Contemporanea II. Texto 7 - SILVA, Francisco C. Teixeira Da. Os Fascismos - Parte 1
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Índice Nota prévia ..................................................................................................................................... 3 Abreviaturas e siglas utilizadas ....................................................................................................... 4 Introdução ...................................................................................................................................... 6 1. A integração da juventude no quadro político dos fascismos ..................................................... 12
1.1. Educar para o Estado – a política do homem novo .............................................................. 13 1.1.2. Da Escola republicana ao “resgate das almas”............................................................... 14
1.2. Organizações de juventude nos fascismos europeus ............................................................ 17 1.2.1. Opera Nazionale Balilla ............................................................................................... 18 1.2.2. Hitlerjugend.................................................................................................................. 21 1.2.3. Juventude do Nuevo Estado espanhol............................................................................ 25
1.3. O bom soldado moral contra o “soldadinho de chumbo” ..................................................... 26 1.4. Mimetismos ou inspirações - Juventudes comparadas ......................................................... 28
2. O enquadramento da juventude à escala salazarista ................................................................... 33 2.1. Os planos frustrados dos primeiros anos 30......................................................................... 33
2.1.1. Ordem Lusa e Liga da Mocidade Portuguesa ................................................................ 34 2.1.2. Uma experiência breve: Acção Escolar Vanguarda ....................................................... 38 2.1.3. Purificar a escola........................................................................................................... 42
2.2. O pequeno homem novo do regime – “Mocidade Portuguesa” anunciada........................... 44 2.2.1. O decreto fundador ....................................................................................................... 48 2.2.2. Distribuição nacional – das delegações aos centros de instrução.................................... 52 2.2.3. Juventude hierarquizada - lusitos, infantes, vanguardistas e cadetes .............................. 53 2.2.4. Saudação romana de “herança lusitana” ........................................................................ 55
3. Entre o ideal totalizante e a partilha de competências (1936-1939) ............................................ 56 3.1. Papel tripartido numa “educação integral”........................................................................... 56
3.1.1. Ideologia e desmobilização ........................................................................................... 56 3.1.2. Futuras elites ao poder .................................................................................................. 62 3.1.3. Paradas e desfiles – um cartaz de propaganda................................................................ 62
3.2. Do pendor totalitário ao ciclo de cedências ......................................................................... 63 3.2.1. Os meios de actuação.................................................................................................... 63 3.2.2. Um amigo do Reich - Propaganda alemã e intercâmbio de juventudes ........................ 75 3.2.3. Avanços e recuos – linhas de força em confronto .......................................................... 78
3.3. O I Congresso – “A M.P. não deve ser escola de soldados, mas escola de doutrinação de portugueses” .............................................................................................................................. 97 3.4. Em tempo de guerra, novos dirigentes............................................................................... 102
4. O quadro de compromissos – nova juventude para o mundo em guerra (1940-1944)............... 105 4.1. O alinhamento à conveniência (1940-1942) ...................................................................... 105
4.1.1. Reforma Orgânica....................................................................................................... 106 4.1.2. Novo papel da Igreja................................................................................................... 109
4.2. Aparelho burocrático num quadro totalizante (1942-1944)................................................ 110 4.2.1. Tolerância vigiada....................................................................................................... 110 4.2.2. “Nação desmoralizada”............................................................................................... 115
4.3. Entre ideologia e prática: MP na vida de um filiado .......................................................... 120 4.3.1. “Educação integral” no espaço privado ....................................................................... 120 4.3.2. Ensaios de “obra social” – uma organização a dois ritmos........................................... 122 4.3.3. Castigo e recompensa – ser da MP.............................................................................. 127 4.3.4. Novos intercâmbios num mapa de guerra.................................................................... 129
4.4. Propaganda na MP e MP como propaganda ...................................................................... 133 4.4.1. Mocidade imaginada – imprensa, rádio e cinema ........................................................ 133
4.5. Educação física e “revigoramento da raça”........................................................................ 137
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4.6. Centros Universitários....................................................................................................... 141 4.7. Casas da Mocidade ........................................................................................................... 142 4.8. MP Colonial...................................................................................................................... 143 4.8. Uma teia desfeita .............................................................................................................. 145
4.8.1. Histórias de um desinvestimento................................................................................. 146 4.8.2. Impasses e resistências................................................................................................ 152
5. Do alarme de extinção ao preço da sobrevivência – a MP e o fim da Guerra ........................... 155 5.1. A caminho da paz, a “derrota moral”................................................................................. 155
5.1.1. Entre a ameaça do fim e a legitimação ........................................................................ 155 5.1.2. Reforço da aliança escolar........................................................................................... 157
5.2. Liga dos Antigos Graduados ............................................................................................. 159 5.3. Um caminho sem retorno – “Reformá-la, sim, mas para voltar ao que foi”........................ 160
Considerações finais ................................................................................................................... 163 Fontes e Bibliografia................................................................................................................... 166 I. Fontes Primárias ................................................................................................................... 166 II. Bibliografia........................................................................................................................... 167 ANEXOS.................................................................................................................................... 173
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Nota prévia
Ao longo do processo de elaboração desta tese, fui obrigada a enfrentar, como não podia
deixar de ser, pequenos e grandes dilemas de investigação, incertezas próprias da escrita e algumas
angústias pessoais que, no seu conjunto, traduzem a vivência de um longo período de trabalho.
Se a conclusão deste estudo dependeu de meu empenho pessoal, ela não teria sido
certamente possível sem a enorme amizade de todos os que me rodearam ao longo da sua
construção. A nota que aqui deixo é apenas uma pequena parte desse reconhecimento.
Um primeiro agradecimento ao meu orientador, Professor Fernando Rosas, pela atenção que
sempre me dispensou, pelos conselhos e sugestões que me guiaram ao longo deste trabalho.
Aos funcionários da Torre do Tombo, que ajudaram a fazer crescer a minha investigação.
Ao João Tavares, por tornar mais leve a pesquisa no Arquivo Histórico Militar. Ao Diogo, por viver
de perto alguns momentos mais difíceis. A todos os amigos que também acompanharam estes
momentos e que, se aqui não refiro, sabem incluir-se nesta nota.
Aos meus irmãos, cunhados e tios, em especial à Guida e à Zé pela presença firme, e ao
Tomás por ser o espelho feliz da geração mais nova.
Um agradecimento especial vai para a Professora Fernanda Rollo, por todo o apoio e
amizade. Outro para a Ana Pires, principal ouvinte dos meus dilemas. Outro ainda para a Paula
Meireles, amiga inconfundível e que torna todos os caminhos mais fáceis.
Ao meu pai por tudo o resto.
Devo referir, no entanto, que todas faltas ou omissões certamente identificáveis neste
trabalho são da minha inteira responsabilidade.
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Abreviaturas e siglas utilizadas
AEP - Associação dos Escoteiros de Portugal AEV - Acção Escolar Vanguarda AHD - Arquivo Humberto Delgado AHM - Arquivo Histórico Militar AHME - Arquivo Histórico do Ministério da Educação AIC - Arquivo do Instituto Camões AMC - Arquivo Marcelo Caetano AMI - Arquivo do Ministério do Interior AMP - Arquivo da Mocidade Portuguesa ANIM - Arquivo Nacional de Imagens em Movimento (Cinemateca Portuguesa ) ANTT - Arquivo Nacional/Torre do Tombo AOS - Arquivo Oliveira Salazar CE - Centro Escolar CEE - Centro Extra-Escolar CEI - Casa dos Estudantes do Império CN - Comissariado Nacional/Comissário Nacional CNE - Corpo Nacional de Escutas DGEFDSE - Direcção Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar DSEFD - Direcção dos Serviços de Educação Física e Desportos ECG - Escola Central de Graduados EF - Educação Física EPA - Escola Prática de Artilharia ERG - Escola Regional de Graduados FNAT - Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho GIL - Gioventù Italiana del Littorio HJ - Hitlerjugend IAC - Instituto para a Alta Cultura IMP - Instrução Pré-Militar INEF - Instituto Nacional de Educação Física JEC - Juventude Escolar Católica JNE - Junta Nacional de Educação JOC - Juventude Operária Católica JUC - Juventude Universitária Católica LAG - Liga dos Antigos Graduados (da Mocidade Portuguesa) LMP - Liga da Mocidade Portuguesa MP - Mocidade Portuguesa
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MPF - Mocidade Portuguesa Feminina MUD - Movimento de Unidade de Democrática N/S - Nacional-Sindicalismo NSDAP - Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei OEP - Organização Escutista de Portugal OL - Ordem Lusa OMEN - Obra das Mães pela Educação Nacional ONB - Opera Nazionale “Balilla” ONMP - Organização Nacional Mocidade Portuguesa SEU - Sindicato Español Universitario UN - União Nacional
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Introdução
1. Origem e definição do objecto em estudo O trabalho que aqui se entrega à leitura resulta do estudo sobre o processo de constituição e
afirmação da Organização Nacional Mocidade Portuguesa, enquanto mecanismo de enquadramento
da juventude pelo Estado Novo, em finais dos anos trinta. Cultivados em ambiente de progressiva
consolidação institucional do regime na primeira metade da década, os projectos que geraram o
organismo finalmente trazido à luz política em 1936 tinham já esboçado a essência do modelo de
“educação nacional” imaginado pelo salazarismo. Por outro lado, o calendário da sua criação, em
vésperas de eclosão da Guerra Civil espanhola e em pleno reposicionamento dos regimes fascistas
no mapa europeu, associou a Mocidade Portuguesa ao período estado-novista de cunho mais
fascizante.
Destinada a desenvolver integralmente a capacidade física, a formação do carácter e a
devoção à Pátria1 do jovem, constituindo-se organizações específicas para cada sexo, a Mocidade
Portuguesa (assim remetendo para a organização masculina) assumiu o papel de escultor do
“homem novo”, mental, moral e fisicamente formado pelo Estado – e para o Estado – na ordem
corporativa, cristã e nacionalista.
Numa primeira leitura, entendemos assim a Mocidade Portuguesa enquanto instrumento
“educador” produzido pelo Estado Novo com o fim de ocupar o espaço vago nos tempos de
sociabilização do jovem, auto-definida como complementar à acção da escola e da família, embora
experimentando uma fórmula de enquadramento totalitário na preparação integral das gerações que
deveriam assegurar a herança do regime. Inerente à intenção de entregar ao Estado a
responsabilidade educativa do sector juvenil, a organização estaria ainda associada à selecção das
futuras elites dirigentes – marca, aliás, que viria a ser característica com a sua duração no tempo,
muito para além do campo de análise estimado pelo trabalho presente – “recrutando” nas fileiras da
Mocidade alguns dos filiados mais entusiastas que ascenderam internamente nos seus corpos
directivos, depois captados para a acção política alinhada com o regime. Esta minoria representaria,
em última instância, um dos garantes da continuidade do Estado Novo.
Os modos operativos da análise que aqui se apresentam beneficiaram em grande medida da
atenção científica que, nas duas últimas décadas, a História Contemporânea tem vindo a dedicar à
1 Base XI da Lei n.º 1 941 que organizou o Ministério da Educação Nacional, pela qual se previu a criação de uma (...) organização nacional e pré-militar que estimule o desenvolvimento integral da sua capacidade física, a formação do carácter e a devoção à Pátria e a coloque em condições de poder concorrer eficazmente para a sua defesa. (...) materializada na Organização Nacional Mocidade Portuguesa. Diário do Governo, I Série, n.º 84, de 11 de Abril de 1936.
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caracterização do Estado Novo, posicionando o actual trabalho numa síntese dos pontos
fundamentais dessa caracterização, ao mesmo tempo que se procura identificar na própria natureza
da Mocidade Portuguesa os traços mais expressivos dos anos de consolidação do regime.
2. Campo cronológico As considerações de investigação delimitaram, com alguma naturalidade, os atributos
cronológicos do objecto central de estudo. Pesando como principal medida a marca
contextualizadora da “era dos fascismos”, entendeu-se observar com maior acuidade a evolução da
ONMP entre 1936, data da sua constituição legal, e 1944-45, momento em que o organismo
procurou defender-se do esvaziamento anunciado pelo fim da Segunda Guerra Mundial.
O ano de 1936, como já se verificou, correspondeu a um período áureo de afirmação dos
fascismos, cristalizado pelo conflito armado espanhol, onde a pressão do sector de direita radical
que apoiava o regime conduziu à criação de organismos milicianos como a Legião e a Mocidade
Portuguesa. Do processo de legitimação da MP até ao reajuste do pós-guerra, a organização foi
ensaiada a dois ritmos: num primeiro compasso, entre aquela primeira data e 1940, reflectiu
essencialmente os aspectos imagéticos mais fascizantes, marcados pela direcção de Francisco Nobre
Guedes, sob fortes tendências germanófilas e uma maior influência do Exército, passando para um
segundo tempo, entre 1940 e 1944, protagonizado em larga escala por Marcelo Caetano, onde se
agregou o consenso da Igreja Católica e a permanência da formação pré-militar, inaugurando
também actividade nos meios universitários.
Um terceiro momento de evolução, que já não será objecto de análise profunda deste estudo,
correspondeu a um processo de transição entre o fim da liderança de Marcelo Caetano e a adaptação
à realidade do pós-guerra, em 1945. De facto, o fim do segundo conflito mundial e o consequente
desfecho a favor dos aliados contribuíram para uma redefinição dos destinos da Mocidade
Portuguesa, onde crescia o receio de perda de controlo sobre as organizações de juventude,
procurando tornar-se um instrumento repressor do oposicionismo juvenil. Outras soluções de
superação passaram pela persistência do discurso nacionalista, imperial e cristão e pelo
prolongamento burocrático da organização. Ao mesmo tempo que actuava como aparelho de
controlo, a Mocidade Portuguesa abandonou os anos ostensivos das paradas militares, procurando
destacar-se pela organização de campeonatos desportivos e acentuando paralelamente a sua função
“social”.
Para a devida contextualização, este estudo foi frequentemente levado a recuar no tempo, até
à emergência dos primeiros projectos políticos formuladores da “nova educação”, muitos dos quais
entraram em gestação no período final da I República, bem como à identificação dos seus principais
protagonistas.
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3. Linhas de análise e metodologia adoptada No quadro metodológico, a análise definiu-se por um campo desdobrado: em primeiro lugar,
numa abordagem pela história institucional e política, onde se integra a leitura do Estado Novo
corporativo, conciliador entre uma doutrina conservadora, nacionalista e católica, e posições mais
totalizantes; num segundo momento associou-se a história da Educação, de modo a compreender o
tipo de encaixe ideológico levado a cabo pelo regime, promotor de uma verdadeira moldura juvenil
característica dos fascismos. Lugar ainda para a intervenção da história social, onde o palco de
resistências e impasses, frente à actividade da Mocidade Portuguesa, se integra no quadro histórico
de uma sociedade com fracos níveis de vida e de formação, cujo papel activo o regime procurou
anular. Este efeito desmobilizador da maioria sobre a vida política nacional, materializado na
Mocidade Portuguesa, foi tido em conta nos pressupostos do actual trabalho.
4. Bibliografia e Fontes Os recursos bibliográficos e documentais necessários a esta investigação traduziram uma
diversidade e dispersão superiores ao que se previu num primeiro momento. Como ponto de partida
contavam-se já alguns estudos prévios específicos sobre a Mocidade Portuguesa, onde assumiram
maior relevo os trabalhos de Simon Kuin e Luís Viana, o primeiro dedicado aos antecedentes e
momento de criação do organismo e o segundo aproximando a análise da MP à realidade liceal,
numa leitura transversal, de 1936 a 1974. Um terceiro estudo, de João Paulo Avelãs Nunes,
dedicado às organizações de juventude no Estado Novo, permitiu definir algumas linhas gerais de
orientação deste trabalho. Não pode ainda deixar de assinalar-se a descrição pioneira de Manuel
Lopes Arriaga, editada em 1976, embora datada e sujeita a uma leitura diferente da bibliografia de
carácter científico. O autor da Mocidade Portuguesa: Breve História de uma Organização
Salazarista, ofereceu um primeiro retrato histórico da Organização que permite compreender a sua
evolução institucional e a variante de objectivos que influenciou o percurso da MP, tratando-se
embora de uma narrativa emocionalmente envolvida com uma realidade ainda recente à data em
que foi publicada.
Dada a maior familiaridade com os instrumentos de estudo na área de história política e
institucional, foi necessário preencher nesta pesquisa as lacunas referentes à história da Educação,
de forma a traçar os conceitos ideológicos assentes na política de formação integral salazarista
assim como os meios de articulação entre a Mocidade Portuguesa e a Escola, em particular o Liceu.
Para este fim contribuíram especialmente os estudos específicos de António Nóvoa sobre o tema,
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bem como análises mais pontuais de outros autores sobre o sistema de ensino republicano e a
construção da escola nacionalista pelo Estado Novo.
A par das obras historiográficas mais recentes, apresentou-se como fonte de leitura a vasta
colecção de edições da própria organização, das quais se evidenciam o Jornal da MP e o respectivo
Boletim, embora com alguns hiatos cronológicos. Da informação bibliográfica assinada pela
Mocidade Portuguesa, destaca-se ainda a publicação das intervenções registadas na primeira
reunião dos dirigentes da organização, que ocorreu em 1937, e os relatórios e teses apresentados no
primeiro Congresso da MP, realizado em 1939. Os discursos dos principais dirigentes da MP foram
também, na sua maioria, compilados em obras coevas, onde se sublinham as autorias de António
Carneiro Pacheco, ministro da Educação Nacional e responsável pela criação do organismo,
Francisco Nobre Guedes, primeiro comissário nacional, e Marcelo Caetano, segundo comissário e
figura de grande protagonismo na segunda fase evolutiva da Mocidade Portuguesa.
A recolha de fundos documentais enfrentou algumas dificuldades ao longo de todo o
percurso de investigação, parte das quais não foram totalmente superadas. O principal obstáculo
prendeu-se com o estado de acessibilidade do Arquivo da Mocidade Portuguesa, que seria à partida
fonte privilegiada do trabalho em construção. Na altura em que foi concluída a investigação, este
fundo, depositado na Direcção Geral de Arquivos (Arquivo Nacional/ Torre do Tombo),
encontrava-se em processo de inventariação e parcialmente inacessível à consulta. O inestimável
apoio prestado pelos seus responsáveis permitiu aceder à documentação até então tratada,
representando porém cerca de dez por cento apenas do acervo total deste fundo. Acresceu a esta
limitação o vazio informativo persistente para os primeiros anos de existência da MP, cujo corpo
documental estará perdido na sua globalidade.
Face à realidade exposta e porque foi sempre sentida a ausência de documentação oriunda
da administração central e interna – Ministério da Educação e Comissariado Nacional –, procurou-
se colmatar os sucessivos vazios de informação interrogando outras fontes, em particular junto dos
Arquivos Marcelo Caetano (ANTT), Oliveira Salazar (ANTT) e do Ministério da Educação, este
último também vitimado pela ausência de inventariação sistemática e por dificuldades de acesso
físico aos fundos requeridos, não obstante a boa vontade dos seus funcionários. Por outro lado
refira-se que a consulta dos relatórios dos Liceus, realizada neste último arquivo, contribuiu para a
cobertura de uma outra realidade da Mocidade Portuguesa, que se prende com a maior ou menor
aceitação dos seus métodos conforme o perfil da escola, respectivos reitor e professores, e ainda a
origem social dos filiados.
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5. A Mocidade Portuguesa na “Era dos Fascismos”
Partindo de uma concepção genérica da “Integração da juventude no quadro político dos
fascismos”, o primeiro capítulo deste estudo foca os princípios ideológicos subjacentes à “nova
educação”, tomada pelos regimes ditatoriais numa lógica totalitária. Comparando a Mocidade
Portuguesa com os modelos de enquadramento da juventude viabilizados pelos fascismos europeus,
e observando o seu princípio de acção doutrinária, procurar-se-á identificar a natureza fascizante da
organização.
Um segundo capítulo, dedicado ao “Enquadramento da juventude à escala salazarista”,
evidencia então os primeiros projectos de constituição de um instrumento legal de enquadramento
das novas gerações, culminando no aparato legal que fundou a MP e nos pressupostos que
superintendiam a sua marcha inicial.
O terceiro e quarto capítulos, concentrados na evolução de práticas e adaptações da
Mocidade Portuguesa ao contexto político-institucional que as condicionou, distinguem os dois
tempos acima mencionados. Neste sentido, procuramos narrar o período de permanência de Nobre
Guedes no Comissariado Nacional da MP, a par da gestão ministerial de Carneiro Pacheco, até
1940, onde emergem as principais discordâncias da Igreja Católica, sentida como alheada do papel
interventivo na educação religiosa dos filiados, e alguns conflitos de competências com a Legião
Portuguesa. Optou-se por considerar este momento como caminhando “Entre o ideal totalizante e a
partilha de competências”, a partir do qual se inaugura uma segunda fase, tutelada
fundamentalmente por Marcelo Caetano, tendo por ministro da Educação Nacional Mário de
Figueiredo. O quarto capítulo observará então os anos correspondentes à actuação da MP sob novas
concepções orgânicas, atenuando, embora só em parte, alguns aspectos mais agressivamente
fascizantes (refiram-se sobretudo o teor germanófilo de algumas práticas e o seu aparato
demonstrativo), num quadro de clara convergência de interesses entre dirigentes da Mocidade e
hierarquia eclesiástica. Para além disso, trata-se de um período em que a organização não perde o
conteúdo propagandístico e em que desenvolve novos mecanismos totalizantes, como a subjugação
de todos os organismos recreativos e educativos da juventude ao controlo directo da MP e a
integração das associações escolares na organização, sob a fórmula de uma “tolerância vigiada”.
Sequente a esta análise encontra-se um último capítulo que descreve brevemente o período de
transição entre o afastamento de Marcelo Caetano em 1944, substituído interinamente por José
Soares Franco, a quem coube enfrentar o embate do pós-guerra, em 1945.
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Em todo o período contemplado verifica-se um dado comum: a concentração da doutrina em
torno do Chefe e da trilogia Deus-Pátria-Família, donde se entregou à Mocidade Portuguesa o (...)
dever de levar até às suas últimas consequências a Revolução Nacional.2
2 Discurso de José Soares Franco no Palácio das Exposições do Parque Eduardo VII, durante as comemorações de 28 de Maio. “A «Mocidade Portuguesa» e o Estado Novo” in O Jornal da MP, n.º 62, Ano III, de 15 de Junho de 1940, pp.2 e 10.
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1. A integração da juventude no quadro político dos fascismos
Depois do desfile: onde vais, tão garbosa, na severa elegância das tuas camisas negras, ó juventude italiana, na beleza da tua primavera, a que campo de batalha vais para ser ceifada, na heróica defesa da tua pátria e da nossa comum civilização latina? Que Deus te acompanhe no teu nobre e heróico voluntariado e que o sangue português não se desonre, estando ausente das futuras batalhas pela civilização onde tu estarás presente, bem armada, bem preparada!
REBELO, José Pequito “Manhãs de Roma” in Política - Órgão da Junta Escolar de Lisboa do Integralismo Lusitano, N.º 4, 5 de Junho de 1929.
Os modelos de enquadramento da juventude, desenhados pelos regimes ditatoriais
emergentes no período de entre-guerras, inseriram-se num cenário mais estruturante que vinha a
interiorizar, desde o princípio do século XX, novas concepções sobre o papel educador do Estado.
Atendendo a projectos claramente variáveis consoante a objectiva ideológica que as formulou, estas
concepções depositaram na formação das futuras gerações um valor de continuidade dos programas
governativos implementados. Embora sob a intenção comum de educar dentro dos valores políticos
proclamados, os exercícios de poder democráticos e autoritários pautar-se-iam por princípios de
actuação divergentes entre si. Os primeiros caminharam no sentido da formação de cidadãos livres,
aptos à integração do indivíduo na vida em sociedade, enquanto os segundos partiram na direcção
de um ideal educativo totalizante, criador do “homem novo” formado pelo Estado e para o Estado.
As fórmulas de integração da juventude utilizadas pelas ditaduras funcionariam então como um
instrumento depurador de heranças liberais anteriores, ao propor uma educação integral renovadora
do espírito e do corpo e, simultaneamente, como agente de propaganda privilegiado do aparelho
estatal.
A par da intervenção reformista operada na escola e da natural função educadora da família,
também ela objecto de “reeducação”, os meios de sociabilização do jovem foram absorvidos pelos
fascismos e transformados em reagentes anti-comunistas e anti-democráticos, erguendo nas suas
organizações nacionais uma pretensa unidade juvenil em torno do regime. Cunhadas por uma forte
componente militarizante e pela formação de carácter nacionalista, no culto do chefe, da obediência
e da autoridade, estas organizações conferiram intenções totalitárias aos seus actores políticos.
Exemplos paradigmáticos destes projectos, como veremos, o fascismo italiano e o nazismo alemão
seriam também fonte de inspiração observada por organismos congéneres de outras ditaduras, entre
as quais viria a revelar-se a Organização Nacional Mocidade Portuguesa (ONMP).
No caso particular português, como observou Simon Kuin, a política de juventude levada a
cabo pelo Estado Novo no período em que este operou a própria consolidação institucional, integra
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um quadro concreto (...) dos métodos de sociabilização política usados pelo regime para perpetuar
as suas estruturas e a sua cultura no tempo (...). Entende-se aqui por sociabilização política o
sistema de transmissão cultural que visa a canalização do comportamento da juventude em moldes
política e socialmente aceitáveis, quer para um envolvimento activo na vida política da sociedade,
quer para um comportamento de passividade política. 3 A esta funcionalidade desmobilizadora
acrescentamos ainda o recurso à política de juventude como instrumento da ruptura estadonovista
com a herança educativa republicana, como frente sólida do combate ao comunismo e, reunindo
todas estas funções, como molde fundamental do “homem novo” proclamado pela doutrina
salazarista.
1.1. Educar para o Estado – a política do homem novo
Olhar para as fórmulas de enquadramento da juventude activadas na primeira metade do
século XX, implica compreender em que sentido se renovaram os comportamentos relacionais entre
Estado e sociedade, ou antes, de que forma se processou a transição para um cenário de práticas de
governo formatadas por uma mentalidade política verdadeiramente nova, inaugurada pela época
moderna. E, seguindo a interpretação de Jorge Ramos do Ó, na leitura deste conceito de governo
recriado por Michel Foucault: Falar de governo, na linguagem foucauldiana, não é falar das
acções de um sujeito político ou das operações e mecanismos burocráticos. O governo
consubstancia uma certa forma de atingir fins políticos, mas que é descrita pela acção sobre as
forças, as actividades e as relações que constituem o conjunto da população.4 É nesta modalidade,
em que (...) o governo de todos os homens passa a ter o seu domínio de aplicação específico no
próprio Estado (...) que podemos pesquisar de que forma esta governamentabilidade se aplica em
particular à modelagem do jovem no interior do Estado e, mais concretamente, em que medida o
Estado assimilou desta inter-relação de forças para atingir fins políticos.
É no panorama desta “interiorização” de relações por parte do Estado que assistimos à
apropriação dos espaços privados e de sociabilização como novos palcos de construção educativa.
Considerando o todo populacional, a estrutura tradicional assente na célula familiar sofreu ela
própria o corte desta nova estratégia transformada em (...) mais uma peça no dispositivo global
marcado pela abstracta razão de Estado. Seguindo ainda Ramos do Ó, compreendemos então que
(...) desde o século XVIII que este trabalho sobre os corpos e as consciências, trabalho
propriamente disciplinar, vem sendo realizado fora da fronteira da família e da comunidade de
vizinhos por instituições directamente relacionadas com a normalização dos indivíduos: as escolas,
3 KUIN, Simon, “A Mocidade Portuguesa nos anos 30: anteprojectos e instauração de uma organização paramilitar da juventude” in Análise Social, Lisboa, vol.XXVIII, nº 122, 1993, p.555. 4 Ó, Jorge Ramos do, O Governo de si mesmo. Modernidade pedagógica e encenações disciplinares do aluno liceal (último quartel do século XIX - meados do século XX), Educa, Lisboa, 2003, p.29.
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as oficinas e os exércitos. Isto significa que para se gerir uma população tendo em conta a
obtenção de resultados globais, o importante não está em agir no plano externo, como se suporia à
primeira visita, mas antes trabalhar, de modo racional e inteligente, sobre o particular.5 Anunciou-
se assim o rompimento com as formas de enquadramento das sociedades tradicionais, pela
progressiva penetração do Estado no modus vivendi das populações e pela respectiva tentação em
definir os seus padrões socio-culturais, políticos e, como não poderia deixar de ser, educativos.
Mas o Estado em si mesmo, constituindo matéria abstracta, redefiniu-se através dos regimes
políticos que o preencheram, como os sistemas liberais, promotores de práticas governativas
baseadas na articulação Estado/cidadãos, ou as ditaduras europeias aspirantes ao totalitarismo, que
proclamariam uma concepção organicista do Estado, procurando torná-lo imutável sobre o
articulado regime/nação/sociedade. E foi neste cenário que as representações da juventude,
perfilhadas por cada um destes regimes, variaram também em consonância com o programa
político, que lhes oferecia diferentes funções sociais. E, em certa medida, podemos então situar a
política de educação republicana portuguesa perto de um modelo de “fábrica de cidadãos”, em
contraposição ao princípio regenerador e de ruptura com aquele modelo, operado pelo Estado Novo,
que entregou a juventude à nova “oficina das almas”.
1.1.2. Da Escola republicana ao “resgate das almas”
Com a implantação da República, em 5 de Outubro de 1910, nasceu o impulso reformador
do ensino que se pretendia fazer executar através da instrução mas também da educação, num
programa que o pedagogo João de Barros viria a apelidar de “educação republicana”. Assim e como
ilustrou Rómulo de Carvalho, a República (...) trazia, na sua bagagem revolucionária, o decidido
projecto de reformar a mentalidade portuguesa (...).6 Transportando consigo o ideal construtor de
uma nova maneira de ser português, interessava aos promotores da nova educação acertar o passo
com os mais modernos países europeus, acordando o País da sonolência em que mergulhara.7 A
escola que se desejava fundava-se no “amor à Pátria e à República” no sentido de uma
“republicanização” exacerbada por João de Barros, que individualmente defenderia mesmo um
método educativo de raiz nacionalista. Note-se, a este propósito, que o sistema republicano não
tinha ficado (...) imune ao surto nacionalista das últimas décadas do século XIX e dos princípios do
século XX, como procurou incorporar a tradição do nacionalismo liberal, reforçando parte da sua
legitimidade governativa nos anteriores protestos contra as interferências estrangeiras, mais
5 Ibidem, pp.36-37. 6 CARVALHO, Rómulo de, História do Ensino em Portugal, desde a Fundação da Nacionalidade até ao Fim do Regime Salazar-Caetano, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1996, p. 651. 7 Ibidem, p.651.
15
concretamente contra o Ultimatum britânico, que se traduziria na (...) dimensão patriótica e
nacionalista do seu ideário.8
Envolto ainda pela recente vitória sobre a monarquia naufragada, o governo provisório
precipitou as primeiras medidas em torno da renovação educativa sem que elas se associassem
directamente ao plano escolar mas antes ao espírito reanimador dessa nação adormecida. Dez dias
passados sobre a inauguração da República, foi então nomeada uma comissão para o estudo do
regulamento da Instrução Militar Preparatória (IMP). Esta instrução, que deveria alcançar crianças
do ensino primário e adolescentes, justificava-se pela necessidade de (...) “incutir e radicar nos
ânimos o espírito militar” (...) como componente importante da educação cívica, que devia
“começar na escola primária” 9. O resultado deste estudo foi reproduzido em lei em Maio do ano
seguinte, defendendo a IMP como objectivo patriótico preparador das futuras gerações militares. O
sistema proposto supunha a divisão em dois escalões etários, cabendo aos professores formar o
primeiro, dos 7 aos 16 anos, pela educação cívica, ginástica e canto coral. Ao segundo escalão,
entre os 17 anos e a idade de recrutamento militar, obrigatório como o primeiro, a instrução seria
ministrada preferencialmente por militares, nos quartéis ou em escolas que para isso reunissem
condições.
Alguns dias depois da publicação deste regulamento, foi anunciada a reforma do ensino
primário, campo de educação privilegiado pela República, que destacou em particular a importância
da formação moral (de uma “moral sem Deus”) e cívica da criança, em substituição da religião e
moral católicas.10 Por este e outros diplomas, imprimia-se à Escola não só o dever de transmitir
conhecimentos mas também de formar os “republicanos de amanhã”. Seguidor da doutrina
educativa herdeira da Revolução Francesa e produtor de cidadãos para a ideologia liberal, o modelo
de ensino preconizado entre 1910 e o golpe militar de 1926 fixou-se na base da cidadania, do
laicismo e de uma doutrina circulante entre o espírito democrático e a exaltação patriótica. Na
essência da educação cívica a ministrar, residia a noção construtiva de “homem-cidadão” de que a
Escola era a inegável “oficina de fabrico”, sob a concepção definidora do homem como ser
naturalmente social. Por outras palavras, à escola cabia ensinar a viver em sociedade, com sentido
autónomo e crítico, desvalorizando por isso qualquer forma de endoutrinação.
8 CATROGA, Fernando, O republicanismo em Portugal. Da formação ao 5 de Outubro de 1910, Ed. Notícias - 2.ª edição, Lisboa, 2000, p. 264. 9 Citado por Rómulo de Carvalho, em referência ao diploma de 15 de Outubro de 1910, que manda constituir a referida comissão. Ibidem, p. 653. 10 Cf. Fernando Catroga, op. cit, p.257 e PINTASSILGO, Joaquim, “A Educação Moral e Cívica no Currículo da Escola Primária Republicana – o debate no Movimento Pedagógico” in MAGALHÃES, Justino (Org.), Fazer e Ensinar História da Educação, Instituto de Educação e Psicologia/Centro de Estudos em Educação e Psicologia/Universidade do Minho, Braga, 1998, p.271.
16
Foi neste pano de fundo que se desenhou o projecto de Instrução Militar Preparatória, como
coadjuvante da educação patriótica e cívica. 11 O plano previsto foi mal recebido por muitos e
mesmo criticado por Adolfo Coelho, que entendia os exercícios de formação militar como factor
nocivo ao desenvolvimento mental e físico que, em última análise “imbecilizavam os
rapazinhos”.12 A IMP nunca chegaria a entrar em vigor, sendo apenas relembrada pelo discurso
anti-liberal do Estado Novo como mais um evidente fracasso republicano.
A vivência educativa da I República pautar-se-ia então por sucessivas reformas do ensino
que visavam consolidar a ansiada modernização, operadas do (...) grau primário ao universitário,
do ensino clássico ao profissional nas suas diversas modalidades (...) todos eles contemplados (...)
com ampla visão, embora os resultados não viessem a corresponder às esperanças que os textos
legislativos justificariam.13
Ao longo deste anos houve também lugar para o desenvolvimento das ideias pedagógicas da
“Escola Nova”, secundadas por pedagogos como Adolfo Lima, António Sérgio e Faria de
Vasconcelos, proponentes de um estilo educativo baseado no “self-gouvernment” isto é, o ensino do
aluno por si mesmo ou a conquista da autonomia pelo próprio educando. A escola devia ser, assim,
organizada como uma verdadeira comunidade autónoma que contava com a participação activa dos
estudantes, designada por Joaquim Pintassilgo como pequena sociedade escolar.14 Ao ser levada a
cabo na Escola Oficina n.º 1 por Adolfo Lima, esta experiência pretendia uma (...) ruptura com a
escola tradicional [que] passava pela alteração de forças no acto educativo, pela adaptação de
métodos activos, pela preparação para a vida, pela democratização do ensino, pelo maior
protagonismo dos alunos no seio da Escola; queria, em suma, (...) educar para uma sociedade de
cidadãos de pleno direito, ao invés de instruir as elites.15 As associações escolares, que mais tarde
seriam diluídas pela Mocidade Portuguesa, também personificaram este movimento, sendo
recebidas com desconfiança pelo Estado Novo, dado o seu cunho assinaladamente republicano. A
transição da República para o período da Ditadura Militar, a partir da qual se construíram os
primeiros pilares do edifício estadonovista, acarretou profundas transformações operadas no
pensamento pedagógico do novo panorama político. Corrompendo algumas das ideias fundamentais
da “Escola Nova”, o regime operou a transição dos princípios educativos laico e liberal para os
valores nacionalista, corporativo e católico, arredando deste cenário os protagonistas do movimento
promovido durante a I República. 16
11 Cf. Fernando Catroga, op. cit., pp. 265-266. 12 Adolfo Coelho citado por Fernando Catroga, op.cit, p.269. 13 Rómulo de Carvalho, op. cit., p.663. 14 Joaquim Pintassilgo, op. cit., p. 283. 15 CARVALHO, Guida Maria Aguiar de, A reforma do ensino liceal de 1936 e a construção do liceu salazarista, dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1997, pp.37-38. 16 Ibidem, p.39.
17
Na base desta ofensiva de rompimento com o sistema de instrução liberal, o Estado Novo
encetaria então um verdadeiro projecto de educação, ou antes de “reeducação”, assente num
conjunto de valores que transportava uma mundivisão totalizante a partir da qual (...) criou um
aparelho de inculcação ideológica autoritária, estatista, mergulhado no quotidiano das pessoas (ao
nível das famílias, da escola, do trabalho, dos lazeres), com o propósito de criar esse particular
“homem novo” do salazarismo.17 Esta política de “resgate” das almas dos portugueses,
fundamentada (...) numa certa ideia mítica de nação e de interesse nacional (...), seria orientada
pelos aparelhos de propaganda e inculcação do regime criados para o efeito, definidos por uma (...)
rigorosa unicidade ideológica e política (...) em alinhamento com o (...) ideário da revolução
nacional.18
Não pondo de parte as especificidades deste “homem novo” à escala salazarista, que o
distinguiram, no perfil e conteúdo ideológico, de outros regimes ditatoriais europeus coevos, o
Estado Novo ensaiou no entanto (...) um projecto totalizante de reeducação dos “espíritos”, de
criação de um novo tipo de portuguesas e portugueses regenerados pelo ideário genuinamente
nacional de que o regime se considerava portador. E também nesta ordem de ideias se observa,
como definiu Fernando Rosas, uma apetência totalitária estadonovista ao longo das décadas de 30
e 40.19
1.2. Organizações de juventude nos fascismos europeus
Os anos que se seguiram à primeira Guerra Mundial condensaram a gestação de movimentos
políticos reactivos à nova realidade europeia saída do conflito. À crise económica e social
correspondeu também a crise política, onde os governos democráticos se viram estruturalmente
ameaçados pelo avanço das direitas autoritárias. Os primeiros anos 20 corresponderam assim ao
fervilhar dos projectos ditatoriais que alguns anos depois se concretizariam. Em Itália, Mussolini
marchou sobre Roma em Outubro de 1922, dando início ao longo desfile do regime fascista no país.
Na Alemanha, o partido Nacional-Socialista fundou o terceiro Reich em 1933, inaugurando a mais
sangrenta das ditaduras da sua época. Acendido o rastilho dos fascismos, o mapa europeu foi
ponteado por governos autoritários que, em maior ou menor intensidade, alimentariam ímpetos
fascizantes.
No espaço ideológico, estes regimes partilharam em larga medida uma lógica de ruptura
com os sistemas anteriores, na intenção de cortar a direito os princípios democráticos e de, no seu
17 ROSAS, Fernando, “O Salazarismo e o homem novo: ensaio sobre o Estado Novo e a questão do totalitarismo”, in Análise Social, n.º 157, vol. XXXV, 2001, p. 1031. 18 Ibidem, p. 1032. 19 Ibidem, p. 1032.
18
lugar, instalar uma ordem nova, produtora de um novo homem e de uma nova mentalidade. Em
meados da década de 30, esta nova realidade ameaçava impor-se a longo prazo.
1.2.1. Opera Nazionale Balilla
Em 1929, um dos fundadores do Integralismo Lusitano, Pequito Rebelo, viajou até Roma,
onde se deixou arrebatar pelas gigantescas paradas das milícias fascistas que enchiam as ruas da
cidade, acompanhadas pelas massas de jovens voluntários que formavam os avanguardisti e os
balilla, na sua (...) severa elegância das camisas negras. Num discurso apreensivo para o
pontificado romano, o Duce deixaria ali claro o papel primordial do Estado na educação da
juventude, relegando para segundo plano, e como função complementar, a intervenção da Igreja
Católica na formação cristã do “homem novo” italiano. Embora partilhando (...) a dolorosa
impressão de todos os católicos admiradores de Mussolini perante as graves deficiências do seu
discurso (...) o integralista português encontrava na aliança entre Estado e Educação a peça
fundamental ao ressurgimento das novas gerações, em favor do (...) interesse de defesa social e
nacional. 20 Porque, sublinhava: A educação que quer o fascismo é uma educação pré-militar e uma
educação cívica de defesa do Estado.
Antecipando em alguns anos um conflito que estalaria mais tarde em Portugal, Pequito
Rebelo, questionava então: (...) assim como a Igreja reconhece a função educativa da família, não
poderá reconhecer também a função educativa do Estado na sua esfera própria, do Estado, que é
uma grande família?
Não é normal a situação do mundo: socialmente, se os bolchevistas educam as crianças
para a revolução, porque não poderão organizar os nacionalistas uma educação que contrarie esta
orientação subversiva? Nacionalmente, se um país tem que preparar a sua defesa, porque não
poderá preparar para a guerra, desde muito novos, os seus jovens? 21
A história do fascismo italiano dos anos 20, é também a história de um lento mas eficaz
percurso do fascismo autoritário ao fascismo totalitário.22 Tendo conquistado o poder através do
Partido Nacional Fascista (PNF), Mussolini só conseguiria operar a desmontagem do aparelho
democrático italiano apoiado por uma plataforma de cedências face ao rei, à Igreja Católica e ao
Exército. O PNF ocupou então o lugar de partido único a partir de 1926, depois de serem
cuidadosamente limadas as arestas que lhe limitavam o poder. Nessa altura (...) o PNF tornou-se
20 REBELO, Pequito, “Fascismo e Catolicismo II”, in Política - Órgão da Junta Escolar de Lisboa do Integralismo Lusitano, n.º 6, de 15 de Agosto de 1929, p.8. 21 Ibidem, p.8. 22 Cf. PINTO, António, “O regime fascista italiano” in ROSAS, Fernando e OLIVEIRA, Pedro Aires (coord.), As Ditaduras Contemporâneas, Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Edições Colibri, Lisboa, 2006, p.28.
19
uma gigantesca máquina de enquadramento da sociedade civil e de socialização ideológica do
culto do Duce, com uma estrutura mais “disciplinada horizontal e verticalmente”. 23
À guarda do projecto de “educação nacional” italiano, a Opera Nazionale “Balilla” per
l’Assistenza e l’Educazione Fisica e Morale della Gioventù (ONB) foi oficialmente constituída em
Abril de 1926,24 sob vigilância directa do chefe do governo. O enquadramento dos jovens faria
assim parte integrante das transformações institucionais operadas no regime que culminariam na
promulgação das leis fascistíssimas desse ano, naquele que ficou marcado como “processo de
fascização” , e que deu início à verdadeira marcha da exaltação do papel do Chefe, de progressiva
asfixia das liberdades dos cidadãos, da política de massas e da obra corporativa, consagrada na
publicação da Carta del Lavoro em 1927, entronando definitivamente Mussolini nos destinos da
Itália fascista. 25
Abrangendo jovens voluntários, a ONB integrava então os balilla, dos 8 aos 14 anos, e os
avanguardisti, entre os 14 e 18 anos, destinando estes últimos à preparação para a vida militar. A
organização assumiu à partida uma feição quase exclusivamente burocrática, dependente de sócios
beneméritos, mas claramente contempladora dos jovens que a ela aderissem, propondo-se fundar ou
promover instituições de assistência da juventude, subvencionar organismos que assim o
requeressem (sob condição de se submeterem aos princípios promulgados) e favorecer a atribuição
de bolsas aos próprios membros em instituições devidamente reformadas para o efeito. O Conselho
da Opera era integrado por representantes do Ministério do Interior, Finanças, Guerra, Marinha,
Aeronáutica, Instrução, Economia Nacional e um voluntário da Milícia voluntária para a segurança
nacional.26 Vagamente mencionadas eram as componentes educativas física e moral da juventude.
Menos de um ano depois, o carácter indefinido do organismo foi alterado por nova
legislação, de 9 de Janeiro, que inaugurou a dimensão totalitária da Balilla em todas os quadrantes
do associativismo juvenil. Em abertura do novo diploma, foi proibida a constituição de qualquer
organização, exterior ao organismo do Estado, que se propusesse promover a instrução, formação
profissional, educação física, moral e espiritual da juventude, excepção feita para os agrupamentos
de escoteiros católicos, limitados no entanto a só formar novos núcleos em regiões com mais de 20
000 habitantes. As restantes associações foram compelidas à dissolução imediata, incluindo as do
escutismo que não se encontrassem nas condições de salvaguarda. 27 No mesmo dia foi publicado o
regulamento da ONB, pelo qual se reforçava a preferência profissional e subsidiária aos
“voluntários” da organização, que ainda não impusera a obrigatoriedade de filiação. O regulamento
23 Ibidem, p. 31. 24 Lei n. 2247 de 3 de Abril de 1926 in Opera Nazionale Balilla per l'assistenza e l'educazione fisica e morale della giuventù: norme legislative e regolamentari, Stab. Poligrafico del Stato, Roma, 1927 p.5. 25 COLLOTTI, Enzo, Fascismo, Fascismos, Editorial Caminho, Lisboa, 1992, pp.64-65. 26 Ibidem, p.5. 27 Decreto-lei n.5, de 9 de Janeiro de 1927. Idem, p. 10.
20
técnico-disciplinar definiu então que: A Milícia Avanguardia e Balilla destina-se a preparar os
jovens física e moralmente de forma a dignificá-los para a nova norma de vida italiana.28 As duas
secções foram organizadas em formações militares, compostas pela Squadra (12 jovens e um
chefe), Manipolo (3 squadre), Centuria (3 manipoli), Coorte (3 centurie) e Legione (composta por
3 coorte), disposição que terá inspirado mais tarde o organismo de juventude português. Também
semelhante seria a distribuição administrativa, por divisões provinciais.
No campo educativo, a Balilla anunciava, como finalidades essenciais: criar nos jovens o
sentimento da disciplina e da educação militar, providenciar a instrução pré-militar, gímnico-
desportiva, profissional e técnica e responsabilizar-se pela educação espiritual e cultural, assim
como a assistência religiosa. Os avanguardisti constituíam a milícia da organização, sendo dada aos
balilla instrução pré-militar elementar, sem recurso a armas. O culto da obediência, o uniforme, a
realização de acampamentos e as exibições atléticas estavam também incluídos no caldo educativo
da organização. No campo espiritual, a ONB afirmava-se como formadora da consciência dos
fascistas de amanhã, que seriam a futura classe dirigente.29 Para cumprir este objectivo, criaria
“escolas de preparação cultural” e “centros de estudo e propaganda” onde seria exposta a doutrina
fascista aos jovens aderentes. A assistência religiosa, conforme à fé e práticas católicas, ficou a
cargo de um inspector central, escolhido directamente pelo chefe do governo e em acordo com as
autoridades eclesiásticas. Ao Conselho Central foram acrescentados um representante da direcção
geral do PNF e o inspector central de educação e assistência religiosa. Em 1929, a direcção da
organização de juventude transitou para a tutela da Educação Nacional, ministério recentemente
reformado que abandonara o nome de baptismo anterior de “Instrução”. Numa fase inicial, a
juventude italiana respondeu com algum entusiasmo à nova organização, que providenciava a
ocupação de tempos livres, até aí sem outras alternativas. No entanto, o número de adeptos da ONB
não terá ultrapassado 40% do total de população dentro da faixa etária definida. Um pouco à
semelhança do que sucederia no mapa português, a actividade da juventude italiana foi mais
acentuada junto das classes médias urbanas.30
Os termos em que a juventude foi agrupada sob a égide estatal ficaram à margem do
contentamento católico. Nas décadas de 20 e 30 o peso social da Igreja em Itália, sobretudo no
mundo rural, era ainda determinante, sendo ela quem definia as orientações políticas e (...)
dominava os canais do desenvolvimento cultura e os costumes e monopolizava os tempos livres.31 O
discurso a que se referiria Pequito Rebelo, em 1929, traduzia já em larga escala o conflito de
domínios entre o clero e o chefe de governo. Se por um lado a Igreja e o regime tinham feito
28 Tradução nossa do original italiano, Ibidem, p.37. 29 Ibidem, p. 45. 30 Cf. LEE, Stephen J., European Dictatorships. 1918-1945, Routledge, London and New York, 2003, pp.120-121. 31 Enzo Collotti, op. cit. . 71.
21
convergir interesses no processo de ascensão do fascismo, por outro o (...) limite desta convergência
foi a dificuldade com que o regime deparava de garantir à Igreja e às organizações católicas –
únicas organizações legais não fascistas no interior do Estado e da sociedade fascistas – os
espaços de autonomia que se comprometera a conceder-lhes como justo preço da legitimação que
os Pactos de Latrão lhe ofereciam.32 Limites estes que, no entanto, não levariam a Igreja a arriscar a
dissidência. Os acordos assinados em Latrão em 1929, ofereceriam por isso ao poder eclesiástico
um lugar de destaque na orgânica do regime, desenhando uma fronteira mais acentuada sobre a
ambição totalitária do fascismo. Porém, no capítulo da educação, a Igreja viu-se arredada do seu
espaço privilegiado, uma vez que o pacto de 1929 não assegurava a sobrevivência dos grupos de
juventude organizados pela Acção Católica. Neste sentido, seriam sobretudo os leigos, em franca
divisão com a hierarquia clerical superior, a entrar em conflito pela manutenção de organizações de
juventude paralelas à Balilla. Por novo acordo obtido com o governo em 1931, a Acção Católica
aceitou restringir as actividades formativas e recreativas da juventude a um campo puramente
espiritual, de forma a não comprometer a ideologia fascista.33
Em 1937, o governo operou nova reforma no coração dos movimentos juvenis, com a
constituição da Gioventù Italiana del Littorio (GIL), que absorveria a Balilla, sob alçada directa do
Duce e em clara preparação para os tempos de guerra que se anunciavam. Mas o carácter
concorrencial da Acção Católica acabaria por se fazer sentir e, em 1939, reunia já uma parte
importante de organizações de juventude, retirando apoios aos movimentos para-militares fascistas.
No mesmo ano, rebentou o segundo conflito mundial e a GIL foi tornada obrigatória.
1.2.2. Hitlerjugend
O primeiro movimento de juventude emergente do partido nacional-socialista, foi criado em
1922, não sendo então mais do que um pequena agremiação igual a tantas outras ramificações
juvenis formadas por partidos políticos e movimentos religiosos. Nos primeiros anos da República
de Weimar verificou-se, aliás, um crescimento acentuado destes agrupamentos, produto da crise
política e económica instalada na sociedade alemã a seguir à primeira Guerra Mundial e que geraria
inúmeros grupúsculos de jovens dispostos a seguir obedecer a um chefe carismático. A futura
Hitlerjugend iria, na verdade, absorver muitos desses movimentos de forma a tornar-se coesa em
torno do NSDAP.34 Neste processo de ascensão, Hitler interessou-se particularmente pela juventude
como potencial força de apoio político e de rejuvenescimento dos quadros do partido, para o que
tinha sido criada em 1922 a Jugendbund der NSDAP, liga de juventude que contava pouco mais de
32 Ibidem, p.72. 33 Cf. Stephen Lee, op. cit., p. 134. 34 Cf. LEPAGE, Jean-Denis, La «HitlerJugend». 1922-1945, Grancher, Paris, 2004, p. 12.
22
300 membros. Este movimento não era mais do que uma ramificação da Sturm Abteilung SA,
unidade de assalto e milícia privada do partido que participaria na tentativa de conquista do poder
pela força.35
A natureza violenta da juventude associada ao partido, ficou assinalada logo na primeira
manifestação pública da Jugendbund, quando, em Outubro de 1922, os jovens nazis acompanharam
a SA numa batalha sangrenta contra os militantes comunistas. No ano seguinte teria lugar o seu
primeiro congresso, com o objectivo de seleccionar os mais aptos para participar no putsch da
Cervejaria, e que acabaria por sair frustrado. O partido de Hitler, em muitos aspectos inspirado no
fascismo emergente em Itália, mantinha então um raio de acção limitado, embora já dominado pela
ambição de conquista do poder, largamente secundada pelos movimentos para-militares. Com o
fracasso do golpe de 1923 e a prisão do Führer, o NSDAP retomaria força em 1925, engrossando
fileiras em torno do nacionalismo exacerbado e do anti-semitismo doentio até à conquista formal do
poder, em 1933. E, também em 1925, os movimentos pró-nazis foram reorganizados e rebaptizados
como Hitlerjugend (HJ), unidos em torno do Chefe, ao qual juraram lealdade. O termo “juventude
hitleriana” passaria então a designar as organizações juvenis masculinas e femininas dos 10 aos 14
anos e a Hitlerjugend propriamente dita (Kern HJ), que englobava os adolescentes dos 14 aos 18
anos. Estes jovens, apresentados publicamente em 1926, não se restringiram a desfiles aparatosos e
acampamentos frequentes, assumindo uma participação política activa: distribuíam panfletos,
colavam cartazes e encontravam-se em reuniões políticas, adoptando muitas vezes comportamentos
agressivos e mesmo fisicamente violentos. Em 1929 a HJ foi legalmente reconhecida como
associação de jovens. No início dos anos 30, o NSDAP criou dois novos organismos de juventude
destinados a infiltrar-se nos meios escolares e universitários. Entretanto, o movimento estagnara,
colhendo menor número de aderentes. Mas a partir de Maio de 1931 a juventude de Hitler seria
entregue a um novo Reichjugendführer (líder da juventude do Reich), Baldur Von Schirach,
membro do próprio movimento juvenil e militante da SA, e declaradamente anti-clericalista e anti-
semita. 36
À tomada do poder na Alemanha pelo nacional-socialismo, correspondeu a montagem de
um aparelho ideológico de mobilização das massas, levada a um extremo que tocou mesmo
encenações de um poder teocrático. A juventude comandada por Von Schirach, mobilizada
juntamente com a SA, desempenharia um papel importante na ascensão dos nacional-socialistas.
Ávido de união ideológica em torno do nazismo, o regime (...) criou, praticamente, uma liturgia
própria. A formalização de rituais intrínsecos do NSDAP traçou de forma mais clara esta tentativa
de divinização do poder nazi: A primeira data do calendário nacional-socialista era o dia 30 de
35 Ibidem, p. 22. 36 Ibidem, p. 22 e sgs.
23
Janeiro. Ano após ano, milhares de homens da SA marchavam através da Porta de Brandenburgo
na noite da “tomada do poder”. Em finais de Fevereiro havia o “dia do Partido”, para lembrar o
programa de 25 pontos do NSDAP; em Março seguia-se o “dia em memória dos heróis e a
“mobilização da juventude”, uma festa que comemorava a entrada dos jovens de catorze anos na
Juventude Hitleriana e na Juventude Feminina Alemã.37 O repúdio da “paganização” germânica,
em larga escala promovido pela Igreja Católica, adviria de cenários como as “celebrações da vida e
da madrugada”, que pretendiam substituir o baptismo, o casamento e o enterro cristão, ainda que
não passassem de fenómenos só pontualmente praticados.
A partir de 1933, o empenho de Von Schirach no movimento de juventude começou a
reflectir-se na absorção de um número cada vez maior de organizações não nazis na HJ. Finda a
função “activa” da juventude na conquista do poder, os novos objectivos passaram por educar os
jovens para a ideologia nacional-socialista. Ou seja: A Hitlerjugend já não se queria simplesmente
como juventude de um partido, exigia ser a juventude da nação, modelo único e obrigatório.38 Fora
do ideário nazi, não podia pois existir outra juventude. Ainda em 1933, os “Albergues de
Juventude” foram transformados em oficinas de cultura nacional-socialista, ao mesmo tempo que os
movimentos juvenis escutistas e protestantes foram levados à dissolução. Mais difícil seria
desintegrar as organizações católicas: na sequência do acordo com a Santa Sé, a Igreja alemã
assegurou a sobrevivência daqueles organismos de juventude e a sua manutenção fora do alcance
estatal. No entanto, o regime lançou-se desde cedo numa verdadeira campanha de perseguição aos
movimentos de juventude católicos que culminaria na integração definitiva dessas organizações na
HJ, às portas da segunda Guerra Mundial.
Na realidade, ainda em 1933/34, a capacidade de assimilação pela juventude hitleriana foi
encontrando terreno entre os alemães mais novos, em particular nos meios rurais (...) onde os jovens
ainda estavam mal organizados e em todo o lado onde a força de ligação das associações juvenis
da Igreja tinha afrouxado.39 Em 1936, data em que a HJ foi oficialmente declarada como Juventude
do Estado, (...) já só havia restos de grupos juvenis judaicos e de associações juvenis católicas –
que, apesar da Concordata, eram cada vez mais ameaçadas e acabaram por ser oficialmente
proibidas pouco tempo depois.40
A entrada do jovem para a Kern Hitlerjugend, aos 14 anos, era assinalada por uma
cerimónia pública marcada no dia 20 de Abril, data de aniversário de Adolf Hitler. A unidade mais
pequena da HJ era a Kameradschaft, agrupamento de 10 a 15 rapazes comandado por um chefe,
reunido depois nos Schar (50 a 60 jovens), sucessivamente agrupados até ao conjunto principal, o
37 FREI, Norbert, O Estado de Hitler: o poder nacional-socialista de 1933-1945, Notícias, Lisboa, 2003, p.118. 38 Tradução nossa. Jean-Denis Lepage, op.cit., p. 37. 39 Norbert Frei, op. cit., p. 120. 40 Ibidem, p.120.
24
Unterbann, que concentrava 600 a 800 rapazes. A divisão administrativa correspondia a regiões, à
semelhança da ONB italiana, tendo por direcção central o Reichsjugendamt. Entre outros serviços,
a HJ integrava: Educação Física e Desportos, Assuntos Sociais, Formação e Educação Política,
Cultura, Assuntos Externos, Viagens, Excursões e Albergues de Juventude.41
O trabalho de inculcação ideológica desenvolvido pela juventude hitleriana, terá tido
especial efeito ao nível da auto-confiança dos jovens, inflamados pela (...) vasta variedade de
postos e postozinhos que possibilitavam uma afirmação individual (...) conferida pela organização.
Esta ambição de protagonismo despertada entre a juventude, deu mesmo lugar a um número
elevado de protestos, sobretudo entre os professores, que se queixavam (...) cada vez com mais
frequência, do tom impertinente e do comportamento arrogante de uma geração inteira de alunos
(...). Seria, no entanto esse o (...) preço a pagar pela glorificação ideológica da juventude.42
Apesar da atracção inicial que a juventude hitleriana exerceu sobre uma parte importante das
crianças e adolescentes, a organização foi desgastando simpatias à medida que se transformou no
que pretendia de facto ser: (...) um instrumento totalitário de doutrinação. À alegria juvenil
contrapôs-se a rigidez militar e o treino para a guerra, como verifica Norbert Frei: Os lemas iniciais
como “a juventude guia a juventude”e “a geração jovem parte para o futuro” tinham provocado
grandes esperanças de emancipação, mas o treino paramilitar e a imposição constante do
princípio da “comitiva do Führer”, começaram a gerar desilusão. Em vez de campos de férias e o
romantismo dos escuteiros havia obrigações como o “desporto militar”, a formação ideológica,
colectas para o WHW e de objectos usados e, no Verão, a ajuda nas colheitas. 43
Por outro lado, os apetites totalitários da HJ acabariam por estimular novos espaços de
liberdade e algumas rivalidades. Neste último caso a escola tornou-se um dos concorrentes
principais, em cujo sistema a juventude hitleriana nunca se conseguira infiltrar, embora também ela
fosse sujeita a uma progressiva “nazificação”. Esta competição seria visível, pelo menos, enquanto
uma e outra serviram de justificação para muitos jovens escaparem às duas obrigações. Outro sinal
de concorrência foi a criação, a partir de 1937, das “Escolas Adolf Hitler”, às quais se opôs
ferozmente o ministro da Educação. Estas escolas eram gratuitas e destinavam-se apenas aos
membros da HJ, integrando sobretudo rapazes da pequena-burguesia e classe média provincial. Os
critérios de selecção eram, essencialmente, raciais, obrigando à certificação do “arianismo” dos
candidatos e os alunos aqui formados destinavam-se a constituir a elite técnica, administrativa e
ideológica do regime. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi tornado obrigatório o Serviço do
Trabalho para toda a juventude, cuidadosamente preparada nas fileiras da Hitlerjugend.
41 Cf. Jean-Denis Lepage, pp. 44-45. 42 Norbert Frei, op. cit p. 122. 43 Ibidem, pp.120-121.
25
1.2.3. Juventude do Nuevo Estado espanhol
A modalidade de enquadramento da juventude seguida pela Espanha franquista não
obedeceu ao estilo de organização única, apesar do esforço envidado nesse sentido, sobretudo a
partir de 1940. Aspirante ao totalitarismo praticamente até ao final da Segunda Guerra Mundial, o
governo nacionalista, que saíra vitorioso da guerra civil em 1939, também investiu no controlo dos
meios de sociabilização, onde se incluíam os instrumentos educativos. Note-se, aliás, que o próprio
percurso violento em que o Nuevo Estado se fundou teria reflexos na pluralidade de movimentos de
juventude, constituídos dentro do partido Falangista. Era o caso do Sindicato Espanhol
Universitário (SEU), criado em 1933, cujos membros participaram activamente do lado nacionalista
durante a guerra civil, ou da tentativa de integração das organizações de juventude na FET y de las
JONS (Falange Española Tradicionalista e Juntas de Ofensiva Nacional Sindicalista), constituída
durante o conflito, em Abril de 1937, com o fim de aí unificar as forças da direita política.
Mas também ali, como em Portugal, a intervenção eclesiástica concorreu com o Estado no
conflito tutelar sobre a educação da juventude. A tensão latente entre a Falange e os católicos, foi
particularmente visível na luta pelo controlo da educação.44 A convergência de interesses entre os
dois sectores, com claras pretensões monopolistas sobre os domínios educativos, gerou uma nova
fórmula de dirigismo neste campo, crismada por um “nacional-catolicismo”. Neste sentido,
cessadas as hostilidades no país, a Igreja reivindicaria a sua quota-parte na educação nacional, como
instituição reguladora dos valores morais do regime, adquirindo virtualmente o monopólio do
sector. 45 Servindo de base sustentadora da doutrina política nacionalista, os valores religiosos
tradicionais constituiriam deste modo uma aliança Estado/Igreja, reflectida na política de juventude.
O Nuevo Estado espanhol promoveu neste sentido uma política do “homem novo” do
regime nacionalista, anti-liberal, anti-comunista e preparado para a defesa da pátria, chamando a si
o dever coadjuvante da marcha educativa, embora partilhando com a Igreja esta responsabilidade,
ainda durante a guerra civil e para além do seu termo. Assim, segundo Manuel Loff: O caso
espanhol é sobretudo revelador do esforço de compatibilização entre a fortíssima pulsão fascista
que arrastou consigo, pelo menos durante toda a guerra civil e o anos da vitórias militares do Eixo,
a generalidade das forças antirepublicanas, e os interesse várias vezes contraditórios do grande
pilar clerical de sustentação do regime franquista.46
44 BENÍTEZ, Manuel de Puelles, Educación e Ideología en la España contemporánea, Labor, Barcelona, 1980, p. 362 e sgs. 45 Ibidem, p. 364. 46 LOFF, Manuel, “As grandes directrizes da «Nova Ordem» Educacional Salazarista e Franquista nas décadas de 1930 e 1940” in Justino Magalhães, op. cit., p. 315.
