de retornar s suasantigas atividades, anteriores IGuerra, alm do custo de vida assistir aum aumento de 30 a 40% ao ano, e aorganizao de diversos movimentosde greve, ora por melhorias nascondies salariais, ora por motivosdiretamente polticos. No setorindustrial foram 300 em 1918. Em1920, esta cifra salta para 1880 graves.No campo, ainda no ano de 1920, maisde 1 milho de trabalhadorescruzaram os braos. TRENTO,Angelo. O Fascismo Italiano. So Paulo:Editora tica, 1986. p. 12.

    34 GRAMSCI, Antonio. El

    Risorgimento. Buenos Aires:Granica, 1974. pp. 106-107.

    35 A situao durante a primeirametade do sculo XIX. E mesmoconsideravelmente mais tarde,contrasta muito acentuadamente coma que existiu na Alemanha, onde nessaaltura (e mais tarde tambm) umaburguesia mais fraca se apoiava naaristocracia proprietria de terrasproprie-tria de terras para seproteger do descontentamentopopular e levas a cabo medidaspolticas e econmicas necessrias

    modernizao. MOORE, Bar-rington.As Origens Sociais da Ditadura eda Democracia: senho-res e camponeses

    na construo do mundo

    moderno.Traduo de Maria Ludovina F.

    Couto. So Paulo: Martins Fontes,1983. p.41

    36 MOORE, Barrington. As OrigensSociais da Ditadura e da Democracia:

    senhores e camponeses na construo do

    mundo moderno , p. 433.

    37 Mas a anlise de Jos Nun que seaproxima mais de nossa hipteseavanada sobre o comportamento dasclasses mdias nos anos 30: suainstabilidade decorre do fato de que setrata de uma classe mdia frustrada,enquanto burguesia. E ele justifica estaassertiva, observando que o sistemade representao poltica de novossetores da classe mdia, articula-se noquadro de hegemonia oligrquica e ascondies objetivas de seu desenvolvi-mento no lhe conduzem a entrar emconflito radical com esse quadro. Da ocarter fundamentalmenteconservador de sua conscinciapoltica. TRINDADE, Hlgio.Integralismo (o fascismo brasileiro da

    dcada de 30). p. 149.

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    Os Fascismos e o Integralismo:

    o que une e o que diferencia

    A relao e o contato entre as duas ideologias eos movimentos em questo, com nfase nainfluncia do regime de Mussolini para com a AIB, marcado por avanos e retrocessos no que tange assimilao do primeiro pela segunda. Estesmovimentos, ora de aproximao ora de negaoentre o integralismo e os fascismos, so estratgiasadotadas pela Ao Integralista, conforme,principalmente, o contexto histrico e a opiniopblica a respeito dos governos de extrema-direitada Europa.

    Mesmo diante da ntida contribuio tericafornecida pelos fascismos ao integralismo, necessrio fazer algumas pontuaes quanto origem destes afluentes tericos. Salgado insistia

    em ressaltar o carter agnstico do nacional-socialismo como forma de repdio deste, emdetrimento do fascismo italiano. Aspecto que,considerando a influncia catlica que beira aofanatismo qual Salgado permeado, possui lugarimportante, mesmo considerando as relaespouco amistosas entre Mussolini e a Igreja Catlica,ainda assim, melhor que o comportamento deHitler para com as religies na concepo do chefeda Ao Integralista (conforme visto na pgina 8deste artigo).

    Outros fatores pesam contra Hitler, tais como oracismo e a supresso das massas, que segundoSalgado era facultado apenas ao nacional-socialismo

    e ao socialismo sovitico38, poupando o fascismoitaliano desta anlise. Na esteira oposta, h ocontato do integralismo, segundo Plnio Salgado,com o (...) fascismo italiano, ao qual somente nosassemelhamos no concernente nova atitude do

    Estado, em face da luta social.39 Conformeveremos, no era apenas essa a semelhana entre omovimento de massas brasileiro e o regime demassas italiano, tampouco era destinadaparticipao diminuta do nazismo conforme o

    narrado por Plnio Salgado, na teoria do Sigma.Para esclarecer tais questes, reservo-me anlise de aspectos importantes que se confrontam- tanto para as semelhanas, quanto para asespecificidades entre o nazismo, o fascismoitaliano e o integralismo neste mbito. A seguir, far-se- a abordagem de como ambos os regimes(fascismos e integralismo) se comportavam e qual afuno da religio, do racismo e da violncia, para amanuteno da coeso e da ordem interna e dabusca pelo poder.

