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    Os desafi os na insero de pessoas comdefi cincia no mercado de trabalho:

    estudo de caso em uma multinacional

    Juliano Nunes AlvesMestre em administrao pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), RS, Brasil. Professor do Curso de Graduao em Administrao na Universidade de Cruz Alta (Unicruz), RS, Brasil.E-mail: [email protected]

    Fabio Teodoro Tolfo RibasMestre em administrao pela Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria (UFSM), RS, Brasil. Professor do Curso de Administrao da Faculdade da Serra Gacha (FSG), Caxias do Sul, RS, Brasil.E-mail: [email protected]

    Camila Eveline Correa dos SantosFaculdade da Serra Gacha (FSG), Caxias do Sul, RS, Brasil.E-mail: [email protected]

    INTRODUO

    O contexto atual em que as empresas esto inseridas est exigindo adaptaes da postura adotada perante a sociedade. O governo, diante da difi culdade de colocao de minorias no mercado de trabalho, fez intervenes como a adoo de cotas, a fi m de solucionar o problema. Diante da posio do governo, as organizaes precisam se ajustar buscando profi ssionais no apenas que se encaixem nas cotas, mas que tambm contribuam para a produtividade das instituies.

    Resumo

    O presente estudo teve como objetivo identifi car as aes predominantes para o processo de insero dos colaboradores com defi cincia no mercado de trabalho, visando atender s exigncias legais e o seu papel na sociedade. Utilizou-se da abordagem qualitativa, de natureza exploratria e do tipo estudo de caso. Por meio de entrevistas pode-se verifi car que as aes predominantes para o processo de insero de pessoas com defi cincia necessitam ser planejadas e que devem ser realizadas adequaes necessrias tanto no espao fsico quanto na adaptao na funo. Diversas difi culdades foram identifi cadas: falta de qualifi cao tcnica-prtica, falta de incentivo das famlias e receio de perder o benefcio fi nanceiro recebido da Previdncia Social famlia da pessoa com defi cincia. Tambm foi possvel verifi car certa resistncia por parte dos entrevistados do setor de produo quanto contratao de pessoas com defi cincia, em virtude das presses no cumprimento de objetivos e metas de produo.

    Palavras-chave

    Defi cincia. Mercado de Trabalho. Insero. Comportamento.

    Challenges in integration of disabled individuals in the work market: a case study in a multinational company

    Abstract

    The objective of this paper is to identify the predominant actions in the process of integration of disabled employees in the work market, meeting legal requirements and what role they play in society. A qualitative approach of exploratory nature was used in the study of case. By means of interviews it is possible to verify that the predominant actions for the process of insertion of disabled individuals have to be planned and carried out according to the needs of both space arrangements and adjustments to the functions. On the other hand, several problems were identifi ed, as for instante, lack of technical skill and practical experience, lack of encouragement from their families and fear that they might lose the fi nancial benefi ts received from Social Security granted to the family of the disabled individuals. It was also possible to verify that the ones in charge of hiring disabled individuals for the production sector were unsecured as to accomplishment of production goals of the enterprise.

    Keywords

    Disabled. Work Market. Insertion. Behavior.

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    Pessoas com defi cincia, conforme explicitado no Decreto no 3.298 de 20 de dezembro de 1999, so classificadas nas seguintes categorias de defi cincias: defi cincia fsica - alterao completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando comprometimento da funo fsica, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, dentre outros; defi cincia auditiva - perda parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras; defi cincia visual - acuidade visual igual ou menor que 20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, aps a melhor correo; defi cincia intelectual, em que para a American Association on Mental Retardation (AAMR) considera que os dficits no funcionamento intelectual esto associados a dfi cits em habilidades sociais, conceituais e prticas (LUCKASSON et al., 2002). Alm disso, alguns estudos internacionais, realizados desde a dcada de 90, tm confi rmado que em geral existem dfi cits de habilidades sociais e excessos de problemas de comportamento em crianas com essa defi cincia; defi cincias mltiplas - associao de duas ou mais defi cincias.

    No Brasil, a situao da pessoa com defi cincia teve um tratamento mais relevante a partir da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, que considera ilegal a discriminao no salrio e na admisso. Em 1991, a lei n. 8.213, de 24 de outubro, sobre os Planos de Benefcios da Previdncia Social, no art. 93, instituiu as quotas para empresas privadas. Para que a lei de quotas, como conhecida, seja posta em prtica, necessrio que as empresas privadas se adaptem, reestruturem seus ambientes e polticas. Seguindo tal regulamentao, as empresas com mais de 100 funcionrios vm contratando pessoas com deficincia, mas o processo ainda no est claro (SARNO, 2006)

    Segundo o Censo de 2000 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatstica, havia no pas cerca de 24,6 milhes de pessoas com defi cincia, porm essas pessoas no circulam nas ruas, nas escolas comuns, nos locais de lazer e cultura, alm de ter pouco acesso ao trabalho. A partir disso, desencadeiam-se problemas que refl etem a baixa

    escolaridade desse grupo, grande dificuldade de insero social, de constituio de vnculos familiares alm de seu lar. A responsabilidade social das organizaes, aliada ao cumprimento da lei, torna-se um esforo para que esse cenrio se transforme, fl exibilizando as exigncias genricas para a composio de seus quadros, de modo a, objetivamente, abrir suas portas a esse grupo social em evidente estado de vulnerabilidade.

    A integrao da pessoa portadora de defi cincia no mercado de trabalho e sua insero na sociedade esto relacionadas busca por direitos sociais, no que se refere ao emprego e alternativas de renda, direito de poder transitar livremente no meio social, bem como ter acesso a bens e servios pblicos, pois Mazzilli (2001) afi rma que a pessoa portadora de defi cincia (motora, sensorial, intelectual) inteira, no que diz respeito dignidade e direitos.

