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INCLUSÕES

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INCLUSÕES

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4 Inclusões

© Copyright, 2005. Dos autores.

Realizadores

Coordenação geral — Fundação Banco do Brasil

Organização e Coordenação dos Trabalhos — Rede SACI

Equipe Responsável

Coordenação da Agenda Deficiência e Organizadora da Publicação:

Ana Maria Barbosa

Assistente Técnica:

Denise Cenci

Jornalista pesquisadora:

Marina dos Santos Mezzacappa

Edição e projeto gráfico:

Projeto & Palavra Assessoria Editorial — (11) 3722-2444

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Inclusões, Agenda deficiência / Barbosa, Ana Maria E. C. --

São Paulo: Rede Saci;

Fundação Banco do Brasil, 2005

204 pág.; ilustrações P e B (Série Diversidade)

Vários autores.

1. Título 2. Deficiência 3. Educação e deficiência 4. Saúde e

deficiência 5. Trabalho e deficiência II. Série.

CDD-070.4493624

Índices para catálogo sistemático:

1. Português: Redação: Ensino 808.0469

2. Redação: Português: Ensino 808.0469

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Apresentação Fundação Banco do Brasil ......................................................................................... 9

Apresentação Rede SACI .............................................................................................................. 11

Medidas para uma efetiva inclusão da pessoa com deficiência na sociedade ................................ 15

Izabel de Loureiro Maior

PARTE I: TRABALHORede de colocação de pessoas com deficiência no emprego formal .............................................. 23

Romeu Kazumi Sassaki

Falta de capacitação: do que estamos falando mesmo? ................................................................ 33

Marta Gil

Inclusão de pessoas com deficiência na sociedade brasileira - uma ação integrada ....................... 41

Marilda Pimenta Melo

Pessoas portadoras de deficiência e o emprego formal ................................................................. 45

João Baptista Cintra Ribas

As pessoas com deficiência e o trabalho ...................................................................................... 51

Luiz Soares da Cruz (Lulinha)

SUMÁRIO

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PARTE II: ESPAÇOS IMAGINADOS

ESPAÇO

Ambientes acessíveis ..................................................................................................................... 61

Adriana Romeiro de Almeida Prado

Um mundo acessível é possível ..................................................................................................... 73

Regina Atalla

Acessibilidade digital ..................................................................................................................... 83

Aracy Bernardes Gonçalves

ATUAÇÕES NO ESPAÇO

O lazer como possibilidade de convivência social .......................................................................... 99

Denise Michelute Gerardi / Gustavo André Pereira de Brito / Ligia Pereira Andreati /

Luciana Gonçalves de Souza / Vanusa Cristina de Lima

O esporte adaptado .................................................................................................................... 113

Ceres Prado - Rede SACI

ARTE

Deficiência e arte ........................................................................................................................ 127

Emílio Figueira

Cultura e lazer ............................................................................................................................ 129

Lênia Luz Nogueira / Sérgio Torreta

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PARTE III: SABERES

EDUCAR

Direito a diversidade ................................................................................................................... 135

Claudia Maffini Griboski

Pessoas com deficiência são sujeitos de direito e eu quero ter o direito de conviver com eles em

todos os espaços sociais: reflexão sobre a educação & cultura .................................................... 139

Windyz Brazão Ferreira

Inclusão da pessoa com deficiência (s): (re) pensando a dimensão atitudinal ............................... 152

Lis Angelis de Menezes

Educação inclusiva ...................................................................................................................... 154

Ana Beatriz Iumatti / André Tristão

Pessoas com deficiência: uma proposta de política pública ........................................................ 171

Gínez Garcia / Maria Vilma Roberto

A estruturação da política da pessoa com deficiência no município de Maringá ......................... 173

Alexandre Carvalho Baroni / Áurea Aparecida Roma Goto

SAÚDE

As políticas públicas de saúde e a atenção às pessoas com deficiência no Brasil .......................... 179

Ana Rita de Paula

Saúde e reabilitação como interface para processos de participação e de afirmação de direitos

de pessoas com deficiência ......................................................................................................... 192

Fátima Corrêa Oliver

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A Fundação Banco do Brasil colabora com o desenvolvimento social do Paíshá mais de dezesseis anos, por meio de programas sociais dirigidos aos maisdistintos segmentos da população brasileira, com atuação focada nas áreas daEducação e Geração de Trabalho e Renda.

A Instituição tem o propósito de mobilizar, articular e gerir ações de transformação socialempreendidas por cidadãos e organizações públicas e privadas, promovendo a inclusão social ea cidadania, de forma sustentada, com qualidade de vida para todos.

Alinhado a esse propósito, o Programa Diversidade foi criado para atuar na inclusãosocial de segmentos estigmatizados através da articulação, geração e disseminação de conheci-mento, tendo como público alvo pessoas portadoras de deficiência, que segundo dados doCenso 2000, totalizam mais de 24 milhões de brasileiros.

Para cumprir a sua finalidade, o Programa Diversidade, desde 2002, vem atuando emconjunto com outros parceiros (Fundação Getúlio Vargas, ANDI, CORDE/CONADE,CDDH/BETIM-MG, Escola de Gente, SENAC Terceiro Setor, APABB) na consolidação, di-vulgação de informações sobre deficiência, e na disseminação de tecnologias sociais. Essasparcerias desenvolveram ações que resultaram no lançamento do livro “Mídia e Deficiência”,em parceria com a ANDI, elaboração e divulgação da pesquisa “Retratos da Deficiência no

A

APRESENTAÇÃO

Fundação Banco do Brasil

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Brasil” em conjunto com a Fundação Getúlio Vargas, no “1º Encontro de Conselhos” com aparticipação da CORDE/CONADE do Min. da Justiça, e nas ações desenvolvidas por meio dosprojetos: Capacitação dos Conselhos de Direitos, Projeto Quem Cabe No Seu Todos, Capacitaçãode Organizações com foco na gestão, Acampamento Diversidade e Encontro de Famílias, respecti-vamente, todos voltados para a inclusão social das pessoas portadoras de deficiência.

A Agenda Deficiência, como ação integrante do Programa Diversidade, tem porobjetivo estabelecer o diálogo entre as entidades que trabalham pela inclusão de pessoas comdeficiência, assim como estabelecer ações e metas de curto, médio e longo prazos, em conjuntocom uma rede de parceiros e colaboradores que disponibilizaram suas experiências e contribui-ções para a elaboração da Agenda.

O Fórum Virtual, realizado pela Agenda Deficiência, recebeu a contribuição de diversos atoresque trabalham para que a inclusão da pessoa portadora de deficiência realmente possa ocorrer,internalizando nos mais diversos órgãos e entidades o respeito à diversidade e às diferenças.

A Fundação Banco do Brasil agradece às entidades da sociedade civil, órgãos públicos,empresas, centrais sindicais, partidos políticos, especialistas no assunto e todos aqueles quecolaboraram para o sucesso do Projeto Agenda Deficiência, realizado em parceria com aREDE SACI/CECAE/USP, que está sendo finalizado com a publicação deste documento.

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ssistimos, com satisfação, às conquistas que as pessoas com deficiência estãoalcançando na Educação, no Trabalho, na mídia; constatamos um aumento desua presença em espaços públicos e ruas, à medida que os equipamentos pú-

blicos se tornam acessíveis. Os avanços nas TIC — Tecnologias de Informação e Comunicaçãoampliam as condições de inclusão na vida social.

As políticas públicas1 começam a incorporar conceitos relacionados à inserção das pesso-as com deficiência, como parte de um resgate maior: o da cidadania.

A despeito destas (e de outras) conquistas, ainda há muito a ser feito. Os gestores públi-cos, os empresários, o Ministério Público, os representantes dos Conselhos de Direitos, a Pro-curadoria Geral do Trabalho, a Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade, a Secretariada Inclusão Educacional e sua Rede de Gestores, as entidades representativas do empresariadoe a sociedade civil como um todo são elementos fundamentais para fundar um pacto que iden-tifique possibilidades concretas de atuação para promover a inclusão social.

A

1 “Uma política pública é o conjunto de objetivos, ações e recursos destinados a tratar dos problemas e das potencialidades de umaárea de governo. (...) é a concretização de um ou mais direitos humanos fundamentais como saúde, educação, saneamento, assistên-cia, direito de ir e vir, etc., por intermédio do poder governamental do Estado e, de preferência, com a ativa participação da cidada-nia.” O Papel dos Agentes Políticos Municipais, vol. 3, série Política Municipal para a Pessoa Portadora de Deficiência, CORDE,Brasília, 1998, org. Carlos Afonso da Silva Oliveira, pág. 39.

APRESENTAÇÃO

Rede SACI

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Para que este processo se enraíze, o tema “Inclusão Social” deve estar presente nocotidiano dos segmentos acima mencionados, fazendo parte de sua agenda, integrando seuhorizonte de preocupações.

Entendemos “inclusão social como o processo pelo qual a sociedade se adapta para poderincluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente,estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade.”2

Ora, como uma das características de nossa sociedade é ser produtiva, concluímos que,para tratar da inclusão social de segmentos habitualmente marginalizados, é mister abordar aquestão da geração de renda, em suas diversas modalidades, da economia solidária ao empregoformal. Pessoas que não conseguem prover seu sustento ficam à margem, são dependentes deoutras e são consideradas como um “peso morto”.

Para mudar esta situação, introduzindo o novo paradigma da inclusão social cabe à socie-dade como um todo eliminar as barreiras físicas, programáticas e atitudinais para que as pessoascom necessidades especiais possam ter acesso aos bens sociais (entre os quais o trabalho) eassim desenvolver-se pessoal, social, educacional e profissionalmente.

2 Romeu K. Sassaki, “Pessoas com deficiência: o mercado de trabalho numa perspectiva inclusiva”.

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Este é o escopo que norteia a proposta da Agenda Deficiência, que busca ser um instru-mento eficaz de conscientização e de mobilização para promover a cultura da acessibilidade e dainclusão social, através da disseminação de informações. Para que todos os atores sociais possamapropriar-se desta temática, planejar suas estratégias e traçar linhas de ação condizentes é funda-mental que estejam municiados com informações de qualidade e aplicáveis ao seu cotidiano.

O conteúdo desta Proposta insere-se no PROGRAMA DIVERSIDADE, da Fundação Banco doBrasil e complementa os projetos nele contidos; busca manter fluentes os canais de informação ede comunicação, interligando as linhas de atuação do Programa e os atores sociais envolvidos.

Entendemos que as ações aqui apresentadas reforçam o processo de reflexão, de divulga-ção e disseminação de informações, de mobilização dos diversos entes sociais propiciado peloPROGRAMA DIVERSIDADE, na busca da construção de um espaço de diálogo e de ação, atuandoem forma de rede. Este modelo favorece a capilaridade e o empoderamento de todos os parti-cipantes, que se tornam, cada vez mais, sujeitos de suas histórias.

A Proposta da Agenda Deficiência também está em sintonia com as diretrizes adotadaspelo CONADE - Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência e pelaCORDE - Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência.

Apresentação

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Adota, como principais marcos conceituais, a Resolução 45/91 (ONU), a Declaração dosDireitos da Pessoa Portadora de Deficiência (ONU), a Convenção 150 (OIT), a Declaração deSalamanca (1994) e o Code of practice on the disability management in the workplace (OIT).

Os valores aqui expressos estão alinhados com Declarações internacionais, como a Cartapara o Terceiro Milênio (1999), a Declaração de Washington (1999), a Declaração Internacionalde Montreal sobre Inclusão (2001), a Declaração de Madri (2202), a Declaração de Sapporo(2002), a Declaração de Caracas (2002) e a Declaração de Quito (2003), dentre outras.

Finalizamos com as palavras de Federico Mayor, Diretor da UNESCO.

Para nos envolvermos, temos que ser conscientes

Para sermos conscientes, temos que estar informados

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Ao mesmo tempo, a realidade internacional impõe grandes restrições aos países pobres eàqueles em desenvolvimento, para citar apenas uma das situações que devem ser levadas emconta quando se procura analisar a situação de exclusão social enfrentada pelas pessoas comdeficiência e outros grupos tradicionalmente fora das decisões.

A inclusão social depende de atuação conjunta e articulada de vários atores sociais, medi-ante políticas que expressem o compromisso entre o Estado e os cidadãos, diagnóstico dosproblemas, desenho de programas gerais e específicos, dotação orçamentária adequada, segui-mento das ações e avaliação de resultados no curto e médio prazo.

No Brasil, a etapa da formulação de leis está praticamente concluída, mas com o avançarda cultura inclusiva, serão necessárias atualizações. O passo seguinte, no qual vivemos, é o daexecução, da ponte entre o direito e exercício deste direito — a cidadania, alicerçada na igualda-de de oportunidades.

cenário brasileiro apresenta aspectos gerais positivos para a inclusão socialdos grupos reconhecidos como mais vulneráveis tanto do ponto de vista hu-mano como no tocante aos reflexos da ordem econômica e a organização

social. De favorável, pode-se ressaltar a maior consciência da sociedade frente à desigualdade eà injustiça social daí resultante.

O

MEDIDAS PARA UMA EFETIVA INCLUSÃOda pessoa com deficiência na sociedade

Izabel de Loureiro Maior

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As palavras de ordem são direitos humanos e acessibilidade, como base para o desfrutarde condições de vida digna, de convivência harmoniosa entre as diferenças, que marcam averdadeira composição de uma sociedade.

Como medida efetiva para a inclusão, destaca-se a conscientização de massa, tarefa paraos grupos militantes em parceria com os profissionais de mídia. Difundir a noção de valoragregado existente na diversidade. Trata-se de inverter a lógica anterior, substituindo a pessoacom deficiência que necessita de assistência da sociedade pela pessoa com deficiência que parti-cipa do desenvolvimento do país. É medida de curto e de médio prazo, com abordagens dife-rentes, que vão das campanhas de publicidade governamental até a inserção desse segmento emtodos os espaços sociais valorizados. Ao invés de a imagem mais lembrada ser a da criança comdeficiência fazendo tratamento de reabilitação, o foco deve ser esta mesma criança na rotina deuma escola ou em uma atividade de lazer própria para a sua idade.

A ampliação da cobertura de atendimento em saúde e em educação, com a concessão dasajudas técnicas, sem barreiras ambientais e de comunicação. Esta é outra medida efetiva quedemanda investimento público e controle social. Fazer com que cada setor do governo federale dos governos estaduais e municipais cumpra suas obrigações legais ainda é muito difícil. En-tretanto, cabe destacar o papel do Ministério Público, sempre atuante nas situações de salva-

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guarda dos direitos coletivos e difusos das pessoas com deficiência, tal como enuncia a Lei nº7.853, de 1989. A inserção no mercado de trabalho está sendo realizada com a atividade dasorganizações de e para pessoas com deficiência, das instituições patronais que capacitam mão-de-obra técnica, com o cumprimento da reserva de vagas nos concursos públicos e nas empre-sas privadas. Entretanto, o alto desemprego do país afeta a todos, dificultando mais aempregabilidade de segmentos considerados excedentes do mercado.

No campo da acessibilidade, o advento do Decreto nº 5.296, de dezembro de 2004, já estáacelerando medidas práticas, tais como a criação de programas de capacitação de técnicos, apoioà pesquisa acadêmica e desenvolvimento tecnológico, normas de portais eletrônicos governa-mentais, prazos para a transformação da frota de transportes coletivos em serviços acessíveis. ACORDE, o Ministério das Cidades e o INMETRO trabalham para que o direito de ir e virrecentemente regulamentado se torne ação das prefeituras em relação às concessionárias e des-tas para com as montadoras dos veículos utilizados no sistema viário. O Ministério das Comu-nicações e a ANATEL ultimam as regras de execução em suas respectivas áreas, por exemplo,telefonia e radiodifusão de sons e imagens.

A inclusão da pessoa com deficiência não é ainda uma prioridade da agenda política dopaís. Muitas vezes as questões dos grupos excluídos são tratadas com destaque para os outros

Medidas para uma efetiva inclusão da pessoa com deficiência na sociedade

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coletivos que já conseguiram identidade de gestão política e administrativa, como as mulheres eos afrodescendentes, e isto fica evidenciado em alguns programas de governo como o PrimeiroEmprego e o programa Universidade para Todos. Embora as pessoas com deficiência estejamcontempladas no texto dos dois programas, tanto o debate como a divulgação desses progra-mas pelos gestores do trabalho e da educação sempre deixou de nomear o segmento e, domesmo modo, a mídia tratou o assunto.

Estamos participando dos debates internacionais para construir e aprovar nas Na-ções Unidas uma Convenção Integral dos Direitos e da Dignidade das Pessoas com De-ficiência, a qual deverá ser ratificada pelos países membros e dará novo impulso ao temano âmbito nacional. Também atuamos na rede governamental e na de organizações doterceiro setor da comunidade ibero-americana, estreitando o relacionamento e patroci-nando a troca de boas práticas. No relatório de 2003 de monitoramento dos direitoshumanos das pessoas com deficiência, o Brasil encontra-se no grupo dos cinco paísesinclusivos das Américas.

Nossa sociedade já ultrapassou a barreira da invisibilidade de seus cidadãos com deficiên-cia. Entretanto, para que todas as ações que vêm sendo realizadas dêem forma à sociedadeinclusiva, precisamos de um debate qualificado entre os cidadãos, partícipes da militância ou

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não, para que exista densidade e capacidade de pressão política nos espaços de representaçãodesse grupo, principalmente nos conselhos de direitos. Precisamos que existam iniciativas derepartição de recursos favoráveis às pessoas com deficiência na hora da proposta, da discussão,da aprovação e da execução do orçamento público, o que implica dizer que o Poder Legislativoe o Executivo devem alocar os recursos financeiros dimensionados para a real demanda deações públicas requeridas para mudar a realidade de vida de um contingente muito grande depessoas com deficiência sob exclusão social.

Izabel de Loureiro Maior

Médica, mestre em Medicina Física e Reabilitação,docente da Faculdade de Medicina da UFRJ.

Autora de diversos artigos e capítulos de fisiatria e direitos humanos edo livro “Reabilitação sexual do Paraplégico e do Tetraplégico”.

Especialista em políticas públicas e gestão governamental.Participa do movimento de pessoas com deficiência desde 1977. É membro do

Conselho de Honra da Rehabilitation International. Coordenadora-Geral daCoordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência -

CORDE/SEDH/PR.

Medidas para uma efetiva inclusão da pessoa com deficiência na sociedade

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PARTE I TRA

BA

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É oportuno registrar que, em todas as épocas, sempre houve também a prática daautocolocação, ou seja, a colocação conseguida pela própria pessoa com deficiência, incentivadaou não por instituições.

A partir da década de 80, foram surgindo outros caminhos para a inserção das pessoas comdeficiência na força de trabalho. As associações de pessoas com deficiência, não só as que jáexistiam, mas também as que surgiram desde então, vêm desempenhando um destacado papel naabertura do mercado de trabalho, sob a égide de seus direitos de cidadania. Mais recentemente, osurgimento de centros de vida independente vem ajudando a consolidar a garantia desses direitos,

REDE DE COLOCAÇÃOde pessoas com deficiência no emprego formal

Romeu Kazumi Sassaki

o Brasil, foi por volta de 1950 que se iniciou a prática da colocação de pessoasdeficientes no mercado de trabalho competitivo. Durante cerca de 30 anos(1950-1980), o caminho principal para a colocação profissional eram os cen-

tros de reabilitação profissional, onde geralmente havia um setor específico de orientação paraesse fim. Esse setor não só orientava e participava do processo de avaliação do potencial laborativodos clientes que faziam reabilitação, como também acompanhava a fase de treinamento profis-sional e, finalmente, efetuava a colocação no emprego. Nesse mesmo período, foi tambémimportante no esforço de colocação profissional a participação de escolas especiais, centros dehabilitação, oficinas protegidas de trabalho e centros ou núcleos de profissionalização.

N

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principalmente oferecendo às pessoas com deficiência oportunidades de conquistar o poder defazer escolhas e de tomar decisões, a fim de melhor assumirem o controle de sua vida.

Entretanto, há muito tempo estamos precisando ter, no Brasil, a Rede de Colocação emEmpregos (RCE). Essa rede compreenderia os serviços de colocação, que sempre funcionaramde maneira dispersa e ineficiente no Brasil. Esses serviços são aqueles mantidos por entidadesfilantrópicas ou órgãos governamentais que vêm tentando, de maneira improvisada e cada umpor si, fazer a colocação de pessoas com deficiência no mercado de trabalho competitivo aolongo dos últimos 50 anos.

Como se sabe, esses serviços operam com uma estratégia muito simplista. Assim quealguém com deficiência, qualificado para um emprego competitivo, se torna um candidato àprocura de colocação no mercado de trabalho, a entidade que o assiste vai abordar empresasque estejam oferecendo vagas supostamente compatíveis com o perfil do candidato e trata deacompanhá-lo até sua efetiva colocação. Essa estratégia tem variações, é claro. Mas o maiorponto fraco de todos esses serviços está no fato de que não existe nada que assegure umretorno a esse investimento tão importante, o processo de colocação de pessoas em empregoscompetitivos. A colocação, quando acontece, ocorre por acaso em boa parte dos casos. Emmuitos países, a questão da colocação em empregos é tratada com muita seriedade (ILO, 1995;

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LRS, 1996, 1995a, 1995b; LSPLDD, 1993; Miguez, 1993; NVTCD, 1991; Seminário, 1979; UnitedNations, 1977), investindo-se fortemente na qualificação do pessoal de colocação e na monta-gem de serviços específicos para colocar pessoas com deficiência.

Por essa razão, proponho que coloquemos em ampla discussão a proposta de implanta-ção da Rede de Colocação em Empregos (RCE). Essa rede poderia começar a ser implantadaem um Estado, para depois, gradativamente, alastrar-se por todo o Brasil.

As principais organizações participantes da rede seriam:

g Empresas de todos os ramos de atividade (agropecuária, indústria, comércio e serviços);

g Órgãos governamentais (federais, estaduais ou municipais) enquanto empregadores;

g Órgãos governamentais (federais, estaduais ou municipais) enquanto encaminhadoresde pessoas com deficiência ao mercado de trabalho;

g Escritórios federais de reabilitação (a serem criados):

g Organizações de pessoas com deficiência.

g Entidades particulares (centros de habilitação ou reabilitação, núcleos ou centros deprofissionalização, associações de pessoas com deficiência, centros de vida independente,

Rede de colocação de pessoas com deficiência no emprego formal

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hospitais etc.) que ofereçam, às pessoas com deficiência, programas profissionalizantes e/ou serviços de colocação;

g Escolas que tenham programas profissionalizantes e/ou serviço de colocação de estu-dantes com deficiência, tanto em estágio como em empregos competitivos;

g Agências de emprego.

A rede adotaria um único instrumental, uma espécie de Plano Individualizado de Colocação(Plic), a ser preenchido por um técnico de uma organização em conjunto com a pessoa com defici-ência. O Plic seria levado ao conhecimento de algumas organizações, que então passarão a ser parcei-ras no processo de profissionalização e colocação. Enquanto parceiras, as organizações envolvidasprestam todo apoio que o caso exija para conseguir executar o Plic e, em troca, recebem benefícios,tais como: apoio para novos planos individualizados, partilha de informações prestadas pelos demaisparceiros, facilidade para participar de eventos pertinentes à profissionalização e colocação.

As empresas e os órgãos governamentais, sabedores da RCE, dariam atendimento prioritárioaos candidatos encaminhados, com o respectivo Plic, pelas organizações participantes do sistema.

Para custear o desenvolvimento da RCE, o Governo federal alocaria recursos financeiros(para cada Plic), materiais (livros, manuais, guias etc.) e técnicos (especialistas) para os escritórios

Não gosto de falar por temas. Somos pessoas que temos todas as

necessidades apontadas (trabalho, saúde, educação, lazer, etc). Ter aces-

so a isso implica em acessibilidade e transporte adaptados. Não pode-

mos ser fatiados e tratar separadamente em cada tópico.

Elisabete Araki

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federais de reabilitação instalados nos estados que, por sua vez, repassariam esses recursos àsorganizações participantes do sistema em âmbito local. Dependendo da densidade demográfica,o âmbito local pode abranger um bairro, um distrito, uma cidade ou várias cidades. Com umaparte dos recursos financeiros, as organizações participantes poderão cobrir custos envolvidosna execução de cada Plic.

Muitas vantagens adviriam da implantação da RCE. Em primeiro lugar, haveria um me-lhor aproveitamento dos recursos e da energia de cada organização participante. Os recursosfinanceiros governamentais seriam utilizados sem desperdício, ou seja, como um investimentocom retorno certo na pessoa de cada cliente colocado em emprego competitivo. Existem estu-dos que comprovam que, nos Estados Unidos, houve um retorno de 10 dólares para cada dólarinvestido em programas de reabilitação profissional e gestão da diversidade nas empresas (UnitedNations, 1977). Ocorreria também um pool de vagas disponíveis, que seriam racionalmente apro-veitadas pelas organizações participantes. Desenvolver-se-ia um sentimento de segurança e es-perança nas pessoas envolvidas, principalmente pela própria pessoa com deficiência e, comcerteza, de seus familiares, devido à objetividade do Plic. Cada organização participante se veriamais comprometida com a implementação do Plic de seus clientes, porque ela está vendo oesforço dos demais parceiros graças à transparência da RCE. Enfim, haveria um clima renova-

Rede de colocação de pessoas com deficiência no emprego formal

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do, saudável, no campo do atendimento a pessoas com deficiência — desde a fase hospitalar,passando pela educação, reabilitação física e profissionalização, até a sua inserção na comunida-de através de empregos.

A inclusão no mercado de trabalho competitivo não é um sonho impossível de ser realiza-do, desde que os empregadores sejam tratados como parceiros. Ou seja, eles receberão nossaajuda com informações sobre o potencial laborativo das pessoas com deficiência, com consultoriana modificação de rotinas de trabalhos e ambientes, e com treinamentos sobre a construção deempresas inclusivas. Ao mesmo tempo, eles farão a parte deles modificando suas empresasnaquilo que for necessário e vantajoso para todos os trabalhadores, incluindo aquele que temuma deficiência. A Rede de Colocação em Empregos seria um meio eficaz de tornar cada vezmais inclusivas as empresas e, por conseguinte, mais inclusiva a nossa sociedade.