    A religio bastante cara para apontar asdiferenas entre integralismo e fascismo, pois

    neste campo que se sustentam, por exemplo, asestruturas do totalitarismo integralista de PlnioSalgado ao contrrio dos fascismos, quedefendem a preservao da raa e a manuteno

    do corporativismo como vetor do totalitarismo -,mas no somente isto. no catolicismo queSalgado encontra justificativa para sua teoria deRaa Harmoniosa e anti-racista, alm de encontrarnos ditames divinos os rumos da Revoluo qual older da AIB propaga como sendo a ideal, porm,curiosamente, o chefe da AIB enreda o integralismocomo teoria anti-messinica. Estes pontos serodesenvolvidos um por um nesta parte da pesquisa.

    Adorno expe que O anti-semitismo racistaquer se abstrair da religio. Ele afirma que se tratada pureza da raa e da nao. Os nacional-socialistas notaram que os homens h muitodeixaram de se preocupar com a salvao

    eterna.40 Salgado, ao contrrio afirmava a religio,imiscuindo-a a ideologia poltica. So recorrentesem seus textos as associaes do comunismo paracom satanismo, e que o destino teleolgico dointegralismo perpassaria por uma nova cruzadacontra o mal41. Nesta tarefa, Plnio imputa aocomunismo a ao materialismo burgus, todas asdegenerescncias morais, com o fim de tornar,atravs de uma significao mecnica e cambota, ocomunismo um sintoma do estilo de vida burguscosmopolita.

    Observando o trecho: Satans o comunistaque assassina traio. Satans o homem rico e

    feliz, que assiste esse crime e sorri42, h umdesequilbrio entre riqueza simblica e pobreza designificantes. presente a relao de cumplicidadeentre o comunismo e o homem rico, ligados pelo

    vnculo de ambos encarnarem a figura de Satans, eos dois serem, de alguma forma, traidores enquanto um assassina, o outro assiste comcomplacncia. Entretanto, no h qualquerexplicao a respeito deste vnculo entre Satans, oburgus e o comunista, apenas a constatao.

    Neste mpeto, a traio pode se referir tanto aoindivduo ou famlia quanto traio da nao, poissegundo Salgado:

    Muita gente h que se diz socialista e acreditar

    em Deus. porque no estudou o socialismo. Osocialismo baseia-se no materialismo. Outros hque apiam o comunismo, o esquerdismo de

    todos os matizes, dizendo-se respeitadores dafamlia, absurdo que depe contra a intelignciade quem o adota, pois o comunismo querdestruir. Outros h que falam em Ptria, sendopartidrios dos bolchevistas. Todos esses nopassam de fras de vanguarda, dos quais

    Lenine desdenha e se aproveita.43

    Sob esta lgica, to retilnea e simplria, quese consolida oslogan integralista de Deus, Ptria e

    Famlia. Contra estes trs pilares se ergue oinimigo a ser combatido, que o Capitalismo e oComunismo, que segundo Salgado so dois nomes

    para designar a mesma coisa: o materialismo.44

    38 Oriundo das massas, e no dopovo organizado segundo ashierarquias raciocinantes, trouxe,como vcio de origem, o caprichodesptico das multides tornadasagora passivo instrumento./Em luta todesigual, o Homem sucumbia, ficousomente a coletividade dos doistotalitaris-mos em voga: o nacional-socialista e o internacional socia-lista.SALGADO, Plnio. Prime-iro, Cristo!,p. 135.

    39 SALGADO, Plnio. Primeiro, Cristo!,

    p.83.