    Apesar de todos os esforos para a contratao de pessoas com defi cincia, no simples a tarefa de encontrar candidatos que atendam ao perfi l traado e que se adaptem s condies oferecidas pela empresa. Surge a necessidade de se conhecer os tipos de defi cincia para realizar o levantamento das funes que possam ser desempenhadas por cada portador, alm de planejar as mudanas estruturais requeridas.

    A atual conjuntura econmica restringe investimentos que no tragam retorno em curto prazo, existe o medo do desconhecido junto com a resistncia s mudanas no que diz respeito reestruturao de organizaes para atender s necessidades das pessoas com defi cincia. Esses fatores atrelados limitam as possibilidades de assumir a contratao delas como uma das polticas da organizao, da mesma maneira com que priva a empresa de explorar os recursos produtivos das pessoas com defi cincia.

    FUNDAMENTAO TERICA

    Pessoas com defi cincia

    Tendo como referncia as discusses de Priestley (1998), a defi cincia foi tratada, na presente pesquisa, como a alterao completa ou parcial de um ou

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    mais segmentos do corpo humano, que acarreta o comprometimento da funo fsica, auditiva, visual ou mental. Essas alteraes, em funo de contingncias histricas, sociais e espaciais, podero resultar em perda da autonomia para a pessoa, trazer problemas de discriminao social e difi cultar a sua insero social.

    Defi cincia, segundo Ribas (2003), um estado fsico ou mental eventualmente limitador que deve ser entendido a partir do ambiente sociocultural e fsico em que o indivduo est inserido e, tambm, de como a prpria pessoa se v. Segundo a Declarao dos Direitos das Pessoas Defi cientes, elaborada pela Organizao das Naes Unidas (ONU), em 1975, pessoa com defi cincia aquela: incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrncia de uma deficincia congnita ou no, em suas capacidades fsicas ou mentais (ONU, 1975).

    Os termos deficincia e pessoa deficiente apresentam diferentes conotaes na literatura acadmica. Alm disso, tais conceitos mudam ao longo da histria, segundo os valores particulares de cada cultura e, at mesmo, em funo de valores individuais (SARNO, 2006).

    Dados da Organizao Mundial da Sade (OMS, 2003) mostram que 10% da populao mundial tm algum tipo de defi cincia. A Coordenadoria Nacional para Integrao da Pessoa Portadora de Defi cincia (Corde), rgo ligado Secretaria de Direitos Humanos do Ministrio da Justia, distribui essas pessoas da seguinte forma: 50% tm limitao mental; 20%, fsica; 15%, auditiva; 10%, mltipla, e 5%, visual.

    No Brasil h duas normas internacionais devidamente ratifi cadas, o que lhes confere fora de leis desde a sua data de ratifi cao. A primeira a Conveno n159 sobre reabilitao profi ssional e emprego de pessoas defi cientes da Organizao Internacional do Trabalho (OIT) ratifi cada por meio do Decreto n. 129, de 18 de maio de 1991. A segunda Conveno

    Interamericana para a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao Contra as Pessoas Portadoras de Defi cincia, tambm conhecida como Conveno da Guatemala, promulgada pelo Decreto n 3.956, de 8 de outubro de 2001. Ambas conceituam defi cincia, para fi ns de proteo legal, como uma limitao fsica, intelectual, sensorial ou mltipla, que incapacite a pessoa para o exerccio de atividades normais da vida e que, em razo dessa incapacitao, a pessoa tenha difi culdades de insero social.

    Corroborando tais normas, esto os preceitos da Conveno da Guatemala, assimilada pela nossa Constituio Nacional do Brasil de 1988, em 2001, que deixa clara a [...] impossibilidade de diferenciao com base na diferena, defi nindo a discriminao como toda diferenciao, excluso ou restrio baseada em defi cincia [...] que tenha o efeito ou propsito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exerccio por parte de pessoas com defi cincia de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais (art. I, n 2, a). De acordo com o princpio da no discriminao, trazido por essa conveno, admitem-se as diferenciaes com base na defi cincia apenas com o propsito de permitir o acesso ao direito, e no para se negar o exerccio dele (MANTOAN, 2006).

    Contudo o artigo 3 do Decreto 3.298 de 20 de dezembro de 1999 aborda que defi cincia toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou funo psicolgica, fi siolgica ou anatmica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padro considerado normal para o ser humano. Pode ser permanente (aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um perodo de tempo sufi ciente para no permitir recuperao ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos) ou pode ser uma incapacidade (uma reduo efetiva e acentuada da capacidade de integrao social, com necessidade de equipamentos, adaptaes, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de defi cincia possa receber ou transmitir informaes necessrias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de funo ou atividade a ser exercida).

    Juliano Nunes Alves / Fabio Teodoro Tolfo Ribas / Camila Eveline Correa dos Santos

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    O termo pessoa com defi cincia difere do termo pessoa deficiente, pois ao se deslocar o eixo de atributo do indivduo para sua condio, simultaneamente recupera-se a pessoa como sujeito da frase, d-se um carter mais descritivo, do que valorativo e a defi cincia dessa forma no se torna sinnimo da pessoa. Este termo tambm foi escolhido como melhor opo a ser utilizada no texto da Conveno Internacional para a Proteo e Promoo dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Defi cincia da Organizao das Naes Unidas (ONU), de 2003, e essa escolha foi realizada pela prpria populao com deficincia (AMARAL, 1995; SIMONELLI, 2009).