Para o empresário Rogério Amato (1997, p. 317), “quando se fala em inclusão social, pressu-põe-se um senso de comunidade. É difícil imaginar a inclusão social no caos. É necessário que olocal onde se vive seja de uma certa forma modificado, para que o senso de comunidade apareça.”Ao efetuarem essas modificações, a empresa não está fazendo nenhum favor às pessoas comdeficiência, pois ela está ajudando a si mesma. É ainda Amato quem afirma: “As poucas experiên-cias de inclusão no trabalho de alguns de nossos jovens têm demonstrado com absoluta certeza de

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que as empresas que os acolheram se transformaram para o melhor. (...) Nós não estamos pedindoque se inclua um filho nosso com deficiência ou limitações num trabalho. Estamos oferecendouma oportunidade para essa empresa galgar um patamar de qualidade.” (p. 318).

Programas modificados para a diversidade humana

Em pleno século 21, não mais se justifica reproduzirmos programas de colocação nomercado de trabalho, praticados no Brasil nas décadas de 60, 70 e 80 e até aproximadamente1995. Devemos agora modificar esses programas para a diversidade humana, em conformidadecom os requisitos da nova classificação das deficiências e as dimensões de acessibilidade peloparadigma da inclusão.

Efeitos da nova classificação das deficiências

Em 2001, a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou a Classificação Internacio-nal de Funcionalidade, Deficiência e Saúde (CIF). O documento foi elaborado ao longo deseis anos (1995-2000) de profundos estudos, rigorosos testes de campo e contínuas altera-

Rede de colocação de pessoas com deficiência no emprego formal

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ções, processo no qual estiveram presentes os vários centros de colaboração da OMS, diver-sos organismos governamentais e organizações não-governamentais. Finalmente, foi aprova-do por unanimidade na 54ª Assembléia da OMS, em 22 de maio de 2001 (World HealthOrganisation, 2001).

A importância da CIF reside no fato de que ela permite que os interessados na questão dadeficiência passem da “simples declaração política sobre direitos” para as “ações de implementaçãodesses direitos traduzidos em lei e políticas públicas”. Na CIF, cada deficiência é apresentada emsuas três dimensões ou facetas: impedimento (problema de funcionalidade ou estrutura no níveldo corpo), limitações de atividade (problemas de capacidade no nível pessoal para executarações e tarefas, simples ou complexas) e restrições de participação (problemas que uma pessoaenfrenta em seu envolvimento com situações de vida, causados pelo contexto ambiental e socialonde essa pessoa vive).

A CIF serve a pelo menos cinco tipos de aplicação: em intervenções clínicas, em estatís-ticas, em desenvolvimento de políticas sociais e em educação, por abranger os principaisdomínios da vida humana (lar, família, educação, emprego ou trabalho, atividades sociais ecomunitárias etc.).

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Acessibilidade nas empresas inclusivas

O termo ‘acessibilidade’ começou a ser utilizado com muita freqüência nos últimos anos,em assuntos de reabilitação, saúde, educação, transporte, mercado de trabalho e ambientes físi-cos internos e externos. Com o advento do paradigma da inclusão e do conceito de que a diversi-

dade humana deve ser acolhida e valorizada em todos os setores sociais comuns, hoje entende-mos que a acessibilidade não mais se restringe ao aspecto arquitetônico, pois existem barreirasde vários tipos também em outros contextos que não o do ambiente arquitetônico. Podemos,por exemplo, dizer que uma empresa inclusiva é aquela que está implementando gradativamenteas medidas de acessibilidade nos seis contextos apresentados mais adiante.

Assim, as seis dimensões de acessibilidade nas empresas deverão existir também em todosos ambientes (empresas, escolas etc.) para que qualquer pessoa, com ou sem deficiência, possacircular com autonomia. Suas respectivas características, hoje obrigatórias por lei e/ou por con-seqüência do paradigma da inclusão, são as seguintes, no caso das empresas inclusivas:

Acessibilidade arquitetônica: sem barreiras ambientais físicas, no interior e no entornodos escritórios, das fábricas e nos meios de transporte coletivo utilizados pelas empresaspara seus funcionários.

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32 Inclusões

Acessibilidade comunicacional: sem barreiras na comunicação interpessoal (face-a-face, língua de sinais, linguagem corporal, linguagem gestual etc.), na comunicação escrita(jornal, revista, livro, carta, apostila etc., incluindo textos em braile, textos com letrasampliadas para quem tem baixa visão, notebook e outras tecnologias assistivas para comuni-car) e na comunicação virtual (acessibilidade digital).

Acessibilidade metodológica: sem barreiras nos métodos e técnicas de trabalho (méto-dos e técnicas de treinamento e desenvolvimento de recursos humanos, execução de tare-fas, ergonomia, novo conceito de fluxograma, empoderamento etc.).

Acessibilidade instrumental: sem barreiras nos instrumentos e utensílios de trabalho(ferramentas, máquinas, equipamentos, lápis, caneta, teclado de computador etc.).

Acessibilidade programática: sem barreiras invisíveis embutidas em políticas (leis, de-cretos, portarias, resoluções, ordens de serviço, regulamentos etc.).

Acessibilidade atitudinal: sem preconceitos, estigmas, estereótipos e discriminações,como resultado de programas e práticas de sensibilização e de conscientização dos traba-lhadores em geral e da convivência na diversidade humana nos locais de trabalho.

Romeu Kazumi Sassaki

Consultor de reabilitação profissional desde 1960.Ativista de direitos das pessoas com deficiência desde 1979.

Consultor de vida independente desde 1987.Consultor de inclusão no emprego e na educação desde 1995.

Autor e co-autor de vários livros sobre inclusão social desde 1997.

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onversamos, praticamente todos os dias, com profissionais da área de Recur-sos Humanos de empresas de médio e grande portes — e até de multinacionais— que nos procuram por conta de dois interesses principais: identificar pes-

soas com deficiência com perfil adequado para preencher as vagas disponíveis e divulgar asvagas existentes. Candidatos e vagas: duas faces da mesma moeda.

As conversas, em geral, são longas e seguem um “roteiro” que até parece combinadoentre eles: as variações são poucas.

Os profissionais de RH queixam-se da baixa qualificação das pessoas com deficiência;procuram pessoas com “deficiência leve” — surdos são muitos procurados, pois as empresasacham que eles não requerem nenhuma adaptação arquitetônica.

Por outro lado, também conversamos com as pessoas com deficiência. Estas relatam que,mesmo com diploma de 2º ou 3º Graus, têm dificuldades em encontrar emprego. Os emprega-dores parecem estar procurando pessoas com menor qualificação...

Nessa posição privilegiada, tendo acesso às duas pontas, a da oferta e da procura, algumasreflexões praticamente se impõem: quem está sendo selecionado, a deficiência ou o profissio-nal? O que significa “deficiência leve”? Que chances teria o físico Stephen Hawkins em uma

FALTA DE CAPACITAÇÃO:do que estamos falando mesmo?

Marta Gil

Se ficamos apenas batendo na tecla da ‘falta’, corre-

mos um sério risco: o de culpabilizar a vítima

C

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34 Inclusões

dessas empresas? Como exigir esse alto grau de qualificação, se apenas 9% dos estudantesbrasileiros, sem deficiência, estão cursando o Terceiro Grau? Quais são as exigências feitas paracandidatos sem deficiência?

Bem, já percebemos que estamos diante de uma realidade complexa, multifacetada e so-bre a qual vale a pena refletir. Afinal, o Trabalho representa uma dimensão extremamente im-portante na vida de qualquer ser humano, tenha ou não uma deficiência. Em uma sociedadeprodutiva, como a nossa, a pessoa que não é capaz de prover sua subsistência não faz parte dasociedade; é marginalizada e é olhada com desprezo ou com piedade — é esse o tratamentodado aos que são considerados “um peso morto”.

Que tal começar pela questão da “falta de qualificação” das pessoas com deficiência?

Essa afirmativa é real: muitas pessoas com deficiência têm um nível de qualificação abaixodo que as empresas esperam, especialmente as que têm Normas ISO ou que se preparam paratê-las. Este é um dado fundamental e como tal deve ser considerado, encarado, discutido eanalisado. Não pode ficar escondido debaixo do tapete, não deve ser escamoteado.

O perigo reside em não nos perguntarmos o porquê desta baixa qualificação. Não fala-mos que as famílias, muitas vezes, ignoram que estas crianças podem ser alfabetizadas; ou não

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sabem que têm este direito; ou que tentaram exercer este direito e foram impedidas pelaprópria escola (temos muitos exemplos destes, na Rede SACI); ou que a escola até as acolhia,mas não havia sistema de transporte público; ou... e eu poderia continuar enumerando muitosoutros obstáculos, de toda ordem e natureza, envolvendo órgãos, entidades e instituições dasociedade brasileira.

Essa situação de exclusão ou de acesso difícil ao sistema educacional acontece desde acreche. Mesmo famílias de alto poder aquisitivo enfrentam essa situação, que se manifesta deforma mais ou menos velada, em muitos casos. Certamente há exceções — e excelentes exce-ções. Mas é isso o que elas são: “exceções” à regra geral.

A combinação perversa e poderosa desses obstáculos certamente tem muito a ver comessa “falta de qualificação”. Sem que eles sejam levados em conta, não podemos dizer queestamos fazendo uma análise; estaremos meramente repetindo números e porcentagens, sem irmais fundo e tentar desvendar seu significado. Entendo que é exatamente este aprofundamentoo que caracteriza uma análise.

Por outro lado (e essa é uma questão que apresenta muitos lados), a população brasileira,como um todo (e aqui me refiro às pessoas ditas “normais”), não tem um nível de qualificaçãoalto, infelizmente. Os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), apenas para

Falta de capacitação: do que estamos falando mesmo?

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36 Inclusões

utilizar um indicador, nos apontam isso. Notícias freqüentes na imprensa sobre crianças quechegam à 4ª série e não sabem ler e nem escrever, sobre acidentes de trabalho ocorridos porqueas pessoas não entendem manuais de operação, depoimentos de ministros, ex-ministros, espe-cialistas no assunto, de empresários e sindicalistas, que revelam sua preocupação com o baixonível da educação em nosso país e, conseqüentemente, com os reflexos dessa situação sobre ofuturo desempenho dessas pessoas levam à indagação: de quem, realmente, estamos falandoquando mencionamos a falta de qualificação? Pois parece que ela abrange outros segmentos,além do das pessoas com deficiência...

Artigo escrito por Luiz Gonzaga Bertelli1 , em setembro de 2004, na Revista Agitação,menciona que um em cada quatro brasileiros, que se formaram em faculdades entre 1992 e 2002, não

consegue emprego. (...) as universidades estão com 47,3% de suas vagas ociosas, de acordo com o Censo da

Educação Superior de 2003.

Hummm... é caso de parar e pensar um pouco, não é?

Acredito que as pessoas com deficiência apenas reproduzam as condições vigentes

1 Presidente Executivo do CIEE — Centro de Integração Empresa Escola e diretor da FIESP.

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para grande parte da população brasileira com cores mais fortes, por assim dizer. Mas opadrão é o mesmo.

Outro aspecto a ser considerado é o das entidades e instituições que oferecem capacitaçãoprofissional para as pessoas com deficiência. Será que elas estão formando pessoas com habili-dades e postura profissional para o momento atual? Não seria este o momento para estabeleceralianças e parcerias com outras entidades de formação, oferecendo o que cada uma tem demelhor?

Ainda há outro lado da questão a ser considerado: o dos investimentos em formação equalificação que estão sendo feitos.

Recente matéria publicada pela Rede SACI (http://www.saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=8351/) cita diversas iniciativas nesse sentido. Não sãoas únicas; há outras mais sendo feitas. Por que elas não são levadas em conta quando a “falta dequalificação” é mencionada?

Se ficamos apenas batendo na tecla da “falta”, corremos um sério risco: o de culpabilizar avítima. No caso, a pessoa com deficiência. É como se disséssemos: “Veja, estou de braços abertos,com uma bela vaga a oferecer... mas nenhuma pessoa com deficiência está apta... Tsk, tsk”.

Falta de capacitação: do que estamos falando mesmo?

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E cruzamos os braços, condoídos, pois nossa atitude “generosa” não encontra eco. Maisuma vez, enfatizamos a D-eficiência e não a E-ficiência, mais uma vez fazemos o levantamentodo “não” e não o levantamento das capacidades, das habilidades, das possibilidades. E se tentás-semos inverter o jogo?

Como?

— Fazendo uma reavaliação do perfil do cargo: é realmente necessário saber fazer tudo oque está sendo solicitado?

— Investindo no processo de qualificação e de formação da pessoa com deficiência.Afinal, não é exatamente isso o que todas as teorias e manuais preconizam? Não é porisso que muitas empresas mudaram o nome de seus departamentos, de Recursos Huma-nos para Talentos Humanos? Não é isso o que significa “responsabilidade empresarial”?

— Reavaliando nossas posturas e valores. Não é “pecado” ter preconceito; esse sentimen-to faz parte de nossa natureza humana. Mas podemos ser honestos e sinceros, aproveitan-do essa situação para nos examinarmos e dar uma oportunidade a nós mesmos, paramudar algo internamente.

Não quero dizer que todas as pessoas com deficiência estão prontas e qualificadas; não

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quero dizer que as empresas utilizam os dados estatísticos para se eximir de sua responsabilida-de social. Ao contrário, há muitas iniciativas em andamento, modelos estão sendo desenhados,discutidos e propostos; há grupos de discussão, formados por profissionais de diversas empre-sas. A Rede SACI abre espaço para a divulgação dessas ações, no Observatório de PráticasInclusivas do Trabalho, contribuindo para sua visibilidade e fortalecimento.

A intenção deste texto é refletir sobre este momento, trazendo questões que estimulem areflexão e, principalmente, que contribuam para o processo de inserção da pessoa com deficiên-cia no Mundo do Trabalho, com dignidade e respeito.

Marta Gil

Socióloga e Coordenadora da Rede SACI

Falta de capacitação: do que estamos falando mesmo?

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É difícil falar em trabalho para as pessoas com deficiência sem relacionar issocom a questão do transporte adaptado e a acessibilidade, seja nas ruas comono local de trabalho. Temos leis que reservam uma cota para pessoas comdeficiência, leis que tratam da acessibilidade, etc.

O problema que enfrenta a pessoa com deficiência não é a ausência de leis.O Brasil dispõe de uma das mais avançadas legislações mundiais de proteçãoe apoio à pessoa com deficiência. Contudo, ainda há uma lacuna grande nasua aplicação prática, pois as leis não são cumpridas. Reclamar e cobrar ocumprimento dessas leis não é um caminho fácil. Os órgãos que deveriamdar apoio, nem sempre cumprem esse papel, muitas vezes por acúmulo detarefas a serem realizadas e outras por achar que o caso é para o MinistérioPúblico. O Ministério Público, por sua vez, atende na mesma Promotoria pes-soas com deficiência e idosos, contando com poucos profissionais para darconta da demanda. Por isso, proponho a criação de uma Ouvidoria Exclusiva(ou talvez Delegacia?) para atender as denúncias e queixas relativas à faltade acessibilidade, discriminação, oferta de trabalho, vagas nas escolas e tra-tamento de saúde.

Está na hora de termos um mecanismo mais exigente e punitivo para o desca-so com a garantia de nossos direitos fundamentais.

Elisabete Araki

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e acordo com estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de10% da população mundial apresenta algum tipo de deficiência. Esse percentual,no Brasil, atinge a 14% da população. Ressalte-se, porém, que o Brasil tem a

quinta melhor legislação do mundo para pessoas com deficiência, como afirmam estudiosos.No entanto, muito tem de ser feito. É preciso garantir oportunidades a essas pessoas, seja noâmbito da educação ou do trabalho.

Em primeiro lugar, vale destacar que as ações relacionadas à pessoa portadora de deficiên-cia devem ser entendidas num escopo maior. Para o desenvolvimento e manutenção de umEstado Democrático, é de fundamental importância a construção de uma sociedade inclusiva,cabendo essa construção não apenas ao Estado, mas a toda a sociedade. Ela deve, portanto,também junto ao Estado, assegurar a todos o acesso aos espaços e deve estar orientada porrelações de acolhimento à diversidade, de aceitação das diferenças individuais, de esforço coleti-vo na oferta indistinta de oportunidades, em todas as dimensões da vida. Sabemos que o cami-nho é longo, mas passos têm sido dados.

A Educação é, sem dúvida, o fundamento e a base para a efetiva inclusão da pessoacom deficiência na sociedade brasileira, se constituindo em veículo para a eliminação dasbarreiras e das desigualdades. É, portanto, o ponto de partida, e quando falamos em educa-

Marilda Pimenta Melo

D

INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIAna sociedade brasileira - uma ação integrada

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42 Inclusões

ção entendemos uma ação que envolve a todos, em dimensões que se completam e seassociam, contemplando:

— o aspecto legal — que assegura, mediante leis e normas, o direito à educação;

— o aspecto técnico-pedagógico — que diz respeito ao processo educativo propriamentedito, que deve abrir possibilidades efetivas para o portador, dentro dos preceitos legais,num contexto de flexibilidade e respeito à diversidade;

— o financiamento — que se refere ao custeio desse processo, com vistas à garantia daqualidade e a sustentabilidade das ações.

Nesse sentido, o papel do Estado deve ser o de assegurar a todos o direito à educação,mediante a viabilização financeira de oportunidades concretas, visando a observância da legisla-ção e das normas pertinentes.

Por outro lado, o papel da escola, mais do que garantir ao portador o acesso objetivo a espaçosfísicos, é o de estar pronta, disponível e preparada para incluir o portador na sua subjetividade,respeitando suas diferenças e considerando suas potencialidades. Essa prontidão deve abranger acomunidade escolar em todos os níveis, incluindo a gestão, a administração, as condições materiais ea equipe de educadores, demandando uma competente capacitação técnica e estrutural.

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Cumpre ainda salientar o papel decisivo que cabe à família, a qual deve ser sensibilizadapara a plena aceitação do portador, a fim de que assegure sua integridade física, moral, e psico-lógica, sendo ela um elo fundamental entre a escola e a sociedade.

No que se refere ao Trabalho, não é diferente. Educação e Trabalho vão requerer açõescompartilhadas, união de esforços. A afirmação corrente de que as oportunidades de empregoe trabalho são reduzidas, porque o portador de deficiência não tem escolaridade e/ou qualifica-ção, começa a perder efeito, na medida em que o processo educativo/formativo seja efetiva-mente uma realidade, como direito de todos e base para o exercício da cidadania.

A qualificação do portador adequada às suas potencialidades, ponto-chave para sua inser-ção produtiva e cidadã, e a orientação e sensibilização permanente do empresariado no sentidode que identifique no portador suas potencialidades e possibilidades, aliadas ao estímulo aocumprimento das exigências legais, certamente devem se constituir em marco expressivo paraque as empresas se tornem mais produtivas e responsáveis socialmente, resultando por conse-guinte em ações mais concretas voltadas para uma efetiva inclusão do portador no mundoprodutivo e na sociedade.

A inclusão social de portadores de deficiência é, portanto, uma incumbência conjunta da

Inclusão de pessoas com deficiência na sociedade brasileira - uma ação integrada

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Família, do Estado e da Sociedade, incluindo a Escola e a Empresa, que requererá preparaçãoe responsabilidades a serem assumidas de forma parcerizada.

Trata-se de um grande desafio, mas aos poucos irá surgindo uma nova mentalidade, quesó poderá ser alcançada pelo esforço, pela determinação, pela responsabilidade legal e social detodos, e que nos levará a uma sociedade mais justa, diversa e solidária.

Marilda Pimenta Melo

Pedagoga, especialista em educação,assistente de diretor de educação do SESI/SENAI -

Departamento Regional do Rio de Janeiro

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os dois últimos anos, o setor empresarial brasileiro tem sido oficialmente con-vocado e, às vezes, até intimado a contratar pessoas portadoras de deficiência.Algumas foram contratadas. Outras estão sendo. Mas ainda são muito poucas,

nem sabemos ao certo quantas continuam no mesmo emprego.

A pesquisa Retratos da Deficiência no Brasil, recentemente publicada pela FundaçãoGetúlio Vargas em parceria com a Fundação Banco do Brasil, mostra que “num universo de26 milhões de trabalhadores formais ativos, 537 mil são pessoas portadoras de deficiência,representando apenas 2% do total”. Outra pesquisa, desenvolvida pelo professor José Pastore,apresenta dados quase idênticos. As duas pesquisas foram feitas em 2000, mas é praticamentecerto que o número de pessoas portadoras de deficiência, formalmente empregadas no Bra-sil, não aumentou substancialmente.

Por que o Brasil emprega tão pouco?

Em primeiro lugar, porque o nível de consciência da responsabilidade social no Brasilainda é baixo. A maioria das empresas até agora contrata apenas porque se vê obrigada a cum-prir a lei. Acaba então contratando poucos, de forma atabalhoada, sem muitos critérios, semplanejamento e, portanto, sem real comprometimento com a empregabilidade.

PESSOAS PORTADORASde deficiência e o emprego formal

João Baptista Cintra Ribas

N

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46 Inclusões

Em segundo lugar, porque escassos ainda são os profissionais de RH, médicos do traba-lho e líderes de áreas empresariais que conhecem os alcances e limites das pessoas portadoras dedeficiência. Muitos recrutadores e selecionadores se sentem constrangidos em entrevistar eentão não perguntam o simples: “o que você consegue fazer, o que não consegue e quais adap-tações são necessárias para conseguir fazer?” Muitos instrutores ficam inseguros quando sabemque na próxima turma de treinamento haverá um cego ou um surdo. Muitos médicos nãosabem como fazer o exame admissional num paraplégico que foi acometido de lesão medular.

Em terceiro lugar, porque o nível de escolaridade da maioria das pessoas portadorasde deficiência no Brasil é baixíssimo, assim como é precário o grau de preparação para otrabalho. Os poucos que concluíram o Ensino Médio de modo satisfatório e os universitá-rios estão, quase todos, empregados. Mas os muitos que interromperam os estudos aindano Ensino Fundamental ou seguem estudando a passos lentos e trôpegos, ou estão desem-pregados e praticamente sem grau de competitividade para obter um emprego formal comregistro, benefícios e garantias trabalhistas. Por essa razão, muitos ganham a vida no merca-do de trabalho informal.

Em quarto lugar, porque a legislação vigente, além de em certos aspectos desorientar oempregador, muitas vezes é utilizada pelos que têm poder de auditoria como instrumento de

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coerção, e não como deveria ser: um recurso educacional para que as empresas se adequassema fim de promover a contratação, o crescimento profissional e a retenção no emprego.

Em quinto lugar, porque os empresários, principalmente das micro e pequenas empresas,não contam com quase nenhum incentivo governamental para qualificar profissionalmente econtratar pessoas portadoras de deficiência. São cobrados a cumprir a legislação que fixa umaporcentagem de contratações, mas são muito pouco encorajados com auxílios estratégicos.

O que fazer para o Brasil empregar mais pessoas portadoras de deficiência?

Primeiro, as empresas devem incrementar seu grau de responsabilidade social atinandoque a ação cidadã não estorva os seus negócios. Pelo contrário, os amplia. As pessoas portado-ras de deficiência devem ser compreendidas como profissionais em quem se pode investir.Rampas, banheiros adaptados, softwares de voz, leitores de telas, impressoras Braille e intérpre-tes de Libras devem ser encarados como recursos e ferramentas de acesso ao trabalho, ofereci-dos aos profissionais portadores de deficiência, tanto quanto o são as estações de trabalhoergonômicas, os aplicativos gráficos e os professores de línguas colocados pelas empresas àdisposição dos profissionais em quem se quer investir.

Pessoas portadoras de deficiência e o emprego formal

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Segundo, as empresas devem ter o destemor de examinar não só os valores explícitos,como também os tácitos, presentes nas suas culturas organizacionais. O rarefeito conhecimentosobre os alcances e limites das pessoas portadoras de deficiência é fruto da pouca elasticidade dacultura. Uma possibilidade de torná-la mais receptiva à convivência é instigar a pesquisa acadê-mica e explorar melhor o tema, até agora só pincelado nos currículos universitários.

Terceiro, o sistema regular e profissional de ensino público e privado deve investir, cadavez mais, na preparação profissional e humana dos seus docentes. E, se houver maior integra-ção entre empresa e escola, haverá maior conhecimento da correspondência entre as exigênciasdas tarefas profissionais e alcances das pessoas portadoras de deficiência, havendo assim me-lhor adequação.

Quarto, a legislação nacional que vige, pertinente às pessoas portadoras de deficiência,deve ser reapreciada, com isenção de ânimos políticos, para que se verifique em que medida suaaplicação encontra-se a favor da empregabilidade. Uma possível reforma deve vir imbuída defoco educativo e jamais coativo, estar a serviço da união das partes envolvidas e colaborar coma aplicabilidade da responsabilidade social. Deve, também, reavaliar a obrigatoriedade do cum-primento do preenchimento das cotas de emprego, levando em consideração a capacidade deabsorção pelos diferentes setores empresariais, os variados graus de risco à saúde e segurança

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do trabalhador existentes em cada segmento empresarial, além de envolver as empresas commenos de 100 funcionários (hoje desobrigadas de contratar). Deve, ainda, incentivarcriteriosamente a criação de cooperativas que possam se tornar uma alternativa segura de traba-lho e renda para os que têm maior dificuldade em conseguir emprego formal.

Por último, as empresas privadas devem poder contar com incentivos governamentais,sem que isso signifique isenção fiscal ou tributária. Não se trata de pagar menos impostos paracontratar pessoas com deficiência. Trata-se, por exemplo, de poder dispor de linhas de financi-amento a juros baixos para poder adaptar arquitetonicamente as edificações e comprar equipa-mentos que darão maior profissionalismo a essas pessoas.

João Baptista Cintra Ribas

Sociólogo. Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo.Coordenador do Programa de Empregabilidade de Pessoas com Deficiência da

Serasa S.A. Professor da cadeira de Sociologia Aplicada no curso de Administraçãodas Faculdades Tancredo Neves. Foi consultor da Secretaria de Educação Especial

e Secretaria de Ensino Médio e Tecnológico, do Ministério da Educação, doDepartamento Nacional do SENAI e da Fundação Banco do Brasil. Autor de

livros e artigos sobre inclusão profissional social de pessoas com deficiência.

Pessoas portadoras de deficiência e o emprego formal

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50 Inclusões

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AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAe o trabalho

Luiz Soares da Cruz (Lulinha)

s pessoas com deficiência têm as mesmas necessidades de qualqueroutro cidadão ou cidadã na sociedade. Infelizmente grande parte dapopulação, não só as pessoas com deficiência, não têm suas necessida-

des atendidas, desde as mais básicas de sobrevivência às mais complexas de participa-ção efetiva na sociedade.