26
1.3. O bom soldado moral contra o “soldadinho de chumbo”
Em 1936, discursando da janela de um quartel de Braga, Oliveira Salazar proclamou os
valores do basilares do edifício estadonovista, assentes na estrutura Deus, Pátria, Autoridade,
Família e Trabalho. Assinalando o décimo aniversário da revolução nacional, anunciou:
Às almas dilaceradas pela dúvida e o negativismo do século procurámos restituir o conforto
das grandes certezas. Não discutimos Deus e a virtude; não discutimos a Pátria e a sua História;
não discutimos a autoridade e o seu prestígio; não discutimos a família e a sua moral; não
discutimos a glória do trabalho e o seu dever.47
Transversal a estes princípios, a unidade ideológica ali definida constituiu matéria-prima por
excelência da máquina institucional laboriosamente montada, ao longo da década de 30, por Salazar
que, no silêncio da sua cela de governante-beneditino (...) estudava, ao mesmo tempo que os
números, as instituições e as almas, procurando o diagnóstico do mal nas suas raízes mais fundas e
delineando para a Nação a sólida construção do futuro.48
Embora dando lugar à família no conjunto de valores invioláveis, o regime reconhecia-se na
vocação paternalista de salvar os jovens da herança “contaminatória” que transportavam. Como
proclamaria o ministro Carneiro Pacheco em Maio de 1936, o Estado não podia (...) ignorar que a
família, ainda quando moral e civicamente boa, não dispõe das condições necessárias para bem
realizar a sua missão educativa; por isso lhe cumpre auxiliá-la... até a curar-se da fraqueza com
que tantos pais afastam os filhos da nobre vida de soldado.49 Porque a família estava “doente”,
deturpada e enfraquecida pelo liberalismo, cabia ao Estado recuperar a juventude para o caminho da
revolução nacional. Respondendo a este saneamento dos vestígios republicanos seria então
injectado no jovem (...) sangue novo a irrigar a mais esperançosa mentalidade.50
Em 1942, o Governador do Distrito Autónomo de Angra do Heroísmo, Pestana da Silva,
referir-se-ia à constituição da Mocidade Portuguesa como verdadeiro acto de salvação da juventude
pelo Estado Novo: Em tempos li que as crianças não são coisas, muito menos são coisas dos
homens e nem sequer são coisas de Deus. São pessoas como os homens e um pouco como Deus, ou
talvez mais justamente, são melhores que os homens e mais próximos em semelhança com Deus.
Por assim pensar e sentir, o Estado Corporativo Português actuou, estabelecendo em feliz hora, a 47 Discurso proferido por Salazar em Braga, a 26 de Maio de 1936, nas comemorações do décimo aniversário da revolução nacional in SALAZAR, António de Oliveira, Discursos e Notas Políticas, vol. 2 (1935-1937), Coimbra Editora Limitada, Coimbra, p.136. 48 Discurso proferido por Carneiro Pacheco na sessão de encerramento do I Congresso da União Nacional no Coliseu, a 28 de Maio de 1934 in PACHECO, Carneiro, Três Discursos, Imprensa Portugal- Brasil, Lisboa, 1934, p.12. 49 “A formação da Mocidade e a defesa da Pátria” (discurso proferido na sessão solene de homenagem às Forças Militares, na Sociedade de Geografia, em 24 de Maio de 1936), in PACHECO, António Carneiro, Portugal Renovado. Discursos, Tip. da Casa Portuguesa, Lisboa, 1940, p.219. 50 GUEDES, Francisco Nobre, 1ª Reunião dos dirigentes da “Mocidade Portuguesa”. Realizada em Lisboa, de 21 a 23 de Outubro de 1937, edição da “MP”, Lisboa, 1938, p. 14.
27
Mocidade Portuguesa, para que ao menos, pela acção do Estado, não possa a juventude de hoje
dizer como o órfão no Macbeth “tem pai ainda e é órfão já”. E porque de filhos pródigos se devia
fortalecer o Estado, não devia este abandoná-lo, sob pena de perder a nova geração: É preciso para
decoro dos “homens grandes” que hoje têm responsabilidade no meio social, auxiliar este
movimento de formação integral da juventude, para que futuramente estes “homenzinhos” de hoje,
não nos bolsem na cara o seu legítimo desprezo pela nossa indiferença, não nos remoquem pela
nossa incompreensão por obra de tanta monta, não mofem na nossa incúria, ou então, com
magnanimidade e generosidade, misericordiosamente, nos esqueçam porque quando podíamos,
deles não nos lembrámos.51
Segundo o primeiro comissário Nobre Guedes, era então à Mocidade Portuguesa, obreira
deste “novo homem”, que cabia a formação moral da juventude: A “Mocidade Portuguesa” educa
segundo a moral cristã e tem a formação moral como primeiro fundamento das suas actividades.
Mas não pode naturalmente limitar a sua acção educadora à constituição do indivíduo moral. 52 E
se a formação moral não constituía o todo da formação “integral” a operar, era fundamental que Na
defesa da integridade espiritual como da territorial da Pátria (...) se incluísse (...) igualmente o
vigor físico dos seus filhos. Diluindo a educação física nos princípios da formação pré-militar,
estava encontrada a fórmula: Os serviços da Pátria têm (...) outras exigências pelas quais é preciso
responder. Eis porque a “Mocidade Portuguesa”, que procura educar os homens do futuro, não
pode ser apenas uma escola de moral.53 No entanto, a esta simbiose entre a formação espiritual e
física do jovem, Nobre Guedes retirava-se da afirmação militarizante explícita, num discurso
suficientemente ambíguo para conferir um carácter para-militar tão elástico quanto possível ao que
as circunstâncias exigissem: A “Mocidade Portuguesa” não pretende fazer dos seus filiados um
corpo de Exército de soldadinhos de chumbo, mas educá-los na admiração das virtudes militares e
dar-lhes as condições de resistência física como as de resistência moral, para poderem ser bons
soldados sempre que a Pátria precise utilizá-los nesta nobre função.54 E este futuro soldado devia
ser cultivado de raiz, longe ainda de “contaminações viciosas” próprias das idades mais avançadas:
Um rapaz, nas vizinhanças dos vinte anos, não se modifica com facilidade. E mesmo dos que
conseguem dominar os seus defeitos, poucos ainda alcançarão uma estrutura espiritual que
satisfaça as exigências da “Mocidade Portuguesa”. A solução encontrava-se a montante, onde
51 “Algumas palavras do Governador do Distrito Autónomo de Angra do Heroísmo, Dr. Pestana da Silva” in Estudo e Acção, (prefácio de Celestino Marques Pereira), Ed. da Delegação Provincial - Ponta Delgada, Oficina de Artes Gráficas, Angra do Heroísmo, 1942, s/p. 52 Palavras de abertura do comissário nacional, 1.ª Reunião dos dirigentes (...) p. 9. 53 Ibidem. 54 Ibidem, p.12.
28
estavam (...) as camadas de lusitos e de infantes, [que] dentro de pouco tempo, modificarão o
actual estado de coisas.55
1.4. Mimetismos ou inspirações - Juventudes comparadas
Se ensaiarmos uma leitura comparada dos movimentos juvenis organizados pelos fascismos,
essa análise dependerá forçosamente de dois campos de interpretação. Um primeiro circuito de
comparação estaria associado ao paralelismo teórico entre estas organizações, isto é, entre as
respectivas estruturas orgânicas, linhas programáticas, conteúdos discursivos, projectos educativos e
marcas exteriorizantes. É de notar, neste último ponto, que os fundamentos das propostas nacionais
de enquadramento da juventude obedeceram sempre ao princípio comum de “formar o novo
homem” da Nação e do Estado, assente em canais de exteriorização muito semelhantes, onde o
espectáculo da marcha, da parada militar e da farda, o rufar dos tambores e a saudação fascista
foram transversais a cada uma destas experiências.
Por outro lado, entendemos, à parte do decalque orgânico ou imagético, que estes
movimentos se distinguiram na sua função prática, vulneráveis às diferentes conjunturas políticas
que atravessaram e evoluindo muitas vezes por oscilações próprias dos contextos nacionais. Se em
todos eles se encerraram relações muito particulares com os representantes eclesiásticos, por
exemplo, já a solução dada a essas relações não foi sempre a mesma. Da mesma forma, as pressões
sociais internas, os níveis de adesão (dependentes não só do grau de mobilização como da
existência de obrigatoriedade) e de coesão interna em cada um destes movimentos, foram
profundamente variáveis. Resta-nos ainda um dos temas de análise mais crítico, centrado no quadro
de intercâmbios e troca de influências entre as juventudes das ditaduras europeias. Como a seu
tempo observaremos, a tão discutida relação da juventude alemã, primeiro com a Acção Escolar
Vanguarda e depois com a Mocidade Portuguesa, resultou do aparelho propagandístico que o
nacional-socialismo pretendeu ampliar a partir de 1934 em Portugal, da mesma forma que foi
alimentada pelas relações pessoais entre o primeiro comissário da MP, Francisco Nobre Guedes, e
alguns dirigentes do Reich. Se estas relações compreenderam alguma influência “formativa”,
através de programas desenvolvidos conjuntamente para a instrução de voo, desporto e outras
actividades da organização portuguesa, elas ter-se-ão feito sentir menos do plano doutrinário, que
pouco ou nada seria alterado desde a origem.
55 Discurso pronunciado por Francisco Nobre Guedes a 26 de Março de 1938 na cerimónia de imposição das insígnias aos primeiros comandantes de bandeira da M.P., in Mocidade Portuguesa: alguns discursos e escritos do Primeiro Comissário Nacional 1936-1940, Imp. Libânio da Silva, Lisboa, 1940, p. 139.
29
Na verdade, a Ditadura Militar, e depois o Estado Novo, não foram estranhos às políticas de
juventude que por fora se iam compondo em organizações para-militares ao serviço do Estado.
Observador atento do fascismo italiano, (...) quer para se destacar dele no discurso teórico sobre a
ética do sistema português (...) quer para se aproximar dele na prática (...)56 o regime alimentou-se
dos exemplos dos Balilla e da Hitlerjugend para aplicar algumas das suas fórmulas à juventude
portuguesa. Os principais impulsionadores da Mocidade Portuguesa, assim como da AEV (que
veremos ser criada em finais de 1933) aludiam ao modelo italiano como guia a seguir para o
enquadramento juvenil nacional. Por sua vez, os governos de Hitler e Mussolini não deixaram de
tentar seduzir o regime português, incentivando alguns dirigentes a conhecer as suas organizações.
Em Outubro de 1934, o governo italiano, arriscando uma aproximação ao Estado Novo, convidou
António Ferro a conhecer Roma com um grupo de filiados da AEV. No entanto, a viagem teria um
alcance limitado, face ao receio de Salazar quanto às verdadeiras intenções do Duce. O perigo de
radicalização no seio da AEV que, como veremos, integrava sobretudo jovens resgatados das
fileiras nacional-sindicalistas, impediu a continuidade destes contactos.57 Apesar dos receios de
aproximação do regime, a propaganda alemã conseguiria ganhar terreno em Portugal, sobretudo a
partir do ano seguinte, fazendo retrair o discurso fascista italiano sobre os vanguardistas
portugueses que, por seu turno, não deixariam de observar alguns comportamentos nacional-
socialistas.
Ao estabelecer a análise comparativa entre a MP e a HJ levadas à prática, Luís Viana58
aponta como diferença fundamental entre elas o carácter expansionista e racista da organização
alemã, necessariamente integrada na matriz ideológica nacional-socialista, preparadora para a
guerra e tendencialmente agressiva. Para além disso, a leitura de Viana sobre a Mocidade
Portuguesa, descreve um organismo (...) mais defensivo que ofensivo (...).59 Entende ainda não se
encontrarem na MP a mesma acentuação de traços militaristas, especialmente aparatosos no caso da
congénere criada por Hitler, associando-lhe feições mais familiarizadas com o modelo escutista. No
quadro da politização, este autor distingue ainda a função mobilizadora da Hitlerjugend por
contraste com a desmobilização operada entre os jovens da organização portuguesa. A este
propósito, acrescenta, a MP não poderia influir em qualquer politização num mapa nacional
preenchido pelo analfabetismo, o peso da ruralidade e do atraso económico, onde os (...)
mecanismos de dominação neo-tradicional desincentivadores da politização da vida social eram
dominantes.60
56 Simon Kuin, op. cit., p. 569. 57 Ibidem, p.569. 58 VIANA, Luís, A M.P. e o Liceu. Lá vamos contando… (1936-74), [texto policopiado] Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, Universidade de Lisboa, 1998, pp.38-39. 59 Ibidem, p.39. 60 Ibidem, p.41.
30
Se estes argumentos nos parecem válidos, nomeadamente no que respeita à tónica
politizante e agressiva própria de uma Alemanha que se preparava para a guerra total, convém
salientar que a desmobilização política operada pela MP entre os jovens (à imagem do que
aconteceu em todos os quadrantes da sociedade portuguesa), não insinuava a intenção de formar
fora do quadro político. Por outras palavras, ao procurar eliminar na juventude a vontade de intervir
directamente no curso da vida política, a organização não fez mais do que cumprir os objectivos do
Estado Novo, cuja reunião laboriosa de apoios e consequente processo de consolidação institucional
aconselhavam agora a “reeducar” o País para os valores do regime. Neste sentido, foram comuns os
meios: organizar a juventude sob a mesma alçada totalizante e endoutriná-la pelo quadro ideológico
vigente. E foram comuns os fins: moldá-la para que se reproduzisse como fruto da “nova ordem” e
lhe desse assim continuidade. Já diferentes e descontínuas foram as conjunturas que atravessaram, a
começar pela neutralidade portuguesa no segundo conflito mundial, que dispensou definitivamente
um discurso mais aguerrido junto da “mocidade”. E é no quadro conjuntural que nos parece assentar
a principal demarcação entre a MP e a Hitlerjugend, entregando à primeira o objectivo de
conservação e à segunda o da conquista, de que nos fala Luís Viana. Quanto ao carácter militarista
da Mocidade Portuguesa, é certo que não atingiu as proporções de uma organização como a do
Reich, produtora de facto de futuros soldados. No entanto, e como teremos ocasião de descrever, o
ingrediente militar participou no discurso apologético e criador da Mocidade Portuguesa, sob o
argumento de que esta deveria concorrer eficazmente para a defesa da pátria. Afastada a hipótese
de uma eventual participação portuguesa na segunda Guerra Mundial, a MP disfarçou-se então com
o modelo escutista, mas ter-se-á servido menos dele para se constituir na origem do que para
atenuar o primeiro aspecto fascizante que assumira e assegurar, assim, a sobrevivência.
Se no campo das semelhanças o ponto de encontro entre a Mocidade Portuguesa e a
organização alemã foi limitado, o mesmo não se passou no esquema de intercâmbios desenvolvido,
onde os diplomatas do Reich montaram um autêntico aparelho de propaganda sistemática junto dos
dirigentes da juventude portuguesa, muitos deles declaradamente germanófilos. É de referir, aliás,
que a Alemanha nacional-socialista, cuja principal meta era “dar uma imagem da nova Alemanha
que sirva os objectivos da política externa”, ocupou a primazia (...) deste tipo de propaganda, a
cargo do Ministério da Educação Popular e Propaganda, entregue a Joseph Goebbels, que a inicia
logo em 1933 com transmissões de rádio para o estrangeiro e edição de publicações em várias
línguas, embora só a alargasse a uma escala mais eficaz a partir de 1936.61
A juventude hitleriana, ao inaugurar este estilo pelos contactos estabelecidos com a AEV,
marcou presença a partir de 1934, aproveitando a estreia da organização portuguesa. Esta 61 BARROS, Júlia Leitão de, O fenómeno da opinião pública em Portugal durante a II Guerra Mundial, Dissertação de mestrado em História dos Séculos XIX e XX (Secção do Século XX) FCSH - Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 1993, p.50.
31
aproximação começou pelo convite formalizado por Friedhelm Burbach, em nome do NSDAP, ao
Chefe dos Serviços Externos do SPN, António Eça de Queiroz, filho do conhecido escritor e
simpatizante do nacional-sindicalismo. Na carta enviada a Eça, a 12 de Junho de 1934, remetida no
mesmo dia a Salazar, Burbach manifestava-se impressionado com a parada da AEV realizada a 27
de Maio e interessado em apresentar aos dirigentes da organização o Movimento da Juventude
Alemã nos seus múltiplos aspectos, bem como todos os problemas de cultura social
contemporânea.62 Assegurando tratar-se apenas do empenho em (...) estabelecer um eficaz
intercâmbio entre a mocidade de ambos os países, Burbach salvaguardou este convite de qualquer
(...) estranha aspiração de converter ao Nacional-Socialismo os melhores valores da mocidade
portuguesa vanguardista. Formalizava, no entanto, a nota de boas vindas a uma possível viagem
dos dirigentes vanguardistas, realçando que (...) a Alemanha nova, no que respeita à educação da
juventude, tem realizado experiências do mais alto interesse - experiências que seria de toda a
conveniência serem estudadas pela «Acção Escolar Vanguarda», (...) avançando com (...) a ideia
de uma próxima ida de alguns dos mais experimentados componentes desta Organização, ao meu
país.63 A proximidade ideológica entre a HJ e os jovens que integravam a AEV teria os seus
reflexos no discurso panfletário do organismo, inflamado pela chama politizante e até anti-semita
que neles se lia, espelhando de igual modo a herança nacional-sindicalista presente em muitos
vanguardistas.64
Talvez por recordar os resultados desta aproximação à ideologia fascista, e ciente do perigo
que podia transportar um excessivo mimetismo de organizações congéneres, mais em particular do
modelo hitleriano, Nobre Guedes recorreria mais tarde a uma retórica de demarcação da Mocidade
Portuguesa face a essas formas arreigadas no paganismo, a que era alheia a realidade cristã
portuguesa. A intervenção do comissário nacional na primeira Reunião de Dirigentes, em 1937,
confirmaria pelo menos a intenção: O facto da coincidência de circunstâncias políticas terem
levado antes de nós outros países à organização das suas juventudes, não é razão para supor que a
nossa possa herdar por comodidade ou por incapacidade as formas estrangeiras. A nossa
organização tem a melhor luz a iluminar-lhe a razão que é a da doutrina do Estado, luz que não
62 Arquivo Nacional – Torre do Tombo/Arquivo Oliveira Salazar, AOS/CO/PC-12. Carta de 12 de Junho de 1934, enviada por Friedhelm Burbach , AuslandsKomissar für Spanien und Portugal, a António Eça de Queiroz, Chefe dos Serviços Externos do SPN. – Cópia remetida a Salazar no mesmo dia. 63 Ibidem. 64 Um folheto de propaganda da AEV, sem data, emitia este tipo de discurso: Camaradas estudantes! A hora pertence-nos, porque a Vitória é nossa! Sem tibiezas, sem desfalecimentos, saibamos erguer bem alto a Bandeira do nosso triunfo, onde se inscrevem, em palavras de fogo, as reivindicações do Povo Trabalhador de Portugal! A Revolução Nacional é obra gloriosa da Mocidade! Ela fez-se contra todas as tiranias, contra todas as mentiras, contra todos os inimigos de Portugal! Fez-se contra a desordem do capitalismo burguês, contra a opressão do comunismo sanguinário, contra o inimigo secreto do exterior e do interior! (...) O nosso adversário dentro da Escola brama contra o Capital e defende apopleticamente a raça detentora do Dinheiro, essa Judiaria imunda que quer dominar o mundo. (...). AOS/CO/PC-12. Folheto de propaganda da AEV, c. 1935.
32
consente a deformação de imagens compreensíveis à nossa sensibilidade, a desfiguração de ideias
que não correspondam ao nosso espírito, à nossa tradição e às nossas aspirações. 65
Seguindo o mesmo percurso pelas similaridades genéticas entre a Opera Nazionale Balilla e
a Mocidade Portuguesa, é possível descobrir laços mais profundos, quer no que diz respeito ao
molde legislativo que as constituiu como no que se refere à prática educativa que desenvolveram.
Os escalões da Mocidade ter-se-ão mesmo inspirado nas divisões etárias estabelecidas para a
juventude italiana, da mesma maneira que o culto da obediência e do dever militar também
constituíam enunciados da ONB. O dualismo Igreja/Estado na política educativa seria também
comum às duas ditaduras, muito embora a margem de cedências beneficiasse em Portugal, da
conflituosa experiência italiana. Também a instituição da obrigatoriedade de filiação na MP poderá
ter colhido o exemplo da fraca adesão voluntária sentida na Balilla.
Por outro lado, embora não minimizando a inspiração orgânica de algumas práticas do
fascismo italiano, ou até do nacional-socialismo, na base do projecto juvenil português, a verdade é
que a formatação final da Mocidade Portuguesa obedeceu às idiossincrasias próprias do
salazarismo. O projecto “educador” da juventude executado pelo Estado Novo consubstanciaria em
si mesmo a síntese dos mitos ideológicos fundadores do regime. A Mocidade Portuguesa seria então
um dos instrumentos predilectos de transmissão daqueles valores, descendentes dos mitos da
“Renascença portuguesa” (pela regeneração contra a decadência liberal), do novo nacionalismo
(pelo regresso ao verdadeiro destino pátrio, materializado no Estado), imperial (pela vocação
histórica de “colonizar e evangelizar”), da ruralidade, da pobreza honrada (decorrente do próprio
retorno à ruralidade), da ordem corporativa (pela natural aceitação da hierarquização social,
interiorizada pela vocação de ordem, de hierarquia e de autoridade, essencialmente portuguesa ) e
da essência católica da identidade nacional.66 A “escola doutrinária” realizada na Mocidade
Portuguesa integrava assim os princípios doutrinários inequívocos do regime, declarados nas
grandes certezas de Salazar.
65 Palavras de abertura do comissário nacional, 1.ª Reunião dos Dirigentes (...) pp. 11-12. 66 Esta formulação teórica é de Fernando Rosas, op. cit. pp.1033-1036.
33
2. O enquadramento da juventude à escala salazarista
2.1. Os planos frustrados dos primeiros anos 30
A transição do período de indefinições no interior da Ditadura Militar para a fase de
construção dos pilares fundamentais do Estado Novo, gerada em torno do quadro de apoios a
Oliveira Salazar, consumou-se, em larga medida, no ano de 1930. Sob governo do general
Domingos de Oliveira, de que Salazar foi ministro das Finanças, encerraram-se as principais
hesitações quanto à natureza do regime que sucederia a administração militar. Em 1929, o cardeal
Gonçalves Cerejeira, amigo íntimo do futuro Presidente do Conselho, assumiu o patriarcado de
Lisboa. Com esta mudança na hierarquia eclesiástica, marco estruturante da evolução do regime, era
perceptível que (...) a mesma matriz ideológica e política presidia, quer aos destinos do poder que
buscava construir um Estado em ruptura com a República democrática quer aos desígnios
perseguidos pela Igreja.67
Também neste ano, altura em que reuniu as condições essenciais para deitar mãos à
construção do Estado Novo, Salazar anunciou a criação da União Nacional (UN), associação
“cívico-política” que não se intitulava como partido político e aglutinaria as diferentes forças que o
conduziram ao poder. Falando na sala do Conselho de Estado a 30 de Julho de 1930, Salazar
declarou a intenção de (...) construir o Estado social e corporativo em estreita correspondência
com a constituição natural da sociedade.68 Ao mesmo tempo que enunciava os “futuros desígnios”
do regime, o então ministro das Finanças antevia a construção do Estado para além da sua
concretização jurídica, anunciando que, depois de passadas as ideias de base (...) a uma
constituição, não vamos julgar ter encontrado o remédio de todos os males políticos. O combate a
esses “males” passava pela renovação moral e mental: (...) sempre que olho para o futuro, para a
consolidação e prosseguimento do que se há feito em favor da ordem, da disciplina, da economia e
do progresso do País, eu vejo nitidamente não se estar construindo nada de sólido fora de uma
revolução mental e moral nos portugueses de hoje, e de uma cuidadosa preparação das gerações
de amanhã. Eu pergunto se na alma dos que dizem acompanhar-nos há o amor da Pátria até ao
sacrifício, o desejo de bem servir, a vontade de obedecer – única escola para aprender a mandar –,
a necessidade viva da disciplina, da ordem, da justiça, do trabalho honesto.69
Nos primeiros anos da década de 30, Salazar fundou os primeiros alicerces do Estado Novo
materializados no Acto Colonial, de Julho de 1930, na Constituição Política de 1933, e na
67 OLIVEIRA, César Oliveira, “A evolução política” in ROSAS, Fernando, (coord.) Portugal e o Estado Novo (1930-1960), MARQUES, A.H. (dir) Nova História de Portugal, vol. XII,, Editorial Presença, Lisboa, 1992, 23-24. 68 Discursos e Notas Políticas (...), vol. I, 1928-1934, 4.ª edição, p.81. 69 Ibidem, pp. 93-94.
34
institucionalização do Estado Corporativo, pela publicação do Estatuto do Trabalho Nacional.70
Montada a máquina política e conciliadas as forças políticas, o tempo seria então dar vida aos
instrumentos de propaganda e educação que iriam operar a tão desejada “reforma mental”,
sustentáculo do programa ideológico do regime.
2.1.1. Ordem Lusa e Liga da Mocidade Portuguesa
Pouco depois do golpe militar que derrubou a República em 1926, e à medida que a natureza
ditatorial do regime se foi evidenciando, ergueu-se também o bloco oposicionista e, com ele,
sucessivas tentativas de derrube da Ditadura. O Reviralhismo, movimento que associou militares e
civis em luta pela reforma e consolidação da República, assumiu maior expressão até 1931, altura
em que procurou seguir outras formas de luta. Entre 3 e 8 de Fevereiro de 1927, teve início no Porto
uma das revoltas mais intensas, estendendo-se depois a Lisboa e ao resto do País, mas que acabaria
por ser duramente reprimida pelas forças militares contra-revolucionárias, em autêntico ambiente de
Guerra Civil. Daqui resultou não só o reforço da repressão dos oposicionismos, como também a
radicalização de alguns sectores de apoio à Ditadura. Foi o caso de Alfredo Morais Sarmento que
então apresentou um (...) projecto de constituição de uma “Milícia Nacional”, ou “Lusitana”, cuja
missão era a de opor-se à interrupção dos serviços públicos por greves, unindo em torno do
Governo da Ditadura republicanos e monárquicos. 71
Ao longo destes anos foram sendo operadas algumas transformações no sistema educativo
republicano, encabeçadas pelo ministro Gustavo Cordeiro Ramos,72 que em 1928 substituiu Duarte
Pacheco no gabinete da Instrução Pública. Um projecto de reforma deste ministério, com data de
1929, aludia então à necessidade de imprimir a esta pasta as características de (...) um organismo
vivo, insuflador de energias, promotor e orientador de toda a educação nacional, capaz de se
substituir à função de departamento puramente burocrático na organização do Estado.73 Este
projecto proclamava já o primado da “educação nacional” sobre a “instrução” e antecipava a base
doutrinária da reforma concretizada em 1936. Na verdade, Cordeiro Ramos seria (...) o principal
protagonista de uma contra-reforma educativa que significou o desmantelamento do edifício
educativo republicano74, preparando o terreno para a institucionalização do programa de educação
70 Cf. César de Oliveira, op. cit, p. 27. 71 FARINHA, Luís, O Reviralho. Revoltas Republicanas contra a Ditadura e o Estado Novo. 1926-1940, Editorial Estampa, col. "Histórias de Portugal" - 39, Lisboa, 1998, p.63. 72 Gustavo Cordeiro Ramos (1888-1974). Licenciado em Letras pela Universidade Lisboa, concluiu a formação académica em Lepzig, na Alemanha, tornando-se depois professor universitário. Ocupou a pasta da Instrução Pública entre Novembro de 1928 e Novembro de 1929, sob governo de Vicente Freitas, de Janeiro de 1930 a Julho de 1932, durante o governo de Domingos de Oliveira e, já com Salazar, entre Julho desse ano e Julho de 1933. Conhecido pelo perfil germanófilo, inspirou-se no modelo educativo alemão para muitas das reformas que levou a cabo. Ideólogo por excelência do regime, traduziu largamente as concepções de Salazar no que se referia à “Educação Nacional”. Vide Anexo I. 73 AOS/CO/ED-1B. Projecto de lei de reorganização do Ministério da Instrução Pública, com data de 1929. 74 LOFF, Manuel, “As grandes directrizes (...), op. cit., p.313.
35
nacional concretizado em 1936 pelo ministro Carneiro Pacheco.75
Para além da sua função combativa e anti-bolchevista, o modelo educativo progressivamente
adoptado pelo regime contemplaria também um ensino devotado ao saber “suficiente” por oposição
à “excessiva” intelectualidade praticada durante a I República. Em 1937, o antigo ministro da
Instrução declarar-se-ia a favor de uma escola que se fizesse substituir ao (...) deslumbramento de
uma exclusiva e exagerada educação intelectual (...), por uma orientação integrada na ética do
Estado, assente na (...) concepção unitária da vida e do homem, um princípio de totalidade que se
traduz na política, na economia, na ciência, cultura e educação.76
Os projectos de enquadramento da juventude numa organização de natureza militar, embora
remetidos nesta altura para segundo plano, ocuparam com alguma frequência o gabinete do ministro
da Instrução. Ainda em Maio de 1932, Quirino de Jesus referir-se-ia, em carta a Salazar, ao (...)
projecto de decreto sobre a formação física, moral e patriótica da adolescência e juventude
(balillas) (…), elaborado juntamente com o ministro Cordeiro Ramos e considerado
indispensável.77. Associados ou não ao projecto mencionado por Quirino de Jesus, conhece-se o
conteúdo de pelo menos dois documentos atribuíveis ao mesmo ministro, ambos elaborados nos
primeiros anos 30. Estes documentos constituíram um ensaio fundamental do que seria mais tarde a
MP, embora não transportassem ainda o peso da obrigatoriedade ou sinais de vínculo às instituições
escolares. Um destes esboços de diploma pretendia constituir um organismo designado por “Ordem
Lusa” e o outro propunha a criação de uma “Liga da Mocidade Portuguesa”,78 produzido entre
Outubro de 1931 e Julho de 1932. No entanto, aquele primeiro documento não deixou data de
referência, alargando necessariamente a margem de erro na pesquisa de pistas que justifiquem a
diferença de conteúdos entre si.
A crer que o primeiro projecto elaborado tenha sido aquele que sugeria a criação da “Ordem
Lusa” (OL) – uma vez que a proposta referente à “Liga da Mocidade Portuguesa” (LMP) conserva
o corpo textual anterior mas com várias omissões –, evidencia-se a forte carga militarista do
primeiro por oposição ao segundo, onde toda e qualquer referência à organização da juventude
naqueles moldes foi ali completamente eliminada. Assim, enquanto a OL, que se definia como não
sendo um partido nem poder aspirar a sê-lo, pretendia a (...) organização cívica dos Portugueses 75 António Faria Carneiro Pacheco (1887-1957). Professor catedrático de Direito, na Universidade de Coimbra, aí conheceu Salazar. Monárquico e conservador, germanófilo declarado, coube-lhe o papel concretizador da política de “Educação Nacional” do Estado Novo. Vide Anexo I. 76 RAMOS, Gustavo Cordeiro, “Os Fundamentos Éticos da Escola no Estado Novo” in Uma Série de Conferências, União Nacional - Centro de Estudos Corporativos, Lisboa, 1937, p. 364. 77 Carta (c. Maio 1932) enviada por Quirino de Jesus a Oliveira Salazar, publicada em Cartas e Relatórios de Quirino de Jesus a Oliveira Salazar, Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista, Mem Martins, 1987, p.37. 78 AOS/CO/ED-1C. Projecto de criação da “Ordem Lusa”, sem data; e AOS/CO/ED-1D. Projecto de constituição de uma “Liga da Mocidade Portuguesa”. Ministério da Instrução Pública. Embora sem data, o projecto de diploma está assinado pelos ministros que constituíam o governo de Domingos de Oliveira, já com Mário Pais de Sousa no Ministério do Interior, situando-se por isso entre Outubro de 1931 e Julho de 1932. Vide Anexo III.
36
das novas gerações desde a idade de 8 anos, para a colocação da Pátria na via segura do seu alto
destino, pela execução progressiva do plano restaurador, paralelamente aos (...) fins superiores do
Exército, da Armada e da União Nacional, já a “Liga da Mocidade Portuguesa” propunha a
cooperação (…) da mocidade no robustecimento e elevação de Portugal pelo espírito de disciplina
e energia das novas gerações e pelo esforço físico ou moral que elas prestem praticamente na
defesa da Nação, e neste caso (...) em paralelismo com a existência e fins superiores do Exército e
da Armada (...) sem referência à União Nacional.
Mais relevante ainda, a organização dos “Lusos” consistia na formação dos (...) seus
membros adolescentes e juvenis nos exercícios do corpo e na preparação de serviços milicianos, e
em se fortalecer neles e nos outros de idade madura, que devem cooperar, o amor da Pátria, da sua
história e da sua missão na humanidade, o ideal agrícola, marítimo e colonial, os princípios de
família, autoridade, ordem e propriedade, a firmeza das crenças próprias e o respeito das alheias e
a disposição de bem servir a Nação ainda à custa dos maiores sacrifícios, ao passo que a Liga
pretendia formar os mesmos adolescentes (...) nos exercícios do corpo e do espírito e em se
fortalecer neles (...) sob os mesmos princípios enunciados pelo projecto anterior, mas neste caso
(...) pelas conferências, pelos congressos, pela criação de grupos escolares da cultura intelectual e
cívica, pela selecção de bibliotecas, pelo amor da Pátria, da sua história e da sua missão na
humanidade, pelo ideal agrícola, marítimo e colonial (...). Em texto só mencionado no primeiro
projecto, ficava previsto que os poderes estabelecidos pudessem aproveitar os membros daquela
Ordem (...) directamente para a defesa da ordem e da segurança do Estado, conforme as
capacidades, quando o reclamar a salvação comum.
Os dois esboços legislativos estabeleciam a adesão voluntária, de alunos ou membros de
outras corporações juvenis entre os 8 e os 21 anos. Diferentes, porém, eram os fins de integração. A
Ordem Lusa, referindo-se apenas a membros do sexo masculino, projectava a constituição de
divisões gerais ou alas, que compreendiam o activo do organismo, e a reserva, esta última formada
por indivíduos a partir dos 30 anos. Ainda neste grupo, entendia-se que os membros podiam ser
chamados a (...) concorrer para a consolidação e engrandecimento de Portugal (...) Pelo espírito
de disciplina e renascença patriótica; ou (...) Pelo esforço físico ou moral, quando lhe seja
reclamado: a) em nome da ordem pública; b) em nome da segurança ou defesa da Nação. Os
objectivos da OL concentravam-se assim na formação militar da juventude pelo princípio de defesa
nacional, sublinhando a retórica perpetualista e nacionalista dos ideais patrióticos:
No decurso do século XX a Nação portuguesa estará afrontada por tendências contrárias à sua existência, estabilidade e destino. O enquadramento das novas gerações na Ordem Lusa com as finalidades expostas, é uma das primeiras necessidades nacionais. Todos aqueles que para ele concorrerem de qualquer maneira ajudarão a
37
salvar os princípios que estão na base da sociedade e que podem assegurar a força, a perpetuidade e a glória da Pátria.79
Em observação sinóptica dos dois projectos de diploma, era comum à Ordem Lusa e à Liga
da Mocidade Portuguesa o princípio de que deviam ser criadas no Ministério da Instrução mas
adquirir autonomia; a primeira pretendia ainda reunir o apoio das pastas da Guerra e Marinha e a
segunda acrescentava a este concerto a participação do Ministério do Interior, com vista a formar
um Conselho Geral. Curiosamente, a LMP pretendia ainda criar grupos de escoteiros em todos os
grémios escolares, especialmente liceais.
A Associação dos Escoteiros de Portugal (AEP) foi criada em 1912, numa linha
essencialmente não católica, tendo recebido o apoio declarado do governo republicano. A partir de
1924, surgiu o debate em torno da questão religiosa no seio do escutismo português, à medida que
se afirmavam os grupos de scouts católicos e que os membros da AEP recusavam a hipótese de
fusão com aquele movimento.80 Alguns grupos do escutismo não religioso, como o que foi fundado
por Álvaro de Melo Machado também em 1912, mantinham ligação a lojas maçónicas, o que lhes
imprimiu um carácter de estreita afinidade com a causa republicana. O Corpo Nacional de Scouts
(CNS), mais tarde Corpo Nacional de Escutas (CNE) surgiu assim com diferente orientação
ideológica, embora fossem várias as tentativas de aproximação entre um e outro movimento. Depois
do golpe militar de 28 de Maio de 1926, foram ensaiadas diferentes fórmulas de controlo sobre o
escutismo português, mas a mais marcante seria assinalada em 1932, na mesma altura em que terá
sido elaborado o projecto de constituição da LMP. Nesta data, Gustavo Cordeiro Ramos pretendeu
controlar (...) os métodos e espaços de sociabilização e educação infanto-juvenil,81 criando para o
efeito a Organização Escotista de Portugal, intervindo directamente na vida directa da AEP e do
CNS. 82 Em 1935, o regime reforçou a vigilância sobre o escutismo não católico, renovando os
quadros directivos e elegendo para a presidência da Comissão Executiva Pedro Teotónio Pereira,83
pertencente à “segunda geração de integralistas” e incondicional de Salazar. Em Julho de 1936, já
sob constituição da Mocidade Portuguesa, a OEP foi dissolvida e alguns membros da AEP
transitaram para a nova organização. Mas, como veremos, os movimentos de escoteiros portugueses
sobreviveriam ao ímpeto totalizante da MP, ainda que com dificuldades.
As primeiras projecções sobre o que deveria ser a organização de juventude sob o manto da
“educação nacional” destacavam já o denominador comum da formação ideológica em torno da
79 AOS/CO/ED-1C. Projecto de criação da “Ordem Lusa” (...). 80 Cf. VICENTE, Ana Cláudia da Silva, A Introdução do Escutismo em Portugal 1911-1942, Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa, 2004, p. 38 e sgs. 81 Ibidem, p.58. 82 Decreto n.º 21 434, publicado no Diário do Governo, I Série, n.º 152, de 1 de Julho de 1932. 83 Era então subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social.
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defesa da Pátria. Faltavam os ingredientes “Deus” e “Família”, tanto à primeira, adensada no
programa militarista, como à segunda, demasiado (e talvez voluntariamente) vaga. Na verdade,
estava ainda ausente o clima propício à execução de uma verdadeira política de “reeducação”
arquitectada ao longo da década de 30 pelo Estado Novo, suporte essencial à condição formadora
do “homem novo”. Em boa parte, terão pesado no adiamento destes projectos factores como o ainda
instável equilíbrio de relações entre o Estado e o Exército, motivo suficiente para evitar a
oficialização de um movimento de tipo miliciano. Paralelamente,e tratando-se de propostas
anteriores à consolidação institucional do regime, estabilizada só em meados da década, faltava-lhes
o enquadramento mais vasto na política de Educação Nacional.
2.1.2. Uma experiência breve: Acção Escolar Vanguarda
Em sentido inverso ao que os projectos do início da década de 30 reflectiram, a primeira
organização de juventude levada à concretização política pelo Estado Novo não resultou
propriamente de uma acção governativa concertada mas antes da ameaça que o crescendo da direita
radical estudantil fazia pairar sobre a consolidação do novo regime. Estes jovens, em parte oriundos
das juntas escolares do Integralismo Lusitano, constituídas no final da década de 20, representavam
alguns dos estudantes mais activos e radicalizados que tinham aderido ao movimento nacional-
sindicalista de Rolão Preto.84 Entre eles estavam Dutra Faria85, colaborador do órgão da Junta
Escolar de Lisboa em 1929, que uma década mais tarde chefiou os serviços culturais da Mocidade
Portuguesa, e Amaral Pyrrait, que em 1937 leccionaria a disciplina de Política aos graduados da
mesma organização.
Quando em 1932 emergiu o movimento nacional-sindicalista, liderado por Rolão Preto,
muitos dos estudantes integralistas respiraram um ar mais radicalizado, aderindo fervorosamente a
esta corrente fascista. No ano seguinte o número de adeptos ao N/S cresceu rapidamente,
conquistando uma massa considerável de militantes entre os jovens, em função de um discurso que
assentava na renovação da política pelo rejuvenescimento dos quadros dirigentes.86 Na mesma
altura, Marcelo Caetano escreveu a Salazar, num tom crítico que se tornaria frequente, assaltado
pela perda de apoios juvenis para o nacional-sindicalismo, sendo que nele se agrupavam (...) alguns
valores e um número considerável de mocidades entusiásticas – que há um ano já se achavam 84 Cf. Simon Kuin, op. cit., p.559. 85 Francisco de Paula Dutra Faria (1910-?) – Jornalista e escritor, iniciou carreira em 1925 e colaborou com diversos órgãos de imprensa. Foi redactor do Política - Órgão da Junta Escolar do Integralismo Lusitano, (1929-1930) e, alguns anos depois, do Secretariado de Propaganda Nacional. Esteve entre os fundadores do movimento nacional-sindicalista português. Fundou e dirigiu o Cruzada Nova, com Correia de Melo e, em Lisboa, o Acção Nacional, juntamente com António Tinoco, Amaral Pyrrait e António Pedro. Foi director dos serviços culturais da MP na década de 40, organizou ali o sector de formação ultramarina e fundou uma escola de locutores no organismo. 86 Cf. Simon Kuin, op. cit., p. 559.
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tentadas pela sedução comunista. Alertando para o urgente influxo desta importante base estudantil
a favor do Estado Novo, Caetano, então um jovem colaborador de Salazar e também ele
simpatizante do Integralismo, acentuou: V.ª Ex.ª não quis, de início, chamar a si essa corrente de
entusiasmo, de generosidade, de mocidade: e teria sido fácil fazê-lo. E agora, o que se verifica?
Isto: que em Coimbra, depois de ter sido proibida uma conferência de Rolão Preto, foi agora
encerrada a Liga 28 de Maio; e que a Faro chegaram ordens apertadas para a censura local vigiar
especialmente o que se escreve no Nacional-Sindicalista. 87 A repressão verificada resultava já da
dificuldade em conter o movimento, ao que lamentava Marcelo Caetano: Já é tarde para fazer
aquilo que teria sido fácil há três meses: chamar a nós o Nacional-Sindicalismo. Mas, ao menos,
entendamo-nos claramente, procure-se uma fórmula de coexistência, e, sobretudo, não se destrua o
que tem o mérito da espontaneidade, do entusiasmo, da homogeneidade relativa que pode tornar-se
mais perfeita. Enjeitando a “fórmula de coexistência” proposta por Marcelo Caetano, Salazar optou
por chamar a si a camada juvenil do N/S, minando, na base, a força do movimento.
A Acção Escolar Vanguarda (AEV), apresentada oficialmente em Janeiro de 1934, não seria
tanto um antecessor genético da Mocidade Portuguesa mas antes o motor de criação do novo
organismo. A AEV foi desenhada no interior do Secretariado de Propaganda Nacional (SPN),
constituído em Setembro de 1933 para conduzir a propaganda do regime e responsabilizado pelo
recrutamento de filiados, criteriosamente seleccionados entre escolas e universidades onde se
denotava maior actividade política.88 A tutela do movimento, à margem do Ministério da Instrução,
e os respectivos limites de actuação, que estavam longe de absorver toda a camada juvenil,
evidenciaram o carácter pontual da organização, que era afinal um instrumento de dissolução do
movimento nacional-sindicalista. A entrega da AEV ao órgão de propaganda estatal significou, ao
mesmo tempo, como verifica Simon Kuin, (...) a preocupação de Salazar de afastar qualquer
tendência miliciana da União Nacional (...)89, de que daria sintoma novamente por altura da criação
da MP.
Longe ainda do papel educador que a Mocidade Portuguesa assumiria como prioritário, a
Acção Escolar Vanguarda deixou maiores vestígios exteriorizantes do que marcas doutrinadoras.
Na linha de combate ao nacional-sindicalismo, a AEV ensaiou autênticas coreografias paradísticas
ao participar nas comemorações de 28 de Maio. Escrevendo a Salazar, pouco depois de constituído
o movimento90, António Eça de Queiroz propôs que as encenações da AEV integrassem um desfile
87 Carta de 1933, enviada por Marcelo Caetano a Oliveira Salazar. Publicada em ANTUNES, José Freire, Salazar e Caetano. Cartas Secretas, 1932-1968, Círculo de Leitores, Lisboa, 1993, p.92. 88 Cf. Simon Kuin, op. cit., pp. 560-561. Para além da agitação nacional-sindicalista, os meios académicos favoreciam também o crescimento da Federação das Juventudes Comunistas, em cuja direcção a AEV também apontou armas de combate ideológico. 89 Simon Kuin, op. cit., p. 560. 90 AOS/CO/ED-1D. Carta de António Eça de Queiroz, enviada ao Presidente do Conselho, Oliveira Salazar.
40
com o (...) maior número possível de vanguardistas fardados e, ainda mais enfatizante, uma (...)
manifestação de todos os filiados percorrendo algumas ruas principais de Lisboa com archotes em
homenagem ao Governo.91 Mas este teatralismo ficaria muito aquém da capacidade demonstrativa
da MP. Se a AEV previa reunir 1000 a 1500 filiados (caso fosse possível trazer alguns de fora de
Lisboa), os números mínimos da Mocidade Portuguesa rondariam os 3 000, atingindo nas grandes
comemorações, paradas com mais de 10 000 filiados.
No entanto, apesar do avolumar inicial de adeptos, a AEV ficou marcada por um
comportamento instável, suspeita de administração irregular. Pouco depois da criação do
movimento, em Novembro de 1934, António Ferro alertou Salazar para alguma desconfiança
quanto aos actos de administração ali praticados, ordenando a realização de um inquérito para
apurar eventuais irregularidades.92 Frequentes também foram as acusações de “caceteirismo” aos
jovens vanguardistas, denunciados por agressões contra transeuntes, normalmente praticadas em
grupo, sem qualquer motivo aparente.93
A necessidade de reestruturar a AEV, ou de encerrar mesmo as portas do organismo, já era
pressentida em meados de 1935, altura em que se reconhecia já o esvaziamento de funções. O
mesmo movimento que reunira 1500 filiados a 28 de Maio do ano anterior, contava agora pouco
mais de 200 adeptos. Faltavam à organização as directrizes certas para (...) desviar a mocidade dos
maus caminhos que trilha. A única solução possível seria remodelar (...) imediata e totalmente a
AEV (....) ou então, salvo melhor parecer, em vez de criarmos mocidades para bem da Nação, está-
se despendendo dinheiro e avolumando dívidas sem proveito nem benefício.94 Em Outubro de
1934, a pasta da Instrução Pública tinha sido entregue a Eusébio Tamagnini95, nacional-sindicalista
ordeiro alinhado com o regime. Já em pleno declínio da Acção Escolar Vanguarda, em Agosto de A carta a que nos referimos não se encontra datada, mas podemos, sem grande risco, atribuí-la aos primeiros meses de 1934, considerando que, no ano seguinte, já a organização estava em franco declínio e praticamente sem apoios oficiais. 91 Ibidem. 92 AOS/CO/ED-1D. Ofício confidencial, de 21 de Novembro de 1934, enviado por António Ferro, director do SPN, ao Presidente do Conselho, Oliveira Salazar. 93 Uma destas acusações foi apresentada por Manuel das Dores, 2.º sargento-artífice - Batalhão de Metralhadoras n.º, 1, queixando-se de ser atacado por um grupo de rapazes de camisas verdes que o esperaram de noite, à porta da Escola Industrial Machado de Castro, onde frequentava um curso nocturno. Queixando-se de ter sido atacado, com socos e empurrões por vanguardistas que o julgavam militante comunista, denunciava ainda sobre o grupo de agressores da AEV: (...) consta-se-me que era a terceira vez que lá ia, tendo já havido algumas escaramuças, do que resultou haver ferimentos. AOS/CO/ED-1D. Cópia da queixa com data de 14 de Maio de 1934, apresentada por Manuel das Dores contra um grupo de vanguardistas. 94 AOS/CO/ED-10. Carta de 29 de Abril de 1935 enviada por Carlos Cilia, provavelmente membro da AEV, a Oliveira Salazar. 95 Eusébio Tamagnini de Matos Encarnação. Professor da Universidade de Coimbra e nacional-sindicalista, ministro da Instrução Pública entre 23 de Outubro de 1934 e 18 de Janeiro de 1936, altura em que foi substituído Carneiro Pacheco e já se encontrava em projecto a constituição de um novo organismo de juventude. Em Março de 1936, pouco antes da reforma ministerial que deu lugar à Mocidade Portuguesa, Tamagnini defendeu no Diário da Manhã a importância da Educação Física na escola, como parte duma educação total: Não é possível conceber uma educação física que exclusivamente se dedique ao corpo nem tão pouco uma educação mental que apenas consagre o espírito. Concluía por isso: Ao movimento nacionalista português não pode ser indiferente ao sistema a educação física do povo. TAMAGNINI, Eusébio, “Alguns Aspectos do Problema Escolar Português III” in Diário da Manhã, n.º 1771, de 24 de Março de 1936, p.3.
41
1935, Salazar anunciou o projecto em preparação por aquele ministério, com o fim de reorganizar a
juventude académica, embora sem contemplar os jovens não estudantes.96 Mas Tamagnini já não
era titular da pasta da Instrução quando a Mocidade Portuguesa finalmente iniciou marcha.
Em Janeiro de 1936, o projecto de lei que deu lugar à MP seguiu para discussão na
Assembleia Nacional. A direcção do organismo anterior, que naufragava ao abandono do SPN e do
poder governativo, propôs ainda a comemoração daquela data desejando (...) sair do marasmo em
que a A.E.V. se encontra[va]. Este último ímpeto de sobrevivência viu recusado o apoio financeiro
do Secretariado de Propaganda Nacional para publicação de (...) um número especial do Avante!,
uma festa no Teatro Nacional e uma palestra na Emissora.97 Face à ausência de suporte político e
financeiro, a AEV acabaria por anular as comemorações, declarando-se definitivamente a morte do
movimento.
Embora desenvolvendo alguma actividade desportiva, a Acção Escolar Vanguarda assentava
sobretudo no desfile, na parada e na demonstração. Pelo seu carácter politizado e populista,
relegaria para segundo plano a penetração na vida escolar. Esteve ainda longe de se constituir como
projecto formador do “homem novo”, sendo antes um movimento sustentado pela (...) doutrinação,
o voluntarismo, a mística do chefe e um esboço de prática milicial.98
Por outro lado, a AEV detinha já alguns valores comuns à futura organização da Mocidade
Portuguesa., identificável precisamente na valorização da educação física e pré-militar, a que
acrescentaríamos a formação político-social embora em clara divergência de funções. Outra
diferença fundamental entre as duas modalidades de enquadramento juvenil, prende-se com a
formação dos quadros dirigentes. A MP reproduziu fielmente o espírito próprio de um aparelho
governativo gerontocrático, não se cansando de marcar a diferença entre a gestação de jovens
chefes no seio da organização e a autoridade dos dirigentes superiores. Bem diferente do que pela
AEV se foi processando, onde os corpos directivos integravam estudantes, precisamente em defesa
do rejuvenescimento dos quadros administrativos. Era a juventude a tomar conta de si mesma, que
procurava distanciar-se daqueles que acusava ser “velhos botas de elástico”. Este tipo de afirmações
não só mereceria resposta do Presidente Carmona, que lembrava ser necessário “carrilar” a
juventude e (...) “não a deixar cair em excessos que poderiam falsear o seu papel” (...) porque se
96 Cf. Simon Kuin, op. cit., p. 563. 97A 14 de Janeiro de 1934, um grupo de estudantes universitários que integrava a AEV escreveu a Salazar requerendo apoio financeiro e administrativo (face à recusa de auxílio do SPN) para as comemorações que pretendiam levar a cabo. AOS/CO/ED-1D. Ofício n.º 321, de 14 de Janeiro de 1936, enviado por estudantes do Conselho Directivo da AEV a Oliveira Salazar. A nota posterior a que nos referimos, embora não datada e sem indicação de autoria, declarava a desistência da direcção da AEV em prosseguir as comemorações. 98 PINTO, António Costa, RIBEIRO, Nuno Afonso, A Acção Escolar Vanguarda (1933-36). A juventude Nacionalista nos primórdios do Estado Novo, Cooperativa Editora- História Crítica, Lisboa, 1980, p.61.
42
(...) “os novos têm o seu lugar no Estado Novo, os velhos também...” ,99 como, em última análise,
resultaria no abandono definitivo do organismo pelo regime.
Os projectos de constituição da LMP e da “Ordem Lusa” parecem, deste modo, mais
próximos da verdadeira linha hereditária da Mocidade Portuguesa, ainda que não tivessem passado
além do gabinete ministerial que os traçou. E, embora a criação da Mocidade Portuguesa possa ter
sido acelerada pelas pressões da direita mais radical do regime, em conjugação com o contexto
internacional, a verdade é que ela esteve inegavelmente ligada ao processo de consolidação do
Estado Novo e à política de reforma mais profunda concretizada em 1936. De facto, quando o
ministro Cordeiro Ramos avançou com a primeira proposta de enquadramento da juventude, nem a
escola nem a sociedade estavam ainda devidamente “purificadas” para a receber.
2.1.3. Purificar a escola Na realidade, a Escola, em particular o ensino primário, tinha sido palco privilegiado da
actuação republicana que nela reconheceu (...) a instituição que poderia divulgar os conhecimentos
elementares e simultaneamente radicar mais profundamente os sentimentos adequados ao sistema
representativo e à vivência democrática.100 A importância que o regime democrático legara às
instituições do ensino básico sofria agora um progressivo anulamento. De facto, as reformas
operadas pela Ditadura Militar, e depois pelo Estado Novo, tenderam a desvalorizar a profissão
docente, a sua formação e, mais em particular, o ensino primário. Paralelamente, a instituição
escolar e (...) os actores educativos sofreram um apertado controle do regime, até porque a função
de endoutrinação conferida à escola tornava o sistema educativo e os seus agentes um sector
particularmente sensível(...).101 Uma das soluções encontradas para este controlo doutrinário
passou pelo encerramento das escolas do magistério primário e pela criação de postos escolares102,
entregues à nova figura dos regentes. Estes, por seu turno, apresentavam muitas vezes fracas
habilitações, constituindo assim (...) o modelo escolar adequado à missão do ensino primário
elementar (...)103, limitado ao saber ler, escrever e contar. Até à reforma mais profunda de 1936,
onde se operou então a revisão geral de programas e doutrinas, o regime ensaiou a reunião de
apoios entre os professores. No entanto, como verifica António Nóvoa, o esforço do regime no
sentido de desmantelar as práticas e concepções da escola republicana encontrou resistências mais
duras na estrutura escolar, como seria o caso das (...) tentativas de reforma no âmbito da formação
99 Ibidem, p.48. 100 Fernando Catroga, op. cit., p. 265. 101 MOGARRO, Maria João, “A formação de professores durante o Estado Novo” in Justino de Magalhães, op, cit., p.289. 102 Substituem os postos de ensino em 1931. 103 Ibidem, pp.290-291.
43
de professores do ensino primário (...) que traduziram o (...) difícil processo de substituição de
legitimidades.104 Na prática, as escolas manteriam ainda uma cultura pedagógica própria, que a
Ditadura não conseguiria modificar.
Um dos relatórios enviados ao Presidente do Conselho em 1934 pelo tenente Horácio Assis
Gonçalves, secretário pessoal de Salazar entre 1931 e 1935, dá conta da campanha pelo apoio ao
regime recém-constituído, levada a cabo junto da classe docente, e que desceu ao recrutamento
individual. Integrando uma excursão de escolas do distrito do Porto, em visita à Exposição Colonial
ali realizada, relatou: Incorporei-me a pedido, revelando sacrifício mas muito interesse para melhor
poder obter os meus objectivos – Conquista do Professorado Primário (...). A “operação consenso”
naquela região ficava assim concluída: Parece-me que assim ficamos já com todo o clero e
professorado primário para nos ajudar na Política Popular a que nos propomos. As Casas do
Povo irão fazendo o resto, a par das Comissões da U.N. saídas de nossas mãos. 105
A conotação do professorado primário com a oposição comunista atravessou este período de
depurações, com frequentes acusações ao efeito preversor que o “camarada primário” exercia sobre
as crianças, (...) na sua tarefa contra a mocidade e contra a Pátria. Em 1934, o periódico Educação
Nacional lançou vários apelos pelo combate contra os “aliados do comunismo” e pela “purificação”
da escola:
Este “camarada primário” tem de ser desalojado e emudecido!
Salve-se a Mocidade Portuguesa!
Que o Estado Novo crie uma Escola Nova!106
A pretensa adesão dos corpos docentes primários ao Estado Novo, de natureza mais formal
que voluntária, não encontraria tão cedo a assimilação no ensino secundário. Aqui, como verifica
António Nóvoa, as estratégias de controlo passaram, em primeiro lugar, pelos reitores dos liceus e
directores das escolas técnicas. A partir de 1930, Cordeiro Ramos mandou cessar funções a todos os
reitores e vice-reitores, transformando as nomeações para estes cargos em escolha livre do governo.
Mas, apesar do controlo político a que foram sujeitos, estes reitores beneficiaram sempre de alguma
liberdade. Daí que se tenha verificado (...) a emergência de uma certa diferenciação entre os
estabelecimentos de ensino, podendo mesmo falar-se, nalguns casos, da produção de uma cultura
educativa própria. 107
Assim, como adiante se verá, o Liceu, dependendo da inclinação ideológica do Reitor e dos
professores, tanto abriu como fechou portas às principais intenções das reformas da Educação
104 NÓVOA, António, “A Educação Nacional”, in ROSAS, Fernando (coord.) Portugal e o Estado Novo (1930-1960) – Nova História de Portugal, (dir.A. H. Oliveira Marques ), Vol. XII, Editorial Presença, 1992, p. 457. 105 GONÇALVES, Assis, Relatórios para Oliveira Salazar, 1931-1939, Presidência do Conselho de Ministros, Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista, Lisboa, 1981, p. 134. 106 “Através da Imprensa - O Camarada Primário” in Educação Nacional, n.º 5, Ano XXXII, de 1 de Abril de 1934, p.7. 107 António Nóva, op. cit., p. 467.
44
iniciadas em 1936. E foi sobretudo a partir desta data que o afastamento da docência de elementos
contrários ao regime se processou de forma mais sistemática. Entretanto, em 1942, as escolas do
Magistério Primário seriam reabertas, quando os instrumentos de formação de professores
obedeciam já às linhas doutrinárias do regime.
2.2. O pequeno homem novo do regime – “Mocidade Portuguesa” anunciada
Portugal cuida, enfim, do seu futuro! A organização da 'Mocidade Portuguesa', agrupando todas as gerações que antecedem a idade militar para imprimir ao carácter os preceitos da disciplina, ao espírito os esplendores do patriotismo e ao corpo as virtudes da heroicidade, vem ao encontro de uma aspiração nacional, assegurando a continuidade histórica e a tranquilidade progressiva duma Pátria oito vezes secular."A Organização Nacional «Mocidade Portuguesa» " in Defesa Nacional, n.º 28, Agosto de 1936, p. 7.
Embora recusando formalmente o totalitarismo, o Estado Novo não deixou de acentuar (...)
as componentes político-ideológicas, iconográficas e organizacionais especificamente fascistas (...)
que, de forma mais ou menos duradoura, o marcaram ao longo de toda a sua história. À luz das
concepções que transportava no seu ideário, modelador de “novos valores”, podemos identificar um
Estado tendencialmente totalitário, que recorreu aos instrumentos próprios do fascismo para
executar a sua política orientadora das “almas”.108
Apesar de remetida para um papel aglutinador das diferentes forças políticas de apoio ao
Estado Novo, a aspiração educadora da União Nacional não deixou de se fazer ouvir entre alguns
dos seus membros. Recorde-se que Salazar enjeitara no seio da UN qualquer função mobilizadora
das massas, a militarização, a carismatização do Chefe e o milicianismo do partido, características
que, embora acolhidas pelo regime, seriam praticadas fora da esfera de acção do partido único. No
entanto, estas aspirações manifestadas no interior da União Nacional só seriam verdadeiramente
derrotadas pela constituição da MP sob tutela do Ministério da Educação Nacional. Nos anos que a
antecederam, algumas vozes internas tinham procurado activar as funções do organismo muito além
da mera reunião de apoios em torno do Estado Novo. Desmantelado o movimento nacional-
sindicalista e articulados os apoios ao regime, urgia Realizar a completa integração do Povo
Português nos princípios gerais que constituem a base da ideologia política, social e nacional do
Estado Novo, Nacionalista e Corporativo; e despertar sentimentos de elevado nacionalismo e
apaixonada ambição da Grande Pátria e Fé nos seus destinos.109 Esta formação doutrinária devia
108 ROSAS, Fernando, O Estado Novo, MATTOSO, José (dir.), História de Portugal, vol. 7, Círculo de Leitores, s/l, 1994, pp. 281-282. 109 AOS/CO/PC-4A, Relatório de 7 de Março de 1935, enviado por José Luís Supico enviado ao Presidente da Comissão Central da União Nacional, sobre as funções e missão do respectivo organismo.
45
consumar-se através da União Nacional. Segundo defendia José Luís Supico, em 1935:
Limitar os fins da União Nacional a uma função política e de apoio ao
Estado Novo parece insuficiente, porque a sua grande missão é uma função educadora, isto é, a de ser um agente eficaz de criação duma mentalidade perfeitamente integrada nos novos conceitos político sociais.
Se queremos, na verdade, transportar a vida portuguesa, em todas as suas manifestações, para um plano elevado, verdadeiramente nacional, fazendo-a sair das competições mesquinhas de grupos e influências, temos de encontrar a forma de fazer esquecer, inteiramente, os velhos conceitos da política demo-liberal e de combater sem cessar a inconsciente influência dum individualismo que é, até certo ponto, uma tendência natural.110
Mas a verdadeira política de inculcação dos valores do regime acabou, de facto, por ser
montada fora do raio de acção da União Nacional, e a partir de organismos específicos criados para
o efeito. A edificação desta estrutura, destinada a “reeducar” o povo português, foi iniciada pela
constituição do aparelho de propaganda do Estado em 1933, o SPN, e depois consolidada a partir de
1935, por novos alicerces institucionais modeladores do “homem-novo” do regime.
Depois de activada a máquina propagandística, o Estado empenhou-se na agregação socio-
cultural, impulsionada pelo sector militante do sindicalismo corporativo oriundo das hostes
nacional-sindicalistas, que estaria na origem da Fundação Nacional para Alegria no Trabalho.
Criada em 1935111 com o apoio de Pedro Teotónio Pereira e inspirada na italiana Opera Nazionale
Doppolavoro, a FNAT ensaiou a ocupação dos tempos livres dos trabalhadores ao abrigo
doutrinário da “regeneração da raça”, destinando-se a (...) assegurar-lhes, no limite do possível,
maior desenvolvimento físico e a elevação do seu nível moral e intelectual.112 Procurando
desenvolver a consciência corporativa, a organização agregou associados provenientes dos
Sindicatos Nacionais e Casas do Povo numa fórmula de controlo dos lazeres e de fomento da
“cultura popular” traduzida na organização de colónias de férias, refeitórios económicos, festas
desportivas, serões culturais, palestras radiofónicas, cinema educativo e actividades de recreio.