    Mercado de trabalho e insero de pessoas com defi cincia

    A contratao de pessoas com defi cincia deve ser vista como qualquer outra; as organizaes esperam do trabalhador nessas condies profi ssionalismo, dedicao e assiduidade. Enfi m, atributos nsitos a qualquer empregado. As organizaes de pessoas com defi cincia detm um conhecimento acumulado h dcadas acerca das potencialidades das pessoas com defi cincia e dos mtodos para sua profi ssionalizao (OLIVEIRA et al., 2008).

    Ainda em se tratando da contratao de pessoas com defi cincia para o preenchimento das cotas, existem duas consideraes: a dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, s poder ocorrer aps a contratao de substituto de condio semelhante; e o Ministrio do Trabalho e da Previdncia Social dever gerar estatsticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por reabilitados e defi cientes habilitados, fornecendo-as, quando solicitadas, aos sindicatos ou entidades representativas dos empregados (SERRANO; BRUNSTEIN, 2007).

    vlido ressaltar que as organizaes no devem encarar a lei de cotas para a insero de defi cientes no mercado de trabalho apenas como uma obrigao ou

    imposio. Esse sistema deve ser considerado como oportunidade de incluso social e tambm como forma de a empresa assumir seu papel de instituio responsvel socialmente perante a comunidade.

    Gonalves (2006) alerta que preciso mudar a mentalidade dos empresrios brasileiros, que tratam o assunto com preconceito devido falta de informao. preciso que eles vejam possibilidades diferentes quanto questo da empregabilidade de pessoas com defi cincia. No possvel mais superestimar a deficincia, no enxergando as qualidades destas pessoas. O computador uma ferramenta que veio a somar, facilitando a incluso destas pessoas no mercado de trabalho.

    Na realidade cotidiana das pessoas com defi cincia, ainda predomina a dependncia econmica, uma vez que a maioria no possui renda prpria. O subemprego e a estagnao profi ssional so fatores que contribuem para que se mantenham margem da vida nacional, sem chances de participao social e estigmatizadas (CORREIA, 1990 p 124).

    Westmacott (1996) comenta que muitas pessoas com limitaes so cercadas por outras pessoas que no reconhecem o que elas fazem como trabalho. Em um mundo em que o emprego remunerado para todos nem sempre possvel, importante que a contribuio das pessoas com defi cincia seja reconhecida. Em contraponto, Sassaki (2006) pontua que o percentual de pessoas com defi cincia em idade economicamente ativa que esto fora da fora de trabalho duas vezes superior ao das pessoas sem defi cincia, embora todas tenham o mesmo direito de trabalhar.

    Segundo Sassaki (2006), no Brasil a incluso de pessoas com defi cincia no mercado de trabalho tem sido praticada por algumas empresas. No comeo so feitas pequenas adaptaes especifi camente no posto ou nos instrumentos de trabalho, com apoio dos empregadores que reconheciam a necessidade de a sociedade abrir mais espao para pessoas com defi cincia, caracterizando assim, uma empresa inclusiva.

    Os desafi os na insero de pessoas com defi cincia no mercado de trabalho: estudo de caso em uma multinacional

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    O mercado de trabalho pode ser comparado a um campo de batalha: de um lado, as pessoas com defi cincia e seus aliados, empenhando-se arduamente para conseguir alguns empregos; e de outro, os empregadores, praticamente desesperados e desinformados sobre a questo da defi cincia, recebendo ataques furiosos por no preencherem as vagas com candidatos com deficincia to qualifi cados quanto os candidatos sem defi cincia (SASSAKI, 2006 p. 57).

    Alm das consideraes j apresentadas, o Censo de 2000 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatstica (IBGE) demonstra que no Brasil residem cerca de 24,6 milhes de pessoas com defi cincia, o que signifi ca 14,5% da populao total. Desses, 15,22 milhes tm entre 15 e 59 anos e 15,14 milhes tm condies de integrarem o mercado formal de trabalho. Porm apenas 7,8 milhes esto empregados. Somando-se todas as faixas etrias, o censo encontrou 9 milhes de pessoas com defi cincia trabalhando no pas. Contudo, apenas 10,4% desse contingente possuam carteira de trabalho assinada, ou seja, 2,05% do total de trabalhadores formais do Brasil. A pesquisa revelou ainda que 23% das pessoas com defi cincia em idade de trabalhar sobreviviam com renda mensal de at um salrio mnimo.

    Apesar de possuir uma das maiores populaes de pessoas com defi cincia do mundo, segundo Pastore (2000), o Brasil possui uma das menores taxas de participao desses cidados no mercado de trabalho. Nos pases mais avanados, a proporo de pessoas com defi cincia no mercado formal de trabalho fi ca entre 30% e 45% do total de trabalhadores.

    Conforme os empregadores e gestores recebem informaes acerca da lei de cotas, eles percebem a importncia das mudanas na poltica de contratao que devem ser realizadas para dar incio busca de pessoas com defi cincia que esto disponveis no mercado de trabalho.

    A incluso e as redes de relacionamento

    A incluso da pessoa com defi cincia pressupe acessibilidade em diversos nveis: arquitetnica

    (eliminao de barreiras fsicas), comunicacional (el iminao de bar reiras de comunicao interpessoal), metodolgica (eliminao de barreiras nos mtodos de estudo, trabalho etc.), instrumental (eliminao de barreiras nos instrumentos e ferramentas de trabalho), programtica (referente a polticas pblicas, normas e regulamentos) e atitudinal (preconceitos, estigmas, discriminao) (SASSAKI, 2006). Acontece em dois nveis, no individual e no organizacional, sendo criada em cada momento e em cada interao (DAVIDSON; FERDMAN, 2002).