À questão da inclusão social, e em particular, a inclusão das pessoas com deficiência,cabem diversas questões e considerações. Duas questões que me vêm de imediato são:

Que inclusão querem as pessoas com deficiência? e,

Querem a inclusão na sociedade tal qual está estruturada e organizada?

Responder a essas duas questões, implica necessariamente em um olhar crítico sobre essasociedade.

Não vivemos em uma sociedade inclusiva, do contrário não estaríamos falando de inclu-são. Nossa sociedade é extremamente excludente, preconceituosa, produtora de desigualdades,que marca a vida de milhares de pessoas (pobres, negros, mulheres, idosos, de livre orientaçãosexual, pessoas com deficiência).

A

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52 Inclusões

Nossa luta, portanto, se coloca contra todo e qualquer tipo de exclusão, em particular nocaso de nossa ação, contra a exclusão das pessoas com deficiência em todas as esferas da socie-dade, dentre as quais a luta contra a exclusão do direito ao trabalho.

Dessa forma, algumas medidas prioritárias são necessárias:

Uma medida de ordem geral, de natureza político/ideológica se faz urgente, no sentido daluta pela igualdade de oportunidades a todas as pessoas na sociedade, pela solidariedade, pelorespeito às diferenças sejam elas quais forem.

Especificamente são necessárias medidas ou ações que façam valer as leis já exis-tentes, consideradas por muitos avançada e farta, através da organização e mobilizaçãodas pessoas com deficiência, exigindo seu cumprimento, acionando os órgãos competen-tes, se manifestando.

Para que o acesso ao trabalho das pessoas com deficiência se efetive, é necessária aimplementação concreta da Lei de Cotas, enquanto ação afirmativa, integrada à luta pela con-quista de outros direitos.

O recente Decreto 5.296 que regulamenta as Leis 10.048 e 10.098, precisa ser praticadoem conjunto com a Lei 8.213, pois sem a garantia da acessibilidade nos meios de transporte, de

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Os avanços legislativos no sentido de inserir, em dispositivos legais, o sistemade cotas relacionado ao portador de deficiência, parece-nos constituir-se nummecanismo que objetiva a inclusão. Entendendo que as ações relacionadas aoportador de deficiência devem fundamentar-se nos princípios da preservaçãoda dignidade humana, da busca da identidade e do exercício da cidadania,fica evidente que o ponto de partida deve ser a igualdade de oportunidades.A legislação, ao dispor sobre o estabelecimento de cotas aponta caminhosque levam a uma sociedade inclusiva, cujo trabalho é um direito. Consideramos,entretanto, que a sociedade inclusiva requer ações que devem ser realizadas eque preconizam, de um lado, escolas e instituições de educação profissionalque ofereçam a escolaridade e a qualificação profissional ao portador e, deoutro, orientação ao empresariado no sentido da contratação para o seu quadrofuncional do portador. Dessa forma, representaria o respeito às diferenças doportador e o atendimento as suas necessidades.

Marilda Pimenta – Firjan

As pessoas com deficiência e o trabalho

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54 Inclusões

comunicação e no mobiliário, incluindo-se aí a acessibilidade do ambiente de trabalho, dificil-mente se garante o emprego das pessoas com deficiência.

O Movimento Grande ABC para Todos, do qual faço parte, no ano de 2004 entregou aosprefeitos das 7 (sete) cidades que compõem a região um documento sobre políticas públicas aserem implementadas. Dentre estas políticas foram apresentadas políticas de emprego para pes-soas com deficiência, que poderíamos generalizar para todo o país, são elas:

“1– Cadastrar empresas da Região, mantendo levantamento permanente e atualizado visando:

a - fiscalização do cumprimento da legislação especifica que obriga empresas com cem oumais funcionários a preencher de dois a cinco por cento dos seus cargos com beneficen-tes reabilitados ou pessoas com deficiência habilitadas.

b - isonomia salarial em relação aos demais trabalhadores.

2 - Garantir linhas de crédito para geração de renda prioritárias e específicas para as pes-soas com deficiência. Ex.: Banco do Povo;

3 - Garantir acessibilidade a todos os cursos e espaços de qualificação profissional e incen-tivar a criação de formas alternativas de geração de renda para pessoas com deficiência;

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4 - Centralizar as informações para colocação profissional em banco de dados regionalunificado;

5 - Todos os cursos profissionalizantes da Região deverão observar no mínimo cota gra-tuita de 5% de vagas para pessoas com deficiência carentes;

6 - Estabelecer cota afirmativa de no mínimo 15% para pessoas com deficiência no Pro-grama Primeiro Emprego;

7 - Parcerias entre iniciativa privada, terceiro setor e poder público para estabelecer diver-sos tipos de emprego protegido, para as pessoas com deficiência que não tenham acessoaos empregos não protegidos;

8 - A concessão de espaço público para trabalho ambulante deve contemplar prioritaria-mente à pessoa com deficiência estabelecendo cota afirmativa mínima de 15% e,

9 - Garantir a qualificação das pessoas com deficiência que buscam emprego e ainda nãoestão qualificadas, através de programas públicos e privados”.

As políticas públicas são fundamentais, sem elas é impossível a garantia de direitos, inclu-sive o direito ao trabalho das pessoas com deficiência. Há ainda que considerar, que não adianta

As pessoas com deficiência e o trabalho

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56 Inclusões

adotar políticas isoladas, são necessárias medidas ou ações integradas, interligadas nas diversasáreas de ação, governamental ou não, incluindo os diversos atores sociais, de forma a contem-plar a diversidade, característica fundamental da espécie humana.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989,dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas deproteção, e dá outras providências. Disponível em: http://encontro.virtualave.net/decreto3289.htm. Acessoem: 10 de fevereiro de 2003.

BRASIL. Decreto n. 5296, de 02 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048, de 08 de novembro de2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, queestabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras dedeficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil/ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm. Acesso em: 06 de dezembro de 2004.

MOVIMENTO GRANDE ABC PARA TODOS. Propostas de políticas públicas para a região do Grande ABC,resultado do 1º seminário: a política regional e a organização das pessoas com deficiência, realizado em: 23/08/2003, 06/09/2003, 04/10/2003, 08/05/2004. Santo André: 2004.

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SASSAKI, Romeu Kazumi. Como chamar as pessoas que têm deficiência? In: Sassaki, R. K. Vida independente:História, movimento, liderança, conceito, filosofia e fundamentos. São Paulo: RNE, 2003, p. 12-16.

Luiz Soares da Cruz (Lulinha)

Graduado em Ciências Sociais pela Fundação Santo André,mestre em Administração pelo IMES,

é Assessor de Cidadania no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC,Coordena o Grupo de Trabalho das

Pessoas com Deficiência daCâmara Regional do Grande ABC,

e Vice-Coordenador do MovimentoGrande ABC para Todos.

As pessoas com deficiência e o trabalho

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PARTE II ESPAÇ

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ESPAÇOS

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AMBIENTESacessíveis1

Adriana Romeiro de Almeida Prado

Ser autônomo e ter independência

A maioria dos ambientes construídos, ou não, apresenta barreiras visíveis e invisíveis. Consti-tuem-se barreiras visíveis todos os impedimentos concretos, entendidos como a falta de acessibi-lidade dos espaços. As invisíveis compõem a forma como as pessoas são vistas pela sociedade, na

Quando o contato entre o objeto, a arquitetura e os usuários apresenta um ponto de atrito,

então o projetista cometeu um erro. Pelo contrário, se as pessoas em contato com o meio em

que se desenvolvem, vivenciam uma maior segurança, confiança, conforto, ou simplesmente

se sentem mais felizes, então o projetista teria êxito em sua incumbência.

Arquiteto Henry Dreyfuss, 1955.

Aconquista da autonomia e da independência é uma das características da cida-dania. Parte desse processo tem relação direta com o bem-estar do indivíduono meio em que ele vive.

1 Publicado no documento sobre o Primeiro Seminário Nacional “A Pessoa Portadora de Deficiência no Mundo do Trabalho”,CORDE, nov 97.

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maior parte das vezes sendo representadas pelas suas deficiência e não pelas suas potencialidades.A eliminação de barreiras visíveis poderá vir a contribuir para a diminuição das barreiras invisíveis.

Assim sendo, arquitetos, projetistas e designers devem rever a forma de conceber os espa-ços, os objetos, de modo que eles possam oferecer mais conforto, segurança e eficácia.

A acessibilidade deve estar presente nas edificações, no meio urbano, nos transportes enas suas mútuas interações, conforme exigência constitucional.

O objetivo da acessibilidade é permitir um ganho de autonomia e de mobilidade auma gama maior de pessoas, até mesmo àquelas que tenham reduzida a sua mobilidadeou dificuldade em se comunicar, para que usufruam dos espaços com mais segurança,confiança, comodidade.

Agindo dessa forma, obtém-se ambientes que atendam às propostas do design universal,sem, entretanto, custar mais.

O projeto que for concebido adequado às condições de acessibilidade sofrerá um acrésci-mo de 1% do valor da obra e, por outro lado, se precisar ser adequado depois de construídoesse valor poderá alcançar 25%. (National Comission on Architectural Barriers to Rehabilitation of the

Handicapped, 1968).

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Desenho universal

O designer universal propõe que os espaços sejam projetados de forma a atender amplagama da população, considerando as variações de tamanho, sexo, peso, ou diferentes habilida-des ou limitações que as pessoas possam ter.

Esse conceito preconiza que uma cidade deve ser acessível a qualquer pessoa, desde o seunascimento até sua velhice, ou seja, as cidades devem ser acessíveis a todos.

Esses espaços devem permitir várias maneiras de serem usados ou explorados e devem estar

providos de elementos construídos únicos ajustáveis, ou múltiplos-complementares, de forma que o

conjunto esteja adequado a algum tipo de necessidade ou característica do usuário (Marcelo PintoGuimarães).

O caminho traçado por esses elementos construídos definirá por si só uma rota acessível,não importando qual seja o desenho desta, cada um a traçará da forma que lhe convier.

Outro princípio pretende fazer com que as pessoas despendam o mínimo possível deenergia, atingindo um conforto ao vivenciar os ambientes.

Esse conforto pode ser medido através da relação do indivíduo com o ambiente em que

Ambientes acessíveis

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ele vive. Quanto menor for o grau de dependência das pessoas para usufruir dos espaços, maiorserá o seu conforto.

A funcionalidade do espaço edificado permite a compensação das limitações, pois transforma elementos

materiais em natural prolongamento do corpo, como instrumentos ainda mais fortes e precisos do que os olhos,

pernas e mãos (Marcelo Pinto Guimarães).

Existem escalas diferentes dos ambientes, as quais abrangem desde os macro até osmicroambientes. A distinção entre eles se apresenta muito vaga.

Macro e microambiente

Muitos pesquisadores e designers consideram que o macroambiente está numa escala arqui-tetônica, envolvendo relações espaciais, forma da edificação, sua estética, as condições locais e ainteração desse com a comunidade, enquanto que o microambiente é caracterizado por umaescala pessoal individual. O espaço imediato que rodeia o indivíduo, em seu local de trabalho,em sua casa, é a chave do design centrado no usuário.

Criar um microambiente para o idoso não significa apenas diminuir o estresse, minimizar o

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efeito das perdas funcionais, ou compensar as incapacidades, mas criar, de uma forma que aumente a

efetividade do usuário, aumentando sua autoconfiança e, portanto, mantendo sua auto-estima. (ArthurSchwartz)

Macroambientes acessíveis

Um macroambiente acessível significa principalmente uma malha viária sem obstáculos,uma rede de transportes públicos que permita a qualquer pessoa, mesmo com limitações físicas,sensoriais, mentais ou funcionais, usá-la.

Tal acessibilidade dar-se-á por meio de uma organização clara e sistemática dos diferentesfluxos de circulação. Esse conjunto do macroambiente deve ser de fácil conservação, manuten-ção e limpeza, além de possuir um desenho que dificulte ações de vandalismo.

Para melhor integrar o homem ao entorno arquitetônico e ao transporte, é preciso garantira segurança nos trajetos. Assim, construir estruturas transparentes, evitando zonas escondidas, erealocar móveis nos espaços, promovem uma circulação mais fácil e segura para as pessoas.

Para reduzir o desgaste físico, é necessário encurtar os trajetos percorridos pelos indivíduos,definindo vagas para veículos, sinalizando-as adequadamente e definindo-as em locais próximos

Ambientes acessíveis

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dos edifícios, por exemplo. Uma sinalização clara e acessível a todos colabora para a interaçãodo homem no espaço que vivencia e deve ser complementada com um sistema de informação.

O equilíbrio estético-funcional necessita de soluções integradas e padronizadas, destacan-do-se uma especial atenção ao desenho e à localização do mobiliário urbano.

A fim de alcançar o objetivo de tornar a cidade acessível a todos, é indispensável empreen-der algumas ações como: facilitar o acesso aos transportes públicos, adaptar os veículos comequipamentos (plataformas elevatórias, por exemplo), de forma a anular os desníveis e vãos.

No tocante ao transporte individual, é preciso criar vagas especiais para as pessoas porta-doras de deficiência, zonas de embarque/desembarque livres de obstáculos e adequar a sinaliza-ção de orientação da cidade, voltada para o usuário.

Microambiente de trabalho

Microambiente constitui-se no espaço imediato que rodeia o indivíduo. Planejar esse ambientesignifica preocupar-se com as interações espaciais, que consistem, por um lado, em observar omobiliário, a iluminação e a ventilação e, por outro, analisar a capacidade funcional do usuário.

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O resultado da compatibilização desses aspectos forma o quadro de necessidades de cadaindivíduo. Considerando o conceito do design universal, obtêm-se desse resultado espaços fun-cionais, confortáveis, cômodos e acessíveis a todos.

É possível observar que essa preocupação já está presente nos escritórios do futuro.

O ambiente de trabalho moderno deve ter todos os instrumentos necessários ao dia-a-dia, dispostos de maneira equilibrada para que o usuário não perca tempo e paciência, deslocan-do-se excessivamente (Revista Exame, jun./jul. 97).

Além disso, já foram desenvolvidas por fabricantes europeus cadeiras com design que per-mite regulagem variável para o assento e também para o apoio das costas. Os móveis possuemrecursos mecânicos ou elétricos que permitem adequá-los às exigências do trabalho tanto emtermos de altura quando de inclinação. Podendo, o móvel, ficar reto ou inclinado na alturadesejada para que a pessoa trabalhe em pé ou sentada (Revista Exame, jun./jul. 97).

A escolha das cores dos móveis, e até mesmo dos computadores, aparece como umatendência forte, o que permite concluir que a preocupação em adequar os espaços de trabalhoao seu usuário é crescente.

Com essas modificações incorporadas, menos mudanças serão requeridas para garantir a

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acessibilidade das pessoas com necessidades especiais. Na verdade, essas modificações dividem-se entre adequação das edificações e de objetos, ou dos produtos acessíveis.

Cada deficiência exige adequações variadas para suas diferentes necessidades. Alguns exem-plos da variada gama de modificações, que devem ser feitas nos ambientes para torná-los acessíveis

a mais pessoas, são indicados a seguir.

Para os deficientes visuais, muitas vezes, basta substituir as lâmpadas por outras maispotentes ou simplesmente acrescentar mais uma, ou então colocar uma cortina para dosar aclaridade, diminuindo o ofuscamento.

Para um trajeto seguro dessas pessoas, garantir as condições de conservação dos pisos,evitar a deposição de objetos como caixas, fios e vasos de plantas pelo chão, e, quando houvermudanças de nível, marcar o piso com uma faixa branca ou amarela.

Nas escadas e rampas, a instalação de corrimão é imprescindível para servir de apoio eguiar pessoas com dificuldades de visão.

Quanto aos deficientes auditivos, ao indicar rotas de fuga, dotá-las de dispositivos lumi-nosos. Reduzir os ruídos é fundamental para evitar que provoquem confusão em quem tem acapacidade de audição reduzida. O uso de carpetes e cortinas pode atenuar os ruídos.

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O uso de símbolos ou cores, na comunicação visual, pode facilitar bastante o trabalho dapessoa com deficiência mental.

E aos deficientes físicos é necessário garantir o acesso em nível, desde a entrada do prédioaté a mesa de trabalho. Para superar os desníveis, o espaço deve dispor de rampas, elevadores ouequipamentos como plataformas elevatórias. Lembrar da adequação dos sanitários, cujas medi-das devem possibilitar o uso com conforto e segurança de um indivíduo em cadeira de rodas.

Produtos acessíveis

Uma série de modificações que podem ser feitas a baixo custo, nos produtos, deve aumentarsignificativamente a acessibilidade e a utilidade para indivíduos com dificuldades funcionais.

Incorporando essas modificações de design, desde o desenho inicial do produto-padrão, paraque possa ser mais acessível ao consumidor, e tornando-se um produto com acessibilidade direta.

A inclusão dessas características de design pode servir de benefício substancial à sociedadecomo um todo, na medida em que elas capacitam os indivíduos com deficiência a levarem vidasmais independentes e produtivas.

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Os produtos para pessoas com deficiência, por outro lado, podem beneficiar outros usu-ários sem deficiência ou impedimentos, reduzindo a fadiga, aumentando a velocidade e diminu-indo o número de erros, além de proporcionar tempo de aprendizado acelerado (o uso de mouse,como exemplo). Hoje, já existe software que atende ao comando de voz e até fala com o usuário,por meio de sintetizador de voz.

Às vezes, não é possível introduzir a acessibilidade direta no produto-padrão, por não serprático, por tornar o produto desajeitado, por encarecê-lo demais ou até porque algumas alter-nativas são incompatíveis.

Nesses casos, pode ser mais interessante fazer com que essas alternativas estejam disponí-veis como opções-padrão, ou acessórios com um custo extra, e que passam a ser item de pedidoespecial para a fábrica. É importante que sejam listadas e descritas em um manual.

Por exemplo, os botões do aparelho de um ar condicionado, na forma em que se apresen-tam, são difíceis de serem discerníveis pelo tato. Portanto, o manuseio desse aparelho pode serum problema para uma pessoa com dificuldade visual. O ideal seria que o painel de controlescontivesse a opção de ser com botões com relevo, ou algum tipo de identificação tátil, disponí-vel mediante solicitação.

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A importância de adequar os espaços a todas as pessoas vem sendo gradativamente absor-vida pelos responsáveis por criar os espaços, objetos ou produtos.

Esse conjunto de ações faz parte de um processo, que é visto como um caminho semvolta. Espera-se que este texto possa contribuir para agilizar esta trajetória.

No meu ponto de vista, a acessibilidade é o primeiropasso para o desenvolvimento de qualquer projeto, ação oudiretriz referente ao portador de deficiência. Nas minhasviagens aos diversos municípios paraibanos, observamos asdificuldades enfrentadas pelo desconhecimento e não cum-primento das leis e normas técnicas no que trata de acessi-bilidade. Prefeitos,vereadores e gestores públicos em geralestão começando a conhecer toda a problemática, quandose deparam com a quantidade de locais públicos que de-vem ser adaptados, e os deficientes relatam suas experiên-cias negativas e irônicas sobre tais dificuldades enfrentadas.

Em 2004, visitamos 22 municípios realizando pales-tras de conscientização para os os portadores de deficiên-cia trabalhando os seus direitos. No segundo passo esti-mulamos a criação de Associação ou de Conselho Munici-pal dando todo acompanhamento jurídico necessário.

Hellosman de Oliveira Silva

Governo da Paraíba

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Referências bibliográficas

ACCESSIBLE. Design of consumer products: Guidelines for the design of consumer products to increase theiraccessibility to people with disabilities or who are aging. Preliminary/Working Draft. Compilado por Gregg C.Vanderheiden e Katherine R. Vanderheiden. Madison: University of Wisconsin, Trace R&D. Center of WaismanCenter and Dept. of Industrial Engineering, 1991 83p.

KONCELIK, Joseph. A Product and Funiture Design for the Cheonicolly Impaired Elderly In: Housingenvironments for frail older persons - Product and Furniture Design for the Impaired ?. 19??, p.373 - 398.

JUNCÁ UBIERNA, José Antonio. La accesibilidad del entorno urbano um reto paro uma mejor movilidad detodos. Salvador, 1994. Trab. Apres. No II Encontro Ibero-Americano de Ingenieria Civil y Construccion,FIADICC, “Ingenieria Civil y desarollo Urbano”. 25-27 abr. 1994, Salvador - Bahia - Brasil.

GUIMARÃES, Marcelo Pinto. A graduação da Acessibilidade versus a Norma NBR 9050 - 1994. Uma análise deconteúdo. Belo Horizonte: Centro de Vida Independente Belo Horizonte, CVI. BH, 1995.

Adriana Romeiro de Almeida Prado

Arquiteta, urbanista, mestre em gerontologia e especialista em acessibilidade, coordenadora de projetos

de acessibilidade na Fundação Prefeito Faria Lima - Cepam,coordenadora da Comissão de Edificações e

Meio do Comitê Brasileiro de Acessibilidade da ABNT, Consultora da Corde Nacional e do

Ministério das Cidades - [email protected]

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Todos os desafios para alcançar uma cidade mais inclusiva e acessível para as pessoas comdeficiência constituem uma oportunidade para se repensar as bases do modelo atual de organi-zação das cidades, que resulta numa realidade de exclusão e de grandes dificuldades para umcontingente incalculável de pessoas que não se encaixa no padrão de normalidade, feito a ima-gem e semelhança do Deus Apolo.

O planejamento e a gestão da cidade, para se tornarem inclusivos, devem considerar adiversidade física, etária, sensorial, étnica, de gênero, da condição econômica e social inerente aoconjunto dos seus habitantes.

É um fato preocupante que aqueles que tomam decisões que afetam um grande númerode pessoas continuem a ignorar o perfil de envelhecimento da nossa população e todas as

UM MUNDO ACESSÍVEL É POSSÍVELuma sociedade que é boa para as pessoas com deficiência é uma sociedademelhor para todos

Regina Atalla

Este tem sido o principal argumento de diversos ativistas do movimento depessoas com deficiência, no Brasil e no mundo. Uma cidade mais inclusiva,com mais acessibilidade para as pessoas com deficiência, torna-se uma cidade

mais acessível para os idosos, para as crianças, para as gestantes, para aqueles que enxergampouco, para quem tem dificuldade de audição, para homens e mulheres muito baixos ou muitoaltos, para as pessoas obesas, e, melhor, mais confortável e segura também, para todos os outrosseres, sem esquecer dos atletas.

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demandas decorrentes deste processo. É igualmente difícil aceitar o desconhecimento dessestomadores de decisão sobre a grave situação de exclusão que atinge as pessoas com deficiênciaem nosso País, ricamente espelhada no Censo de 2000.

Revela o nosso último censo populacional que a maioria das pessoas com deficiênciaestão entre os mais pobres dos pobres, sem acesso à escola, à saúde, ao transporte, ao trabalho,ao lazer e à cultura. E, quanto menor a cidade, maior a incidência de deficiências e condiçõesmais precárias de vida para crianças, adultos e idosos com alguma deficiência.

Como mudar a situação de invisibilidade das pessoas com deficiência, que contribui paraa perpetuação de condições tão discriminatórias e excludentes?

Para mudar este quadro de invisibilidade, é necessário compreender o contexto dessasituação, que encobre as preocupantes condições de vida de grande parte dos 25 milhões debrasileiros com deficiência ou com mobilidade reduzida, número equivalente a duas vezes emeia a população de Portugal.

A maioria das pessoas com deficiência está entre os mais pobres, e como não têm acessoaos direitos básicos e fundamentais, vivem confinados em suas casas, sem participar da vida dascidades, invisíveis aos olhos do cidadão comum e de seus dirigentes. E, como são pobres, sem

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acesso à informação, aos recursos e serviços básicos, sofrem também da falta de poder paramudar sua situação de enorme exclusão e injustiça social.

Dados do Censo 2000 demonstram que 11 milhões de pessoas com deficiência, com maisde 15 anos de idade, têm somente de 0 a 3 anos de estudo. E, sem estudo, milhares de pessoascom deficiência sofrem silenciosamente com a marginalização social, econômica e política.

Como complicador adicional a esse quadro de invisibilidade, enfrentamos também a no-vidade sobre os conhecimentos de acessibilidade, que trazem na sua base a mudança de concei-tos profundamente cristalizados no modelo técnico-científico tradicional, responsável pela cri-ação inesgotável de barreiras de toda a natureza. Exemplos explicam melhor o conceito deacessibilidade. A grande maioria das pessoas que habitam as cidades utilizam ônibus para a sualocomoção e todos têm dificuldades para subir e descer, por causa da altura abissal entre o nívelda rua e do ônibus, e também pela elevada altura dos degraus de acesso. No entanto, é possívelfabricar ônibus sem essas barreiras, com piso baixo, com acesso mais ergonômico, mais seguroe confortável para todos. Isso é Desenho Universal. Do mesmo modo, a comunicação sonora evisual bem realizadas, num terminal rodoviário, ajudam não só as pessoas que não enxergam ouque não ouvem, como são fundamentais a todas as pessoas que não sabem ler, ou por quem usao terminal pela primeira vez, para pessoas com mobilidade reduzida e também para todos os

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demais passageiros que precisam de orientação segura para embarque e desembarque.Conceitualmente, acessibilidade é a condição para a utilização com segurança e autonomia dosespaços, mobiliários e equipamentos urbanos das edificações, dos serviços de transporte, dossistemas e meios de comunicação e informação pelas pessoas com deficiência ou com mobilida-de reduzida. Para entender melhor o que é o Desenho Universal, é preciso conhecer:

Os Sete Princípios do Desenho Universal

1. Ser eqüitativo. Poder ser usado por todos. Conceber de forma mais abrangente paragarantir melhor qualidade de vida. Não segregar qualquer usuário.

2. Ter flexibilidade no uso. Acomodar vasta gama de diferenças individuais. Oferecermelhor condição de uso. Ex: destro e canhoto.

3. Ter uso simples e intuitivo. Eliminar qualquer complexidade desnecessária;

4. Ter informação perceptível. Comunicar as informações do produto e do ambiente(som, tato, visualização) de forma a maximizar o uso.

5. Ter tolerância ao erro.

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6. Minimizar o esforço físico.

7. Utilizar de forma adequada as dimensões e os espaços

Somadas, a adoção da acessibilidade e a aplicação do Desenho universal, representamuma estratégia geradora de ambientes, serviços, programas e tecnologias acessíveis, disponíveiseqüitativamente, de forma segura e autônoma por todas as pessoas, na maior extensão possível.São esses novos conceitos que abrirão caminho para uma realidade mais diversa, mais inclusiva.São esses novos conceitos que viabilizarão a inclusão das pessoas com deficiência em todas asáreas de realização da capacidade humana.