O Estado Novo também teceu a sua rede de controlo sobre a família e os comportamentos da
mulher, devolvida ao lar e remetida para o papel de mãe, esposa e educadora, exercendo sobre ela
um intenso trabalho de vigília moral. Em 1935, a Defesa da Família foi constituída essencialmente
como instrumento de propaganda em sinal do dever do Estado em cooperar com a família (...) a fim
de lhe facilitar a constituição forte (...).113 Mas foi com a criação da Obra das Mães pela Educação
Nacional (OMEN), em 1936, a partir da qual foi constituída a Mocidade Portuguesa Feminina
(MPF), em 1937, que a condição feminina, enquanto base de sustentação da célula familiar, recebeu
110 Ibidem. 111 Decreto-lei n.º 25 495 publicado no Diário do Governo, I Série, n.º 134, de 13 de Junho de 1935. 112 Estatutos promulgados pelo Decreto n.º 31 036 publicado no Diário do Governo, I Série, n.º 301, de 28 de Dezembro de 1940. 113 Decreto-lei n.º 25 936 publicado no Diário do Governo, I Série, n.º 241, de 17 de Outubro de 1935.
46
corpo institucional. Apagada a sua presença dos universos profissional e político, a Assistência e
educação foram precisamente os dois campos públicos de actuação reservados pelo Estado Novo
às mulheres que não se limitavam a ser mães, esposas e irmãs, e constituíram as principais funções
respectivas da OMEN e da MPF. 114
O capítulo da “educação nacional”, que vinha sendo longamente amadurecido mas ainda
não conhecia concretização prática, resultaria, em 1936, da (...) inflexão radical e de sentido
totalizante (...)115, força propulsora da futura política de enquadramento da juventude.
Os apelos ao revigoramento da raça e da revalorização mental que vinham sendo
reafirmados, eram assim declarados pelo ministro Eusébio Tamagnini em 1935: Nenhum povo,
nenhuma Nação, se pode manter livre e independente se não for constituído por uma forte maioria
de famílias física e moralmente sãs.
É dever do Estado a promulgação de todas as medidas indispensáveis à manutenção e
melhoramento das boas qualidades germinais da raça das quais dependem a força e o valor mental
e moral dos indivíduos. Esta construção do “novo português” impunha-se também pela urgência
em assegurar a defesa da integridade nacional: É esta uma condição essencial à manutenção da paz,
pois a guerra pode muito bem ser a ultima ratio a considerar quando a honra e as possibilidades de
vida autónoma forem ameaçadas por vizinhos poderosos.116
Na realidade, os anos de 1935 e 1936 caracterizaram-se pelo intensificar da crise
internacional, num palco europeu de emergência das experiências autoritárias agressivas que
ameaçavam sobremaneira o esquema de segurança colectiva consagrado pelos tratados de Paz
posteriores à Grande Guerra.117 Os impulsos expansionistas alemão e italiano prometiam fazer ruir
a estrutura erguida pela Sociedade das Nações e estabelecer uma nova ordem europeia. O discurso
anti-comunista era também crescente, à medida que o teatro internacional era ocupado pela
radicalização dos dois extremos políticos.
Fevereiro de 1936 fez soar, por isso, o primeiro alerta de preocupação do regime português.
A vitória republicana em Espanha, pela Frente Popular, colocou em risco a estabilidade interna do
Estado Novo, acelerando em larga medida a concretização de projectos institucionais mais
radicalizados, como o foram a criação da Mocidade e, já depois da eclosão do conflito civil
espanhol, da Legião Portuguesa (LP). Inquieto e debruçado sobre os acontecimentos no país
vizinho, Salazar ofereceria apoio evidente à sublevação nacionalista entregue ao comando do
114 PIMENTEL, Irene F., História das Organizações Femininas no Estado Novo, Ed. Círculo de Leitores, Lisboa, 2000, p.25. 115 Fernando Rosas, “O salazarismo e o homem novo”, (...), p. 1039. 116 “Palavras de S. Ex.ª o Sr. Ministro da Instrução” in Defesa Nacional, n.º 9 de Janeiro de 1935, p. 1. 117 Cf. RODRIGUES, Luís Nuno, A Legião Portuguesa. A Milícia do Estado Novo (1936-1944), Editorial Estampa, Lisboa, 1996, pp.37-38.
47
General Francisco Franco, que desencadeou a Guerra Civil de Espanha118, em 18 de Julho do
mesmo ano.
Ao contrário do que aconteceria com a LP, a Mocidade Portuguesa foi apresentada ao
público, no plano específico da “Educação Nacional”, embora não escondendo as qualidades de
organização pré-militar, facilmente identificáveis. De uma forma ou de outra, a MP seria foco de
atenções da direita mais radicalizada ao sector mais moderado, tornando-se em si mesma, como
veremos, cenário de fricções dissimuladas entre diferentes forças sociais de apoio ao regime.119 Em
grande parte, esta tensão resultou do ambiente em que foi constituída a organização, que, como
verificou Simon Kuin (...) foi em primeiro lugar o resultado de uma conjuntura política verificada
em 1935 e 1936, que pressionou o regime para uma radicalização da sua política, e só num grau
menor resultado de uma execução programática das bases ideológicas do regime, definidas pela
primeira vez no manifesto da União Nacional em 1930.120 Na realidade, este período coincidiu com
a estabilização do discurso ideológico estado-novista, que realizaria, segundo Fernando Rosas, (...)
um peculiar casamento dos valores nacionalistas de matriz integralista e católica conservadora
com as influências radicais e fascizantes recebidas da guerra civil de Espanha e do triunfal
ascenso dos fascismos e do hitlerismo na Europa, ainda que esta segunda componente se possa
sentir (...) menos ao nível da dogmática dos conteúdos, mas sobretudo no tocante à definição dos
alvos, dos instrumentos, dos métodos e da iconografia que acompanhavam o enunciado e
inculcação.121
Embora o impulso criador da MP resultasse desta pressão, que constituiu matéria imagética
e discurso bastantes para a marcha inicial da organização, já a garantia da sua continuidade
dependeu mais da capacidade de encaixe nos diferentes contextos que atravessou. E é tendo em 118 A Guerra Civil de Espanha eclodiu a 18 de Julho de 1936, em sequência da vitória da Frente Popular, a 16 de Fevereiro desse ano. A sublevação militar, desencadeada em Julho, opôs republicanos a nacionalistas. Liderada a partir de Portugal, pelo general Sanjurjo, residente no Estoril, tacitamente apoiado pelo Estado Novo, e a partir de Espanha por Emilio Mola, a rebelião teve início em Marrocos, sob comando do general Francisco Franco. Depressa internacionalizado, o lado franquista recebeu apoio militar da Alemanha nazi e da Itália fascista Do lado republicano, o governo legal contou com a intervenção soviética e mexicana e ainda das “Brigadas Internacionais”, onde combatiam voluntários de diversos países do continente europeu e americano. Formalmente, os futuros aliados da II Guerra Mundial, França e Inglaterra, optaram por seguir uma “política de não intervenção” que viria, em última instância, desequilibrar as forças militares em favor da causa franquista. As tropas insurrectas de Franco contaram também, a diversos níveis, com o apoio português. Com a anuência de Salazar, o governo facultou escalas técnicas dos aviões cedidos pela força aérea alemã, os meios portuários e alfandegários para transporte de material de guerra e a passagem de tropas de Marrocos pelo território português. O Estado Novo facilitou ainda o recrutamento de voluntários portugueses para o palco de guerra, exaltados pela propaganda do regime como “Viriatos” que combatiam em nome da causa nacionalista. Entre eles terão estado alguns recém-filiados da MP, aderentes voluntários, cuja inscrição no organismo fora noticiada pela imprensa. Laboratório experimental da II Guerra Mundial, a Guerra Civil de Espanha colocaria também à prova a resistência da máquina institucional montada por Salazar, prova essa que seria ultrapassada. Finda a luta armada, a 1 de Abril de 1939, e sob vitória das forças franquistas, a manutenção do regime fora assegurada. Instituições como a LP e MP, cuja criação fora estimulada pelo conflito espanhol, sobreviveriam, afinal, a toda a cronologia de vida do Estado Novo. 119 Referimo-nos aos conflitos que, de modo mais ou menos explícito, envolveram os interesses da Igreja Católica, Exército e até da Legião Portuguesa no seio da organização. 120 Simon Kuin, “A Mocidade Portuguesa nos anos 30 (...)”, p.557. 121 Fernando Rosas, “O Salazarismo (...)” op. cit., pp. 1032-1033.
48
consideração o jogo de avanços e recuos, tão flutuante como o discurso de promoção que a
sustentou, que assentaremos a evolução histórica da Mocidade Portuguesa na “era dos fascismos”.
2.2.1. O decreto fundador
Em Janeiro de 1936, a pasta da Instrução Pública foi ocupada por António Carneiro
Pacheco, católico conservador, professor catedrático de Direito e amigo de longa data de Oliveira
Salazar. O novo ministro, que seria o principal agente edificador da escola nacionalista, era
simpatizante da Alemanha nazi e feroz defensor da política de renovação moral, mental e física da
juventude, em “defesa da Pátria”, dos valores imperiais, cristãos e nacionalistas, afirmando assim
que: Na base dum novo regime há-de encontrar-se, primeiro que tudo, uma mentalidade nova.122
Discursando aos vanguardistas a 28 de Maio de 1934, Carneiro Pacheco encontrava na revolução
nacional a ofensiva inadiável que tinha permitido despertar (...) em cada português o interesse pelo
Interesse Nacional, criar o sentimento do dever o desejo de servir o Bem Comum em todas as
circunstâncias, estabelecer pelo hábito da disciplina o gosto da obediência cooperante, fazer a
educação corporativa da Nação, preparar a geração sadia em cujas mãos há-de prosseguir o
Estado Novo para os mais altos destinos da Pátria.123
Com Carneiro Pacheco, o regime iria experimentar uma ruptura mais profunda com o
sistema de ensino republicano, num plano de inculcação ideológica e de doutrinação moral,
sobrepondo à transmissão de “conhecimentos estéreis” em que assentava a instrução, a formação
das consciências e a modelação das almas.
A par da chegada do novo ministro, o projecto de reforma do ministério da Instrução Pública
foi apresentado à Assembleia Nacional, chamando ao Estado o dever de assegurar a integridade da
formação nacional em renovação contínua,124 através da educação do povo, para o que era
necessário fundar os organismos realizadores da unidade de pensamento e de acção. O plano de
diploma considerava ainda que o integral desenvolvimento da educação física, educação cívica e do
sentimento pátrio dependia da organização nacional da “mocidade portuguesa”, numa formação
pré-militar tão necessária à paz construtiva como à defesa nacional.
Em 11 de Abril de 1936, o Ministério da Instrução Pública foi então reorganizado, pela lei
n.º 1 941,125 substituindo a “ultrapassada” Instrução pela nova “Educação Nacional”. O diploma fez
constituir a Junta Nacional da Educação (JNE) que integrava, entre as diversas secções de ensino, a
122 Carneiro Pacheco, Três Discursos (...), p.16. 123 Ibidem, p.16. 124 Sessão n.º 64, de 29 de Janeiro de 1936, Diário das Sessões da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa, n.º 68, de 30 de Janeiro de 1936. 125 Publicada no Diário do Governo, I Série, n.º 84, de 11 de Abril de 1936. Vide Anexo VIII.
49
“Educação Moral e Física”. A respectiva base V, estabeleceu que aos professores se exigisse a sua
essencial cooperação na função educativa e na formação do espírito nacional. A lei estabeleceu
ainda o regime do livro de leitura único para o ensino primário, o mesmo acontecendo para os livros
de História e Filosofia no ensino secundário. Em todos os graus de ensino, passava a existir também
o mesmo livro de educação moral e cívica. Foi ainda tornado obrigatório o uso do crucifixo nas
escolas públicas de ensino primário.
Na cena da nova política educativa, a base XI da mesma lei definiu então que seria dada (...)
à mocidade portuguesa uma organização nacional e pré-militar que estimule o desenvolvimento
integral da sua capacidade física, a formação do carácter e a devoção à Pátria e a coloque em
condições de poder concorrer eficazmente para a sua defesa.126
Em sequência do previsto pela lei de reforma ministerial, a MP foi formalizada pelo
regimento da JNE, em 19 de Maio do mesmo ano. No quadro de funções da JNE – programada
como (...) órgão técnico e consultivo que funciona junto do Ministro da Educação Nacional e tem
por fim o estudo dos problemas relativos à formação do carácter, ao ensino e à cultura do cidadão
português, a par do desenvolvimento integral da sua capacidade física. 127 – foi instituída (...) a
organização nacional denominada Mocidade Portuguesa (M.P.), que abrangerá toda a juventude,
escolar ou não, e se destina a estimular o desenvolvimento integral da sua capacidade física, a
formação do carácter e a devoção à Pátria, no sentimento da ordem, no gosto da disciplina e no
culto do dever militar.128
O artigo 43.º do mesmo texto legal avançou ainda: Em todas as escolas, públicas ou
particulares, com excepção das do ensino superior, um dia útil de cada semana será destinado a
exercícios colectivos, ao ar livre sempre que possível, de educação cívica e pré-militar, dentro do
quadro geral da M.P. Os projectos de organização da juventude que Cordeiro Ramos ensaiara nos
primeiros anos trinta, viam finalmente a luz do dia. O antigo ministro da Instrução Pública era agora
presidente da JNE e co-promotor da Mocidade Portuguesa.
O compasso de espera entre a oficialização da MP e a publicação do seu primeiro
regulamento atravessou todo o ano, só recebendo as primeiras directivas em Dezembro de 1936.
Mas a estrutura de combate ao barbarizante comunismo estava já em marcha e, com ela, o pequeno
“homem novo” do regime. E porque a guerra era, no domínio dos factos, uma possibilidade
permanente, Carneiro Pacheco diria: À escola cumpre cooperar com a família na formação integral
126 Ibidem. 127 Art. 40.º, Título V-“Disposições diversas” - Decreto-lei n.º 26 611 publicado no Diário do Governo, I Série, n.º 116, de 19 de Maio de 1936. 128 Ibidem.
50
da juventude, para que cada português seja um homem moral e fisicamente são, dextro,
competente, mentalidade nova, personalidade útil, sempre amoroso da Pátria e pronto a servi-la
em todas as circunstâncias.
Estão feitas ou em preparação as reformas necessárias para que a escola, orientada por um
programa educativo bem definido, aliviada de ensinos desperdiçadores da inteligência, defendida
do burocratismo e de infiltrações anti-nacionais, e abertas as janelas para o ar e para o sol
vivificador, melhor possa entregar-se à sua sagrada missão. 129
Durante os meses de elaboração do primeiro regulamento da Mocidade Portuguesa,
correram na imprensa os elogios à criação do novo organismo patriótico. Uma boa parte, desta
exaltação foi protagonizada por militares, tão expectantes como apreensivos com a futura
militarização da juventude. Este período, marcou, aliás, o processo de aproximação do exército à
organização, que se mantinha ainda arredado do centro decisório da MP e receoso do milicianismo
que ali se poderia formar à margem das forças armadas. E, na verdade, o sector militar em pouco
terá influenciado a primeira regulamentação da Mocidade Portuguesa. A revista Defesa Nacional,
dirigida por José Soares de Oliveira, futuro comissário adjunto da MP, deu lugar a vários artigos de
apoio à Mocidade Portuguesa. Num destes textos, lembrava-se que sempre se tinha ali apelado pela
fundação do organismo que marcava (...) o início da etapa de engrandecimento anunciada pelo
Homem que, com, superior mestria, conduz os destinos de Portugal.130
Duas semanas depois da eclosão da Guerra Civil de Espanha, e perante o cenário de
radicalização política, muitos jovens ofereceram-se como filiados da organização. Em 2 de Agosto
de 1936, o Diário da Manhã fez publicar a primeira lista de voluntários, que terá atingido mais de
2000, observando o movimento espontâneo de incorporação na M.P. em que estavam (...)
representadas todas as condições sociais, vendo-se juntamente com diplomados, estudantes,
empregados e operários.131 Uma parte considerável destes voluntários, muitos deles com mais de
20 anos, acabaria por ser reabsorvida pela Legião Portuguesa, o que terá correspondido ao (...)
desejo de não perverter os princípios em que se fundava a Mocidade Portuguesa,132 que optava por
conservar um corpo essencialmente escolar e mais jovem. Também em Agosto, o Comandante Z,
pseudónimo de José Soares de Oliveira, fazia notar no mesmo jornal, que, face à existência da
Mocidade Portuguesa, a iniciativa particular devia ser abolida. Tendo o governo chamado a si o
encargo de preparar as novas gerações, não se podia compreender que outras sociedades surgissem
129 António Carneiro Pacheco, “A formação da Mocidade e a defesa da Pátria”, inPortugal Renovado (...)., pp. 219-220. Vide Anexo II. 130 “A Organização Nacional Mocidade Portuguesa” in Defesa Nacional, n.º 28, Agosto de 1936, p. 7. 131 “Mocidade Portuguesa - a primeira lista dos voluntários inscritos” in Diário da Manhã, n.º 1900, de 2 de Agosto de 1936, p. 1. Simon Kuin verificou, a partir de uma amostra de 960 indivíduos, que cerca de 57% eram estudantes, 19% empregados do sector privado, 10% operários, 7% ligados ao artesanato e 3% funcionários públicos. Cf. Simon Kuin, op. cit., p.566. 132 Simon Kuin, op. cit, p.566.
51
(...) como despeitadas a estabelecer uma concorrência insustentável. A MP seria (...) só uma, com
coesão e coordenação na sua formação moral e no seu desenvolvimento físico.133
Ainda antes da publicação do regulamento que daria forma à actividade da Mocidade
Portuguesa, e no mesmo dia em que foi criada a Legião Portuguesa, chegou ao gabinete de Salazar
uma proposta assinada pelo fundador da Cruzada Nacional Nun’Álvares Pereira134, João Afonso de
Miranda. As notas de João Afonso, precedidas de uma carta de 18 de Agosto enviada ao Presidente
do Conselho por Manuel Rodrigues dos Santos (então “guia geral da organização”), propunham a
integração da MP (mantendo-se a tutela do Ministério da Educação Nacional), e da própria liga, sob
direcção da Legião Portuguesa. Formar-se-ia assim um organismo único, sob direcção do General
Farinha Beirão (comandante geral da Guarda Nacional Republicana e então líder da “Cruzada”),
concentrando a componente militar na LP. Sintetizava a proposta:
A vanguarda da Cruzada Nun’Álvares, bem como esta [Mocidade Portuguesa], ficaria com
a parte da doutrinação e catequese nacionalista por intermédio da prática duma intensa mística e
dinâmica espiritual e patriótica organizando além disso ordeiramente por todo o País células anti-
comunistas e uma intensa vigilância social por infiltração em todas as classes. Reuniam-se assim
os (...) três agrupamentos que convergindo para o mesmo fim teriam funções diferenciadas mas
absolutamente indispensáveis aos objectivos comuns.135 Este “polvo miliciano” nunca seria de facto
constituído, estando provavelmente longe do interesse de Salazar, que veria aliás com maus olhos a
concentração da juventude sob alçada legionária e, pior, sob comando militar directo.
Em 4 de Dezembro de 1936 foi finalmente publicado o regulamento que determinou o
funcionamento da Mocidade Portuguesa.136 Pelo texto legislativo, a MP ficava então incumbida de
cultivar (...) nos seus filiados a educação cristã do País (...) fixando não ser admitido “em caso
algum” (...) nas suas fileiras um indivíduo sem religião. Tomando como patronos as figuras
heroicizadas de Nuno Ávares Pereira e do Infante D. Henrique, a MP consagrava-se (...) em activa
cooperação, à nova Renascença Pátria. As malhas da organização pretendiam estender-se aos
confins do império e aos principais núcleos de portugueses no estrangeiro.137
133 Comandante Z, “Mocidade Portuguesa” in Diário da Manhã, n.º 1899, de 1 de Agosto de 1936, p.3. 134 Fundada em Julho de 1918, esta liga reuniu apoios católicos, monárquicos, republicanos e mesmo militares, em torno do ideal de “defesa da pátria” e “criação de uma mentalidade patriótica”. Com actividade instável ao longo dos anos da República, veio a constituir uma das bases de apoio ao golpe militar de 28 de Maio de 1926. Desconhece-se a data em que desapareceu definitivamente da cena política mas em 1936 mantinha ainda actividade como “organização independente” , “estruturalmente nacionalista” e de “combate ao comunismo”. Entre os aderentes contaram-se o Cardeal Gonçalves Cerejeira e António de Oliveira Salazar. 135 AOS/CO/PC-21. Memorando de 30 de Setembro de 1936, enviado por João Afonso de Miranda a Oliveira Salazar. 136 Decreto n.º 27 301 publicado no Diário do Governo, I Série, n.º 284, de 4 de Dezembro de 1936. Vide texto integral do diploma em Anexo – VIII. 137 Sobre este tema veja-se NUNES, João Paulo Avelãs, “As organizações de juventude e a memória do Estado Novo” in Anais - Série História, vol. III-IV, Universidade Autónoma de Lisboa, Lisboa, 1996-1997, pp. 235-275.
52
2.2.2. Distribuição nacional – das delegações aos centros de instrução
Em Portugal continental, a divisão administrativa da ONMP acompanhou a estrutura já
existente, correspondendo a cada província uma “Divisão”, dirigida pelo respectivo delegado
Dentro destas delegações, divididas em regiões, funcionavam “Alas”, dirigidas por sub-delegados
regionais, sendo integrado em cada ala um número variável de centros de instrução. Nos
arquipélagos dos Açores e Madeira estas divisões seguiram o mapa dos distritos administrativos. As
funções de delegado e sub-delegado seriam entregues, sempre que possível, a (...) oficiais do
exército ou da armada, do activo, da reserva ou reformados, o que veio a confirmar-se na
generalidade dos casos.138
Ao longo do período em estudo, os tentáculos da MP estenderam-se de forma desigual pelo
País. Na província da Estremadura, por exemplo, existiam em 1938 as alas de Lisboa, Setúbal e
Caldas da Rainha, aumentando progressivamente esta sub-divisão para chegar, em 1945, a
Bombarral, Torres Vedras, Sintra, Barreiro, Mafra, Cascais, Moita, Seixal, Almada, Marinha
Grande, Alcobaça, Porto de Mós, Nazaré, Peniche, Loures, Sobral do Monte Agraço, Alcochete,
Palmela, Arruda dos Vinhos, Montijo, Cadaval e Oeiras, num total de 27 alas e 141 centros. No
caso da Divisão da Beira Baixa, que nos primeiros anos de actividade não reunia mais que duas
alas, Covilhã e Castelo Branco, somava, perto do fim da guerra, 8 alas e 14 centros de instrução. 139
A implantação da Mocidade nos territórios coloniais teria lugar dois anos mais tarde em
relação à publicação da lei fundadora. Em Fevereiro de 1939, o Decreto n.º 29 453140 organizou, a
MP das colónias, segundo a orientação e os princípios que informavam a Mocidade Portuguesa da
Metrópole.
Os centros de instrução foram dividos em escolares (CE), extra-escolares (CEE) e de
instrução especializada (CIE), estes últimos destinados à prática de esgrima, voo à vela, aviação
com motor, remo, box e atletismo, entre outras. Nestes centros concentrou-se uma elevada
percentagem de militares, elementos locais da GNR e quadros da Legião Portuguesa, que prestavam
frequentemente serviço como instrutores de educação física. Quando necessário, eram ainda
instrutores os professores de educação física dos liceus e os médicos escolares.
Em 1938 o balanço oficial do primeiro ano de actividade da MP, apontava para a existência
de 125 Centros no continente, 98 dos quais eram Escolares e 27 “Não-Escolares”, informação que
excede muito provavelmente os resultados reais e corresponderá antes aos valores divulgados pela
138 Decreto n.º 27 301 (...). 139 Vide Anexo – IV. 140 Diário do Governo, I Série, n.º 40, de 17 de Fevereiro de 1939.
53
propaganda desenvolvida em favor de uma adesão geral e voluntária à organização.141 Segundo a
estatística apresentada pelo boletim, o número de filiados encontrado dividia-se entre “estudantes e
não-estudantes”, “voluntários e obrigatórios, num valor final de 38 458, sendo:
- 31 106 estudantes
- 7 355 não-estudantes142
dos quais:
- 9 546 obrigatórios
- 28 912 voluntários
Na verdade, este número acrescido de voluntários, na sua maioria estudantes dos escalões
facultativos, terá resultado da pressão exercida sobre os estudantes do 2.º ciclo dos liceus para que
se inscrevessem na organização.143 Correspondendo estes valores ao final do ano lectivo de 1936-
1937, e considerando um universo que rondava os 40 000 alunos de escolas técnicas, liceus e
colégios particulares144, a mancha de implantação podia considerar-se bem sucedida. Todavia, quer
fossem reais ou não, estes resultados seriam de pouca duração. De futuro, o grau de eficiência da
MP seria dificilmente quantificável, a julgar pela ausência de indicadores estatísticos e pelo
crescente desinteresse pelo organismo um pouco por todo o País.
2.2.3. Juventude hierarquizada - lusitos, infantes, vanguardistas e cadetes Decalcando algumas terminologias da congénere italiana, o agrupamento por escalões foi
distribuído por quatro faixas etárias, correspondendo as duas primeiras à filiação obrigatória:
Lusitos – entre os 7 e os 10 anos, integrando todo o ensino primário;
Infantes – entre os 10 e 14 anos;
Vanguardistas – dos 14 aos 17 anos;
Cadetes – a partir dos 17 anos.
141 Cf. “IV - Esquema da O.N. «Mocidade Portuguesa» ” op. cit., p.20. Supomos integrarem-se no grupo dos Centros “Não-Escolares” os denominados “Extra-Escolares” e “Especializados”, embora estes últimos conhecessem ainda fraca implantação. 142 Ibidem, p.20. A soma do total de estudantes e não-estudantes não corresponde ao total fornecido. Embora sem discrepância relevante, o resultado calculado é de 38 461 filiados. 143 Segundo Simon Kuin, o director-geral do Ensino Liceal, António Augusto Pires de Lima, chegou mesmo a incitar os reitores dos liceus a esta pressão sobre os alunos para se inscreverem na Mocidade Portuguesa, por circular emitida a 21 de Agosto de 1936. Acrescenta ainda que este (...) apelo fazia eco sobretudo nos grandes liceus de Lisboa, nomeadamente nos Liceus Pedro Nunes, Passos Manuel e Camões, e no Porto, no Liceu Rodrigues de Freitas. Fora dos grandes centros urbanos, a instituição da Mocidade Portuguesa conheceu um progresso mais lento. Cf. Simon Kuin, op. cit., pp. 566-567. 144 Ibidem, p. 567.
54
Este último escalão constituía a Milícia (...) superiormente comandada na actividade pré-
militar por um oficial superior do exército ou da armada, designado pelo Presidente do Conselho
(...).145 Foi pela mão da Milícia, corpo de elite fortemente militarizado, que se preparou o
verdadeiro braço armado da Mocidade Portuguesa.
Mimetizando as formações militares, os escalões da MP eram dispostos em Quinas (grupos
de 5 filiados e um chefe), Castelos (5 Quinas), Bandeiras (12 Castelos) e Falanges (2 Bandeiras).
Como veremos, cabia aos graduados, o comando dos três últimos grupos.
Ainda sob o espírito regulamentar de 4 de Dezembro, e para o primeiro nível etário, dos
lusitos, limitou-se a actividade física a (...) marchas e jogos (...) ministrada pelo professor primário
ou regente do posto escolar, que também terá a seu cargo a formação nacionalista, e será
auxiliado na formação moral pelo pároco ou seu delegado.146
O funcionamento dos Centros Escolares Primários (CEP), que abrangia todo o escalão dos
lusitos, enfrentaria desde a origem resistências endógenas e exógenas às próprias escolas onde se
instalavam. O grupo mais jovem da MP denunciava a inadequação dos objectivos educativos por
ela formulados, ao entregar a formação nacionalista e física à figura do professor primário, pouco
interessado na primeira e raramente preparado para a segunda. Acrescia a estes desajustes o elevado
número de escolas e a sua dispersão pelo país, que colocavam obstáculos ao processo de
uniformização de doutrina e de métodos. Como solução imediata, que acabaria por protelar e
agravar o problema, aplicou-se a esta faixa etária o mesmo programa de instrução geral dos
restantes escalões. Procurando contrariar a evidente ausência de controlo sobre os centros primários
da MP, o Comissário Nacional reconhecia que (...) o êxito deste primeiro grau de instrução da
Mocidade depende essencialmente do professor primário, motivo porque na sua instrução
profissional deve ter-se em vista esta responsabilidade.147 Porém, a integração da MP nos
programas dos cursos de Magistério Primário seria mais morosa do que então se previa e menos
eficaz do que se imaginava. Até lá, como veremos, a acção educativa destes professores na MP,
para o escalão dos lusitos, combinava os programas escolares prescritos com movimentos
atrapalhados de formações pré-militares.148
145 Decreto n.º 27 301 (...). 146 Ibidem. 147 Editoral in Organização Nacional Mocidade Portuguesa. Boletim- 1937, Litografia Nacional do Porto, 1938, p.5. 148 Ao contrário do que sucedeu para o ensino liceal, a reforma mais profunda do ensino primário foi protelada para Maio de 1938. Em Novembro de 1936, o Ministério da Educação Nacional fez publicar apenas o Decreto-lei n.º 27 279 (Diário do Governo, I Série, n.º 276, de 24 de Novembro de 1936.), que adoptava apenas (...) algumas medidas de urgência (...) onde se defendia que (...) o ensino primário elementar trairia a sua missão se continuasse a sobrepor um estéril enciclopedismo racionalista, fatal para a saúde moral e física da criança, ao ideal prático e cristão de ensinar bem a ler, escrever e contar, e a exercer as virtudes morais e um vivo amor a Portugal. O artigo 6.º do diploma assegurou a cooperação da MP e a OMEN com todos os estabelecimentos do ensino primário elementar, oficiais e particulares. Para além da obrigatoriedade de inscrição de todos os alunos na organização, o diploma era omisso quanto aos meios de articulação entre a MP e a Escola e totalmente obscuro quanto aos meios de instrução a seguir pelo professor, também instrutor dos lusitos.
55
2.2.4. Saudação romana de “herança lusitana”
A “saudação romana”, adoptada oficialmente para a juventude integrada na MP, surgiu
como directiva de (...) subordinação hierárquica e patriótica solidariedade.149 Este gesto,
ingrediente fundamental do caldo militarista e nacionalista preparado pela organização, reforçou a
sua conotação com as congéneres alemã e italiana, ao exibir, na realidade, a saudação fascista.
Procurando desmistificar e mascarar esta imagem, embora conservando o mesmo movimento por
todo o seu tempo de vida, a organização empenhou-se em fazer associar o cumprimento a razões de
ordem “higiénica”, chegando a identificá-lo, no limite, com as origens da “nacionalidade”, como se
lia numa nota ao Jornal da MP, em 1942:
Aí temos uma coisa eminentemente anti-higiénica: o aperto de mãos. E depois uma coisa burguesa. Terrivelmente século XIX. (...)
Dois filiados encontram-se? Saúdam-se - braço ao alto! Um filiado encontra um graduado, um dirigente? O filiado saúda primeiro - braço ao alto! O mesmo para os graduados. O mesmo para os dirigentes. Braço ao alto sempre - na rasgada e confiante saudação peninsular que os povos da Ibéria ensinaram aos romanos conquistadores. 150
No programa de trabalhos previstos para 1937, o primeiro ano oficial de actividades,
Carneiro Pacheco prometeu a Salazar a realização de (...) uma parada séria de forças da
“Mocidade Portuguesa”, nas comemorações de 28 de Maio.151 “De braço ao alto” e em marcha
organizada com a Legião Portuguesa, esta seria a primeira de muitas demonstrações coreografadas
da organização. E, reagindo a esta manifestação de patriotismo do melhor, o Presidente do
Conselho lembraria ser (...) apenas, em toda a sua beleza, pálida amostra do que há-de ser, quando
a Mocidade enquadrar toda a juventude portuguesa e a Legião conseguir afeiçoar toda a Nação ao
serviço das armas.152
149 Decreto n.º 27 301 (...). 150 “Braço ao alto – sempre” in Jornal da M.P., n.º 2, Ano I - Nova Série, de 14 de Novembro de 1942, s/p. 151 ANTT/AOS, Correspondência Particular - PACHECO, António Carneiro. AOS/CP-206. “Programa da «Mocidade Portuguesa» para o ano de 1937”. 152 Discursos e Notas Políticas (...), vol.2, p. 298.
56
3. Entre o ideal totalizante e a partilha de competências (1936-1939)
Com a constituição formal da Mocidade Portuguesa, ou mais concretamente a partir de
1937, quando entrou de facto em actividade, o regime procurou canalizar para a organização os
espaços de sociabilização juvenis e com eles fixar o enquadramento socio-cultural dos jovens num
cenário profundamente conservador, de matriz nacionalista e cristã, assente no culto do Chefe, do
Império e da virtude militar. Aí estava a matéria plástica na oficina de moldagem, a escola de
patriotas de cujas formas devia emergir o novo homem, verdadeira continuidade dos valores
arregimentados pelo Estado Novo. Simultaneamente, a MP foi-se consolidando numa estrutura
burocrática cada vez mais pesada, repleta de direcções, serviços e pequenos cargos, alguns vazios
de funções e já distribuídos pela primeira remessa de graduados que indicavam uma orientação,
mais enraizada e mais própria do regime, seleccionadora de elites.
Por outro lado, entre 1936 e 1939, foi também evidente o avanço progressivo da Igreja, no
quadro interno da Mocidade Portuguesa, ao arrepio do desamor dos seus dirigentes e do constante
esvaziamento do seu papel no espaço da educação moral, e global, da juventude. Face a este
avanço, recuou involuntariamente a frente militar da organização, circunscrita que foi às
competências formativas pré-militares. Esta primeira fase de consolidação culminou em 1939, às
portas do segundo conflito mundial, numa recepção pouco acalorada à Igreja, no silenciamento de
amizades com a juventude alemã e no redesenhar do cartaz exteriorizante que acumulou a parada
militar com a missa dominical.
3.1. Papel tripartido numa “educação integral” Considerada a sua estrutura e observando as respectivas competências, verificamos pois que
a MP assumiu um papel tripartido enquanto ferramenta doutrinária e de inculcação ideológica, via
de formação e reprodução de elites dirigentes e ainda instrumento propagandístico do Estado Novo.
A este título podemos sintetizar:
3.1.1. Ideologia e desmobilização Enquanto via de inculcação ideológica, a Mocidade Portuguesa actuou no sentido da
desmobilização política mas também, como diriam muitos dos seus adeptos, educando
“politicamente”. A formação de uma consciência profundamente nacionalista, tradicionalista,
católica e obediente seriam os vectores primários desta educação. Aludindo ao programa de
formação nacionalista, Nobre Guedes afirmava não se tratar de (...) uma formação partidária, mas
da formação de uma consciência política no sentido elevado, da consolidação da consciência
57
patriótica, pela destruição de ideias falsas e construção de mentalidade esclarecida ao serviço do
País e não ao serviço de homens ou de grupos.153 O espaço por excelência desta formação da
“consciência política” seria, sem dúvida, o Liceu.
3.1.1.1. O Liceu, mecanismo operativo Embora em franco crescimento154, o universo liceal acolhia, ainda na década de trinta, uma
pequena amostra da população jovem, em larga medida representativa de uma elite social a
privilegiar pela Mocidade Portuguesa. Luís Viana, que estudou em pormenor a penetração da MP
no Liceu e respectiva influência na alteração daquele quotidiano, verificou ser a instituição liceal,
desde cedo, o espaço de actuação preferencial da organização, por (...) aí se concentrarem um
conjunto de meios, de recursos que não existiriam em nenhum outro lugar.155 Meios estes que
consistiam sobretudo na disponibilização de instalações, recursos financeiros e instrutores. Quanto a
estes dois últimos, o Liceu só seria verdadeiramente pressionado a fornecê-los a partir de 1942, pela
absorção das respectivas caixas escolares para os tesouros da MP e da MPF e pela necessidade de
substituir os militares então mobilizados por novos instrutores.
No entanto, Viana sublinha que esta ligação entre as duas instituições (...) não terá sido,
logicamente, o resultado de uma opção política que se pretendesse simplesmente conferir à
Organização um carácter educativo. Pelo contrário, segundo observa, a escolha do Liceu pela MP
tratou-se essencialmente de uma (...) escolha unilateral, decidida a nível de cúpula e transmitida
hierarquicamente aos estabelecimentos escolares, (...) [originando] no interior destes reacções
diversas que tanto podem ser de entusiasmo como de indiferença ou até de hostilidade.156 De facto,
nem todos os liceus deram as boas vindas à Mocidade Portuguesa quando foi anunciada a sua
criação. O melhor ou pior acolhimento da organização nas escolas de ensino secundário chegou
mesmo a servir de barómetro da cumplicidade entre os reitores e o regime, ainda que em muitos
153 Editorial ao Boletim - 1937, Organização Nacional Mocidade Portuguesa, Litografia Nacional do Porto, 1938, p.4. 154 O número de alunos que frequentava o ensino liceal oficial em 1930 somava os 14 970, subindo para os 19 283 em 1945. O principal crescimento destes valores evidenciou-se nas décadas posteriores à guerra, alargando este grau de ensino a uma camada social mais vasta e declinando, em parte, o carácter restritivo do acesso ao liceu, ainda muito acentuado nos anos trinta. Assim, em 1960, chegou-se ao 46 060 alunos seguindo para uma verdadeira explosão que, em 1975, atingiu os 510 889. Note-se, no entanto, que a par do ensino oficial, as escolas particulares encontraram terreno propício de implantação e crescimento durante a década de trinta. A política educativa, em particular a reforma de Carneiro Pacheco, em 1936, privilegiou o escoamento dos alunos para o ensino particular. Baseada, em larga medida, em critérios economicistas do Estado, esta política permitiu uma taxa de crescimento do privado em detrimento da escola pública, passando de 4 298 alunos em 1930, para 24 355 em 1945 e 65 761 em 1960, número que só seria menos significativo em relação ao liceu oficial na década de 70, com um crescimento até aos 101 482, cinco vezes menos do que o primeiro. Nas contas finais, o total de alunos do ensino secundário era de 19 268, em 1930; 43 638 em 1945, 111 821 em 1960 e 612 371 em 1975. A MP acabaria por privilegiar esta população alvo em função do seu rápido crescimento. Números fornecidos pelo Anuário Estatístico de Portugal, publicados no Dicionário de História do Estado Novo (dir. Fernando Rosas e J.M. Brandão de Brito), vol. I, Círculo de Leitores, Lisboa, 1996, p. 301. 155 Luís Viana, op.cit., p.55. 156 Ibidem, p.54.
58
casos a MP fosse mal encarada por perturbar os trabalhos escolares normais ou afectar o poder de
autoridade dos corpos directivos.157
Inserido na teia reformista desenrolada ao longo de 1936, o decreto-lei n.º 27 084158 de 14
de Outubro renovou metodologias e programas do curso liceal, salvaguardando à partida a
articulação entre o Liceu e a Mocidade Portuguesa. Antes mesmo da publicação do regulamento
próprio, estava reservado à organização (...) um dia de cada semana, exercícios colectivos e
marchas ao ar livre, graduados segundo o desenvolvimento físico dos alunos, e todos os anos se
farão grandes demonstrações nos campos desportivos regionais e no Estádio Nacional. 159 Na
verdade, algumas linhas atrás, o artigo 3.º deste diploma de Outubro de 1936 contemplava a relação
de forças entre a organização de juventude e a escola secundária, repetindo a oratória de 11 de
Abril: A organização nacional denominada Mocidade Portuguesa cooperará com todos os
estabelecimentos oficiais e particulares do ensino liceal, no que respeita ao desenvolvimento da
capacidade física, à formação do carácter e à devoção à Pátria, no sentimento da ordem, no gosto
da disciplina e no culto do dever militar.
Nova prova de cooperação forçada, os programas curriculares liceais160, publicados em
simultâneo com o texto da reforma, contemplavam a organização patriótica da juventude na
disciplina de formação moral e cívica. Selava-se, pelo menos teoricamente, o pacto Liceu-MP, pela
promessa de efectiva colaboração entre as duas instituições. Embora seleccionado como meio de
acção privilegiado da Mocidade Portuguesa, o Liceu nunca seria esse aliado forte e leal que a lei
determinava. Foi o caso do Liceu Alexandre Herculano, no Porto, cujo reitor, António Barbosa,
seria acusado pelo sub-delegado regional de boicotar as actividades da MP, sobrepondo-lhe os
horários escolares. António Barbosa, que terá mesmo defendido uma (...) pedagogia identificada
com o espírito educativo do Estado Novo,161 não se mostrou tão colaborante com a nova
organização. Segundo apontava o sub-delegado, capitão Dario Tamegão, o liceu ocupava as horas
157 Ao ensaiar possíveis respostas para a reacção, muitas vezes negativa, do Liceu em relação à MP, Luís Viana propõe que o frequente choque de hierarquias terá criado sérios embaraços quando não ferido o orgulho de muitos reitores, que escapavam frequentemente ao cargo de direcção dos respectivos centros: (...) Os Reitores, por via de norma, aceitaram de mau grado a subalternização hierárquica dentro dos quadros da Mocidade Portuguesa pois como Directores de Centro estavam submetidos às ordens do Subdelegado Regional e do Delegado Provincial que não raras vezes eram, em conformidade com a legislação, militares que muitas vezes desempenhavam também funções de professores de Educação Física (...) nos próprios Liceus. O Reitor era assim, por um lado superior hierárquico do militar enquanto professor e seu subordinado no âmbito da MP (...). Conclui assim: Talvez por isto, as interferências da Mocidade Portuguesa na esfera liceal foram, normalmente, refreadas pelos Reitores. (...).Luís Viana, op.cit., p.66. 158 Diário do Governo, I Série, n.º 241, de 14 de Outubro de 1936. 159 Ibidem. Somava-se ainda, ao regime de boa colaboração entre a MP e o Liceu, a constituição da sede de uma delegação da MP (Centros) em cada instalação liceal, (...) a cujos serviços o reitor destinará, dentro das possibilidades, as dependências e pessoal necessários. A cantina, ao serviço do liceu, funcionaria também para a delegação da Mocidade Portuguesa. 160 Decreto n.º 27 085 publicado no Diário do Governo, I Série, n.º 241, de 14 de Outubro de 1936. 161 ALVES, Luís Alberto Marques Alves, “Liceu Alexandre Herculano” in NÓVOA, António e SANTA-CLARA, Ana Teresa (coord.), «Liceus de Portugal», Edições Asa, Porto, 2003, p.614. Note-se, aliás, que a primeira representação do Comissariado Nacional da MP teve por sede este liceu.
59
da Mocidade com excursões, actividades escolares e, por vezes, tarefas religiosas, que quebravam
sistematicamente o curso da instrução dos filiados.162 O conflito, que se arrastou até ao ano
seguinte, mereceu resposta do mesmo reitor, que assegurava manter o centro em actividade,
atribuindo os incidentes declarados à errada interpretação do sub-delegado sobre os meios de
articulação entre os horários do liceu e da MP, insinuando mesmo a falta de competências directivas
de Dario Tamegão.163 Em Julho de 1941, o delegado regional foi informado que as actividades do
centro teriam cessado, sem autorização prévia do ministério da Educação Nacional. Alguns meses
mais tarde, o director-geral do Ensino Liceal, Rilley da Motta, atribuiu as causas do conflito a Dario
Tamegão, dando o caso por encerrado.164 Esta crispação, provavelmente motivada por desencontros
pessoais, acabou por se reflectir na vida da Mocidade Portuguesa dentro daquele liceu, à qual os
relatórios anuais deixaram de fazer qualquer referência.165
Mas, se a aproximação da MP às escolas oficiais, que eram na verdade o alvo mais
apetecido, se fez de movimentos ondulatórios, também o ensino particular ofereceu resistência
conforme a sua natureza. À semelhança do que reflectiram as reitorias liceais, as direcções dos
colégios, que gozavam de maior autonomia administrativa e educativa, desafiaram em maior ou
menor escala a organização de juventude. Foram disso exemplo o Grande Colégio Universal,
instituição de ensino católica, e o Colégio João de Deus, acusados de não colaborar com a
organização logo no ano lectivo de 1937-1938. Em visita de inspecção à província do Douro
Litoral, onde encontrara a maioria dos filiados com (...) notável aprumo e muita disciplina e um
grande entusiasmo por esta organização patriótica, Durão Ferreira chamou a atenção para a atitude
destes dois centros do Porto, pela (...) nenhuma importância que ligam à organização da Mocidade
Portuguesa ou ao seu representante nesta Província.166 Este género de “guerra surda” entre a
escola e a MP atravessou no espaço e no tempo as tentativas de implantação do organismo, ao qual
foram oferecidas resistências, quando não ideológicas, de sentido concorrencial. Note-se que o
ensino particular reunia mais recursos para ocupar os tempos livres dos respectivos alunos, aos
162 Arquivo Histórico do Ministério da Educação, Direcção Geral do Ensino Liceal. Diversos. Cx 2315. Cópia da exposição, de 31 de Maio de 1940, enviada por Dario Tamegão ao Delegado Provincial da MP no Douro Litoral. 163 Idem, Exposição de 17 de Maio de 1941, enviada por António Barbosa Delegado Provincial da MP no Douro Litoral. 164 Idem, Ofício n.º 15, de 18 de Agosto de 1941, enviado por Rilley da Motta ao secretário-inspector da Mocidade Portuguesa. 165 AHME, Relatórios dos Liceus. Caixas 13 e 16 - Relatórios n.º 78/A e 109 – Liceu Alexandre Herculano, anos lectivos de 1941-1942 e 1942-1943. Nos anos anteriores a este conflito, a actividade da MP mereceu descrição pormenorizada. Nos anos a que nos referimos, o capítulo referente à organização não foi contemplado. 166 AHME, Gabinete do Ministro. Diversos. Cx. 2831, Ofício n.º 830, de 28 de Outubro de 1937, enviado pelo secretário-inspector A. Durão Ferreira ao chefe de gabinete do ministro da Educação Nacional. Segundo Durão Ferreira, os dois colégios não acataram as ordens de formação para fins de revista, emitidas pela MP: Os directores destes centros escolares não mandaram formar os alunos para a revista, tendo-me o do primeiro dito que como era sabido, mandara os rapazes para o cinema às 4 horas e o do segundo que não tinha tomado conhecimento da minha Ordem de Serviço, determinando a revista e este nada lhe tinha dito.(...) E o desinteresse de um e outro era evidente: O Director do Centro Escolar do Grande Colégio Universal, não compareceu nem se fez representar e o do centro escolar do Colégio João de Deus fez-se representar por um dos alunos do colégio (...).
60
quais era dado o acesso a actividades desportivas e circum-escolares, mais raras nos liceus. E
também por isso era mais difícil tornar apetecível a filiação na MP.
Para lá do espaço escolar, a organização pisou quase sempre território desconhecido. A
obscuridade do mundo extra-escolar e o difícil enraizamento da MP entre os jovens trabalhadores,
que constituíam extensa fatia da população em idade de filiação, provou evidência desde cedo. Em
1938, Nobre Guedes reconheceu, junto de Salazar, que a Mocidade Portuguesa não dispunha (...) de
recursos materiais, de pessoal e de processos de repressão, que lhe permitam qualquer acção
efectiva sobre os jovens em idade de obrigatoriedade e que não frequentam escola, ou a
abandonam cedo, sobretudo nos meios rurais e industriais, onde um grande número de rapazes
antes dos 14 anos se empregam em trabalhos de campo e nas oficinas. 167 Mas o universo liceal
seria, em todo o caso, o espaço predilecto do regime para cultivar a sua nova geração.
3.1.1.2. Vigiar oposições
A história da MP no final dos anos trinta fez chegar até nós alguns outros episódios que a
integraram no combate ao “perigo comunista” tantas vezes glosado pela política de propaganda do
Estado Novo. A potencial propagação do ideário bolchevista entre os portugueses mais jovens,
perturbou sempre a organização, em particular no período de radicalização política alimentada pelo
conflito espanhol, que levou ao reforço dos mecanismos repressivos. Em finais de 1938, a Legião
Portuguesa alertava para o crescendo (...) das ideias comunistas, sobretudo entre a juventude e em
muitas localidades onde as autoridades são fracas ou indiferentes (...), realçando que entre (....) os
propagandistas adversos (...) estavam (...) os professores primários, funcionários pagos pelo
Estado e que contra a Nação encaminham a Mocidade que lhe confiaram e que, em vez de educar,
pervertem.168
A par da tarefa inculcadora, dentro do ideário do regime, em que a Mocidade Portuguesa
convidava à desmobilização política da juventude, surgiu também a aptidão vigilante dos
movimentos juvenis opositores. Um artigo sem autoria, publicado no Jornal da M.P. de 16 de
Dezembro de 1937, lançou o primeiro aviso ao inimigo que circulava na sombra da organização.
Procurando mitigar as acusações de colaboracionismo com os nacionalistas espanhóis, ironizava o
autor anónimo: (...) conta-se esta: a “Mocidade” está a fabricar soldadinhos para o Franco:
manda-os em camionetas como mercadoria barata a caminho das trincheiras de Madrid! Não
lembra ao diabo, mas lembra ao farsante comunista, que é muito pior que o diabo!!!169 E,
referindo-se ainda ao mesmo “inimigo”, fazia crer: Não há felizmente nas Escolas Portuguesas
167 AOS/CO/ED-1D. Carta confidencial de 12 de Setembro de 1938, enviada pelo comissário nacional, Francisco Nobre Guedes, ao Presidente do Conselho. 168 AOS/CO/PC-21. Informação confidencial de 7 de Novembro de 1938, emitida por um elemento da Legião Portuguesa (assinatura ilegível). 169 “Pequenas coisas para assentar ideias” in Jornal da M.P., n.º 2, Ano I, de 16 de Dezembro de 1937, p.4.
61
bloco anti-fascista (...). Os rapazes da “M.P.” vestem com orgulho a sua farda que não é de
fascistas mas de portugueses de lei, seguros de si e das suas convicções patrióticas, passeiam pelas
ruas e frequentam as Escolas, sem que o “bloco” os assuste. Ele não lhes sai ao caminho, por
certo, e quando muito deixa por de baixo da porta um panfleto, mas sempre a olhar para trás com
medo que lhe descubram o gesto e lhe dêem o correctivo.170 Mas a mesma oposição, para
confirmar o engano do repórter, deu sinais de vitalidade alguns dias depois.
O artigo referia-se ao Bloco Académico Antifascista, organização clandestina activa entre
1936 e 1938, que concentrou jovens comunistas e outros grupos de estudantes anti-salazaristas (de
influência republicanista e maçónica) e promoveu acções de solidariedade com a frente republicana
espanhola. O Bloco, que pretendia ser (...) a organização profissional dos estudantes (...) afirmava-
se como (...) sucedâneo das Associações Académicas, abolidas ou deturpadas no seu carácter e
desenvolvimento pelo governo de Salazar.171 Para assegurar que, afinal, sempre havia “bloco” nas
escolas, os representantes do Comité Central assinaram uma carta enviada ao comissariado nacional
da MP, onde justificavam a sua existência como marcha contrária à que pontuava a organização.
Criticando claramente a imposição doutrinária e religiosa da Mocidade Portuguesa, os abaixo-
assinados defendiam para os estudantes (...) a defesa dos interesses económicos e culturais dos
estudantes e a articulação num movimento único das aspirações das Juventudes das Escolas pela
Paz, a Liberdade, a Cultura, uma Vida Alegre e Saudável, (...) [abrindo] as suas fileiras a todos os
estudantes, independentemente das suas convicções políticas e das suas crenças religiosas.172 Em
resposta do movimento, que concentraria então cerca de 3000 membros, os abaixo-assinados
declaravam integrar a verdadeira mocidade portuguesa (...) a mais decidida defensora dos
interesses reais da classe estudantil, a lutadora insofismável pela melhoria efectiva da vida
económica, moral e cultural da Juventude (...) que estava (...) aglomerada no Bloco Académico -
organização à margem da lei. A declaração de intenções foi acompanhada pela denúncia do regime
de coacção vivido nos meios estudantis e apadrinhados pela nova organização estatal: Não é
verdade que, atentando no conteúdo dos seus desígnios se pode acusar a ordem existente de
postergar os direitos e reivindicações de uma parte notável da Mocidade Portuguesa - a que
trabalha nas Escolas? 173 Dois anos mais tarde o “Bloco” foi eliminado da cena oposicionista.
170 Ibidem. 171 AOS/CO/ED-1D. Carta de 20 de Dezembro de 1937, assinada pelo Comité Nacional do Bloco Académico (Pedro Costa, Rui Tavares, Alfredo Coelho, Mário Carvalho) e enviada ao Comissariado Nacional da MP para a direcção respectivo jornal. Cópia remetida a Salazar. 172 Ibidem. 173 Ibidem.
62
3.1.2. Futuras elites ao poder A participação activa na Mocidade Portuguesa, à qual estava implícita uma colaboração
mais estreita com o regime, passava pela permanência nas fileiras da organização além do tempo de
obrigatoriedade. Em rigor, a anuência das famílias e, por vezes, o empenho dos próprios filiados em
seguir para os escalões de vanguardistas e cadetes, representava uma continuidade lógica que
culminava na entrada para a Milícia e na renovação de quadros dirigentes da organização. As
escolas de graduados equipavam-se assim de colaboradores voluntários, os “futuros chefes” entre os
filiados, sendo muitas vezes familiares directos de antigos dirigentes. A diferenciação entre os que
abandonavam a MP aos 14 anos e os que prolongavam a estadia, ficou clara nas primeiras
intervenções escritas do comissário Nobre Guedes, em 1938:
Em breve haverá duas classes distintas de rapazes: os que fizeram carreira dentro da
organização, e os que a abandonaram ou se recusaram a fazer parte dela. É intuitivo que o Estado olhe por aqueles que dalgum modo se formaram dentro das normas que o próprio Estado estabeleceu. (...)
E mais: no futuro será coerente que o Estado dê preferência absoluta em todos os seus serviços, àqueles que tenham pertencido à Mocidade.
Deve admitir-se, por fim, que cheguemos à situação de não permitir a entrada de outros.
Quem voluntariamente se desinteressou da formação que o Estado patrocina, num alto desígnio de puro patriotismo, não deve acolher-se aos serviços públicos de qualquer natureza, e muito particularmente aos que se prendam com educação e ensino.174
Ainda a este título convém salientar que, a curto prazo, a MP pretendeu alargar o espaço de
influências ao território universitário, embora com cambiantes específicas, que a traduziram mais
como atestado de fidelidade ao regime do que como meio de acção educativa, a organização
pretendeu fazer-se representar nos quadros docentes e discentes do ensino superior.
3.1.3. Paradas e desfiles – um cartaz de propaganda
Elemento fundamental da coreografia do regime, as grandes concentrações da Mocidade
Portuguesa, assim como a presença de pequenos grupos de filiados em cerimónias oficiais, tanto
funcionaram como pólo atractivo à participação como foram motivo de repúdio e desconfiança. Na
verdade, os desfiles e paradas da MP, organizados sobretudo para assinalar as festas de 28 de Maio,
de 14 de Agosto (dedicado a Nuno Álvares Pereira, patrono da juventude) e do 1.º de Dezembro
(data da restauração e dia atribuído à Mocidade), reforçaram a imagem militarizada da organização.
Como veremos num próximo capítulo, a presença da MP também se fez sentir como uma pequena
“guarda de honra” do regime em diferentes ocasiões, ao lado de Salazar e Carmona, e os primeiros
174 Editorial ao Boletim – 1937 (...) pp.8-9.
63
três anos da organização, comissariados por Nobre Guedes, ficariam mesmo conhecidos como os
“tempo das grandes paradas”.
3.2. Do pendor totalitário ao ciclo de cedências No primeiro número do Boletim da M.P., de 1937-1938, Francisco Nobre Guedes assinou
um editorial entusiástico quanto ao futuro da Mocidade Portuguesa. Idealizando a organização à luz
do decreto fundador, o Comissário Nacional traçou um quadro de actividades a desenvolver pelas
instruções geral e especializada dos Centros da Mocidade Portuguesa, onde a educação nacionalista,
o canto coral e a ginástica eram missões de topo. O programa não era particularmente ambicioso,
embora empolado pelo dirigente máximo: As instruções de ginástica e comando foram distribuídas
aos centros de instrução de todas as Alas, bem como os sumários das seis palestras de educação
nacionalista determinadas para este ano. No canto coral, além da obrigação do Hino Nacional e
da Marcha da M.P., foi aconselhado o ensaio de canções regionais. (...) O número de palestras
deve ser, em cada ano lectivo, de 25 a 30. O programa do canto coral obedecerá a um cancioneiro
já em estudo. O programa da ginástica acompanhará os resultados da sua aplicação.175
Apesar da crescente valorização das actividades desportivas, em particular no quadro da
instrução especializada, estas não constituíam ainda matéria-prima de acção educativa, como
sucederia alguns anos mais tarde. O desporto na MP, que viria pouco depois ocupar o lugar dos
desfiles aparatosos e das formações militares, mantinha uma posição materialmente limitada e
vincadamente elitista, ao abrir só a alguns filiados as portas de práticas como a aviação, esgrima ou
vela, dependendo dos respectivos recursos financeiros ou do protagonismo político das famílias.
Neste conjunto de circunstâncias, o conflito com actividades privadas do género ainda não
constituía problema no seio da organização, convidando mesmo à cooperação entre elas.176 Este
ambiente de bom convívio teve, no entanto, pouco tempo de vida, à medida que a complexificação
de estruturas da MP foi encarando novos problemas de funcionamento e o desporto se anunciou
como nova solução actuante.
3.2.1. Os meios de actuação
3.2.1.1. Primeiros dirigentes
No primeiro passo de existência, a direcção da ONMP materializou-se no Comissariado
Nacional constituído por um comissário e quatro adjuntos de (...) função gratuita, livremente
nomeados pelo Ministro (...).177 Do corpo central partiam treze direcções de serviços, uma
175 Ibidem, p.3. 176 Ibidem, p.4. 177 Decreto-lei n.º 26 611 (...).
64
secretaria, o comando da Milícia (integrada exclusivamente pelo último escalão) e a Escola Central
de Graduados, com actividade em Lisboa. Sob responsabilidade directa da Secretaria trabalhavam
as Delegações Provinciais e respectivas alas (cujas direcções se constituíam por nomeação do CN),
e as futuras Escolas Regionais de Graduados ainda em projecto, funcionando inicialmente apenas
uma, na ala do Porto. A organização distribuía-se então pelas Direcções de Serviços
Administrativos, Publicações, Uniformes e Insígnias, Cinematografia, Radiodifusão, Intercâmbio,
Propaganda, Desportos, Acampamentos e Excursões, Educação Artística, Canto Coral, Saúde e
Higiene e Formação Nacionalista.178
Erguia-se assim uma verdadeira estrutura autónoma, progressivamente entroncada na
realidade escolar, evidenciando o programa de “educação integral” de que a MP era agora principal
executora, ao intervir nos espaços de sociabilização e na formação nacionalista e cultural da
juventude masculina. Sintomática era a ausência de serviços próprios para a formação moral cuja
posição dentro do organismo era ainda indefinida. Como veremos, as críticas da Igreja Católica à
orientação germanófila da Mocidade Portuguesa, cuja dissonância com a organização se fez ouvir
pela voz Cardeal Gonçalves Cerejeira, só foram atenuadas pelo acordo concordatário assinado entre
o Estado Novo e a Santa Sé em 1940.
No quadro directivo inicialmente formado, permanecendo sem alterações (de estrutura e
composição) assinaláveis até 1939, compareceram elementos até então pouco destacados dentro do
regime. Integrando sobretudo militares mas também engenheiros, professores do ensino secundário
e superior, juristas e médicos, esta base dirigente representava no entanto uma amostra considerável
de franjas mais ou menos radicalizadas, apoiantes do Estado Novo, algumas delas transitando mais
tarde do micro-sistema da MP para a actividade governativa. Numa fase inicial, a organização
funcionou como agente canalizador de candidatos à vida pública a quem Salazar entregou cargos de
menor responsabilidade para onde desviou maiores ímpetos fascizantes, como foi o caso do
primeiro comissário nacional. Por outro lado, a Mocidade Portuguesa praticou, com o passar do
tempo, a filtragem de futuros aderentes de confiança à causa nacionalista, em particular entre os
graduados e estudantes universitários que a ela se mantiveram ligados.
Francisco Nobre Guedes179, empossado comissário nacional em 1936, era, na mesma altura
(e como previsto pelo regulamento da MP), secretário-geral do Ministério da Educação Nacional e
político próximo do ministro Carneiro Pacheco. Alinhado com o sector germanófilo do regime,
178 Cf. “IV - Esquema da O.N. (...)” op. cit, p.20. 179 Francisco José Nobre Guedes (1893-1969). Engenheiro mecânico formado pelo Instituto Superior Técnico, foi vogal do Conselho Superior de Instrução Pública no início da década de trinta, secretário-geral do Ensino Técnico e director-geral do Ministério da Instrução Pública. Transitou depois para o gabinete da Educação Nacional, acompanhando a linha doutrinária de Carneiro Pacheco no que dizia respeito à educação nacionalista e pré-militar da juventude portuguesa. Exerceu, simultaneamente, os cargos de vogal e vice-presidente da Comissão Executiva da UN onde terá gerado alguns conflitos internos. Vide Anexo I.
65
encontrou na MP ambiente favorável para dar uso aos contactos que mantinha com dirigentes
alemães, incentivando o intercâmbio entre a juventude portuguesa e a HitlerJugend. Na escolha de
Nobre Guedes para o cargo terá mesmo pesado o seu irrequietismo político e as suas inclinações
milicianas no seio da União Nacional.180 Estas tendências, enjeitadas por Salazar, eram agora
canalizadas para a liderança do organismo de juventude sob tutela da Educação Nacional. Embora
sendo escassas as fontes primárias que permitem reconstituir os três anos em que assegurou esta
direcção, a correspondência trocada com Oliveira Salazar denuncia a natureza do projecto que
Nobre Guedes imaginava vir a desenvolver dentro do movimento. Como veremos, as raras e
lacónicas respostas emanadas da Presidência do Conselho aconselhavam o refriamento,
particularmente em matéria financeira, do entusiasmo do comissário. Embora com meios de acção
limitados, o primeiro dirigente marcaria uma fase verdadeiramente fascizante da organização, não
raras vezes rotulada como veículo propagandístico do Reich alemão.