    Sendo o homem um ser social, ele possui interfaces que tanto o separam como o aproximam dos demais. O grupo a base para a formao da identidade social, juntamente com as crenas e os comportamentos a ela associados. Essa identidade faz parte do autoconceito do indivduo, que deriva do reconhecimento de pertencer a um grupo social, associado ao signifi cado emocional e de valor ligado quela fi liao. um processo social dinmico, que se constri por semelhana e oposio. Os indivduos veem a si mesmos como semelhantes aos membros do intragrupo (ou esses como semelhantes a si prprios) e como diferentes dos membros do extragrupo (HOOG; TERRY, 2000).

    A categorizao das pessoas em grupos resulta em relaes intergrupais que, por sua vez, defi nem os comportamentos sociais (HOGG; TERRY, 2000). A categorizao social o primeiro passo para o preconceito, que est presente em todas as instncias e em algum grau em todas as pessoas (ARONSON; WILSON; AKERT, 2002). A manifestao do preconceito individual, mas surge do processo de socializao como resposta aos confl itos gerados neste processo. O preconceito , a priori, uma reao congelada, que pode assumir exagero de aceitao; pode levar-nos a dar um consolo antecipado a quem no o solicitou ou manifestar compaixo para esconder a afl io; ou aparecer em forma de rejeio (CROCHIK, 1995).

    Goffman (1975) alerta para o fato de que, em uma interao, a observao da conduta e da aparncia

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    do indcios que permitem s pessoas utilizar sua experincia anterior e aplicar esteretipos no comprovados, em uma relao sutil na qual as pessoas assumem papis e designam papis umas s outras, em conformidade com o que esperado, sem necessariamente apresentarem manifestaes autnticas.

    No caso das pessoas com defi cincia, poderia ser considerado, por exemplo, que todas esses sujeitos tm capacidades limitadas, o que justifi caria sua colocao em posies inferiores. Tal viso revelaria uma expectativa de desempenho inferior por parte das chefi as ou colegas de trabalho, bem como na forma de relacionamento entre todos (CARVALHO-FREITAS; MARQUES, 2006). Neste sentido, o indivduo estigmatizado pode sentir-se inseguro no que se refere reao das pessoas que o recebero em um novo contexto, como o identifi caro, em qual categoria ser colocado, se essa categoria ser favorvel ou no (GOFFMAN, 1988).

    Cabe ressaltar que a percepo de esteretipo e discriminao pode estar apenas presente no portador de defi cincia, em funo de sua biografi a e suas representaes mentais, que podem ser resultado de baixa autoestima, que levaria a pessoa a responder a essa percepo de maneira defensiva. Aceitar a prpria defi cincia o primeiro passo para a incluso.

    Para Goffman (1975, p.21), quando um indivduo projeta uma defi nio da situao de contato inicial, e com isso pretende implcita ou explicitamente, ser uma pessoa de determinado tipo, automaticamente exerce uma exigncia moral sobre os outros, obrigando-os a valoriz-lo e trat-lo de acordo com o que as pessoas de seu tipo tm o direito de esperar. Uma pessoa estigmatizada pode dedicar grande esforo individual no domnio de atividades consideradas geralmente fechadas, por motivos fsicos ou circunstanciais, a pessoas como ela, numa tentativa de romper com a realidade de seus atributos, empregando uma interpretao no convencional do carter de sua identidade social.

    Quanto mais frequentes as interaes, mais provvel que relaes e comportamentos sociais se desenvolvam paralelamente s relaes e comportamentos de trabalho. As pessoas tendero a se aproximar daquelas que consideram mais parecidas consigo e a evitar as que no atendam a esse critrio. Contudo, sentimentos negativos podem ser muitas vezes superados quando interagem de fato e passam a conhecer uma pessoa ou grupo em particular.

    As pessoas reagem ao desconhecido, e passar a conhec-lo uma forma de reconstruir signifi cados. Logo, sendo o preconceito o resultado de uma cognio social, uma das formas de reduzi-lo seria reunir os grupos intra e extra, ou seja, propiciar o contato entre as pessoas. A teoria da hiptese do contato, desenvolvida por Aronson, Wilson e Akert, (2002) surge do pressuposto da atrao interpessoal, ou seja, o contato entre membros de grupos distintos permitiria verifi car as semelhanas existentes quanto aos valores, ideias, emoes, permitindo reelaborar a percepo inicial de diferenas. Essa hiptese implica que o preconceito um julgamento estabelecido na ausncia da experincia.

    A frequncia, a diversidade, a durao e o estatuto dos grupos dos membros em relao, se essa competitiva ou cooperativa, se de dominao ou de igualdade, se voluntria, se real ou artifi cial, o tipo de personalidade dos indivduos e as reas do contato so fundamentais para a reduo do preconceito. Condies inadequadas podem levar a efeitos negativos.

    METODOLOGIA

    A metodologia utilizada no presente trabalho foi exploratria. Gil (2007, p. 130) afi rma que este tipo de pesquisa defi ne um conjunto de amplas categorias relativas ao comportamento social bsico. Em contraponto, Severino (2007) pontua que a pesquisa exploratria busca apenas levantar informaes sobre determinado objeto, delimitando assim um campo de trabalho, mapeando as condies de manifestao desse objeto.

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    A pesquisa exploratria, segundo Gil (2007), tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torn-lo mais explcito ou a constituir hipteses, com o objetivo principal de o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuies. Geralmente esse tipo de pesquisa abrange levantamentos bibliogrfi cos, entrevistas com pessoas que tiveram experincias relativas ao problema pesquisado, alm da anlise de exemplos que estimulem a compreenso.