Repercute na minha lembrança as palavras de um radialista baiano: “A questão da deficiên-cia é bíblica, muito antiga, mas as reflexões sobre as conseqüências humanas e sociais de sepossuir uma deficiência ou uma limitação são novas e todo conhecimento novo para ser prati-cado, precisa ser ensinado”. Ao ouvir essa reflexão, tive certeza de que é necessário um trabalhointenso e persistente de divulgação dos conhecimentos de acessibilidade, por todos os meios eformas, dirigidos aos mais diversos setores, para ampliar o domínio dos conceitos de acessibili-dade, pré-requisitos para a tão sonhada sociedade para todos. Está incluído nesse campo odesafio de traduzir, entre o senso comum, os conceitos de acessibilidade extensivos à educação,

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à saúde, ao trabalho, aos ambientes, à comunicação, ao transporte, ao lazer e à cultura, de formaa ampliar e possibilitar as intervenções e mudanças necessárias.

Apesar de todas as dificuldades que compõem a realidade das pessoas com deficiência emnosso país, possuímos, internacionalmente, uma das legislações mais avançadas de proteção dedireitos e equiparação de oportunidades, que precisa ser defendida com mais capacidade e maisintensidade, para sair do papel, na sua integralidade, e se tornar um direito de fato, no dia-a-diade todas as pessoas com deficiência.

Diante da complexidade e das preocupantes condições de vida que compõem a realidadedesse imenso contingente de pessoas, a existência e a determinação das entidades civis de defesade direitos, com a atuação firme e cada vez mais qualificada das suas lideranças, são cruciais paraviabilizar o diálogo com todos os atores envolvidos e alcançar as transformações para uma vidamais justa e digna para milhões de brasileiros com deficiência.

Compete aos deputados estaduais e vereadores municipais trabalhar na proposição dedispositivos legais, para assegurar a aplicabilidade dos direitos das pessoas com deficiência.

É preciso investir no processo de formação e de qualificação constante das lideranças domovimento de pessoas com deficiência, para o aperfeiçoamento das suas possibilidades de atuação.

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Os administradores públicos devem implementar políticas inclusivas e promover açõesintersetoriais dirigidas às pessoas com deficiência, de modo a cumprir o seu papel de promovero desenvolvimento eqüitativo e proteger socialmente quem mais precisa. E devem compreen-der que a responsabilidade publica em relação a esse segmento é uma obrigação de todas assecretarias e gestores e não apenas um caso restrito à Assistência Social.

As lideranças precisam conhecer a legislação internacional, federal, estadual e municipalreferente às pessoas com deficiência, incluindo as leis, os decretos, as normas, além dos meca-nismos de defesa e cumprimento, no caso de violação dos direitos.

A Empresa Inclusiva promove medidas de acessibilidade nas seguintes áreas:

Arquitetônica - sem barreiras ambientais físicas

Atitudinal - sem preconceitos, estigmas, estereótipos e discriminações

Comunicacional - sem barreiras na comunicação interpessoal

Metodológica - sem barreiras nos métodos e técnicas de trabalho

Instrumental - sem barreiras nos instrumentos e ferramentas de trabalho

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Programática - sem barreiras invisíveis embutidas em políticas, normas e regulamentos daempresa

As lideranças devem conhecer os papéis e responsabilidades dos poderes legislativo, exe-cutivo e judiciário. Devem participar e acompanhar a atuação dos conselhos de defesa de direi-tos e controle social, nas três esferas administrativas, bem como tentar conhecer a lógica dosorçamentos públicos, dos planos e programas nos níveis federal, estadual e municipal.

Os educadores devem se convencer que a educação inclusiva, de qualidade, é a melhorestratégia educativa para assegurar às pessoas com deficiência as mesmas oportunidades ofere-cidas a todas as pessoas.

A apropriação das estatísticas, dos indicadores sociais e análises sobre as condições devida da maioria das pessoas com deficiência no Brasil, nas regiões e cidades brasileiras é umaferramenta fundamental para atuação das lideranças.

Os recursos empregados em acessibilidade não devem ser considerados como gas-tos e sim como investimentos, capazes de incluir no processo de desenvolvimento sociale econômico do País um grande número de pessoas com deficiência à margem da produ-ção de riquezas.

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As entidades de pessoas com deficiência devem aproximar-se do Ministério Público eestabelecer interlocução constante, com este parceiro fundamental, na tarefa de assegurar ocumprimento das responsabilidades dos entes públicos e privados, referentes aos direitos daspessoas com deficiência.

Arquitetos, engenheiros e urbanistas são peças chaves no processo de construção de ambi-entes acessíveis e livres de barreiras, e precisam estar conscientes desta grande responsabilidade.

Cabe às lideranças a ação estratégica de sensibilização dos gestores públicos para o compro-misso de adotar políticas públicas inclusivas, de forma transversal, com os requisitos de acessibili-dade nas áreas de educação, saúde, trabalho, comunicação, transporte, mobilidade, cultura e lazer.

As famílias devem se informar sobre as possibilidades de assistência, reabilitação e desen-volvimento das pessoas com deficiência, dando-lhes o apoio familiar para que sejam incluídasna escola e na comunidade. A aceitação da diferença é o primeiro passo para a convivênciafamiliar e comunitária mais solidária.

O trabalho e a atuação em rede permite ampliar o alcance de parceiros e potencializar asações desenvolvidas, além de favorecer as intervenções de caráter transversal, necessárias aoatendimento de necessidades diversas das pessoas com deficiência.

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As lideranças devem estabelecer contato assíduo e qualificado com a mídia, para a incor-poração em sua pauta das urgentes e inadiáveis demandas de milhões de pessoas com deficiên-cia, que sofrem com a discriminação e com a violação de seus direitos fundamentais.

Acompanhar a evolução das pesquisas, da oferta de tecnologias e das ajudas técnicas quepotencializam a capacidade e a realização das pessoas com deficiência é uma necessidade cons-tante para a busca da autonomia e da realização pessoal.

Regina Atalla

Jornalista, militante do movimento de vidaindependente, desde 1989. Atualmente é diretora do

Centro de Vida Independente da Bahia-CVI-BA ediretora do CVI-Brasil.

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acessibilidade digital é a possibilidade de um usuário ou grupo de usuáriosacessar informações e serviços em um produto de tecnologia. A acessibilida-de oferecida pelo meio urbano e social reflete a qualidade de vida da sociedade.

Alguns fatores agravam as condições de inacessibilidade, como impedimentos de ordem econô-mica, a baixa escolaridade, dificuldade de acesso à educação e outros fatores.

Especificamente, pessoas com deficiência, ou mais amplamente, pessoas com diferentescapacidades, encontram inúmeras barreiras na interação com tecnologias.

Essa condição de separação entre a pessoa com deficiência, tecnologias e telecomunica-ções dificilmente se extinguirá sem ações positivas e propositivas para a sua eliminação. A bar-reira da interação configura-se uma das mais significativas, pois expõe o estado da arte do co-nhecimento sobre a causa e a necessidade de ações de divulgação e discussão de como superá-las. Na web, freqüentemente detectamos a impossibilidade de interação em websites, aplicaçõeson-line, animações no formato multimídia e formulários.

Outros ambientes de interação que oferecem dificuldades à acessibilidade digital, além doambiente Internet, são:

g Terminais de acesso público — Terminais de auto-atendimento (como caixas eletrôni-

ACESSIBILIDADE DIGITAL

Aracy Bernardes Gonçalves

A

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cos), quiosques informativos, máquinas de venda de tickets (como as de venda automáticade bilhetes de metrô e ônibus, ou refrigerantes e salgados), displays de informação eacesso às leitoras de cartão, Centrais de Atendimento ao cidadão, laboratórios de informáticanas escolas e outros;

g Nas telecomunicações — linhas fixas de telefone, telefones móveis;

g Softwares de Aplicação — em ambientes Windows, Macintosh, Unix, Linux, Java;

Um produto ou serviço é acessível quando ele pode ser usado por todos seus usuáriospretendidos, tomando em consideração suas diferentes possibilidades. A habilidade de um usuáriofazer entradas de dados em um sistema e ou perceber os resultados pretendidos, pode estarprejudicada temporariamente ou permanentemente. As condições de interação das pessoas podemser as mais variadas, compreendendo desde condições ambientais, condições físicas, mentais,sensoriais, mesmo em pessoas que não têm deficiência.

Os serviços fornecidos pela tecnologia de informação serão acessíveis quando todos osusuários perceberem e entenderem os controles, instruções e os resultados de suas interaçõescom as tecnologias. Também, quando forem capazes de alcançar e manipular controles, dispo-sitivos e informações de entrada e saída.

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Os controles, instruções, as informações de entradas e saídas que devem estar acessíveisincluem os elementos de formulários, as mensagens de erro e alertas sonoros, telas de informa-ção, luzes indicadoras, menus e prompts entre outros.

O W3C (Consórcio para a WEB) e WAI (Iniciativa para a Acessibilidade na Rede) apon-tam situações e características diversas a que o usuário pode estar sujeito e que podem impactarsua interação no meio digital:

1. Incapacidade de ver, ouvir ou deslocar-se, ou grande dificuldade — quando não aimpossibilidade — de interpretar certos tipos de informação;

2. Dificuldade visual para ler ou compreender textos;

3. Incapacidade para usar o teclado ou o mouse, ou não dispor deles;

4. Insuficiência de quadros, apresentando apenas texto ou dimensões reduzidas, ou umaligação muito lenta à Internet;

5. Dificuldade para falar ou compreender, fluentemente, a língua em que o documentofoi escrito;

6. Ocupação dos olhos, ouvidos ou mãos, por exemplo, ao volante a caminho do empre-go ou no trabalho em ambiente barulhento.

Acessibilidade digital

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7. Desatualização, pelo uso de navegador com versão muito antiga ou navegador comple-tamente diferente dos habituais, ou por voz ou sistema operacional menos difundido.

Considerando as condições acima, como os desenvolvedores podem encontrar saídaspara melhorar a acessibilidade digital para as pessoas com deficiências em produtos e serviçospúblicos, mas também para todas as pessoas?

Pesquisar, descrever e adotar os alvos de acessibilidade de alto nível eas dificuldades encontradas pelos usuários.

Não são poucos os exemplos de processos criativos que encontraram soluções brilhantese que se originaram da observação exaustiva sobre problemas e dificuldades do mundo real. Porque recorrermos a apenas um único modo de apresentar e acessar informações de um produtopara aos usuários? Podemos inovar ou criar soluções equivalentes, alternativas para atender aomais amplo público?

De forma geral, o processo para o desenvolvimento de tecnologia acessível compreende:

1. Especificar os alvos de acessibilidade mensuráveis;

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2. Especificar como o serviço será testado para estar em conformidade com os padrões;

3. Planejar e prever a expansão e as manutenções;

4. Seguir um processo de desenvolvimento centrado no usuário, e inclusivo;

5. Testar com usuários reais.

Métodos de testes de usabilidade combinados são excelentes para mostrar as dificuldadesde acessibilidade dos produtos de tecnologia.

Priorização de diretrizes para cada tecnologia, divulgação e aplicaçãono início dos projetos.

A acessibilidade digital será melhor implementada se houver previsão no projeto inicial,de forma que possibilite a execução de implementações e modificações sem custos excessivos.Quando o desenvolvedor respeita padrões de mercado, documenta, considera as preferências elimites de seus usuários e principalmente considera a questão da Diversidade do público-alvo,ele tem grandes chances de facilitar o acesso a seus produtos para mais pessoas. As universida-des e entidades de educação devem preocupar-se com a formação de seus engenheiros, arquite-

Acessibilidade digital

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88 Inclusões

tos, designers e programadores quanto à acessibilidade, mas também o próprio profissionaldeve perceber suas carências de conhecimento e buscar reciclar seus valores e conceitos pro-dutivos. Um designer, a priori, quer vender um produto consistente e atender requisitos decomunicação. Um programador quer construir sistemas e interfaces, com todas as suas fun-cionalidades, atributos e métodos delineados nas regras de negócios de forma eficiente eeficaz. Quanto mais valor agregar em seu produto, tanto mais os resultados objetivos preten-didos serão verificados.

Acessibilidade é valor percebido.

A população tem gradativamente mudado seus critérios de qualidade e sua percepçãosobre a acessibilidade e os seus efeitos no seu dia a dia, e isso se reflete na tecnologia.

Quando um serviço tem como alvo o cidadão, a importância da acessibilidade cresce. Anecessidade de acessibilidade, de trabalhar para eliminar barreiras, já tocou as esferas governa-mentais. É competência do poder público, em todas as esferas, promover e fiscalizar a implan-tação dessa prestação de serviços e a criação de produtos de tecnologia considerando a questãode que tal produto deve incluir a população com deficiência.

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89

O conceito de acessibilidade para o governo federal é assim colocado: “condição para autilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamen-tos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios decomunicação e informação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida;”(Decreto Nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004 — Presidência da República). Ele é resultado,principalmente, das iniciativas e anseios das pessoas com deficiências e de grupos e entidades,que promovem ampla discussão e ações para o acesso de todas as pessoas.

Portanto, o trabalho apenas começou. Empenhe-se pela inclusão digital e por acessibilida-de em geral! É direito de todos!

Aracy Bernardes Gonçalves

Designer multimídia e consultora em usabilidade e acessibilidade digital.

Mestre em Artes Visuais e Tecnologia da Imagem,

trabalhou no SBT online, Telemig, UFMG,

Faculdade de Saúde Pública da USP (ATTID 2005).

Acessibilidade digital

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90 Inclusões

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91

Brasil está passando por profundas mudanças relacionadas às políticas públicas

voltadas para as pessoas com deficiência. Se forem considerados os últimos dez

anos, há uma evolução de conceitos, definições, avanço da organização social e a

necessidade do respeito aos seus direitos fundamentais ganhou visibilidade, como resultado dessa

organização. Há também a aprovação das Leis Federais 10.048/00 e 10.098/00 e suas regulamen-

tações no dia 02 de dezembro de 2004, que possibilitam um extraordinário avanço nos próximos

dez anos.

Sabe-se que o atendimento por transporte coletivo às pessoas com deficiências tem sido um

desafio para a maioria das cidades brasileiras. Porém, esse problema está inserido em um outro

maior, que é a mobilidade das pessoas por toda a cidade, uma vez que o sistema de transporte é

utilizado para os indivíduos realizarem suas atividades diárias de estudo, trabalho ou lazer, não se

constituindo em um fim em si.

Historicamente, a acessibilidade aos sistemas de transportes foi entendida como sua adapta-

ção e teve como imagem o acesso do usuário de cadeiras de rodas, através de elevadores, aos

diversos tipos de veículos utilizados no Brasil. Essa visão impediu uma abordagem mais adequada

do problema, desconsiderando-se, nessa solução, todos os tipos de deficiência existentes. Trata-se

de discutir a mobilidade das pessoas com deficiência pela cidade, através dos vários modos possí-

veis de transporte e as adequações nos espaços públicos para garantir sua circulação.

A ACESSIBILIDADE PARA AS PESSOAScom deficiência e restrição de mobilidade

Ministério das Cidades

O

Acessibilidade digital

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92 Inclusões

A atuação do Ministério das Cidades

O Ministério das Cidades tem como desafio ampliar a visão predominante dos problemas de circu-

lação, de modo a incorporar dimensões econômicas e sociais normalmente não consideradas. Nes-

se sentido, a Secretaria de Transporte e da Mobilidade Urbana — SeMob — tem desenvolvido o

conceito de Mobilidade Urbana Sustentável, como o resultado de um conjunto de políticas de

transporte e circulação que visam proporcionar o acesso amplo e democrático ao espaço urbano,

através da priorização dos modos de transporte coletivo e não motorizados de maneira efetiva,

socialmente inclusiva e ecologicamente sustentável. Essa nova abordagem tem como centro das

atenções o deslocamento das pessoas e não dos veículos, considerando aquelas que possuem restri-

ção de mobilidade.

Um dos desafios colocados para todos os municípios brasileiros é a inclusão de parcelas considerá-

veis da população na vida nas cidades.

A acessibilidade deve ser vista como parte de uma política de mobilidade urbana que promova a

inclusão social, a equiparação de oportunidades e o exercício da cidadania das pessoas com defici-

ência e idosos, com o respeito de seus direitos fundamentais. Pela sua abrangência, esse projeto de

resgate da cidadania não pode ser feito com o trabalho de setores isolados.

O Programa Brasileiro de Acessibilidade Urbana — Brasil Acessível —, desenvolvido pela SeMob,

surge com o objetivo de estimular e apoiar os governos municipais e estaduais a desenvolver

ações que garantam a acessibilidade para pessoas com restrição de mobilidade e deficiência aos

sistemas de transportes, equipamentos urbanos e à circulação em áreas públicas. Seu desenvolvi-

mento e implementação estão relacionados ao “como fazer”, buscando disponibilizar instru-

mentos para que os municípios elaborem e implementem uma política local completa, possibili-

tando às pessoas com deficiência e restrição de mobilidade o acesso aos serviços públicos, à

circulação, enfim, à vida na cidade.

Trata-se de incluir, no processo de construção das cidades, uma nova visão que considere o acesso

universal ao espaço público e as necessidades de todas as pessoas, para se realizarem enquanto

cidadãos em uma cidade mais humana.

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ALERTA AOS CIDADÃOS:transporte público universal é a única forma de acabar com o círculo viciosoda exclusão social

Leandra Migotto Certeza

em dúvida nenhuma é urgente que todos os atores sociais (governos,iniciativa privada, terceiro setor e sociedade) tomem medidas eficazes eeficientes, de forma qualitativa e efetiva, para proporcionar a verdadeira

inclusão das pessoas com deficiência: garantia de transportes públicos que obedeçam asleis 7.853/89, 10.048/00, 10.098/00 e a Constituição da República. É preciso acabar como loby das empresas de transporte (ônibus, metrô, trens, aviões, táxis, lotações, navios,barcos, etc) e obedecer às leis que exigem que a produção de veículos deve sair de fábricajá adaptada (com elevadores, plataformas elevatórias, rampas, piso rebaixado, portas lar-gas, cintos de segurança para fixarem cadeiras de rodas, sinalização sonora e visual, entreoutras medidas já estipuladas nas normas da ABNT: NBR 9050).

Essa acessibilidade deve vir acompanhada das mesmas medidas nas vias (calça-das, ruas, avenidas etc) e edifícios públicos (fóruns, prefeituras, assembléias, OAB,ministérios etc). Só dessa forma o círculo vicioso da exclusão será finalmente quebra-do, pois as pessoas com deficiência simplesmente não conseguem sequer reivindicarseus direitos por não encontrarem acesso a eles com autonomia, independência esegurança. Sem meios de transporte adaptados e espaços acessíveis, nenhuma outralei poderá ser cumprida ou novas criadas, pois as pessoas não conseguem ter acesso

S

Acessibilidade digital

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94 Inclusões

aos locais de trabalho, escolas, clubes esportivos, centros culturais, associações, ONGs,partidos políticos, sindicatos etc.

O mais importante a ser levado em consideração, no momento em que esses meios detransporte realmente se tornem acessíveis, é o princípio de autonomia e independência exis-tente no conceito de inclusão. Os veículos devem atender todos os cidadãos: idosos, obesos,crianças, grávidas, jovens, mulheres, homens, deficientes físicos, auditivos, visuais,intelectuais, múltiplos, surdocegos etc, de todas as raças, idades, credos, nacionalidades, cul-turas, gêneros, opções sexuais, partidos políticos, etc.

Segregar as pessoas com deficiência do convívio em sociedade é matá-las aos poucosdolorosamente!! Afirmo isso porque hoje os movimentos das pessoas com deficiência abo-minam os sistemas excludentes de transporte, terrivelmente tachados de ‘especial’, porqueeles obrigam (tirando a possibilidade de escolha) essas pessoas a freqüentarem somentehospitais, centros de reabilitação e escolas, na companhia apenas de outras pessoas comdeficiência. Esses sistemas de atendimento porta a porta devem ser disponíveis gratuita-mente, somente para pessoas com um comprometimento muito alto que não conseguemusufruir dos meios públicos de transporte. Também, deve ser feito um recadastramento dosbeneficiários desse sistema ‘especial’, para disponibilizá-lo somente para pessoas com baixopoder aquisitivo.

Leandra Migotto Certeza

Possui deficiência física, é jornalista,produtora editorial e consultora em inclusão.

Participa da Rede de Ativistas deDireitos Humanos do Hemisfério Sul,

é diretora de divulgação da www.aboi.org.br, repórtervoluntária da www.saci.org.br, criadora do Projeto

Caleidoscópio Comunicações ([email protected]),e uma das quatro brasileiras premiadas no concurso

de periodismo Sociedad Para Todos na Colômbia.

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Hoje se tem uma preocupação muito grande com a arquite-tura, para que ela sempre privilegie pessoas com necessida-des especiais e mobilidade reduzida. Prédios públicos e pri-vados já construídos e que esqueceram essa minoria da soci-edade, agora estão sendo adaptados e colocados à disposiçãopara que exerçamos o nosso direito de ir e vir.

Temos condições de adentrarmos a maioria das edificaçõescom nossas próprias forças, com dignidade e sem constran-gimentos. Teatros, parques, cinemas, lojas, estádios de fute-bol e demais edificações, que fazem parte da rotina diária edo entretenimento de toda a sociedade, têm uma preocupa-ção muito grande com acessibilidade, e tenho certeza quetodos os administradores desses estabelecimentos gostariamque mais pessoas especiais participassem e freqüentassem suasinstalações e atividades. Estão nos esperando de braços aber-tos e com acessibilidade garantida!

Mas hoje, nós, portadores de necessidades especiais e pesso-as com mobilidade reduzida, quando esperamos os ônibusadaptados, pagamos todos os nossos pecados e exercitamosnossa “paciência de Jó” com o tempo muito longo entre ume outro. Em minha última saída de transporte coletivo parauma entrevista de emprego, esperei mais de 90 minutos e,quando ele veio, ainda tive que ensinar o cobrador a mano-brar a plataforma elevatória.

Devemos exigir do poder público algum instrumento jurídi-co que obrigue as empresas a instalar um número maior deônibus adaptados em suas linhas. Coletivos sem adaptação,apesar de servirem para a maioria, atendem a uma única parcela

Acessibilidade digital

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96 Inclusões

de pessoas, enquanto os adaptados atendem à maioria, e àminoria que depende exclusivamente deste tipo de transpor-te. Não adianta realizar tantas obras para tornar edificaçõesacessíveis, se não tivermos acesso aos meios de transporteadaptados, que nos levariam a esses lugares onde poderíamosusufruir de todas as suas instalações e atividades. Nós, porta-dores de necessidades especiais e mobilidade reduzida, temosassegurado nosso direito ao transporte público coletivo nanossa Constituição Federal, art. 244. No mesmo sentido, asleis federais 10.048 e 10.098 reafirmam esse direito. A Cons-tituição do Estado de São Paulo e as leis ordinárias estaduaistambém apontam na mesma direção.

No âmbito do município de São Paulo, temos a lei municipal11.602/96, regulamentada pelo Decreto Municipal 36.071/96.Portanto, podemos afirmar que o direito ao transporte coleti-vo adequado às necessidades da pessoa portadora de deficiên-cia é indiscutível, sob o ponto de vista da legislação.

Transformar esse direito, tão amplamente assegurado dentrodo nosso ordenamento jurídico, em realidade se traduz emverdadeiro desafio entre o interesse econômico e o interessesocial que, apesar das desvantagens aparentes, necessitam serencarados com coragem por todos os setores da sociedade,principalmente aqueles que detêm a responsabilidade pela ad-ministração pública do setor de transportes.

Edison Ferreira

Técnico em Eletrônica, Segurança, eMedicina do Trabalho. Ele é portador de

uma Distrofia Neuromuscular Degenerativa.

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ATUAÇÕES NOESPAÇO

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98 Inclusões

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99

Panorama

lazer tem sua consolidação a partir da Revolução Industrial, com avançostecnológicos que permitiram maior produtividade em menor tempo de traba-lho. Nesse sentido, o lazer surgiu como resposta às reivindicações sociais pela

melhor distribuição do tempo livre do trabalho, que até então era apenas encarado como tempode descanso.

No Brasil, segundo a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel, os índios já pratica-vam o lazer através de lutas, danças, brincadeiras e outras manifestações culturais.

Falar da garantia dos direitos de cidadania e do acesso ao lazer às pessoas com deficiênciaé falar de uma história recente, tanto no que diz respeito às práticas e costumes da sociedade,quanto às questões relativas à legislação.

Somente na idade moderna, com o surgimento de vários inventos, tais como a cadeira de rodas,bengalas, bastões, muletas, coletes, próteses, macas, veículos adaptados, camas, móveis, etc., cujo objeti-vo era propiciar meios de trabalho e locomoção às pessoas com deficiência, é que as questões relaciona-das à deficiência ganharam notabilidade no âmbito das políticas públicas. No entanto, ainda com umavisão reducionista e mecanicista da deficiência, entendida como patológica (CORDE, 2001).

O LAZERcomo possibilidade de convivência social

Denise Michelute Gerardi

Gustavo André Pereira de Brito

Ligia Pereira Andreati

Luciana Gonçalves de Souza

Vanusa Cristina de Lima

O

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100 Inclusões

Nessa abordagem, a sociedade não precisava se adequar àqueles que eram diferentes,apenas encontrar a “cura” para as pessoas com deficiência.

O despertar para a questão da reabilitação da pessoa com deficiência para o trabalhoaguçou-se a partir da Revolução Industrial, quando as guerras, epidemias e anomalias genéticasdeixaram de ser as únicas causas das deficiências, e o trabalho, em condições precárias, passou aocasionar os acidentes mutiladores e as doenças profissionais, sendo necessária a própria cria-ção do Direito do Trabalho e um sistema eficiente de seguridade Social, com atividadesassistenciais, previdenciárias e de atendimento à saúde, bem como, a reabilitação dos acidenta-dos (DIAS, 2003).

Essa nova visão sobre as possibilidades de trabalho e sobre a qualidade de vida das pesso-as com deficiência foi o estopim para o início de um processo de auto-valorização desse seg-mento, que passou a se reconhecer como integrante de um grupo, o que trouxe como resultadoo surgimento de um amplo movimento reivindicativo.