No painel dos primeiros comissários adjuntos contavam-se o médico Luís Figueira e três
militares: o capitão aviador Humberto Delgado181, também membro da Legião Portuguesa, o 1.º
tenente José Soares de Oliveira182 e o major de engenharia Frederico Vilar, cuja funções se
estenderam ao comando da Milícia. Vilar seria ainda vogal do Conselho Técnico da MP, constituído
em 1939, e presidente do Conselho de Disciplina, entre 1941 e 1943. A direcção da Escola Central
de Graduados foi entregue ao tenente de cavalaria António Quintino da Costa.183
Do corpo dirigente inicial, importa também destacar a presença de Marcelo Caetano184, que
três anos mais tarde substituiu Nobre Guedes no Comissariado. Em 1937 ocupou a Direcção dos
Serviços de Formação Nacionalista, imprimindo a esta secção um programa educativo de exaltação
patriótica e em torno do culto imperial. A cargo desta direcção eram elaboradas e distribuídas pelos
centros de instrução as “folhas de doutrina nacionalista”. Na mesma altura era director dos Serviços
de Intercâmbio José Soares Franco,185 chefe de gabinete do ministro da Educação Nacional e mais
180 Cf. Simon Kuin, op. cit., p.560. 181 Humberto da Silva Delgado (1906-1965). Substituiu Maia Loureiro no comissariado da MP na fase inicial da organização, sendo, paralelamente, adjunto do Comando Geral da LP. Cessou funções na Mocidade Portuguesa em 1939. Vide Anexo I. 182 José Soares de Oliveira (1910- ? ). Filho do General Domingos de Oliveira, aderiu, como o pai, ao golpe militar de 28 de Maio de 1926. Fundador e director da revista Defesa Nacional, conduziu uma verdadeira campanha pela organização da juventude portuguesa em moldes militares, campanha esta que estendeu ao Diário da Manhã, sob o pseudónimo de Comandante Z. Vide Anexo I. 183 Vide Anexo I. 184 Marcelo José das Neves Alves Caetano (1906-1980). Formado em Direito na Universidade de Lisboa, aderiu à Junta Escolar do Integralismo Lusitano ainda na década de vinte. Foi auditor jurídico do Ministério das Finanças em 1929, encetando nessa altura os primeiros contactos com Oliveira Salazar. Essencialmente dedicado à carreira docente durante os anos trinta, evidenciava já, no entanto, a adesão ao regime. Teorizador do corporativismo, participou no projecto de redacção da Constituição promulgada em 1933. Ligado à MP desde a sua criação, só a abandonou em 1944, já como comissário nacional, para ocupar a pasta das Colónias. Vide Anexo I. 185 José Augusto Porto Soares Franco (? -?). Permaneceu na MP entre 1936 e 1946, sendo nesta última data comissário nacional interino. Entre 1939 e 1946 acumulou funções como CN adjunto, secretário inspector e director da Casa da
66
tarde sucessor interino de Marcelo Caetano. O cargo de secretário-inspector foi ocupado por Luís da
Câmara Pinto Coelho, que viria a ser o quarto comissário nacional.186
Em 1937, o início das actividades foi assinalado pela primeira reunião dos dirigentes da
Mocidade Portuguesa, onde se reafirmou o princípio da valorização máxima do novo português e
da revalorização da raça. O encontro, radiodifundido para todo o País, reuniu intervenções sobre o
processo de formação nacionalista, por Marcelo Caetano, higiene e assistência médica, pelo médico
Luís Figueira, educação física e pré-militar, por Quintino da Costa, iniciação desportiva, por
Celestino Marques Pereira e canto coral, por Hermínio Nascimento. Na abertura dos trabalhos, com
que se pretendia orientar as actividades (...) segundo normas seguras, que convém uniformizar em
todos os pontos do País, Nobre Guedes definiu o território doutrinário em que se instalava a nova
organização:
A «Mocidade Portuguesa» não constitui um partido político incipiente. Não tem
combatividade política imediata, propósitos de luta política. Mas não tenhamos hesitações em declarar que a «Mocidade Portuguesa» tem o mais elevado alcance político, pois se destina a imprimir em cada um dos seus filiados ideias muito firmes sobre os serviços que prestará ao País para lhe dar condições de prosperidade, através de uma política de espírito e de uma política de administração superior, que sejam dignas da sua tradição histórica e lhe assegurem independência indiscutível entre os outros povos (...).187
3.2.1.2. Milícia
Numa carta enviada por Nobre Guedes a Salazar durante o ano de 1937, o comissário
nacional manifestou-se preocupado com o tipo de instrução a ministrar na Milícia da Mocidade
Portuguesa. Chocando em alguns pontos de vista com o relatório de Frederico Vilar, Nobre Guedes
afirmava: A reserva que fiz àquela orientação e tive ensejo de expor a V. Ex.ª, funda-se na dúvida
que se põe ao meu espírito, por um lado sobre a finalidade da “M.P.” e por outro sobre a justa
interpretação das leis militares, no que se refere a preparação pré-militar. 188 Referindo-se ao
mesmo relatório do primeiro comandante da Milícia, Nobre Guedes considerava demasiado pesados
os trabalhos e a carga horária exigidos para aquela unidade, onde se previa a integração dos jovens a
Mocidade Portuguesa. Dirigente da confiança de Marcelo Caetano, assegurou em várias ocasiões, no seu lugar, a chefia da organização. Vide Anexo I. 186 Luís da Câmara Pinto Coelho (1912-1995). Comissário nacional da MP entre 1946-1952, entrou para a organização em 1936 como secretário-inspector. Partindo pouco depois para Roma onde também representou a MP, foi substituído por Durão Ferreira naquele cargo. Regressado a Lisboa, foi director-adjunto do Centro Universitário de Lisboa. Vide Anexo I. 187 1ª Reunião dos dirigentes (...), p.13. 188 AOS/CO/ED-1D. Carta, sem data, de Nobre Guedes para Oliveira Salazar. Outra preocupação do comissário nacional prendia-se com a sobreposição de trabalhos dos filiados: Como a partir dos 18 anos, para efeitos de instrução pré-militar, só os estudantes se conservam na Mocidade e a estes é impossível pedir além dos seus pesados trabalhos escolares mais do que três sessões de trabalhos por semana, não poderão ter outra actividade que não seja a da milícia.
67
partir dos 17 anos (tida como uma antecipação do serviço militar), com três sessões semanais de
instrução, incluindo aos domingos, realizada essencialmente nos quartéis, e seguindo (...) à risca os
programas de instrução de recruta e do primeiro período dos oficiais milicianos, condição que teria
sido imposta pelo Ministério da Guerra para diminuir o tempo de serviço militar dos cadetes da
Mocidade.
A reacção do comissário da MP às determinações expostas incluía o receio de que se
desviasse a organização dos seus princípios, que, segundo lembrava: (...) quer-me parecer que é
sobretudo de natureza formativa o papel da “M.P.” e a sua influência deve exercer-se até à
incorporação no serviço militar, através da educação moral, física e patriótica, por processos
variados mas convergentes.189 A preferir que a instrução se mantivesse, sempre que possível, à
margem dos quartéis, o comissário traduzia sobretudo um conflito tutelar, tentando sacudir a
progressiva intromissão do sector militar no seio da organização.
A preparação dos cadetes na Milícia, obrigatoriamente comandada por um oficial superior
do Exército ou da Armada, devia processar-se com vista à colaboração com a Legião Portuguesa.190
Colaboração esta que previa a natural transferência para a LP dos milicianos oriundos da
organização juvenil. No entanto, como teremos ocasião de verificar, a elitização de quadros juvenis,
tão própria da Mocidade Portuguesa, dificultou sobremaneira estas relações.
A relação entre a Milícia da MP e o Exército, como também se verá, foi mantida sob
controlo directo de Salazar. Alguns dias antes da formalização da Mocidade Portuguesa, pelo
regimento da JNE em Maio de 1936, o Presidente do Conselho assumira a pasta da Guerra191, dando
início a um novo ciclo de relações com os militares, submetendo-os à força governativa. Como
referem Medeiros Ferreira e Luís Nuno Rodrigues, na origem da Mocidade e da Legião esteve não
só a pressão da direita radical no sentido de fomentar a criação de unidades milicianas como
também, e porventura mais relevante, o interesse de Salazar em assegurar, ao longo deste processo
de subordinação, a existência de instituições exteriores às forças armadas que lhe retirassem o
monopólio exclusivo da violência.192 No entanto, quando a Milícia entrou em actividade, o exército
estava já “dominado” e ao novo ministro da Guerra importava já, em sentido inverso, controlar os
impulsos fascizantes e milicianos que se faziam sentir na Legião e na Mocidade. Um exemplo claro
deste controlo era a nomeação directa do comandante da Milícia pelo Presidente do Conselho.
Estava-se em Março de 1938, ao abrigo das novas leis militares, quando os cadetes da MP
começaram a preparação militar. E afinal, contra o que parecia ser intenção de Nobre Guedes, a
189 Ibidem. 190 Cf. Regulamento da MP, de acordo com o Decreto n.º 27 301, (...). 191 Mais concretamente a 11 de Maio de 1936. 192 Cf FERREIRA, José Medeiros, O Comportamento político dos militares: Forças Armadas e regimes políticos em Portugal no século XX, col. “Imprensa Universitária”, Editorial Estampa, Lisboa, 1992, p. 187 e Luís Nuno Rodrigues, op. cit., p.37.
68
instrução da Milícia passaria mais pelas unidades do exército do que pelo pátio escolar.
No primeiro ano de instrução, a formação nos centros da Milícia não ultrapassou muito o
perímetro de Lisboa: dos 2 000 cadetes que a frequentaram, 1 386 receberam instrução em Lisboa.
Os restantes 614 seriam formados no Funchal e em Santo Tirso.193 O número de unidades da
Milícia viria depois a crescer, até ao final da guerra, para um total de 17 centros em Portugal
continental, sempre sediados em quartéis e presentes em todas as províncias, para além dos
existentes nos Açores e Madeira.194 Esta instrução visava a formação moral, física e militar dos
cadetes, ao mesmo tempo que permitia facilitar (...) o recrutamento e formação de oficiais,
sargentos e especialistas para os quadros permanentes ou milicianos do Exército (...)195 como
estava previsto pelas leis de reorganização do Exército e do recrutamento e serviço militar. Dividida
em três ciclos, a Milícia compreendia, no primeiro, a instrução elementar, seguindo-se o
aperfeiçoamento de conhecimentos e o desenvolvimento da táctica e topografia. Por fim, o último
ciclo destinava-se (...) à formação de graduados, no exercício do comando de pequenas unidades e
do desempenho de missões e tácticas definidas.196
3.2.1.3. O culto da farda Um dos componentes de maior peso na exteriorização da Mocidade Portuguesa foi, desde a
constituição do organismo, o fardamento. Na primeira reunião de dirigentes, Marcelo Caetano
sublinhou a importância da farda como manifestação pública de adesão aos ideais da M.P. e, como
tal, uma afirmação de verdade.197 Evidente bandeira de adesão aos ideais por ela proclamados, em
camisa verde, calções e bivaque castanhos, a farda da MP 198 criou um dos principais focos de
resistência, ainda que passiva, entre filiados e famílias. Ao mesmo tempo, o uniforme da Mocidade
exerceu um certo fascínio pelos adeptos mais fervorosos da organização que contribuíam
financeiramente para fardar os filiados com menos recursos. O uso generalizado do fardamento,
como veremos, foi sofrendo limitações progressivas nos anos da guerra e contribuiu para desgastar
a imagem movimento, apesar dos constantes esforços do comissariado no sentido de contrariar esta
tendência.
193 Cf. “Milícia da «Mocidade Portuguesa» ” in Boletim – 1938 (...), p. 61. 194 Cf. Ordem de Serviço n.º 10 (1944-1945), de 1 de Fevereiro de 1945. Esta informação é exclusiva para Portugal continental. Vide Anexo IV. 195 “Milícia da «Mocidade Portuguesa» ” in Boletim – 1938 (...), p. 61. 196 Ibidem. 197 I Reunião dos dirigentes (...), p. 28. 198 O plano de uniformes da MP foi publicado no início de 1938, completando as primeiras directivas indicadas no regulamento de 4 de Dezembro de 1937. Decreto n.º 28 410 publicado no Diário do Governo, I Série, n.º 5, de 7 de Janeiro de 1938. Omitido pelo diploma mas visível no desenho que o acompanhava, aparecia o cinto de fivela em “S”, conotado com o “culto do chefe” e por isso directamente associado a Salazar. Vide Anexo IX.
69
Nos primeiros passos da MP o recurso ao uniforme era ainda opcional – sob o argumento de
que só assim se estimulava o gosto pela farda.199 No entanto, na sombra deste princípio,
estudavam-se os meios de fornecimento e aquisição de uniformes, prevendo contribuições
camarárias, institucionais e individuais que cobrissem aquelas necessidades a nível nacional. Estes
apoios financeiros, de que o Estado se demitiu na quase totalidade, participaram na formação de
uma rede sistemática de pequenos subsídios à organização, em particular de redes locais. A ajuda
pecuniária em prol do fardamento da Mocidade Portuguesa depressa ganhou identidade própria,
institucionalizando-se junto da organização. Em Janeiro de 1938, o Comissariado Nacional fez
constituir uma Comissão de Senhoras, encarregadas de angariar fundos particulares para a
uniformização dos filiados pobres.200
Como em todos os campos de actividade da MP, dada a extensão e heterogeneidade com
que foi constituída, a divulgação do uniforme dependeu do empenho dos seus dirigentes e, quando
favoráveis à organização, dos reitores dos liceus. São inúmeros os casos de pressão mais ou menos
velada para cobrir de pano verde e castanho a juventude escolar. Em Novembro de 1937, por
exemplo, o reitor do Liceu Eça de Queiroz, na Póvoa do Varzim, cumpriu o despacho do director
geral do Ensino Liceal, enviando uma circular aos encarregados de educação onde sublinhava a
importância de transformar o uniforme em vestuário de uso quotidiano. Concluía lembrando: O
Uniforme é simples e relativamente barato, e obrigatório já em quaisquer exercícios de educação
física dentro ou fora deste Liceu. Muito mais distintivo será agora o seu uso tornado extensivo e
intensivo, como vestuário quotidiano. Para tanto conta esta Reitoria com a boa vontade e
patriotismo de V. Ex.ª. 201
3.2.1.4. Entre o Orçamento de Estado e a caridade
Contrariando o que anunciava o reitor do Liceu da Póvoa do Varzim, as despesas com
fardamento de filiados carenciados chegaria a ocupar cerca de um quarto dos gastos orçamentado
para a organização202. Em 1938, de um orçamento projectado em mais de 6000 contos, a MP
199 Boletim (...) 1937, p.8. 200 A comissão, que foi constituída por Margarida Belo de Ortigão Ramos, Maria Isabel Avilez de Sousa Rego e Maria Francisca da Câmara Pinto Basto, permitiu fardar (...) 28 «cadetes», 20 «vanguardistas», 72 «infantes» e 5 «lusitos», num total de 125 filiados. Nenhum destes nomes está associado aos quadros directivos da OMEN ou da MPF. Cf. Boletim (...) 1938, pp.93-94. 201 AHME, Relatórios dos Liceus. Caixa 4 - Relatório n.º 27 – Liceu Eça de Queiroz. Circular, anexada ao relatório do ano lectivo de 1937-1938, enviada a 5 de Novembro de 1937 pelo reitor, Paulo José de Cantos, aos encarregados de educação. 202 A questão do fardamento dominou, de facto, grande parte das atenções da MP em toda a cronologia que observámos. A este título justificava-se o aumento da verba “donativos” para 1000 contos em 1939, contra os 300 do ano anterior, uma vez que; A verba que se arbitrou em 1938 para fardamentos gratuitos foi muito excedida, mas ainda assim foi insuficientíssima. Em Lisboa há centros com 1000 filiados que não têm mais que 120 filiados com farda. Por outro lado, os recursos dados pela generosidade dos particulares são – como sempre se esperou – muito escassos. A ela se tem recorrido, mas sempre com a preocupação de não esmolar exageradamente, o que avilta, nem exercer quaisquer pressões o que cria reacções inconvenientes. Não se põe de banda o recurso do donativo particular, não se descura a
70
recebeu pouco mais de 2000, destinados a toda a actividade da organização a nível nacional. Destes,
567 346$00 foram utilizados na realização das comemorações de Maio e 448 614$50 financiaram
uniformes, contributo fundamental para a imagem de comando único tão grata à MP.203 Natural por
isso, a insistência pelo reforço orçamental no ano seguinte. Na verdade, o subsídio destinado à
organização de juventude nunca foi muito além do suporte básico à actividade administrativa. As
representações locais teriam de procurar recursos estranhos ao tesouro público e rentabilizá-los.
No quadro de previsões para 1939, projectaram-se gastos três vezes superiores aos valores
recebidos no ano anterior, ascendendo aos 6 618 000$00. Deste valor, perto de 2 000 contos
orientavam-se para os encargos gerais do comissariado e material da organização. As festas de
Maio, pérola imagética do Estado e da Mocidade, faziam prever uma absorção de 400 000$00,
contra 15 000$00 para as restantes celebrações. As direcções de serviços, por seu turno, receberiam
apenas 560 contos, com a maior verba destinada a publicações.204 Note-se que estes serviços
contavam, em particular no sector da propaganda e publicações, com especial apoio do SPN, o que
provavelmente justificava o financiamento limitado neste campo. A par deste auxílio e do
orçamento de Estado, importaram ainda no apoio à MP os subsídios do Instituto para a Alta Cultura
(IAC), com o qual manteve relações de algum privilégio, suportando assim missões de estudo e
estágios de dirigentes nas organizações congéneres alemã e italiana, e impulsionando em particular
os centros de medicina desportiva criados dentro da organização205. Por fim, a colaboração militar
não passaria apenas pelos quadros dirigentes e instrução dos filiados, recorrendo-se aos meios
materiais e humanos para os acampamentos da organização existentes junto dos quartéis mais
próximos. Além deste apoio eventual estava, evidentemente, o fornecimento de armamento à
Milícia pelo Ministério da Guerra. A Mocidade Portuguesa constituía assim um corpo
administrativamente autónomo mas sistematicamente dependente e financeiramente vulnerável.
Em balanço da actividade de 1938, o ministro da Educação Nacional apontava as principais
barreiras ao crescimento da Mocidade Portuguesa sem supor que estas nunca seriam transpostas. O
primeiro obstáculo resultava (...) da dificuldade de dirigentes à altura da sua missão - problema
que só a formação dos novos remediará com o tempo (...) e o segundo residia na (...) falta de
recursos materiais para conseguir a expansão necessária no país a consolidar o trabalho já
realizado. No final desse ano, Nobre Guedes considerava já insustentável o aperto de recursos com
acção das secções de camaradagem existentes nos Centros, mas pede-se uma verba que permita ampliar o fornecimento a um maior número de filiados comprovadamente pobres. AOS/CO/ED-1D. Quadro comparativo - Orçamento da MP de 1938 e previsão para 1939. 203 Idem. Nota justificativa do orçamento para 1939, incluindo despesas de 1938, com o timbre do Ministério da Educação Nacional. 204 Idem, Quadro comparativo - Orçamento da MP de 1938 e previsão para 1939. 205 De acordo com a informação recolhida, estas viagens decorreram sobretudo em 1937 e 1938, participando nelas os médicos Arsénio Cordeiro, Luís Figueira e Manuel Mesquita Guimarães, todos eles ligados à organização e subsidiados pelo IAC. Cf. Arquivo Histórico do Instituto Camões, Mocidade Portuguesa. 1289/5 e 0448/14.
71
que geria a MP. Dirigiu então a Salazar uma longa exposição206 em que procurou atacar todos os
males da organização, grande maioria dos quais identificava com a falta de verbas.
A braços com uma dívida elevada e lamentando não compreender as intenções do Presidente
do Conselho quanto ao destino da MP, o comissário nacional interpretava os magros financiamentos
como (...) falta de confiança na Organização, ou a convicção de que ela pode criar receitas
próprias, pela generosidade dos particulares. Mas a fome de verbas era francamente limitada, por
via pública ou caritativa: (...) não há nesta hora em Portugal instituição que possa medrar sem o
apoio e confiança de V.Ex.ª. No segundo [caso], devo confessar que não vejo possibilidade de
suprirem os particulares a parte que o Estado não pode dar.207 Os fundos destinados pelo ministro
de todas as finanças, Salazar, ficavam muito aquém do necessário para uma organização em quadra
de crescimento.208 A prosa dramática desta carta, remataria mesmo com um pedido de demissão
mal ensaiado por Nobre Guedes, que assegurava no entanto prolongar a estadia até reorganizar as
poupanças da MP.
O manifesto de desânimo do comissário nacional recebeu resposta num despacho breve do
Presidente do Conselho, em finais de Janeiro de 1939. A mensagem ali deixada foi peremptória,
lembrando a Nobre Guedes não ser (...) razoável pôr questões de confiança sobre a redução dos
orçamentos ou a eliminação de verbas.209 Mais acrescentava, embora libertando uma verba
extraordinária de aproximadamente 300 contos para a realização do Congresso daquele ano, quanto
ao que considerava ser despesismo descontrolado do CN: ou há que moderar a extensão do
movimento e da organização ou há que procurar outros meios de suprir a deficiência orçamental
(...) sugerindo entre esses meios a cobrança de uma taxa escolar para a MP. Mantendo-se lacónico
quanto às restantes observações, Salazar confirmou nesta data as restrições com que via os gastos da
organização, cuja orientação filosófica e política parecia boa e segura, assegurando o (...) interesse
nacional do seu desenvolvimento, desde que se mantenha em moldes convenientes.210
206 AOS/CD-2, Carta de 31 de Dezembro de 1938, enviada por Francisco Nobre Guedes a Oliveira Salazar. 207 Ibidem. 208 A lista de impulsos a imprimir à MP era vasta, cerceada porém pelo vazio financeiro: Sustentar todos os núcleos, não lhes negar o necessário para o expediente, para os serviços de instrução geral, material indispensável; dar desenvolvimento aos Centros de especialização pela província, proporcionando instrução e material; dar incremento aos acampamentos, por comparticipação com os recursos locais, e adquirindo material que possa servir todos; promover as comemorações regulamentares com dignidade que estimule; participar de certames e reuniões internacionais em condições de acreditar no estrangeiro a Organização e o País; promover excursões, torneios, para aproximação dos filiados; tudo, enfim, o que dará à “M.P.” características de vida intensa, regrada, progressiva, é materialmente impossível conseguir com os meios materiais de que dispõe. Ibidem. 209 AOS/CD-2. Despacho de Salazar, de 30 de Janeiro de 1939, remetido pelo chefe de gabinete da Presidência do Conselho a Nobre Guedes, em resposta à carta de 31 de Dezembro de 1938. 210 Ibidem.
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3.2.1.5. Formar doutrinadores: A Escola Central de Graduados
No calendário da MP, o ano lectivo de 1936-1937 foi marcado essencialmente pela criação,
quando não improvisação, de recursos materiais e humanos capazes de assegurar o início de
actividades do período escolar seguinte. Neste contexto, a Escola Central de Graduados (ECG)
entrou ao serviço da formação, quase instantânea, de auxiliares aos instrutores de educação física.
Directamente dependente do Comissariado Nacional, a ECG reservava-se o acesso ao (...)
escol dos filiados na “Mocidade Portuguesa”.211 Tendo por fim graduar os melhores membros da
organização em comandantes de Castelo, Bandeira e Falange, a ECG foi instalada em Lisboa,212
abrindo portas aos primeiros formandos a 5 de Fevereiro de 1937, e previa preparar graduados para
uma massa inicial de cerca de 25 000 filiados.213 O curso, com um total de 89 alunos aprovados,
teve duração até Maio do mesmo ano, graduando o primeiro grupo para o ano lectivo seguinte. A
cada transição entre as três graduações era obrigatória a frequência dos respectivos cursos, com 150
horas de duração 214
A ECG, missionária da “Educação Nacional”, avançou também sobre parte da classe
docente, levada a estagiar nos bancos daquela escola. No cômputo de objectivos fundamentais, a
Escola Central conjugava assim: a preparação de novos graduados, por ela vigiados a nível
nacional; a direcção e orientação da educação física “segundo os métodos” da organização; a
formação específica dos professores primários, únicos instrutores do primeiro escalão, e dos
professores de educação física dos liceus e colégios. 215 Estes últimos foram reunidos na ECG a 25
de Janeiro de 1937 onde se familiarizaram com (...) o programa de trabalhos e foram expostos os
princípios do método de educação física e pré-militar a seguir na “Mocidade Portuguesa”.216 .
Quanto ao ensino primário, e pelas previsões deste primeiro ano, o número de lusitos
abrangeria cerca de 250 000 alunos, metade da população das escolas oficiais, tornando urgente (...)
dar uma instrução intensiva aos mesmos, no mínimo número de dias.217 O primeiro ciclo de
estágios promovido pela ECG, iniciado em 5 de Julho do mesmo ano e abrangendo cerca de 600
docentes daquele grau de ensino, concentrou-se na preparação pré-militar a transmitir aos filiados,
211 “VI - Relatório da Actividade da M.P.” in Boletim – 1937 (...) p.28. 212 Mais concretamente no edifício da Escola do Magistério Primário, em Benfica. 213 Valor previsto pelo ministro da Educação Nacional, Carneiro Pacheco, no programa de trabalhos para 1937, enviado a Salazar. Cf. AOS/CP-206. “Programa da «Mocidade Portuguesa» para o ano de 1937”. O documento não está assinado mas foi remetido pelo ministro a Oliveira Salazar a 23 de Dezembro de 1936. Note-se que este valor não incluía o escalão dos lusitos. 214 Evidentemente, estes primeiros candidatos não eram ainda escolhidos entre o referido escol de filiados da MP. A selecção resultou, portanto, da inscrição de voluntários já filiados, com idade superior a 15 anos, a partir de um concurso largamente anunciado na imprensa. Nas condições de acesso foram apenas fixados este limite de idade e, como habilitação mínima, o exame da instrução primária, procurando captar o maior número de voluntários possível, muito além do universo liceal. “VI - Relatório da Actividade da M.P.” in Boletim – 1937 (...), p.33. 215 Ibidem, (...) p.28. 216 Ibidem, pp.32-33. Desconhece-se o número total de professores de educação física que ali estiveram presentes. 217 Cf. AOS/CP-206. “Programa da «Mocidade Portuguesa» para o ano de 1937”.
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limitada a (...) algumas atitudes e movimentos correctivos, técnica de marcha e muitos jogos. O
professor aprendia ainda (...) a coordenar estes elementos de forma a ministrar lições racionais e de
harmonia com as instruções provisórias que regulam o ensino da educação física na “Mocidade
Portuguesa”.218 No fim desse mês, a mesma formação tinha chegado a 1100 docentes do resto do
país. Ao lado dos professores, compareceram também oficiais do exército, convidados a assegurar a
instrução dos centros extra-escolares
O conteúdo programático desenvolvido pelas escolas de graduados reflectiu, em todos os
sentidos, a linha doutrinária corporativa promovida pelo Estado Novo. Na ECG, as sessões de cada
curso distribuíam-se pela “Educação moral e cívica”, inicialmente entregue à responsabilidade de
Luís Pinto Coelho, e pela “Cultura Nacionalista”. Neste segundo plano de formação cabiam as
sessões de Economia, Social e Política, esta última leccionada por Amaral Pyrrait, antigo membro
da Junta Escolar do Integralismo Lusitano. 219 As aulas integravam ainda as disciplinas de Cultura
Colonial, Orgânica da Mocidade Portuguesa, Canto Coral, Higiene e Enfermagem, Ginástica,
Desportos e Educação pré-militar e Comando.220 No fim de Maio de 1937, a Escola Regional de
Graduados do Porto (ERG) formou, para o mesmo padrão ideológico, 63 recém-filiados da MP.
O princípio moldador das mentalidades para os fins do Estado, inerente aos guiões
disciplinares seguidos pela ECG, integrava na temática de educação moral e cívica as seguintes
conferências:
1. “A moralidade dos jovens, condição essencial para a formação do carácter”;221 2. “O ideal: Deus, Pátria e Família como princípio orientador na formação do carácter”; 3. “Obediência e disciplina aliada ao esforço pessoal e exercício consciente da vontade”; 4. “Desenvolvimento da personalidade pela iniciativa”;222 5. “Influência e necessidade da Religião Cristã na formação do carácter”
218 “VI - Relatório da Actividade da M.P.” in Boletim – 1937 (...) pp.33. Os professores aqui contemplados pertenciam à área de Lisboa. Para os restantes previa-se que funcionassem (...) 38 escolas móveis que prepararão no primeiro ano 2 280 professores primários da província. AOS/CP-206. “Programa da «Mocidade Portuguesa» para o ano de 1937”. 219 António Maria do Amaral Pyrrait era, em 1929, redactor da revista Política - Órgão da Junta Escolar de Lisboa do Integralismo Lusitano. 220 A “Cultura Colonial” foi entregue ao Major Álvaro Fontoura, a “Orgânica” a Luís Pinto Coelho, a “Higiene e Enfermagem” ao médico e comissário nacional adjunto Luís Figueira, a “Ginástica” e “Comando” ao Tenente Quintino da Costa, o “Canto Coral” ao maestro Hermínio do Nascimento e os “Desportos e Educação Pré-Militar” a Celestino Marques Pereira, adjunto do comandante da ECG. 221 Definiram-se, como linhas principais a desenvolver nesta conferência: (...) a) A formação do carácter exige “mens sana in corpore sano”; o vício enerva, debilita, degrada; b) A formação exige uma hierarquia nas faculdades, irrealizável num espírito anarquizado pelo vício; c) Preservativos: evitar as ocasiões: cinemas corruptores, leituras imorais, más companhias, uso de bebidas, etc. “VI - Relatório da Actividade da M.P.” in Boletim – 1937 (...), p.29. 222 Como pontos de orientação indicavam-se: (...) a ) Em que consiste a iniciativa pessoal, b) Pretensas antinomias entre a obediência e a iniciativa pessoal. Refutação dessas antinomias: 1)- a autoridade não impõe só preceitos, senão que também orienta e dirige. 2) – Onde não intervém a legítima autoridade fica livre o campo para a iniciativa. C) Iniciação e orientação da M.P. para esta iniciativa pessoal na família e nos centros de ensino. Ibidem, p.29.
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No mesmo curso, a secção de estudos de cultura colonial abordava a “Importância
Geográfica e Política das Colónias Portuguesas”, o estudo etnográfico das colónias portuguesas nos
seus aspectos mais curiosos (onde se destacava a “Importância do conhecimento dos usos e
costumes indígenas. Alguns exemplos demonstrativos”), “A tradição colonial dos portugueses”, “A
ideia nacionalista” e a “Formação de uma mentalidade colonial”. O discurso doutrinador observava
como último ponto de desenvolvimento a “Importância económica das colónias portuguesas”. Em
complemento desta formação, a primeira preparação de graduados reuniu intervenções do
Secretário do Grémio Luso-Alemão, Johannes Roth, sobre a “Evolução da Juventude alemã”, de
Walter Georgii, sobre aviação sem motor, e do tenente de Engenharia, Santos Macedo, sobre defesa
passiva das populações.223
Embora a tarefa de desmobilização política da juventude constituísse apanágio da
organização, a função educativa a que procurou responder passava necessariamente pela formação
da “consciência nacionalista”. A confirmar esta premissa estavam as aulas de “Economia
Corporativa” e de “Economia Social”, que sintetizavam os princípios-base da teoria económica e
social estado-novista. O primeiro tema, dividido por oito sessões, descrevia os traços essenciais da
economia corporativa e (...) o seu conceito à face das doutrinas e das leis.224 As aulas dedicadas à
economia social, que incluíram visitas a alguns sindicatos, tinham por fim apresentar uma (...)
síntese geral de toda a doutrina corporativa (...).225
Parente próximo do conceito de educação física praticado na MP, a Medicina acompanhou o
crescimento da actividade gimno-desportiva da organização, especializando-se naquela área e
assumindo a sua quota-parte de observador social e moral da juventude. O papel do médico, na
ECG e nos centros de instrução, em particular nos extra-escolares, destinava-se à avaliação das
223 Ibidem, p.33. 224 O Boletim da MP sintetizava assim as linhas gerais do que fora transmitido aos futuros graduados, em sintonia, aliás, com os conteúdos programáticos escolares: Acompanhando de perto o Estatuto do Trabalho Nacional, demonstrou-se o seu significado político e o seu alcance como estatuto fundamental da nossa organização social e económica. Em seguida foi exposta, em síntese, a natureza e objectivo dos Grémios obrigatórios e facultativos, das Federações, Uniões e da Corporação. Igual atenção mereceram os organismos de coordenação económica, tendo sido referida a finalidade das Comissões Reguladoras, Juntas Nacionais e Institutos. Estas noções preliminares permitiram tratar da economia corporativa – finalidade principal do curso – tendo sido focados os resultados obtidos pelos seguintes organismos corporativos: Instituto do Vinho do Porto, Junta Nacional de Resinosos, Junta Nacional da Cortiça, Junta Nacional das Frutas e Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios. Com o fim de tornar mais palpitantes os exemplos, foram convidados os dirigentes responsáveis pela obra da Federação Nacional dos Produtores de Trigo, do Instituto Português das Conservas de Peixe, da Federação dos Vinicultores do Centro e Sul de Portugal (hoje Junta Nacional do Vinho), da Comissão Reguladora do Comércio do Bacalhau e da Comissão Reguladora do Comércio de Arroz, a expor os resultados obtidos no campo económico e social pelos organismos que dirigem.
As pessoas convidadas, respectivamente Exmos. Snrs. Engenheiro Manuel Saraiva Vieira, Dr. Fernando Teixeira de Abreu, Dr. Albano Homem de Melo, Engenheiro Higino de Queiroz e Melo e Jorge Blanco, prestaram-se amavelmente ao fim em vista e produziram interessantíssimas lições. Ibidem, pp.33-34. 225 Ibidem, p.34.
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condições físicas dos filiados, identificando um quadro de crescente degradação das condições de
vida a larga escala na população jovem, agravado a níveis impressionantes nos anos do segundo
conflito mundial.
3.2.2. Um amigo do Reich - Propaganda alemã e intercâmbio de juventudes Como se verificou, o acesso da propaganda alemã a alguns círculos de opinião portugueses,
a partir de 1935, traduziu-se no estreitamento de contactos entre a Hitlerjugend e, à data, a AEV.
Esta intimidade precoce entre as duas juventudes, permitiu aos nacional-socialistas influenciar o
primeiro percurso da Mocidade Portuguesa, chegando mesmo a monopolizar os intercâmbios com
juventudes estrangeiras por ela realizados. Em Portugal, o representante do NSDAP, W.Berner, e o
director do Grémio Luso-Alemão, Johannes Roth, protagonizaram esta aproximação, apoiados pelo
ministério da Propaganda nazi. Do lado português, as relações foram favorecidas pelos ministros
Eusébio Tamagnini e Carneiro Pacheco, assim como o presidente da Acção Escolar Vanguarda,
António Almodôvar. 226 O comissário nacional da MP, Nobre Guedes, seria de todos o mais
permeável a estes contactos.
Sobrepondo-se à influência italiana e preparando-se para a anunciada constituição de um
novo organismo de juventude, quando a AEV era já um movimento vazio e sem efeito, a
diplomacia do Reich vinha divulgando a Hitlerjugend em Portugal através da imprensa
vanguardista. Em 1935, António Almodôvar viajou até à Alemanha, a convite do ministro alemão
em Lisboa, com o vivo apoio do ministro Eusébio Tamagnini. Em Berlim, era conhecida a
preparação de uma organização que daria lugar à MP e as impressões recolhidas por Almodôvar
poderiam influenciar aquele projecto.227 Mas o alcance desta viagem não ficou registado nas fontes
que chegaram até nós, sabendo-se apenas que a Mocidade Portuguesa era já uma realidade próxima.
O ciclo de visitas entre a Mocidade e as organizações fascista e nazi não foi encerrado com a
fase preliminar da sua constituição. Em 1937, o comandante da ECG, tenente Quintino da Costa,
apresentou os resultados de uma missão de estudo a Itália e à Alemanha subsidiada pelo IAC. Do
fascismo italiano visitou a O.N. Balilla, a Academia Fascista de Roma e a Academia del Littorio, e
na Alemanha, a Escola militar de Munich e a Hitlerjugend. Ali estudou ainda a Escola de Chefes de
226 Simon Kuin, op. cit., p. 569. 227 Tendo consultado a correspondência diplomática alemã sobre este tema, Simon Kuin descreve mais em pormenor o grau de informação então detido pelos negócios estrangeiros do Reich a propósito do fim da AEV e do projecto de constituição da MP. Citando um relatório do ministro da Alemanha em Lisboa, Du Moulin, ao MNE alemão, de 27 de Agosto de 1935, transcreve a seguinte passagem: O ministro da Educação português, que aguarda com muito interesse o regresso dos seus dois representantes, disse-me mais uma vez que a proposta de reorganização do movimento de juventude, que deve ter lugar em Outubro, vai ser baseada nas impressões deles.(...) É lícito supor que o exemplo alemão da ideia nacional-socialista acerca da educação da juventude não deixará de exercer influência aqui se for descrito eficazmente pelos vanguardistas. (Politisches Archiv des Auswärtigen Amtes. Politik 29, Nationalsozialismus, Faschismus und ähnliche Bestrebungen, Band I, Portugal, R 71631).
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Potsdam, a Escola de Instrutores de tiro em Themar e a Organização dos Albergues para a
Juventude.228
Entre 1937 e 1939, são de facto frequentes as notícias sobre viagens de dirigentes da
Hitlerjugend a Portugal e, também em sentido contrário, dos dirigentes portugueses que visitaram
Berlim com regularidade. A atestar o progresso das relações entre os movimentos oficiais da
juventude alemã e portuguesa esteve a participação activa do comissário nacional na viagem da MP
a Berlim, por ocasião dos Jogos Olímpicos de 1936. À data, a Mocidade Portuguesa era ainda um
organismo em estado embrionário que esperava o primeiro regulamento, sem actividade efectiva
nos meios escolares e extra-escolares. A delegação portuguesa levada ao acampamento
internacional de juventudes promovidas pelo Reich, por iniciativa de Nobre Guedes, era por isso
representativa de uma minoria, conduzindo à capital alemã “29 estudantes voluntários” da
Mocidade Portuguesa, sob comando de Quintino da Costa.229 A viagem, que contou com o apoio do
ministro Carneiro Pacheco, estendeu-se de finais de Julho aos últimos dias de Agosto, integrando
visitas a outras regiões da Alemanha, onde se aprofundaram contactos com a actividade da
HitlerJugend. Dos grupos presentes identificavam-se italianos, ingleses, belgas, dinamarqueses,
entre outros, fazendo-se sentir a ausência francesa. Em balanço final do encontro, que reuniu um
total de 25 000 membros da juventude alemã, os portugueses garantiam uma maior proximidade
com aquele grupo e os filiados italianos.230
No decurso do encontro, as manifestações da MP incluíram demonstrações de (...) exercícios
demonstrativos da orientação dada à educação física entre nós (...) para além de jogos educativos e
desportos como (...) basket-ball, volley-ball e ring-tennis. O cunho fundamental desta primeira
exibição nacionalista da Mocidade Portuguesa coube aos cânticos de folclore português,
reinventado pelo Estado Novo, que dele se apropriou como expressão simbólica dos valores
ruralistas.231
228 Arquivo do Instituto Camões, Mocidade Portuguesa. 1273/18. Processo n.º 2328, informação de 1937, ao Instituto para a Alta Cultura, sobre as instituições visitadas por Quintino da Costa em Itália e na Alemanha. 229 O relatório do primeiro ano de actividades contava, entre os elementos, alunos do Liceu, de Escolas do Ensino Técnico e Profissional e ainda um representante da Casa Pia, Colégio Militar e Instituto Profissional dos Pupilos do Exército de Terra e Mar. “VI - Relatório da Actividade da M.P.” in Boletim – 1937 (...) p22. 230 Notava-se no mesmo relatório: Os grupos com que melhor se entendia o nosso eram o alemão e o italiano. A selecção dos participantes portugueses integrava dois filhos de Nobre Guedes, que chefiaram parte do grupo: No trabalho de preparação em Lisboa, o grupo foi dividido em “quinas” a que foram dadas designações: a de D. Afonso Henriques, chefiada por Serpa Pimentel; a de Nun’Alvares, chefiada por Francisco Coutinho Guedes; a do Infante de Sagres, chefiada por José Coutinho Guedes; a de Vasco da Gama, chefiada por Gonçalves Vieira; a de Luís de Camões, chefiada por H. Salgado. Ibidem, p.26. 231 O repertório ensaiado pela Mocidade contemplou as províncias portuguesas de norte a sul e as ilhas: O maestro Hermínio do Nascimento ensaiou o grupo na parte de canto, que foi habilitado a cantar o Hino Nacional, a marcha “Terra Pátria” e as seguintes canções: S. João (Minho), o Sol Anda (Trás-os-Montes), Caninha Verde (Douro), o Vira e o Verde Gaio (Beiras), Cantiga Ribatejana (Estremadura), Solidão (Alentejo), Tia Anica de Loulé (Algarve), Chama Rita (Açores). Alguns rapazes dançavam o “Vira” e o “Verde Gaio”. Ibidem, p.22.
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Em Março de 1938, o Jornal da MP anunciou a viagem de Hartmann Lauterbacher a
Portugal, em representação oficial da Hitlerjugend, na sequência de um convite do Comissariado
português. Em Lisboa, Lauterbacher visitou os centros de instrução especializada da Mocidade,
observando depois, em entrevista ao jornal O Século, que existiam (...) muitas afinidades entre a
«Juventude» e a «Mocidade», o que se explica porque a Alemanha e Portugal tiveram a mesma
sorte, antes do advento das suas actuais situações políticas.232 Alguns dias antes da realização do
acampamento de 28 de Maio, que aliás ficaria marcado pela polémica gerada em torno da possível
visita de Baldur Von Schirach, o mesmo jornal relatou a viagem de um grupo de filiados da HJ à
capital portuguesa, para o qual o CN promoveu um passeio aos arredores de Lisboa.233 Notícias
como estas atravessariam os vários números da publicação oficial do comissariado ao longo do ano.
Mas a presença alemã entre filiados e dirigentes da Mocidade também se faria sentir pela
propaganda cinematográfica e pelos encontros culturais promovidos pelo Reich. Logo em 1936, a
MP realizou sessões de divulgação de produções alemãs e italianas, numa das quais Nobre Guedes
se encarregou da apresentação:
Vamos ver agora a ressurreição da Itália, como acabamos de ver um quadro da
tragédia que a Alemanha viveu antes da subida de Hitler ao poder. O romance em que o pequeno “nazi” deu a vida na luta contra o comunismo, no alvorecer da Alemanha Nova, não anda longe da verdade. (...)
Os pequenos alemães, como os italianos, aprumados e graves, traduzem um estado de espírito nacional que eles têm a certeza firme de manter; formam uma barreira que os males do passado não conseguirão transpor. O nosso país não conheceu dias tão tristes como os que antecederam, na Alemanha e na Itália, a chegada de Hitler e de Mussolini. Mas sofreu também desordem social que teve a fase mais aguda em 1924 e 1925. E teríamos sido arrastados aos piores extremos se o exército português não tivesse reagido em 1926. Foi a sua reacção oportuna que nos salvou. Quis a Providência que o nosso Presidente do Conselho desse consciência ao movimento de força e criasse a doutrina em que apoiou a regeneração pátria.234
A cultura nacional-socialista também chegaria a alguns liceus, pela realização de cursos e
palestras sobre a “educação alemã”. No liceu Latino Coelho, em Lamego, por exemplo, a Oração
de Sapiência de 1 de Dezembro de 1938 versou sobre a “Educação alemã”, explorando as
similaridades entre as juventudes dos dois países.235
No ano seguinte, face ao crescendo da onda anti-germânica na opinião pública e, sobretudo,
nos meios católicos, o presidente do Grémio Luso-Alemão aconselhou os dirigentes da HJ a
restringir as actividades desenvolvidas com a MP. O plano de actividades elaborado pelos nacional-
232 “O sr. Lauterbacher, da Juventude Alemã, visitou oficialmente a «Mocidade Portuguesa»” in Jornal da M.P., n.º 8, Ano I, de 16 de Março de 1938, p.2. 233 “Estiveram em Lisboa alguns rapazes da 'Hitler Yuguend»” [sic] in Jornal da M.P., n.º 12, Ano I, de 15 de Maio de 1938, p.2 234 GUEDES, Francisco Nobre, Mocidade Portuguesa: alguns discursos e escritos do Primeiro Comissário Nacional 1936-1940, Imp. Libânio da Silva, Lisboa, 1940, pp. 31-32. 235 AHME, Relatórios dos Liceus. Caixa 7 - Relatório n.º 43 – Liceu Latino Coelho, ano lectivo de 1938-1939.
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socialistas para aquele ano (que incluía visitas da juventude hitleriana às instalações da Mocidade
Portuguesa, provas de vela, cursos especializados para filiados portugueses, entre outras) acabou
por ser anulado na sua quase totalidade.236 No início do ano, a Hitlerjugend formou ainda três
graduados na escola de Aviação Sem Motor de Grunau.237
Em Setembro de 1939, o Jornal da MP fez publicar a nota oficiosa que declarava a
neutralidade portuguesa perante o conflito mundial. A partir desta altura, reinou o silêncio sobre as
relações luso-alemãs de juventude e a Mocidade Portuguesa seguiu o caminho da cautela. O
acampamento internacional de organizações juvenis, agendado para o ano seguinte, durante as
comemorações dos centenários, nunca chegou a realizar-se.
Apesar do emudecimento geral em torno destes intercâmbios juvenis, o interesse pelo
funcionamento da juventude alemã manteve-se mesmo, e contra o que se poderia supor, para além
do início das hostilidades. Em 1942, em resultado de uma missão de estudo realizada para o
Instituto Nacional de Educação Física e com o apoio do IAC, Quintino da Costa publicou um
extenso e detalhado relatório sobre a juventude na “Alemanha em Guerra”. Enjeitando decalques
daquela organização para a juventude portuguesa, o oficial admitiu no entanto que aquela visita
permitia a (...) correcção duns tantos erros aconselhada pela experiência estrangeira e que
devemos respeitar pelo maior caminho que já andaram. 238
3.2.3. Avanços e recuos – linhas de força em confronto
3.2.3.1. A Igreja Católica na educação moral da juventude
De um modo geral, a institucionalização do Estado Novo foi bem recebida pelas elites
católicas, que encontraram no recente regime motivos de confiança política. Um desses sinais
residia no facto de o chefe do governo, Oliveira Salazar, ser um antigo dirigente do Centro Católico.
Visto à partida como líder católico, Salazar assumiria um discurso inicial de aparente independência
da Igreja mas que em rigor acabaria por se revelar numa estreita articulação de interesses entre o
Estado e a instituição eclesiástica. Em todo o caso, aquela presença oferecia (...) garantias de vir a
resolver as pretensões católicas em matéria de política religiosa e em matéria de política social, 239
que a I República tinha negado. No quadro do associativismo político, os receios dos mais
236 Simon Kuin, op.cit., pp. 572-573. 237 Arquivo Histórico do Instituto Camões. Mocidade Portuguesa. 1289/5. Relatório de 14 de Janeiro de 1939, timbrado pela Escola Central de Graduados da ONMP, apresentado ao Instituto para a Alta Cultura. 238 Cf. COSTA, Quintino da, Missão de Estudo na Alemanha em Guerra, Separata do “Boletim do Instituto Nacional de Educação Física”, Lisboa, 1943. Na introdução a este relatório, Quintino da Costa, que então viajara à Alemanha em nome do INEF, sublinhou: Este relatório, fruto da observação, poderá servir para correcção duns tantos erros aconselhada pela experiência estrangeira e que devemos respeitar pelo maior caminho que já andaram. Esta afirmação não representa de qualquer forma tolerância para com decalques que sempre condenámos. 239 CRUZ, Manuel Braga da, O Estado Novo e a Igreja Católica, Bizâncio- colecção “Torre de Babel”, Lisboa, 1999.
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apreensivos confirmaram-se pela desintegração do Centro Católico, na sequência da constituição da
União Nacional e da abolição dos partidos em 1933, e com a constituição da Acção Católica
Portuguesa (ACP)240, no mesmo ano. Os antigos membros do Centro aderiram então à UN ou à
recém-criada ACP, para a qual ficariam reservadas funções de carácter exclusivamente social.
Embora alguns católicos insistissem em preservar a sua autonomia, a maioria optou pelos novos
caminhos institucionais, constituindo um dos mais importantes pilares de apoio ao salazarismo.
Muitos deles participariam, por outro lado, nas críticas aos excessos do nacional-sindicalismo, no
contexto interno, e do fascismo italiano e alemão, no contexto internacional.
Estas críticas foram crescendo ao longo dos anos 30, sobretudo através das sucessivas
manifestações escritas comunicadas pelo jornal católico Novidades ou, também com alguma
frequência, no Diário da Manhã, órgão oficial do regime. Ali, precipitaram-se os ataques, primeiro
às “incoerências” de Mussolini e à (...) pretensão do enquadramento militar da juventude e da sua
educação exclusiva (...) ecoando assim as queixas da própria Igreja italiana, e depois ao paganismo
germânico, essa “rajada em marcha” cujas ruínas se fariam sentir em breve, atacando o racismo e o
cesarismo nazis.241 O discurso contra estas formas de “paganismo” e “estatolatria” também chegaria
à Mocidade Portuguesa desde a sua criação legal.
Na primeira reunião de dirigentes da Mocidade Portuguesa em 1937, Francisco Nobre
Guedes anunciou uma aparente colaboração harmoniosa entre a organização e a Igreja Católica,
assegurando ao clero espaço privilegiado na assistência religiosa dos seus filiados. Dizia então o
comissário nacional que o (...) Estado português não tem religião oficial, mas reconhece a religião
do seu povo. E neste sentido, declarou: A religião dos portugueses é a católica. Os pequenos
núcleos de outras religiões não têm volume que se considere. Embora portanto a “Mocidade
Portuguesa” admita indivíduos de outras religiões só prestará assistência católica aos seus
filiados.242 Este anúncio prévio não impediria, no entanto, a abertura de hostilidades entre a MP e a
Igreja, ou mais concretamente, o conflito de interesses quanto ao papel do Estado e da Igreja na
educação moral da juventude portuguesa. O impasse, protagonizado pelo cardeal Cerejeira do lado
eclesiástico, desenhou-se sobre diversas frentes, que podemos sintetizar em três pontos
fundamentais:
a) reacção da Igreja às relações de intercâmbio entre a Mocidade Portuguesa e as
juventudes alemãs;
b) ocupação indevida dos horários religiosos da juventude pelas actividades da MP;
240 A Acção Católica Portuguesa enquadrava-se num movimento de leigos mais largo, iniciado em 1922 por impulso do Para Pio XI. 241 Ibidem, p. 22 e sgs. 242 1.ª Reunião dos dirigentes (...) pp.8-9.
80
c) resistência à manutenção das organizações juvenis da Acção Católica, paralelamente à
Mocidade Portuguesa, cuja influência não se limitou ao espaço escolar.
As críticas ao regime nacional-socialista e contra a organização totalitária da sua juventude,
intensificadas com a chegada de Hitler ao poder, serviram de argumento comparativo ao que se ia
operando na Mocidade Portuguesa, insinuando-se o espírito arreligioso do movimento. A
declaração de intenções da organização, que prometia dar assistência católica aos filiados, suscitava
em si mesma o receio de uma eventual preponderância do Estado sobre a educação das
“consciências cristãs”. Nas páginas do Novidades eram cada vez mais frequentes as notícias sobre o
“Nazismo desvairado” e a perseguição às organizações da juventude católica alemã. O repúdio da
militarização feroz da Hitlerjugend e as críticas ao seu líder, atravessavam os artigos do jornal
católico: Os jovens que não conhecem nada da época anterior ao regime actual, adaptam-
se à nova ordem imposta por Hitler e seguem, cheios de esperança e de entusiasmo, o seu chefe Baldur Von Schirach.
Não é sem inquietação que se vê crescer esta jovem geração sedenta de heroísmo e de acção, ao mesmo tempo sonhadora e brutal, capaz de se exaltar em nome de um ideal que não escolheu. 243
A crise de desconfiança da Igreja agudizou-se sobretudo em 1938, à medida que assistiu à
persistência das relações entre a Mocidade e a Hitlerjugend. Numa carta datada de 27 de Maio,
enviada ao ministro Carneiro Pacheco, Cerejeira lamentou não poder (...) dar ainda um testemunho
público de absoluta confiança à Mocidade Portuguesa.244 Embora sem negar o papel do Estado na
importante obra de recristianização da juventude, o cardeal considerava-a ainda incompleta e
vulnerável. Convidado a participar nas festas comemorativas da MP e a celebrar a missa do
acampamento, Cerejeira recusou estar presente, manifestando-se dolorosamente surpreendido por
ser também prevista a presença de dirigentes da juventude hitleriana, (...) perseguidores da Igreja e
apóstatas de Cristo, os quais estão bem mais distantes do espírito católico que Baden Powell, por
exemplo, que é cristão.245 A viagem dos alemães a Lisboa acabaria por ser anulada, em sequência
da já longa pressão eclesiástica no sentido de conter a troca de cartões de visita entre a HJ e a MP.
A este propósito o prelado condenou ainda as recentes e (...) estranhas afirmações em favor do
estreitamento de relações (...) entre as duas juventudes, que além de transportarem perigo evidente
para a consciência católica da Mocidade Portuguesa, eram também pouco dignas (...) da altivez
nacional, sabido o inferior conceito que os alemães têm de nós, filhos (segundo eles) duma raça 243 Cf. “Nazismo desvairado. Um protesto do Cardeal Faulhaber contra a autoridade anti-católica dos Organismos oficiais das Juventudes nazis” in Novidades, n.º 12 700, de 11 de Fevereiro de 1936, p. 6 e “Nacional socialismo e educação” in Novidades, n.º 12 755, de 7 Abril de 1936, p.3. 244 Carta cedida pelo Cardeal Cerejeira a José Geraldes Freire e por ele publicada in FREIRE, José Geraldes, Resistência Católica ao Salazarismo-Marcelismo, Telos, Porto, 1976, pp. 207-208. 245 Ibidem, p. 208.
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inferior e negróide.246 Cerejeira inferiu daqui a urgência em assegurar à MP um verdadeiro espírito
católico, dependente, nas suas entrelinhas, do corte de relações com as juventudes fascistas e do
exclusivo eclesiástico na formação moral dos filiados.
A visita alemã ao acampamento de 28 de Maio acabaria mesmo por ser cancelada em
resultado da reacção da Igreja, num momento em que aumentava o tom anti-alemão nos círculos
católicos e na opinião pública em geral.247 Ao mesmo tempo que preparava as celebrações em
Lisboa, a Mocidade Portuguesa associou-se à peregrinação nacional em Fátima, onde Cerejeira
benzeu as bandeiras da organização, à margem dos “paganismos” que condenava.248
Aparentemente mal recebida por Carneiro Pacheco, a recusa do patriarca em celebrar a
missa campal da MP foi por ele novamente justificada, alguns meses mais tarde. Escreveu então ao
ministro: V. Ex.ª sabe bem como tenho procurado cooperar com o Estado, dentro da mais estreita
observância da minha esfera própria, para a paz e o bem da Nação. E esta cooperação com V.
Ex.ª, no domínio da educação cristã da Mocidade, tem sido franca, leal e amistosa. (...)249 E mais
uma vez identificou aquela ausência com a desaprovação dos termos em que a MP se desenvolvia.
Na mesma altura, Cerejeira voltou a denunciar o estatismo totalitário que se praticava em Itália e na
Alemanha, ao falar ao clero sobre “Acção Católica e Política”, suscitando mesmo protestos oficiais
dos embaixadores dos dois países.250 Em carta de Novembro de 1938, o cardeal respondeu ao
representante diplomático alemão que a sua intervenção glosava apenas (...) os Prelados alemães
cujo amor à Alemanha não é de duvidar. Fi-lo no meu dever de Prelado, prevenindo os espíritos
contra ideias que considero condenáveis à luz da Fé católica, que me cumpre esclarecer. E nesse
domínio não poderei mesmo prometer-lhe não voltar a fazê-lo.251 Esta preocupação, personificada
por Gonçalves Cerejeira, era aliás sublinhada por todo o clero português. Ainda neste ano, a
Pastoral colectiva da Páscoa convidou (...) os católicos a orar para que a juventude portuguesa se
não deixasse seduzir pelas propostas do culto do estado, do culto do chefe, do culto da disciplina
sem liberdade, do culto da força física, da violência e da guerra, numa clara alusão ao nazismo
alemão e ao fascismo italiano.252 Este género de manifestações surtiu um desgaste progressivo no
discurso totalizante da Mocidade Portuguesa, embora merecessem, em tentativa de desmistificação,
a ironia de Nobre Guedes, quando se dirigiu ao Congresso de 1939, em defesa da organização: Não
têm V. Ex.as conhecimento (...) de boas almas atemorizadas com o nosso paganismo (...)?
246 Ibidem, p. 208. 247 No espaço diplomático alemão era já conhecido esta (...) crescente renitência no seio do próprio regime português quanto ao intercâmbio entre a Mocidade Portuguesa e a Hitlerjugend. Cf. Simon Kuin, op. cit., p. 572. 248 “A peregrinação nacional a Fátima” in Jornal da M.P., n.º 13, Ano I, de 28 de Maio de 1938, p.2. 249 Carta, sem data (c. 1938), cedida pelo cardeal Cerejeira a Geraldes Freire, op. cit., p. 209. 250 Cf. Manuel Braga da Cruz, op. cit., p. 28. 251AOS/CO/NE-29. Cópia da carta de 18 de Novembro de 1938, enviada pelo Cardeal Cerejeira ao ministro da Alemanha em Portugal. Tradução nossa do original em francês. 252 Cf. Manuel Braga da Cruz, op. cit., p.44.
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Assegurava por isso: A «M.P.» visa à formação do português. Quer elevá-lo na sua fé em Deus,
sem o que não pode entender-se em toda a sua beleza espiritual, o amor pela Pátria até ao
sacrifício completo, nem o amor do próximo, base da unidade social que defendemos.253
Mas a inquietação católica em torno da educação da juventude ficou a dever-se também à
sobreposição de horários entre as actividades Igreja e da organização. Os tempos ocupados pela MP
eram uma constante provocação ao devido cumprimento das tarefas religiosas pelos filiados, uma
vez que, frequentemente, a instrução tinha lugar ao domingo de manhã. Esta usurpação do espaço
semanal, tradicionalmente conferido à Igreja, foi acrescentada pelo cardeal patriarca à lista de
reclamações eclesiásticas.
Na carta que enviou ao ministro Carneiro Pacheco, em meados de 1938, Cerejeira acusou
abertamente o Estado de monopólio sobre os horários e competências educativas religiosas na
Mocidade Portuguesa, que deviam caber exclusivamente à Igreja. Endurecendo a crítica ao carácter
obrigatório da organização, factor de concorrência directa com os espaços juvenis da Acção
Católica, o cardeal verificava ainda que (...) se a Mocidade Portuguesa professa o princípio basilar
de que deve formar os seus filiados segundo as regras da doutrina e da moral católicas, até agora
este princípio ainda não foi traduzido eficazmente na prática. Em causa estava a ocupação das
horas de serviço religioso pelas actividades da MP: Não só muitas vezes sucede que os filiados são,
de facto, impedidos de cumprirem os seus deveres religiosos, sendo chamados a exercícios
marcados em horas incompatíveis com eles, mas também falta ainda à Mocidade Portuguesa, a
assistência eclesiástica indispensável à formação cristã dos seus filiados. 254 Retomando a retórica
anti-totalitária, Cerejeira recordou ao ministro que a Igreja era insubstituível na missão educadora
das consciências e uma recusa do Estado em aceitar aquela cooperação traduzia-se em (...) coisa
directamente anticatólica, alguma coisa de equivalente a pretender celebrar os mistérios cristãos.
E impedir praticamente de cumprir os preceitos dominicais, é obra de opressão das consciências.
O patriarca aproveitou o balanço de ataque para estabelecer a tradicional comparação: As duas
coisas fá-las sistematicamente a Alemanha pagã! 255 Diferente era já o caso italiano, que (...) apesar
do vício original do seu totalitarismo de origem pagã, providenciou clara e lealmente desde o
princípio, estabelecendo que os exercícios não começassem ao domingo antes das 10 horas e
quando houvesse acampamentos, se assegurasse Missa no campo. O segundo exemplo servia de
sugestão, contra o cristianismo de fachada e sem Igreja que ainda se vivia em Portugal.
253 Discurso da sessão de abertura do I Congresso da Mocidade Portuguesa, pelo comissário nacional, Francisco Nobre Guedes, in I Congresso da Organização Nacional Mocidade Portuguesa Realizado em Lisboa de 21 a 28 de Maio de 1939. Discursos, Teses, Discussões e Conclusões, Editorial Império, Lisboa, p.26. 254 Carta, sem data (c. 1938), cedida pelo cardeal Cerejeira a Geraldes Freire, op. cit., pp. 210-211. 255 Ibidem, p. 211.
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A sobreposição destes horários chegou ainda ao Congresso da MP, em 1939, pela voz de
Durão Ferreira, à data vogal do Conselho Técnico. Ferreira sublinhou ali a necessidade de transferir
as actividades da organização para os sábados (como aliás, segundo observou, se praticava na
Alemanha e em Itália), de forma a libertar o domingo para as ocupações religiosas. No entanto,
admitiu também que os instrutores da MP sentiam esta medida como um estrangulamento do
próprio espaço de actividades: nas escolas primárias e secundárias, onde os professores barravam
muitas vezes este horário, ao sobrepor-lhe tempos lectivos, enquanto os escassos centros extra-
escolares tinham por óbice principal a actividade profissional dos filiados, impedidos de aí
comparecer fora das manhãs de domingo.256 Como veremos, este triângulo de conflitos só seria
definitivamente regularizado, internamente, em Janeiro de 1941.
Pouco antes da publicação do regimento da JNE, que em Maio de 1936 lançou a MP no
esteio da educação nacional, o cardeal Cerejeira apressou um discurso de equilíbrio entre a apologia
da “grande obra” estatal que a organização representava e o papel impreterível da intervenção
católica na formação moral da juventude. Lembrando, porém, que a (...) situação da Igreja não foi
até agora resolvida por acordo franco e completo (...)257, não escondeu as reservas daquele
patriarcado face aos apetites totalizantes do regime em matéria educativa. Porque a missão de
natureza moral e religiosa pertencia à Igreja e não ao Estado, o cardeal receava que este segundo
quisesse assumir-se como seu único missionário. E, insinuando que o regime podia ceder a
tentações teocráticas, recordou o perigo que decorria dos Estados totalitários (...) que querem para
si, não só o poder temporal, mas também o espiritual, como acontecia em Itália e na Alemanha. Daí
a necessidade de mais do que nunca, conservar as organizações da Acção Católica, escudo anti-
comunista e arma de doutrinação religiosa. Em causa estava o triunfo da ACP sobre as almas
juvenis, numa época tão determinante em que: A juventude intelectual está desarmada por falta de
ideal e a operária não tem patrões que cuidem da sua elevação material e moral.258
Ao mesmo tempo que o comissário nacional alimentava estes receios através de respostas
sarcásticas e sempre escorregadias, refugiando-se no argumento da “incompreensão pela obra” em
construção, o também dirigente Marcelo Caetano partiu em defesa da articulação entre a MP e as
juventudes católicas. Numa conferência proferida em Maio de 1937, aos estudantes católicos do
Porto, sobre “A educação cristã da juventude e a nova concepção do Estado”, Caetano assegurou 256 Quanto aos primeiros, Durão Ferreira aludiu às (...) dificuldades que os dirigentes têm para dar instrução, por motivo dos obstáculos que lhes são postos pelos directores e professores de escolas secundárias e primárias. Referir-se-ia mesmo a casos de inimizade à organização que teriam levado alguns dirigentes ao seu abandono. Quanto aos segundos, o congressista afirmava conhecer exemplos de (...) patrões que expulsaram rapazes das suas oficinas unicamente por eles terem ido à instrução dos Centros extra-escolares. I Congresso (...) pp. 122 e 194. 257 Discurso do Cardeal Gonçalves Cerejeira aos assistentes eclesiásticos diocesanos da ACP, “segundo as notas tomadas pelas «Novidades» de 13 de Maio de 1936 in CEREJEIRA, Manuel Gonçalves, Obras Pastorais, vol .II 1936-1943, União Gráfica, Lisboa, p. 29. 258 Ibidem, p. 30.