    A abordagem utilizada ser a qualitativa, e o objetivo da anlise construir a teoria atravs dos dados. Para Roesch (2007), a pesquisa qualitativa apropriada para melhorar a efetividade de um programa e no caso de proposio de planos, ou seja, quando se trata de selecionar as metas de um programa e construir uma interveno a partir das mesmas.

    Como estratgia de pesquisa, utiliza-se o estudo de caso em muitas situaes, para contribuir como o conhecimento que se tem dos fenmenos individuais, organizacionais, sociais, polticos e de grupo (YIN, 2005). Marconi e Lakatos (2001) observam que o estudo de caso examina fenmenos contemporneos dentro do contexto atual. Ele descreve completamente os fenmenos e realiza anlises prticas e tericas. Segundo Yin (2005, p. 111), as fontes de evidncias so as mais comumente utilizadas ao realizar estudos de caso: documentao, registros em arquivos, entrevistas, observao direta, observao participante e artefatos fsicos. Este escopo rene grande nmero de informaes detalhadas pelo diferencial de tcnicas de coleta de dados que oferece (MARTINS; LINTZ, 2000). Por apresentar tais caractersticas, tornou-se o mais adequado proposta.

    O estudo de incluso de pessoas com defi cincia tem como objeto de estudo a maior empresa da Amrica Latina do ramo de materiais de frico (lonas e pastilhas), situada no Rio Grande do Sul e com fbricas na C h ina e Estados Unidos, alm de escritrios comerciais nos Estados Unidos, no Chile, na Europa, Mxico, nos Emirados rabes Unidos, frica e na China. Para o estudo, a populao

    abordada composta por cinco funcionrios da fbrica brasileira que atuam diretamente com a insero de pessoas com defi cincia, e com dois funcionrios que possuem cargo de liderana no processo fabril.

    Bervian e Cervo (2002) afi rmam que h diversas formas de coletas de dados, todas com suas vantagens e desvantagens. Na deciso do uso de uma modalidade ou de outra, o pesquisador levar em conta a que menos desvantagens oferecer, respeitando os objetivos propostos. No decorrer da pesquisa, sero utilizadas tcnicas de coleta de dados, como entrevistas semiestruturadas, observao e levantamento bibliogrfi co.

    Em pesquisa com abordagem qualitativa, as tcnicas de coleta de dados mais utilizadas so a entrevista e observao, as quais sero utilizadas no projeto. Para Marconi e Lakatos (2001), a entrevista um encontro entre duas pessoas, a fi m de que uma delas obtenha informaes a respeito de determinado assunto, mediante uma conversao de natureza profi ssional. Martins e Lintz ressaltam que ela tem como principal objetivo conhecer o entrevistado buscando esclarecer qual o signifi cado de questes e situaes supostas pelo pesquisador (MARTINS; LINTZ, 2000).

    Foram realizadas entrevistas atravs de questionrios semiestruturados. Segundo Martins e Lintz (2000), esse tipo de entrevista orientado por um conjunto de perguntas defi nidas, mas com fl exibilidade de coleta de dados por meio da conversao objetiva.

    Para Marconi e Lakatos (2001, p. 190), trata-se de [...] uma tcnica de coleta de dados para conseguir informaes e que utiliza os sentidos na obteno de determinados aspectos da realidade. O levantamento bibliogrfi co uma tcnica que se unir s anteriores. elaborado a partir de material j existente, com contribuio de diversos autores sobre um assunto especfi co, a partir de livros e artigos cientfi cos (GIL, 2007).

    Segundo Marconi e Lakatos (2001) as fontes de informao dividem-se em primrias e secundrias. Entre as fontes primrias, sero utilizados na

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    pesquisa dados levantados por meio de entrevista semiestruturada, individual e focalizada, bem como aqueles obtidos atravs da observao local no estruturada. J como fonte secundria, os dados tcnicos e tericos aplicveis ao problema obtidos atravs do levantamento bibliogrfi co.

    No tipo de pesquisa q u alitativa, h quantidade expressiva de dados para serem organizados e, posteriormente, analisados. Para isso, ser utilizada a tcnica de anlise de contedo. De acordo com Bauer (2000), a anlise de contedo uma tcnica receptiva a diferentes contribuies e que, por suposto, pode ajudar a superar a dicotomia artifi cial que por vezes se estabelece entre pesquisa social quantitativa e qualitativa. De outra parte, propicia a reduo da complexidade de um conjunto de textos, podendo ser aplicada no exame de documentos escritos ou discursos (espontneos), em transcries de entrevistas individuais/grupo e questionrios (no caso de material resultante da pesquisa, diz-se provocado), peridicos, propagandas e outros.

    Para a elaborao da pesquisa, foi necessrio seguir as seguintes etapas: na primeira fase, atravs de pesquisa bibliogrfi ca, realizou-se o levantamento dos fatores legais que regem a proporo de pessoas com defi cincia por quantidade de funcionrios da empresa. Tambm se discorreu a respeito de cada tipo de defi cincia e suas limitaes.

    Na segunda fase, realizou-se o levantamento, juntamente com o servio de recursos humanos da empresa, sobre os cargos institudos na empresa que podem ser ocupados por pessoas com defi cincia. Tambm poder ser feita uma anlise sobre quais funes so as mais indicadas para cada tipo de defi cincia.