Esse movimento trouxe modificações concretas nas ações governamentais, tendo em vistaque, até o início do século XX, as ações do poder público para aquele segmento eram limitadas àcompulsoriedade de ações de caráter religioso, mantidas por subvenções públicas e privadas.

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101

Os atores sociais que emergiram na sociedade civil à revelia do Estado, nesse períodocriaram novos espaços e novas formas de participação e de relacionamento com o poder públi-co. São articuladas demandas e alianças de resistência popular e lutas pela efetivação de direitoscivis e sociais. Os movimentos sociais trouxeram ainda o estabelecimento de estruturas demo-cráticas fundamentais e favoráveis à concreta participação popular (JACOBI, 2002).

Essa capacidade reivindicativa e crítica adquirida pelos movimentos sociais, revelou umamadurecimento político da sociedade que, de uma forma organizada, se constituiu em contra-poder em relação ao Estado. Apesar da década de 1980 ter sido um período de grandeaprofundamento das desigualdades sociais, esse momento foi simultaneamente e contraditoria-mente um cenário de grandes avanços democráticos, até então nunca vistos na história da polí-tica brasileira (DEGENNSZAIH, 2001).

Esse processo democrático teve seu auge na Constituição Federal Brasileira de 1988, quandoas reivindicações da sociedade brasileira tomaram o estatuto do poder. Por força da pressãoorganizada pelos trabalhadores, novas mudanças foram realizadas no âmbito da proteção sociale consolidadas (MOTA; AMARAL, 1998).

A Constituição de 1988, além de garantir o direito ao trabalho, à educação e à saúde,também garante o direito ao lazer para as pessoas com deficiência, rompendo dessa forma com

O lazer como possibilidade de convivência social

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102 Inclusões

o modelo assistencialista até então operante, assegurando a igualdade de oportunidades baseadano princípio de tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida de sua desigual-dade, reconhecendo desse modo uma sociedade caracterizada pela diversidade.

A Carta do Lazer (WLRA, 1999) foi outro instrumento normativo importante na garantiaao acesso ao direito ao lazer, pois além de reafirmar o Lazer como direito básico de todo o serhumano, também vem garantir o acesso a todas as formas de informações relativas aos váriosaspectos do lazer.

Sendo assim, verifica-se que a lei reconhece que, mais do que algo que tem como utilidadeocupar o tempo livre, que contribui para a saúde do ser humano, que ajuda no equilíbrio mentale emocional e que pode ser utilizado como aprendizado de uma forma geral, o lazer reconheci-damente é uma prática indispensável para trabalhar a inclusão social.

A sociedade contemporânea é marcada pelo sistema capitalista e estruturada pela políticaeconômica neoliberal, e ainda pelo fenômeno da globalização favorecido pelo avanço da tecno-logia de comunicação e pela hegemonia norte-americana. Com a globalização fortalecida, asbarreiras regionais e culturais são praticamente rompidas, o mundo do trabalho controlado porgrandes monopólios e motivado pela competitividade extremada.

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103

Esse panorama global atinge a sociedade de forma generalizada, fazendo com que osindivíduos não tenham disponibilidade para o lazer, nem tempo para a família ou amigos. Dessaforma, são muitos os indivíduos que se vêem obrigados a abrir mão do lazer. Aumentam asbuscas por emprego, moradia e alimentação, e o lazer passa a ser interpretado como algo supér-fluo, tendo em vista ser considerado dispensável para a sobrevivência humana, apesar de serelemento indispensável à saúde emocional. Assim, muitas pessoas já se encontram excluídas deatividades de lazer.

A inclusão de pessoas com deficiência, um segmento historicamente excluído (tanto noâmbito da comunidade quanto no da família) e considerado incapaz, torna-se ainda mais difícil.Esse é, na verdade, o grande desafio: permitir que as pessoas com deficiência tenham acesso aolazer, sem segregações, num mundo onde o lazer não se concretiza como direito de todos, masde poucos.

Oferecer atividades de lazer para este público não é nada fácil, pois além das dificuldadesdecorrentes de barreiras arquitetônicas, existem as barreiras atitudinais, presentes nas relaçõesinter-pessoais. Estas últimas são ainda mais difíceis de serem superadas, pois estão vinculadas àconstrução social da deficiência. Entende-se por construção social o conjunto de expectativas dirigidas aos

grupos e aos indivíduos com deficiência, expectativas estas que funcionarão como determinantes das inter-relações

O lazer como possibilidade de convivência social

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104 Inclusões

estabelecidas com todos os elementos que constituem o grupo social” (SAETA e TEIXEIRA, s/d, p. 28).Segundo Mazzota (apud SAETA e TEIXEIRA, s/d, p. 28), São as expectativas ligadas às exigências

do meio que determinaram as pessoas deficientes e não-deficientes. (...) Esse é um conceito profundamente ligado

aos valores, normas e padrões do grupo em que a pessoa com deficiência está inserida. As expectativas dirigidas ao

indivíduo com deficiência pelos demais, passam a ter como foco a imperfeição, deixando-se, muitas vezes, de ver o

indivíduo como um todo.

Concretizar uma política pública de inclusão é um caminho onde vários obstáculos sãoenfrentados, como o preconceito, a superproteção, o abandono velado, a falta de acessibilidade,a desconsideração das potencialidades, entre outros. Esses obstáculos não serão rapidamentevencidos, é preciso que a persistência familiar e o trabalho técnico caminhem juntos e sejamcontínuos, para a mudança de hábitos e paradigmas.

Nos últimos anos têm-se falado muito sobre Lazer e sobre temas ligados às pessoas comdeficiência. Entretanto, no que se refere ao papel do Estado na implantação de políticas gover-namentais voltadas aos temas aqui discutidos, pouco se tem avançado.

Uma das iniciativas do Governo Federal ocorreu em junho de 2004, com a chamadaConferência Nacional do Esporte, que teve como tema central Esporte, Lazer e Desenvolvimento

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Humano, e apontou para a criação de um Sistema Nacional do Esporte e do Lazer a partir deprincípios, diretrizes e objetivos, cujos intuitos foram unificar as ações trazidas por represen-tantes de todo o território nacional, para a formulação de uma política pública na área deesporte e de lazer.

O lazer, como qualquer outro setor de uma sociedade que se diz defensora da equi-paração de oportunidades para todos, precisa ser melhor adaptado às necessidades espe-cíficas das pessoas com deficiência, a fim de que todos possam ter acesso a esse direito(SASSAKI, 2003).

O lazer, através de atividades lúdicas, ajuda o indivíduo no processo de reabilitação e nodesempenho de suas atividades, melhorando a saúde, motivando-o e melhorando sua auto-estima, além da realização da inclusão social, sobretudo no tocante às pessoas com deficiência,evidenciando o fenômeno da ludicidade como antídoto para muitos problemas. Além tambémde propiciar uma melhor participação e um maior envolvimento no processo da aprendizagem,expressão, desenvolvimento cultural, favorecendo o equilíbrio emocional e o desenvolvimentopsicomotor, ajudando não só as pessoas com deficiência, mas também seus familiares na iden-tificação, discussão e solução dos problemas sociais existentes.

O lazer como possibilidade de convivência social

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106 Inclusões

Como podemos modificar esse panorama já construído?

Com base em todas essas informações, percebemos que o lazer é necessário, mas mesmonos dias atuais é deixado para segundo plano, principalmente para aqueles para quem o lazerpode significar uma contradição ao seu conceito, por todos os aspectos citados anteriormente.

O que deve ser mudado depende do interesse público, social e pessoal. Entretanto,essas mudanças podem partir também daqueles que serão os maiores beneficiados. Para tan-to, as pessoas com deficiência em atividades de lazer podem utilizar a força do grupo, mobi-lizando-se para garantir seus direitos, diferentemente de quando estão sozinhas, pois dessaforma não incorrem no risco de desanimarem, de esmorecerem, muito menos de deixarem seabater pelas dificuldades. Ao contrário, elas conseguem mostrar para a sociedade o quanto ogrupo pode ser reconhecido por suas potencialidades, alegria contagiante, e principalmentepela autenticidade.

Assim, passamos a entender melhor o lazer como promoção social, e historicamentesabe-se que este é o país onde, mesmo existindo parâmetros legais, é a partir de movimentosorganizados que se garante ações concretas.

Esse movimento, que já teve início, ainda que em pontos isolados, prova que, com ações

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107

de lazer onde existe uma metodologia definida, é possível beneficiar não apenas a pessoa comdeficiência, mas também seus familiares e a sociedade em geral.

No curto prazo, devemos procurar garantir que as pessoas com deficiência tenham asmesmas oportunidades nas atividades de lazer. Isso significa criar oportunidades de freqüentarrestaurantes, teatros, bibliotecas, cinemas, circos, hotéis, praias, etc.

Entretanto, quando se fala em acesso ao lazer é preciso entender que esse acesso é muitomais que “alcance” ou “passagem” a alguma coisa ou a algum lugar. É a implementação devárias medidas, que segundo Sassaki (2003) iniciam-se através da quebra das barreiras atitudinaisna sociedade como um todo e, especialmente, nos profissionais com poder de decisão política,mas ainda preconceituosos com relação às pessoas com deficiência e que por isso deixam deabrir oportunidades inclusive turísticas para elas.

Temos que ter como referência a acessibilidade não apenas como modificações do espaçofísico e urbano, e sim como toda uma mudança de postura. É a adoção de um novo paradigmaque, quando implementado nas políticas públicas voltadas ao lazer, possibilitará a criação demedidas onde as pessoas com deficiência poderão ser motivadas a usufruírem integralmente eigualitariamente desses serviços de lazer enquanto direito.

O lazer como possibilidade de convivência social

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108 Inclusões

No médio e longo prazo, devemos caminhar para a organização de atividades delazer não segregadoras. Devemos percorrer esse caminho passo a passo, aprendendocom nossos erros e procurando repetir nossos acertos. Assim, muitas vezes surge a gran-de pergunta: estão esses profissionais preparados para atender pessoas com deficiência?Segundo Sassaki (1998), essa pergunta costuma surgir em decorrência da idéia formuladaao longo dos anos, segundo a qual seria muito difícil lidar com pessoas deficientes e, porisso, essa tarefa deveria ser de exclusividade de especialistas, de preferência com forma-ção acadêmica específica em cada tipo de deficiência. Segundo o mesmo autor (1998)Nada mais equivocado. (...) Em alguns casos, acresce-se apenas a necessidade de algum conhecimento

específico sobre certos aspectos da deficiência. No mais, o importante é que haja primeiro um contato

direto dos profissionais (...) e a partir daí buscar soluções para cada dificuldade que surgir, respeitando

as necessidades e potencialidades individuais.

De acordo com Saeta e Teixeira (s/d) estruturar atividades de lazer que atendam pessoascom deficiência se constitui num desafio que, sem dúvida, pode contribuir para a construção deuma sociedade mais humana. Nesse processo, além de profissionais tecnicamente competentes,precisamos ser seres humanos sensíveis e dotados de empatia, para compreendermos as neces-sidades e anseios daqueles que estamos dispostos a atender.

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A mídia também pode vir a ser uma grande aliada quanto à superação de obstáculos,como por exemplo, o preconceito, a falta de acessibilidade, entre outros, colocando emfoco informações necessárias para que a sociedade acredite nas potencialidades das pessoascom deficiência e passe a aceitá-las como cidadãos com direitos e deveres de participaçãona vida social. Conforme acrescenta Haendchen (s/d): (...) embora as pessoas com deficiência nos

mostrem talento e coragem para enfrentar os obstáculos da vida, a sociedade ainda acredita na sua incapa-

cidade e os meios de comunicação refletem essa mentalidade. Assim, há indícios de que a deficiência não é

considerada assunto de interesse coletivo e está fora da pauta. Coloca ainda que (...) é dado preferência

às pautas como datas comemorativas, atividades assistenciais e descobertas científicas para retratar a defi-

ciência nas páginas dos jornais.

Acrescentamos que fica evidente a necessidade de criação de políticas públicas com pro-gramas e projetos voltados ao lazer, incluindo pessoas com deficiência, fortalecendo e estimu-lando parcerias com o terceiro setor e com o setor privado.

É necessária também a realização por parte de entidades públicas, privadas e o terceirosetor, de capacitação, valorização, reconhecimento e contratação de profissionais de áreas quese voltam diretamente ou que desejam trabalhar com pessoas com deficiência, de forma queesses profissionais possam atender mais e melhor a essa parcela da sociedade.

O lazer como possibilidade de convivência social

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110 Inclusões

É importante ainda a elaboração de programas e projetos que viabilizem uma maior emelhor utilização dos espaços e equipamentos públicos de lazer, garantindo a acessibilidade depessoas com deficiência, bem como a organização de eventos culturais como facilitadores noprocesso de inclusão. Além da criação de incentivo e de financiamento, principalmente porparte do setor público, para publicações de periódicos e livros, e de difusão do conhecimentocientífico, no tocante aos temas: lazer, recreação, pessoas com deficiência e inclusão social.

Talvez não consigamos de imediato realizar as atividades sem segregações e reunindo asdiferenças da forma como almejamos. Todavia, estamos lançando as sementes para que o pre-conceito seja vencido e as pessoas percebam que é possível dividir espaços e atividades compessoas que possuam deficiências. Afinal de contas, todos somos diferentes, todos temos nos-sas potencialidades e dificuldades, então por que temos que nos reduzir a indivíduos padroniza-dos e perder a grande riqueza da humanidade, que é a diversidade?

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x2003000800014&ing=pt7nrm=iso>ISSN0102_311X

REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL - CONTITUIÇÃO FEDERAL – Ed. Atualizada em outubro de 1999.

O lazer como possibilidade de convivência social

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112 Inclusões

SASSAKI, Romeu Kazumi. Esporte, lazer, pessoas com deficiência e inclusão: novos avanços. 1998

SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão no Lazer e Turismo – em Busca da qualidade de vida. São Paulo, Ed.Áurea, 2003.

Denise Michelute Gerardi

Assistente social da APABB Núcleo Regional de SC;

Gustavo André Pereira de Brito

Técnico de Lazer e Recreação da APABB Núcleo Regional do RN;

Ligia Pereira Andreati

Assistente social da APABB Núcleo Regional de ES;

Luciana Gonçalves de Souza

Assistente social da APABB Núcleo Regional de Distrito Federal;

Vanusa Cristina de Lima

Coordenadora do Serviço Social da APABB.

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o início do século XX, surgiu o esporte adaptado. Na primeira década desseséculo, foram iniciadas as primeiras atividades competitivas que eram, em suamaioria, modalidades coletivas para pessoas com deficiência auditiva.

Na década de 20, foram criadas atividades para jovens com deficiência visual, destacan-do-se a natação e o atletismo. O esporte para pessoas com deficiência física só teve inícioapós a Segunda Guerra Mundial, quando soldados voltaram para seus países com seqüelas daguerra, forçando esses países a criarem formas de atender esse grande contingente de pessoascom deficiência.

No Brasil, o esporte adaptado é muito recente, pois surgiu em 1958 com a fundação declubes esportivos no Rio de Janeiro e São Paulo. Hoje existem seis grandes instituições queadministram o esporte no Brasil. São elas:

ABDC: Associação Brasileira de Desporto para Cegos

ANDE: Associação Nacional de Desporto para Excepcionais

ABRADECAR: Associação Brasileira de Desportos em Cadeira de Rodas

ABDA: Associação Brasileira de Desportos para Amputados

O ESPORTE ADAPTADO

N

Ceres Prado - Rede SACI

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ABDEM: Associação Brasileira de Desportos para Deficientes Mentais

CBDS: Confederação Brasileira de Desportos para Surdos

Não existem dados oficiais, mas no site da ADD (www.add.org.br) há uma estimativa deque menos de 5% dos indivíduos portadores de algum tipo de deficiência no Brasil pratiquemum esporte adaptado.

Algumas modalidades foram criadas especialmente para pessoas com deficiência, como éo caso do goalball, praticado por pessoas com deficiência visual. Outras modalidades sofreramalgumas adaptações às suas regras, tais como alterações no tempo dos jogos, distâncias a seremnadadas ou corridas, altura da rede, entre outras. Para fazer a adaptação de um esporte, existe apreocupação para que a modalidade não seja descaracterizada. As regras são geralmente mantidasas mesmas, fazendo-se apenas as mudanças essenciais.

Esporte como parte da reabilitação

Nem todas as pessoas com deficiência podem praticar esportes. Como em qualquer caso,devem ser respeitadas suas condições de saúde, sendo necessário evitar grandes esforços emalguns casos.

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Para aqueles que estão aptos a praticar exercícios, alguns efeitos podem ser percebidos.

No aspecto físico e motor, o esporte melhora a condição cardiovascular dos praticantes,aprimora a força, a agilidade, a coordenação motora, o equilíbrio e o repertório motor.

No aspecto social, o esporte proporciona a oportunidade de sociabilização com pessoascom e sem deficiência, torna o indivíduo mais independente para a realização de suas atividadesdiárias e ajuda a mostrar para a sociedade as potencialidades das pessoas com deficiência.

No aspecto psicológico, o esporte melhora a autoconfiança e a auto-estima, tornando osatletas mais otimistas e seguros para alcançar seus objetivos.

O esporte competitivo

Os primeiros jogos paraolímpicos aconteceram em 1960 em Roma, mas o Brasil só veio aparticipar nos jogos da cidade de Heidelberg, em 1972. A falta de apoio ao esporte paraolímpicono Brasil não impede que os atletas façam parte da elite do esporte mundial, mas em algumasmodalidades a falta de recursos coloca nossos atletas em desvantagem em relação aos países queinvestem em seus atletas. O Brasil se sai bem nas Paraolimpíadas em esportes como natação,

O esporte adaptado

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116 Inclusões

judô e atletismo. Outras modalidades, como basquete em cadeira de rodas ou corrida em cadeirade rodas, sofrem mais, pois necessitam de equipamentos mais caros e modernos, o que faz adiferença em uma competição internacional.

Se no Brasil o esporte de elite já sofre com a falta de recursos, as categorias de basecontam apenas com a força de vontade dos atletas. Muitas vezes o esporte adaptado é vistoapenas como parte da reabilitação, não tendo incentivo para o alto rendimento. Os atletas pre-cisam arranjar meios de sobreviver e manter os treinamentos até poderem viver dignamente daatividade esportiva.

Ceres Prado — Rede SACI

Com informações do site da ADD (http://www.add.org.br) —

Outras fontes consultadas: Sites do Comitê Paralímpico Brasileiro,

ABDC, ABRADECAR e IBGE; livro Adapted physical education and sports,

de Joseph P. Winnick, da editora Human Kinetics Books,

de 1995; e artigo “Quando o equipamento faz a diferença” — Marcelo Rubens Paiva.

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que vamos apresentar aqui são as opiniões e sugestões de pessoas que con-tribuíram no Fórum Agenda Deficiência. Essas pessoas nos ajudaram comsuas idéias a disseminar informações sobre o lazer voltado para as pessoas

com deficiência. O texto a seguir mostra todas as reflexões que essas pessoas fizeram.

A discussão no Fórum virtual, ou seja, pela internet, ocorreu nos meses de outubro e no-vembro de 2004 e contou com a participação de profissionais, voluntários e familiares depessoas com deficiências, abrangendo vários Estados do Brasil.

Para a discussão no Fórum Agenda Deficiência, propusemos uma questão visando incenti-var as pessoas a darem suas opiniões e sugestões sobre o tema: A idéia de diversidade significagarantir a todos a oportunidade de participação, aceitar o outro, independente das habilidades ou necessidadesespecíficas de cada pessoa. Nesse contexto pensamos no processo de inclusão social das pessoas com deficiênciasnas atividades de lazer. Então perguntamos: como desenvolver o lazer para essas pessoas evitando a segrega-ção e concebendo a possibilidade de reunir e integrar as diferenças?

A citação da assistente social Dulciana de C. L. Dantas lembra um pouco o processo histó-rico em relação à deficiência “...há um grande contingente da população sem acesso ao lazer,encontrando-se entre esse contingente, o segmento das pessoas com deficiência e seus fa-

COMO DESENVOLVER 0 LAZERpara as pessoas com deficiência evitando a segregação?

Vanusa Cristina de Lima

O

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118 Inclusões

miliares. As pessoas com deficiência historicamente foram excluídas durante muito tempodos processos de relações e interações sociais, tanto no âmbito da comunidade como noâmbito da família nuclear. Geralmente essa população era segregada em ambientes fecha-dos, confundidas com pessoas portadoras de doença mental e ali permaneciam, sendo es-quecidas ao longo do tempo. A partir do desencadeamento dos movimentos de integração eposteriormente de inclusão social no mundo inteiro, as pessoas com deficiência começarama sair das suas clausuras e participar, embora que minimamente, dos processos de vida socialjunto às famílias e às comunidades nas quais se encontravam inseridas. O movimento deinclusão vivenciado pela sociedade brasileira nos últimos vinte anos trouxe consigo discus-sões nacionais acerca das questões da educação, saúde, prevenção, moradia, capacitaçãoprofissional e lazer para as pessoas com deficiência. Com relação ao lazer, no âmbito daspolíticas públicas, não foram verificados muitos avanços, tendo em vista a situação de carên-cia que grande parte dessa população enfrenta, no que diz respeito às condições econômico-financeiras, recebendo do Estado os benefícios referentes às outras demandas mais priorizadas.Mesmo as pessoas com uma condição econômica estável têm dificuldade de vivenciarexperiências de lazer e recreação junto aos seus familiares com deficiência, tendo em vistaa falta de oferta necessária, como também pela situação de isolamento que enfrentam,muitas vezes pelo despreparo e ignorância acerca do assunto, por parte daqueles quepromovem as ações de lazer.”

As pessoas disseram que o Lazer é um direito constituído legalmente, está garantido naConstituição, não somente para as pessoas com deficiência, mas também para todos, semdistinção de raça, etnia, condição social, religião ou sexo. “Quando falamos em lazer, estedeve ser visto como um direito de todos e não de alguns... O lazer voltado para as pessoascom deficiência não deve ser visto como uma questão de solidariedade, mas como questãoda evolução para uma sociedade onde todos devem participar, independente de suas carac-terísticas próprias.” — Maria do Patrocínio — assistente social.

Porém, em se tratando especificamente da pessoa com deficiência, o lazer tornar-se uma ques-tão ainda mais complicada. Para Maria Celeste de Souza, “Além das barreiras arquitetônicas,

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comunicacionais, etc., entendemos que as mais importantes a serem trabalhadas no sentido depermitir o lazer às pessoas com deficiência juntamente com as pessoas em geral, sem segrega-ção, são as barreiras atitudinais. A eliminação destas barreiras só é possível através da educaçãoda sociedade como um todo, da participação das pessoas com deficiência nas decisões, naescolha do que é melhor para elas e da criação de oportunidades de lazer com eventos quepermitam a participação de pessoas com e sem deficiências em conjunto”.

Como estamos, a cada momento, criando espaços e movimentos para o processo de inclu-são social da pessoa com deficiência, é certo que, como diz Rachel Dias Figueiredo, assisten-te social, “A inclusão só existe à medida que estamos presentes efetivamente nos espaços deluta de direitos, seja na área da saúde, do mercado de trabalho, do esporte, da educação e dolazer... toda a discussão da luta pelas Políticas Públicas voltadas para as necessidades dapessoa com deficiência ainda é uma tarefa de quem vive essa realidade (família, instituiçõese profissionais)”. E para nos apropriamos desses espaços de luta devemos nos apoiar, comoescreveu a auxiliar administrativa Claudinalva Alves da Silva “...não basta uma mudança dementalidade. O importante é a busca de alternativas atraentes”. Segundo Jeane, tambémauxiliar administrativa, “A Inclusão, ao meu ver, é um processo possível, porém, ainda com-plicado, uma vez que vivemos num mundo em que as pessoas competem entre si por umespaço melhor — Um lugar ao Sol. Ainda é muito difícil aceitar aquilo que é diferente...Acredito que quando se cria programas de lazer destinados ‘aos portadores de deficiência’,já estamos de alguma forma `segregando-os’ da convivência com outras pessoas ditas “nor-mais”. Entretanto, entendo a importância da criação de tais programas, visando a realidadesocial e política em que vivemos, bem como o contexto familiar destas pessoas”.

Ainda sobre a segregação, Margareth Denise Schafer , assistente social, diz: “Não é difícilencontrarmos associações, entidades públicas ou privadas que atendam surdos, cegos, defi-cientes físicos ou deficientes mentais, cada um segregado em sua categoria. Existem, até,espaços onde o atendimento das pessoas é discriminado, não só pela deficiência, mas pelacondição sócio-econômica”. Ela cita uma situação intrigante: “A prática do lazer com pessoascom diferentes deficiências nos mostra novos caminhos. Por exemplo, em um passeio ao

Como desenvolver o lazer

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120 Inclusões

shopping, foi sugerido que o grupo realizasse em um dia da semana, quando o shoppingnão estivesse tão cheio. A idéia de inclusão não é essa. A resposta veio na ponta da língua. Éjustamente quando o shopping estiver bem movimentado que queremos estar... se o shoppingnão tem condições de atender ao seu público é porque precisa de adaptações, de reformulaçõese de novas idéias. É assim que pretendemos caminhar. Fazer com que o diferente se tornecomum, quebrar paradigmas e transpor barreiras é o caminho para que a inclusão aconteça”.

Nesse sentido, também podemos pensar como Arcênia Cristofolini da Silva, assistente social:“Cada ser humano é um ser único, inserido na diversidade global. E dela fazem parte, tam-bém, as pessoas com deficiências, que aparecem como “diferentes” numa sociedade ondeprima pela perfeição. As atividades de lazer se apresentam como uma das inúmeras formasde desenvolvimento pessoal e social, contribuindo no processo de inclusão.”

Ainda nesse pensamento, Adriana Nonato, assistente social, diz que “As diferenças existemsim e por isso temos que começar a fazer um trabalho de base, desde criança, na família, naescola, mostrando que o portador de deficiência tem direito a participar do lazer que asociedade oferece, a freqüentar lugares que os ditos “normais” costumam ir, porque antesde serem portadores de deficiências eles são cidadãos”.

Vemos que estão acontecendo algumas mudanças em nossa sociedade, até porque há sem-pre um movimento das entidades de e para pessoas com deficiências e essas próprias pessoasestão sempre questionando, batalhando pelos seus direitos. Na opinião de Rosa Karla Car-doso Almeida, técnica do lazer, “Hoje percebemos que essa mobilização em busca do espa-ço social tem obtido resultados positivos, apesar das dificuldades; os pais estão saindo maiscom seus filhos, participando mais ativamente dos eventos de lazer do Estado, oportunizandoa esta criança conhecer suas capacidades e desenvolver sua autonomia através da interaçãocom outras pessoas”.