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que a ética cristã do Estado Novo fixada pelo texto constitucional, não impedia que (...) os católicos
prossigam na sua obra de organização e doutrinação da juventude. E afastando essa ética do
Estado de apetites totalitários, concluiu: Nem hostilidade dos católicos contra a obra educativa
oficial, nem hostilidade do Estado contra a acção docente da Igreja – eis a fórmula necessária! 259
A Acção Católica Portuguesa, remetida para um tipo de intervenção fundamentalmente
social, lançou-se na “reconquista cristã da sociedade” desde a sua constituição. A partir de 1934,
deu início à constituição de organismos específicos, e com estatutos próprios, que contemplavam
diferentes camadas sociais e áreas profissionais. Foi o caso da Liga da Acção Católica Feminina, a
Liga dos Homens da Acção Católica ou a Associação dos Médicos Católicos Portugueses, entre
muitos outros. A par destes movimentos concretos, também a juventude mereceu organizações
próprias: entre 1934 e 1935, nasceram as juventudes escolares (JEC), das juventudes operárias
(JOC), das juventudes universitárias (JUC) ou das juventude agrárias (JAC), divididas por sexo e
idades.260 Muitos destes movimentos aproveitaram organizações anteriores, permitindo uma
intervenção mais profunda do catolicismo no tecido social. A entrada efectiva da MP nas estruturas
escolares e as sucessivas tentativas de agregar sob sua tutela toda a juventude não estudante resultou
também na ameaça aos organismos da ACP, não surpreendendo por isso as frequentes intervenções
do cardeal Cerejeira pela sua conservação. No sentido contrário, as organizações de juventude
dependentes da Acção Católica constituíam um óbice para o projecto de enquadramento totalizante
da MP, a par dos movimentos escutistas e de tantos outros associativismos.
Solução concordatária
As esperanças alimentadas pelos círculos católicos com a chegada de Salazar ao poder
levaram alguns daqueles sectores a avançar, desde o início da década de 30, a hipótese de
concordatar as relações entre o Estado e a Igreja. Entre as prerrogativas que lhe tinham sido
retiradas em 1910, e que o clero pretendia recuperar, salientava-se o reconhecimento da
personalidade jurídica da instituição eclesiástica e o direito à administração do seu património,
embora sem enunciar a restituição dos bens anteriormente expropriados. O processo de negociação
de uma concordata entre a Santa Sé e o Estado português, iniciado (embora com várias hesitações)
logo em 1929, só teria expressão mais concreta a partir de 1937, altura em que foi constituído para o
efeito um grupo de trabalho chefiado pelo futuro ministro da Educação Nacional, Mário de
Figueiredo. Ao longo de três anos de discussão, um dos pontos fundamentais a acordar prendeu-se
com o papel da Igreja no domínio da educação, procurando garantir-lhe presença no ensino público
259 “A educação cristã da juventude e a nova concepção do Estado” in Diário da Manhã, n.º 2172, de 9 de Maio de 1937, p. 3. 260 Cf. REZOLA, Maria Inácia, O Sindicalismo Católico no Estado Novo (1931-1948), Ed. Estampa, Lisboa, 1999, pp.76-77.
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e privado e assegurar a educação religiosa da juventude. Em 7 de Maio de 1940, foi finalmente
assinado em Roma o acordo entre o Estado português e a Santa Sé, inaugurando um ciclo de
separação de competências que entregou à Igreja um papel exclusivamente social. Esta “separação
concordatada” estava, porém, em harmonia com os fins da revolução nacional. Segundo Braga da
Cruz: Satisfazia-se, com a assinatura da Concordata, uma das maiores reivindicações que trazia os
católicos empenhados havia um século: a resolução da questão religiosa. Resolução essa que não
esteve a contento absoluto dos católicos mas que (...) apaziguava as relações da Igreja com o
Estado e saldava um longo esforço recíproco para instituir uma mútua colaboração moral, na
independência, porém, das respectivas esferas. 262 Colaboração esta que, na verdade, e ao contrário
do que afirmou Braga da Cruz, iria muito para além do plano moral, ao articular-se afinal num
programa ideológico comum.
As inquietações levantadas com a constituição da Mocidade Portuguesa encontraram
solução parcial nas cláusulas propostas pela Santa Sé. O texto final viria a reconhecer a
personalidade jurídica da Igreja, garantindo-lhe ainda a liberdade de organização e direitos de
propriedade. Às conquistas da Santa Sé foi também somado o reconhecimento do casamento
católico, em cujo quadro específico foi abolido o divórcio, e a orientação católica do ensino público,
regulamentando a religião e moral ministrada nas escolas.263 Mais vago, mas decisivo, era o 19.º
artigo do documento, pelo qual o Estado se comprometeu a possibilitar o cumprimento do serviço
religioso aos membros católicos das suas organizações, aos domingos e dias festivos. Em Janeiro do
ano seguinte, sob este apelo concordatário e por directiva de Marcelo Caetano, foi tornado
obrigatório a todos os escalões que a instrução da Mocidade Portuguesa se realizasse ao sábado,
dispondo-se ainda que: Quando seja indispensável haver instrução ao domingo deverá
providenciar-se no sentido de a todos os filiados ser permitido o cumprimento dos deveres
religiosos. Não havendo missa campal no próprio local da instrução esta nunca deve, aos
domingos e dias santos, começar antes das 10 horas da manhã. Em caso de infracção habitual das
ordens do Comissariado, as actividades do centro transgressor seriam suspensas.264
O sector juvenil da Acção Católica também assegurou a sobrevivência através deste acordo,
coexistindo com a MP dentro da escola e fora dela, no mundo “extra-escolar”. Esta coexistência não
262 Manuel Braga da Cruz, op. cit., pp.45-46. 263 O texto integral do acordo pode consultar-se em Concordata e Acordo Missionário entre a Santa Sé e a República Portuguesa assinados a 7 de Maio de 1940, Ed. “União Gráfica”, Lisboa, 1940. Sobre as relações entre Estado e Vaticano, nos casos concretos das Concordatas italiana, portuguesa e espanhola, veja-se o estudo de Rita Almeida de Carvalho, "A Política Concordatária de Pio XI e Pio XII: As Concordatas Italiana, Portuguesa e Espanhola", in MARTINS, Fernando (ed.), Diplomacia e Guerra. Política Externa e Política de Defesa em Portugal do Final da Monarquia ao Marcelismo. Actas do I Ciclo de Conferências, Lisboa, Ed. Colibri/CIDEHUS-UE, 2001, pp. 119-136 264 Ordem de Serviço n.º 8 (1940-1941), publicada no Boletim Mensal do Comissariado Nacional, n.º 4, vol. I, Lisboa, Fevereiro de 1941, p. 176.
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parece ter-se traduzido em concorrência, pelo menos até finais da segunda Guerra Mundial. Na
verdade, a JEC funcionava paralelamente às actividades da Mocidade mas em estrita educação
moral e religiosa. No liceu provincial Gonçalo Velho, em Viana do Castelo, as sessões da juventude
escolar eram conduzidas pelo director-adjunto do centro da MP, centro esse que mantinha o (...)
mesmo entusiasmo da primeira hora. O relatório de actividades do ano lectivo de 1942-1943,
mencionava, a propósito da actividade “jecista”: Nunca se tocou qualquer assunto de carácter
político ou relativo à vida interna do Liceu. Os estudantes eram orientados no sentido do
cumprimento dos seus deveres familiares, escolares e sociais. O total de aderentes reunia, aliás, um
número insignificante de alunos, comparativamente à Mocidade Portuguesa, que no fim do ano
contava 57 filiados. Segundo o mesmo relatório, faziam parte da JEC cerca de 15 alunos mas (...) às
reuniões comparecia meia dúzia dos mais dedicados.265
Embora os princípios concordatados oferecessem à Igreja lugar privilegiado no campo da
formação moral da juventude, esse espaço não foi tão ocupado no seio da organização como se
poderia imaginar à partida. Era, afinal, mais determinante assegurar a educação moral fora do
campo de actuação da Mocidade Portuguesa, através da escola e do serviço religioso dominical, do
que duplicá-lo dentro do organismo.266 Por outro lado as autoridades eclesiásticas tinham o maior
interesse em garantir representatividade directiva nos quadros da MP, numa fórmula de segurança
para os interesses católicos: vigiar o comportamento moral da organização por dentro e assegurar a
verdadeira formação católica dos filiados por fora. Além disso, como seria observado no Congresso
de 1939, faltavam párocos suficientes que suprissem as necessidades da organização, o que por si
só justificava a opção por um papel fiscalizador da educação moral dada pela MP em vez da acção
interventiva directa.267
Se no friso cronológico referente ao processo de implantação, e posterior transformação da
MP entre 1936 e 1944/45, podemos identificar as principais rupturas operadoras dessa mudança no
265 AHME, Relatórios dos Liceus. Caixa 16 - Relatório n.º 105 – Liceu Provincial Gonçalo Velho, ano lectivo de 1942-1943. 266 Luís Viana confirma esta ausência da educação moral nos horários da MP, defendendo: (...) estamos convictos que a Moral não teve (formalmente), nos dias e nas horas à MP dedicados, o espaço que o discurso oficial pressupunha legítimo esperar (...). Entre as razões que estariam na origem desta realidade contam-se motivações de natureza prática (...) pois havendo uma identificação (quase total) entre a Moral Cristã e a Moral da MP (...), desnecessário parecia que a Igreja estivesse a despender de mais tempo dos seus servidores relativamente a um público sobre o qual tinham a hipótese de exercer a sua influência em horário exclusivo. Luís Viana, op.cit., p.161. 267 Segundo o engenheiro Melo e Castro (director do centro de Instrução da Ala 2 da Beira Baixa), embora a educação religiosa devesse ser entregue ao pároco, muitos deles tinham (...) três, quatro, cinco e seis freguesias onde vão dizer missa apenas um dia por semana. Julgava por isso não se poder (...) confiar essa educação exclusivamente à Igreja, porque ela não tem actualmente o número necessário de ministros. Portanto, havendo educação fora da escola feita pelos párocos, poder-se-á, assim, conseguir uma educação e uma formação mais latas. Propunha, por isso, que esta educação se fizesse também pela escola, em particular no ensino primário, através do professor. Cf. Intervenção do engenheiro Melo e Castro na 2.ª Secção do Congresso da Mocidade Portuguesa – “Educação Moral da Juventude”, a 23 de Maio de 1939. I Congresso (...), p. 112.
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ano de 1939, elas devem-se, em parte, à crescente influência da Igreja no interior da organização. E,
como veremos, esta transição foi formalmente assinalada pelo I Congresso da MP, antes mesmo da
Concordata, projectando algumas “conquistas” do sector eclesiástico no interior da Mocidade
Portuguesa, em particular no campo da acção moral e social a desenvolver nos anos seguintes.
3.2.3.2. Escutismo A MP não receou menos o movimento escutista do que as organizações juvenis da Acção
Católica, embora Nobre Guedes pretendesse ridicularizar este modelo de associação, reduzindo-o a
(...) meia dúzia de escutas (...) capazes de cozinhar um jantarinho frugal, e procurando subtrair-lhe
qualquer tipo de valor formativo.268
Se o escutismo não católico (AEP), assinalou algumas resistências ao dirigismo da
Mocidade Portuguesa, o CNE, por seu turno, constituiu mais um trunfo de peso para a Igreja
Católica que, juntamente com as organizações da ACP, contribuiu para enfraquecer a unidade da
MP. Embora pressionado nesse sentido, o cardeal Cerejeira recusaria dissolver o Corpo Nacional de
Escutas em favor da Mocidade Portuguesa, justificando a Carneiro Pacheco: Já uma vez disse a V.
Ex.ª que interessavam menos os «Escuteiros Católicos» que o princípio da liberdade de associação.
Se o Estado Novo não é totalitário neste departamento da educação nacional, deve-se em grande
parte à possibilidade de existência de associações particulares que não contrariam o bem público.
E, não escondendo algum sarcasmo, concluiria: A existência dos Escuteiros parece-me a mim que
ainda interessa mais ao estado que à Igreja. É uma demonstração de que o Estado Português
reconhece a justa liberdade individual.269 Denunciando as constantes tentativas do governo em
desintegrar o movimento, Cerejeira reconhecia ser cada vez mais difícil conservá-lo. Mas a vaga
presença da formação religiosa que ainda imperava na Mocidade Portuguesa levaria o prelado a
concluir: (...) a terem os Escuteiros de espontaneamente se dissolverem, seria preciso que a
Mocidade Portuguesa desse aos seus filiados a formação católica que (...) ainda não dá para, de
algum modo, justificar o sacrifício. Mas o CNE não seria moeda de troca fácil: Não quero dizer
que, depois disso, devam desaparecer; digo que, sem isso, não deveriam desaparecer.270 De facto,
o escutismo não desapareceu, mas a sua presença só voltou a fazer-se notar em 1942, quando a
existência do associativismo juvenil passou a depender da vontade da Mocidade Portuguesa e com
ela a cooperação forçada.
268 AOS/CD-2, Carta de 31 de Dezembro de 1938, enviada por Francisco Nobre Guedes a Oliveira Salazar. 269 Carta, sem data (c. 1938), cedida pelo cardeal Cerejeira a Geraldes Freire, op. cit., p. 212. 270 Ibidem, p. 212.
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3.2.3.3. MP e o Exército
Ao referir-se, na primeira reunião de dirigentes em 1937, ao apoio seguro prestado pela
força das armas à força do Direito, o comissário nacional Nobre Guedes exaltou o Exército como
principal benemérito do ressurgimento nacional e autor do corte com o passado republicano, como
uma força de que a Nação precisa. Lembrava ainda: Se o nosso Exército, desprovido de todos os
recursos materiais, desprestigiado por todos os processos de corrupção política, não tivesse
mantido as suas virtudes morais (...) não teria sacudido o País em 1926, não o teria despertado
para uma vida nova. 271 No entanto, se as virtudes militares serviam de exemplo ao comissário
nacional para a formação juventude, já a presença institucional do exército na MP não foi aceite de
forma tão pacífica. A Nobre Guedes, na verdade, parecia interessar mais a produção de um corpo de
elite exterior à tutela militar do que fornecer ao exército uma jovem unidade soldadesca.
Como verificou Medeiros Ferreira, a história dos militares entre 1933 e 1939 correspondeu
ao período da sua progressiva subordinação ao regime. Ao protagonismo do golpe militar em 1926
e à indefinição do papel das forças armadas no plano governativo até 1933, seguiu-se a “hora de
regresso aos quartéis”.272 Esta dominação das forças militares tornou-se mais evidente a partir de
Maio de 1936, quando Salazar ocupou a pasta da Guerra, substituindo o coronel Passos e Sousa. No
ano X da revolução nacional, o Presidente do Conselho dava assim por encerrada uma série de
instabilidades sentidas nos círculos militares, muitos deles animados pela expectativa de uma maior
participação governativa. Conquistando a obediência política273 das forças armadas, para o que
aproveitou os ventos da Guerra Civil de Espanha, Salazar passou a controlar efectivamente o
exército a partir da reforma administrativa da instituição em Setembro de 1937. Para além disso,
como se verificou, a criação da Mocidade e da Legião Portuguesa também se deveu, em parte, a
este processo de domínio salazarista sobre as forças militares.
Quando o projecto de lei que daria lugar à reforma do Ministério da Instrução Pública foi
levado à discussão na Assembleia Nacional, em Fevereiro de 1936, o espaço concedido à formação
pré-militar era reconhecido no preâmbulo do diploma mas não vinha ainda clarificado na definição
de base constituinte da Mocidade Portuguesa. Em rigor, a base XI do decreto apresentado,
considerava dar (...) à mocidade portuguesa uma organização nacional e activa que estimule o
desenvolvimento integral da sua capacidade física, a formação do carácter e a devoção da
Pátria,274 omitindo a referência à formação pré-militar e, nesse sentido, a possível cooperação com
o ministério da Guerra. O facto mereceu reparo do general Schiappa de Azevedo, oriundo da ala
271 1.ª Reunião dos dirigentes (...) p. 12. 272 Cf. José Medeiros Ferreira, op.cit., p.175 e sgs. 273 A expressão é de Medeiros Ferreira, Ibidem, p.189. 274 Proposta de lei de reforma do Ministério da Instrução Pública, apresentada na sessão n.º 64 da Assembleia Nacional a 29 de Janeiro de 1936. Diário das Sessões da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa, n.º 68, de 30 de Janeiro de 1936, p. 296.
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conservadora republicana que, na qualidade de oficial do exército, considerava de toda a
conveniência que na mesma base figurasse a “educação pré-militar”.275 Na sessão seguinte, o
deputado Vasco Borges apresentou uma moção no mesmo sentido, ao considerar que o domínio da
educação da juventude exigia (...) uma verdadeira conjugação de esforços entre dois Ministérios –
o da Guerra e o da Instrução Pública.276 A proposta de aditamento sugeria então que, onde se lia
activa, pudesse ler-se pré-militar. Aos argumentos em favor desta cooperação, Schiappa de
Azevedo acrescentaria a necessidade de realizar a preparação militar a partir da idade escolar,
considerando que os (...) orçamentos dos diferentes Estados não podem comportar o excesso de
despesa que acarreta a instrução dos contingentes que são chamados ao serviço. E por conclusão:
É necessário que essa preparação se faça já na escola, com a vantagem de essa educação, embora
rudimentar e feita brandamente sobre a criança, ser feita na idade própria para absorver certos
princípios.277 Mais diria que a preparação dos quadros milicianos, cujos níveis de instrução eram
muitas vezes insuficientes, devia ser providenciada a partir dos liceus. Garantia-se deste modo a
formação de “óptimos sargentos milicianos” que, a prosseguirem os cursos de oficiais, também
apresentariam a melhor das formações. O aperto orçamental do exército seria assim solucionado
parcialmente através da futura Mocidade Portuguesa. A moção foi aprovada na mesma sessão,
inaugurando oficialmente a presença militar no seio da organização.
Quando foi publicada a lei de recrutamento militar, em Setembro de 1937278, confirmou-se
esta colaboração inter-ministerial na preparação militar da juventude. O primeiro grau de formação,
entre os sete e dezoito anos, seria (...) confiado à organização nacional Mocidade Portuguesa, sob
a direcção do Ministério da Educação Nacional, em ligação com o Ministério da Guerra.279 A
partir daquela idade, dividindo terreno com a Legião Portuguesa, cabia à organização de juventude
a instrução pré-militar dos estudantes, deixando à primeira os restantes indivíduos, numa mesma
articulação de esforços. Legião e Milícia da Mocidade, integravam assim corpos militarizados de
terra submetidas ao Ministério da Guerra em caso de mobilização urgente.280
Embora o papel dos militares, como instrutores e dirigentes da MP, fosse inequívoco, a
mesma lei de recrutamento irritou as expectativas da organização quanto ao acesso dos seus cadetes
à Escola do Exército. O recrutamento de oficiais abria preferência aos candidatos oriundos do
Colégio Militar, só depois admitindo o ingresso de elementos (...) provenientes de outras escolas
275 Intervenção de Schiappa de Azevedo na sessão n.º 72 da Assembleia Nacional, a 10 de Fevereiro de 1936. Diário das Sessões (...), n.º 76, de 11 de Fevereiro de 1936, p. 450. 276 Intervenção de Vasco Borges na sessão n.º 73 da Assembleia Nacional, a 11 de Fevereiro de 1936. Diário das Sessões (...), n.º 77, de 12 de Fevereiro de 1936, p. 477. 277 Intervenção de Schiappa de Azevedo, Idem, p. 477. 278 Lei n.º 1 961 publicada no Diário do Governo, I Série, n.º 204, de 1 de Setembro de 1937. 279 Ibidem. 280 Lei n.º 1 960, de reorganização do exército, publicada no Diário do Governo, I Série, n.º 204, de 1 de Setembro de 1937.
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que não tenham sido excluídos daquele. Para não sobrarem dúvidas, o diploma especificava: O
Colégio Militar constituirá a principal base de recrutamento da Escola do Exército (...)281,
relegando para segundo plano a entrada de filiados preparados pela Mocidade Portuguesa. As
instituições educativas tuteladas pela pasta da Guerra serviriam mesmo de demarcação aos limites
da MP, a cuja entrada ergueu barreiras. Para lá dos muros do Colégio Militar e do Instituto dos
Pupilos do Exército, vigoravam as regras de um único ministério, que neste ponto se mostraria
menos interessado nos fins do organismo estatal. O impasse, como veremos, foi retomado no
Congresso de 1939, chegando a uma solução de compromisso que pouco forçou cedências à
instituição militar.
A ala castrense da Mocidade Portuguesa também protagonizou uma parte importante do
conflito dos dias santos, aceso logo em 1937. Em Novembro desse ano, Humberto Delgado chegou
a sugerir ao ministro Carneiro Pacheco que se alterassem as bases legais por que se regia a MP, de
forma a solucionar a “questão religiosa” da organização. Interpretando claramente as reticências do
exército quanto à progressiva tomada de controlo católica sobre o movimento, Delgado criticou o
silêncio a que fora votada a opinião militar na elaboração do regulamento do ano anterior,
declarando amargamente: (...) logo eu notei que se fosse eu – acaso ministro – a assinar tal
documento ele não sairia, na parte que se refere à questão religiosa, tal como V. Ex.ª o fez
publicar. 282 Mergulhado num tom satírico mas com uma inquietação palpável, o comissário
adjunto acusou as organizações católicas de retirar o quorum de filiados devido à Mocidade
Portuguesa e de, consequentemente, boicotar as respectivas actividades. Aludindo à intervenção do
professor Leonel Ribeiro na primeira reunião de dirigentes, que ali apontara a necessidade de
ajustar os relógios para a formação religiosa dos filiados, Delgado ironizou: Em mim, e em mais
alguém, ficou a impressão vaga que o Snr. Dr. Leonel Ribeiro tem talvez a ideia de que a M.P.
apesar de admitir indivíduos de todas as religiões, tal como dá ginástica e rudimentos de táctica de
Infantaria a todos os filiados, criará, mais dia, menos dia, um horário para estes irem à missa,
outro para irem à confissão, etc., debaixo de forma (...) e sob vozes militares de comando como vão
para aquelas instruções de ginástica ou de táctica. E, a propósito do diferencial de importâncias
entre os sectores militar e eclesiástico no seio da MP, o CN adjunto julgava impensável (...) que
esses oficiais amanhã se vissem diminuídos nas suas funções, até no seu prestígio, em beneficio de
outra classe, muito digna de apreço sem dúvida, mas cujo papel dentro da M.P. por força, em
minha opinião, não deve ser o principal e pelo contrário deve ser condicionado. 283 Sugeriu por
281 Lei n.º 1 961 (...) 282 ANTT/ Arquivo Humberto Delgado, Mocidade Portuguesa de Portalegre. HD/AMD/01/Cx34. Projecto de relatório, com nota do punho de Humberto Delgado, indicando: Escrito em 25-X-1937. Dactilografado e enviado a Sua Ex.ª o Ministro em 21-XI-37. 283 Ibidem.
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isso que por, novas disposições regulamentares, nenhum filiado perdesse regalias por não professar
a fé católica, vincando bem que não constasse qualquer tempo especial para a formação religiosa
Entre os motivos que levaram à proposta do comissário adjunto para o cerceamento da acção
eclesiástica, esteve o relato de João Augusto de Noronha Dias de Carvalho, sub-delegado de Vendas
Novas, sobre as dificuldades de implantação da MP na região. A propósito da inauguração conjunta
de um núcleo da Mocidade e uma escola primária em Cabrelas (próxima de Évora), o dirigente
sentiu como afronta que (...) a sessão encerrasse com o hino das Juventudes ignoro se jacs, jics ou
jocs, dirigido por um sacerdote. 284 Alertava ainda: Nesta Vila difícil será a Mocidade Portuguesa
trilhar caminho seu. A organização das Juventudes Católicas como em várias localidades do País
está lançada e tem o seu hino próprio.
Como este depoimento, chegaram ao gabinete do comissário-adjunto muitos outros de todo
o Alto Alentejo, neste caso referindo-se a pressões de algumas escolas sobre os alunos não católicos
para que frequentassem a Igreja. A delegação provincial, essencialmente secundada por militares,
colocava assim em causa o §2.º do art. 1.º do Regulamento, segundo o qual a MP devia cultivar (...)
nos seus filiados a educação cristã tradicional do país (...) não admitindo (...) nas suas fileiras um
indivíduo sem religião.285 Dias de Carvalho desaconselhava este tipo de imposição do catolicismo
na região alentejana (...) onde qualquer medida desacertada poderá dar origem a reacções
escusadas e conclusões prejudiciais aos verdadeiros fins da Revolução Nacional.286 O sub-
delegado regional de Portalegre, tenente Serpa Soares chegou mesmo a propor a Humberto Delgado
uma solução mais radical quanto à presença católica na Mocidade, sugerindo (...) a supressão de
tudo quanto se refira a religião; é permitido a todo e qualquer professor qualquer religião, sendo-
lhe simultaneamente vedado induzir alguém a seguir o seu caminho.287
No entanto, no capítulo religioso, a guerra foi perdida em pouco tempo pelos militares,
lentamente arredados da direcção central da MP, para assegurar apenas o comando da Escola
Central de Graduados e da Milícia. Na verdade, com a acumulação da pasta da Guerra por Salazar e
à medida que convergiam num mesmo sentido as relações entre o Estado e a Igreja, a subordinação
do Exército ao regime estava de facto consumada. E, a assinalar a prevalência da vontade
eclesiástica, estaria o artigo 4.º da Concordata de 1940. Por esta disposição, foi permitido ao clero
284 Idem. Anexo I ao relatório supracitado, de 24 de Novembro de 1937 – notas de João Augusto de Noronha Dias de Carvalho - Sub-Delegado da MP de Vendas Novas, esclarecendo os acontecimentos referidos no mesmo relatório. O dirigente pretendia referir-se às: Juventude Agrária Católica (JAOC), Juventude Independente Católica (JIC) e Juventude Operária Católica (JOC). 285 Decreto n.º 27 301 publicado no Diário do Governo, I Série, n.º 284, de 4 de Dezembro de 1936. 286 AHD, Anexo I ao relatório (...). As pressões a que se referia o sub-delegado de Vendas Novas tinham como responsáveis alguns professores mas, mais em particular, os directores escolares distritais. 287 AHD, Mocidade Portuguesa de Portalegre. HD/AMD/01/Cx34. Observações ao relatório de Humberto Delgado, de 27 de Dezembro de 1937, enviadas por Carlos Alberto de Serpa Soares, sub-delegado Regional da Ala de Portalegre, sobre a “questão religiosa na MP”.
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prestar serviço militar, por via de assistência religiosa às forças armadas.288 A figura do capelão
chegou então aos quartéis, ao mesmo tempo que ganhou a causa educativa da juventude.
3.2.3.4. Legião e Mocidade – um conflito de milícias?
Criada oficialmente a 30 de Setembro de 1936, em sequência do apelo da corrente mais
radical, lançado num comício de 28 de Agosto realizado na Praça de Touros do Campo Pequeno, a
Legião Portuguesa constituiu a milícia civil do Estado Novo. Luís Nuno Rodrigues encontra, entre
os principais motivos que levaram à formação da LP, a conjuntura europeia (...) marcada pelo
sucesso e consolidação das experiências italiana e alemã e, de modo determinante, a eclosão da
Guerra Civil em Espanha, que levaram ao reconhecimento, pelo Estado Novo, (...) dos perigos que
o triunfo das esquerdas traria para a estabilidade do regime, que justificaria a mobilização dos
sectores radicais de direita e a convocação do comício de Agosto.289 Por outro lado, este autor
acrescentou aos motores de emergência da nova milícia: a conjuntura interna que, como
verificámos, levaria Salazar a canalizar para a LP, como para a MP, os sectores da direita radical e
oriundos do nacional-sindicalismo; realçou ainda o processo, já descrito, de subordinação do
Exército e, por fim, a detecção de agitações oposicionistas ao longo do ano de 1936, que urgia
reprimir. Apesar das reticências do Presidente do Conselho em dar vida a uma força miliciana, ela
seria concretizada neste ano, pela Legião Portuguesa. A LP seria assim o resultado mais directo de
uma pressão política de base que Salazar procurou aliviar ao concretizar o apelo lançado.290
Inicialmente eivada de um forte radicalismo fascizante, rápida e eficazmente disciplinado pelo
Governo, a Legião seria “normalizada” a partir do ano seguinte, começando pela sua subordinação
ao ministério da Guerra e ao Exército. De facto, a lei de reorganização do Exército submeteu a LP
às leis militares em tempo de guerra, podendo também estas forças ser (...) colocadas na
dependência do Ministério da Guerra, para efeito da manutenção da paz e da ordem pública, em
casos particularmente graves (...) fora do tempo de guerra.291 Apesar dos termos de colaboração
pré-definidos entre a Legião e a Mocidade, a história das relações entre os dois organismos seguiu
um percurso conturbado.
O conflito de interesses entre a Legião e a Mocidade Portuguesa nasceu de uma imprecisão,
propositada ou não, resultante dos diplomas legislativos que lhes deram vida. O regulamento de
288 Cf. Manuel Braga da Cruz, op.cit., p.47. 289 Luís Nuno Rodrigues, op. cit., pp. 36-37. 290 Ibidem, p. 55. 291 Lei n.º 1 960 (...).
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Dezembro de 1936,292 estabelecera, como tempo-limite de permanência na MP, a data de
alistamento militar – excepção feita para os filiados que prosseguissem a vida académica, podendo
estes (...) ser mantidos nos seus quadros até à conclusão do curso, mas nunca além dos vinte e seis
anos. A lei de recrutamento militar, por sua vez, tinha confiado à Mocidade Portuguesa a instrução
pré-militar do segundo escalão (dos 18 anos à idade de incorporação), para os estudantes, dividindo
na forma as componentes de um e outro organismo.293 Sobre esta rede legal, a Milícia da MP
conservava muitos dos seus filiados na organização até aos 26 anos, quebrando assim a idade de
ingresso na Legião, que permanecia indefinida.
Na verdade, e em simultâneo com a demarcação dos limites de idade de saída da MP e de
ingresso na LP, subentendia-se uma dimensão mais alargada do conflito. No centro da crispação
ecoava um comportamento concorrencial entre milícias, que se entreolhavam com desconfiança. A
permanência de filiados na Mocidade Portuguesa até aos 26 anos traduzia-se no recuo de um grande
número de elementos a recrutar pela Legião, conferindo à organização de juventude o papel de
organismo paramilitar teoricamente atribuído apenas à LP. A este respeito, Nobre Guedes
concordava com a redefinição das condições de acesso à duas organizações, assegurando que (...)
Dum modo indiscutível a Mocidade Portuguesa e a Legião Portuguesa não podem nunca ser
organismos concorrentes. Não parece haver objecções razoáveis a esta definição; - a M.P. é uma
organização pré-militar, enquanto que a L.P. é paramilitar. Daqui, esta conclusão de boa lógica;
a barreira natural a estabelecer entre uma e outra, o limite superior na primeira e inferior na
segunda, deveria ser a prestação do serviço militar como regra geral.294
O comissário acrescentava, porém, que esta solução deveria obedecer a uma filtragem
menos evidente aos olhos da Legião Portuguesa. A filiação na LP a partir dos 18 anos só teria
sentido onde não existissem núcleos da Mocidade, com elementos aproveitados para a reserva de
recrutamento em caso de mobilização militar geral. Contudo, procurando conservar os melhores
elementos da Milícia da MP (que na verdade viria a assumir contornos para-militares), o comissário
nacional defendia a excepção: Nos meios universitários – Lisboa, Porto e Coimbra, - ou ainda
noutros em que seja viável a instrução regular dos “cadetes”, não há razões que expliquem a
pressa de promover a passagem da Mocidade para a Legião.295 Emprestando um orgulho elitista à
formação dos cadetes da MP, Nobre Guedes questionava a utilidade daquela transição para a Legião
Portuguesa: A necessidade do número? Um melhor adestramento? A precisão de sangue novo? Em
última análise, a diferença entre uma e outra organização residia nas suas funções específicas: A
Legião Portuguesa constituída, sem corrente prévia da Mocidade, representa mais um sacrifício da
292 Decreto n.º 27 301 (...). 293 Lei n.º 1 961 (...). 294 Editorial ao Boletim – 1937 (...), p.5. 295 Ibidem, p.5.
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nossa sacrificada geração. (...) Mas neste momento a Legião não é um problema de quantidade
mas, por todos os motivos que é escusado enumerar, um problema de qualidade. (...) A preparação
dos legionários tem exclusivamente o carácter militar.296
Em resposta à ansiedade com que a Legião persistia na integração dos filiados da MP nas
suas forças, Nobre Guedes assegurava que em caso de emergência (e porventura, só nesse caso), a
Milícia se juntaria sem hesitação à LP. Rematou ainda, a propósito da manutenção dos estudantes
universitários nos quadros da organização juvenil: São eles os seus naturais graduados, o corpo de
elite que será o exemplo constante para os filiados mais novos, que eles devem conduzir não só no
campo das actividades físicas e pré-militares, mas muito especialmente no da formação moral e
mental por acção directa.
Por isso creio de toda a vantagem para a Mocidade, e de nenhum inconveniente para a
Legião, conservar naquela os filiados estudantes ou não, até à prestação ou isenção do serviço
militar, com respeito pelos adiamentos concedidos por lei.297
Os cadetes da Mocidade eram assim considerados milícia de elite, em detrimento da
inferioridade legionária, constituída muitas vezes por homens de menor capacidade física e,
sobretudo, com fraca instrução. Nobre Guedes precipitou então a primeira de muitas trocas de
acusações ao acentuar a clivagem numérica, formativa e qualitativa dos dois organismos milicianos.
Não conteve por isso um remate irónico nas críticas publicadas no primeiro número do Boletim da
MP: Se pensarmos que a Legião precisa durar, todo o seu interesse inteligente está em que a
Mocidade exerça a sua função formativa nas melhores condições, do que muito depende o
apuramento do escalão dos “cadetes”. Poucos anos depois dos vinte estes irão incorporar-se na
Legião.
Ao distinguir a missão incontornável da MP contra a existência prescindível da Legião, o
comissário acendeu definitivamente o conflito entre organismos ao questionar a utilidade da LP. Isto
porque, segundo Nobre Guedes, a sua constituição representava (...) no fundo uma triste realidade,
uma anomalia social lamentável.
À MP cunhava-se assim o brasão de elite, da “força viva” que assegurava a paz nacional e,
em última análise, a continuidade do regime: A nossa legítima aspiração deve ser a de formar pela Mocidade Portuguesa,
gerações que dêem ao País a garantia de estabilidade política precisa para se viver sem sobressaltos. Não está inteiramente na nossa mão evitar as acções reflexas dos irrequietismos dos outros, mas se a paz assentar no Mundo como é para desejar e se não abandonarmos a educação dos novos, eles improvisarão sem a menor dificuldade as legiões que forem precisas à tranquilidade do País, sem o sacrifício de um enquadramento permanente.298
296 Ibidem, p.5. 297 Ibidem, p.6. 298 Ibidem, p.6.
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A estas invectivas reagiu o Presidente da Junta Central da LP, João Pinto da Costa Leite299,
denunciando a Salazar a hostilidade sistemática da MP aos legionários. Lembrando a função da
Legião Portuguesa como única organização política de voluntários, circunscrevendo a MP à função
educativa e pré-militar, enquanto (...) a Legião seria a força de reserva do Exército e Armada, a
milícia política pronta a actuar em colaboração com os outros elementos de defesa do País, milícia
em que os rapazes preparados na Mocidade se integrariam logo que atingissem a idade própria.
Numa palavra, como tantas vezes se disse: - os rapazes da Mocidade serão os legionários de
amanhã. 300 Respondia ainda, em contra-ataque a Nobre Guedes que A Legião deverá viver
enquanto puder servir e o Chefe a entender necessária, e não é, certamente, e salva a consideração
que lhe é devida, a opinião do Sr. Comissário Nacional da Mocidade Portuguesa que decidirá
sobre o futuro.
O cenário de más relações inter-milicianas parecia melindrar mais a Legião, cuja pretensão
de absorver futuros legionários nas fileiras da MP transcendia, por seu turno, os interesses da
organização de juventude. À resistência a este recrutamento, Costa Leite acrescentou a sobranceria
com que dirigentes e filiados se relacionavam com os membros da LP, recusando-lhes a saudação
por ordem directa do Comissariado. A esta atitude devia-se, segundo defenderia o próprio
comissário nacional, um elitismo resultante de muitos filiados (...) serem alunos de escolas
superiores, e haver entre os graduados da Legião gente modesta e sem a mesma categoria
intelectual e social, como antigos sargentos, etc.301 Entre as provocações da MP contava-se ainda a
absorção de todo o protagonismo nas festas de 28 de Maio, que a Legião tinha como seu
apanágio.302 A reserva dos melhores milicianos para o interior da Mocidade Portuguesa também foi
criticada pelo dirigente da Legião, acusando-a novamente de elitismo. Propunha então que o limite
de idade para permanência na MP baixasse dos 26 para os 21 anos, evitando assim privar a LP (...)
de elementos de valor pela idade e pela cultura que naturalmente, ultrapassada a idade militar,
viriam aumentar e valorizar os seus quadros. Aqui, o perigo era mais forte: A questão da idade foi
assim levantada pela Mocidade Portuguesa para assegurar a constituição da sua milícia, mas, com
o desenvolvimento forçado desta, a Legião e a Mocidade já não são forças complementares e 299 João Pinto da Costa Leite (Lumbrales). (1905-1975). Professor catedrático de Direito, foi assistente de Salazar na Universidade de Coimbra, onde ganhou a sua máxima confiança. Subsecretário de Estado das Finanças em 1929-1930 e 1934-1937. Ministro do Comércio e Indústria entre 1937-1940. A partir de 1940 assume a pasta das Finanças, cargo em que se mantém até 1950, ocupando depois o ministério da Presidência até 1955. Entre 1936 e 1944 presidiu à Junta Central da LP. 300 AOS/CO/PC-21. Relatório confidencial de 27 de Abril de 1939, enviado pelo Presidente da Junta Central da Legião Portuguesa, João Pinto da Costa Leite, a Oliveira Salazar. 301 Ibidem. Segundo Costa Leite, esta directiva estendeu-se, por intenção de Nobre Guedes, tanto a filiados como a dirigentes da MP. 302 Este recontro, ocorrido nos anos anteriores, fez observar (...) que nas grandes festas nacionalistas, sobretudo no 28 de Maio, há sempre por parte da Mocidade Portuguesa a verdadeira obsessão de “encher” o programa com festas suas e prejudicar em tudo o que é possível a cooperação da Legião. Sucedeu isso já em 1937, em que, se não fosse a intervenção de V. Ex.ª, não poderia ter-se realizado no 28 de Maio a grande parada da Mocidade e da Legião. Ibidem.
96
podem, embora o não sejam ainda no espírito da Legião, vir a ser forças rivais.303 Reclamando
uniformidade de comportamentos, Costa Leite aconselhou então que debelasse à partida o perigo
potencial que a milícia da MP constituía, sugerindo que aquela actividade se limitasse à instrução
pré-militar e abandonasse a componente paramilitar.
Num primeiro sinal de harmonização, Nobre Guedes emitiu uma circular, em Junho de 1940,
onde se recordava que (...) aos filiados da M.P. cumpre quando fardados saudar os oficiais do
Exército, Armada e os da Legião Portuguesa que se apresentem fardados.304
Mas as duas organizações só chegaram a acordo efectivo em 8 de Novembro de 1940. O
texto, assinado já por Marcelo Caetano305, novo comissário nacional, e Costa Leite, anunciou a
coordenação de esforços entre a Junta Central da LP e o Comissariado Nacional da MP, (...) tendo
em vista os altos objectivos comuns às duas organizações que dirigem.306 Ficou então determinado
que os jovens só seriam enquadrados pela Mocidade Portuguesa até aos 21 anos, idade de ingresso
no serviço militar, salvaguardando, porém, os estudantes de escolas superiores. Estes permaneceriam
na organização de juventude até à data de conclusão dos cursos (...) mas nunca além dos 26 anos.
Por outro lado, a Mocidade assentiu em convidar (...) sempre os seus filiados que devam receber
baixa por terem atingido o limite de idade ou concluído os seus cursos a alistar-se na L.P. No caso
de o convite ser aceite, o Sub-Delegado da respectiva Ala passará guia de apresentação na L.P.. Do
lado da Legião, ficava assegurado o exclusivo ao serviço da MP por parte dos legionários que ali
fossem colocados no quadro de dirigentes, ao mesmo tempo que a Mocidade Portuguesa se
comprometia a recrutar filiados da Legião para seus instrutores do quadro geral.
Um outro efeito deste apaziguamento lia-se no oitavo ponto do acordo, que definiu para cada
organização os dias de protagonismo público. Versava o texto: A M.P. deixa a iniciativa das
comemorações públicas solenes do dia 28 de Maio à L.P. com a qual colaborará para organização
e brilho das cerimónias nos termos que, em cada ano, forem ajustados com três meses, pelo menos,
de antecedência. Excepção feita para as competições desportivas e cerimónias realizadas nos centros
da Mocidade. Entregando-se à juventude o 1.º de Dezembro como data de exibição própria, a Legião
ficava obrigada a prestar-lhe (...) toda a sua colaboração compatível com as suas possibilidades nas
cerimónias e festas promovidas pela M.P. no dia 1.º de Dezembro e quando por esta lhe seja pedida.
303 Ibidem, 304 Ordem de Serviço manuscrita, assinada por Nobre Guedes, com a data de 7 de Junho de 1940. ANTT/AMP, Ordens de Serviço 1938-1945, liv. 397. 305 A propósito da resolução deste conflito, Nobre Guedes daria conta a Marcelo Caetano da incompreensão de que teria sido alvo, considerando-se injustiçado e “não menos amigo” da Legião. Cf. ANTT/Arquivo Marcelo Caetano. Caixa 28, Correspondência/GUEDES, Francisco José Nobre, n.º 4. Carta de 27 de Novembro de 1940 de Nobre Guedes a Marcelo Caetano. 306 Ordem de Serviço n.º 4 (1940-1941) publicada no Boletim Mensal do Comissariado Nacional, Mocidade Portuguesa. n.º 2, vol. I, Lisboa, Dezembro de 1940, pp. 75-76.
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Alguns dias antes da assinatura deste acordo, Marcelo Caetano reforçara a directiva do
comissário anterior, ao determinar que (...) todos os dirigentes da M.P. façam observar pelos filiados
o disposto quanto à saudação dos oficiais da milícia, fardados, da Legião Portuguesa, explicando
os laços de solidariedade e a comunhão de ideais que tão estreitamente ligam as duas organizações
e os deveres recíprocos de cortesia que daí resultou para os filiados de ambas.307
Em coincidência ou não com a nova plataforma de entendimento, a actividade da Milícia
chegou mesmo a estar suspensa no ano lectivo de 1941-1942.308
Embora oficialmente solucionado, o conflito de competências entre a Legião e a Mocidade
Portuguesa deixaria marcas residuais que atravessaram a direcção seguinte da MP. Procurando
atrair para a Mocidade Portuguesa o mérito das exteriorizações mais activas e reconhecendo na
organização da juventude um maior acolhimento entre a opinião pública, o Comissário Nacional,
Marcelo Caetano, não conteve a crispação resultante das comemorações do 28 de Maio de 1943, ao
referir-se à actuação da M.P. : Não sei se essa acção foi vista e compreendida por quem de direito –
mas sei que era indispensável e que mais ninguém a exerceu, apesar de terem sido para a bandeira
da Legião as homenagens do dia 28 de Maio.309
3.3. O I Congresso – “A M.P. não deve ser escola de soldados, mas escola de doutrinação de
portugueses”
Organizado com o fim de definir novas directivas para a Mocidade Portuguesa, e tendo em
vista a preparação de um encontro internacional de juventude310 e das comemorações dos
centenários a realizar no ano seguinte, o primeiro Congresso do organismo teve lugar em Maio de
1939, pouco depois da vitória franquista em Espanha311 e em experimentando algum recuo face ao
ímpeto militarista proclamado nos três anos anteriores. De facto, embora a tónica militarizante se
prolongasse até meados da guerra, o encontro de dirigentes ofereceu uma viragem acentuada da
imagética fascizante para um discurso orientado para a “função social” da MP e aparentemente
avesso à elitização a que se assistia. Viragem esta anunciada pelo relator geral do Congresso, 307 Ordem de Serviço de 1 de Novembro de 1940, assinada por Marcelo Caetano. ANTT/Arquivo da Mocidade Portuguesa. Ordens de Serviço 1938-1945, liv. 397. 308 Não nos são dados a conhecer os verdadeiros motivos que levaram a esta suspensão temporária. A ela refere-se apenas Humberto Delgado em sessão do Conselho Técnico, questionando Marcelo Caetano sobre o assunto. Cf. ANTT/AMP. Conselho Técnico - Registo de actas (1940-1941). Livro 141-E. Acta n.º 1, de 14 de Outubro de 1940. 309 Carta de 1 de Junho de 1943 publicada em ANTUNES, José Freire, Salazar e Caetano. Cartas Secretas, 1932-1968, Círculo de Leitores, Lisboa, 1993, p.115. 310 Encontro que acabaria por ser anulado, provavelmente em consequência directa do estado de guerra. 311 A Guerra Civil acabou a 1 de Abril de 1939, pela vitória das forças nacionalistas lideradas por Franco. Nesta sequência, o relatório do comando geral da PSP dava conta de manifestações de aclamação promovidas pela Legião Portuguesa e a Mocidade, nas cidades de Leiria e da Guarda. Cf. ANTT/ Arquivo do Ministério do Interior. PSP - Relatórios de Carácter Político-Social do Continente, 1939. Mç 507, NT 384. Relatório de 1 de Abril de 1939, do capitão Carlos Alberto Godinho, adjunto do comando geral da PSP.
98
Francisco Leite Pinto, então director dos serviços de Propaganda da MP e futuro ministro da
Educação Nacional,312 ao afirmar que: O tempo de discussões de métodos, de doutrinas e de
sistemas, já passou. A M.P. não tem por fim seleccionar os fortes, mas educar fisicamente os
rapazes normais, sub-normais e mesmo fracos.313 A propósito da educação física da juventude,
Leite Pinto questionou, em tom crítico: Iremos até ao ponto de seleccionar os filiados à entrada,
por forma que não possa envergar farda de uma Organização que deve ser forte quem seja
fisicamente incapaz? Ou devemos limitar-nos, pelo menos numa primeira etapa, a ministrar a esses
deficientes uma educação física que, não podendo ser adequada por impossibilidades de momento,
seja de simples amparo, talvez mais de ordem moral? 314
Na formação integral dos filiados, parecia caber agora mais a ocupação e vigilância dos espaços de
sociabilização do que a exteriorização propagandística. A inadequação dos métodos da MP à
realidade social (em que dois terços da população apresentava condições físicas abaixo da média
europeia), acabaria por ser abordada de modo transversal pelas três secções do Congresso.315 Daí,
resultou a valorização do campismo, da educação física e da prospecção do ambiente socio-familiar,
como novos agentes de recurso educativo. A Mocidade Portuguesa virava-se assim para um certo
debate interno, onde ecoaram as fricções quanto à direcção a seguir, entre os partidários da função
social “catolizante” e os adeptos do reforço da educação pré-militar juvenil.
Consagrado o desenvolvimento e progresso da educação física aos (...) mais sagrados
direitos da defesa nacional,316 foi igualmente destacado o papel crescente da formação moral e
cívica nas linhas de referência da MP. A 2.ª secção do Congresso, dedicada à “Educação Moral da
Juventude” e presidida por Marcelo Caetano, contou com a participação activa do Padre Manuel
Rocha317, um dos fundadores do movimento Jocista português e então professor da Escola Central
312 Francisco de Paula Leite Pinto (1902-2000). Licenciado em Ciências Matemáticas e engenheiro geógrafo pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, foi ministro da Educação Nacional entre Julho de 1955 e Maio de 1961. Em 1939 Leite Pinto era Director dos Serviços de Propaganda (depois denominados “Intercâmbio e Propaganda”) da Mocidade Portuguesa, ocupando também o cargo de secretário-geral do Instituto para a Alta Cultura, pelo qual promoveu os contactos entre as duas instituições e a concessão de alguns subsídios do IAC a missões de estudo realizadas pela MP. Relator-geral do Congresso realizado em 1939, defendeu que a organização devia apostar no incremento da educação física e da assistência médico-social dos filiados, a par da formação moral e nacionalista. 313 Intervenção de Francisco Leite Pinto (relator-geral) na 1.ª secção-Educação Física da Juventude, do I Congresso da Mocidade Portuguesa, a 22 de Maio de 1939. I Congresso (...) p.40. 314 Ibidem, p.39. 315 O professor do ensino técnico, Leonel Ribeiro, observou mesmo que grande parte dos filiados da área de Lisboa não podia receber qualquer tipo de educação física por excessivas carências alimentares. I Congresso (...), p.67. 316 Ibidem, p.32. 317 Manuel Machado da Rocha e Sousa. Natural dos Açores, formou-se em Teologia na Universidade Gregoriana de Roma e frequentou a Universidade Católica de Lovaina no início da década de trinta. Largamente influenciado pela experiência belga, colaborou regularmente com o jornal católico Novidades, para o qual escreveu os “Postais de Lovaina”. Colaborou com Boaventura Almeida na institucionalização do Secretariado Nacional de Acção Católica que promoveu, a partir de 1933, os Círculos de Estudo em torno do sindicalismo operário católico. Seguindo sempre a linha de pensamento de Lovaina, que defendia que o corporativismo português se afastava do modelo social da Igreja, regressou a Portugal em 1934, onde fundou a Juventude Operária Católica (JOC). A acção do movimento jocista foi limitada pelo próprio regime, com o qual procurou manter o equilíbrio. Sobre este tema veja-se Maria Inácia Rezola, O Sindicalismo Católico (...).
99
de Graduados da MP. O relatório previamente apresentado configurava já uma nova posição sobre o
papel da Igreja no seio da Mocidade Portuguesa, sublinhando que: A crença em Deus, o respeito da
dignidade humana e de toda a vida colectiva nacional é de sentido cristão, universal e católico, em
voluntário acatamento à doutrinação da Igreja, respeitados os princípios legais da própria
organização da M.P.318
Um outro interveniente, o sub-delegado regional do Douro Litoral, padre Júlio Marinho,
apontou o abandono em que se encontrava a formação moral na MP, lembrando o perigo decorrente
desta ausência e o espectro “paganizador” que pairava ainda sobre a organização. Instava por isso
por um desenvolvimento moral paralelo à educação física, sublinhando que só assim se teria (...)
uma mocidade forte de corpo e de espírito. E, retomando o discurso da Igreja sobre a excessiva
militarização da juventude, advertiu: (...) pode calcular-se onde levaria o País uma juventude forte
de corpo, sem ter ao mesmo tempo essa robustez espiritual.319 O mesmo congressista defendeu ali a
necessidade de constituir um organismo que superintendesse a educação moral da MP, aliado a uma
rede de instrutores que abrangessem todos os centros da organização.
Mas foi a tese provincial do médico Luís Figueira, anteriormente comissário adjunto, e do
padre Manuel Rocha, que expressou de forma mais lata a redefinição a dar à MP. Em vivo
apagamento do rasto fascizante, procurando dar impressão de um organismo harmonizado com os
valores sociais católicos e com a Igreja-instituição, as notas propostas pretendiam desmembrar, peça
a peça, o aparato totalitário que ainda cobria a Mocidade Portuguesa. No quadro da doutrina moral,
a MP apresentava-se como (...) uma solução, colaborando com a Família, com a Igreja, com o
Estado.320 Pelo novo composto “regenerativo” da organização, a formação da Mocidade Portuguesa
teria de assumir-se como:
Não apenas pré-militar. Mas formação integral. Não totalitária. Porque: a) respeita o primado da pessoa humana, finalidade do próprio Estado; b) salvaguardando os direito dos Pais na educação dos filhos; c) revigorando o físico não fez da raça fim supremo. Formação integral: a) intelectual, completando a escolar: b) física, sem esquecer a primazia do espírito sobre o corpo; c) social, justa, retribuição do trabalho, elevação económico-social dos trabalhadores. d) moral, deveres para com: próximo, Família, Pátria, Deus. Não impondo uma religião, a M.P. não concebe o rapaz ateu ou agnóstico. Respeita todas as confissões religiosas. Mas não pode esquecer que foi sob a égide da Igreja Católica que se formou e desenvolveu a Nacionalidade Portuguesa.321 Importa notar que o modelo de acção social proposto em traços largos por Manuel Rocha ao Congresso da MP estava em estreita harmonia com os fundamentos do catolicismo social promovido pelas organizações da Acção Católica Portuguesa. 318 Relatório apresentado à 2..ª Secção do Congresso da Mocidade Portuguesa, I Congresso (...), p.99. 319 Intervenção de Júlio Marinho na 2.ª Secção do Congresso da Mocidade Portuguesa, I Congresso (...), p.105. 320 Tese apresentada por Luís Figueira e Manuel Rocha à 2.ª Secção do Congresso da Mocidade Portuguesa – Educação Moral da Juventude, pela província da Estremadura. I Congresso (...), p.136. 321 Ibidem, p. 136.
100
Se se tratava, afinal, da afirmação institucional da Igreja Católica no novo cenário da
organização, também, do outro lado do palco, o Congresso foi ainda protagonizado pelo sector
militar, ao qual foi ali prestada homenagem pública pela (...) colaboração valiosa e desinteressada
prestada à Organização Nacional.322
A última secção de debate, “A juventude na vida nacional”, realçou o primado da defesa
nacional na preparação da juventude, atenuando embora a retórica militarista pela afirmação de que
A M.P. não deve ser escola de soldados, mas escola de doutrinação de portugueses. 323 A
preparação dos futuros soldados de Portugal integrava assim as componentes moral, física e
técnica, de que resultava o “espírito pré-militar”. Todavia, e aludindo ao contexto internacional pré-
bélico, ficava o conselho:
É ainda preciso que todos os filiados encarem a guerra, de frente, como mal
inevitável que poderá um dia atingir a Pátria; que todos estejam convencidos de que podem ser chamados a defender o Império Português, a civilização ocidental ou mesmo a honrar, com armas na mão, compromissos de mútuo auxílio, tomados com povos amigos; que conscientemente saibam que o devem fazer até ao sacrifício da vida e o podem e devem fazer como comparticipantes de vitória final.
Tal “espírito pré-militar” deve ser das principais criações formativas da M.P. e ele importa mais que conhecimentos de táctica, que são já da competência do soldado. 324
Distinguindo a formação pré-militar, oferecida aos três primeiros escalões, da preparação
militar da Milícia, (...) amplamente justificada pelo período histórico (...) que se vivia, a MP
conservava assim a força paramilitar constituída pelos cadetes que frequentavam aquela instrução.
Mais se acrescentava, quanto às potencialidades desta elite do último escalão: Se toda a milícia
fosse formada por estudantes, preparados moral e fisicamente como devem ser todos os filiados da
M.P., podia-se fazer em todo o 4.º escalão da M.P. a instrução militar preparatória que agora se
ministra a alguns milhares de cadetes.325 Mais do que antes, a preparação deste corpo militarizado
era tida em conta, não sendo, porém, alargado como se propunha, por não existirem esses
estudantes preparados ou os meios financeiros que socorressem aos tais milhares de cadetes.
A preparação da Milícia era a que mais intimamente estabelecia ponte de ligação entre a
Mocidade Portuguesa e o Exército, fazendo prolongar a discussão entre congressistas quanto aos
recursos humanos a fornecer pela primeira ao segundo. Ainda que organizada como força paralela e
independente do Ministério da Guerra, a Milícia era agora valorizada como potencial cooperante em 322 Homenagem esta prestada como voto “extra-conclusões” da 1.ª secção – “Educação Física da juventude”. I Congresso (...), p.76. 323 Relatório apresentado à 3.ª Secção do Congresso da Mocidade Portuguesa – “A juventude na vida nacional”, I Congresso (...), p.153. 324 Ibidem, p. 153. 325 Relatório apresentado à 3.ª Secção do Congresso da Mocidade Portuguesa – “A juventude na vida nacional”, I Congresso (...), p.158.
101
caso de mobilização militar urgente. Mais importante, era dirigida por oficiais do exército, que
assim controlavam a unidade da MP mais ameaçadora do statu quo castrense. O capitão Joaquim
Gomes Marques, adjunto do comando da Milícia, defendeu mesmo a (...) necessidade de dar à
preparação pré-militar da M.P. um cunho caracterizadamente militar, fixado pelas leis militares,326
procurando assim facilitar o processo de recrutamento dos cadetes milicianos.
A comprovar esta aproximação, a tutela militar concedia já alguns privilégios para os que
completassem a instrução na Milícia, como a dispensa da escola de recrutas e do 1.º ciclo do curso
de sargentos milicianos, reduzindo assim o tempo de preparação militar. Relembre-se ainda que ao
critério funcional deste tipo de recrutamento, se calculava o critério economicista. Humberto
Delgado, na altura vogal do Conselho Técnico da MP, sublinhava a (...) economia que representa
para o Tesouro aproveitar oficialmente a instrução já recebida, pelos filiados, na milícia, antes da
incorporação,327 e as vantagens que revertiam a favor do exército pela redução do tempo de recruta
dos cadetes milicianos. O capitão aviador chegou mesmo a agitar as hostes mais afectas à
independência da MP, ao propor que o comando da Milícia (já sob controlo militar) fosse
transformado no grande centro coordenador da organização, alegando ter o exército maior
capacidade selectiva e ser menos vulnerável à política de favoritismos praticada na MP.328 A
sugestão não só não foi ali aceite como considerada “injusta”, levando Humberto Delgado a retirar a
proposta.
Para além deste equilíbrio de concessões entre a MP e o sector militar que a acompanhava,
estavam pendentes duas outras querelas, assinaladas no encontro de Maio de 1939. Em
conformidade com a auto-reprodução de oficiais praticada nos meios militares, permanecia a
preferência dada aos alunos do Colégio Militar no acesso à Escola do Exército, assegurada pela lei
de recrutamento publicada dois anos antes. A questão, ainda acesa pelo Congresso, cairia em letra
morta sem que a Mocidade Portuguesa recebesse compensação para os seus filiados. Num outro
sentido, foi também criticada a barreira erguida à entrada da MP nas instituições de ensino tuteladas
pelo ministério da Guerra. A este respeito, seria mesmo Soares de Oliveira, filho do general
Domingos de Oliveira e antigo aluno do Colégio Militar, a manifestar estranheza pela ausência
daqueles alunos, cuja formação pré-militar era modelar, nas fileiras da Mocidade. Durão Ferreira
acusaria ainda o Exército de (...) reprodução em casta fechada (...) a renovar-se em amplitude
sempre dentro da mesma classe, 329 defendendo, por outro lado, que a organização de juventude
326 Intervenção de Joaquim Gomes Marques na 3. ª Secção do Congresso da Mocidade Portuguesa – “A juventude na vida nacional”, I Congresso (...), p.164. 327 Intervenção de Humberto Delgado na 3. ª Secção do Congresso da Mocidade Portuguesa – “A juventude na vida nacional”, I Congresso (...), p.177. 328 Ibidem, p.191. 329 Na mesma altura perguntava o congressista: Se se quis dar à juventude portuguesa uma formação integral, através da nossa Organização porque é que se há-de privá-la duma escola, ficando esta aberta apenas a uma minoria da mocidade de Portugal? I Congresso (...) pp.172 e 207.
102
seria um meio de (...) larga renovação para abranger os mais aptos. Também a Milícia se
transformava assim na “casta” da MP.
A solução intermédia encontrada, quanto à introdução dos alunos daquelas instituições na
Mocidade Portuguesa, fez aprovar a proposta de Soares de Oliveira, por onde se determinava a
obrigatoriedade de as associar à organização, mantendo embora (...) por direito de tradição, os seus
uniformes e estandartes privativos e conservarem nas formaturas as disposições tácticas do
Exército.330 Directiva esta que seria apenas um prémio de consolação do organismo juvenil uma vez
que, na realidade, a entrada formal destas instituições estaria sempre vedada à MP.
3.4. Em tempo de guerra, novos dirigentes
Entre o cessar-fogo no conflito civil em Espanha e a eclosão da segunda Guerra Mundial,
passaram-se apenas alguns meses. A 1 de Abril de 1939 as tropas nacionalistas declararam vitória
sobre os republicanos, dando lugar à edificação do “Nuevo Estado”, liderado pelo general Francisco
Franco. Ao longo de três anos de conflito, a participação activa das forças militares da Alemanha
nazi e da Itália fascista, assim como a opção política de “não-intervenção” seguida pela França e
Inglaterra, foram determinantes para o desenlace a favor da causa franquista. O teatro espanhol,
onde se desenrolou a “última das guerras político-ideológicas, religiosas e românticas”, foi também
o laboratório de ensaio das tácticas militares alemãs que em breve seriam experimentadas em toda a
Europa. No início de 1937, a Itália associou-se ao Pacto Anti-Komintern, abrindo caminho para a
constituição do Eixo Roma-Berlim.
Em Portugal, a ascensão do franquismo ditou a consolidação interna (...) num quadro onde o
poder político controlava, com a segurança e a dureza suficientes, todos os sectores políticos e
sociais (...),331 visível em todas as dimensões. O esforço de apaziguamento das direitas radicais,
canalizadas para as novas formações milicianas mas sob apertada vigilância de Salazar, o reforço da
segurança do aparelho estatal pela subordinação do exército, a concretização da política de
“reeducação” nacional, profundamente ideologizada, fundadora da escola nacionalista e do novo
homem português, enquadraram-se neste processo de consolidação.
Quando, a 1 de Setembro de 1939 as tropas de Hitler invadiram a Polónia, rebentou o
segundo conflito mundial, ao longo do qual o Estado Novo se conservaria entre uma primeira fase
de “neutralidade geométrica”, equidistante das forças aliadas e do Eixo, deslizando depois para um
cenário de “neutralidade colaborante”, de intensificação da aliança luso-britânica, à medida que a
Espanha ensaiava uma aproximação ao governo do Reich e a ameaça anexionista pairava sobre o
330 Proposta de Soares de Oliveira à 3.ª Secção do Congresso – “A juventude na vida nacional”, I Congresso (...), p.197. 331 César Oliveira, “A evolução política” in Portugal e o Estado Novo (...) Nova História de Portugal (...), p.38.
103
regime português.332 Ainda antes da deflagração da Segunda Guerra Mundial, Salazar procurara
afastar o Estado Novo de eventuais associações aos nacionalismos agressivos que a Guerra Civil
fizera exaltar. A queda da França, em Junho de 1940, anunciou a viragem interna, onde à sensação
de distância da guerra se sobrepôs o perigo real do expansionismo hitleriano. Fundamental era
assegurar agora, a todo o custo, a neutralidade peninsular, e conter os ímpetos colaboracionistas de
Franco.
A crise de segurança internacional evidenciada ao longo do ano de 1939, contribuiria em
larga escala para que o regime encetasse um progressivo esvaziamento dos aspectos mais
fascizantes do aparelho institucional montado. Esta “normalização” das instituições que mantinham
maior similaridade com organismos fascistas e nazis, teve início logo a partir de 1937, culminando,
às portas da guerra mundial, numa maior contenção das suas dinâmicas totalizantes. Também o
painel ministerial obedeceu a uma nova imagem, afastando algumas das figuras mais conotadas
com a ala germanófila do regime, cujos lugares foram ocupados por elementos de um sector mais
“neutral” ou anglófilo. Em Agosto de 1940, Salazar entregou a pasta das Finanças a João Pinto da
Costa Leite, substituiu Manuel Rodrigues Júnior por Adriano Pais da Silva Vaz Serra no ministério
da Justiça e atribuiu a recém-criada pasta da Economia a Rafael Duque, conservando para si os
gabinetes da Guerra e dos Negócios estrangeiros. Carneiro Pacheco, de conhecidas tendências
germanófilas, deixou a Educação Nacional, sendo destacado como embaixador extraordinário e
plenipotenciário de Portugal junto da Santa Sé. Para ocupar este ministério foi nomeado o católico e
monárquico conservador, Mário de Figueiredo.333
No quadro de reformulações do executivo, também Nobre Guedes foi enviado a novo
destino, abandonando a direcção do Comissariado Nacional da M.P. para assumir funções na
Legação de Berlim. A tão criticada germanofilia do comissário nacional cessante e a cultura de
relações próximas que mantinha com elementos do aparelho nacional-socialista, terão estado na
origem da opção de Salazar em conservá-lo naquela missão diplomática, para que oferecesse um
conhecimento mais profundo da realidade interna alemã.