    40 ADORNO & HORKHEIMER.Dialtica do esclarecimento, p. 164.

    41 Vivendo numa poca semelhante da invaso maometana contra oocidente repetimos, como no tempodas cruzadas, o episdio maravilhosoda unio e do bom combate em que seempenham todos os que se esforampara salvar os valores legtimos dacivilizao crist, aperfeioando-aainda mais. SALGADO, Plnio. Pginasde Ontem. In: Obras Completas. v. 10.So Paulo: Editora das Amricas, 1955.p.196.

    42 SALGADO, Plnio. Primeiro Cristo!,p. 244.

    43 SALGADO, Plnio. Primeiro Cristo!,p. 218.

    44 SALGADO, Plnio. Primeiro Cristo!,p.229.

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    Chega-se a esta tica atravs de distores e umaperspectiva absolutamente linear do materialismohistrico, que como se sabe tem na dialtica arazo de ser de sua existncia e sentido terico eprtico.

    Referncias a Deus, Ptria e Famlia so debaixa constatao tanto no hitlerismo quanto nofascismo italiano, exceto quando os lderes dosreferidos regimes se colocam, eles prprios, comoos messias ora para a preservao da integridade daraa ora para a salvao econmica, pelamodernizao via centralizao totalitria. Aocontrrio, o totalitarismo integralista se manifestafortemente pelo vis da religio, sendo que Se nocai uma folha sem que seja permisso de Deus,segue-se que tudo o que se verificou na Histriaobedeceu a um pensamento superior. Lutamoscontra o mal; mas s vezes ste triunfa. o

    mistrio, que a nossa compreenso limitada notempo e no espao no pode penetrar.45

    Sob este bastio, h a rejeio ao racismo peloprincpio cristo, bem como a assimilao doconceito de Raa Csmica - que se baseia nafuso das raas presentes no continente americanopara consolidar a raa harmoniosa - formuladopelo escritor mexicano Jos Vasconcelos, quandoSalgado disserta a boa vontade em receberestrangeiros no seio da nao. O lder da AIB faz oconvite:

    Vem comigo, estrangeiro, a esta colina sagrada.Presta bem ateno nos grupos de romeiros queacorrem, constantemente aos ps de NossaSenhora. So homens e mulheres morenos,louros, negros, caboclos, mulatos, africanos,europeus, asiticos, trazendo das flores da f e daesperana num preito de amor. aconfraternizao de todas as ProvnciasBrasileiras, realizando a Unidade Nacional sbrea base de um sentimento comum. tambm aconfraternizao dos povos oriundos de todos ospases da terra, que vieram a esta parte do NovoMundo fundir-se, atravs das geraes para aformao definitiva de uma nao que

    desconhece os preconceitos da raa.V: uma Virgem Morena. A Sulamita doCntico dos Cnticos quer significar, pela crdesta imagem, que o verdadeiro cristianismo no

    pode conceber discriminaes raciais.46

    Este cenrio exposto por Salgado impensadona realidade fascista da Itlia e da Alemanha. Aprimeira questo diferencial a necessidade dointegralismo de Plnio Salgado em se escorarideologicamente, no universo religioso. Por maisque o chefe da AIB ignore o fato, era umanecessidade essencial para Mussolini fazer suaideologia de Estado se transformar em uma religiocvica. Idia esta que inevitavelmente eraincompatvel com qualquer outro tipo de religio ano ser a pregada pelo Duce, ou seja, o Fascismoitaliano.

    Outro motivo de resciso com o Vaticano, aproximidade geogrfica de Roma, emanandodiscursos e intenes muitas vezes concorrentes asdo Estado fascista italiano, sendo vital para apermanncia hegemnica inquestionvel qualnecessitava a hierarquia corporativa de Mussolini. Aseco entre Igreja e governo era algo crucial, quepassou a ser inevitvel para a manuteno do

    sistema totalitrio e reforo da fico interna.47

    Na Alemanha o desenrolar dos acontecimentosse manifesta de forma mais sutil, no havendo umasegmentao, e sim uma incorporao eressignificao, no somente dos princpios

    cristos48 como do folclore germnico.