Um ponto importante e que devemos refletir é o que diz Maria Célia dos Santos Pereira,mãe de uma pessoa com deficiência. Para ela é necessário pensar num projeto para desmistificaressa segregação: “Em primeiro lugar, é pensar positivo com relação ao projeto. Em segun-

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do, é esquecer o “evitando a segregação”. A segregação ela existiu, existe e existirá. O queacontece é que houve um avanço bastante progressivo quando se trata dos deficientes (sejaele qual for). Isso não impede que em determinadas situações haja um certo disfarce comrelação a tudo que diz respeito aos chamados de ‘especiais’. O Projeto deve ser elaborado,reunindo pessoas capacitadas para tal, orientar as famílias (há famílias que não acreditam nacapacidade do seu especial), fazer com que se empenhem, esclarecimentos sobre as diferen-ças (é fundamental) e se não chegar a 100% do resultado, 50% já é uma margem bastantegratificante. Tudo vale a pena, o que não vale é não tentar”.

Não podemos fingir que essa segregação não é uma veracidade e isso acontece porque asociedade dificulta o processo de inclusão social. E muitas vezes isso acontece devido aoque diz Alexandre Andrade, auxiliar administrativo: “Nota-se que grande parte das pessoasque possuem preconceitos em relação ao portador de deficiências, têm essa postura porfalta de informação, podemos citar como um exemplo clássico disso: “Se um portador deEpilepsia tem uma crise em algum local público, poucas pessoas sequer irão chegar pertodele, a grande maioria irá argumentar que tem receio de ajudá-lo por achar que poderá pegara doença, principalmente através da saliva do mesmo, quando já se sabe que isso não proce-de. Podemos concluir que a “informação” é a forma mais prática de conseguirmos cada vezmais levar adiante o processo de Inclusão Social”.

Diante dessas citações, Leonardo Rocha, auxiliar administrativo, define o Lazer como “umaferramenta de inclusão” e acrescenta que “O respeito aos direitos da PPD ocorre a partir domomento em que é dada a ela a opção de estar ou não com a família nos momentos deLazer, assim como com qualquer pessoa, seja ela deficiente ou não”.

Devemos também ressaltar que “É de suma importância estimular e inserir as pessoas comdeficiência nas atividades de lazer como meio de construção e resgate de sua cidadania”.Maria Suyanny Rocha Menezes — assistente social.

Esse estímulo corresponde às necessidades do público envolvido, que são as pessoas comdeficiências. Para Marivalda Gonçalves, auxiliar administrativo, o trabalho com o lazer é umaousadia para a busca de uma melhoria na qualidade de vida e na inclusão social dessas pessoas.

Como desenvolver o lazer

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Vale a pena citar o que Socorro Lima, assistente social, nos diz referente ao que muitas pessoaspensam em relação ao Lazer e a pessoa com deficiência: “Infelizmente uma grande parte dapopulação vê o lazer como algo supérfluo. Em se tratando de PPDs, o pensamento é aindamais restrito: costuma-se agradecer aos céus quando se tem acesso à escola e à clínica especi-al... Acho que cabe aqui sugerir que as pessoas parem de pensar a PPD como alguém que nãoaproveita nada, um investimento sem retorno, um estorvo... A experiência tem nos mostradoque vale muito a pena investir na satisfação da PPD, que o lazer forma uma rede, que seestende, abraçando famílias, fazendo amigos, apresentando um mundo de possibilidades”.

Não podemos deixar de citar o que escreveram alguns pais de pessoas com deficiências,como por exemplo, Roberval Holanda: “A experiência na minha casa é muito positiva, poisatravés do programa de lazer vi abrir espaço para meu filho participar de grandes eventos dacidade, como o Circuito de Vôlei de Praia, os passeios de férias, e isso é que considerosocialização, eles saem para o mundo. Acho que as Secretarias de Educação e as de Esportedeveriam incluir o lazer como parte dos seus programas, levando os alunos a conheceremsua cidade”. Ele ainda acrescenta que as famílias devem se engajar no processo de melhoriada qualidade de vida de seus filhos com deficiência.

Luiz Vasconcelos, pai, diz que “É muito gratificante ver que seu filho tem prazer emparticipar de um evento... Também acho que é preciso investir na quebra de preconceitoe discriminação”.

Para a mãe Vanda Lima, “Os encontros são muito bons: por um dia, formamos uma grandefamília. Nossos encontros são esperados com ansiedade pelas crianças, gerando uma expec-tativa de boas surpresas, os domingos bem mais alegres”. Ela ainda sugere que “Para quetodos tivessem acesso ao lazer, os governantes deviam patrocinar locais e recursos para osdeficientes carentes, olhar com carinho para a situação das famílias, apoiando as entidadesque se dedicam a essa causa”.

Antônia Silva Ribeiro, mãe, diz também: “Acho que encontros de lazer são maravilhosos. Euadoro encontrar com pessoas que têm filhos especiais e trocar experiências. Depois, a gente

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conhece pessoas muito parecidas conosco, e passa a dar mais valor à vida e ao que já con-quistou”. Ela também faz uma sugestão: “Muita gente não tem condição financeira de par-ticipar de ventos de lazer, por isso eu acho que quem pode, como o Governo e as empresas,poderiam financiar, liberar verba para entidades que lutam pelas PPDs, para que além deeducação e saúde elas tenham direito ao lazer”.

O lazer, não sendo visto pela sociedade como prioridade, acarreta alguns desconfortos,como diz a mãe Zeneida Monteiro: “Acho muito legal, tenho um enorme prazer em acom-panhar meu filho, mas às vezes não posso por falta de recursos. Ajudaria muito se nos fosseconcedido o passe livre nos transportes ou nos locais fechados, como parques de diversão,cinemas, teatros”.

A mãe Irenilde Dantas Guedes considera importante o papel da família nesse processo desocialização: “É maravilhoso proporcionar alegria à pessoa com deficiência; muda a nossavida, o modo de encarar as dificuldades. A partir do momento que nos engajamos nos projetosde lazer, mudou a rotina da família, que passou a atender mais aos interesses da minha filha,especial... Considero que a família tenha um papel fundamental na proporção do lazer comofonte de qualidade de vida para a PPD: a família é o principal incentivador e colaborador”.

Gesiene Carvalho, assistente social e a equipe que trabalha com ela, têm também uma suges-tão para as atividades de lazer: “a viabilização de dias de confraternização e lazer (“Lazerpara a Inclusão”) entre alunos de escolas regulares e alunos de escolas de ensino especial,onde os participantes terão oportunidades de trocas de experiências e socialização. Duranteesses dias de “Lazer para a Inclusão”, seriam ministradas palestras educativas para todo opúblico presente (profissionais da educação, alunos, pais, comunidade, etc.), onde os princi-pais temas envolveriam os direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência e como respeitarsuas limitações e possibilidades, conscientizando a toda população acerca dos problemas esoluções que envolvem as PPD’s. As Associações de Bairros estariam se organizando paradesenvolverem estudos junto com as escolas da mesma região, para que ambos possamproporcionar uma Rua de Lazer Inclusiva. Fazendo com que os PPD’s participem e usufruamdo lazer e possam nesse momento ampliar o seu grupo de amigos”.

Como desenvolver o lazer

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Para finalizar, segundo Jakeline Machado, auxiliar administrativa, estamos num século aindade grande discriminação na sociedade e o “diferente ainda não é aceito como desejamos.Porém, “É importante refletirmos sobre as condições existentes para proporcionar o lazersem evitar a segregação e sim agregarmos valores e possibilidades de integração das diferen-ças, como diz Verônica dos Santos, assistente social.

Segundo Juliana Gomes, assistente social, “Lazer é um direito garantido a todo cidadãoperante a lei, portanto, cabe ao poder público e a sociedade disponibilizar espaços adequa-dos ao portador de deficiência para tais atividades. Em tempos onde tanto se fala da tãosonhada inclusão social, nos deparamos com o muro do preconceito e falsos discursos deinclusão, que para dar certo, não deve ser superficial, mas, um desejo interior de cada um...Felizmente muito já foi conquistado, mas a estrada a ser desbravada ainda é longa, exige umtrabalho como de formiguinhas, sempre perseverantes, pois a transformação tem que acon-tecer de dentro para fora, é preciso ganhar espaço, sem máscaras, na família, no círculo deamigos, na escola, até que irá chegar o momento em que a frase: “Todos são iguais e têmdireito ao lazer, esporte, cultura...” será verdadeira e a diversidade será um ganho pessoal esocial, uma troca de experiência vivenciada por todos”.

Para Paulo Augusto Rodrigues, assistente de gerência, as atividades de lazer “contribuembastante para as pessoas conquistarem melhores experiências no aspecto social de suas vi-das”. Daniela Rodrigues de Almeida, auxiliar administrativa, também tem o mesmo pensa-mento “O lazer como um todo tem uma grande importância na vida da pessoa com defici-ência, pois estimula a comunicação com o mundo e muitas vezes com o novo, se ele está debem com a vida, está de bem com a família, com os professores e com o seu dia-a-dia”.

E para completar “... é fundamental esclarecer as pessoas em geral que o lazer é importantepara qualquer um... conseqüentemente, o fato de ser ou não pessoa com deficiência nãoimporta. Na maioria das vezes nos surpreendemos dizendo que não temos tempo para olazer... é importante trabalhar as famílias das pessoas com deficiência, já que muitas vezes opreconceito começa na própria família. Algumas não acreditam na capacidade que o seufamiliar com deficiência tem, não lhe dão oportunidade, sequer espaço para participar da

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própria vida familiar. Cabe também às Associações de e para pessoas com deficiência lutarpela acessibilidade junto aos poderes públicos, bem como mostrar para a sociedade que aspessoas com deficiência são cidadãs. A sociedade de um modo geral esquece que a pessoacom deficiência é igual a qualquer outra, isto é, tem direitos, deveres, sentimentos, emoções,sensibilidade, potencialidade, capacidade, e assim sendo, principalmente a própria pessoacom deficiência e seus familiares, devem mostrar isso para a sociedade. Embora seja muitoimportante a inclusão e devamos trabalhar para que isso sempre aconteça, algumas vezes,em determinadas ocasiões, um grupo de pessoas com deficiência poderá estar reunido emalguma atividade de lazer. É natural encontrarmos grupos de determinados segmentos reu-nidos.” — Clécia Cortez, voluntária.

Sabemos que o processo de inclusão social é bastante difícil, porém, escolhemos o tema Lazerpara elucidar algumas questões pertinentes a esse assunto no que tange a pessoa com deficiên-cia. É claro que precisamos, como diz Nando Fernando Faraco, recreador, sensibilizar a soci-edade para entender as necessidades e dificuldades que essas pessoas já enfrentaram e enfren-tam. E claro, não apenas sensibilizar, mas sugerir ações que possibilitem mudanças.

Vanusa Cristina de Lima

Coordenadora do Serviço Social da APABB

APABB – Associação de Pais e Amigos de Pessoas Portadoras de

Deficiências dos Funcionários do Banco do Brasil

Av. São João, 32 - 11° andar - Centro São Paulo – SP - CEP 01036-000

Fones: 0-xx-11-3491-4144 / 3491-4150 - Fax: 0-xx-11-3107-7766.

www.apabb.com.br

E-mail: [email protected]

Como desenvolver o lazer

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126 Inclusões

ARTE

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omo em todos segmentos e campos de atuação, os portadores de deficiênciatambém produzem arte. Uns por motivos terapêuticos, mas a grande partepor próprios talentos e dons artísticos!

A produção cultural realizada por essas pessoas é tão importante, que mereceu um parágrafo,o 135 do “Programa de Ação Mundial para as Pessoas com Deficiência”, que diz: “Os EstadosMembros devem procurar fazer com que as pessoas portadoras de deficiência tenham a oportunida-de de utilizar ao máximo as suas capacidades criadoras, artísticas, não apenas em seu próprio benefí-cio como também, para o enriquecimento da comunidade. Com este objetivo, devem-se assegurar oseu acesso às atividades culturais. Se necessário, devem-se realizar adaptações especiais para atenderàs necessidades das pessoas portadoras de deficiência mental ou sensorial. Isto poderia incluir equi-pamento de comunicação para surdos, literatura em braille ou cassetes para as pessoas portadoras dedeficiência visual, material de leitura adaptado à capacidade mental do indivíduo. A esfera das ativida-des culturais compreende a dança, a música, a literatura, o teatro e as artes plásticas”.

Todavia, pouco se tem levantado com relação a essa temática. Por este motivo, há cerca dequatro anos tenho me dedicado a pesquisar nesse campo. E muitos fatos interessantes tenholevantado. Desde o Egito antigo, no decorrer da história da arte são inúmeros os exemplos depersonagens ou artistas que se viram às voltas com as deficiências. Já na atualidade, artistas dasmais variadas áreas culturais estão brotando cada vez mais pelo Brasil. E, através de meus escri-

DEFICIÊNCIAe arte

Emílio Figueira

C

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128 Inclusões

tos, estou procurando registrá-los e procurando traçar o perfil de tanta gente boa, mas aindapouco percebida e que, através da arte, conquista o seu espaço na sociedade. Muito mais quesimples registros, que todos os exemplos pretendo divulgar, que possam servir como espelhopara novas idéias e produções artísticas, sejam elas profissionais ou apenas de cunho terapêutico.Sobretudo, que sejam maneiras naturais de inclusão social, permitindo que a arte cumpra seupapel social, alargando o horizonte das pessoas portadoras de necessidades especiais, procla-mando a liberdade física, intelectual e espiritual dos indivíduos.

Ainda não sabemos direito quem são esses artistas e, em uma época que se fala tanto eminclusão social, os benefícios inclusivos da arte; ainda não foi discutido o que a arte, os benefíciossociais e o fazer artístico poderão trazer para essas pessoas e a sociedade em geral. Mas acreditoque meus escritos e documentários poderão trazer subsídios para suprir essa falta de informa-ção. A maior beneficiada será, com certeza, a Arte-Educação!

Emílio Figueira

Historiador e jornalista, pesquisador e divulgadorcientífico na área da deficiência e escritor.

Atualmente cursa Psicologia naUniversidade do Sagrado Coração — USC/Bauru.

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ensando nos diferentes atores da sociedade e contextualizando, brevemente, os problemas queenfrentamos, para você, quais as medidas para uma efetiva inclusão da pessoa com deficiên-cia na sociedade brasileira atual?

Dentro dos aspectos da Cultura e Lazer, direcionando o foco para a ARTE INCLUSÃOcomo produção artística da pessoa com deficiência, destacaremos aspectos que emperram osprojetos de arte e cultura e o que sugerimos como medidas necessárias para que esse segmentoda sociedade tenha seu lugar garantido.

Olhar de preconceito: o trabalho da pessoa com deficiência ainda não é apreciado/reco-nhecido em sua eficiência/qualidade, mas sim na piedade/caridade. E isso acontece por contado preconceito. Para a quebra do mesmo, sugerimos uma mudança de comportamento quedeva acontecer nas escolas, canal de informação e aprendizado, onde artistas com deficiênciatenham espaço para expor seus trabalhos, ensinar sua ARTE, falar de seu trabalho, quebrandona infância e na adolescência os preconceitos sociais.

Inacessibilidade nos locais de exposição: fazer um trabalho de assessoria nos locais deexposição da importância da acessibilidade, leis existem, no entanto não são cumpridas. Propo-mos um trabalho de assessoria a estes locais, para mostrar as possibilidades de mudança emseus espaços físicos.

CULTURAe lazer

Lênia Luz Nogueira

Sérgio Torreta

P

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130 Inclusões

Falta de incentivo financeiro a projetos de Arte-Inclusão: buscar sensibilizar o empresariadocom uma Campanha Nacional que envolva as várias formas de arte desenvolvidas para e porpessoas com deficiência, mostrando o quanto esses trabalhos agregariam valor aos produtosdestas empresas, quando estes apoiassem projetos desta linha.

Criação de um Selo de Qualidade: com a Campanha Nacional realizada, lançar um selo dequalidade onde a empresa apoiadora de projetos de Arte Inclusão, receberia esse selo comoempresa inclusiva, apoiadora da ARTE e da CULTURA NACIONAL.

Falta de informação entre atividades já realizadas no País: criar um centro de informações ouum banco de dados de PROJETOS de ARTE desenvolvidos no País, para que se troquem expe-riências, realizem atividades conjuntas, se tornem conhecidos através de uma única via de informa-ção, criando com isso maior valorização e profissionalização para os trabalhos realizados.

Lênia Luz Nogueira

Fonoaudióloga pela Universidade Tuiuti do Paraná,com experiência nas área clínica e escolar.

Especialista em Psicomotricidade. Consultora na área de inclusão das pessoas com deficiência no

âmbito educacional e de trabalho. Atualmente desenvolve com Sérgio Torretta, o projeto:

“Eficiência além da Deficiência — Incluindo através da Arte.

Sérgio Torretta

Artista plástico, com diversos prêmios como: Grande Medalha de Prata no 1º Salão Adventista de Artes

Plástica Artur Nogueira e Menção Honrosa no Salão de Artes do CIAPPD. Ministra aulas e workshops. Desenvolve com Lênia Luz Nogueira, o projeto:

“Eficiência além da Deficiência — Incluindo através da Arte”.

Sérgio Torretta é tetraplégico.

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s organizações, que têm como objetivo as atividades de lazer, devem tercomo referência a filosofia de inclusão social; isto significa garantir os direi-tos humanos e a equiparação de oportunidades, fazendo com que seja res-peitada a diversidade humana e as diferenças individuais.

Liberdade e opções de escolha são elementos fundamentais do Lazer.

Só assim a pessoa com deficiência será incluída e respeitada.

Isso pode acontecer quando as pessoas tiverem acesso aos logradouros públicos, epara tanto são necessárias medidas para que as barreiras arquitetônicas, atitudinais,comunicacionais sejam eliminadas. As leis já existem, basta que sejam cumpridas.

Rosângela Ribeiro Mucci Barqueiro

Psicóloga Especializada em Psicologia Hospitalar e

Pós-Graduada em Administração de Recursos Humanos;

Consultora Técnica de Relações Institucionais da

Laramara – Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual.

Consultora nos processos de Inclusão da pessoa com deficiência na sociedade.

QUAIS AS MEDIDAS PARA UMA EFETIVAinclusão da pessoa com deficiência na sociedade brasileira atual?

Rosângela Ribeiro Mucci Barqueiro

A

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132 Inclusões

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133

PARTE III SAB

ERES

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134 Inclusões

EDUCAR

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135

s tendências da educação brasileira conduzem a pensar a educação como umaquestão de respeito ao direito à educação, o atendimento aos alunos comnecessidades educacionais especiais, baseado em princípios universais como a

preservação da dignidade humana, a busca da identidade e o exercício pleno da cidadania.

Sob esta ótica, a educação tem como finalidade primordial favorecer o acesso ao conheci-mento produzido, mediando junto aos alunos, a capacidade de utilização destes conhecimentos,respeitando a diversidade cultural e as características individuais de cada pessoa.

Todos os alunos têm necessidades educacionais próprias e específicas para realizar asexperiências de aprendizagem e efetivar sua socialização, que requerem uma atenção pedagógi-ca individualizada.

Um dos grandes desafios enfrentados pela pessoa com deficiência na efetivação de seu

DIREITO Adiversidade

Claudia Maffini Griboski

Pensando nos diferentes atores da sociedade e contextualizando, brevemente,

os problemas que enfrentamos, quais as medidas para uma efetiva inclusão

da pessoa com deficiência na sociedade brasileira atual?

A

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direito à educação e à cultura, diz respeito à eliminação das barreiras sociais: os dispositivosarquitetônicos (urbanísticos, nas edificações, nos transportes), tanto como as formas de comu-nicação e sinalização regida por uma lógica de padronização que não responde às diferenças,também — e principalmente — interditam o direito da pessoa à cidadania. Em 2 de dezembrode 2004, foi assinado Decreto nº 5.296 que regulamenta as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembrode 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade daspessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.

Empreender as mudanças necessárias, com base nesse instrumento legal pode começarpor uma parceria entre o poder público — áreas de Educação e Cultura, entre outras — de cadalocalidade brasileira, assim como dos Estados e da União, os empresários e as organizações oumovimentos sociais com vistas à efetivação das seguintes medidas:

a) mapeamento e avaliação das condições de acessibilidade à educação e à cultura, abrangen-do escolas públicas, bibliotecas públicas, museus, teatros, casas de espetáculo e cinemas.

b) planejamento e gestão das seguintes medidas: construção de rampas de acesso, alarga-mento de passagens no interior das edificações, adaptação de sanitários, elaboração eimpressão de catálogos em braille (de exposições, acervos), elaboração de livros falados

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(parceria com o meio artístico e musical), provisão de livros em braile e livros falados paraas bibliotecas e escolas, provisão de Dicionários Trilíngüe Português/Inglês/Libras, pro-visão de softwares que transpõem o código escrito para a linguagem oral, para uso embibliotecas e museus, para pessoas cegas, bem como de softwares que ampliam caracteres,para pessoas com baixa visão, provisão de scanner e impressora braile para bibliotecaspúblicas; realização de jornadas de sensibilização dos agentes da cultura em relação àspessoas com deficiência (parceria com organizações de pessoas com deficiência), capacitaçãode agentes da cultura (bibliotecários, atendentes em cinemas e casas de espetáculo, monitoresde museus e de visitas Orientadas a sítios históricos, etc.) para o atendimento às necessi-dades especiais das pessoas com deficiência, incluindo aspectos como orientação, mobili-dade e autonomia da pessoa cega, necessidades específicas da pessoa usuária de cadeira derodas, a pessoa surda e a Língua Brasileira de Sinais — Libras, a pessoa com deficiênciamental ou múltipla e o seu direito de acesso à educação e à cultura.

Essas medidas, no âmbito da competência da União, já vêm sendo empreendidas na áreada educação, por meio das ações desta Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educa-ção — SEESP/MEC, do Instituto Benjamin Constant — IBC, do Instituto Nacional de Edu-cação de Surdos — INES, do Programa Nacional do Livro Didático — PNLD/FNDE, doPrograma Fundo de Fortalecimento da Escola/Fundescola e outros. Somar esforços com ou-

Direito a diversidade

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tros atores governamentais — dos Estados e Municípios — e com a sociedade poderá ampliaro alcance das medidas no sentido da promoção do efetivo acesso da pessoa com deficiência àeducação e à cultura, veículos básicos do exercício da cidadania.

A opção pela construção de uma sociedade inclusiva impõe transformações para as dife-rentes áreas de ação pública, destacando-se a necessidade de intervenção dos diversos setoresda sociedade junto às pessoas que apresentam necessidades especiais, visando garantir, definiti-vamente, o acesso de todos.

Claudia Maffini Griboski

Diretora de Políticas de Educação Especial/SEESP/MEC

Pedagoga/Mestre pela UFSM

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uando recebi o convite para refletir sobre o tema ´Educação & Cultura´ rela-cionado à vida das pessoas com deficiência, duas perspectivas imediatamenteme ocorreram. Primeiro, a perspectiva que diz respeito à cultura geral ou

o acesso aos bens culturais fundamentais disponíveis à formação humana, tais como: pintura,música, teatro, história antiga, contemporânea, cinema, literatura, etc. A outra perspectivaque emergiu foi aquela que trata da ´cultura´ como base da assimilação de crenças que foramcriadas ao longo da história de uma sociedade, de uma comunidade ou de uma organização.Depois de refletir sobre ambas, decidi que deveria abordar ambos os temas e tentar, de algu-ma forma, conectá-los.

A forma de conectá-los será então através da discussão da crença de que as pessoas com defici-ências não são sujeitos de direito. Crença esta que foi criada ao longo da História da humanidade eque se perpetuou porque nós ainda não estamos preparados para entender, conviver e celebrara diversidade como uma riqueza humana...

Começo contando uma experiência pessoal vivida em 1996, na Inglaterra, mais precisa-mente na cidade de Manchester e depois conto uma experiência vivida numa escola inglesaonde, pela primeira vez, ‘vi’ o significado de inclusão como uma garantia do respeito aodireito de participação.

PESSOAS COM DEFICIÊNCIAsão sujeitos de direito e eu quero ter o direito de conviver com eles emtodos os espaços sociais: reflexão sobre a educação & cultura

Windyz Brazão Ferreira

Q

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A ‘naturalidade’ da vida de Meg...

Quando preenchi os formulários de matrícula no PhD da University of Manchester em1996, encontrei uma lista de possibilidades de lugares onde poderia viver durante aquele perío-do inicial de vida no país. A universidade possui inúmeros halls de estudante (prédios ou resi-dências grandes com muitos quartos) e também faz um tipo de convênio com famílias inglesasque se cadastram para receber estudantes estrangeiros, que pagam então a mensalidade para amesma. Havia muitas opções de famílias: família com pai, mãe e filhos, mãe solteira, casal semfilhos, casal mais idoso etc. Eu escolhi viver com um casal sem filhos... Quando ainda no Brasil,recebi uma carta muito simpática do casal expressando que estavam aguardando ansiosamenteminha chegada.

Quando cheguei à Inglaterra, fui para a sua casa e para minha surpresa a esposa do casalcom quem iria viver — Meg — estava em uma cadeira de rodas, me aguardando sorridente. Nasua casa, um sobrado de dois quartos, tudo era adaptado: tinha um elevador que levava da salaaté o quarto do casal, as portas eram amplas o suficiente para a Meg circular na casa toda comabsoluta independência e desenvoltura. O banheiro (que eu curtia muito) no andar de cima eraadaptado com barras, ducha, banco dobrável, piso antiderrapante, pia em altura acessível... En-fim, tudo era absolutamente natural!

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Logo no primeiro final de semana eles decidiram que me levariam ao maior shoppingcenter da cidade, o Arndale Center. Eles não tinham carro e eu, uma brasileira àquela época semmuitas referências acerca de acessibilidade, me surpreendi ao ver chegar uma Van — tipo furgão— na hora marcada, com todo o tipo de equipamento de acessibilidade (elevador, travas para asegurança para a cadeira de rodas) na porta da casa para nos levar. O motorista era uma gentilezae, evidentemente, bem treinado para lidar com pessoas que enfrentam barreiras para se locomover.Chegamos ao shopping e o marido de Meg — Derek — pagou o transporte, cujo valor era umpouco acima do transporte regular, e combinou o horário que o motorista deveria nos pegarpara retornar para casa. Entramos no shopping pela porta acessível onde tinha um elevador efomos a diversos lugares, incluindo um pub e o cinema do shopping.