Em consonância com esta operação remodeladora, a nova direcção da Mocidade Portuguesa
veio reconhecer a urgência de atenuar as linhas filo-germânicas que a tinham desenhado na origem.
Neste sentido, a chefia da instituição foi assumida por Marcelo Caetano, professor de Direito na
Faculdade de Lisboa, cujas simpatias anglófilas e “pró-escutistas” poderiam contribuir para uma
332 Cf. Fernando Rosas, O Estado Novo (...), p. 306 e sgs. 333 Mário de Figueiredo (1890-1969). Professor catedrático da Faculdade de Direito de Coimbra. Católico e monárquico, foi amigo próximo de Salazar, com quem militou no Centro Académico de Democracia Cristã. Ministro da Justiça e dos Cultos em 1928, demitiu-se na sequência da polémica gerada pela “Portaria dos Sinos”, que levou à saída de Salazar da pasta das Finanças e consequente queda do governo. Ministro da Educação Nacional entre 1940 e 1944. Vide Anexo I.
104
menor conotação da MP com as organizações juvenis alemã e italiana, embora conservasse muita
da sua imagética. Em 17 de Agosto de 1940, Caetano deu resposta positiva a Salazar face ao
convite insistente, formalizado pelo Ministro da Educação Nacional, para ocupar a chefia do
Comissariado Nacional.334
334 Carta de 17 de Agosto de 1940, publicada em José Freire Antunes, op. cit. p.99.
105
4. O quadro de compromissos – nova juventude para o mundo em guerra (1940-1944)
Mais: da capital à província, da cidade à aldeia e ao campo; mais dos
milhares às dezenas, das dezenas às centenas de milhares, até à integração completa neste movimento da nossa mocidade.
Melhor: ainda melhor na cultura física, no cumprimento dos deveres, no amor da família, do trabalho e da terra, na consciência da utilidade e da responsabilidade pessoal, na disciplina e na devoção patriótica. Mais e melhor: mais até serem todos; melhor até serem um por Portugal.
(Palavras de Salazar à Mocidade Portuguesa, na festa do Jockey Club,
em 29 de Maio de 1938) SALAZAR, António de Oliveira, Discursos e Notas Políticas, volume III, Coimbra Editora Limitada, Coimbra, 1948, pp.89-90.
4.1. O alinhamento à conveniência (1940-1942) Foi sob sinal concordatário, por onde se alargou o canal de participação da Igreja Católica, e
procurando mitigar o aparato excessivamente militarista original, que Marcelo Caetano integrou a
direcção da Mocidade Portuguesa. O Comissariado Nacional foi, na realidade, o primeiro dos
cargos públicos de chefia ocupados por Caetano, mantido por Salazar à margem do elenco
governativo até 1944. A breve trecho, o novo comissário afinou a mensagem da organização com
um estilo mais próximo do modelo escutista, salientando a missão educadora nacionalista,
corporativa e em torno do império. A MP deixou assim de acertar o passo com o formalismo mais
fascizante que, nos primeiros anos, a denunciara como germanófila e “paganizada”, ainda que se
tratasse de um distanciamento mais retórico que efectivo. Tal como a nomeação de Caetano para o
CN, a entrega da pasta da Educação Nacional a Mário de Figueiredo também não se revelaria uma
escolha inocente do Presidente do Conselho. No mapa de um executivo renovado, o novo ministro
praticaria a antítese da política de exaltação militar da MP, idealizada pelo seu criador, Carneiro
Pacheco, e concretizada por Nobre Guedes. Em sentido inverso aliás, Mário de Figueiredo
dispensou pouca atenção “educativa” à Mocidade Portuguesa, embora ficasse associado ao seu
ministério o dispositivo legal que imprimiu maior poder de vigilância à organização.
O cenário de guerra fez definir novos limites de comportamento da organização, que até
finais de 1942 procurou reproduzir integralmente a neutralidade do regime face ao conflito, visíveis
na moderação dos contactos com as juventudes de outros países, no empolamento do discurso
nacionalista e da missão imperial da Mocidade Portuguesa, e no esforço de desviar a atenção da
juventude dos acontecimentos internacionais, sobrepondo-lhe a imagem do “viver habitualmente”
português. A partir de 1942, e mais declaradamente no ano seguinte, o clima de crescente
contestação social, face à degradação das condições de vida e à consequente ausência de resposta do
regime, levou Marcelo Caetano a recorrer aos instrumentos disponíveis na MP para colaborar na
106
tarefa propagandística do Estado. Ao mesmo tempo, instalou-se entre a juventude uma progressiva
preocupação com a chamada “questão social”, que o comissário nacional procuraria mitigar com
alguns ensaios de obra assistencial interna, embora sem grande efeito.
Neste sentido, se Marcelo Caetano deixou associado à sua passagem pela MP o esforço de
transformação e redinamização do movimento mais favorável ao campismo e à sociabilização
juvenil, impõe-se aqui a revisão desse percurso, menos linear do que se poderia sugerir à partida.
Isto porque o novo comissário protagonizou, se quisermos, uma doutrina do “escutismo
nacionalista” ou da “militarização sadia”, mas não deixou, mesmo assim, de mobilizar a Mocidade
como estandarte da propaganda de Estado. E de facto, até 1943, a imagem do “pequeno exército” de
Salazar perdurou, actuando como agente “moralizante” nos momentos principais da primeira crise
do regime.
4.1.1. Reforma Orgânica A lógica administrativa que presidiu ao decreto criador da MP, em 1936, conheceu algumas
reestruturações sob direcção de Marcelo Caetano, a partir de Outubro de 1940. Antes ainda, numa
primeira reforma de Fevereiro de 1939, o CN foi reduzido de quatro para dois adjuntos, sendo um
deles o comandante geral da milícia, e encarregando-se o outro das funções de secretário-inspector,
tendo (...) a seu cargo assegurar permanentemente a unidade de orientação e a coordenação de
todos os serviços. 335 Na mesma altura, foi constituído o Conselho Técnico, órgão de consulta e
apoio ao Comissariado, que deveria reunir no início de cada ano de actividades ou quando fosse
necessário o seu parecer. Embora seja difícil reconstituir a evolução deste organismo, dada a
escassez de informação que chegou até nós, deve salientar-se a sua importância representativa dos
diferentes sectores de influência da MP. Por altura do Congresso de 1939, só se identificavam como
vogais os comissários adjuntos, onde se contava um médico e três militares. Em Outubro do ano
seguinte, estavam já presentes, além dos membros do comissariado, todos os directores de serviços,
entre os quais o representante da Igreja, Manuel Rocha. 336 Em Agosto de 1939 o padre jocista tinha
sido nomeado para a direcção de Serviços de Formação Moral, criada em Fevereiro do mesmo
ano.337
Os serviços centrais da organização, entretanto complexificados e alargados, também
sofreram remodelação, concentrando-se em novas Direcções as antigas secções de Cinematografia,
335 Decreto n.º 29 463 publicado no Diário do Governo, I Série, n.º 47, de 27 de Fevereiro de 1939. 336Até à data de conclusão deste trabalho foi identificadojunto do Arquivo da Mocidade Portuguesa apenas um livro de actas das reuniões deste Conselho, livro este que só reúne quatro registos de actas. Cf. ANTT/AMP. Conselho Técnico - Registo de actas (1940-1941). Livro 141-E. 337 ANTT/AMP - Ordens de Serviço 1938-1945, liv. 397. Ordem de Serviço assinada por Nobre Guedes, de 19 de Agosto de 1939.
107
Radiodifusão e Canto Coral. Em Outubro de 1940, a MP passaria a distribuir-se internamente por
onze direcções de serviços, onde cabiam diferentes inspecções: 338
1 – Direcção dos Serviços Culturais e de Formação Nacionalista: Inspecções de Canto Coral e Educação Artística; 2 – Direcção dos Serviços de Formação Moral; 3 – Direcção dos Serviços de Saúde e Higiene; 4 – Direcção dos Serviços de Educação Física e Desportos: Inspecções de Esgrima, Tiro, Natação e Ténis; 5 – Direcção dos Serviços de Instrução de Graduados; 6 – Direcção dos Serviços de Instrução Náutica: Inspecções de Vela e Remo; 7 – Direcção dos Serviços de Instrução Aeronáutica: Inspecções de Voo à vela, Voo com motor e Aviominiatura; 8 – Direcção dos Serviços de Intercâmbio; 9 – Direcção dos Serviços de Assistência Social; 339 10 – Direcção dos Serviços Administrativos: Inspecções de Material e Uniformes, Transportes e Abastecimentos; 11 – Direcção dos Serviços de Publicidade e Propaganda.
A Direcção dos Serviços de Instrução Náutica foi criada em 1941, por incentivo principal do
oficial de marinha, Soares de Oliveira, que já sugerira ao Congresso de 1939 a constituição de uma
“Escola de Marinharia” para o escalão de cadetes da MP, de forma a estimular o gosto pelo mar, o
contacto inter-colonial e o intercâmbio de juventudes,340
Depois de três anos com instalação provisória no Liceu Camões, os serviços da MP
transitaram para o Palácio da Independência, parcialmente cedido à organização, inaugurando
aquela sede em 1 de Dezembro de 1940, dia dedicado à Mocidade. Entre as prioridades consignadas
ao primeiro ano de Marcelo Caetano na MP, destacavam-se a urgente preparação de quadros
dirigentes capazes, o desenvolvimento da formação moral e cívica dos filiados (enjeitando o
exclusivo da formação física e pré-militar) e a colaboração com a Escola e a Família, (...)
instituições que devem colaborar estreitamente para uma perfeita e completa educação das novas
gerações a todos cabendo relevante papel em tal missão.341
Em 1941 estava concluído o primeiro ciclo de reformas, com o fim de (...) fixar melhor as
directrizes pedagógicas, desenvolvendo a sua doutrina e aperfeiçoando os seus métodos e a sua
técnica.342
338 Ordem de Serviço n.º 2, de 15 de Outubro de 1940 publicada no Boletim (...) n.º 1, vol. I, Novembro de 1940, p.34. 339 Extinta pela Ordem de Serviço n.º 15 (1940-1941) publicada no Boletim (...), n.º 8, vol. I, Junho de 1941, p. 368. Pela mesma directiva é criada a Direcção dos Serviços de Instrução Geral. 340 Intervenção de Soares de Oliveira na 3.ª Secção do Congresso da Mocidade Portuguesa – “A juventude na vida nacional”, I Congresso (...), pp.184-185. 341 ANTT/AMP. Conselho Técnico - Registo de actas (1940-1941). Livro 141-E. Acta n.º 1, de 14 de Outubro de 1940. 342 CAETANO, Marcelo, “Um ano de trabalho” in Boletim (...), n.º 1, vol. II, Lisboa, Novembro de 1941, p.6.
108
Escola de chefes e “missão dos dirigentes” O princípio de auto-reprodução das elites internas da MP, alinhavado no período de chefia
de Nobre Guedes e consubstanciado nas escolas de graduados, consagrou-se na orientação que o
novo Comissariado imprimiu à formação do seu “escol”. Em 1941, reconhecia-se claramente a
vantagem em recrutar antigos graduados para os quadros da organização, sujeitando-os a um estágio
prévio de seis meses.343 Os graduados, originalmente formados para coadjuvar a instrução,
acabariam muitas vezes por ocupar directamente aquelas funções, colmatando a crónica deficiência
de quadros instrutores da MP.344 Na região algarvia, por exemplo, a grande maioria dos antigos
filiados que tinham frequentado a ERG local, eram os Comandantes dos centros da Mocidade e os
instrutores das respectivas alas.345 Consequentemente, cabia aos graduados a selecção dos “chefes
de Quina” e “comandantes de Castelo”, pequenos dirigentes das formações de cada centro e
também eles potenciais graduados no futuro. A Escola Regional sediada em Vila Real de Santo
António aconselhava ainda, para uma eficaz preparação destes próximos chefes:
Não descurem, pois, os nossos antigos alunos a propaganda, iniciada logo na
primeira hora de actividade do novo ano, para se conseguir um número cada vez maior de alunos para a nossa Escola: tirem da vossa experiência os argumentos necessários para convencerem os seus rapazes e respectivas famílias, mostrem-lhes por todos os meios as vantagens pessoais e para a Organização que trará a sua vida para o próximo Curso.346
A exaltação do papel do graduado, coroada pela construção de uma identidade própria que
lhe imprimiu a marca de fidelidade à MP, gerou críticas frequentes a esta linha de descendência.
Não era por isso raro ouvirem-se acusações à excessiva arrogância de alguns graduados que
pretendiam impor autoridade através da sua condição na Mocidade.
A partir de 1942, Marcelo Caetano reforçou a atenção sobre os quadros directivos da
organização, dando início ao primeiro “curso de orientação de dirigentes”, para o que recrutou
sobretudo antigos graduados, procurando uniformizar as práticas e objectivos da Mocidade
Portuguesa ao nível nacional. No mesmo ano, o comissário fez publicar A Missão dos Dirigentes,
onde reuniu vários textos e com os quais pretendia (...) lançar solidamente as bases da organização
em toda a sua complexidade e amplitude – e manter depois o movimento, sem desvios, na linha da
directriz traçada. 347
343 Ordem de Serviço n.º 9, de 1 de Fevereiro de 1941 publicada em Regulamentos, Mocidade Portuguesa, Casa Portuguesa, Lisboa, 1941., p.28. 344 Este recurso, fortemente criticado no período de vigência do primeiro comissariado, acabaria depois por ser aceite como “mal menor” em face da progressiva falta de instrutores a nível nacional. 345 Escola Regional de Graduados do Algarve – Caderno de Doutrina e Técnica destinado aos antigos alunos da escola, Caderno n.º 1, Tipografia Socorro, Vila Real de Santo António, 1944, p.5. 346 Ibidem, p.8. 347 CAETANO, Marcelo, A Missão dos Dirigentes - reflexão e directrizes pelo comissário nacional, Lisboa, 1942, p.23.
109
4.1.2. Novo papel da Igreja
Alguns meses depois de ocupar o Comissariado Nacional, Marcelo Caetano experimentou o
estreitamento de relações com a Igreja Católica, ainda pouco definidas no tocante à conjugação de
métodos com a Mocidade Portuguesa. Na sequência de um desentendimento com o padre Manuel
Rocha sobre a forma como este interpretara o programa de formação moral da ECG, Caetano
procurou Gonçalves Cerejeira, procurando apaziguar as tensões ainda latentes. A 3 de Fevereiro de
1941, o prelado renovou a lista de objectivos eclesiásticos, numa longa carta enviada ao comissário.
Retomou então o princípio de que era apanágio da Igreja, e não do Estado, a educação moral da
juventude, dentro e fora da organização, lembrando a posição confessional cristã assumida pelo
regime. E nesse sentido, a Mocidade Portuguesa, como organismo oficial do Estado, embora não
impondo nenhuma religião aos filiados, propunha (...) uma doutrina e uma moral religiosas, que
são as católicas. 348 Não deixaria, porém, de distinguir que (...) a Mocidade Portuguesa nem por
isso é obra da Acção Católica, é sim uma organização educativa do Estado do qual depende e ao
qual está subordinada; o seu ideal supremo é formar integralmente o cidadão português do Estado
Novo; mas desta formação faz parte integrante também a educação cristã. A Igreja, aceitando a
subordinação ao Comissariado da MP, comprometia-se a cooperar lealmente com ele mas rejeitava
uma educação moral puramente natural, lembrando o risco de resvalamento para uma “moral sem
Deus” praticada pela I República. Recorrendo ao argumento mais forte de todos, o combate
ideológico ao comunismo, inerente à MP, Cerejeira reforçou o papel educativo da Igreja dentro do
organismo: (...) ou a Mocidade Portuguesa consegue cristianizar a nossa juventude, ou esta se
tornará comunista. O cardeal consumava assim a aliança com a Mocidade: Pôs a Providência nas
suas mãos o instrumento mais poderoso de resgate da nossa Mocidade. Para a salvar da sedução
de doutrinas homicidas, que destroem o homem e a sociedade, quer o Estado dar-lhes o ideal e a
vida cristãs; e ao mesmo tempo formar uma geração nova, saudável, forte, belamente humana. 349
O alinhamento de métodos entre a Igreja e a MP ficaria então cristalizado na resposta de
Marcelo Caetano ao Cardeal Patriarca, onde assegurou a posição pessoal: Estou certo que, dentro
dos princípios concordatários e constitucionais, e dada a boa fé de quem, incompetentemente
embora, foi encarregado da orientação deste importantíssimo movimento, não haverá motivos
sólidos para qualquer atrito entre a M.P. e a Igreja.
A unidade de valores fora finalmente acordada. Concluiu o comissário nacional:
Divergência acerca de pormenores metodológicos pode surgir, uma ou outra vez. A erros
de entendimento estamos todos sujeitos. Mas afastamento intencional dos princípios fundamentais
348 AMC, Caixa 29, Correspondência/IGREJAS/ CEREJEIRA, D. Manuel Gonçalves, Cardeal Patriarca de Lisboa, n.º 3. Carta de 3 de Fevereiro de 1941, enviada pelo Cardeal Gonçalves Cerejeira ao Comissário Nacional, Marcelo Caetano. 349 Ibidem.
110
que norteiam a formação da juventude segundo a moral cristã, espero em Deus que nunca se venha
a dar.350
4.2. Aparelho burocrático num quadro totalizante (1942-1944)
4.2.1. Tolerância vigiada
A invasão da França pela Alemanha, no Verão de 1940, e a consequente viragem do conflito
mundial a favor do Eixo, arrepiou a frágil posição peninsular do regime. A ameaça alemã, cujas
pretensões anexionistas não fariam descansar Salazar, e o perigo da beligerância espanhola a favor
do Reich, levaram o governo português a intensificar os contactos com Londres, encetando com ele
negociações militares no fim do mesmo ano.351 Mesmo assim, depois da queda da “velha França”, e
perante uma eventual vitória nazi sobre a Europa, Portugal conservou uma neutralidade equidistante
face à guerra, evitando alterar a sua posição e controlando tanto os ânimos pró-aliados como
germanófilos. Esta posição tomaria depois a forma de “neutralidade colaborante” com a causa
britânica, sobretudo a seguir ao desembarque aliado no norte de África, em Novembro de 1942, e à
capitulação italiana, no ano seguinte. Colaboração esta que se enquadrou na lógica ofensiva dos
aliados, que iriam sobrepor as grandes linhas político-estratégicas decorrentes do conflito nas suas
relações com os países neutros. Em Portugal, as principais cedências às imposições aliadas foram
sobretudo pressionadas pela diplomacia britânica, muitas vezes sob a ameaça de derrube do regime
quando este ofereceu resistência, em particular no caso da concessão de facilidades militares à Grã-
Bretanha e Estados Unidos nos Açores, em 1943, e no embargo da venda de volfrâmio aos alemães,
em 1944. A partir desse ano, a derrota alemã tornou-se cada vez mais evidente e a preocupação
central do regime passou a ser a da sobreviver para além do fim da guerra.352
Entretanto, ainda em 1940, o conflito internacional tinha entrado nos quotidianos em geral,
como tema das conversas de café, de cartazes e de murais clandestinos onde se lia o “V” de vitória,
dos filmes exibidos nos cinemas e dos programas de rádio.353 Nos círculos da opinião pública
nacional, as correntes anglófilas começaram a fazer-se ouvir, ao mesmo tempo que a propaganda
nazi ainda predominava e reunia um grupo interessante de adeptos entre os sectores mais
radicalizados. Mas a partir de 1942, este cenário tendeu a transformar-se: a causa aliada, que já
contava com o sentimento popular a favor da Inglaterra, penetrou de modo mais sistemático na
sociedade portuguesa, através de uma eficaz propaganda que acabaria por silenciar os germanófilos.
Entre os principais apoiantes do bloco aliado em Portugal, como veículos importantes desta
350 AMC, Caixa 29, Correspondência/IGREJAS/ CEREJEIRA, D. Manuel Gonçalves, Cardeal Patriarca de Lisboa, n.º 4. Cópia da carta, de Fevereiro de 1941, enviada por Marcelo Caetano em resposta às observações do Cardeal Cerejeira. 351 Cf. Fernando Rosas, História de Portugal (...), p. 306. 352 Ibidem, p. 314. 353 Cf. Júlia Leitão de Barros, op. cit, p. 107.
111
propaganda, estavam os (...) os velhos republicanos democratas e monárquicos liberais que viam
agora renovada a esperança de um desenlace da crise internacional favorável a uma mudança
política no país.354 Muitos destes apoios viriam, de forma mais ou menos velada, abalar a
segurança interna do regime.
A 7 de Março de 1942, Mário de Figueiredo alertou Salazar para um inquietante
recrudescimento do escutismo não católico. Identificando elementos hostis ao regime, avisou:
Irrompeu aí ultimamente um movimento escotista que tem visivelmente intuitos que não são bons e
são contra nós. 355 O ministro da Educação Nacional referia-se à notícia publicada a 5 de Fevereiro
de 1942 pelo jornal O Século,356 que anunciara para o mesmo dia a tomada de posse do Conselho
Nacional dos Escoteiros Portugueses, eleito pelos grupos escutistas do continente, ilhas e colónias.
Destacavam-se na nova direcção o contra-almirante Artur de Sales Henriques e Aníbal Mesquita de
Guimarães. Também indicados para o corpo dirigente estavam o coronel Henrique Linhares de
Lima, tenente-coronel Vasco Silva, comandante Álvaro de Melo Machado, major Alexandre de
Morais, capitães José Gonçalves Louro e António Noronha Paulino, Pedro Correia Marques,
Miguel Trancoso, Luís Quartim Machado Pinto, Jaime Romano de Freitas, Luís Tovar de Lemos,
Jorge Pereira Jardim, Luís Rebelo Teixeira, Joaquim Amâncio Salgueiro e João de Miranda
Trigueiros. A estes nomes, o Diário de Notícias acrescentou o do próprio director d’O Século, João
Pereira da Rosa.357
Mário de Figueiredo indicava ainda: Aparece como comissário da propaganda um tal Pires
Guerreiro que já esteve deportado, é contra nós, tem actualmente larguras de vida que só se
explicam por estar muito ligado à Embaixada Inglesa. A direcção do movimento, que parecia
apoiado também pelo cônsul norte-americano, incluía ainda Franklin António de Oliveira, um dos
mais antigos dirigentes da AEP cujo passado, comprometido com o nacional-sindicalismo e a
demarcação dos grupos de scouts católicos, o tornava agora, segundo Figueiredo (...) pessoa
suspeita e sem cotação.358 Entre os elementos que levantavam desconfiança encontrava-se ainda
José Mendes Cabeçadas, conhecido opositor e participante activo nas tentativas de deposição do
regime depois da Segunda Guerra Mundial.359 A respeito deste grupo, o ministro informou ainda
354 Ibidem, p.73. 355 AOS/CO/ED-1D. Nota de 7 de Março de 1942, enviada por Mário de Figueiredo a Oliveira Salazar. Documento sem assinatura. 356 Cf. “Escutismo” in O Século, n.º 21 507 de 5 de Fevereiro de 1942, p.3. 357 Cf. “Conselho Nacional dos Escoteiros de Portugal” in Diário de Notícias, n.º 27294 de 5 de Fevereiro de 1942, p.2. 358 AOS/CO/ED-1D. Nota de 7 de Março de 1942, (...). 359 José Mendes Cabeçadas Júnior (1883-1965). Oficial da Armada, foi um dos revolucionários de 5 de Outubro de 1910 e líder do golpe militar de 28 de Maio de 1926, assumindo a Presidência do Ministério até 31 de Maio desse ano. Próximo da ala que defendia a estabilização governativa e a devolução do poder à República, foi afastado pelo General Gomes da Costa e tornou-se opositor da Ditadura. No fim da Segunda Guerra Mundial, integrou o malogrado golpe da Mealhada (a 10 de Outubro de 1946) e a conspiração de Abril de 1947, em sequência da qual foi preso.
112
(...) Entrou em actividade e faz ou quer fazer demonstrações de defesa passiva (...) que incluía
técnicas de defesa civil contra ataques aéreos e guerra química, (...) para o que pediu ao Ministério
das Obras Públicas autorização que lhe tornasse possível fazê-las no Castelo de S. Jorge. No ofício
em que pede isto afirma, sem verdade, que tem obtido todas as facilidades do Ministério da Guerra.
Na verdade, o alargamento do número de escoteiros tornava-se preocupante, estendendo-se
a todos espaços associativos e, segundo Mário de Figueiredo dava conta a Salazar: Na reunião das
sociedades de educação e receio que são muitas dezenas, mesmo centenas, nota-se que em todas se
organizam grupos de escoteiros. O ministro remeteu por isso a Salazar um projecto (...) necessário
e urgente que, embora não tendo chegado até nós, supomos estar relacionado com possíveis
alterações à legislação publicada dois dias mais tarde. Concluía por isso Mário de Figueiredo pela
urgência de intervir, mas Em vez de se ir para a fórmula totalitária, vai-se no projecto para uma
fórmula de independência vigiada. Parece-me melhor e não levanta atritos com a Igreja.360 O
ministro referia-se, provavelmente, ao decreto que, em 1939, organizou a MP colonial, cujo artigo
36.º determinara a extinção de todos os grupos de escoteiros existentes nas colónias.361
A 9 de Março, a opção vigilante tomou a forma de decreto-lei, impondo que: Todas as
organizações, associações ou instituições que tenham por objecto a educação cívica, moral e física
da juventude carecem, para se constituir e poder exercer actividade, de aprovação dos estatutos
pelo comissário nacional da Organização Nacional Mocidade Portuguesa.362 Pelo novo
instrumento legal, a MP acumulou funções como aparelho burocrático, controlando todos os
organismos nacionais com fins análogos aos seus. Ao entregar novas competências à direcção da
Mocidade Portuguesa, o Estado Novo, ou antes, Salazar, confiou à organização o policiamento dos
outros agrupamentos de juventude. E, pela primeira vez no percurso político da organização, a MP
adquiriu competências tutelares que, em última instância, permitiram cercear o campo de actividade
de dirigentes, participantes e fins de todos estes organismos. A provar esta intenção, o texto
legislativo prosseguia:
Art. 2.º As referidas organizações ficam sujeitas no exercício da sua actividade à direcção e fiscalização do comissário nacional da Organização Nacional Mocidade Portuguesa ao qual compete:
1.º Sancionar a designação dos dirigentes superiores das organizações; 2.º Autorizar a abertura e o funcionamento de quaisquer centros, grupos, núcleos
ou delegações; 3.º Aprovar todos os regulamentos e instruções aplicáveis às actividades
educativas; 4.º Pedir aos dirigentes todos os esclarecimentos que reputar necessários. 5.º Destituir os dirigentes que tenham violado as disposições legais ou
estatutárias, desobedecido às instruções recebidas ou não ofereçam garantia de cooperar
360 AOS/CO/ED-1D. Nota de 7 de Março de 1942, (...). 361 Decreto n.º 29 453 publicado no Diário do Governo, I Série, n.º 40, de 17 de Fevereiro de 1939. 362 Decreto-lei n.º 31 908 publicado no Diário do Governo, I Série, n.º 55, de 9 de Março de 1942.
113
na realização dos fins superiores do Estado. § único. Das decisões do comissário nacional a que se refere o n.º 5 deste artigo
cabe recurso para o Ministério da Educação Nacional. 363 A afirmação de controlo sobre o universo juvenil foi ainda mais longe, ao transformar a MP
numa força dissolvente das entidades não colaborantes com as metas ideológicas do regime, sujeitas
à ordem de extinção ministerial:
Art. 3.º As organizações a que se refere este decreto-lei têm o dever de cooperar com a Organização
Nacional Mocidade Portuguesa na realização dos seus fins e serão extintas por portaria do Ministro da Educação Nacional desde que, em inquérito, se prove que não estimulam nos seus filiados o sentimento patriótico e o culto dos ideais do Estado Novo português.
Art. 4.º As organizações, associações e instituições existentes à data da publicação do presente decreto-lei que se proponham por qualquer forma, promover a educação cívica, moral e física da juventude portuguesa deverão no prazo de trinta dias requerer ao comissário nacional da Mocidade Portuguesa a aprovação dos seus estatutos e a sanção para os seus corpos gerentes.
§ único. Na falta de requerimento dentro do prazo legal, considerar-se-ão as mesmas organizações extintas e serão arrolados os seus bens, que reverterão para a Organização Nacional Mocidade Portuguesa.364
Em remate final, coroando as intenções do diploma, o último artigo removeu o estatuto que
protegia a actividade da AEP e do CNE, também elas sujeitas à observação da MP, ficando (...)
revogada a legislação especial referente à Organização Escotista de Portugal, Associação de
Escoteiros de Portugal e o Corpo Nacional de Escutas.365 Em consequência evidente deste
decreto, o Diário de Notícias voltou a anunciar, a 22 de Março, a realização de exercícios de
acampamento e defesa passiva pelos Escoteiros de Portugal, que o mau tempo impedira de
promover no dia 1. Mas desta vez, as demonstrações decorreriam no Jockey Club, de onde
transmitiriam (...) mensagens aos Srs. Presidente do Conselho e Comissário Nacional da M.P.. 366
Em 24 de Junho do mesmo ano, esta solução centralizadora foi aplicada às colónias,
salvaguardando contudo (...) as organizações, associações ou instituições de ensino a cargo das
missões católicas portuguesas (....) e bem assim todos os seminários coloniais para formação de
clero destinado ao serviço religioso ultramarino (...) em cumprimento do Acordo missionário
assinado dois anos antes.367 Relembrando a preocupação do ministro Mário de Figueiredo, eram ali
assegurados os interesses da Igreja Católica.
Embora a nova arma legal permitisse controlar todas as actividades recreativas e educativas
da juventude a nível nacional, a Mocidade Portuguesa mostrar-se-ia incapaz de ocupar esses
espaços, espalhando-se um pouco por todo o País o amortecimento das actividades e o desinteresse
generalizado. Também em Março de 1942, Marcelo Caetano detectava já os desequilíbrios da
363 Ibidem. 364 Ibidem. 365 Ibidem. 366 “Escoteiros de Portugal” in Diário de Notícias, n.º 27 338, de 22 de Março de 1942, p.4. 367 Portaria n.º 10 122 publicada no Diário do Governo, I Série, n.º 145, de 24 de Junho de 1942.
114
organização no mapa nacional, verificando que o (...) inegável incremento das actividades da
Mocidade Portuguesa dos últimos tempos, correspondente a maior consciência dos objectivos e
melhor domínio da técnica para os atingir, não se produziu por igual em toda a Organização como
seria para desejar.
Este empobrecimento da euforia inicial, onde as actividades dos centros se tinham feito
substituir pela mera existência burocrática, tornava-se cada vez mais dramático. Prosseguia
Caetano: Há províncias inteiras adormecidas, alas que existem só no papel, centros onde se
continua a vegetar na rotina dos "exercícios" do sábado, sem animação, sem interesse. Em muitos
sítios ainda não se compreendeu o que é a Mocidade e qual é a função dos seus dirigentes.
Milhares de rapazes continuam a não cooperar entusiasticamente no nosso trabalho. Num rasgo de
optimismo, embora realista, concluía: O quadro não é enegrecido por pessimismo. Mas a verdade é
uma das leis que servimos. Não serve de nada (só tem inconvenientes) viver na ilusão permanente,
criar uma realidade cor de rosa para efeitos de propaganda, proclamar constantemente aos quatro
ventos que está feita e perfeita uma obra formidável - quando mal acabámos ainda os seus
caboucos. 368
Em face desta desertificação da MP, o escutismo católico aproveitou para preencher o mapa
português com vida própria. Ainda que obrigados a colaborar com os fins da organização nacional,
os agrupamentos de escoteiros conservaram a ofensiva de ocupação crescente. Em Julho de 1942,
esta preocupação chegou mesmo ao gabinete do ministro da Guerra, cuja pasta estava ainda à
guarda de Oliveira Salazar, pelo alerta do comissário adjunto Frederico Vilar. Segundo informação
do major, o Corpo Nacional de Escutas vinha desenvolvendo (...) particular actividade na cidade de
Elvas, apresentando-se não como colaborador da Mocidade Portuguesa, a Organização oficial a
quem compete a orientação da juventude, mas sim como um substituto, tanto assim que, como
elemento e propaganda escutista, se fez referência, na sessão pública comemorativa do 1.º
aniversário da sua fundação naquela cidade, “ao agonizar lento, mas real da Mocidade
Portuguesa”.369 Tomado como provocação, o incidente conduziu à instauração de um inquérito
junto dos membros do CNE de Elvas em sinal de “advertência” das autoridades militares locais.370
368 CAETANO, Marcelo, “Mais e melhor” in Boletim Mensal do Comissariado Nacional, Mocidade Portuguesa, n.º 5, vol. II, Lisboa, Março de 1942, p. 141. 369 Arquivo Histórico Militar. Correspondência com o Ministério da Educação, 1942-1945. Cx. 0026 - Sr. 13. Ofício confidencial n.º 1147, de 30 de Julho de 1942, enviado pelo comissário-adjunto da MP, Frederico Vilar, ao chefe de gabinete do ministro da Guerra. 370 O secretário inspector da MP, Soares Franco, informando Salazar a este propósito, garantia terem sido tomadas (...) providências que nos parecem bastantes por estarmos certos de que a intervenção das autoridades militares deve ter sido advertência suficiente aos elementos do C.N.E., em Elvas. AHM. Correspondência com o Ministério da Educação, 1942-1945. Cx. 0026 - Sr. 13. Ofício n.º 1834, de 16 de Setembro de 1942, enviado por Soares Franco ao chefe de gabinete do ministro da Guerra.
115
4.2.2. “Nação desmoralizada”
Nos meses que se seguiram à promulgação deste decreto, a crescente instabilidade social
denunciou o agravamento das condições de vida, reflectindo-se na organização de juventude as
inquietações mais profundas do regime.
As desigualdades sociais que já vinham a acentuar-se antes do período de guerra, atingiram
níveis dramáticos nos anos de conflito internacional. A falta de géneros, a insuficiência dos salários
e a fome generalizada desencadearam focos de contestação por todo o país. O surto reivindicativo
do operariado industrial, que estalou a partir de 1942, representou a ruptura do (..) primeiro e
principal elemento viabilizador do sistema.371 Rompida a “paz social”, a primeira crise séria do
regime estava instalada. No pequeno mundo urbano lisboeta, a pobreza vagueava em cada esquina,
contrastando com as excitantes influências da “suave invasão” dos refugiados de guerra que se
passeavam pela capital, a nova vida das esplanadas e a revolução das modas trazidas de fora: Nos
antípodas do cosmopolitismo citadino, ou ombreando embaraçosamente com ele na mendicidade
que enxameava a “Baixa” ou as Avenidas Novas, vegetava, estrangulada nas suas terríveis
carências, a Lisboa operária, espraiada pelas ruelas, becos, pátios e barracas das zonas ocidental
e oriental da cidade adjacentes ao Tejo. E a todos os títulos ainda mais longe da capital, apesar de
tudo relativamente privilegiada, rebentava de fome, de miséria e de doença o operariado dos
demais centros industriais do País, de Setúbal a Braga.372
Os movimentos grevistas encetados em 1942-1943, e mais fixados no proletariado
industrial, arrastaram consigo os assalariados rurais, do Minho ao Alentejo. As “classes médias”
urbanas não estavam mais satisfeitas, em particular a pequena burguesia, associando-se ao
descontentamento geral e assinalando também a progressiva oposição ao regime. Ao mesmo tempo
que o edifício de “paz social” do Estado Novo ruía, os ventos da guerra começavam a soprar a favor
dos aliados, exacerbando a expectativa geral sobre a possível vitória das democracias. Os motivos
de preocupação do regime acotovelavam-se entre a agitação social, o progressivo recuo dos
governos autoritários na cena internacional e a reorganização das oposições ao Estado Novo, em
particular com a reorganização do Partido Comunista em 1940-1941 e a formação do Movimento de
Unidade Nacional Antifascista (MUNAF), em finais de 1943.373
A primeira ameaça ao futuro da Mocidade Portuguesa, registou-a Marcelo Caetano em
correspondência com o Presidente do Conselho, onde arriscou críticas abertas à condução política
do regime. Em 1942, Caetano receava já as consequências da crescente “consciência social”
371 Fernando Rosas, História de Portugal (...), p. 353. 372 Fernando Rosas, Portugal entre a Paz e a Guerra. 1939-1945, Editorial Estampa, Lisboa, 1995, p.343. 373 SILVA, Maria Isabel Mercês de Melo de Alarcão e, O Movimento de Unidade Democrática e o Estado Novo. 1945-1948, [Dissertação de Mestrado de História dos Séculos XIX e XX (Secção do Século XX) apresentada na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa], Lisboa, 1994, p.27.
116
transversal à população e interiorizada, em particular, nos meios juvenis. Foi com inquietação que
escreveu a Salazar em Maio do mesmo ano, a propósito da realização do primeiro curso de
Orientação de Dirigentes, decorrido num acampamento na Mata da Caparica durante a Páscoa, onde
se praticara o (...) retiro espiritual em que a meditação preferida foi a da nossa responsabilidade
perante a Nação. Apesar do aparente sucesso do encontro, considerava o Comissário Nacional: Mas
a luta que temos de travar contra o ambiente vai além das nossas responsabilidades. 374
A Mocidade Portuguesa, podia já pouco no combate à realidade. Constatava-o Marcelo
Caetano: Nós procuramos fazer alguma coisa nas escassas horas da semana que nos são
concedidas: o meio escolar, familiar, social, artístico... desfaz no resto do tempo com os boatos, as
anedotas, as canções, o cepticismo e o espírito crítico.
A Nação está moralmente mobilizada. Falta mesmo uma força política activa que a conduza
e ampare contra as suas fraquezas tradicionais. E sem isso receio que trabalhemos na areia: os
rapazes, aos 18 anos, aderem ao meio...375 Neste terreno arenoso, permeável à crescente
contestação social e à degradação do clima de “paz interna” sublimada pelo Estado Novo, a
Mocidade Portuguesa reflectia a intensificação da crise do regime. O descontentamento sentido
entre os jovens por aquela atmosfera geral oferecia algum pessimismo a Caetano quanto ao futuro
dos “rapazes” da Mocidade:
De resto eles estão a ter uma preocupação quase mórbida com a questão social e
convencem-se que nada ou quase nada fizemos para aplicar a doutrina que se lhes ensina. Há que
ver este aspecto da mentalidade da juventude actual – que me dá muito que pensar. 376
O percurso de centralização e reforço de poderes da MP não chegou ao fim com o decreto
de Março. A 31 de Agosto, ainda em 1942, foi a vez de agitar as estruturas escolares, ao integrar na
organização as caixas e associações por elas geridas. A Mocidade Portuguesa absorveu assim toda a
gama de actividades circum-escolares mantidas pelas instituições de ensino, alargando o património
de competências. Levando à prática a medida sugerida três anos antes no Congresso da MP377, o
Decreto-lei n.º 32 234 entregou às organizações masculina e feminina de juventude a gestão destes
fundos e infra-estruturas.378 Segundo o diploma era (...) indubitável que a Mocidade Portuguesa
oferece mais do que nenhuma outra instituição privilegiadas possibilidades à cooperação de
professores e estudantes na realização de obras educativas que não entram directamente nos
374 Carta de Maio de 1942, publicada em José Freire Antunes, op. cit., p. 104 375 Ibidem, p. 104. 376 Ibidem, p. 104. 377 O médico Luís Figueira, pertencente aos quadros directivos da MP, preconizara esta integração naquele congresso, defendendo que se devia caminhar para a extinção destas associações (...) transformando-as em núcleos de solidariedade, em contraste com a proposta de Agostinho Pinheiro (professor do Liceu Diogo de Gouveia) que pretendia desenvolver as mesmas associações dentro dos estabelecimentos de ensino. I Congresso (...), p.208 378 Diário do Governo, I Série, n.º 203, de 31 de Agosto de 1942. Vide Anexo VIII.
117
planos de estudos. A concentração destas actividades nas mãos da MP e MPF era justificada pela
(...) unidade da vida escolar e a hierarquia de funções directivas, bem como a realização integral
das finalidades próprias dos organismos circum-escolares existentes.379
Do outro lado do argumento em defesa desta agregação de interesses nas duas “Mocidades”,
estava a simplificação das quotizações cobradas pela escola e as duas organizações em simultâneo.
A solução passava então por integrar nos centros escolares da Mocidade Portuguesa (...) todas as
associações escolares, cantinas, caixas escolares, caixas de excursões, caixas ou associações
filantrópicas existentes nos liceus, nas escolas de ensino técnico e profissional, nas escolas práticas
de agricultura, nas escolas de regentes agrícolas e nos estabelecimentos de ensino particular
correspondentes, com todos os direitos e obrigações que actualmente lhes cabem. No caso dos
estabelecimentos de ensino de frequência mista, os bens e receitas das instituições integradas seriam
então (...) distribuídos proporcionalmente ao número de filiados existentes nos respectivos centros
escolares da Mocidade Portuguesa e da Mocidade Portuguesa Feminina. O património material e
financeiro escolar transitava assim para nova gerência e protegia os interesses dos filiados
voluntários, fazendo (...) desaparecer a anomalia de se sujeitarem os filiados na Mocidade
Portuguesa a mais encargos do que os não filiados, que podem ser os maiores de catorze anos.380
O decreto aproveitava assim a função de estímulo ao prolongamento da estadia nas fileiras da MP,
ao mesmo tempo que o organismo persistia em criar raízes cada vez mais profundas na vida escolar.
Instituía-se, em conclusão, uma quotização obrigatória, devida por (...) todos os estudantes, filiados
ou não na Mocidade Portuguesa (...) no acto de pagamento de matrícula e propinas, com destino
aos centros escolares da organização.
No espírito do diploma podemos subentender uma dualidade de critérios. Por um lado, o
Comissariado Nacional apontava, desde a origem da organização, a insuficiência de meios
financeiros que fizessem face à crescente dimensão da MP. A absorção dos fundos escolares para a
Mocidade Portuguesa passaria assim a constituir nova fonte de rendimento, financiadora de cada
centro, libertando verbas para o seu desenvolvimento local. Noutra perspectiva, e em concomitância
com a conjuntura de agitação política e social, o controlo do associativismo escolar promovia assim
um complemento ao reforço da vigilância sobre as organizações juvenis, encetado em Março do
mesmo ano. Na verdade, as associações escolares representavam ainda uma herança do sistema de
instrução republicano, sentida com desconfiança pelo Estado Novo e como potencial concorrente à
actividade da MP. Exemplo máximo desta linha genética com a escola da República, a associação
escolar do Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, tinha por divisa principal “Nós nos educaremos”. A
379 Decreto n.º 32 234 (...) . Esta disposição foi mandada aplicar às colónias, através dos governadores e comissários coloniais, em Setembro de 1944, conforme a Portaria n.º 10 746, publicada no Diário do Governo, I Série, n.º 207, de 21 de Setembro de 1944. 380 Ibidem.
118
expressão, que seria glosada pelo Estado Novo mas no quadro uniformizador da Mocidade
Portuguesa, pretendia envolver os alunos na vida da associação escolar, materializadas nas caixas
escolares, excursões, visitas de estudos, salas literárias, salas de leitura, entre outras.381
A publicação deste decreto gerou novas tensões sobre a relação Escola/MP. A medida,
obviamente aplaudida pelo Comissariado Nacional, foi contestada, logo em primeiro lugar, pelo
director-geral do Ensino Liceal, António Augusto Rilley da Motta. Antigo reitor do liceu Nacional
de Antero de Quental, em Ponta Delgada, o director-geral baptizou o diploma ministerial como
decreto do roubo, ao ver retirado aos liceus um dos seus fundos mais importantes.382 Mas a colheita
de recursos financeiros dos liceus pela MP já era prática frequente, sendo a integração das caixas
escolares uma concretização formal de hábitos anteriores. No liceu Bissaia Barreto, na Figueira da
Foz, por exemplo, a Mocidade Portuguesa, ocupando (...) ano após ano, o espaço de actividade da
Associação Escolar, veio a sorver lentamente os recursos que lhe estavam destinados, até à sua
posse definitiva por extinção legal, em 1942.383
A par do esforço legislativo pela inclusão nas fileiras da Organização dos meios associativos
que englobavam a juventude, a M.P. debatia-se ainda com o crescente tumulto social, ao qual
voltou a aludir o comissário nacional, no mês de Outubro. Os primeiros indícios de desestabilização
eram já motivo de insatisfação generalizada, atingida mesmo por algumas manifestações activas de
oposição ao organismo, como descrevia Marcelo Caetano, dirigindo-se outra vez a Salazar: (...)
tenho estado a ler os relatórios dos delegados provinciais:384 a nota é a mesma, a obra prejudicada
pelo ambiente cada vez pior no País. Converso aqui com alguns amigos: informam-me que
recolheram por toda a parte idênticas impressões e dão-me notícia do descontentamento e quase
revolta das classes operárias e em geral dos sindicalizados (...). O relançamento dos movimentos
de contestação ao regime era também visível:
No Barreiro, onde a MP custou a entrar mas conquistou alguns excelentes elementos, os
nossos rapazes são agora perseguidos com chufas, e ameaçados de “lhes cortarem o braço” se o
erguerem na saudação romana. 385
Em Janeiro do ano seguinte, a leitura de Marcelo Caetano sobre a “situação moral” do país
traduzia-se em desorientação de meios e de métodos. Da viagem realizada ao Porto, o responsável
máximo da MP atribuía ao clima de contestação geral a ingerência da organização, em lamento
381 NÓVOA, António, BARROSO, João, Ó, Jorge Ramos do, “O todo poderoso Império do Meio” in Liceus de Portugal (...), p. 58. 382 Cf. AMC, Caixa 27, Correspondência/FRANCO, José Porto Soares, n.º 13. Carta de 22 de Setembro de 1942, enviada pelo secretário inspector, J. Soares Franco, ao comissário nacional, Marcelo Caetano. 383 MARQUES, Fernando Moreira, “Liceu Bissaia Barreto” in Liceus de Portugal (...), p. 316. 384 Os relatórios a que se refere Marcelo Caetano não foram encontrados nos fundos de arquivo disponíveis, salvo alguma correspondência esporádica, acompanhada deste tipo de informação, identificada no Arquivo da Mocidade Portuguesa, ainda em fase de inventariação na data em que concluímos o presente trabalho 385 Carta de 8 de Outubro de 1942, publicada por José Freire Antunes, op. cit., pp. 107-108.
119
enviado ao Presidente do Conselho: Os rapazes são, como em toda a parte, matéria-prima
excelente. O que nem sempre há é quem os trabalhe. E mesmo quando existem dirigentes – os
nossos meios de acção não são suficientes para vencer a influência do ambiente. As vias de
repressão sobre os movimentos grevistas também se provavam ineficientes, concorrendo-se para um
quadro de risco para o regime:
A situação moral é muito má e cada vez pior. Está-se a criar um ambiente favorável a qualquer coisa que já se anuncia em voz alta, como em voz alta se exprimem opiniões contrárias ao Governo e à Ordem Social, no meio do silêncio e do consentimento geral. Aquando das últimas greves, o público (nós todos...) reconhecia razão aos grevistas. A polícia pareceu colhida de surpresa (quando as greves eram previsíveis sem esforço) e agiu às cegas: creio que ainda hoje não está preparada para uma inteligente actuação em caso de perturbações do mesmo género e muito provavelmente se repetirão correctas e aumentadas.386
Ao impacto da crescente agitação social em 1942 e da “desmoralização” geral, o regime
opôs um forte aparelho propagandístico como manobra de diversão de atenções da realidade
interna. As grandes paradas da Mocidade Portuguesa, instrumento útil nesta operação, formaram
uma das frentes de combate preferidas pelo regime, pontuando os períodos de maior instabilidade.
Foi neste sentido que em Fevereiro de 1943, a pretexto do processo de reorganização da Milícia e
da elevação de graduados da M.P. à categoria de dirigentes, o Comissariado Nacional, sob iniciativa
de Marcelo Caetano, programou a encenação de uma parada grandiosa no Terreiro do Paço,
promovida (...) para ocupar os dirigentes e os rapazes da MP e assim contribuir para o
desanuviamento do ambiente político (...)387 que contaria pelo menos com 6000 filiados da
Mocidade, apoios da Legião Portuguesa e de alguns membros do Governo. A manifestação, de forte
acento iconográfico, decorreu em 28 de Fevereiro, embora sem a presença oficial de Salazar,
colhendo algum sucesso no alívio do “pesadíssimo ambiente moral”. Era pelo menos este o quadro
desenhado pelo Comissário Nacional ao observar que A MP é das poucas – senão a única –
organização do Estado Novo que ainda tem simpatia pública. E os rapazes são almas generosas –
elementos vibráteis de primeira ordem, capazes de influir nas famílias e, através das famílias, na
opinião. A ausência do Presidente do Conselho era, porém lamentada: Mobilizou-se a imprensa, 386 Carta de 28 de Janeiro de 1943, Ibidem, pp. 110-111 387 Carta de 24 de Fevereiro de 1943, Ibidem, p. 111. Nesta mesma carta Marcelo Caetano depositava na realização do evento o desvio momentâneo do foco centrado na instabilidade interna. Informava por isso Salazar: Como V.ª Ex.ª deve ter visto nos jornais, realiza-se no próximo domingo 28 e uma parada da MP no Terreiro do Paço a que assistirão perto de 6000 filiados fardados e contingentes da Legião, além de vários membros do Governo. Promovi-a para ocupar os dirigentes e os rapazes da MP e assim contribuir para o desanuviamento do ambiente político. Os rapazes acolheram a ideia com grande entusiasmo. Os objectivos ostensivos são: a) a reorganização da milícia por virtude das instruções para a instrução da infantaria em que o Ministro da Guerra tornou efectivas as vantagens prometidas por lei aos cadetes da MP; entregar-se-á um guião à milícia de Lisboa; b) a passagem de vários graduados à categoria de dirigentes. Como razão para a escolha a Domingo Magro dá-se o querermos marcar que, neste momento, a juventude encara seriamente a vida..
120
aqueceu-se o entusiasmo dos rapazes, chamou-se o público: a doença mais grave neste momento é,
como sempre, moral e, por isso, quatro palavras de V.ª Ex.ª e a sua presença na festa da MP teriam
uma influência enormíssima. Neste momento a acção imediata é muito mais profícua pela emoção
que pela razão.388 Em 1 de Março correu por toda a imprensa a notícia da “impressionante
manifestação” dos 10 000 camisas verdes que tinham desfilado pelas ruas de Lisboa, completando o
cenário “moralizador”.389
4.3. Entre ideologia e prática: MP na vida de um filiado
Entre as conclusões enunciadas pelo Congresso da Mocidade Portuguesa em 1939, a secção
dedicada à “Juventude na vida nacional” sublinhara que:
A M.P., na sua obra de preparação da juventude para a actividade cívica bem orientada, firme e fecunda, deve ter em vista que a vida futura dos seus educandos há-de integrar-se no pensamento dominador da Revolução Nacional. Assim não basta temperar as almas, é necessário também imprimir-lhes directrizes harmónicas com os ideais políticos e sociais que o Estado tem por normativos da sua acção e função.390
Embora sujeita a alguns golpes de estética, e rasgando o panfleto militarista que a anunciara
nos primeiros tempos, a Mocidade Portuguesa conservou a condição fundamental de elemento
reprodutor ideológico do regime, ao mesmo tempo que pretendeu estabelecer laços cada vez mais
fortes com cada filiado, procurando formá-lo, integral e individualmente.
4.3.1. “Educação integral” no espaço privado
Em Janeiro de 1941, o Boletim da Mocidade Portuguesa fez publicar um guião de princípios
fundamentais à formação do “novo português”. Os preceitos do bom filiado, como o baptizou,
passariam a constituir o pequeno manual normativo da MP, onde se liam dez regras fundamentais,
distribuídas por todos os centros de instrução. Na folha entregue pelo Comissariado Nacional, podia
ler-se: Rapaz! Se queres vir a ser um verdadeiro homem, orgulho da tua Pátria e seu digno
servidor no Império, procura agora proceder como bom filiado da Mocidade Portuguesa. Em tudo
recordando o modelo escutista, versava o “decálogo”: 1.º - O bom filiado educa-se a si próprio por sucessivas vitórias da vontade. 2.º - O bom filiado faz sempre o bem, ainda que tenha de vencer dificuldades e perigos. 3.º - O bom filiado ama a disciplina e respeita seus pais, chefes e superiores. 4.º - O bom filiado presta auxílio a quantos dele careça, e sem esperar recompensa. 5.º - O bom filiado é verdadeiro e assume sempre a responsabilidade dos seus actos. 388 Carta de 1 de Março de 1943, publicada em José Freire Antunes, op. cit., pp.112-113. 389 “10 000 «camisas verdes» desfilarem ontem pelas ruas de Lisboa” in Diário de Notícias, n.º 27 676, de 1 de Março de 1943, pp.1 e 4. 390 Ponto 2) das conclusões da 3.ª Secção do Congresso da Mocidade Portuguesa – I Congresso (...), p. 204.
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6.º - O bom filiado acalenta os pensamentos altos e heróicos e usa a linguagem digna de os exprimir. 7.º - O bom filiado é aprumado, limpo e pontual. 8.º - O bom filiado sabe vencer com generosidade e manter o bom humor na derrota. 9.º - O bom filiado comparece sempre e colabora como sabe e pode em todas as actividades para que for chamado. 10.º - O bom filiado não acha nunca demais o esforço que os dirigentes lhe pedem , nem de menos o que os outros fazem.391
Além da “formação do carácter”, do culto da obediência, do dever imperial e da disciplina, o
programa educativo da Mocidade Portuguesa contemplou também o espaço privado. Para conhecer
o filiado, era fundamental a aproximação às famílias, quando não a vigilância, a divulgação de
hábitos de higiene e de comportamentos sociais. A MP procurou também uniformizar a cultura
literária e artística dos jovens, através de bibliotecas “requintadamente nacionalistas”, concursos de
poesia e literatura e prémios artísticos.
Os primeiros anos da Mocidade Portuguesa, integraram, a par do programa de instrução
geral, a realização dos primeiros “Salões de Estética”, onde os filiados expunham obras plásticas
sempre alusivas a temas de carácter vincadamente nacionalista. O primeiro destes concursos teve
lugar em 1938, premiando trabalhos como o “Tesouro de Salazar” (em ferro forjado), “Lusíadas”
(obra em gesso) a “M.P. e a glória de Portugal” (desenho) ou ainda “Cobiça Estrangeira” (em
metal).392
Com o fim de consolidar a instrução dos lusitos, para a qual não se encontrara ainda solução
viável além dos breves estágios a que os professores do ensino primário eram sujeitos, foi
constituída, em 1945, uma comissão de estudo para elaborar o Manual do Lusito. Esta comissão,
constituída pelos directores dos Serviços de Instrução Geral, Educação Física e Desportos, Saúde e
Higiene e Formação Moral, destinava-se a concentrar num único livro de apoio, orientado para o
professor, os conhecimentos gerais a ministrar ao primeiro escalão, fixados em jogos educativos,
esquemas de formações, moral, educação cívica, canto coral e higiene.393
O persistente incentivo ao uso da farda, como se verificou, constituiu sempre preocupação
da MP, tantas vezes actuando como estandarte da organização, meio de exteriorização por
excelência mas também de identificação dos próprios jovens com a Mocidade. Esta imposição criou
mais resistência nos liceus, uma vez que nos centros extra-escolares a farda era vista como um luxo,
só obtido por caridade. Neste segundo caso, o uniforme era quase sempre bem-vindo, chegando a
constituir a única peça de roupa de alguns filiados. Mas no liceu, a farda era motivo frequente de 391 “A Campanha educativa da M.P.” in Boletim (...) n.º 3, vol. I, Lisboa, Janeiro de 1941, p.97. 392 O júri deste primeiro concurso foi constituído por Rui Morais Vaz, Cosmeli Santana e o Arquitecto Paulino Montês, director dos Serviços de Educação Estética da MP. CF. “I Salão de Educação Estética da M.P.” in Boletim – 1938 (...), p. 85. 393 ANTT/AMP. Cx. 979-mç.4. Cópia do ofício n.º 825, de 18 de Julho de 1945, enviado por Luís Avillez, adjunto do secretário inspector, ao director dos Serviços de Instrução Moral
122
oposições, sobretudo quando o reitor investia forças em torná-la obrigatória entre os filiados. Um
desses casos foi relatado por José Manuel Tengarrinha, enquanto aluno do liceu Infante de Sagres,
em Portimão, entre 1942 e 1946. Segundo descreve: “No Liceu de Portimão fomos todos obrigados
a comprar farda. Quem não tivesse farda tinha falta e chumbava-se por faltas. Os alunos
desfilavam pelas ruas, com tambores e bandeiras e fazendo a saudação nazi. Estávamos
organizados naqueles grupos típicos da MP e alguns chefes de agrupamento eram antigos alunos
do liceu, rapazes mais velhos, alguns já conotados com o regime, que eram chamados a comandar
os miúdos do liceu.” 394
Mas a pressão sobre os alunos em relação à MP fez-se também no sentido contrário. Como
vimos, o acolhimento da Mocidade Portuguesa foi muitas vezes repudiado individualmente pelos
docentes, que a receberam em protesto assim que atravessou a porta da escola. Foi disso exemplo
um professor do Liceu Mouzinho da Silveira em Portalegre, que em Maio de 1937 teria entrado em
confronto com alguns alunos que se apresentaram fardados na aula, acusando-os de provocação
voluntária aos não-filiados e a si próprio.395 O caso, denunciado pelo comandante local da PSP,
Manuel Rodrigues Carpinteiro, chegou às mãos do comissário adjunto, Humberto Delgado, a 27 de
Julho, mas desta vez remetido pelo queixoso na qualidade de pai de um filiado da MP.396 No
mesmo dia, estava já em apreciação um processo disciplinar contra o mesmo professor, levado ao
Conselho Permanente de Acção Educativa (CPAE), onde se julgou não dar este (...) garantias de
cooperar na realização de um fim superior do Estado, qual é o da Mocidade Portuguesa,
condenando-o a (...) um ano de inactividade sem vencimento. Acrescentava ainda o parecer:
Presumindo, porém, que a infracção deve, também, ser apreciada no seu aspecto político, entende
que a pena deverá ficar suspensa até que o governo apresse o presente processo (...).397
4.3.2. Ensaios de “obra social” – uma organização a dois ritmos Uma das questões levantadas no encontro de 1939 prendeu-se com o desinteresse
generalizado da Mocidade Portuguesa pelos centros extra-escolares (CEE). O médico Lopes Dias
propôs ali a criação de novos centros do género, a par da realização de inquéritos familiares com o
fim de abranger os filiados mais pobres. Ao aferir este abandono do mundo juvenil exterior à
394 Segundo entrevista concedida a Maria Elisa Barreiras, “Liceu Infante de Sagres” in Liceus de Portugal (...), pp. 591-592. 395 ANTT/Arquivo do Ministério do Interior, Mç 486/359/1. Cópia do ofício n.º 195, de 26 de Maio de 1937 (2.ª secção) de Manuel Rodrigues Carpinteiro, comandante da PSP de Portalegre ao Comandante Geral da PSP, sobre a atitude do professor. 396 ANTT/Arquivo Humberto Delgado. HD/APE/04/Cx 23. Carta manuscrita, de 27 de Julho de 1937, enviada por Manuel Rodrigues Carpinteiro, “pai de um filiado da MP”, a Humberto Delgado, comissário adjunto da Mocidade Portuguesa, denunciando o incidente. O mesmo queixoso acusava o ten. Serpa Soares, delegado da MP em Portalegre, de dar cobertura ao caso. 397 Arquivo Histórico do Ministério da Educação. Conselho Permanente Acção Educativa - Actas, Cx.29. Acta da 65.ª sessão do Conselho Permanente de Acção Educativa, realizada a 27 de Julho de 1937.
123
escola, lembrava que: (...) a M.P. escolar tem a sua escola e os seus campos de trabalho, mas que a
extra-escolar não tem nada. Na M.P. escolar há um campo educativo que é posto ao serviço da
Organização, enquanto que nos Centros extra-escolares tudo são dificuldades. 398 O médico da
Beira Baixa chegou mesmo a defender a criação de núcleos de acção social próprios junto dos CEE,
(...) dirigidos ao meio familiar dos filiados da M.P. e relacionados com as instituições de
assistência, quer públicas, quer particulares, já existentes.
Das várias propostas em torno da possível acção social da Mocidade Portuguesa, avançadas
em 1939, resultou a nomeação de uma comissão, presidida por Marcelo Caetano e constituída por
Lopes Dias, Constantino Cardoso e o padre Manuel Rocha, destinada a estudar o “Serviço Social da
MP”. Preconizado, entre outros, por este último, o serviço social tinha por alvo essencial os filiados
trabalhadores, cuja realidade era já familiar do padre jocista. E, em certo sentido, cruzavam-se aqui
as motivações gerais da Juventude Operária Católica com o empenho pessoal de Manuel Rocha,
através da organização.
Na primeira reunião como presidente do Conselho Técnico, Marcelo Caetano reforçaria o
interesse em intensificar a actividade dos centros (...) destinados aos filiados não estudantes que,
por esta razão, mais necessitam do amparo e influência da M.P. (...) e que deveriam ser dotados de
(...) meios materiais reconhecidos como indispensáveis e de instalações que, por serem atraentes,
possam considerar-se o verdadeiro «lar do filiado». O comissário nacional prometia ainda a
inclusão no orçamento de verbas especiais para (...) iniciar uma obra de assistência social,
condição necessária para realizar simultaneamente a actividade formativa daqueles centros.399
Quebrando o monolitismo que a MP tentava transparecer como organização nacional da
juventude, os centros extra-escolares traduziram vivências distintas dos pólos de instrução
instalados nos liceus. Em pouco tempo, o fosso entre os mundos escolar e extra-escolar foi sendo
alargado e este segundo progressivamente preterido em função do primeiro, repositório privilegiado
da descendência do regime. Refira-se, no entanto, que o universo não-estudantil da MP cresceu, nos
primeiros anos 40, por comparação ao primeiro período de vida da organização. Contra os números
avançados em 1938, em que se contavam apenas 20 centros extra-escolares em 125 escolares, os
valores apresentados perto do final da guerra indicavam uma proporção de 164 em 376,400 com um
aumento de 16% para 44% do universo total de centros existentes. Note-se ainda que, numa
primeira fase, os CEE integravam os alunos de colégios particulares cujo número de filiados não
fosse superior a trinta, o que já não se verificaria a partir de 1940. Estas unidades compunham-se
agora essencialmente por estudantes do ensino doméstico e filiados não estudantes, muitas vezes 398 Intervenção de Lopes Dias na 2.ª Secção do Congresso da Mocidade Portuguesa – “Educação Moral da Juventude”, I Congresso (...) p. 111. 399 ANTT/AMP. Conselho Técnico - Registo de actas (1940-1941). Livro 141-E. Acta n.º 1, de 14 de Outubro de 1940. 400 Cf. Listas reunidas em ANTT/AMP, Direcção do Serviços de Educação Física e Desportos - Correspondência expedida e recebida - 1944. cx. 1105 Mç.1. Vide Anexo IV.
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sem qualquer escolaridade anterior. Em 1945, também os primeiros foram obrigatoriamente
inseridos nos centros escolares, encerrando exclusivamente os filiados trabalhadores nos centros
extra-escolares.401 A clivagem social entre estes centros de instrução era também denunciada pelas
contribuições obrigatórias. A quota mínima devida pelos filiados dos centros escolares era de
10$00, estabelecendo-se em 5$00 o valor a pagar nos CEE.402
De acordo com o regulamento, a frequência dos centros extra-escolares, obrigatória para
todos os filiados, tinha lugar 3 vezes por semana (...) devendo os horários subordinar-se às
actividades profissionais de cada um.403 Na verdade, as ocupações profissionais destes filiados e,
muitas vezes, as condições de trabalho a que estavam sujeitos, constituíram óbice bastante à
participação assídua nas actividades promovidas, quando promovidas, pela MP extra-escolar.