    Em outros lugares, observa Dumzil, a invocaodas crenas dos antepassados se manteveartificial e retrica. Na Alemanha, pelo contrrio,

    h 150 anos, as belas lendas dos germnicosforam no s popularizadas, mas tambmremisticizadas: elas se tornaram, em sentidoestrito, mitos, j que justificam, provocam,sustentam comportamentos individuais ecoletivos que tem todas as caractersticas de

    sagrado.49

    Contudo, a referida boa vontade em recebero estrangeiro, esboada nos escritos de PlnioSalgado, apresenta alguns rudos e aspectos quemerecem ser mais bem trabalhados. Se retornadoao trecho citado, de Geografia Sentimental, o

    lder da AIB no utiliza os verbos aceitar, receber,acolher. Isto se repete enquanto a temtica deimigrao no Brasil. Ao se referir aocomportamento para com os emigrados, doutpico Estado Integral, Salgado utiliza termos taiscomofundir, integrar, incorporar.

    A ttulo de exemplificao, no Manifesto deOutubro de 1932, documento fundador da AIB, queexpe de maneira suscinta o programa dointegralismo, est escrito: O cosmopolitismo, isto, a influncia estrangeira, um mal de morte parao Nacionalismo. Combat-lo o nosso dever. Eisso no quer dizer m vontade para com asNaes amigas, para com os filhos de outrospaizes, que aqui trabalham para o engrandecimento

    da Nao Brasileira (...).50 Neste ponto, por trsde uma suposta hospitalidade, h o tratamentomeramente utilitarista para com os filhos dasNaes amigas, onde estes so bem vindos desdeque contribuam para o engrandecimento daNao Brasileira.

    A f catlica de Plnio Salgado esbarra em seunacionalismo. Ao designar o imigrante, ainda no

    trecho utilizado de Geografia Sentimental, o chefeda AIB, faz uso da palavra fundir, no por acaso.

    No h inteno alguma por parte do Sigma, empreservar, ou respeitar culturas estrangeiras noEstado Integral.

    A base poltica prtica do Estado Brasileiro deve

    45 SALGADO, Plnio. Psicologia daRevoluo. 4 ed.. Rio de Janeiro:Livraria Clssica Brasileira, 1954, p. 13.

    46 SALGADO, Plnio. GeografiaSentimental . In. Obras completas. v. 4.So Paulo: Editora das Amricas, 1955,p. 142.

    47 ADORNO & HORKHEIMER.Dialtica do esclarecimento, p.174.

    48 ADORNO & HORKHEIMER.Dialtica do esclarecimento, p. 164-165.

    49 GINZBURG, Carlo. Mitos,Emblemas, Sinais: morfologia e histria.

    So Paulo: Companhia das Letras,1989, p. 184.

    50 SALGADO, Plnio. Manifesto deOutubro de 1932. So Paulo: SecretariaNacional de Propaganda, 1932, p.3.

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    inspirar-se na realidade do fator geogrfico, quetem por conseqncia imediata o espr itomunicipal e o esprito provincial, realizando umperfeito equilbrio dessas foras, em relao danica fora dominadora que o Poder Central.Deve por outro lado, consultar a realidade do

    fator histrico, da nossa formao espiritual emoral; como deve interessar-se pela ndoleoriginada dos elementos tnicos que entraram nacomposio do povo brasileiro e foram

    modificados pela ao cultural.51

    O imigrante ocuparia posio submissa epassiva diante da aculturao impelida pelo EstadoIntegral algo que pouco, ou nada, destoa da lgicado Governo Vargas, na campanha de nacionalizaodas etnias e colonizao das reas inspitas do pas,durante o Estado Novo. Outro possvel eixo deperspectiva, a partir do discurso ideolgico de

    formao da Raa Harmoniosa, a iniciar peloBrasil e se alastrar para todo o continenteamericano, em uma fuso tnico o ocultamentode uma possvel poltica expansionista nocontinente, semelhante Teoria do Espao Vitaldesenvolvida e posta em prtica por Hitler. Adiferena, porm, que Hitler afirmava oexpansionismo pela segregao, ou seja, o Pan-

    germanismo, enquanto Salgado propunha amiscigenao para a consolidao de seu ideal.