Numa outra oportunidade, fomos à Manchester Art Gallery, lugar fantástico com obras depintores famosos como o renascentista Botticelli, o modernista vienense Klimt e esculturas dofrancês Auguste Rodin. Também lá pudemos circular sem problemas e desfrutar da beleza dasartes. Em muitos edifícios públicos que são prédios antigos e que não possuem elevadores, háelevadores abertos nos corrimões das escadas. Inúmeras foram as oportunidades em que fuisurpreendida pela vida regular do casal e da Meg... Sim, o ‘casal’... Derek não trabalhava fora erecebia semanalmente uma pensão para cuidar da Meg. Na Inglaterra, serviços como emprega-

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da doméstica são muito caros para a classe média e não há profissionais disponíveis. Somentequem é ‘rico’ tem empregados. Na verdade, devo dizer que aquele casal tem uma vida muito —mas muito — mais saudável, alegre e em harmonia do que muitos dos casais que já conheci naminha jornada.

Rapidamente pude compreender o quão distante estamos no Brasil de uma realidade seme-lhante àquela... O ponto chave dessa experiência para mim se traduz no fato de que, pela primeiravez, eu tive a oportunidade de enxergar e compreender a naturalidade do processo que envolveu sair com umapessoa em cadeira de rodas para ter acesso aos bens culturais disponíveis para a comunidade de Manchester.Em nenhum momento houve dúvidas sobre como proceder ou sobre o direito da Meg de sair e teracesso ao que todas as outras pessoas que não usam cadeiras de rodas têm. Em nenhum momentohouve constrangimento ou encontramos barreiras para fazer o que queríamos. Ninguém ficava olhandopara a Meg ou para a gente com cara de surpresa. Tudo absolutamente natural!

Pensando bem, naquele contexto eu era a pessoa que enfrentava barreiras e precisava deapoio pela minha condição de estrangeira com um domínio limitado da língua, das regras soci-ais, da geografia local, etc. Se me deixassem sozinha no shopping, teria dificuldades para retornarpara casa sozinha, pois mesmo tendo o endereço comigo, precisaria me comunicar eficiente-mente com as pessoas...

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A naturalidade com que transcorre a vida da Meg me levou a refletir sobre as barreirasenfrentadas por pessoas com deficiência no Brasil em geral, e em particular quando se trata deter acesso aos bens culturais. Como se locomover sem transporte adaptado? Como passearnum shopping sem ter que suportar olhares ‘curiosos’? Como ir ao cinema ou a uma galeria dearte sem criar um problema na entrada ou na saída com as escadas e a falta de pessoal treinadopara receber bem uma pessoa em cadeira de rodas?

Cindy e Ruby: reflexo de uma cultura inclusiva na escola

Agora passo a outra perspectiva cultural, a que se refere à ´cultura´ como base da assimi-lação de crenças que foram criadas ao longo da história de uma sociedade, de uma comunidadeou de uma organização. Aqui vou abordar a cultura na escola e as crenças que são criadas eperpetuadas no âmbito da comunidade escolar, as quais são determinantes para o desenvolvi-mento de uma atitude acolhedora ou discriminatória dos membros da comunidade. Passo acontar a minha visita a uma escola inglesa em 2002: North Rise Primary School.

Eu fui convidada para visitar essa escola pelo colega Mel Ainscow, da University ofManchester. Ele estava coletando dados para uma pesquisa sobre lideranças nas escolas e o

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papel de líderes na facilitação do desenvolvimento de contextos de aprendizagens. Quandocheguei à escola, imediatamente vi, pelo vidro, dois adultos com duas alunas sentadas em cadei-ras dispostas no hall de entrada da escola. Como eu não consegui abrir a porta, uma das meni-nas a abriu para mim, enquanto a outra foi logo perguntando meu nome. Ambas eram criançascom deficiência...

Essa visita aconteceu numa época em que o governo britânico estava convidando o siste-ma educacional a promover mudanças profundas, a fim de proporcionar escolas mais inclusivase melhorar a performance educacional dos alunos e alunas mais vulneráveis ao fracasso. NaInglaterra, apenas 1% das pessoas com deficiência estão em escolas especiais e um dos gruposque mais sofre fracasso escolar e exclusão é o grupo constituído pelos meninos negros.

Foi nessa escola que eu presenciei uma cena absolutamente representativa da cultura inclu-siva cultivada pela escola. Eu estava na sala de aula da professora Mary, que estava trabalhandocom leitura. As crianças estavam organizadas em duplas, grupos de quatro, cinco, e um grupogrande de onze crianças sentadas em volta da mesa da professora. Cada grupo tinha um livrodiferente que havia escolhido. Essas crianças precisavam de um apoio mais direto da Profa.Mary durante a leitura, conforme ela me explicou depois.

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Em uma mesa próxima a mim estava um grupo de quatro meninas, uma das quais —Ruby — apresentava dificuldades severas de aprendizagem associada com inadequação de comportamento,segundo a professora. Ruby e Cindy, esta última uma aluna sem dificuldades de aprendizagem,estavam sentadas uma ao lado da outra. Também havia na classe uma professora assistenteauxiliando uma outra criança com deficiência.

Durante a atividade, Ruby ficava virando sua cabeça para traz como se estivesse tentandover algo situado atrás dela, ao mesmo tempo em que mexia muito seu corpo e esticava o seubraço esquerdo sem muito controle. Apesar disso, naturalmente, Cindy começou a chamar aatenção de Ruby para o livro que tinha em suas mãos. A mesma situação se repetiu algumasvezes. Em uma das vezes, Ruby deixou a mesa e Cindy foi atrás dela e a resgatou para sentar-se.Sem conseguir a atenção necessária de Ruby para a leitura, Cindy gentilmente pegou o rosto daparceira, puxou para o lado do livro e começou a ler a história lentamente. Quando vi essa cena— que eu mesma pratiquei como fonoaudióloga, com muitas das crianças com as quais traba-lhei — pensei: Vamos ver por quanto tempo a Cindy vai conseguir manter a atenção da Ruby no livro e ler aomesmo tempo, sem buscar ajuda da professora ou da assistente... Para minha surpresa, gradualmenteCindy conseguiu envolver Ruby na leitura, cujos movimentos de braços e cabeça praticamentedesapareceram e Cindy, junto com a colega, ‘leu’ o livro até o final.

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Tudo isso aconteceu naturalmente na sala de aula. Sem que ninguém ficasse olhando para asituação ou distraindo-se com ela. A aula não foi interrompida e nem prejudicado o trabalho dasoutras crianças. A professora não foi requisitada e sequer o foi a assistente, que eu suponhoestavesse lá para isso. O que podemos aprender com essa história? Qual o significado que talexperiência tem no âmbito da cultura da escola? Para mim, essa história teve muitos significados.

(1) é possível conviver com a diversidade de estilos de aprendizagem nas escolas e na salade aula, e isso necessariamente inclui conviver com crianças com deficiências de graus variados.

(2) a convivência com as crianças com deficiência não representa uma ameaça para aque-les que não possuem deficiências (devo dizer naquele momento de suas vidas... pois todossomos vulneráveis a possíveis doenças que geram deficiências). Muito pelo contrário!

(3) a convivência com a diversidade representa uma riqueza para o desenvolvimento dosvalores que devem permear as relações humanas, tais como: solidariedade, apoio ao outro,acolhimento, etc.

No âmbito da cultura da escola, considerando-se a naturalidade com que a interação entreCindy e Ruby transcorreu, somente pude constatar que naquela escola existe uma cultura devalorização da diversidade humana que implica a promoção de apoio e colaboração entre os

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membros da comunidade (neste caso a sala de aula), na consciência da importância e no reco-nhecimento do direito à participação de todas as atividades escolares e no direito a oportunida-des igualitárias no processo de aprendizagem.

A presença de uma criança com deficiência em uma classe regular, de uma negra numa classe onde osbrancos predominam, uma criança Albina no meio de muitas com ‘cores’ e comportamentos diversos... Semprerepresentará uma oportunidade para enriquecer a turma como um todo, se a diferença humana for abordada eassumida como um valor social.

Novamente afirmo: estamos ainda muito longe de cultivar uma cultura inclusiva nas esco-las brasileiras... Na nossa realidade, quando uma criança se comporta de uma forma que aspessoas não apreciam, alguns comentários são emitidos ou pensamentos, como os abaixo apre-sentados, cruzam dentro de nossas cabeças:

— Nossa, que criança mal educada! Ou

— Esse menino é assim porque ele é muito inteligente...

Se a mesma situação acontecer com uma criança cuja família esteja se desestruturando(separação dos pais), que viva em uma favela, ou seja, uma pessoa com deficiência, inevitavel-

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mente a explicação para o comportamento terá uma relação direta com uma dessas condições,e os comentários ou pensamentos passarão a ser os seguintes:

— Essa menina está se comportando assim, porque seus pais estão se divorciando...

— Esse menino é assim, porque ele vive ´naquele lugar´ sem valores ou regras sociais!

— Essa criança faz isso, porque é deficiente.

Não tem jeito! Sempre que uma criança tem alguma condição pessoal ou de vida que sejaconsiderada ‘fora do padrão social de desenvolvimento humano ou econômico’ esperado, ainterpretação da situação na qual está envolvida incorporará esse dado. No contexto educacio-nal, esse tipo de interpretação constitui um sério risco para o desenvolvimento de uma culturainclusiva, pois cria crenças.

Reflexão

Ao me conscientizar das barreiras existentes para as pessoas com deficiências serem com-preendidas, respeitadas e aceitas como sujeitos de direito no nosso país, também me conscientizeide que, mesmo sem o saber, nós — que não enfrentamos os mesmos tipos de barreiras —

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contribuímos naturalmente para a perpetuação de tais barreiras, com nossas atitudes. Por exem-plo, ao considerar todas as dificuldades que podemos encontrar ao sairmos com filho(a)s,amigo(a)s, irmã(o)s, pais ou outros com deficiências, escolhemos ‘deixar para lá’ e ignoramos quetanto quanto nós, essas pessoas são sujeitos de direito.

Em outras palavras, escolhemos não convidar para ir ao cinema se for uma pessoa cega, afinalela não vai poder ver o filme! Mas pode escutar e viver dentro da vida regular... Optamos por nãolevar uma amiga surda a uma festa, porque não poderá conversar com os outros ou ouvir as músicas.Mas essa pessoa pode ver e curtir a festa do mesmo jeito! Decidimos que é melhor não tentar ir a umteatro com alguém em cadeira de rodas, porque tudo ficará mais difícil, não vale nem a pena tentar...

Enfim, é melhor deixar para lá, porque é muito complicado enfrentar as barreirasarquitetônicas, atitudinais, sociais, etc. Só que ao fazer essas escolhas, estamos contribuindo demaneira determinante para a perpetuação da não visibilização das pessoas com deficiência epara o não reconhecimento dessas pessoas como sujeitos de direito. Pior, estamos contribuindopara manter o isolamento e a discriminação contra pessoas que poderiam enriquecer nossasvidas se tivéssemos a oportunidade de conviver com elas.

A ‘crença’, segundo o dicionário OXFORD, é um sentimento de que alguma coisa ou alguém é reale verdadeiro, a partir do qual as pessoas passam a acreditar que aquilo ou aquela pessoa são verdadeiros.

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Quando disseminadas, essas crenças passam a fazer parte do cotidiano da escola e se cristalizamcomo verdades que todos acreditam, mesmo que sejam infundadas, inverídicas ou até mesmoabsurdas em alguns casos. São exatamente essas crenças que alimentam o preconceito e a dis-criminação que levam alguns diretores, professores e pais de aluno(a)s, que são pessoas sem defi-ciências, a se recusarem a conviver com aluno(a)s com deficiências nas escolas da rede regular.Crença essa que priva todos da comunidade escolar de se enriquecerem com tal convivência...

Nossa cultura ainda está permeada de crenças que justificam e legitimam os processosexclusionários impetrados contra as pessoas com deficiências. Em nome de nossas crenças —ainda medievais — julgamos errado, segregamos e perdemos a rica oportunidade de convivercom a diversidade e promover a pluralidade humana. A crença de que uma pessoa com deficiên-cia apresenta este ou aquele comportamento porque “é deficiente”, não se sustenta pela suailogicidade, pois qualquer pessoa pode manifestar o mesmo comportamento em momentosdiferentes da vida. Mais ainda, qualquer um de nós pode, em momentos distintos de nossasvidas, nos tornarmos pessoas com deficiências.

Depois de ter convivido com pessoas com deficiência por mais de 25 anos de vida profis-sional, eu não tenho dúvidas de que quero ter garantido o meu direito de conviver com aspessoas com deficiências! Eu quero celebrar o fato de meus familiares poderem privar de ami-

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zades com pessoas com deficiência através de minha ação direta para assegurar que isso aconte-ça. Eu quero ter certeza de que me tornei um ser humano melhor por ter conhecido, convividoe aprendido com pessoas com deficiência, porque somente assim meus direitos como um sujei-to de direitos serão garantidos.

Para finalizar, fica aqui uma pergunta direta: Você realmente já conviveu com algumapessoa com deficiência???

Windyz Brazão Ferreira

PhD em Educação e Mestre em Pesquisa Educacional pela

University of Manchester. Consultora na Área de Educação Inclusiva.

Consultora da UNESCO para Educação Inclusiva. Autora do Guia Aprendendo

sobre os direitos da Criança com Deficiência,

Guia de Orientação a Família,

Escola e Comunidade.

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ensar, descrever e implementar medidas para uma efetiva inclusão social dapessoa com deficiência(s) na atual Sociedade Brasileira, se faz urgente. Vistoque, tanto o meio acadêmico quanto a sociedade em geral, têm mobilizado

espaços para discussões sobre a problemática da inclusão. No entanto, os discursos que permeiamesses espaços, na maioria das vezes, se restringem a ideologias, teorias, justificativas que nãoavançam para aplicações práticas.

Temos constatado, em inúmeras ações realizadas pelo Instituto APAE, que a inclusão não sefaz “apenas” por decretos e legislações, por modificações pedagógico-curriculares ou por forma-ções acadêmicas. Existe uma dimensão que “também” precisa ser (re)pensada, a dimensão“atitudinal”, que inunda nossas ações num movimento frente a diversidade. As políticas públicasde atenção à pessoa com deficiência(s), as formações e propostas para uma educação de TODOStêm contribuído significativamente, no entanto algumas indagações se fazem presentes: Por queainda vemos escolas e professores rejeitando alunos com deficiência(s)? Por que pessoas comdeficiência(s) freqüentam apenas espaços institucionalizados? Por que essas pessoas não estão nosShoppings, praias, em capas de revista de moda ou em outros espaços de lazer?

Penso que a inclusão não pode mais ser vista com um olhar simplista e unicausal de que éisso ou aquilo que vai fazer com que pessoas com deficiência(s) e outros diferentes atores possamviver e conviver num mundo que é de TODOS. Entre as medidas para garantir a inclusão efetiva,

INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA(S):(re) pensando a dimensão atitudinal

Lis Angelis de Menezes

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sinalizamos a derrubada de barreiras atitudinais, formadas por conceitos e pré-conceitos indi-viduais e coletivos. A derrubada dessas barreiras se faz por um processo vivo e constante deformação e informação que não se destinam “apenas” a um determinado grupo, professores ouprofissionais, mas à sociedade. Os alunos(as), as crianças, os jovens, os adultos e os idosos, a mãe,o pai, o amigo, a pessoa que passeia pela rua, ou seja, TODOS precisam ser formados e informa-dos para a diversidade. (Re)formar a educação, olhar, examinar e investigar os métodos e pro-gramas de ensino-aprendizagem, avaliações e currículos que estão sendo “aplicados” nas institui-ções educacionais. E também, políticas públicas que garantam e ponham em prática o acesso àeducação e à cultura, a permanência e qualidade de vida de TODOS os cidadãos brasileiros.

Assim, penso que medidas para uma efetiva inclusão se consolidam nos espaços por nósvivenciados, seja em casa, na instituição ou na rua. Essas medidas são nossas ações,posicionamentos e atitudes frente a diversidade. Reconhecer esse outro “diferente” de mimcomo parte de mim é avançar rumo à construção de um mundo para TODOS, um mundo maishumano, mais justo, rico e muito melhor.

Lis Angelis de MenezesGraduada e pós-graduada em Educação Especial — área de Deficiência Mental/UFSM/RS,

Psicopedagoga Clínica e Institucional/Instituto Sedes Sapientiae,Professora, Pesquisadora e Supervisora de Projetos Educacionais do Instituto APAE.

Inclusão da pessoa com deficiência(s)

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154 Inclusões

xperiências em vários países demonstram que a integração de crianças e jovens com necessida-des educacionais especiais é melhor alcançada dentro de escolas inclusivas, que servem a todasas crianças dentro da comunidade. É dentro desse contexto que aqueles com necessidades

educacionais especiais podem atingir o máximo progresso educacional e integração social. Ao mesmo tempo em queescolas inclusivas provêem um ambiente favorável à aquisição de igualdade de oportunidades e participação total,o sucesso delas requer um esforço claro, não somente por parte dos professores e dos profissionais na escola, mastambém por parte dos colegas, pais, famílias e voluntários. A reforma das instituições sociais não constituisomente uma tarefa técnica, ela depende, acima de tudo, de convicções, compromisso e disposição dos indivíduos quecompõem a sociedade.(Declaração de Salamanca)

A educação é um direito humano prioritário e inalienável, por toda a vida, e esse direito éessencial para o conhecimento e acesso aos outros direitos básicos, além de ser base para aconstrução de valores solidários e para o exercício da cidadania. As pessoas com deficiênciaformam um grupo fragilizado da sociedade, assim como outras minorias, e têm o acesso àeducação dificultado devido a diversos fatores, como a falta de acessibilidade das escolas, a faltade preparo dos professores e o preconceito. A privação do ensino aumenta a fragilidade dessegrupo, que, sem a instrução necessária, fica também à margem do mercado de trabalho e,conseqüentemente, da sociedade.

EDUCAÇÃOinclusiva

Ana Beatriz Iumatti

André Tristão

Rede SACI

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As idéias sobre a possível incapacidade das pessoas com deficiência colaboraram para suaexclusão do sistema de ensino durante grande parte de nossa História. Tempos depois, o pensa-mento foi em direção da institucionalização desses alunos, que eram educados em instituiçõesespecíficas de acordo com sua deficiência, passando a conviver apenas com pessoas semelhan-tes em suas deficiências.

Após as duas guerras mundiais, o contexto histórico favoreceu o surgimento de setoresda comunidade interessados na luta pelos direitos humanos, marcado principalmente pela cria-ção da ONU, e que mudaram em parte a visão acerca da deficiência. A Declaração dos DireitosHumanos, em 1948, e a promulgação do Ano Internacional da Pessoa Portadora de Deficiência,em 1981, impulsionaram os movimentos de luta pelos direitos das pessoas com deficiência, acriação de órgãos reguladores como a CORDE e o CONADE, assim como a proliferação deleis federais que primeiramente estimulavam a integração e que depois caminharam em direçãoà inclusão. Essas mudanças possibilitaram o surgimento de teorias que afirmam a possibilidadee a necessidade da educação inclusiva, ou seja, que esses alunos fossem colocados na escolajunto com os demais, em uma cultura de admissão e valorização das diferenças.

As idéias acerca da educação inclusiva surgiram na década de 1990 e foram fortalecidas apósa Declaração de Salamanca, uma iniciativa da UNESCO assinada em 1994, que tinha como ban-

Educação inclusiva

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Carta de princípios do fórum permanente de educação inclusiva

1 – Defendemos a inclusão total e incondicional de todas as pessoas em todosos contextos sociais e o direito de serem beneficiárias dos bens públicos eprivados.

2 – Defendemos o processo de transformação da sociedade para atender asingularidade humana e a pluralidade cultural, o que implica em rupturas emudanças políticas, econômicas e sociais.

deira a Educação para Todos. O documento reconhece a diversidade de clientes do sistema educa-cional devido à unicidade das necessidades educacionais em cada criança, a necessidade de siste-mas escolares que levem em conta essa diversidade e elege a escola regular como o meio maiseficaz de satisfazer essas necessidades. Assim, estabelece-se de fato o direito à educação a partir doreconhecimento das pessoas com deficiência como alunos comuns do sistema de ensino.

Para que as pessoas com deficiência consigam freqüentar a escola regular, há então anecessidade de propor ações e medidas que visem assegurar esses direitos conquistados, a melhoriada qualidade da educação, o investimento em uma ampla formação dos educadores, a remoçãode barreiras físicas e atitudinais, a previsão e provisão de recursos materiais e humanos, entreoutras possibilidades. Falaremos a seguir mais detalhadamente sobre essas necessidades para aconcretização da inclusão escolar.

O primeiro passo para a inclusão reside na quebra das barreiras físicas na escola. A aces-sibilidade plena do ambiente escolar é indispensável para que as pessoas com deficiência exer-çam seu direito à educação. Assim, rampas, sanitários adaptados, piso tátil, sinalização em braile,carteiras adequadas e outros recursos acessíveis devem ser providenciados pela escola. Além daacessibilidade para a locomoção do aluno, deverão ser providenciados também recursos quetornem as aulas e o material didático também acessíveis, de acordo com a necessidade de cada

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aluno, como livros falados ou em braile, disponibilização de recursos de informática que tradu-zem textos escritos para a linguagem oral, por exemplo.

São necessários investimentos na formação abrangente dos professores, a fim de capacitá-los para a ação frente à diversidade e às diferenças. Nesse caso, o professor deve ser preparadocom cursos e palestras que esclareçam e desmistifiquem a deficiência, e dessa maneira conheçaas limitações e necessidades trazidas por ela e assim consiga explorar as potencialidades dosalunos. Com esse conhecimento, o professor está preparado para providenciar os equipamen-tos e recursos necessários à educação do aluno com deficiência. O apoio de instituições quetrabalham com a deficiência é de grande valia nessa formação, devido ao acúmulo de conheci-mentos nessa questão.

Ao lado dos cursos de formação sobre deficiência, o contato com a família é tambémnecessário para o bom andamento da inclusão escolar. O conhecimento do aluno, além deesclarecimentos sobre as expectativas dos pais em relação ao desempenho da criança na escola,são ferramentas importantes para o bom desempenho do professor em sala de aula. O acompa-nhamento da vida escolar por parte da família é essencial para que os avanços e dificuldadessejam sentidos e, principalmente, transmitidos ao professor para a otimização do ensino. Atroca constante de informação permite que pais e professores se ajudem mutuamente.

Educação inclusiva

3 – Defendemos a cultura da diversidade em oposição a cultura do preconcei-to, com base nos direitos humanos fundamentais de igualdade, participação,solidariedade e liberdade.

4 – Defendemos a cultura da diversidade na educação, não como busca domelhor modelo educativo individual ou de adaptações curriculares, mas daconstrução de sistemas educacionais inclusivos que assegurem o acesso e apermanência de todos como resultado da qualidade social da educação.

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158 Inclusões

5 – Defendemos a educação como um direito de todos e dever do Estado, sejaesse o provedor dos serviços educacionais ou o fiscalizador dos serviços pres-tados por entidades privadas.

6 – Defendemos a gestão democrática e o controle social em todas as instân-cias dos sistemas de ensino e nas unidades escolares.

7 – Defendemos que a educação escolar é o instrumento fundamental dedesenvolvimento individual, social, cultural, político e econômico do país, paragarantir o exercício da cidadania.

Governos deveriam tomar a liderança na promoção de parceria com os pais, através tanto de declaraçõespolíticas quanto legais no que concerne aos direitos paternos. O desenvolvimento de associações de pais deveria serpromovido e seus representantes envolvidos no delineamento e implementação de programas que visem o aprimo-ramento da educação de seus filhos. Organizações de pessoas portadoras de deficiências também deveriam serconsultadas no que diz respeito ao delineamento e implementação de programa (Declaração de Salamanca).

Além do aluno, professor e sua família, o processo de inclusão depende em grande partedo apoio da comunidade em que estão inseridos. O contato do aluno com deficiência compessoas de fora da escola auxilia em sua inclusão dentro dela, já que as diferenças entre aspessoas passam a ser vistas como naturais, a partir do contato diário entre elas. A criação deespaços de convivência ou a utilização de espaços já existentes na comunidade, como clubes,associações de moradores e outros centros de integração, ajudam na mudança da cultura emtorno da deficiência, além de servirem de meio para a inclusão da pessoa com deficiência nasociedade e não somente na escola. Além disso, os recursos necessários à educação podem serbuscados dentro da comunidade, para que essa se sinta parte do processo de inclusão. Porexemplo, móveis adaptados podem ser confeccionados por um marceneiro local ou então al-guém que domine a Língua Brasileira de Sinais pode ser chamado a trabalhar e auxiliar nainclusão de seus vizinhos.

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O principio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças devem aprender juntas, sempreque possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que elas possam ter. Escolas inclusivasdevem reconhecer e responder às necessidades diversas de seus alunos, acomodando ambos os estilos e ritmos deaprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos, através de um currículo apropriado, arranjosorganizacionais, estratégias de ensino, uso de recursos e parcerias com as comunidades. Na verdade, deveria existiruma continuidade de serviços e apoio proporcional ao contínuo de necessidades especiais encontradas dentro daescola.(Declaração de Salamanca)

Outro ponto fundamental na educação inclusiva é o suporte necessário para que ela seestenda preferencialmente até o ponto que o educando deseje ou lhe seja possível. Não bastafornecer a formação mínima e básica e deixar de lado a evolução de sua carreira escolar, sendoassim necessário o fornecimento de todo o equipamento, recursos de apoio e profissionaiscapacitados para que o aluno possa chegar a completar o ensino superior. O percentual dealunos com deficiência que concorrem nos principais vestibulares do país hoje infelizmente nãoultrapassa 1%, mesmo com a obrigatoriedade de fornecimento de condições especiais para arealização das provas. É necessário o estímulo para que esses alunos prossigam na escola e umamaneira de estimulá-los é fornecendo ensino de qualidade que os coloque em condições deconcorrer a uma vaga na universidade e também de cursá-la de maneira plena.