A malha constituinte dos centros extra-escolares, embora não nos seja possível precisar
origens socio-profissionais, era constituída por jovens operários, assalariados do comércio ou
mesmo do campesinato, apesar de o grau de implantação da MP nos meios rurais ser bastante
inferior ao dos meios urbanos. A fraca adesão a estes centros, acompanhada desde logo pelo
fraquíssimo apoio financeiro que recebiam, justificava-se pelos horários de trabalho desencontrados
entre os filiados e, porventura com maior peso, pelos frequentes obstáculos colocados pelo
patronato à comparência nas actividades da Mocidade Portuguesa.404
Em 1946, as já péssimas condições de funcionamento dos centros extra-escolares atingiram
proporções dramáticas. Era o caso do CEE n.º 1 do Porto, cuja morte declarada da única secção de
relevo, a desportiva, anunciava também a inércia da instrução geral. Num espaço que em tudo
denunciava carências, qualquer tipo de material era bem-vindo, incluindo uma bola oferecida pela
sub-delegação regional no final do ano lectivo. Bola essa que agradecemos e com outra que
consegui arranjar, a Secção principiou a ter vida e a instrução geral a subir de nível, 405 segundo
observava o director do mesmo centro, Sarsfield Rodrigues, cujo relatório desse ano quase tocava o
inverosímil. O único atractivo para os filiados deste centro, na maioria, trabalhadores de oficinas ou
escritórios, eram as refeições distribuídas semanalmente. Revelando algum esforço no sentido de
inverter esta relação, o director insistia em levá-los a práticas desportivas mínimas, para (...) que ao
domingo encontrem nos seus Centros, elementos onde possam dar largas à sua juventude e não
sejam obrigados a andarem só debaixo de forma, fazer o velho «direita volver», ouvir uma
401 Regulamentos (...), p. 34. 402 Ibidem, pp. 39 e 46. 403 Ibidem (...), p. 46. 404 No Congresso de 1939, Durão Ferreira justificava que os CEE viviam (...) com dificuldades pelos entraves postos aos filiados que os frequentam. Pedia por isso que (...) ao Comissariado Nacional fossem dados os meios necessários para que os filiados dos Centros extra-escolares ficassem em condições de não serem impedidos sem justa causa pelos patrões, e tivesse, antes, um prémio da sua frequência. I Congresso (...), p.194. 405 ANTT/AMP. Cx. 982-mç.5. Relatório do Centro Extra-Escolar n.º 1 – Ala do Porto. 1945/1946, de António Sarsfield Cabral.
125
prelecção do Instrutor e assim receber a refeição na Cantina. Mas nem mesmo a cantina
assegurava a sobrevivência da MP naquele centro: faltava o subsídio anual do Comissariado, o
director recorrera ao regime de tudo pedir emprestado e as instalações deficientes limitavam quase
em absoluto a mais pequena formação educativa. Conclusão: Francamente, o Centro tem lutado
mas as forças vão-se enfraquecendo ao ver que não nos dão o indispensável para podermos lutar e
realizar a obra educativa conforme está determinada nas nossas directivas. 406
A este exemplo de extrema carência, opunham-se casos de relativo sucesso, como parecem
ilustrar os relatórios de actividades do centro extra-escolar n.º 1 de Vendas Novas, instalado na
Escola Prática de Artilharia (EPA). Este CEE só reunia 120 jovens quando, se a lei fosse cumprida,
deveria atingir os 600, mas todos estavam “fardados”. Grande parte do fardamento pertencia ao
centro que o distribuía quando necessário. Uma vez que os filiados eram (...) na sua maior parte
operários, empregados no comércio e estudantes,407 o que limitava a conjugação entre horários
diferentes, foram adaptadas as horas de instrução ao horário de trabalho. Nesse sentido, a instrução
pré-militar para os estudantes era dada ao Sábado, para os empregados na indústria ao Domingo e
para os empregados do comércio à segunda-feira. O director do centro e também instrutor geral,
tenente Daniel Grade, que conhecia de perto a pobreza em que viviam grande parte das famílias dos
filiados, organizou acampamentos frequentes que tinham como vantagem principal alimentar
gratuitamente filiados pobres durante esses dias e dar o máximo de assistência moral e material.
Largamente apoiado pela EPA, o acampamento de Maio de 1938 foi realizado a alguns quilómetros
do centro. Para combater a desconfiança das famílias, foram montados um emissor e receptor de
TSF pelos serviços radioeléctricos militares, transmitindo para a vila notícias sobre os filiados e
outra informações. Estes “serões radiofónicos” alcançaram o resultado pretendido, fazendo diminuir
a “frieza da população” ao receber a MP no regresso do acampamento.408
A partir de 1941, reflectindo a recente implantação eclesiástica na direcção serviços da MP,
o centro integrou um assistente religioso, o prior local Francisco Farinha. Tendo acompanhado o
acampamento anual, realizou palestras de ordem moral e cívica, em volta da fogueira “Chama da
Mocidade”. Segundo relato do mesmo assistente, (...) depois de se terem cantado e recitado
poesias, eram feitas aos filiados da Mocidade Portuguesa ligeiras considerações quase sempre
sobre o tema: Deus, Pátria e Família.409 Interessante é notar ainda o crescimento do número de
filiados que aderiram aos acampamentos do centro durante os anos de guerra410: contra 65
406 Ibidem. 407 A Mocidade Portuguesa de Vendas Nova, Centro de Instrução Extra Escolar n.º 1, Ala n.º 5, Alto Alentejo, Relatório de Actividades de 1938-1939, Tip. da L.C.G.G. Lisboa, p.5. Tratando-se do relatório de 1938-1939, ainda se incluíam estudantes entre os filiados do CEE. 408 Ibidem, pp. 9-10. 409 A Mocidade Portuguesa de Vendas Nova, (...), 1941-1942, p.29. 410 Os dados disponíveis referem-se aos anos de 1938 a 1942.
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participantes em 1938, o número foi de 107 em 1940, 118 em 1941 e 199 em 1942. Valores que
não são de estranhar, considerando que a maioria destes filiados viva em condições de pobreza
extrema e, como lembrava o comandante do centro, aproveitava os acampamentos para poder
alimentar-se convenientemente durante 15 dias...
Fundo de Camaradagem Criado com orçamento e contabilidade próprios, pela remodelação de Outubro de 1940, o
Fundo de Camaradagem passou a reunir as receitas obtidas com a venda de material e uniformes,
quotas dos centros de instrução especial, festas e exibições desportivas411, tendo por fim assumir as
despesas com filiados mais carenciados (alimentação, transportes, fardamento), em particular nos
centros extra-escolares. Estes recursos destinavam-se também à (...) manutenção de obras de
assistência social a filiados, tais como cantinas, colónias de férias na praia e na serra (...) e à
eventual concessão de bolsas para frequência da Escola Central de Graduados.412 Não sendo este o
primeiro passo dado pelo Comissariado da MP na senda de financiamentos próprios, era porém
indicador do orçamento apertado com que se debatia. Bipolarizada entre uma população escolar,
com níveis de vida mais confortáveis, e uma camada não estudantil, cujos recursos emagreceriam
cada vez mais nos anos da guerra, a organização tornou-se o espelho fiel do agravamento das
condições de vida, invertendo algumas das prioridades iniciais. Permanecendo embora o carácter
elitista da Mocidade Portuguesa, em particular nas actividades dos centros de instrução especial,
esta não tinha ainda desistido de atrair toda a camada juvenil, incluindo a mais pobre.
Não obstante a gama de contributos para o Fundo de Camaradagem, onde se incluíam
donativos voluntários, uma nova directiva irrompeu em Fevereiro de 1941 no sentido de atenuar o
aspecto caritativo destes recursos. A ordem de serviço n.º 9 sublinhava que (...) A M.P. não tem por
finalidade, principal ou acessória, prestar assistência aos seus filiados: não é uma instituição de
assistência infantil. 413 Depositando a esperança no sentido de solidariedade e ajuda mútua,
propunha-se apenas (...) auxiliar, por meio de comparticipações, as iniciativas das unidades. A
concluir esta orientação, atribuía-se prioridade do fundo às bolsas de estudo da ECG e compra de
uniformes de trabalho. Apelando à auto-sustentação das unidades da MP, o Fundo de Camaradagem
pretendia estimular o desenvolvimento de actividades locais, sob o lema: põe a tua mão, que eu te
ajudarei.414
411 Ordem de Serviço n.º 2, 15 de Outubro de 1940 publicada em Regulamentos (...). p. 19. 412 Ibidem, p. 20. 413 Ordem de Serviço n.º 9, de 1 de Fevereiro de 1941, Idem, p. 20. 414 Idem, p. 21.
127
Foi portanto de um ambiente de crescente agravamento das condições sociais, endurecidas
nos anos da guerra, que resultaram os ensaios da MP para uma fórmula de tipo assistencial,
vacilante entre a acção caritativa cristã e um controlo mais sistematizado na disponibilização de
recursos aos filiados mais carentes. No entanto, e como se observou, os serviços sociais da
Mocidade Portuguesa estavam longe de se enquadrar institucionalmente como obras de assistência
propriamente ditas. Constituíam antes recursos mínimos para assegurar o fardamento, pagamento de
propinas e cotas da organização aos que não pudessem cobrir estas despesas, de molde a certificar a
sua participação.
A obtenção destes financiamentos, verificados sempre como precários e inatingíveis da
verdadeira realidade social, passou, além da “camaradagem”, por receitas de festas, quermesses,
donativos de empresas e famílias cujo contributo ficava registado publicamente.415 A Mocidade
Portuguesa dos primeiros anos 40 vivia assim, em larga escala, da política de “caridade” particular
ou institucional.
4.3.3. Castigo e recompensa – ser da MP O impacto educativo da Mocidade na população juvenil a que se destinava dependeu
largamente do contexto em que os filiados a integraram. Se a grande maioria pertenceu ao
organismo durante os anos a que era obrigada, outros foram os que voluntariamente prosseguiram
até ao escalão de cadetes. A adesão ou não dos jovens aos fins doutrinários da Mocidade Portuguesa
esteve muitas vezes em estreita correlação com o estímulo de dirigentes, reitores de liceus e
instrutores, assim como da vontade das famílias e o ambiente social em que a organização operou.
A MP, por seu turno, também procurou forjar meios de vincular estudantes e não estudantes às
actividades desenvolvidas. No caso dos centros escolares, em particular, a comparência dos filiados
ao encontro semanal era obrigatória; excedido o número de quatro faltas anuais às actividades de
sábado, as sanções teriam efeito escolar para os escalões obrigatórios e implicavam a expulsão dos
restantes.416
415 O Relatório do ano lectivo de 1939-1940, do CEE n.º 1 de Vendas Novas, indicava na lista de beneméritos locais, além de vários particulares, a Junta de Freguesia de Vendas Novas, com o principal donativo, a Companhia Portuguesa Rádio Marconi e a Sequeira & Irmãos Lda. No ano lectivo seguinte, o acampamento anual recebeu ainda os apoios da Câmara Municipal de Montemor, da Fábrica de Cortiça Wikander, da Companhia de Seguros Comércio e Indústria, da Junta de Exportação dos Cereais Coloniais e da Shell Oil Company. 416 Regulamento (...) p. 39. Esta directiva era já anterior à direcção de Marcelo Caetano. Em Novembro de 1938, o ministro Carneiro Pacheco enviou uma circular aos reitores dos liceus informando que as faltas às actividades de sábado contavam para efeito escolar. Cf. Simon Kuin, op.cit., p. 568. No entanto, em meados de 1941, os reitores dos Liceus eram ainda aconselhados a proceder com a máxima benevolência quer em matéria de assiduidade como de obrigatoriedade de inscrição dos alunos ainda não filiados, até à tomada de uma posição suficientemente precisa. Cf. AHME. Direcção Geral do Ensino Liceal. Cx. 2315. Circular n.º 708. de 11 de Junho de 1941, enviada por Augusto António Rilley da Motta, Director Geral do Ensino Liceal aos reitores dos liceus, dando conhecimento do despacho do ministro da Educação Nacional.
128
Os mecanismos de controlo sobre os filiados da MP foram sendo aperfeiçoados, em
particular nos critérios de distinção castigo/recompensa. O Regulamento de disciplina, formalizado
pelo Decreto n.º 30 921, de 29 de Novembro de 1940417, converteu este binómio numa tarefa
indispensável da organização. A aplicação do castigo contava com uma lente de (...) observação
discreta [d]os orgulhosos, os turbulentos, os mentirosos, os insociáveis e o desleais, mediante
acordo e conjugação de esforços do director do centros, instrutores, médico, assistente religioso e
graduados.418 Entre as penalizações possíveis, preferiam-se a privação do uso da farda e exclusão
de festas, paradas, formaturas e competições desportivas. Noutro sentido, os deveres do filiado
surgiam como guias de auto-correcção, matriz de boa conduta, onde se incluía:
1.º Amar a Pátria e servi-la fielmente; 2.º Venerar o Chefe do Estado, a bandeira nacional e o hino nacional e respeitar o Governo da Nação; 3.º Proceder sempre sem respeitos humanos conforme preceituar a sua religião; 4.º Honrar em toda a parte e em todas as ocasiões a M.P., a bandeira, os dirigentes e a farda, saudando os dirigentes fardados ou os que sejam seus superiores hierárquicos; 5.º Obedecer prontamente e com bom modo às ordens dadas pelos seus superiores em objectivo de serviço; 6.º Suportar serenamente e sem rancor a vitória dos outros nos jogos e competições desportivas e nas restantes actividades da M.P.; 7.º Ouvir com respeito as instruções, advertências e repreensões dos seus superiores; 8.º Ser bom camarada, ajudando os outros e não embaraçando o trabalho deles; 9.º Proceder lealmente mantendo-se fiel aos seus princípios, aos seus chefes e aos seus amigos; 10.º Ser verdadeiro; 11.º Agir corajosamente, impondo a vontade aos perigos, às dores e aos medos e persistindo em levar ao fim as boas acções; 12.º Combater a inveja e proceder com generosidade; 13.º Defender-se dos pensamentos impuros, não empregar palavras obscenas ou grosseiras e ser exemplar nos gestos e atitudes; 419
A recompensa, no outro extremo do regime disciplinar, era dedicada aos filiados que
prestassem serviços extraordinários e muito importantes ou protagonizassem actos heróicos. As
medalhas de assiduidade, dedicação e altos serviços constituíam os retornos compensatórios mais
comuns, com a finalidade última de (...) recompensar a virtude daqueles que procurem sublimar-se
na missão de servir a Pátria, a Organização ou o próximo dentro dos princípios da M.P. (...).420
Ainda em sequência do novo regulamento, nasceu o Conselho de Disciplina, presidido pelo
comandante da Milícia e comissário adjunto, Frederico Vilar, a partir de Fevereiro de 1942. A este
órgão, que também integrava como vogais os directores de serviços de formação moral, de saúde e
higiene, de instrução de graduados e de assistência social, cabiam funções de tribunal de honra da
M.P., para além de outras atribuições menores.
417 Diário do Governo, I Série, n.º 278, de 29 de Novembro de 1940. 418 Ibidem. 419 Ibidem. 420 Ibidem.
129
Os mecanismos atractivos da organização estenderam-se, muitas vezes subtilmente, aos
pormenores da vida escolar quotidiana. O Prémio Nacional, que atribuía 1000 escudos aos melhores
alunos do 6.º e 7.º ano dos liceus, incluía nas prerrogativas uma média de aproveitamento de 18
valores e ser filiado na Mocidade Portuguesa,421 contemplando idades em que a filiação era
voluntária e por isso cada vez menos favorável à recolha de aderentes.
4.3.4. Novos intercâmbios num mapa de guerra A feição intercambista da Mocidade Portuguesa, não se perdendo em absoluto no ambiente
de guerra, seguiu novas linhas de orientação diplomática, à luz do reposicionamento nela operado.
Mais raras e contidas, as viagens oficiais da MP pretenderam antes exprimir a solidez dos seus
ideais doutrinários e traduzir a normalidade com que se vivia em Portugal, no quadro do célebre
“viver habitualmente” de Salazar, do que encetar novas linhas pedagógicas no exterior. A
imprevisibilidade do conflito e a neutralidade do regime no conflito internacional ditavam esta
cautela, evitando sinais de colaboracionismo activo da organização oficial de juventude. Tradutora
destas precauções é a correspondência concentrada em torno de Marcelo Caetano respeitante a
convites mais ou menos arriscados para o consulado juvenil. No clima de propaganda interna,
Portugal era um canto de paz no mundo em guerra e a Mocidade Portuguesa imagem central desse
quadro.
A juventude hitleriana, parceiro preferencial na troca de contactos com a MP até 1939, não
deixou de experimentar algumas aproximações ao novo Comissariado, apesar do apagamento de
eventuais decalques, tantas vezes denunciados. Mas os tempos eram outros e, se nem a eclosão da
guerra, nem a transição administrativa da MP inibiram os dirigentes da HJ de insistir em visitar
Portugal, a verdade é que essas viagens agendadas foram sendo subtilmente canceladas ou
proteladas para tempo incerto.422
Até meados de 1940, a guerra mundial era ainda um episódio distante da realidade
portuguesa. Mas os progressos militares alemães no centro da Europa fizeram crescer o receio
interno, acentuando-se o clima inquietante com a capitulação dos Países Baixos frente à Alemanha
421 Cf. ANTT/ Arquivo da Junta Nacional de Educação. Conselho Permanente da Acção Educativa. 1938-1945. Acta da 174.ª Sessão do CPAE, de 7 de Novembro de 1939. Esta directiva foi novamente comunicada em Dezembro de 1941, desta vez sublinhando que não fossem incluídos como candidatos ao prémio os alunos não filiados na MP. 422 Um exemplo de encontro cancelado deu-se em Outubro de 1941, pelo adiamento sine die de uma visita a Portugal anunciada pela Juventude alemã. No programa de actividades estava um festival, exibições de ginástica e um espectáculo musical, a realizar no Teatro Nacional ou nos liceus Pedro Nunes e Maria Amália Vaz de Carvalho. A viagem foi anulada alguns dias antes. Cf. AHME. Direcção Geral do Ensino Liceal. Diversos. Cx. 2315. Ofício n.º 156/D, de 17 de Outubro de 1941, enviado por Joaquim Gomes Marques, Delegado Provincial da Estremadura, ao Director Geral do Ensino Liceal, A.A. Rilley da Motta.
130
e, sobretudo, com a queda da França, ocupada pelas tropas do Reich em Junho desse ano. A Itália
declarou-se então beligerante e o Eixo, fortalecido, fazia crer na vitória. A dominar as preocupações
de Salazar, estavam, acima de tudo, as pretensões imperialistas de Franco e o consequente interesse
da Espanha em entrar no conflito a favor de Hitler e numa possível invasão do território português.
Apesar da neutralidade inicialmente declarada, o regime franquista iria ensaiar a aproximação aos
alemães, só a abandonando definitivamente com a viragem germânica para a frente de Leste, que
faria cair no esquecimento os planos de ocupação da Península Ibérica.
Estava então na hora de renovar a lista de contactos da Mocidade Portuguesa e manter as
devidas reservas nas relações com outras organizações milicianas. A escolha mais inócua passou
pela França de Pétain, inspirada na MP para organizar, com a devida distância, as juventudes
nacionais.
Os jovens do Marechal – Pétain e a juventude de Vichy Na Primavera de 1940 desenrolou-se um dos períodos mais dramáticos da história francesa.
A 14 de Junho, as tropas alemãs desfilaram pelas ruas de Paris, saboreando a marcha vitoriosa sobre
a mais antiga República europeia. Se a invasão nazi se traduziu para o mundo no perigo do
expansionismo fascista, para a França significou a divisão nacional, entre colaboracionistas e
resistentes, desencadeada pela humilhante ocupação germânica. Estabelecendo o governo alinhado
com o Reich em Vichy, o marechal Philipe Pétain, um octogenário antigo combatente da Grande
Guerra que travara o avanço alemão em Verdun, ocupou a chefia da França colaborante e anunciou
uma “Nova Ordem”.
Pela voz pétainista, esta nova ordem proclamava-se única, distante de imitações servis de
experiências estrangeiras, era uma necessidade original e tipicamente francesa.423 Na fonte de
alimentação desta “revolução nacional”, encontrava-se mais a inspiração em Salazar do que a
influência nacional-socialista. Inspiração essa que se tornou mais palpável quando chamou a si,
como retórica própria, a missão educadora do Estado sobre a juventude, para “revigorar a raça” e
perpetuar a tradição, enfim, para retomar o verdadeiro rumo da história francesa, do ponto em que a
revolução jacobina a interrompera. Embora a França de Vichy não tenha promovido uma
organização única para a juventude, dadas as circunstâncias particulares em que se formou aquele
governo e a sua brevidade no poder, certo é que privilegiou a Mocidade Portuguesa como modelo
educativo a seguir e candidato preferencial à troca de influências. A Escola de Pétain não se queria
demasiado instrutiva, sobrepondo à excessiva e perigosa intelectualidade, o ensino prático e mais
elementar. À Igreja reconheceu-se o papel educativo da juventude, que a República usurpara. A
423 Tradução nossa do original em francês. GIOLITTO, Pierre, Histoire de la Jeunesse sous Vichy, Perrin, France, 1991, p.13.
131
renovação da raça dependia da “revolução do corpo” e o desporto foi acolhido como instrumento
essencial de formação da nova mentalidade. Pressionada pelos grupos mais fascizantes de Paris, a
política de juventude francesa recusou, porém, o totalitarismo educativo, optando pela divisa
“juventude unida” sobre o princípio da “juventude única”.424 A solução francesa, sobretudo a partir
de 1941, seguiu a “liberdade vigiada” ao concentrar os movimentos escutistas e religiosos sob
alçada do Secretariado de Juventude, só poupando os movimentos da Acção Católica. Absorvendo
lentamente todas as associações educativas e recreativas, a França de Pétain mostrou-se
tendencialmente totalitária, ao experimentar pela primeira vez agregar a juventude num só
movimento, mas falharia redondamente. Conseguiria, no entanto, constituir organizações
específicas de enquadramento, sob os mesmos tópicos de educação moral e cívica, integrada no
princípio “Família, Raça, Nação”.
Conhecida pela França ocupada, a organização portuguesa foi ganhando maior interesse,
sobretudo entre os dirigentes das unidades franco-marroquinas de juventude. Em finais de 1941, o
Instituto Francês em Portugal publicou um estudo de Hubert Beuve-Méry sobre a Mocidade
Portuguesa, enfatizando a originalidade do sistema português, assente num Estado autoritário mas
não totalitário, cristão nos seus princípios mas não confessional e menos ainda clerical,
nacionalista e imperial mas não agressivo e aberto, na medida do possível, à colaboração
internacional.425 Na mesma esta altura, os representantes da Jeunesse francesa entabularam relações
com os serviços de Intercâmbio da Mocidade Portuguesa, anunciando o interesse em estudar os
métodos de educação física da organização, através de um professor do Liceu Francês,
representante das juventudes de Vichy em Portugal.426
A troca de visitas concentrou-se sobretudo no território marroquino dominado pelo regime
de Vichy. Os contactos encetados, a pretexto da realização de campeonatos entre as duas
juventudes, foram bem recebidos pela MP, estimulando as relações amigáveis entre Marcelo
Caetano e Jacques Faure (Chefe do Serviço de Juventude e Desportos no Protectorado francês de
Marrocos), dos poucos que permaneceriam durante as hostilidades.
As “juventudes”de Espanha Em viagem a Espanha em 1940, Celestino Marques Pereira estudou de perto a actividade do
Sindicato Espanhol Universitário (SEU), organização dependente da Falange, criada a 21 de
Novembro de 1933. Na visita do director dos serviços de Educação Física da MP mereceu especial 424 Ibidem, p. 92 e sgs e p. 434 e sgs. 425 Tradução nossa do original em francês. MERY, Hubert Beuve, La Jeunesse Portugaise (Mocidade Portuguesa), Institut Français au Portugal, Lisbonne, 1941, p.5. 426 Cf. ANTT/AMP. Cx. 1102 mç. 1. Cópia de carta de 2 de Novembro de 1941, enviada por Pierre Hourcade, Director do Instituto Francês em Portugal, a Francisco Leite Pinto, Director dos Serviços de Intercâmbio da Mocidade Portuguesa.
132
atenção a milícia que integrava o SEU, definida como organização claramente para-militar, com
tradição de luta e guerra. Os universitários falangistas ali concentrados tinham sido apoiantes de
primeira hora a Franco na insurreição de 1936 e braço armado fundamental a favor dos
nacionalistas durante a Guerra Civil. Findo o conflito, conservaram o estatuto miliciano enquanto
(...) força com que conta o partido, como uma fonte certa de preparação de oficiais de reserva.427
A estrutura marcadamente partidária e militarizada do organismo espanhol levantou desconfianças
junto da administração da juventude portuguesa, mais acentuadas enquanto perdurou a ameaça à
neutralidade peninsular, face ao receio pela participação franquista no conflito mundial do lado
alemão. Marques Pereira demarcava por isso os fins da Milícia da MP das funções reais do SEU,
reforçando as funções que regiam a instrução do último escalão, como sendo antes de mais (...) de
ordem formativa das suas qualidades físicas, do seu carácter, dos seus sentimentos patrióticos 428
mencionando mesmo o recurso a exercícios praticados no escutismo para a formação pré-militar da
MP. Apesar das reservas apontadas, era aconselhado o reforço do intercâmbio inter-juventudes.
Alguns meses depois desta viagem, foi nomeado representante da Mocidade Portuguesa
junto do Sindicato Espanhol Universitário José Manuel da Costa, director adjunto dos Serviços de
Intercâmbio.429 As impressões do enviado da organização, em Abril de 1941, recomendavam o
refreamento de contactos, justificando que (...) o ambiente em Espanha a respeito de Portugal não
merece de nossa parte a contrapartida das habituais amabilidades e das fraternas simpatias...430
José Manuel da Costa alertava ainda para a ideia (...) alimentada por alguns visitantes oficiais de
Portugal, de que a “M.P.” representa o tipo dos “buenos muchachos”, sem grande valor social e
político e sem qualquer entusiasmo revolucionário! A proposta então lançada do lado espanhol, em
favor do intercâmbio de filiados e publicações, ficaria em suspenso deste lado da fronteira,
considerando que (...) muito se modificou na Espanha o ambiente sobre Portugal; diluiu-se
gratidão, aumentou a desconfiança na política interna e sobretudo na externa, desenvolveu-se
animosidade deliberadamente alimentada por cima (...). 431
427 ANTT/AMP. Direcção do Serviços de Educação Física e Desportos. Relatórios Diversos (1943-1949). cx. 1134 - mç.1. “Relatório da Missão Oficial de Estudo a Espanha do Tenente Celestino B. Feliciano Marques Pereira” de 14 de Dezembro de 1940, elaborado por Celestino Marques Pereira. 428 Ibidem. 429 José Manuel da Costa (1904-1983). Licenciado em Direito e Filologia, foi professor do Liceu, chefe de gabinete do ministro Carneiro Pacheco, inspector do Ensino Particular e chefe de gabinete de Salazar entre 1944 e 1946. Assumiu ainda a Direcção Geral do Ensino Liceal, o Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo (1951-1955) e o Diário da Manhã (1956-1959). Foi também deputado à Assembleia Nacional em 1942, 1961 e 1965, membro da comissão administrativa da FNAT, da comissão executiva da União Nacional e dos Serviços de Acção Social da Legião Portuguesa. Integrou o conselho de administração da Companhia Portuguesa Rádio Marconi. Na Mocidade Portuguesa foi adjunto dos Serviços de Intercâmbio. 430 AMC, Caixa 1, MOCIDADE PORTUGUESA, n.º 2, Anexo 1. Carta de 2 de Abril de 1941, enviada por José Manuel da Costa a Marcelo Caetano. 431 Ibidem.
133
Ainda sob desconfiança portuguesa, a organização falangista que tinha sob alçada a (...)
orientação política e a direcção espiritual das Universidades (...)432, procurou retomar as relações
com a Mocidade Portuguesa em meados de 1943. Numa visita a Lisboa, agendada para Junho desse
ano, por quatro dos dirigentes do organismo, Marcelo Caetano coibiu-se de prestar informações
concretas sobre a posição oficial do país face ao quadro externo, relatando a Salazar as pressões
exercidas por espanhóis e ingleses para conhecer as perspectivas do regime para o pós-guerra.433A
respeito de um eventual desenvolvimento das relações luso-espanholas, onde a estratégia de
aproximação pelo SEU fora iniciativa da directa do conde de Jordana, o dirigente da M.P.
conservava fortes reticências.434
A partir de 1944, foi a vez dos representantes portugueses da Mocidade pretenderem um
reatamento e intensificação das relações luso-espanholas, junto da secção desportiva da Frente de
Juventudes. Criado em 1940 sob dependência da Falange com o fim de unificar a juventude em
torno do partido único, embora nunca o conseguisse, o movimento participaria mais intensamente, a
partir desta altura, na realização de campeonatos entre os dois países.435
4.4. Propaganda na MP e MP como propaganda
4.4.1. Mocidade imaginada – imprensa, rádio e cinema
De todas as fontes produzidas pela Mocidade Portuguesa entre 1936 e 1944/45, as que mais
chegaram até nós foram os jornais oficiais, boletins, registo escrito de transmissões radiofónicas e
outras publicações, reunindo todo um conjunto propagandístico de suporte à rede de comunicação
que pretendeu estabelecer por todo o país. O recurso às transmissões radiofónicas foi especialmente
relevante na década de 40 e constituiu meio privilegiado de formar filiados e dirigentes, sem gasto
acrescido de recursos. Por outro lado, a MP do écran cinematográfico surgiu como via de
aproximação à opinião pública, procurando quebrar a desconfiança e o receio da vertente militarista
da organização. Na generalidade, fossem eles agentes doutrinadores ou meros cartazes publicitários,
primou em todos estes meios de comunicação o colorido iconográfico de uma juventude “sã”,
432 Assim a definia Marcelo Caetano. Carta de 1 de Junho de 1943, publicada em José Freire Antunes, op. cit., p. 155. 433 (...) Vieram quatro dirigentes, todos ex-combatentes da guerra de Espanha, e dois deles regressados da Divisão Azul com ferimentos na frente leste. Conversámos sobre a guerra e o após-guerra e ouvi coisas do maior interesse. Ouvi, apenas: nada lhes pude dizer porque não sei que diga a respeito da posição e intenção de Portugal. Caetano temia pela sua actuação, considerando: Não é das menores dificuldades do meu cargo esta de um contacto constante com estrangeiros que abordam problemas sobre os quais têm ideias definidas e requerem respostas – quando eu só sei que... somos neutrais. Ainda há uns quinze dias o seu secretário Luís Avilez assistiu a um almoço em que dois representantes do British Council me apertaram (é o termo) com questões nas quais eu não podia dizer-lhes nada – e era pena. (...) Carta de 1 de Junho de 1943, publicada em José Freire Antunes, op. cit, p. 115. 434 Ibidem, p.115. 435 ANTT/AMP. cx. 1107 mç. 1. Ofício L.º 2, n.º 1/C, de 16 de Dezembro de 1944, enviado pelo Director Geral de Educação Física, Desportos e Saúde Escolar ao comissário nacional interino, José Soares Franco.
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“forte”, “viril” e dedicada à Pátria, num quadro tão integrado no “viver naturalmente” quanto a
exteriorização o permitisse.
Ideologia e educação nacionalista – as folhas de doutrina
As actividades de formação nacionalista nunca foram muito além da órbita da “folha de
doutrina”, quase sempre lida e raras vezes discutida, para frustração dos dirigentes da MP que
procuravam estimular entre os instrutores a “conversa” com os filiados de forma a obter melhor
eficácia educativa. Falha constante destes guias de formação, muito embora perdurassem como
método até 1974, era o atraso frequente com que as escolas os recebiam. Tratando-se de temas
ligados à actualidade, acabavam por ser tratados fora de tempo e já sem o efeito pretendido.436
A partir de Dezembro de 1942, as folhas de doutrina passaram a ser publicadas directamente
no Boletim. Aí aconselhava-se mais uma vez os instrutores a apresentar os temas propostos aos
quais deveria dar forma, desenvolvimento, interesse, emoção. Mas em forma de palestra, de
conversa com os filiados, de troca de impressões: - de discurso é que nunca.437
Palestras radiofónicas
A partir de 1941, a agenda de novidades da Mocidade Portuguesa integrou emissões
radiofónicas frequentes, difundidas pela Emissora Nacional, para todo o País e colónias. Desde
meados dos anos 30, a radiodifusão vinha crescendo, em presença e importância, como veículo
privilegiado da cultura de massas. Método económico de chegar a todos os pontos do território
nacional onde existisse um receptor, a “rádio” surgiu como importante parceiro da MP. Novo
educador “espiritual”, por aqui se experimentou comunicar com dirigentes, endoutrinar filiados e
chegar às famílias. Mas o atraso económico nacional e a fraca densidade do número de aparelhos
por habitante438 terão reduzido a eficácia destas comunicações. Não obstante, esta técnica de
aproximação foi um importante recurso de uniformização de “métodos” e doutrinas.
436 Luís Viana comenta, a propósito da fraca aceitação de conteúdos das folhas de doutrina no meio liceal: (...) Se, à aridez da maioria dos temas tratados e à metodologia inadequada, acrescentarmos o facto de nem sempre a distribuição das “Folhas de Doutrina” ter sido eficaz pois, não raras vezes, os reitores se queixam de as não terem recebido (...) ou de as receberem tarde e “por atacado” (...) o que, na maioria das vezes resultava em “perda de actualidade”, teremos reunidas, em nossa opinião, razões suficientes no sentido de justificar a pequena receptividade que tal actividade parece ter encontrado junto dos filiados dos Centros da MP. Luís Viana, op. cit., p.159. Ao já duvidável método de ler a folha antes das actividades desportivas, em estilo de comunicado, acrescia uma outra técnica, de recurso frequente, em que os filiados copiavam o conteúdo da folha (que na verdade era um guião para o instrutor) para o caderno. A este propósito Marcelo Caetano criticou por diversas vezes os responsáveis pela instrução, através do Boletim da MP, mas sem qualquer sucesso. 437 “Folhas de doutrina” in Boletim (...), n.º2 vol. III, Lisboa, Dezembro de 1942, p.57. 438 Em finais da década de trinta existiam apenas 13 aparelhos por 1000 habitantes, metade dos quais estavam localizados na área distrital de Lisboa. Cf. Júlia Leitão de Barros, op. cit., p.6.
135
Apresentadas sempre em tom coloquial, seguindo a pedagogia de Marcelo Caetano, as
palestras radiofónicas deixaram o seu registo escrito, pelo menos entre 1941 e 1942, na colecção de
quatro volumes, intitulada “É a mocidade que fala”. A primeira, De onda em continente concentrou
as emissões iniciadas em Outubro de 1941, especialmente dirigida aos filiados, que se dedicou a
entrevistas e depoimentos sobre os novos serviços náuticos da MP. O segundo volume, centrado na
formação nacionalista, através de aventuras romanceadas, embora verídicas, integrou locuções
difundidas a partir de Março de 1942. Entre elas contava-se a história das forças portuguesas em
operações contra o poderoso régulo Gungunhana em 1895, da travessia aérea do Atlântico Sul por
Gago Coutinho e Sacadura Cabral, entre outras “aventuras” portuguesas no Norte de África e na
Índia. A terceira e quarta série destas publicações assumiram um carácter mais acentuadamente
educativo. No terceiro volume, “A necessidade da Mística”, reuniram-se as emissões especialmente
orientadas para os dirigentes. Aqui registou-se uma intervenção de Dutra Faria, jornalista e antigo
membro da AEV, que organizou o sector de formação ultramarina e fundou uma escola de locutores
da MP. Sob o título “Ideia de Pátria, Ideia de Império, Ideia de Revolução”, Dutra Faria condensou
as linhas doutrinárias que entregavam à juventude a missão de continuidade da “revolução
nacional”. As emissões seguintes fixaram-se na “arte de bem comandar”, ensinando aos dirigentes e
instrutores a melhor forma de conseguir a atenção dos filiados, os métodos de utilização das folhas
de doutrina e a necessidade de conciliar “formação física” com “formação espiritual. 439 O último
volume referiu-se às “Quatro certezas da Mocidade”, onde se divulgaram os acampamentos da MP,
o depoimento de filiados que frequentaram o curso da ECG realizado em 1942 e o “I Curso de
Orientação de Dirigentes”, a escola mais vivida e sentida que a Mocidade Portuguesa até hoje
criou.440
No espaço de radiodifusão coube ainda a promoção de palestras de educação física,
distribuídas pelos centros de instrução a partir de 1940, também elas difundidas pela Emissora
Nacional e publicadas pela Mocidade Portuguesa.
Estado Novo e propaganda – MP no ecrã
No universo cinematográfico, a Mocidade Portuguesa deixou um dos mais interessantes
legados propagandísticos de que se fez rodear. Mas aqui, em sentido inverso ao que pretendiam as
intervenções formativas radiofónicas, a pequena guarda de honra do regime foi montada em sons e
imagens. Nela, estava inscrita a imagem heróica da juventude resgatada, o “bravo” escudo de
protecção anti-comunista, a raça revigorada e a marcha compassada com a exaltação do Estado
439 É a Mocidade que fala I – de onda em continente, Tip. Casa Portuguesa, Lisboa, 1942. É a Mocidade que fala II - Os Melhores Romances de Aventuras, Casa Portuguesa, Lisboa, 1942. É a mocidade que fala III - Necessidade da Mística, Casa Portuguesa, Lisboa, 1942. É a mocidade que fala IV - As 4 certezas da Mocidade, Casa Portuguesa, Lisboa, 1942. 440 Op. cit, pp. 37-38.
136
Novo. Embora muitos dos registos anteriores a 1945 se tenham perdido com o tempo, o acervo da
Cinemateca Portuguesa guarda ainda dezenas de imagens expressivas desta bagagem
propagandística.
Entre este espólio, pode encontrar-se a Mocidade Portuguesa pela primeira vez num comício
anti-comunista realizado no Palácio de Cristal, no Porto, a 18 de Setembro de 1936.441 A recém-
criada juventude nacional surge então ao lado de representantes espanhóis, italianos e alemães.
Também conservada em película, a parada da Mocidade e da Legião nas celebrações de 28 de Maio
de 1937 entronizou o movimento de juventude nas grandes criações do regime. Aí pode ouvir-se:
Ides ver desfilar a Legião e a Mocidade Portuguesa. Ao cabo de alguns meses apenas da fundação
destas duas forças, a sua apresentação, pelo garbo e pelo entusiasmo, é milagre que só podia
realizar a fé mais viva nos destinos da Pátria. Seguem-se imagens dos acampamentos das duas
organizações, o rufar dos tambores, a parada que saúda Salazar e Carmona, junto dos quais está o
ministro Carneiro Pacheco. O locutor conclui, no final: A Legião e a Mocidade Portuguesa
marcham garbosamente, pendões ao alto e corações erguidos. É a Pátria que passa, na visão
grandiosa dum amanhã de maior glória.442
A MP também percorreu os apontamentos noticiosos, o Jornal Português e outras pequenas
notas. Assinalou a sua presença, por exemplo, na inauguração do parque florestal de Monsanto em
1938, onde 12 rapazes plantaram as primeiras árvores; no controverso acampamento de Maio de
1938, onde se encontram filiados da Hitlerjugend; em desfiles conjuntos com a Mocidade
Portuguesa Feminina, cujas aparições estão quase sempre marcadas na assistência à missa da
organização; na abertura e encerramento do Congresso de 1939, repleto de imagens folclóricas,
cantos tradicionais e exibições de jogo do pau, onde a juventude se “reencontra”, em toda uma
panóplia de marcas que a apresenta, enfim, “milagrosamente” revigorada pelo Estado Novo.
Era a Mocidade imaginada, pelo microfone e pela câmara de filmar, alheia à mobilização
política, eivada de um nacionalismo obediente, propagadora da mensagem do regime e reserva
moral da “revolução nacional”.
441 Cinemateca Portuguesa - Arquivo Nacional de Imagens em Movimento. Comícios Anti-Comunistas, 1936, 15’. 8000167.VHS.1/1. Filme sem registo sonoro. 442 Idem. Parada da Legião e da Mocidade, Artur Costa de Macedo, 1937, 10’. 8000165.VHS.1/1.
137
4.5. Educação física e “revigoramento da raça”
Em 1939, o I Congresso da MP lembrava ter sido Salazar o primeiro a manifestar (...) o seu
desejo de que a educação física entre nos nossos costumes e no “viver normal” dos portugueses.443
De facto, nas décadas de trinta e quarenta, o papel da educação física no quadro da “educação
nacional” estendeu-se, a par da instrução pré-militar da juventude, a todos os organismos oficiais de
ocupação dos tempos livres forjados pelo Estado Novo, de que seria paradigmática a Fundação
Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT). Parte integrante do plano de “fortalecimento da
raça”, a educação física e o desporto foram tomados pelo regime como meios de transmissão
ideológica, cujo estandarte mais visível seria a construção do Estádio Nacional, projectado desde
1933 mas só inaugurado em 1944. A criação do Instituto Nacional de Educação Física (INEF) em
1940, (...) destinado a estimular e orientar, dentro da missão cooperadora do Estado com a família,
e no plano da educação integral estabelecida pela Constituição, o revigoramento físico da
população portuguesa (...),444 contribuiu para a formação de novos quadros especializados de
instrução nos centros da MP, estabelecendo-se entre as duas instituições (...) um regime de efectiva
cooperação.
Nos anos em estudo, o modus operandi da educação física, que englobava a actividade física
em si mesma e a assistência médico-sanitária, foi ganhando espaço na Mocidade Portuguesa,
exercendo mesmo um papel central na actividade da organização. De mecanismo subalternizado, a
Direcção dos Serviços de Educação Física e Desportos (DSEFD) passou a agente dominante do
quotidiano juvenil, promovendo campeonatos, acolhendo desportos originalmente enjeitados pela
MP, como o futebol, e organizando campanhas e ciclos de estudo de educação física. O predomínio
desta secção beneficiou, por um lado, do apagamento da marca mais militarista da MP e, por outro,
da preferência juvenil pela actividade desportiva, em contraste com as formações que marcavam
passo no pátio do recreio. Note-se, aliás, que, no cenário escolar, os desportos começaram a ocupar
quase todo o horário dos centros de instrução. Este valor é tão mais relevante se observarmos o
efectivo crescimento destas actividades no calendário da Mocidade Portuguesa ao longo da segunda
443 Relatório de Francisco Leite Pinto à 1.ª secção do Congresso da Mocidade Portuguesa – “Educação Física da Juventude”. I Congresso (...), p.31. Acrescentava ainda o relator que: Todo o abandono da cultura física contribui para o definhamento orgânico da juventude; por isso a M.P. reconhece que deve preparar fisicamente os seus filiados, impedindo que a Nação tenha de vir a reparar, a curar ou a albergar pobres corpos e miseráveis espíritos. Ibidem, p.31. 444 O INEF foi criado pelo Decreto-lei n.º 30 279 publicado no Diário do Governo, I Série, n.º 19, de 23 de Janeiro de 1940. O regime de cooperação entre a MP e o INEF fora preconizado pelo Congresso da Mocidade Portuguesa, reconhecendo-se no projecto de criação do (...) tão necessário Instituto Nacional de Educação Física que as inferiores condições de concepção, da gestação e do nascimento ligadas à deficiente situação económico-sanitária dos progenitores conduzem a um fenómeno geral e alarmante de depressão moral e degenerescência física. I Congresso (...), p.31.
138
guerra mundial. 445 E foi essencialmente a partir de 1943-1944, quando se esgotaram todos os
trunfos propagandísticos da Mocidade Portuguesa e o contexto internacional virava a favor dos
aliados, aconselhando a novo esvaziamento iconográfico, que a educação física recriou os
princípios “regeneradores da raça”, o espírito nacionalista e a educação pré-militar, sob a forma de
meros encontros desportivos.
Também nesta secção a MP pretendeu absorver as competências da escola,446 aliando o
discurso da unificação de métodos ao progressivo controlo da disciplina de educação física nos
liceus e colégios, exterior às actividades sabatinais da organização. Uma proposta de 1940, da
autoria do director dos Serviços de Educação Física, Celestino Marques Pereira, defendia que os
métodos (...) educativos pretendidos pela Escola e pela Organização Nacional da M.P., não se
afastam, antes se confundem e se completam.447 Esta união de critérios tinha por fim confirmar que
As actividades educativas do ensino primário e secundário das escolas e colégios, neste caso
especial as de educação física, serão consideradas actividades da M.P., sempre que a sua melhor
eficiência indique a adopção deste critério, por acordo comum dos dois organismos interessados, a
Inspecção de Ensino Particular e a Organização da M.P.448 Mais uma vez, esta unificação de
métodos não foi facilitada pela Escola, onde faltariam sempre quadros docentes e instrutores
competentes, reduzindo com frequência a actividade física a uma (...) mistura de exercícios sem
lógica, sem qualquer base doutrinária (...).449
As associações e clubes desportivos, tal como acontecia com o escutismo, participaram na
teia “destotalizante” da Mocidade Portuguesa. A adesão dos jovens a modalidades desportivas
exteriores à MP limitou em larga medida o número de inscritos nos centros de instrução, ao mesmo
tempo que a organização dependia desses mesmos clubes para o normal funcionamento das
actividades especializadas. Esta realidade pode ler-se um pouco por toda a documentação dos
arquivos do Ministério da Educação e da Mocidade Portuguesa. A cedência de campos de jogos,
445 Segundo Luís Viana, a ocupação desportiva dos centros escolares terá crescido de 20%, em 1936-1937, para 60% em 1942-1943. O desporto foi progressivamente tomando conta do dia-a-dia dos centros, sendo a única actividade constante (cerca de 70% do total de actividades) e que denotou franco crescimento. Cf. Luís Viana, op. cit., pp.186 e 197. Note-se ainda que este crescimento é contemporâneo da publicação do decreto (Março de 1942) que entregou à MP a vigilância do associativismo desportivo e da criação da DGEFDSE (Setembro de 1942) com vista a controlar as federações de competição fora do quadro de alcance da Mocidade Portuguesa. Progressivamente, o desporto tomou conta das actividades da organização, num cenário de clara preferência por este tipo de actividade física. 446 Sobre a sobreposição de actividades entre a MP e o Liceu, caso da educação física, canto coral e educação moral, veja-se Luís Viana, op.cit. p.73 e sgs. 447ANTT/AMP. Direcção do Serviços de Educação Física e Desportos - Correspondência expedida e recebida (1939-1940). Cx. 1100 mç.1. Cópia do ofício n.º 97, de Janeiro de 1940, com a proposta de Celestino Marques Pereira (DSEFD), enviado a José Soares Franco, secretário-inspector da Mocidade Portuguesa. 448 Ibidem. 449 Idem, cópia do ofício n.º 6, de 30 de Janeiro de 1940, enviado por Celestino Marques Pereira ao secretário-inspector da MP.
139
piscinas e ginásios estava assim sujeita à boa vontade cooperante deste ou daquele clube. A estes
óbices acresceu, à medida que o cenário económico forçava uma contenção de gastos cada vez mais
apertada, a degradação dos poucos meios que restavam à organização. Em 1944, o Comissariado
Nacional da MP mantinha onze modalidades desportivas em funcionamento450 e apresentava um
número irrisório de praticantes se comparado com as federações e associações regionais de todo o
País. O total de inscritos nas actividades desportivas pelo CN, em Lisboa, era de 4 133, contra 18
962 da mesma área distrital, exceptuando os membros da FNAT, enquanto o valor absoluto
nacional chegava aos 26 933.451 Procurando mitigar este fraco predomínio, a MP aconselhava os
filiados, que participavam em competições alheias à organização, a usar sempre o respectivo
emblema, de modo a marcarem presença pela “Mocidade”. Mas o “incentivo” colhia poucos
resultados já que os atletas eram, por outro lado, pressionados a identificar-se apenas pelos clubes e
federações que os promoviam.
Fora do quadro da MP, as federações desportivas assumiam um protagonismo cada vez
maior e em provocação ao espírito corporativo do Estado Novo. As competições “desmedidas” e o
lucro que delas resultava, levariam o ministro da Educação Nacional a interferir mais uma vez. Em
meados de 1942, Mário de Figueiredo enviou a Salazar novo projecto legislativo, desta vez com o
objectivo de (...) pôr cobro quanto antes à indisciplina das organizações desportivas e à vergonha
das competições.452 O combate ao espírito competitivo das federações desportivas ganharia força de
lei a 5 de Setembro, pela criação da projectada Direcção Geral da Educação Física, Desportos e
Saúde Escolar (DGEFDSE). Objectivo fundamental deste órgão regulador, exterior às áreas de
competência da FNAT e da MP, era o de (...) orientar e promover (...) a educação física do povo
português e introduzir disciplina nos desportos (...).453 Embora não se previsse anular a existência
dos clubes e associações desportivas, a nova Direcção Geral propunha-se (...) conhecer, intervindo,
directamente ou através de delegados seus, nas organizações desportivas, tudo o que se passa no
seio destas, de modo a conduzi-las no sentido de não sacrificarem nunca o interesse geral ao que
450 Cf. “Federações e Associações regionais existentes” in Estatística da Educação. 1943-1944, Instituto Nacional de Estatística, p.414. As onze modalidades da MP eram: Atletismo, Basketball, Esgrima, Futebol, Andebol, Hipismo, Hockey em patins, Lawn-Tennis, Natação, Tiro, e Volleyball. Algumas destas modalidades reuniam um número quase insignificante de praticantes, como o Lawn-Tennis, com apenas filiados 14 inscritos, e o Hipismo, com um total de 12. Note-se ainda que estes números se referem exclusivamente às actividades directamente promovidas pelo Comissariado Nacional, não incluindo os centros de instrução especial e de instrução geral, sendo que nestes últimos as competições se limitavam a campeonatos inter-escolares. 451Deve referir-se ainda que os totais indicados pela MP se referem ao universo feminino e masculino, comparados com a mesma realidade a nível nacional. Mas, sendo estes os únicos valores estatísticos obtidos, que apresentam evidentes limitações à nossa apreciação, destaque-se apenas o peso relativo das actividades centrais da organização. 452 AOS/CO/ED-1G. Nota de Mário de Figueiredo, (c.1942) referente ao projecto de criação da Direcção Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, enviado a Salazar. 453 Decreto-lei n.º 32 241 publicado no Diário do Governo, I Série, n.º 208, de 5 de Setembro de 1942. Este novo organismo substituiu a antiga Direcção Geral da Saúde Escolar, tendo também como finalidade reformar os quadros de médicos escolares.
140
lhes parece ser o seu interesse particular. Em cooperação com a Mocidade Portuguesa ficou ainda
prevista a constituição de escolas móveis que permitissem a formação de dirigentes locais de
educação física. A publicação deste decreto entrou, durante algum tempo, em conflito de
competências entre direcções. Embora fosse definido que as organizações destinadas à juventude
ficariam sob alçada da Mocidade, o Comissariado Nacional sentiu a nova estrutura como um
bloqueio à própria acção controladora.
Apesar das várias tentativas da MP para concentrar em si a fiscalização administrativa das
federações, com o fim de controlar a organização de provas e encontros a nível nacional, os
resultados reais frustraram as expectativas. A vigilância administrativa dos clubes desportivos,
abrangidos pelo decreto de Março de 1942, não só não combateu a perda de filiados para estas
associações, que tinham maiores recursos e chegavam mesmo a financiar atletas, como foi
remetendo a Mocidade Portuguesa para um campo de acção cada vez mais burocrático e menos
prático.
Em 1944, os resultados de um inquérito nacional promovido pela Direcção dos Serviços de
Educação Física deram conta do descrédito geral da organização, sintetizando as principais falhas
acumuladas pelas delegações provinciais ao longo dos anos. Na generalidade, as informações
recolhidas ofereceram um cenário de franco desânimo. Como relataria o professor de EF do liceu
Camões (centro escolar n.º 22), a MP raramente cumpria calendários de provas, prometia prémios e
viagens que acabavam por nunca ser entregues e dispunha apenas de 30 minutos semanais de
instrução física que, (...) dado o divórcio existente entre os professores do Liceu e o centro (...)
tornavam difícil obter (...) resultados práticos que permitam a inscrição das equipas do centro nas
várias modalidades desportivas e atléticas.454 Acrescia a estas deficiências a dispensa de
actividades a muitos filiados pelo médico escolar, a falta de instalações desportivas e campos de
jogos e a crónica ausência de instrutores especializados. O resultado evidente era a desistência de
filiados, naturalmente atraídos para os clubes desportivos.
Na base do inquérito realizado estava o projecto, de iniciativa da DSEFD, de organização da
Campanha Nacional de Educação Física. Campanha esta que, segundo Celestino Marques Pereira,
director daqueles serviços, pretendia colmatar A insuficiência da acção (educativa) actual em prol
da formação física da juventude (...).455 Envolvendo palestras, sessões cinematográficas, festivais,
desfiles e campeonatos, a Campanha foi agendada para o mês de inauguração do Estádio Nacional,
em Maio, deixando traço importante na iconografia do regime desse ano. Mas ao apelo de Marcelo
Caetano – A Campanha de Educação Física hoje iniciada está, pois, dentro do programa de
454 ANTT/AMP. cx. 1134 - mç.1. Relatório de 7 de Julho de 1944, de Augusto Ferreira Raposo - Professor de Educação Física do Liceu Camões e do centro de instrução da MP. 455 ANTT/AMP. cx. 1123 mç.1. Texto preparatório da palestra do cap. Celestino Marques Pereira em favor da Campanha Nacional de Educação Física, 1944.
141
revigoramento da raça atribuído à Mocidade Portuguesa. Quem quer acompanhar a mocidade?456
– já poucos respondiam. Os festivais desportivos então realizados denotavam espírito de
desorganização e rebeldia ao “comando único” da MP, começando pelos próprios dirigentes.
Grande parte dos filiados compareceu mesmo sem farda no acampamento então organizado, muitos
deles envergando capa e batina.457 Na verdade, há muito que vinham crescendo as críticas do
Comissariado Nacional a este propósito, tentando contrariar os grupos desportivos (uma vez
subjugados à organização) e as próprias delegações, cujos filiados se apresentavam à paisana nos
campeonatos sem um único símbolo que recordasse a existência da Mocidade Portuguesa.458 O
último reduto da organização também exibia assim o insucesso de implantação nacional.
4.6. Centros Universitários
No cenário de gestação interna de futuros elementos do regime, importou em particular a
penetração da Mocidade Portuguesa nos painéis universitários, pela apropriação dos respectivos
centros. Iniciativa essencialmente patrocinada por Marcelo Caetano, esta entrada oficial da MP no
Ensino Superior teve lugar na reorganização de 18 de Outubro de 1940. Os centros universitários
passaram à dependência directa do Comissariado Nacional (...) por intermédio da Direcção de
Serviços Culturais e de Formação Nacionalista, em tudo o que respeite a orientação e direcção.459
No mesmo dia foi criado o Centro Universitário de Lisboa e nomeados director e adjunto,
respectivamente, Luís da Câmara Pinto Coelho (futuro comissário nacional) e o Engenheiro Virgílio
Canas Martins, este último professor assistente do Instituto Superior de Agronomia. Na lista de
objectivos dos novos centros inscreviam-se:
1 – Intensificar a formação política e social da juventude universitária; 2 – Fomentar o espírito corporativo, contribuindo para a compenetração das diferentes profissões no quadro nacional; 3 – Desenvolver o sentimento de camaradagem (...); 4 – Contribuir para uma intensa actividade cultural; 5 – Promover um maior desenvolvimento da prática da ginástica e dos desportos;
456 ANTT/AMP. cx. 1122 mç.1. Direcção dos Serviços de Educação Física e Desportos, Campanha Nacional de Educação Física da Mocidade Portuguesa. Demonstrações de Ginástica Educativa e de Folclore Nacional na Casa da Mocidade em Lisboa nos dias 26 e 27 de Maio de 1944 – Programa-Convite. 457 Cf, “Os Grandes Festivais de Encerramento da Campanha Nacional de Educação Física” in Jornal da M.P., n.º 36, Ano II - Nova Série, de 10 de Junho de 1944, s/p. 458 Atribuindo este desnorte aos dirigentes e instrutores, o CN emitiu então a directiva às delegações provinciais: O nosso Comissário Nacional chama por isso a atenção de V. Ex.ª para o facto de interessar menos a eficiência desportiva e o amor próprio local que a realização dos objectivos formativos da M.P. Não só é reprovável entregar a representação da M.P. local a maus filiados ( e até a não filiados!), como tal facto se torna motivo de descrédito para a Província ou Ala representada. ANTT/AMP. cx. 1104 mç. 1. Circular n.º 12, de 27 de Maio de 1944, enviada pelo secretário inspector, J. Soares Franco, aos delegados provinciais da Mocidade Portuguesa. 459ANTT/AMP - Ordens de Serviço 1938-1945, liv. 397. Ordem de Serviço de 18 de Outubro de 1940.
142
6 – Colaborar com os Centros de Instrução Geral da M.P. e na formação dos futuros quadros dirigentes da Organização; 460
A retracção das actividades da Mocidade Portuguesa chegou também aos centros
universitários, onde a falta de interesse dos estudantes, só filiados voluntariamente, grassou um
pouco por cada faculdade. A fraca afluência de alunos, de que era exemplo o Centro Universitário
de Coimbra em 1942, levou os respectivos dirigentes a procurar desenvolver a secção desportiva,
tida como a (...) única isca por onde os rapazes venham ao Centro. No início desse ano lectivo, não
constava uma única inscrição na MP, segundo relatou Orlando Ribeiro a Marcelo Caetano : É triste,
mas aqui é assim. O CADC, a ACE, a AA (...) chegam e sobejam, e nós, muito dificilmente
conseguiremos abrir caminho. O que me admira é que, depois de alguns anos de mocidade no
liceu, os rapazes reajam desta maneira.461
A organização de campeonatos desportivos universitários acabaria por ocupar, como nos
restantes escalões da MP, os tempos livres dos poucos estudantes que ali se filiavam. Na mesma
altura, Baltasar Rebelo de Sousa pertencia ao Centro Universitário de Lisboa e o Eng.º Daniel
Barbosa era graduado adjunto no equivalente do Porto.
4.7. Casas da Mocidade
Uma das principais deficiências crónicas da ONMP, quase sempre alvo de crítica ou boa
justificação para contornar os dias de actividades, residiu na falta de instalações. E neste capítulo,
mais uma vez, nem sempre a escola se mostrou colaborante, alegando ausência de meios para as
próprias actividades e remetendo os centros da MP para salas exíguas ou, quando possível,
afastando-os mesmo das instalações do liceu. Foram, aliás, frequentes as queixas de indisciplina
trazida pelos filiados para dentro da escola que (...) entravam e saíam a todos os momentos;
rufavam tambores, que impossibilitavam toda a atenção aos serviços; corredores e compartimentos
que não paravam limpos; riscos nas paredes ou coisas partidas, ignorando-se os agentes; os
alunos do liceu desculpando-se com os extra-escolares. O pessoal menor, em número reduzido, não
podia atender devidamente todos os recantos,462 levando os reitores a impor condições estritas de
funcionamento aos dirigentes e, em casos mais extremos, a boicotar as actividades da organização.
Acrescia à ausência de instalações administrativas a dependência, sentida como humilhante, da boa
460 Regulamento (...), p. 53. 461 AMC, Caixa 47, Correspondência/RIBEIRO, Orlando, n.º 14. Carta de 4 de Novembro de 1942, de Orlando Ribeiro a Marcelo Caetano, referindo-se ao Centro Universitário de Coimbra. 462 AHME. Direcção Geral do Ensino Liceal. Diversos. Cx. 2315. Ofício n.º 214, de 19 de Novembro de 1941, enviado por Sebastião José Raposo, reitor Liceu Nacional Diogo de Gouveia (Beja), ao director geral do Ensino Liceal.
143
vontade dos clubes desportivos na cedência de campos e ginásios para realização de encontros e
campeonatos da Mocidade Portuguesa.463
As “Casas da Mocidade”, surgiram assim como meio suplementar de acolher as actividades
das alas, servindo de sede regional da organização. Estas instalações pretendiam constituir-se como
“lar social” da MP e combater a letargia burocrática em que caíam lentamente os centros de
instrução. Na essência do projecto estava o objectivo de reunir os filiados num mesmo espaço onde
pudessem conviver, trabalhar e estudar. Para isso era necessário criar as respectivas casas, que
fossem frequentadas pelos jovens não só nos dias de instrução mas sempre que queriam aproveitar
as suas horas livres de estudo ou de preocupações profissionais. A aproximação dos dirigentes aos
filiados, para que neles pudessem conhecer melhor o carácter, as aspirações e as tendências, era
outro dos motivos alegados para a promoção destes espaços.464
Em Novembro de 1943, foi inaugurada a “Casa da Mocidade” de Lisboa465, abrindo-se
novos espaços no resto do país, a partir do ano seguinte. Em Maio de 1944, a Escola Central de
Graduados funcionou, pela primeira vez, nas novas instalações da capital.
4.8. MP Colonial
Não é propósito deste estudo, por evidentes limitações de espaço e pela necessária
orientação parcimoniosa do nosso objecto central de análise, reconstituir o processo de
institucionalização da Mocidade Portuguesa nas colónias. Reconstituição esta que implicaria, antes
de mais, um trabalho de investigação aturada junto do Arquivo Histórico Ultramarino e que
optámos por não levar a cabo, pelos motivos já sublinhados. Note-se, aliás, que o percurso de
introdução e influência da MP nas colónias, e a respectiva articulação com outros organismos é, em
si mesmo, um campo de trabalho próprio. Uma vez que a nossa investigação raras vezes se
confrontou com fontes relativas à organização no espaço colonial, não é possível afirmar com
segurança em que momento foi a Mocidade Portuguesa organizada em cada um destes territórios.
Sabemos, porém, que em Fevereiro de 1939, o decreto n.º 29 453 abriu as portas à MP nos
territórios do “Império”, assentando essencialmente em bases idênticas às estabelecidas para
Portugal continental. Segundo o artigo 1.º, seria dada uma organização nacional e pré-militar à
Mocidade Portuguesa das Colónias e à juventude indígena assimilada, de acordo com o que
estabelecia a lei de 11 de Abril de 1936.466 Designando cada território por unidades coloniais, estas
463 ANTT/AMP, cx. 1102 mç. 1. Cópia do ofício de 8 de Dezembro de 1941, enviado pelo director dos Serviços de Educação Física e Desportos da MP, tenente Campos de Andrada, ao secretário inspector, José Soares Franco. 464 “Como deve ser a Casa da Mocidade” in Jornal da M.P, n.º 3, Ano I - Nova Série, de 28 de Novembro de 1942, s/p. 465 “Foi inaugurada a Casa da Mocidade de Lisboa” in Jornal da M.P., n.º 21, Ano II - Nova Série, de 13 de Novembro de 1943, s/p. 466 Diário do Governo, I Série, n.º 40, de 17 de Fevereiro de 1939.