    Na terceira fase, coletaram-se dados em algumas instituies de amparo s pessoas de defi cincia, como APAE (Associao de Pais e Amigos dos Excepcionais), Apadev (Associao de Pais e Amigos de Defi cientes Visuais) e Associao Educacional Helen Keller, a fi m de conhecer a realidade dos que l convivem. Em paralelo a isso, aplicaram-se

    entrevistas com os colaboradores da empresa que fazem parte do grupo de trabalho responsvel pela insero de pessoas com defi cincia, com a fi nalidade de comparar as diferentes percepes: empresa versos entidades de apoio.

    Por ltimo, analisaram-se os dados coletados, para assim poder identifi car as carncias que a organizao deve suprir para a colocao dos colaboradores com necessidades especiais e as adaptaes que precisaro ser realizadas.

    ANLISE DOS RESULTADOS

    Apresenta-se a anlise dos dados em tpicos com intuito de expor uma abordagem sistemtica, justificando-se pela maior clareza para sua interpretao. Posteriormente sero abordadas as sugestes e consideraes fi nais sobre os resultados obtidos.

    Mapeamento dos postos de trabalho e suas adaptaes s pessoas com defi cincia

    Segundo o entrevistado que trabalha na rea de Gesto de Pessoas, est sendo realizado um mapeamento organizacional pela da equipe do Servio de Engenharia e Segurana da Medicina do Trabalho (Sesmet), de quais setores da empresa poderiam ser alocados funcionrios com necessidades especiais e quais seriam suas limitaes. Os locais at ento analisados, que comportam pessoas com defi cincia, so o laboratrio, a fbrica de revestimentos, a de pastilhas, a de lonas, a de blocos e a expedio.

    Ao analisar os setores, por exemplo a fbrica de revestimentos, percebe-se que para cada subsetor so elencadas as tarefas realizadas. A partir delas se avaliam quais as limitaes que no permitem a sua execuo. Um preparador de misturas que trabalha na parte de fi ao no pode ser defi ciente visual, no pode ter ausncia parcial ou total de membros superiores ou inferiores e no pode depender de cadeira de rodas. Entretanto pode ter viso monocular, defi cincia auditiva, ausncia de falanges ou dedos e membro inferior mais curto.

    Os desafi os na insero de pessoas com defi cincia no mercado de trabalho: estudo de caso em uma multinacional

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    Verifi cando os mapeamentos j realizados, entende-se que a empresa est ampliando as informaes e dados necessrios sobre as limitaes e necessidades dos colaboradores que possuem algum tipo de deficincia, pensando assim, numa preveno, possibilitando suprir a carncia de estrutura nos postos de trabalho.

    A empresa conta atualmente com nmero reduzido de colaboradores com defi cincia, conforme o relato do primeiro entrevistado: por esse motivo optou por adequar os postos de trabalho conforme a necessidade do colaborador portador de defi cincia. O segundo entrevistado, responsvel pela segurana de trabalho, complementa: os prdios mais antigos no foram construdos para atender s exigncias da Associao Brasileira de Normas Tcnicas (ABNT) relacionadas ao pblico com necessidades especiais, entretanto, as edifi caes recentes contemplam todas as normas tcnicas, como as rampas de acesso e banheiros especiais.

    Quando um colaborador com defi cincia inserido no quadro funcional da empresa, segundo o primeiro entrevistado, algum membro da equipe do SESMT, juntamente com a liderana, analisa o posto de trabalho que ser ocupado e aps isso, realizam as adaptaes para o cumprimento das tarefas pertinentes funo e ao local. fundamental a interao do tcnico de segurana do trabalho, que visa segurana e a ergonomia, e a liderana, que conhece as tarefas que so executadas na jornada laboral e o colaborador, que consciente de suas limitaes.

    Conforme o relato do segundo entrevistado, a empresa busca suprir todas as necessidades de adaptaes no posto de trabalho e em locais comuns (como os sanitrios), a fi m de oferecer um ambiente de trabalho saudvel aos colaboradores, porm ainda no consegue prover acesso adequado aos cadeirantes. Ele ressalta que, para que seja possvel a incluso de um colaborador que faa uso da cadeira de rodas, muitos ambientes exigem ajustes, inclusive alguns de responsabilidade de terceiros. o caso do servio de transporte oferecido pela empresa, porm executado por trs empresas diferentes. Tambm fi caria

    comprometido o acesso ao refeitrio e s catracas que permitem a entrada na organizao. Observa-se que a respectiva defi cincia fsica exige da empresa uma reestruturao mais complexa do que a defi cincia auditiva, e que essa limitao j est nos planos de desenvolvimento estrutural da organizao.

    Insero da pessoa portadora de defi cincia no mercado de trabalho

    Seguindo as disposies do art. 35 do Decreto 3.298, de 20 de dezembro de 1999, a insero da pessoa portadora de defi cincia no mercado de trabalho se dar mediante trs diferentes modalidades: sob a forma de colocao competitiva, seletiva e por conta prpria. Conforme o relato dos entrevistados, a empresa utiliza o mtodo de insero por colocao competitiva.

    Nessa forma de contratao, o contrato de trabalho regulado pelas normas trabalhistas e previdencirias, concorrendo o portador de defi cincia em condies de igualdade com os demais trabalhadores; a colocao no emprego independe da adoo de procedimentos, mas no exclui a possibilidade de utilizao de apoios especiais.

    De acordo com o primeiro entrevistado, o processo de recrutamento e seleo se realiza da seguinte maneira: a partir da necessidade de abertura de vaga externa, a liderana preenche o formulrio para que seja iniciado o recrutamento. O formulrio contempla um campo onde identifi cado se o candidato possui alguma necessidade especial ou no. A empresa que presta o servio de recrutamento e seleo analisa o perfi l de cargo exigido pela vaga e busca em seu banco de currculos os candidatos mais adequados (inclusive as pessoas com defi cincia) e realiza uma entrevista. Aps a escolha dos possveis colaboradores, eles so encaminhados para entrevista com os futuros lderes e efetuam um teste na linha de produo.