    Contudo, so ntidas as reas de contato entreo integralismo e o fascismo como ideologia. NemPlnio Salgado escondia isto, tampouco este o

    objetivo deste esforo de pesquisa, o de negarestreitamento de laos entre a AIB e o Fascismo nunca excessivo repisar este ponto. O que sebusca aqui analisar as idias, e a insero destas,nos discursos de Salgado, tratando este como atorancorado a uma realidade social, pois Dizer queum discurso um evento, dizer, antes de tudo,que o discurso realizado temporalmente e no

    presente, enquanto que o sistema de lngua virtual

    e fora do tempo.52 Assim, a pesquisa entendeSalgado como portador de crticas ao seu contextopoltico e scio-cultural. O lder da AIB, neste

    sentido, possua ambies de promover aemergncia de uma nova cultura para afastar acrise do pensamento, que segundo Salgado,

    assolava o pas.53

    Para atingir sua reforma no pensamento, no era,em absoluto, repulsiva a idia de cooptarexperincias que se sobressaram quanto tomadado poder, e pudessem demonstrar certa coernciaem conjunto, em relao s ambies domovimento. Neste leque de opes dispostas

    AIB, se encontram os Fascismos, com maior nfase conforme j dito acima ao italiano. Mas no

    houve apenas esta ideologia, como vis de escolhaa ser apropriado como discurso e ao.

    Concluso

    indubitvel que o dilogo entre o integralismopara com o fascismo aconteceu de fato, porm nose pode superdimensionar essa relao ao pontode afirmar uma transposio do fascismo -pertencente a uma realidade poltica, econmica ecultura, fomentado por ocasies outras que as queeram imperativas no Brasil interpretando a AIBcomo um enxerto em territrio nacional. Destaforma, se oblitera o problema que foi ointegralismo, com o mimetismo de um tormentoexterno a ns, e uma ideologia excntrica quesurgiu to misteriosamente quanto desapareceu.

    A AIB contou com a adeso de 1.400.000

    membros54, sendo, a partir desta cifra, poucoprovvel que, para o momento aqueles signatriosnutriam realmente a crena de que o que estavam

    fazendo parte era uma ideologia alheia realidadeque viviam. Com isso, o que se quer dizer que ointegralismo deve ser tratado como um problemainterno, que mesmo embebido de matizesestrangeiros, tendo o mais famoso destes osfascismos, foi patrocinado por parte considervelda sociedade brasileira do momento. Devemosanalisar o integralismo com os olhos mais limpospossveis, para que possamos evitar quemovimentos similares possam ascender em meio acondies diversas que sejam similares s daquelemomento.

    51 SALGADO, Plnio. Desper-temos aNao. In. Obras Completas. v. 10. 2edio. So Paulo: Editora dasAmricas, 1955, p.142.

    52 RICOEUR, Paul. Interpretao eideologias. Rio de Janeiro: LivrariaFrancisco Alves Editora S/A., 1983, p.41.

    53 A crise do pensamento, adesordem dos sentidos, a anarquia dosimpulsos constituem a causa dasdesgraas nacionais. O problema daordem no um problema de polcia: um problema de cultura. (Grifo meu).SALGADO, Plnio. Pginas de Ontem.In: Obras Completas. v. 10. So Paulo:Editora das Amricas, 1955, p. 175.

    54 Dado apresentado em diver-sasobras de Salgado e reprodu-zido emCarta de Salgado a Getlio Vargas apud

    SILVA, Hlio. 1938: Terrorismo emCampo Verde. Rio de Janeiro:Civilizao Brasileira, 1971, p . 375.

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    ANEXO:

    Ilustrao 1: Arquivo Pblico e Histrico de Rio Claro-SP Fundo Plnio Salgado cx. 003.007.002

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    Ilustrao 2:

    Arquivo Pblico e Histrico de Rio Claro-SP Fundo Plnio Salgado cx. 003.007.002