144
corresponderiam a “Divisões” e as regiões a “Alas”. A supervisão das actividades em cada um
destes espaços ficou a cargo do Comissariado Nacional, por delegação do Ministro das Colónias,
instituindo-se “comissariados privativos” para cada um deles. O comando geral da Milícia seria
igualmente entregue a um oficial superior do Exército ou Armada, directamente nomeado pelo
Presidente do Conselho. Também o fardamento era igual ao que previa o regulamento
metropolitano, estando autorizado o recurso a outros tecidos, adaptados às condições climatéricas
locais, e a utilização do capacete militar colonial. A partir de Fevereiro de 1944, a orientação da
ONMP passou para a responsabilidade da Direcção Geral do Ensino, criada nesta data pelo
Ministério das Colónias.467
Em 1942, a presença da Mocidade Portuguesa já se fazia sentir, pelo menos em alguns
destes territórios. Em Março desse ano, Marcelo Caetano comunicou aos filiados do Império, ao
microfone da Emissora Nacional, lembrando que: Assim como a Pátria é só uma para todos os
portugueses (...) também a organização da "Mocidade" é em todo o Império uma só. As emissões
radiofónicas especiais a que já nos referimos, promovidas ao longo deste ano, chegaram também à
rede colonial, com o objectivo de (...) mostrar a cada núcleo disperso pelo Império que não está
sozinho, porque somos mais - mais a pensar as mesmas ideias e a agir no mesmo ritmo. 468 Unidade
territorial e ideológica era a palavra de ordem, de Lisboa a Timor.
Numa fase inicial, o modelo de incentivos à filiação aplicado pela Mocidade Portuguesa nas
colónias terá passado, entre outros, pela concessão de bolsas a estudantes universitários. Este
estímulo servia de moeda de troca para os graduados que pretendiam frequentar o Ensino Superior
na metrópole. O artigo 29.º do diploma de 1939 previa que os comissariados coloniais pudessem
(...) estabelecer prémios destinados às pensões e casas de estudantes seus filiados, nas cidades
universitárias da Metrópole, tendo em vista a alimentação sadia e económica, a boa disciplina
moral e a melhoria de condições higiénicas. Ao mesmo tempo, pelo artigo 35.º, os governadores
coloniais ficaram autorizados a celebrar acordos de criação do “Lar dos Estudantes Coloniais” em
Lisboa e Coimbra, de forma a providenciar o alojamento desses filiados. 469 Em Agosto de 1942, o
comissário adjunto, José Soares Franco, dava conta dos bons resultados desta iniciativa,
comentando a propósito de quatro bolseiros da M.P. de Angola inscritos no Instituto Superior
Técnico e Instituto Superior de Agronomia: (...) ficam agora sujeitos à fiscalização da M.P. com
obrigação de frequentarem o Centro Universitário e terem bom comportamento e aproveitamento,
467 Decreto-lei n.º 33 541 publicado no Diário do Governo, I Série, Suplemento ao n.º 36, de 21 de Fevereiro de 1944. Esta Direcção Geral do Ensino tinha por fim (...) Orientar superiormente os serviços de instrução nas colónias (...) aos quais cabia Promover a acção educativa da Organização Nacional da Mocidade Portuguesa (...). 468 “O Comissário Nacional da Mocidade Portuguesa falou ontem aos filiados do Império” in Diário de Notícias, n.º 27 336, de 20 de Março de 1942, p.4. 469 Decreto n.º 29 453 (...).
145
condição para receberem o subsídio mensal de 800$ cada um, que lhes foi entregue por nosso
intermédio.470
Em 1943 foi fundada em Lisboa a Casa dos Estudantes de Angola, iniciativa que partiu de
um grupo de estudantes universitários oriundos da colónia. A ideia foi seguida, pouco depois, por
Cabo Verde, Macau, Índia, e Moçambique. O perigo que poderia decorrer da reunião destes
estudantes em grupos específicos, levou o governo a reunir todas estas associações numa só, sob o
argumento da “Unidade da Nação Portuguesa”. Nos verdadeiros propósitos desta concentração,
estava o interesse em vigiar sob um mesmo tecto a actividade desses estudantes. 471 Em 1944, era
ainda ministro das Colónias Francisco Vieira Machado, foi lançada a proposta de criação de uma
“Casa dos Estudantes do Império” (CEI), concretizada em Novembro desse ano, já com Marcelo
Caetano a ocupar esta pasta ministerial. Foram então inauguradas as delegações da CEI em Lisboa e
Coimbra. Era objectivo desta associação (...) fornecer assistência social e material aos estudantes
ultramarinos, promover a sua cultura e contribuir para a sua integração no meio estudantil
metropolitano, em estreita ligação com o Ministério das Colónias mas também com a Mocidade
Portuguesa. A “unidade ideológica” estava, porém, comprometida, sem que o regime o soubesse.
Em 1945-46, (...) quase todos os elementos dos corpos gerentes da Casa para o ano lectivo de
1945-46 assinaram as listas do MUD e juntaram-se, a partir de 1946, ao MUD Juvenil. Na
verdade, a iniciativa do ministro das Colónias, apoiada pela MP, levaram o regime a fundar um
importante núcleo oposicionista que, a partir dos anos 50, ganhou forma como (...) espaço de
sociabilização anti-salazarista, de esclarecimento político, de denúncia do colonialismo. 472 Pela
CEI, onde germinou a cultura africana, passaram muitos dos futuros protagonistas dos movimentos
de libertação. Entre eles estavam Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Marcelino dos Santos, Mário
Pinto de Andrade, Fernando Ganhão, David Bernardino e Tomás Medeiros.
4.8. Uma teia desfeita
Apesar da forte expansão da rede de centros da Mocidade Portuguesa por todo o País, mais
influente nas regiões litorais e urbanas, os níveis de implantação e efectivo cumprimento das
actividades entraram em declínio progressivo. Na órbita desta perda de globalidade estava todo um
conjunto de entraves que nem o empenho pessoal do Comissariado de Marcelo Caetano, nem o
reforço de poder oferecido pelos dispositivos legais de 1942, saberiam combater. A partir de 1943,
470 ANTT/AMC, Caixa 27, Correspondência/FRANCO, José Porto Soares, n.º 2. Carta de 12 de Agosto de 1942, enviada por José Soares Franco, comissário adjunto da MP, ao comissário nacional Marcelo Caetano. 471 Cf. CASTELO, Cláudia Orvalho, “Casa dos Estudantes do Império” in Dicionário de História do Estado Novo, vol.I, Círculo de Leitores, s/l, pp.130-131. 472 Ibidem, p. 130.
146
cresceram os sinais de ruptura, num clima em que a crescente contestação operária, a degradação
das condições de vida e a cada vez maior dureza da guerra mundial enevoaram a retórica educativa
e assistencial da Mocidade Portuguesa.
4.8.1. Histórias de um desinvestimento
Agravamento financeiro A ausência de meios materiais e humanos, associada à falta de prioridade política dada à
organização, atravessaram os primeiros dez anos de vida da MP. Os magros incentivos financeiros
proporcionados aos dirigentes, a começar pelos comissários, terão colaborado também na origem da
insatisfação crescente dentro do organismo e da secundarização da Mocidade em detrimento dos
cargos remunerados exercidos em simultâneo.
Ao integrar a direcção do Comissariado Nacional, Marcelo Caetano, que então ocupava
funções como jurista a par da docência universitária, recordava subtilmente a Salazar o contraste
entre a sua apetência para assumir o cargo e o prejuízo financeiro que traduzia a aceitação daquelas
funções. Na carta em que confirmou a aceitação do lugar, Caetano apontava: Faltaria à verdade se
não confessasse que as funções me seduzem. Mas tenho vivido nestes dois dias em angustiosa
preocupação. O lugar é gratuito, dispendioso e impeditivo de muitas actividades. E eu actualmente
vivo da advocacia de duas ou três grandes empresas. 473 Observações como esta denunciavam
oefeito desmobilizador de dirigentes superiores e intermédios face à participação num organismo
que oferecia como única compensação o prestígio de servir o Estado.474 Também por isso, a adesão
à MP permitia aferir o grau de lealdade ao regime.
A comprovar a sistemática magreza financeira da MP, Soares Franco repetiria junto do
ministro Caeiro da Mata, em 1945, algumas das lamentações deixadas por Nobre Guedes nos
primeiros tempos da organização. O comissário interino indicava, entre as razões mais urgentes
para elevação orçamental, a necessidade de aumentar os vencimentos do pessoal administrativo e as
gratificações dos instrutores (então estimadas entre 100 e 300$00 e tidas como meramente
simbólicas), a formação de novos dirigentes, o investimento nos campeonatos desportivos, a
realização de acampamentos provinciais e a manutenção dos fundos de Camaradagem, num total
acrescido de 1 500 contos ao subsídio inicial. O pedido inicial de Soares Franco, de cerca de 7 000
473 Carta de 17 de Agosto de 1940, publicada por José Freire Antunes, op. cit., p.9. 474 A resposta de Salazar às preocupações de Marcelo Caetano deixou pouco mais que uma solução evasiva, confiando ao novo Comissário uma postura de certo estoicismo face ao momento: Acabo de receber a sua carta de 17. Já sabia da sua nomeação para a Mocidade Portuguesa, pois que o Senhor Ministro da Educação Nacional amavelmente a quis ajustar comigo. Apenas receava que a sua vida lhe não permitisse aceitar o encargo, que é honroso mas difícil. Enquanto não for possível arranjar as coisas de outro modo, libertando-o de certas preocupações, viveremos como seja possível, sem que aliás possa suspeitar-se de que as suas posições e intuitos são sempre correctos. (...) Carta de 20 de Agosto de 1940, publicada por José Freire Antunes, op. cit.,p.100.
147
contos, não fora atendido, como sucedera em anos transactos.475 E de facto, à excepção dos anos
económicos de 1940, 1942 e 1943, os restantes saldos da administração geral da organização
roçariam sempre os valores negativos. Mas a urgência do subsídio era agora ainda mais
fundamentada, num período em que a organização se via a braços com o risco de submergir em
dívidas e desinteresse. Findos os recursos, a MP estaria condenada a estagnar, ou, segundo o
comissário começaria a morrer, chamando ainda a atenção:
Dois meses de actividade são já suficientes para nos confirmar que é impossível viver com
os actuais recursos, isto com a agravante das actuais condições políticas exigirem cada vez mais
de nós um redobrado esforço.476
No entanto, e cumprindo a regra do deficit crónico, a caixa da organização estaria
novamente vazia em Janeiro de 1946.477
Falta de dirigentes e instrutores
Também herdada dos anos de chefia de Nobre Guedes, foi a crónica falta de pessoal
instrutor e dirigente qualificado nos quadros da Mocidade Portuguesa. Esta carência era já gritante
em 1939, levando Marcelo Caetano a ironizar que (...) ao País os dirigentes são como os coristas
das companhias pobres de ópera: têm que andar a passar por trás dos bastidores a fingir que são
muitos.478 O director dos Serviços de Formação Nacionalista alimentava nessa altura a esperança de
que a acção dos dirigentes pudesse tornar-se mais profícua, sendo (...) susceptível de se modificar a
todo o tempo. Esperança que, a breve trecho, se transformaria em verdadeira frustração. Ao assumir
a coordenação da MP no período de agudização da primeira grande crise do regime, Marcelo
Caetano lamentaria também a luta solitária que envidava a favor da Organização, vazia de recursos,
pobre na articulação com outros sectores e ensombrada pelos (...) defeitos de acção, de faltas de
espírito, de muita inépcia, de muita estupidez e talvez de muita traição nos dirigentes
subalternos.479 Convertidas em pessimismo, as conclusões do Comissário Nacional eram
contundentes: Por este caminho a obra de MP (...) não chegará a tempo e os sacrifícios da meia
dúzia dos seus dirigentes apaixonados serão em vão.480 Na realidade, os corpos directivos da
Mocidade inscreveram-se sempre no capítulo do voluntariado, que tanto dependeu, para uns, da
simples lealdade ao regime e do (...) interesse espiritual e por amor à educação da juventude
475 ANTT/AMP. cx. 978-mç.5. Cópia da justificação orçamental, de 5 de Março de 1945, enviada pelo comissário nacional interino, José Soares Franco, ao ministro da Educação Nacional, José Caeiro da Mata. 476 Ibidem. 477 Cf. ANTT/AMP, Secção de Contabilidade. Livros-Caixa n.ºs 407, 401, 422, 532 , 534, 527, 540, 533, 602, 539 e 523, respectivamente de 1937 a 1946. 478 Intervenção de Marcelo Caetano, Presidente da 2.ª secção do Congresso da Mocidade Portuguesa –“Educação Moral da Juventude”, a 23 de Maio de 1939, I Congresso (...) p.119. 479 Carta de 27 de Abril de 1943, publicada em José Freire Antunes, op. cit, p.114. 480 Ibidem, p. 114.
148
portuguesa (...),481 como foi, para outros, moeda de troca para o enquadramento político no Estado
Novo.
Um dos primados administrativos da MP passou pela concentração de quadros mal
remunerados que muitas vezes não recebiam mais do que pequenas gratificações pelos tempos de
instrução dispensados aos centros. Por outro lado, os dirigentes acumulavam funções com a vida
profissional de todos os dias, pertencendo à organização a título meramente contemplativo.
Aliavam-se assim instrutores pouco estimulados e dirigentes desinteressados, que entregavam “alas
inteiras” à simples existência burocrática. A este acumular de negligências, somava-se o perfil
destes instrutores, que incluíam um número cada vez maior de professores de educação física com
fraca preparação, padres locais ou até jovens graduados. Estes últimos eram muitas vezes acusados
de falta envolvimento com o trabalho dos centros a que pertenciam. No ano lectivo de 1945-1946,
Manuel Gamito dava conta do caos generalizado que se instalara no liceu Bocage. Segundo o
relatório desse ano, sobre a actividade do liceu de Setúbal, o reitor informava que a organização
sofria de (...) falta de direcção e de ligação. Instrutores são os alunos graduados ou arvorados que
fogem, quanto possível ao trabalho. As actividades que atraem grande número de filiados são as
meramente desportivas. Nestas mesmas, o espírito desportivo é nulo, estando latentes rivalidades
de centro para centro (...). Os desafios realizam-se no meio de gritaria e de certa desordem. Não
existe espírito de harmonia e de coesão entre esses dois centros, onde se trabalha por pôr termo a
este estado de coisas que reputamos lamentável.482 Casos como o que descrevemos, foram
detectados por todas as delegações provinciais, em particular neste período posterior ao fim da
segunda Guerra Mundial, em que corriam com frequência informações sobre o eventual fim da
Mocidade Portuguesa.
A todos estes sinais de desintegração, acrescentara-se a perda da principal massa instrutora
da MP, os militares. Com efeito, a mobilização para a defesa das ilhas atlânticas e colónias
africanas, fez chamar entre 170 000 a 180 000 homens às fileiras483, repercutindo-se no painel de
instrutores do organismo. Este destacamento incluiu, aliás, um largo número de estudantes, muitos
dos quais eram também cadetes da Milícia e colaboradores dos centros.
Procurando combater a sangria de pessoal instrutor e dirigente, a mesma disposição
legislativa que integrou as caixas e associações escolares nos centros da MP, em Agosto de 1942,
recomendara que a direcção dos respectivos centros fosse entregue aos respectivos reitores dos
liceus e directores das escolas técnicas, aos quais cumpria (...) associar às actividades circum-
481 Cf. Francisco Leite Pinto, I Congresso (...) p.54. 482 ANTT/AMP. Relatórios dos Liceus. Caixa n.º 26, Relatório n.º 163 do Liceu Bocage em Setúbal, ano lectivo de 1945-1946. 483 CF. Fernando Rosas, História de Portugal (...), p. 371.
149
escolares todo o pessoal docente e discente e promover o funcionamento dos respectivos
organismos em perfeita harmonia com as restantes manifestações da vida escolar.484 Esta
responsabilização das direcções escolares sobre a vida dos centros da Mocidade Portuguesa
procurava de algum modo fundir as competências da escola na missão da organização e alimentar a
difícil cumplicidade entre elas. Paralelamente, a carência de dirigentes e a fraca renovação de
formadores terão aconselhado o reforço desta aliança.
Perto do final da Segunda Guerra Mundial, o cenário de colaborações no interior da MP
alterou-se substancialmente. O regresso dos militares aos corpos directivos era já inviável, à medida
que o Comissariado procurara colmatar os espaços vazios com professores das escolas ou formados
pelo INEF. A gestão das delegações regionais foi sendo progressivamente entregue a governadores
distritais, presidentes de municípios ou outras figuras de confiança política, também eles
acumulando cargos e por vezes, como vimos, deixando a MP à sua sorte. Ao mesmo tempo,
emergiu um cada vez maior número de críticas ao funcionamento da organização entre os dirigentes
que aí tinham permanecido desde a origem. Críticas essas que variaram de intensidade de região
para região e que se traduziram, não raras vezes, na demissão de antigas chefias.
Panorama regional – o caso açoriano
A implantação da Mocidade Portuguesa, mais acentuada nas regiões litorais e urbanas
porque concentravam grande parte das instalações liceais, diferiu muitas vezes em qualidade e
eficiência de centro para centro, consoante os meios que cada um conseguia obter. Estas variáveis
imprimiram uma profunda heterogeneidade ao mapa da organização, tornando possíveis dois
discursos diametralmente opostos sobre os resultados obtidos, dentro da mesma ala, à distância de
poucos quilómetros. Mais acentuada foi a separação dos arquipélagos dos Açores e Madeira, onde
reinava o isolamento, dificultando o acesso da organização. Ali, as folhas de doutrina ou outro
material necessário chegavam do continente, quando chegavam, com atrasos de semanas ou meses;
o início das actividades nos respectivos liceus foi por isso mais demorado e os métodos de actuação
muitas vezes improvisados.
Mobilizado em comissão de serviço para os Açores em 1941, o capitão Celestino Marques
Pereira aproveitou a presença nas ilhas para conhecer de perto a realidade da MP nas regiões em
que a organização detinha menor controlo. Alguns dias antes do fim do conflito mundial, Marques
Pereira foi nomeado pelo CN para (...) coordenar e imprimir um maior desenvolvimento às
actividades nos arquipélagos dos Açores e da Madeira, adoptando às condições do meio as
diversas modalidades do processo educativo da M.P. sem quebra de unidade de orientação que se
484 Decreto-lei n.º 32 234 (...)
150
pretender manter dentro da Organização.485 Os resultados da avaliação de Marques Pereira
indiciavam a pouca habilidade da Mocidade Portuguesa em fazer-se impor fora do continente,
apontando a urgência de aproximar a juventude açoriana do centro de decisões em Lisboa, de forma
a quebrar o individualismo natural que aí se vivia e a atenuar a incompreensão do meio sobre a
função educativa da MP. Influenciada pela presença militar dos aliados nas ilhas, a população local
estava então mais permeável ao afastamento dos “desígnios” da Revolução Nacional: Há quem
julgue encontrar na guerra mundial e como consequência da vitória das democracias, boa razão
para o retorno a esse mesmo espírito, esquecendo-se que os ensinamentos deste conflito só
confirmam a necessidade de integrar o indivíduo na comunidade nacional, quer para o
desempenho da sua função individual, quer ainda para o bem da Nação e melhor e mútua
compreensão entre os povos.486 A presença aliada nas ilhas terá exercido de facto algum efeito
sobre a imagem da organização local. Segundo confirmavam relatos da mesma data, era frequente a
desconfiança dos militares da base britânica da Horta face a algumas das exteriorizações constantes
na MP, como era o caso da saudação romana. Em estudo, ficaria a sugestão de constituir um órgão
autónomo, em articulação com o CN, de forma a controlar mais de perto a actividade da Mocidade
insular.
Em Junho de 1945, em sentido de deserção, o sub-delegado regional da MP em Angra do
Heroísmo, padre José de Ávila, apresentou o pedido de substituição naquele cargo directivo,
acompanhado de duras críticas aos atavismos sistemáticos do organismo. Determinado em retirar-
se, Ávila não escondeu a estagnação do projecto de Carneiro Pacheco: (...) tenho a impressão de
que ainda se estuda a Organização e que não se definiu a trajectória em que todos deviam
cooperar, principalmente o elemento oficial. Por vezes chego a duvidar que se pense muito na
formação nacional da mocidade. Por aqui vejo aparecer comissões e brigadas para estudar: o
porto de abrigo, os aeródromos, as hidráulicas, os lacticínios, as estradas, a arborização, a
florestação, a agronomia, etc... etc... Não me consta de preocupações sobre a formação dos
homens de amanhã com que tanto se enche a boca e os jornais...487 Em meados de 1946, foi a vez
de Alberto Oliveira, delegado provincial de Ponta Delgada desde 1939 e activo dirigente da MP em
São Miguel, experimentar a retirada. Membro da Legião Portuguesa e eleito presidente da Câmara
em Dezembro de 1945, data em que apresentou o primeiro pedido de demissão, Alberto Oliveira
marcou os anos de acolhimento da Mocidade na região. Alegando incompatibilidades profissionais
com a pronta solução que as funções na MP exigiam, apontava também o cansaço geral entre os
dirigentes que ainda se debatiam por algum desenvolvimento da organização. Em suma, concluía: 485 ANTT/AMP. Ordens de Serviço 1940-1949. livro. 262. Ordem de Serviço n.º 15, de 1 de Maio de 1945 (1944-1945). 486 ANTT/AMP. Cx. 1108 mç. 1. Exposição n.º 405/9.ª de 11 de Julho de 1945, enviada por Celestino Marques Pereira ao comissário nacional interino, Soares Franco. 487 ANTT/AMP. Idem. Cópia da carta de 19 de Junho de 1945, de José de Ávila. Sem indicação de destinatário.
151
(...) a máquina anda emperrada e tudo se reduz muitas vezes a palavras e à monotonia que enfada,
quando repetida.488
O abandono de actividades estendeu-se pouco depois aos instrutores dos centros,
secundando a decisão de Alberto de Oliveira. Sucederam-se, em catarata, as demissões colectivas,
assim descritas pelo substituto do delegado anterior:
Os principais Centros n.º 1 (Liceu) e n.º2 (Escola Industrial) sobretudo o 1, nada fizeram este ano. O Moura no Liceu, depois de ter pedido a sua demissão, não se limitou a não fazer nada para a M.P., como professor de educação física, mas tomou a atitude (mais que condenável) de fazer contra-vapor, passando a ser um elemento derrotista. A sua doença ((a que eu me referi muita vez (estava adivinhando) de afirmar e espalhar que a M.P. estava morta e outros pessimismos)) agravou-se ao superlativo e isto numa casa de ensino como o Liceu, com a população escolar de muitos centos de alunos que tem e com a charanga desafinada do professorado inimigo da M.P. que há lá dentro. Quanto ao Reitor, é bem intencionado, mas não tem vigor, não tem personalidade alguma e isto caminha assim, como barco sem leme...
Na Ribeira Grande, a Sub-delegação fechou duma maneira bizarra: o Sub-Delegado demitiu-se, o seu Adjunto foi com ele (...) e pela mesma porta entregando a chave da sede à Câmara e mandando o mobiliário e papéis todos para a Ala sede! E numa vila grande e muito importante como é aquela...489
A hora ditava o esforço de reorganização e a escolha de novos dirigentes, assinalando
também o fim de um primeiro ciclo de actividade da “escola de patriotas”. Mas não seria fácil
angariar, nos arquipélagos como no continente, novos candidatos à direcção da Mocidade
Portuguesa, submersa em desânimo e ainda em luta para voltar à superfície.
Graduados sem preparação Outra desmotivação já evidente antes do final da guerra, prendeu-se com a adesão à Milícia.
Segundo o major José Maria Ribeiro da Silva, comandante da unidade da MP em substituição de
Frederico Vilar, as regalias asseguradas pelo exército na idade de recrutamento constituíam o
principal atractivo dos potenciais cadetes que ali se inscreviam. Mas os fracos níveis de preparação
dos milicianos, resultado da falta de habilitações à frequência dos cursos e da ausência de meios de
instrução da MP, invalidavam o benefício dessas regalias, tornando inútil o tempo gasto em 3 anos
de Milícia.490
488 ANTT/AMP. Cx. 982-mç.4. Ofício n.º 147/A, de 21 de Novembro de 1945, enviado por Alberto Oliveira, Delegado Provincial de Ponta Delgada, com o primeiro pedido de demissão ao comissário nacional interino, Soares Franco. 489 ANTT/AMP. Cx. 1108 mç. 1. Carta de carta de 1946, enviada por José de Oliveira São Bento , adjunto da delegação provincial de Ponta Delgada, ao capitão Alberto Marques Pereira. 490 Segundo o comandante da Milícia, a afluência à instrução era cada vez mais diminuta: Desde que tais filiados reconhecem não ter alcance prático a sua inscrição na Milícia, desinteressam-se da sua frequência, – uns que chegaram a inscrever-se e outros que nem mesmo chegam a fazê-lo – pois que sabem antecipadamente não merecer a pena frequentar a Milícia durante 3 anos para afinal não virem a usufruir qualquer regalia quando forem chamados a prestar serviço militar. Daqui resulta prejuízo para a Mocidade Portuguesa porque não dispõe do material necessário para ministrar a instrução militar aos seus filiados da Milícia e para o Ministério da Guerra porque estes, na altura da sua incorporação no Exército não estão, por este facto, suficientemente habilitados. AHM. Correspondência. - Mocidade
152
As escolas de graduados também reconheciam a desorientação generalizada. Na Escola
Regional de Coimbra não se cumpriam as directivas de instrução geral, a preparação dos chefes de
Quina era inexistente, não se realizavam as provas obrigatórias à passagem de escalão e os filiados
entravam sem qualquer preparação segundo observava o director dos Serviços de Instrução Geral:
Não conhecem o alfabeto homográfico e não houve ainda um que respondesse satisfatoriamente,
quando interrogado sobre formações e evoluções, não já do Castelo, mas da simples Quina. Deste
modo a Escola vê-se obrigada a perder um tempo precioso a ministrar aos filiados noções
elementares que eles desde há muito deviam possuir, com prejuízo evidente da eficiência do
Curso.491
4.8.2. Impasses e resistências
Transversalmente a todo o tempo de vida da Mocidade Portuguesa, a família constituiu uma
das barreiras mais consistentes à inteira adesão dos filiados. Se a escola dificultava muitas vezes o
normal desenvolvimento das actividades da organização, os encarregados de educação procuravam
frequentemente, justificações que permitissem afastar dela os educandos, quer integrando-os em
associações de juventude paralelas, de forma a que os tempos livres se dividissem por diferentes
meios educativos, quer recorrendo a argumentos que dessem direito à exclusão das actividades. A
falta de condições físicas e a ausência de fardamentos contavam-se entre estes argumentos.
No curso da guerra, estes impasses foram ainda mais evidenciados pelo meio familiar, que
resistia sobretudo à exteriorização de práticas da MP. Pelo relatório de actividades relativo ao ano
escolar de 1943-1943, o Reitor do Liceu Antero de Quental em Ponta Delgada, João Hickling
Anglin492, atribuiu ao comportamento das famílias uma das causas da fraca assiduidade aos
acampamentos. De acordo com a informação transmitida pelo adjunto do centro instalado no liceu,
Augusto Moura Jr., a ausência de filiados nas actividades da M.P. encontrava duas origens
principais:
Portuguesa, 1938-1946. Cx. 0085 Sr. 43. Ofício n.º 179/M, proc.º 88/944, de 18 de Outubro de 1944, enviado por José Maria Ribeiro de Silva , Comandante Geral da Milícia da MP , ao Chefe do Gabinete do Ministério da Guerra. 491 ANTT/AMP. Cx. 979-mç.4. Ofício n.º 136, de 16 de Julho de 1945, enviado por Joaquim Gomes Marques, Director dos Serviços de Instrução Geral da MP, ao secretário inspector da MP. 492 João Hickling Anglin (1894 - ?). Iniciou carreira no Liceu Antero de Quental em 1921, de que foi reitor entre 1926 e 1935 e de 1939 a 1964, data em que se retirou. Vereador municipal e presidente da Junta Geral do mesmo Distrito. Membro da Legião Portuguesa, representou um dos muitos exemplos de cooperação do Liceu com a MP, considerando-a um “privilégio inapreciável" das novas gerações. Nomeado director do Centro Escolar n.º1, do Liceu Nacional Antero de Quental, seria, dois anos mais tarde elogiado pelo delegado provincial (...) por sempre ter dado a mais franca colaboração e o mais inteligente interesse pela obra da M.P., que não separa, antes confunde na do ramo do ensino secundário que tão distintamente dirige neste Distrito, acompanhando todas as suas actividade, nomeadamente em recentes acampamentos. ANTT/AMP - Ordens de Serviço 1938-1945, liv. 315. Ordem de Serviço n.º 15, da Delegação Provincial de Ponta Delgada, de 1 de Maio de 1943.
153
Pode-se verificar que numa população escolar de cerca de 300 filiados, só um reduzido número de 75 rapazes fizeram parte dos nossos acampamentos, o que a nosso ver representa uma frequência excessivamente diminuta.
As causas principais são devidas: 1.º Unilateralidade do ensino liceal, que confere uma primazia excessiva à actividade
intelectual, desprezando quase por completo as actividades físicas, que mais do quaisquer outras constituem para a formação da personalidade. Nestas circunstâncias o filiado criou o hábito de vida sedentária e dificilmente reage contra essa apatia, que muitas vezes lhe embota a sensibilidade na apreciação das manifestações de esforço que estão ligadas às outras actividades humanas.
2.º Relutância das famílias, quer na preocupação doentia sobre a saúde dos filhos durante esses períodos de acampamentos, quer na ideia deturpada que muitos apontam à Mocidade Portuguesa quando se referem aos seus processos de preparação militar.
Pode-se no entanto contrapor com verdade, que sendo Portugal uma Nação armada, nada se opõe por conseguinte a que preparemos a nossa mocidade para um trabalho de mais eficiência, quando chegar o momento em que cada rapaz tenha de cumprir o seu dever para com a Pátria. 493
A marca do discurso militarista na Mocidade Portuguesa dos primeiros tempos persistiria
assim como justificação bastante para a recusa generalizada dos educadores em conservar os filhos
na organização além do tempo obrigatório. Nos bastidores deste argumento, velava-se, mais
profundamente, a negação de alinhamento com o próprio regime, de que a MP era distintiva.
No jogo de impasses, note-se ainda que a organização se revelou incapaz de absorver as
pequenas e grandes oposições instaladas noutras formas de associativismo juvenil, algumas já
politizadas, e que a guerra ajudou a fortalecer. Por outro lado, o escutismo não católico,
aparentemente cilindrado pelas medidas legislativas de 1942, dava ainda sinais de actividade que
desafiava, muitas vezes, a vigilância da MP. Em 1944, um grupo algarvio da AEP promoveu uma
exibição cinematográfica sobre as vitórias dos aliados na frente de combate, anunciada como “A
sensacional epopeia escrita com o sangue de milhares de heróis”, onde “Os principais intérpretes
são os Oficiais e Soldados dos Exércitos Aliados, numa Produção dos Governos Inglês e
Americano”.494 O evento foi denunciado pelo director do centro extra-escolar n.º 1 (Teatro
Alexandre Herculano), de Vila Real de Santo António. Em 18 de Outubro de 1944, alertou o sub-
delegado regional para o facto, (...) perigoso para a formação da Juventude. Acusava o grupo de
escoteiros de funcionar (...) em desrespeito pela doutrina que rege as Associações da Juventude, e
de promover (...) um benefício a seu favor utilizando películas de propaganda internacional (...),
que mais vem avolumar a necessidade urgente de entravar rigorosamente a marcha deste grupo,
quiçá fruto da propaganda surda com se pretende travar o Patriótico fim da Organização Nacional
493 AHME, Relatórios dos Liceus. Caixa 20, Relatório n.º 123, Liceu Nacional Antero de Quental, Ponta Delgada, ano lectivo de 1943-1944. 494 ANTT/AMP. cx. 981-mç.5. Panfleto publicitário do grupo n.º 60 da Associação dos Escoteiros de Portugal em Vila Real de Santo António, 1944.
154
da Mocidade Portuguesa.495 O grupo, segundo informação da sub-delegação, assumia uma posição
de rivalidade com a MP, sendo (...) dirigido por pessoas de pouca idoneidade política (...) e contava
com (...) auxílios que se tornam suspeitos. O espectáculo acabaria por ser autorizado mas com as
respectivas receitas líquidas canalizadas para os cofres da Mocidade Portuguesa...496
495 ANTT/AMP, cx. 981-mç.5. Ofício de 18 de Outubro de 1944, de Júlio Mendes ( Director do Centro Extra Escolar n.º1, em Vila Real de Santo António). Informação remetida pelo ofício confidencial de 21 de Outubro de 1944, de José Vítor Adragão, Sub-Delegado Regional da MP no Algarve, ao Delegado Provincial da MP em Faro. 496 ANTT/AMP. cx. 981-mç.5. Cópia do ofício 25 S.G., de 6 de Janeiro de 1945, enviado por Luís Avilez, secretário inspector adjunto, ao Delegado Provincial do Algarve , Joaquim Romão Duarte.
155
5. Do alarme de extinção ao preço da sobrevivência – a MP e o fim da Guerra
5.1. A caminho da paz, a “derrota moral”
O saldo dos primeiros sete anos de vida da Mocidade Portuguesa, onde ao contexto bélico
se acrescentara a perturbação social interna e a ausência de apoio directivo e financeiro, denunciou,
a partir de 1944, a profunda crise da organização. O 4.º acampamento nacional, cuja realização
agendada para Maio seria condicionada pela escassez de recursos e adiada para o tempo de férias
em Agosto, processou-se já com sérias dificuldades e fraquíssima assiduidade dos filiados. Ainda
dirigente principal do organismo, Marcelo Caetano envergava um discurso quixotesco de bons
progressos, embaraçado, porém, pelas frágeis perspectivas de acção futura. Adiantava por isso a
premência de nova orientação, escrevendo a Salazar: Não julgo perdido o esforço feito até aqui:
mas chegámos a uma altura em que necessitamos de sair do tom de brincadeira permitida para
criarmos um verdadeiro e sério serviço público. Enquanto isso se não faz é preciso aguentar o
moral, tão comprometido, por tantas formas – até pela passividade governativa. (...)497
“Saber aguentar”, seria a palavra de ordem do regime no período que se seguiu ao fim da
segunda Guerra Mundial, onde iria operar uma progressiva (...) formalização das instituições de
inculcação, com a manutenção dos velhos dispositivos institucionais, mas uma paulatina mudança
dos seus conteúdos discursivos, dos seus objectivos e métodos.498
5.1.1. Entre a ameaça do fim e a legitimação A partir de 1944, a Mocidade Portuguesa procurou acentuar a tónica formativa em
detrimento do peso ideologizante na luta pela sobrevivência que então conduziu. Nesta altura,
corriam rumores, a par da certeza sobre a vitória das democracias no conflito mundial, de que a
Mocidade e a Legião estavam “condenadas” ao desaparecimento. O estado geral era de letargia, de
“vida morta” das duas organizações499, pálida imagem dos desfiles e paradas dos primeiros tempos.
Pela informação que é dada a conhecer através dos relatórios enviados pelos reitores dos
Liceus, o ano lectivo de 1944-1945 assinalou a intensificação das comemorações de carácter
nacionalista nos meios escolares, sintoma da pressão do regime pelo reforço da identidade nacional
e, em última análise, pelo salto de sobrevivência da MP além-guerra.500
497 Carta de 5 de Agosto de 1944, publicada em José Freire Antunes, op. cit. p.123. 498 Fernando Rosas, “O salazarismo e o homem novo”, (...), p.1047. 499 Cf. Júlia Leitão de Barros, op. cit., 275. 500 De acordo com a estimativa de Luís Viana, que contabilizou as referências a este tipo de celebrações encontradas nos respectivos relatórios dos reitores, as comemorações de índole nacionalista, mencionadas por mais de 60% dos Liceus
156
Em Setembro de 1944, Marcelo Caetano foi nomeado ministro das Colónias, deixando para
trás o projecto educativo experimentado pela Mocidade Portuguesa ao longo de 4 anos. Na
condução interina do Comissariado Nacional, ficou José Soares Franco, que acompanhara a
evolução da MP desde os primeiros tempos. Já em funções como ministro das Colónias, Marcelo
Caetano dirigiu a Salazar um último registo de preocupação quanto ao estado indefinido da
Mocidade Portuguesa. A interinidade de Soares Franco e a falta de orientação do organismo eram
disso evidência, levando Caetano a acentuar, em Novembro de 1944, a (...) conveniência de definir
uma orientação, pois o não provimento do lugar de Comissário Nacional deixa entender que o
Governo se desinteressou da organização. 501
Na MP, o grande salto da propaganda legitimista partiu mais uma vez da Direcção dos
Serviços de Educação Física e Desportos, ainda sob chefia de Celestino Marques Pereira, no início
de 1946. O décimo aniversário de criação da Mocidade Portuguesa fornecia matéria bastante para
operar a cosmética geral a que o regime lançou mãos na mesma altura. E, em estilo de balanço, a
proposta de Marques Pereira pretendia observar a (...) obra construtiva efectuada e os erros
cometidos.502 No seu conjunto, o projecto lançava as bases de vários festivais de Educação Física
por todo o País e sugeria a organização de um segundo Congresso da Mocidade Portuguesa. Os
eventos tinham também por fim consolidar o aspecto nacional do movimento, contrariando as
vozes críticas que se referiam à MP como “MP de Lisboa”, por cada vez mais se concentrar na área
da capital em detrimento das restantes divisões provinciais. No programa de actividades incluíam-se
ainda cursos de revisão de conhecimentos, conferências nas principais cidades, a realização de um
filme sobre os dez anos de história da Mocidade Portuguesa, concursos de ginástica e campeonatos
desportivos. Nos bastidores desta programação, pretendia-se, em suma: Mostrar o que a
Organização representa como movimento da juventude e os seus objectivos de incontestável
interesse nacional e que, por isso, transcendem os de natureza política que o momento possa
justamente aconselhar, porque os aspectos da formação física e patriótica da juventude são, de
certeza, assaz importantes para que possam sujeitar-se às circunstâncias políticas do momento (...).
Desta imagem dependia o passaporte de sobrevivência institucional do pós-guerra. 503 Mas a
campanha não atingiu o alcance previsto e o segundo congresso planeado teria de esperar até 1956
para se realizar.
no ano lectivo de 1936-1937, encontraram um novo “pico” de intensificação no período final da Guerra, embora não ultrapassando os 45%. Cf. Luís Viana, op. cit., pp.164-166. 501 Carta de 23 de Novembro de 1944, publicada por José Freire Antunes, op. cit., p. 135. 502 ANTT/AMP. Cx. 1108 mç. 1. Cópia da proposta, de 29 de Janeiro de 1946, enviada por Celestino Marques Pereira ao comissário nacional interino, Soares Franco. 503 Ibidem.
157
Em período de transições, o painel de dirigentes da MP não sofreu remodelações
exclusivamente pela base. A saída de Marcelo Caetano para a pasta das Colónias, fez pressentir o
encerrar de um ciclo. Ciclo de direcção e orientação, ciclo de verdadeira aposta no plano que em
1936 trouxera à forma a política de “Educação Nacional” e “educação integral”. Do aparato militar
ao crisma católico, a Mocidade Portuguesa transitara da protecção dos quartéis para o acolhimento
da Igreja, sempre sob os auspícios da formação nacionalista e coroada pela trilogia “Deus, Pátria,
Família”. A única ligação directiva de continuidade entre estas duas fases residia em José Soares
Franco, mas também o comissário interino abandonou a breve trecho, o projecto a que aderira desde
a primeira hora. Em manifesto cansaço, Soares Franco escreveu a Marcelo Caetano, em Fevereiro
de 1946, para fundamentar a sua retirada, sintetizando amargamente a experiência de passagem pela
MP: Dei-lhe [à Mocidade Portuguesa] sem reservas muito da minha vida. Reconheço porém que era o momento de sair, por não poder cumprir já, com a mesma devoção e intensidade. (...) Na minha colaboração com o Estado Novo, que continuarei a dá-la sem reservas, há só um ponto que nunca consegui esclarecer. E este é, depois de dez anos de serviço, nunca ter recebido do Chefe da Revolução nacional uma só palavra de apreço ou demonstração de reconhecimento de serviços ou qualidades. O que me leva a concluir serem estas fracas ou que não se enquadram no topo social, do homem da Revolução Nacional.504
A chefia do Comissariado Nacional foi entregue a Luís da Câmara Pinto Coelho a 15 de
Fevereiro de 1946, antigo colaborador da MP505 e homem próximo de Marcelo Caetano.
5.1.2. Reforço da aliança escolar
No período de reestruturação posterior à guerra, evidenciou-se o reforço dos laços entre a
Mocidade Portuguesa e a Escola, ou antes, a pressão da organização no sentido de dividir com as
entidades escolares parte da responsabilidade sobre a sua actividade. A 18 de Maio de 1945, o
Ministério da Educação Nacional fez reduzir as horas de serviço docente obrigatório para os
professores do ensino liceal que exercessem funções de direcção nas delegações e sub-delegações
da Mocidade Portuguesa.506 Esta directiva incluía-se no esforço de sustentação da MP nos meios
escolares, onde se denunciava cada vez mais a letargia.
Em Novembro de 1945, o novo ministro da Educação Nacional, Caeiro da Mata, traçou para
o novo ano lectivo um projecto de maior articulação entre as duas Instituições, em benefício da MP,
fazendo chegar aos reitores as seguintes orientações:
504 ANTT/AMC, Caixa 27, Correspondência/FRANCO, José Porto Soares, n.º 17. Carta de 27 de Fevereiro de 1946, enviada por José Soares Franco a Marcelo Caetano. 505 Vide Anexo I. 506 Decreto-lei n.º 34 616 publicado no Diário do Governo, I Série, n.º 108, de 18 de Maio de 1945.
158
A instituição da Mocidade Portuguesa obedeceu à necessidade de se completar a acção da Escola no seu aspecto educativo.
É indispensável, e não seria necessário lembrar, que a Escola o reconheça, soldando-se as missões a uma e outra atribuídas para se conseguir a perfeita formação da juventude intelectual, moral e fisicamente.
(...) Que cumpre à Escola? Executar as directrizes que pelos Comissários Nacionais
lhes são determinadas pela unificação dos processos de trabalho. Nestes termos determino que: 1.º - Que em todas as Escolas se integrem os Centros da M.P. e da M.P.F. nos
princípios dimanados dos respectivos Comissariados Nacionais, coordenando-se efectivamente toda a actividade circum-escolar;
2.º - Que a Direcção da Escola tome sobre si a responsabilidade efectiva da orientação dessa actividade, segundo os preceitos já estabelecidos pelas organizações;
3.º - Que os quadros docentes sejam interessados na colaboração a prestar às Direcções dos Centros para o mais conveniente desenvolvimento das actividades;
(...) 5.º - Que todas as festividades e iniciativas culturais e desportivas das escolas
sejam integradas nas actividades da Mocidade Portuguesa e por ela orientadas. 507
Na mesma altura, por ocasião da abertura do novo ano lectivo, o reitor do liceu D. João III ,
em Coimbra, apelou às boas relações entre filiados e não filiados e exigiu dos graduados
comportamento irrepreensível, lembrando que a MP não era mais do que (...) um feliz complemento
da acção educativa e cultural do Liceu. Embora mantendo o apoio aos fins da organização, o reitor
Feliciano Ramos premeditou nesta intervenção a futura subordinação da Mocidade Portuguesa ao
Liceu, consubstanciando funções de uma e outro: Nunca se serve bem a Mocidade Portuguesa
deixando de bem servir o Liceu. As duas instituições devem caminhar paralelamente, dentro duma
perfeita unidade educativa e só assim terão eficácia plena os altos objectivos de Suas Excelências o
Ministro da Educação Nacional e Comissário Nacional da Mocidade Portuguesa (...).508
Embora alguns liceus procurassem conservar a coesão de princípios co-educativos com a
MP, muitas foram as fracas respostas à perfeita unidade preconizada pelo reitor do liceu de
Coimbra. Lentamente, a Mocidade Portuguesa foi assumindo mais a feição de organismo desportivo
que procurou chamar a si, no embate do pós-guerra, o controlo sobre a organização dos
campeonatos nacionais. Mas a MP naufragava já na incapacidade de enquadramento global da
juventude.
507 ANTT/AMP - Ordens de Serviço 1940-1949, liv. 262. Ordem de Serviço n.º 3 de 1 de Novembro de 1945. 508 ANTT/AMP. Cx. 978-mç.5. Discurso de abertura do ano lectivo de 1945-1946 no Liceu D. João III, pelo reitor Feliciano Ramos, em finais de 1945.
159
5.2. Liga dos Antigos Graduados
Fundada a Mocidade Portuguesa como “escola de doutrinadores” em todos os espaços onde
existisse um português, abertas as respectivas escolas de graduados e formados vários quadros da
Milícia, o principal marco de enraizamento da Mocidade Portuguesa fez-se traduzir finalmente, 9
anos passados sobre a criação do organismo, na Liga dos Antigos Graduados (LAG). No início de
1945, os antigos cadetes mais destacados concretizaram um projecto sugerido ainda por Marcelo
Caetano, quando comissário nacional.
Em Março de 1945, os antigos graduados foram convidados a integrar a LAG, que (...) há
muito que aguardava oportunidade de ser posta em prática, cuja eleição de corpos directivos foi
marcada para 22 do mesmo mês.509 Na primeira direcção contavam-se entre os antigos graduados
Luís de Avilez, que “crescera” dentro da organização e assumiu a presidência da Liga até aos
últimos anos de vida da Mocidade Portuguesa. Primeiro filiado e depois instrutor do quadro geral da
MP, em 1940, Avilez foi nomeado ajudante do comissário nacional no mesmo ano. Em 1944 dirigiu
a Casa da Mocidade de Lisboa e assumiu funções como adjunto do secretário inspector, durante a
interinidade de Soares Franco no Comissariado. Avilez presidia agora à LAG, ao lado de Baltasar
Rebelo de Sousa510, nomeado secretário do organismo. Este segundo, formado em Medicina e
amigo de confiança de Marcelo Caetano, acompanhá-lo-ia ao longo do seu percurso político.
Colaborador do Jornal da MP enquanto filiado, viria depois a ser editor do órgão oficial da
organização, além de comandante do Centro Universitário de Lisboa, a partir de 1942. Rebelo de
Sousa chefiava, paralelamente às funções na LAG, os Serviços Culturais da Mocidade Portuguesa.
Também em presença simultânea nos dois organismos, estavam Manuel Braancamp Sobral,
secretário inspector da MP e secretário da Assembleia Geral da LAG, e Vasco Bruto da Costa,
chefe dos Serviços de Saúde da Mocidade e vogal da Liga. Aos primeiros corpos dirigentes da Liga
pertenceram ainda Fernando Serpa Pimentel, João Paulo Cancela de Abreu, Pedro de Avilez e Jorge
Felner da Costa, entre outros.511
Fundada num dos momentos mais críticos para o regime e, também por isso, para a
Mocidade Portuguesa, a Liga dos Antigos Graduados aparecia na cena nacional não só como
“escudo de protecção”, mas também como justificativo da continuidade do organismo, ao criar
elementos de reposição formados pela MP e que agora transitavam para a vida pública. Embora
recusando o estatuto de ramificação do qualquer partido político, a LAG assumia-se, no entanto,
como tendo fins de carácter político. Declarava assim, em voz conjunta: Herdeiros do espírito da
«Mocidade Portuguesa» temos que levar até às suas últimas consequências os ensinamentos que
509 ANTT/AMP. cx. 980-mç.1. Ofício de 9 de Março de 194, enviado pelo secretário inspector, Luís Avilez, aos delegados provinciais. 510 Vide. Anexo I. 511 Vide – Anexo VI.
160
nela colhemos. E já plenamente conscientes das nossas responsabilidades, lançados já na vida
prática, temos que projectar essas lições em todas as atitudes que assumimos perante a nossa vida
e perante a vida política do País. 512 Paralelamente à função mais marcadamente propagandística, a
LAG propunha também reunir, entre os sócios, os nomes de antigos graduados que se ofereciam
agora como dirigentes da Mocidade Portuguesa, aproveitando a fase de renovação geral dos quadros
da organização.
A Liga entrava assim na campanha de combate aos movimentos oposicionistas que, até
1947, encontrariam alguma tolerância do Estado. A esse propósito, o presidente da Liga requereu
junto do comissário recém-empossado, Luís Pinto Coelho, o patrocínio de 200 emblemas da
associação. Luís de Avilez lembrava que o recurso aos símbolos da LAG eram fundamentais (...)
agora, mais do nunca - quando a [sic] M.U.D., generosamente distribui pelos velhos e novos
emblemas dos seus - temos de mandar executar o nosso, distribuí-lo e usá-lo.513
O Movimento de Unidade Democrática (MUD) foi formado pouco antes das eleições, em
Outubro de 1945, surgindo como oposição declarada ao Estado Novo, no contexto de acentuada
crise interna do regime. A relativa abertura sentida ao longo de 1946, permitiu ao movimento
intensificar a sua actividade, só sendo duramente reprimido no ano seguinte, à medida que o Estado
Novo se reergueu da ameaça do pós-guerra. Também objecto de combate foi o MUD Juvenil,
formado por estudantes universitários de Lisboa, Porto e Coimbra, no mesmo contexto, inicialmente
designado como Movimento Académico de Unidade Democrática. A partir de 1946, este organismo
estendeu influência sobre os movimentos associativos do ensino secundária, disputando com a
Mocidade Portuguesa a promoção das actividades circum-escolares, em particular de carácter
cultural.514
O mundo saído da guerra forçou a MP a redesenhar-se, centrando-se na formação dos
graduados e futuras elites do regime, e afastando-se definitivamente da ambição totalitária que
alimentara nos primeiros tempos.
5.3. Um caminho sem retorno – “Reformá-la, sim, mas para voltar ao que foi”
O segundo Congresso da Mocidade Portuguesa, planeado desde 1944, só teve lugar em
1956, era então comissário nacional Baltasar Rebelo de Sousa e ministro da Educação Nacional
Francisco Leite Pinto. Mas a organização caíra já num impasse, dividindo os dirigentes entre a
512 A Nossa posição, Liga dos antigos graduados da Mocidade Portuguesa, Separata do «Boletim da Mocidade Portuguesa» de Janeiro de 1946, Lisboa, 1946, pp.3-4. 513 ANTT/AMP. Cx. 983-mç.1. Carta n.º 154, de 30 de Março de 1946, enviada por Luís Avilez, presidente da LAG, ao comissário nacional, Luís Pinto Coelho. 514 SILVA, Maria Isabel Mercês de Melo de Alarcão e, O Movimento de Unidade Democrática e o Estado Novo. 1945-1948, [Dissertação de Mestrado de História dos Séculos XIX e XX (Secção do Século XX) apresentada na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa], Lisboa, 1994, pp.131-132.
161
defesa da obrigatoriedade e a inscrição voluntária. Em 1966, o ministro Inocêncio Galvão Teles fez
alterar os estatutos da MP, apagando definitivamente o carácter paramilitar da organização e
tornando a adesão opcional.
A reforma do organismo, trinta anos depois da sua constituição, compeliu alguns graduados
da Mocidade Portuguesa a organizar um movimento de (...) resistência contra as tentativas de
transformar a M.P. num organismo meramente gimno-desportivo, abandonando totalmente a sua
importante função política.515 A “Junta de Acção dos Graduados” recolheu apoios, entre outros,
junto dos graduados de Coimbra, Braga, Leiria, Portalegre e Madeira. Estes grupos teriam mesmo
por intenção constituir um organismo secreto dentro da Mocidade Portuguesa e (...) colaborar com
as forças da repressão contra quaisquer infiltrações anti-nacionais ou liberais nos quadros da
Organização.
Entre os opositores ao projecto de reforma da MP distinguiam-se não só graduados como
instrutores e dirigentes, uns porque consideravam que o decreto aplicado deixava em perigo a
própria existência da organização e outros porque viam naquelas medidas o fim das funções
remuneradas que até então exerciam. Mais concretamente:
Os primeiros pensam que os Centros Circum-Escolares, por dependerem dos
reitores e directores dos vários estabelecimentos de ensino, por possuírem regulamento próprio, serem quase autónomos e poderem vir a ter só funções sociais e recreativas, virão a perder de vez a essência patriótica e o sentido de ideal político religioso da Mocidade Portuguesa.
Os segundos, vendo perigar os seus lugares de direcção que a lei anteriormente lhes concedia na educação mocitária dos filiados que eles próprios eram, afirmam que o entregar-se essas funções a professores, a maior parte das vezes incapazes e inacessíveis, significará que se irá perder o valor da educação do rapaz pelo rapaz, surgindo o desinteresse do graduado pelas coisas da Mocidade.516
Na sequência desta reforma e dos protestos dos que acusavam o ministro de “matar a
Mocidade Portuguesa”, Nobre Guedes foi entrevistado por um semanário dirigido por graduados da
organização, o Agora. Defendendo a preservação da MP, observou Nobre Guedes: Ela precisa de
renovar o crédito de confiança e admiração do País. Muitos dos filiados da primeira hora fizeram
carreira política. Alguns passaram pelo Governo e têm subido a altas posições públicas e
particulares. Muitos se têm batido como leões em África. (...) Nos mais altos postos do Exército
estão hoje antigos dirigentes e instrutores da M.P. E já antigos filiados.
Não será difícil apelar para todos e constituir com eles uma frente única, em que se
fundirão essa minoria válida de graduados actuais e os formados há 25 anos que também se 515 ANTT/Arquivo PIDE-DGS. Ministério da Educação Nacional /Mocidade Portuguesa. (1966-1967). CI/ 1 - proc. 3056, U.I. 1255. Informação de 2 de Janeiro de 1967. 516 Ibidem. Informação de 27 de Janeiro de 1967, de José Estevão Galante, chefe de brigada em serviço na delegação da PIDE de Coimbra.
162
apresentem válidos pela compreensão e pela vitalidade mental: frente para defesa da Mocidade se
assim for preciso.
E, questionado sobre a possibilidade de se “salvar” a MP, o primeiro comissário nacional
respondeu:
Salvar-se a Mocidade? (...) Enfraquecê-la, de maneira nenhuma. Reformá-la sim, mas para
voltar ao que foi. 517
Perdidas que estavam as apostas iniciais, quer no que se propunha pela abrangência da
juventude escolar e não-escolar, como pela promoção de uma educação integral, a Mocidade
Portuguesa transposta além da segunda guerra mundial foi reduzida a mero apendículo burocrático,
secundarizado pelo aparelho escolar, limitado a um número mínimo de elites alinhadas ao regime.
Derrotado também, foi o papel interventivo da Igreja Católica no quadro da “acção social” a
desenvolver pela organização, sugerida no final da década de trinta. A MP, deixando para trás o
tempo das “grandes paradas” e dos “desfiles grandiosos”, guardava pouco mais do que a farda, a
saudação “romana” e a Liga de Antigos Graduados, como estandarte memorial do que em tempos
pretendera ser.
Em Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas extinguiu a Mocidade Portuguesa.
517“Uma frente para defesa da Mocidade, sugerida pelo Eng.º Nobre Guedes” in Agora. Semanário da Actualidade Política e Literária, Ano VI - n.º 285, de 19 de Novembro de 1966, p.10.
163
Considerações finais
Criada em 1936, quando as ditaduras europeias aspiravam a impor a “ordem nova” sobre a
velha Europa, a Organização Nacional Mocidade Portuguesa resultou, antes de mais, de uma
demorada cultura de projectos, amadurecidos ao longo da década de trinta, em torno da construção
da escola nacionalista, formadora do “novo homem” da revolução nacional e modeladora das
“almas” e das consciências. Por outro lado, a MP descendeu também do conjunto de cedências,
praticadas por Salazar, face à pressão exercida pela direita radical, em favor da criação de
organismos milicianos exteriores à tutela militar, embora conservando sempre em seu poder o
controlo destes organismos. Ainda que integrada no cenário mais alargado do plano de Educação
Nacional, a feição militarista da Mocidade Portuguesa foi, em larga medida, precipitada pela
crescente crise política internacional e, muito particularmente, pelo estalar da Guerra Civil em
Espanha. O eventual recurso de emergência a um maior número de soldados possível, em “defesa
da Pátria” ditaria o empenho na preparação militar da juventude.
No quadro político, verificou-se que a Mocidade Portuguesa, fundada pela mão de Carneiro
Pacheco, pretendeu empossar-se de competências totalizantes, ao actuar como aparelho
centralizador de todo o associativismo da juventude. Neste sentido, e a par da função educativa
anunciada como agente de “renovação” dos portugueses, do revigoramento da raça, da formação da
mentalidade nacionalista e imperial, e do culto da obediência, a MP assumiu também a qualidade de
instrumento burocrático de controlo sobre os comportamentos, órgão vigilante dos espaços de
sociabilização e canal propagandístico do regime.
Mas, dos objectivos à vida prática, a Mocidade Portuguesa percorreu um caminho sinuoso,
marcado pelas diferentes pressões que se fariam sentir internamente. O painel dirigente da
organização, inicialmente habitado por elementos do sector mais germanófilo do regime e, em
grande escala, por militares, não demorou em integrar uma larga representação eclesiástica,
respondendo às reclamações da Igreja e atribuindo-lhe o exclusivo da formação espiritual e moral.
As primeiras reticências católicas quanto à condução “perigosa” desta educação moral da
juventude, no quadro da MP, prenderam-se mais com o eventual monopólio estatal sobre este sector
de formação e, por esta lógica, com a ausência do ensino de uma doutrina verdadeiramente católica,
do que com os princípios fundadores da organização. Por outras palavras: em causa estava o
exclusivo da Igreja sobre a educação espiritual da juventude e não a existência da Mocidade
Portuguesa nos moldes em que fora concebida.
Desta forma, pode entender-se a história da Mocidade Portuguesa, nas suas vertentes
educativa, política e social, em dois campos fundamentais. Um primeiro refere-se aos objectivos
164
enunciados pelo discurso dos seus principais impulsionadores e um segundo debruça-se sobre o
percurso efectivamente seguido pela organização, entre 1936 e 1945, no período áureo das
ditaduras.
No quadro ideológico, a Mocidade Portuguesa definiu-se, nos seus objectivos principais, como:
1. Instrumento de combate à herança republicana e ao comunismo, operador do corte radical com as
práticas educativas democráticas;
2. Meio de concretização da obra de “recristianização da juventude”;
3. Parte integrante do plano de Educação Nacional e de construção do “homem novo”;
4. Reprodutor da retórica doutrinária do Estado Novo e progenitor das futuras elites do regime;
5. Instrumento de combate aos movimentos de oposição juvenil;
6. Mecanismo de desmobilização política da juventude mas também formador dos valores
doutrinários do Estado Novo.
No campo das concretizações, verificou-se que:
1. Entre 1936 e 1945 a Mocidade Portuguesa partiu das intenções militaristas e totalitárias para o
empolamento da “educação integral”, até se aproximar por fim do aspecto de organização
desportiva. Não deixaria, no entanto, de alimentar a elitização interna, agindo como filtro de
captação de futuros elementos do regime;
2. Internamente, a MP foi palco de intenso conflito pela hegemonia entre diversos sectores socio-
políticos apoiantes do regime. No triângulo Estado, Exército e Igreja, notar-se-ia a progressiva
imposição da Igreja sobre a primeira prevalência militar.
3. Ainda no que respeita ao papel da Igreja, verificou-se a progressiva penetração dos círculos
católicos nos quadros funcionais da Mocidade, que participou, em última análise, no atenuar de
alguns aspectos mais fascizantes do organismo (em particular na sua aproximação às juventudes
alemãs), embora não lhe retirasse componentes fundamentais que a caracterizaram como
organização de natureza tendencialmente totalitária e fascista. A presença eclesiástica no palco
educativo da MP nunca deixou, no entanto, de se subordinar à organização. À semelhança da
separação de esferas de competência entre Estado e Igreja, fixadas pela Concordata de 1940,
também na Mocidade se distinguiram os espaços de actuação, entre os tempos de formação moral
católica e o campo educativo estatal.
165
4. O poder político que instituiu a MP foi o mesmo que em breve secou os seus recursos
financeiros, materiais e até humanos. A crónica impreparação dos dirigentes e a falta de estímulos à
cooperação com a Mocidade Portuguesa, limitou em larga medida os resultados do organismo.
5. Durante a Segunda Guerra Mundial, a MP ocupou-se de alguma atenção social, através da
assistência pontual a filiados mais carentes, materializada nos acampamentos, apoio a cantinas e
assistência médica. No entanto, nunca aceitaria representar uma política social consistente,
dependendo quase sempre de apoios caritativos exteriores aos seus próprios recursos.
6. Se a MP ensaiou uma “obra social”, esta deveu-se sobretudo ao empenho pessoal de alguns
grupos socio-profissionais (como médicos, padres e professores, entre outros) que experimentaram
a renovação de objectivos internos, assinalada sobretudo a partir do Congresso de 1939. À eventual
excepção do comissário nacional Marcelo Caetano, os componentes políticos e militares da
Mocidade Portuguesa pouco mais ofereceram do que o aparato iconográfico do organismo e o
enquadramento pré-militar da juventude.
7. A MP elegeu o liceu como espaço preferencial, detentor dos recursos materiais e financeiros tão
necessários ao seu funcionamento, estrutura previamente montada e captadora das elites intelectuais
do regime.
8. O desenvolvimento da Mocidade Portuguesa conheceu diferentes resistências entre reitores dos
liceus, professores, famílias, associações católicas e clubes desportivos, todos eles desactivando, de
uma forma ou de outra, as apetências totalitárias da organização.
9. Já latente em finais da Segunda Guerra Mundial, e evidente nos anos que a seguiram, foi a
subordinação da MP ao aparelho escolar. Apesar de assegurar o controlo burocrático das
actividades circum-escolares e do associativismo juvenil, a organização foi sendo convertida num
mero apêndice das actividades desportivas tutelada, afinal, pelos reitores dos liceus.
166
Fontes e Bibliografia
I. Fontes Primárias 1. Fontes Manuscritas 1.1. Arquivos Arquivo da Junta Nacional de Educação (Arquivo Nacional/Torre do Tombo) Arquivo do Instituto Camões Arquivo do Ministério do Interior (Arquivo Nacional/Torre do Tombo) Arquivo Histórico do Ministério da Educação Arquivo Histórico Militar Arquivo Humberto Delgado (Arquivo Nacional/Torre do Tombo) Arquivo Marcelo Caetano (Arquivo Nacional/Torre do Tombo) Arquivo Mocidade Portuguesa (Arquivo Nacional/Torre do Tombo) Arquivo Oliveira Salazar (Arquivo Nacional/Torre do Tombo) Arquivo PIDE-DGS (Arquivo Nacional/Torre do Tombo) Cinemateca Portuguesa - Arquivo Nacional de Imagens em Movimento 2. Fontes Impressas 2.1. Gerais ANTUNES, José Freire, Salazar e Caetano. Cartas Secretas, 1932-1968, Círculo de Leitores, Lisboa, 1993.
Cartas e Relatórios de Quirino de Jesus a Oliveira Salazar, Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista, Mem Martins, 1987. Correspondência entre Mário de Figueiredo e Oliveira Salazar, Comissão do Livro Negro Sobre o Fascismo, Lisboa, 1986. Estatística da Educação, Instituto Nacional de Estatística, Lisboa. GONÇALVES, Assis, Relatórios para Oliveira Salazar, 1931-1939, Presidência do Conselho de Ministros, Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista, Lisboa, 1981.
1.2. Documentação de Órgãos da Administração Central Diário das Sessões da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa, 1935-1945, Assembleia Nacional, Lisboa. Diário do Governo, 1936-1945, Imprensa Nacional, Lisboa. 3. Jornais e Revistas 3.1. Jornais Diário de Notícias Diário da Manhã. Órgão da União Nacional Educação Nacional. Semanário Pedagógico Jornal da M.P. Novidades Século (O) 3.2. Revistas Arquivo Nacional Defesa Nacional Ordem Nova Política - Órgão da Junta Escolar de Lisboa do Integralismo Lusitano 4. Fontes Audiovisuais A Mocidade Portuguesa em Maio de 1937, 1938, 20’. VHS.
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