    Quando aprovados nessas etapas, so encaminhados ao mdico do trabalho para fazerem o exame admissional, e caso o colaborador possua algum

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    tipo de defi cincia, haver, juntamente com o exame de admisso, a emisso do laudo que comprove a defi cincia, atestando seu enquadramento legal para integrar-se na cota, de acordo com as defi nies estabelecidas na Conveno n 159 da OIT, Decreto n 3.298, de 20 de dezembro de 1999, com as alteraes dadas p e lo art. 70 do Decreto n 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Esse laudo dever especifi car o tipo de defi cincia e ter autorizao expressa do empregado para utilizao do mesmo pela empresa, tornando pblica a sua condio.

    Aps essa fase, o funcionrio participar do processo de integrao de novos colaboradores e dependendo da necessidade, a empresa o adaptar para favorecer o recebimento das informaes. Um exemplo disso que, quando um defi ciente auditivo passa a fazer parte do quadro funcional da empresa, disponibilizado na integrao um intrprete de Lngua Brasileira de Sinais (Libras).

    O fator incluso e as difi culdades enfrentadas

    Uma das caractersticas da empresa ter uma conduta transparente e tica com os acionistas, fornecedores, a comunidade e os colaboradores. Por isso o empenho no cumprimento da legislao algo natural, assim como as aes de responsabilidade social que permitem que ela seja reconhecida como uma organizao que adere a princpios da sustentabilidade.

    A empresa oferece subsdios para que, alm da insero de pessoas com defi cincia, acontea a incluso deles no mbito organizacional. Desde o incio do planejamento do sistema de cotas, houve a preocupao por parte da empresa sobre a incluso, conscientizando os colaboradores que provavelmente teriam colegas com necessidades especiais. O terceiro entrevistado enfatiza que foram realizadas palestras e campanhas para sensibilizar e trabalhar na quebra de paradigmas de todos os colaboradores at a alta hierarquia.

    A liderana que trabalha ou trabalhar diretamente com pessoas portadoras de defi cincia tambm

    recebe treinamento para que o relacionamento entre o subordinado e a liderana seja harmnico, assim como entre os colegas. Para o terceiro entrevistado, essencial a compreenso e conscientizao por parte da liderana, porque apesar de serem receptivos aos colaboradores com defi cincia, existe uma cobrana em relao ao comprimento de metas e objetivos de produo e esse receio infl uenciar diretamente enquanto ele optar por preencher a vaga por algum com limitaes.

    Segundo o primeiro entrevistado, a estratgia utilizada para conquistar a liderana na questo inclusiva foi a de sensibilizao e conscientizao gradual, disponibilizando informaes e com algumas situaes de conversa informal. O receio de trabalhar com funcionrio portador de defi cincia muitas vezes uma caracterstica pessoal do lder. De acordo com o quarto entrevistado, os mais fl exveis encaram a situao como desafi o e oportunidade de aprendizado, na sua maioria auxiliam indicando vagas e postos de trabalho que possam ser preenchidos por uma pessoa com defi cincia.

    Com a liderana preparada para enfrentar os desafios e quebrar as barreiras impostas pela prpria sociedade, torna-se mais fcil transpor essa cultura para a equipe de trabalho. E essa a postura dos colaboradores quando recebem os colegas com deficincia. Conforme o relato do quinto entrevistado, os prprios colegas sugerem melhorias, tanto no posto de trabalho quanto nos processos produtivos, pensando no bem-estar do colaborador com defi cincia e na relao de interdependncia entre as tarefas realizadas. Algumas pessoas estreitam os laos de amizade e aproveitam para aprender com os colegas com defi cincia, conforme o texto do informativo da empresa.

    A informao a maior aliada para enfrentar as barreiras, superar difi culdades e quebrar paradigmas. Quando a sociedade est munida de conhecimento, a incluso se d de forma natural. Porm a disseminao das informaes no acontece da forma que deveria.

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    A cidade onde est instalada a empresa brasileira no apresenta dados estatsticos ofi ciais referentes s pessoas com defi cincia. Desse modo, no h como mensurar a populao com necessidades especiais. As prprias entidades de amparo a esse seguimento populacional, muitas vezes no disponibilizam as informaes pertinentes ao assunto. Ao entrar em contato com quatro entidades, a fi m de levantar dados pertinentes ao trabalho, apenas duas retornaram, tornando a quantidade as informaes inviveis para chegar s concluses relevantes.

    Entretanto, conforme o relato do segundo entrevistado, essa no a nica difi culdade enfrentada na busca de profi ssionais com defi cincia: devido relao entre a oferta e a demanda, existem muitas empresas na cidade recrutando pessoas com defi cincia para o preenchimento de vagas, porm no existe a mesma proporo de pessoas com defi cincia aptos e interessados a serem inseridos no mercado de trabalho. Os que esto dispostos a fazer parte da populao economicamente ativa muitas vezes no possuem qualifi cao para disputar vagas operacionais, administrativas ou tcnicas nas organizaes.

    Outra situao que difi culta o processo de incluso est relacionada aos laos familiares. O primeiro entrevistado afirma que muitas pessoas com defi cincia no encaram o mercado profi ssional em virtude do benefi cio concedido pela Previdncia Social. A partir do momento que a pessoa com necessidades especiais se torna capaz de gerir o prprio sustento, automaticamente o benefcio cancelado. Assim, a famlia da pessoa com defi cincia desencoraja a iniciativa da busca de uma vaga no mercado de trabalho.

    Constata-se nos resultados apresentados que h um empenho por parte a empresa em se adequar s necessidades das pessoas com defi cincia, tanto na disseminao de informaes e a sensibilizao dos colegas e lideranas, quanto nas adaptaes dos postos de trabalho e na acessibilidade fsicas das organizaes. Entretanto h barreiras que atrasam, e em outros casos, dificultam a incluso das pessoas com necessidades especiais no meio profi ssional, sejam

    elas paradigmas comportamentais e culturais, como tambm complexidade nas mudanas estruturais.

    CONSIDERAES FINAIS

    Para o desenvolvimento do trabalho foi necessrio analisar a realidade da empresa, tradicional na cidade de Caxias do Sul, e que conta com reas bem estruturadas, com polticas de qualidade, de planejamento estratgico e de recursos humanos. A organizao, que preza pela conduta tica e de responsabilidade social, est buscando adequao legislao de cotas de insero de pessoas com defi cincia. O objetivo deste trabalho foi levantar as aes realizadas pela empresa identifi cando as necessidades perante os processos de recrutamento e seleo, reestruturao fsica, adaptao de postos de trabalho e sensibilizao dos colaboradores perante as pessoas com defi cincia.

    A incluso de pessoas com defi cincia no mbito profi ssional pode ser considerada uma temtica recente para as empresas, por isso se fez o uso de pesquisa exploratria com a fi nalidade de adquirir conhecimento relativo lei de cotas, bem como referente a gesto de pessoas, cultura e ao comportamento organizacional, responsabilidade social dos indivduos. Aps agregar as informaes pertinentes, foi utilizado o mtodo de entrevista semiestruturada para a coleta de dados que evidenciaram a realidade da empresa.

    Com as informaes adquiridas nas entrevistas, verifi cou-se as aes predominantes para o processo de insero de pessoas com defi cincia e percebeu-se que existe um planejamento para a incluso dos colaboradores com este perfi l. Evidenciou-se que h muito tempo se promove a responsabilidade social, por meio de campanhas, palestras e cursos que trabalham as questes de conscientizao e sensibilizao para a incluso de colegas com defi cincia.

    Alm disso, constatou-se que j foram mapeados alguns setores da organizao que permitem que pessoas com limitaes sejam contratadas e alocadas

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    para cumprir a jornada laboral. O mtodo de recrutamento de pessoas com necessidades especiais praticado pela empresa o de insero competitiva, e a partir da contratao da pessoa defi ciente que se realizam as adaptaes adequadas no posto de trabalho e, quando preciso, nos locais de comum convivncia. Observou-se que a limitao que implica adequaes mais complexas, em termos de estrutura fsica, da pessoa que depende de cadeira de rodas; no entanto, o defi ciente auditivo o que menos exige esse tipo de estruturao.

    Foram identificadas algumas dificuldades em relao incluso deste perfi l de colaborador, como a diferena entre a percepo dos colegas e sua liderana. Geralmente os colegas agem de forma proativa, sugerindo melhorias e se adaptando s necessidades do portador de defi cincia. Em relao liderana, existe receio na contratao deles em virtude das presses no cumprimento de objetivos e metas de produo.

    Uma barreira constatada na busca de profi ssionais com limitaes a qualifi cao. Muitas pessoas portadoras de deficincia frequentam escolas (regulares ou especiais), porm o conhecimento tcnico e comportamental exigido pelas empresas na atualidade difi cilmente adquirido. Os familiares no colaboram incentivando-os busca de colocao profi ssional, relatando que um dos fatores que dificultam essa insero inicia-se por parte do instinto de superproteo dos pais em relao aos fi lhos. O outro est diretamente ligado tambm ao mbito familiar, onde o receio de perder o benefcio fornecido pela previdncia social famlia do defi ciente maior do que a busca de inserir-se num campo ainda inseguro (ambiente organizacional).

    Outro dilema referente s pessoas com necessidades especiais a falta de dados estatsticos ofi ciais na cidade onde se encontra instalada a empresa. Essas informaes so de fundamental importncia para as empresas que desejam se adequar legislao ou mesmo tomar aes que benefi ciem esse pblico. Assim, a falta de estatsticas difi culta a criao e at mesmo a reestruturao da organizao para

    comportar novos colaboradores que demandam cuidados e condies fsicas especiais.

    Percebe-se, pelos resultados obtidos, que a empresa atua favorecendo a insero de pessoas com defi cincia no mercado de trabalho. Tanto no campo fsico (estrutura) quanto no campo da sensibilizao (comportamental), a empresa est promovendo aes que impactam positivamente no crescimento da conscincia e posterior sensibilidade dos colaboradores e da liderana, para que as mudanas ocorram conforme a lei estabelece, ao tempo em que se fi rmem as polticas de responsabilidade social.

    Cabe destacar que este estudo apresenta algumas limitaes, principalmente por se restringir ao contexto de um caso, o que impede de se avaliar o grau de fi dedignidade das demais empresas e tambm pelo fato de ter sido realizado em apenas uma das fbricas.

    Sugere-se um estudo que compare a situao das pessoas com defi cincia em outros contextos, por exemplo, uma anlise nas outras fbricas da empresa na China e nos Estados Unidos, para relacionar tanto a questo interna quanto legislativa em relao incluso dos defi cientes. Outra sugesto um estudo em outras empresas para proporcionar maior confi abilidade nos resultados correlatos.

    R E FERNCIAS

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    Artigo submetido em 21/02/2010 e aceito em 03/06/2011.

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