Educação inclusiva

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160 Inclusões

A partir dos recursos apontados acima, como o amplo acesso, a formação de professores,o fornecimento de recursos pedagógicos e o contato entre família, escola e comunidade, énecessária uma nova maneira de olhar a escola como um espaço de celebração e convívio comas diferenças, no qual se possa viver a expressão, a criação e as experiências de vida, para quesejam valorizadas, independente da condição dos alunos. Porém, para que a escola possa servista a partir desse novo olhar e para que isso se transforme em algo palpável, é preciso grandeconcentração de esforços por parte dos órgãos dirigentes, a partir da implementação de políti-cas públicas eficazes, além da constante busca por resultados que auxiliam na evolução doprocesso de inclusão.

O ensino inclusivo no Brasil teve como fundamento legal a constituição federal de 1988,que em seu artigo 208º afirma:

Art 208: O dever do Estado com a Educação será efetivado mediante a garantia de:

III — atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rederegular de ensino;.

O reconhecimento do direito das pessoas com deficiência à educação e do dever do esta-do em educá-las foi um passo importante para a adoção de uma política de inclusão no ensino

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regular. A legislação acerca da deficiência na escola evoluiu com a aprovação de leis que garan-tem as condições básicas para o acesso à escola. Como exemplo, podemos citar a Lei de Libras(10.436/02), que reconhece a Língua Brasileira de Sinais como meio legal de comunicação eexpressão e a Lei da Acessibilidade (10.098/94), que obriga a adaptação dos espaços públicospara o acesso das pessoas com deficiência.

A criação de leis específicas para a educação de pessoas com deficiência auxilia a evoluçãoda educação inclusiva no país. Um passo importante em sua implementação foi a assinatura dodecreto nº 5296/04 que regulamenta leis anteriores sobre acessibilidade e que, com relação àeducação, estabelece o seguinte:

Os estabelecimentos de ensino de qualquer nível, etapa ou modalidade, públicos ou privados, proporciona-rão condições de acesso e utilização de todos os seus ambientes ou compartimentos para pessoas portadoras dedeficiência ou com mobilidade reduzida, inclusive salas de aula, bibliotecas, auditórios, ginásios e instalaçõesdesportivas, laboratórios, áreas de lazer e sanitários.

Além de garantir o acesso aos espaços escolares, o decreto prevê obrigações para osestabelecimentos de ensino de fornecer as ajudas técnicas necessárias para que as pessoas comdeficiência possam atuar em condição de igualdade com os demais e, por fim, prevê a criação denormas de conduta a fim de coibir o preconceito. Assim, nota-se que o direito à educação está

Educação inclusiva

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162 Inclusões

assegurado por lei e que esse direito independe da condição das pessoas a serem atendidas naescola. A efetivação do processo de inclusão escolar depende então da aplicação dessas leis, afim de aumentar o número de pessoas com deficiência matriculadas no ensino regular, que hojenão passa dos 28,7% (CENSO Escolar – MEC-2003).

A política educacional pública confere um papel importante para os municípios, na medi-da em que a gestão municipal é responsável pela execução das políticas educacionais e dasdiretrizes nacionais presentes nas leis federais. O governo federal, nas últimas três gestões,manteve uma linha clara a favor da implementação da educação inclusiva, refletida nos docu-mentos internacionais assinados (Salamanca, Educação para todos, Dakar, Guatemala, etc) enas leis e documentos nacionais elaborados. Parte dos municípios brasileiros, dentro dessa pro-posta de política nacional, está sendo capacitada para implementar sistemas educacionais inclu-sivos em seus processos de gestão.

Em face dos 6.000 municípios brasileiros, ainda é pouca a parcela beneficiada por esseprograma de capacitação. O que se espera é que esse novo sistema se multiplique através daarticulação entre os municípios. A gestão direcionada para a educação inclusiva pressupõe umsistema voltado para a garantia de direitos, sendo necessária a capacitação e instrumentalizaçãodas escolas, família e comunidade para o trabalho com as diferenças.

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É fundamental a construção de uma rede de apoio em que vários setores públicos e da socie-dade estejam integrados e dialogando uns com os outros. A integração entre os programas governa-mentais das diversas secretarias municipais e programas não governamentais pode facilitar as açõesconjuntas, para que a inclusão na escola se amplie e se articule ao campo social mais amplo.

A aplicação das políticas apontadas anteriormente depende também da fiscalização por parteda família e das escolas. Nesse campo, há a atuação fundamental dos Conselhos paritários que possu-em uma atuação fiscalizadora e normativa. Os Conselhos Tutelares têm como papel zelar pelo acessoe permanência das crianças e adolescentes na escola. A família pode recorrer aos Conselhos noscasos em que o direito à educação de seus filhos estiver ameaçado e cabe ao Conselho tomar asdevidas providências perante os municípios para que as irregularidades sejam resolvidas.

Inúmeros desafios estão presentes na implementação dessa política. Existem muitas bar-reiras e resistências frente a inclusão, tanto com relação à aceitação na escola, quanto com asatitudes e o mito da impossibilidade e do regime de segregação existente durante décadas. Rom-per com essa lógica não é fácil. Faz-se necessário resgatar o compromisso e recorrer à estruturaque vem sendo construída e estabelecida para a formação de sistemas inclusivos, por meio daprodução acadêmica, de tecnologias assistivas, da ampliação de leis embasadas nos direitos hu-manos, sites especializados, publicações, listas de discussão, eventos relacionados à área e tantasoutras fontes que poderão ajudar os sistemas educacionais nesse papel tão importante.

Educação inclusiva

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164 Inclusões

xperiências em vários países demonstram que a integração de crianças e jo-vens com necessidades educacionais especiais é melhor alcançada dentro deescolas inclusivas, que servem a todas as crianças dentro da comunidade. É

dentro desse contexto que aqueles com necessidades educacionais especiais podem atingir omáximo progresso educacional e integração social. Ao mesmo tempo em que escolas inclusi-vas provêem um ambiente favorável à aquisição de igualdade de oportunidades e participaçãototal, o sucesso delas requer um esforço claro, não somente por parte dos professores e dosprofissionais na escola, mas também por parte dos colegas, pais, famílias e voluntários. Areforma das instituições sociais não constitui somente um tarefa técnica, ela depende, acima detudo, de convicções, compromisso e disposição dos indivíduos que compõem a sociedade.

O princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças devem aprenderjuntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que elaspossam ter. Escolas inclusivas devem reconhecer e responder às necessidades diversas de seusalunos, acomodando ambos os estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educação dequalidade a todos através de um currículo apropriado, arranjos organizacionais, estratégias de ensi-no, uso de recurso e parceria com as comunidades. Na verdade, deveria existir uma continuidade deserviços e apoio proporcional ao contínuo de necessidades especiais encontradas dentro da escola.

DA DECLARAÇÃO DE SALAMANCA(re) pensando a dimensão atitudinal

Trechos selecionados pela Rede SACI

E

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Dentro das escolas inclusivas, crianças com necessidades educacionais especiais deve-riam receber qualquer suporte extra requerido para assegurar uma educação efetiva. Educa-ção inclusiva é o modo mais eficaz para a construção da solidariedade entre crianças comnecessidades educacionais especiais e seus colegas. O encaminhamento de crianças a escolasespeciais, a classes especiais ou a sessões especiais dentro da escola em caráter permanentedeveriam constituir exceções, a ser recomendado somente naqueles casos infreqüentes, ondefique claramente demonstrado que a educação na classe regular é incapaz de atender àsnecessidades educacionais ou sociais da criança, ou quando sejam requisitados em nome dobem-estar da criança e de outras crianças.

A situação com respeito à educação especial varia enormemente de um país a outro.Existem, por exemplo, países que possuem sistemas de escolas especiais fortemente estabe-lecidos para aqueles que possuam impedimentos específicos. Tais escolas especiais podemrepresentar um valioso recurso para o desenvolvimento de escolas inclusivas. Os profissio-nais dessas instituições especiais possuem nível de conhecimento necessário à identificaçãoprecoce de crianças portadoras de deficiências. Escolas especiais podem servir como centrode treinamento e de recursos para os profissionais das escolas regulares. Finalmente, escolasespeciais ou unidades dentro das escolas inclusivas podem continuar a prover a educaçãomais adequada a um número relativamente pequeno de crianças portadoras de deficiências,que não possam ser adequadamente atendidas em classes ou escolas regulares. Investimen-tos em escolas especiais existentes deveriam ser canalizados a este novo e amplificado papelde prover apoio profissional às escolas regulares no sentido de atender às necessidadeseducacionais especiais. Uma importante contribuição às escolas regulares que os profissio-nais das escolas especiais podem fazer, refere-se à provisão de métodos e conteúdoscurriculares adequados às necessidades individuais dos alunos.

Existem milhões de adultos com deficiências e sem acesso sequer aos rudimentos deuma educação básica, principalmente nas regiões em desenvolvimento no mundo, justa-mente porque no passado uma quantidade relativamente pequena de crianças com deficiên-cias obteve acesso à educação. Portanto, um esforço concentrado é requerido no sentido de

Da declaração de Salamanca

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166 Inclusões

se promover a alfabetização e o aprendizado da matemática e de habilidades básicas àspessoas portadoras de deficiências, através de programas de educação de adultos. Também éimportante que se reconheça que mulheres têm freqüentemente sido duplamente colocadasem desvantagem, com preconceitos sexuais compondo as dificuldades causadas pelas suasdeficiências. Mulheres e homens deveriam possuir a mesma influência no delineamento deprogramas educacionais e as mesmas oportunidades de se beneficiarem de tais. Esforçosespeciais deveriam ser feitos no sentido de se encorajar a participação de meninas e mulhe-res com deficiências em programas educacionais.

Políticas educacionais em todos os níveis, do nacional ao local, deveriam estipular quea criança portadora de deficiência deveria freqüentar a escola de sua vizinhança: ou seja, aescola que seria freqüentada caso a criança não portasse nenhuma deficiência. Exceções àessa regra deveriam ser consideradas individualmente, caso-por-caso, em casos em que aeducação em instituição especial seja requerida.

A prática de desmarginalização de crianças portadoras de deficiência deveria ser parteintegrante de planos nacionais que objetivem alcançar a educação para todos. Mesmo na-queles casos excepcionais em que crianças sejam colocadas em escolas especiais, a educaçãodelas não precisa ser inteiramente segregada. A freqüência em regime não-integral nas esco-las regulares, deveria ser encorajada.

Políticas educacionais deveriam levar em total consideração as diferenças e situaçõesindividuais. A importância da linguagem de signos como meio de comunicação entre ossurdos, por exemplo, deveria ser reconhecida e provisão deveria ser feita no sentido degarantir que todas as pessoas surdas tenham acesso a educação em sua língua nacional designos. Devido às necessidades particulares de comunicação dos surdos e das pessoas sur-das/cegas, a educação deles pode ser mais adequadamente provida em escolas especiais ouclasses especiais e unidades em escolas regulares.

g Ambos os arranjos políticos e de financiamento deveriam encorajar e facilitar odesenvolvimento de escolas inclusivas. Barreiras que impeçam o fluxo de movimento

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da escola especial para a regular deveriam ser removidas e uma estrutura administrativacomum deveria ser organizada. O progresso em direção à inclusão deveria ser cuidado-samente monitorado através do agrupamento de estatísticas capazes de revelar o núme-ro de estudantes portadores de deficiências que se beneficiam dos recursos, know-how eequipamentos direcionados à educação especial, bem como o número de estudantescom necessidades educacionais especiais matriculados nas escolas regulares.

g 22. A coordenação entre autoridades educacionais e as responsáveis pela saúde, traba-lho e assistência social deveria ser fortalecida em todos os níveis, no sentido de promo-ver convergência e complementariedade. O planejamento e a coordenação também de-veriam levar em conta o papel real e o potencial que agências semi-públicas e organiza-ções não-governamentais podem ter. Um esforço especial necessita ser feito no sentidode se atrair apoio comunitário à provisão de serviços educacionais especiais.

O desenvolvimento de escolas inclusivas, que ofereçam serviços a uma grande variedadede alunos em ambas as áreas rurais e urbanas, requer a articulação de uma política clara e forte deinclusão junto com a provisão financeira adequada — um esforço eficaz de informação públicapara combater o preconceito e criar atitudes informadas e positivas — um programa extensivode orientação e treinamento profissional — e a provisão de serviços de apoio necessários. Mu-danças em todos os seguintes aspectos da escolarização, assim como em muitos outros, sãonecessárias para a contribuição de escolas inclusivas bem-sucedidas: currículo, prédios, organiza-ção escolar, pedagogia, avaliação, pessoal, filosofia da escola e atividades extra-curriculares.

O currículo deveria ser adaptado às necessidades das crianças, e não vice-versa. Esco-las deveriam, portanto, prover oportunidades curriculares que sejam apropriadas às criançascom habilidades e interesses diferentes.

Para que o progresso da criança seja acompanhado, formas de avaliação deveriam serrevistas. Avaliação formativa deveria ser incorporada no processo educacional regular, nosentido de manter alunos e professores informados do controle da aprendizagem adquirida,bem como no sentido de identificar dificuldades e auxiliar os alunos a superá-las.

Da declaração de Salamanca

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168 Inclusões

O treinamento pré-profissional deveria fornecer a todos os estudantes de pedagogiade ensino primário ou secundário, orientação positiva frente à deficiência, dessa forma de-senvolvendo um entendimento daquilo que pode ser alcançado nas escolas, através dosserviços de apoio disponíveis na localidade.

g De forma prioritária, materiais escritos deveriam ser preparados e seminários orga-nizados para administradores locais, supervisores, diretores e professores, no sentidode desenvolver suas capacidades de prover liderança nessa área e no treinamento depessoal menos experiente.

g 43. O maior desafio reside na provisão de treinamento em serviço a todos os profes-sores, levando-se em consideração as variadas e freqüentemente difíceis condiçõessob as quais eles trabalham. O treinamento em serviço deveria, sempre que possível,ser desenvolvido ao nível da escola e por meio de interação com treinadores, e apoiadopor técnicas de educação à distância e outras técnicas auto-didáticas.

g A provisão de serviços de apoio é de fundamental importância para o sucesso depolíticas educacionais inclusivas. Para que se assegure que, em todos os níveis, servi-ços externos sejam colocados à disposição de crianças com necessidades especiais,autoridades educacionais deveriam considerar o seguinte:

g 48. O apoio às escolas regulares deveria ser providenciado tanto pelas instituições detreinamento de professores, quanto pelo trabalho de campo dos profissionais dasescolas especiais. Os últimos deveriam ser utilizados cada vez mais como centros derecursos para as escolas regulares, oferecendo apoio direto àquelas crianças com ne-cessidades educacionais especiais. Tanto as instituições de treinamento como as esco-las especiais podem prover o acesso a materiais e equipamentos, bem como o treina-mento em estratégias de instrução que não sejam oferecidas nas escolas regulares.

g 49. O apoio externo do pessoal de recursos de várias agências, departamentos einstituições, tais como professor-consultor, psicólogos escolares, fonoaudiólogos,terapeutas ocupacionais etc., deveria ser coordenado em nível local. O agrupamento

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de escolas tem comprovadamente se constituído numa estratégia útil na mobilizaçãode recursos educacionais, bem como no envolvimento da comunidade. Grupos deescolas poderiam ser coletivamente responsáveis pela provisão de serviços a alunoscom necessidades educacionais especiais em suas áreas e (a tais grupos de escolas)poderia ser dado o espaço necessário para alocarem os recursos conforme o requeri-do. Tais arranjos também deveriam envolver serviços não educacionais. De fato, aexperiência sugere que serviços educacionais se beneficiariam significativamente, casomaiores esforços fossem feitos para assegurar o ótimo uso de todo o conhecimento erecursos disponíveis.

Os governos deveriam tomar a liderança na promoção de parcerias com os pais, atra-vés de declarações tanto políticas quanto legais no que concerne aos direitos paternos. Odesenvolvimento de associações de pais deveria ser promovido e seus representantes envol-vidos no delineamento e implementação de programas que visem o aprimoramento da edu-cação de seus filhos. Organizações de pessoas portadoras de deficiências também deveriamser consultadas no que diz respeito ao delineamento e implementação de programas.

Políticos em todos os níveis, incluindo o nível da escola, deveriam regularmente reafir-mar seu compromisso para com a inclusão e promover atitudes positivas entre as crianças,professores e público em geral, no que diz respeito aos que possuem necessidades educacio-nais especiais.

O desenvolvimento de escolas inclusivas como o modo mais efetivo de atingir a educaçãopara todos deve ser reconhecido como uma política governamental chave e dado o devido privi-légio na pauta de desenvolvimento da nação. É somente dessa maneira que os recursos adequa-dos podem ser obtidos. Mudanças nas políticas e prioridades podem acabar sendo ineficazes, amenos que um mínimo de recursos requeridos seja providenciado. O compromisso político énecessário, tanto a nível nacional como comunitário, para que se obtenha recursos adicionais epara que se re-empregue os recursos já existentes. Ao mesmo tempo em que as comunidadesdevem desempenhar o papel-chave de desenvolver escolas inclusivas, o apoio e o encorajamentoaos governos também são essenciais ao desenvolvimento efetivo de soluções viáveis.

Da declaração de Salamanca

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170 Inclusões

A distribuição de recursos às escolas deveria realisticamente levar em consideração asdiferenças em gastos no sentido de se prover educação apropriada para todas as crianças quepossuem habilidades diferentes. Um começo realista poderia ser o de apoiar aquelas escolasque desejam promover uma educação inclusiva e o lançamento de projetos-piloto em algu-mas áreas, com vistas a adquirir o conhecimento necessário para a expansão e generalizaçãoprogressivas. No processo de generalização da educação inclusiva, o nível de suporte e deespecialização deverá corresponder à natureza da demanda.

g Recursos também devem ser alocados no sentido de apoiar os serviços de treina-mento de professores regulares, de provisão de centros de recursos, de professoresespeciais ou professores-recursos. Ajuda técnica apropriada para assegurar a operaçãobem-sucedida de um sistema educacional integrador, também deve ser providenciada.Abordagens integradoras deveriam, portanto, estar ligadas ao desenvolvimento de ser-viços de apoio em níveis nacional e local.

g 71. Um modo efetivo de maximizar o impacto refere-se à união de recursos humanosinstitucionais, logísticos, materiais e financeiros dos vários departamentos ministeriais(Educação, Saúde, Bem-Estar Social, Trabalho, Juventude, etc.), das autoridades locais eterritoriais e de outras instituições especializadas. A combinação de uma abordagemtanto social quanto educacional, no que se refere à educação especial, requererá estrutu-ras de gerenciamento efetivas, que capacitem os vários serviços a cooperar tanto emnível local quanto em nível nacional e que permitam que autoridades públicas ecorporações juntem esforços.

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ara a efetivação de uma política pública voltada às pessoas com deficiência queesteja afinada com as mais recentes tendências mundiais de inclusão e exercí-cio da cidadania, sob a ótica da diversidade humana, entendemos que os gestores

públicos devam criar unidades de atuação intersetorial (assessorias, coordenadorias, etc.), comas atribuições de orientar e apoiar o conjunto dos governos no processo de incorporação dorecorte nas políticas, garantindo o acesso e a inserção das pessoas com deficiência nos serviçosdisponíveis aos demais cidadãos, evitando-se as tradicionais ações segregadas, assistencialistas ecaritativas, além de dialogar com os mais variados atores sociais, nas suas muitas formas deorganização e expressão, e atuar junto ao segmento, normalmente excluído, por meio de estra-tégias de fortalecimento e empoderamento.

O trabalho de assessoramento seria executado por meio de interfaces permanentes nogoverno e com ONGs parceiras, além de oficinas de informação, sensibilização e desmitificaçãodo tema. O diálogo com atores sociais seria feito pela participação nas mais diversas formas dereuniões, fóruns, conselhos, eventos e grupos matriciais.

O fortalecimento e empoderamento de grupos de pessoas com deficiência, visando amobilização, organização, melhoria da auto-estima, da qualidade de vida e o exercício da cidada-nia, com a conseqüente inclusão, ocorreria pela adoção de estratégias de reabilitação cidadã,

PESSOAS COM DEFICIÊNCIA:uma proposta de política pública

Gínez Garcia

Maria Vilma Roberto

P

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172 Inclusões

para as quais poderiam ser usados equipamentos públicos e ações descentralizadas, priorizandocomunidades carentes, onde, em geral, o segmento sofre dupla exclusão. Criando demandas,essa ação poderia transformar-se numa das principais ferramentas para o processo de incorpo-ração do recorte deficiência nas políticas implementadas, promovendo a “desconstrução” socialda deficiência e alterando paradigmas e concepções.

Gínez Garcia

Psicólogo

Consultor em Inclusão, Participação Social e Políticas Públicas para

Pessoas com Deficiência. E-mail: [email protected]

Maria Vilma Roberto Jornalista / Deficiente Visual

Consultora em Inclusão, Participação Social e Políticas Públicas para

Pessoas com Deficiência

E-mail: [email protected]

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173

om a declaração do Ano Internacional da Pessoa Deficiente pela ONU, em 1981,houve um grande avanço e mobilização desse grupo na sociedade brasileira, atravésda criação de Fóruns, ONGs e demais espaços privilegiados de discussão e debate.

Após esse momento, um novo impulso ao movimento deu-se por ocasião da constituintede 1988, quando todo o segmento das pessoas com deficiência mobilizou-se com o objetivo degarantir direitos e deveres.

Em Maringá, as pessoas com deficiência vêm se organizando, assim como em todo o País,através de ONGs que se propõem a trabalhar com as demandas nas diferentes áreas da deficiência.

Em janeiro de 2001, a Fundação de Desenvolvimento Social e Cidadania (Fundesc), hojeSecretaria de Assistência Social e Cidadania (SASC), percebendo a necessidade de um espaço gover-namental de discussão das políticas públicas relacionadas a esse segmento, efetivou pela primeira veza Coordenação da Política Municipal da Pessoa com Deficiência, cujo objetivo seria constituir umespaço privilegiado para o debate público das questões ligadas à pessoa com deficiência, tendo comoprincípios a condição de sujeitos de direitos, portanto destinatários da política de proteção social.

Em cumprimento ao ordenamento em vigor (legal e institucional), tornou-se necessária aimplantação e implementação da gestão municipal da política através da criação de um Conse-lho Municipal de Direitos da Pessoa com Deficiência.

A ESTRUTURAÇÃO DA POLÍTICAda pessoa com deficiência no município de Maringá

Alexandre Carvalho Baroni

Áurea Aparecida Roma Goto

C

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174 Inclusões

Para tanto, em fevereiro de 2001, por iniciativa da FUNDESC (atual SASC), organizou-seuma comissão de representantes das entidades para pessoas com deficiência dando início aoprocesso de elaboração de Projeto de Lei para criação desse Conselho, contando com o apoiodo Legislativo Municipal, cujos esforços culminaram na Lei nº 5688, de 17 de abril de 2002, quecria o Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência — CMDPD. O Conselho écomposto por 22 membros e respectivos suplentes, sendo 10 representantes de órgãos gover-namentais e 12 representantes de órgãos não-governamentais com caráter deliberativo e perma-nente, e competência para: formular e encaminhar propostas ao Executivo, ao Legislativo Mu-nicipal e à sociedade civil, com a finalidade de implantação e implementação de políticas deinteresse público e promoção da pessoa com deficiência; propor políticas públicas, campanhasde sensibilização, conscientização e prevenção de deficiências e/ou programas educativos; esta-belecer normas e meios de fiscalização das iniciativas governamentais e não governamentaisque possam afetar os direitos das pessoas com deficiência; enfim elaborar, aprovar, acompanhare monitorar todas as ações que contemplem a habilitação e reabilitação e a inclusão da pessoanos destinos da vida social.

Assim, o Conselho é um avanço, pois conta com a participação de todas as áreas dasdeficiências e engloba ainda a participação de entidades de pessoas com deficiência por causas

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patológicas (ostomizados , hemofílicos, diabéticos, reumáticos), privilegiando formulações depolíticas mais completas e abrangentes e constituindo-se, em nível Legislativo, como lei sintoni-zada com os padrões internacionais e avançados.

Paralelamente, em outubro de 2001, por meio de iniciativa da SEDUH (Secretaria deDesenvolvimento Urbano e Habitação), criou-se uma comissão de acessibilidade, formada porrepresentantes de entidades de e para pessoas com deficiência e profissionais das seguintessecretarias: SEDUH, SEUMA (Secretaria de Serviços Urbanos e Meio Ambiente) e FUNDESC(Fundação de Desenvolvimento Social e Cidadania), hoje SASC, com o objetivo de promover aacessibilidade da pessoa com deficiência, conforme legislação federal, estadual e municipal per-tinente, denominada Comissão Permanente de Acessibilidade, a qual encontra-se atualmentevinculada ao CMDPD.

Destaca-se também como avanço a participação do segmento das pessoas com deficiên-cia na formulação e efetivação da política pública do trabalho, através da criação de uma comis-são composta por representantes do governo estadual, governo municipal, Ministério do Tra-balho, Ministério Público do trabalho, sociedade civil organizada (ONGs que atuam na área dapessoa com deficiência) e conselhos municipais do trabalho e da pessoa com deficiência.

A estruturação da política

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176 Inclusões

Criado a partir de uma cultura institucionalizante, o movimento de defesa da pessoacom deficiência em âmbito nacional e municipal possui hoje alguns problemas e contradi-ções, quais sejam: a maioria das entidades de e para pessoas com deficiência no município sãode iniciativas não-governamentais, formadas por pais e pessoas com deficiência, que traba-lham de forma individualizada cada tipo de deficiência (auditiva, visual, mental, física e múlti-plas), conforme sua criação e finalidade. Há ainda a existência de mais de uma entidade numamesma área da deficiência, o que gera muitas vezes duplicidade de ações e por conseqüênciafragilização do segmento.

A inexistência de diagnóstico quanto a situação das pessoas com deficiência no municípiode Maringá, e os poucos dados fornecidos pelas entidades de atendimento impossibilitam aconstrução de políticas públicas eficazes.

Assim, o desafio que se coloca para a mobilização e participação efetiva de todo segmentode pessoas com deficiência no processo de construção das políticas públicas, seja de educação,saúde, cultura, trabalho, lazer, esporte, turismo, entre outras, para que a pessoa com deficiênciaseja atendida na sua plenitude, uma vez que a deficiência não escolhe sexo, idade, cor, raça,credo religioso ou político, está na criação de um trabalho em rede que possibilite propor açõescom menor custo e maior qualidade, promovendo a cidadania da pessoa com deficiência, seja

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177

ela criança, adolescente, jovem, adulto ou idoso, e não apenas ações estanques e esporádicas deassistência social, ora de Educação, ora de Saúde e de outras.

Alexandre Carvalho Baroni Especialista em Educação Especial Infantil e Fundamental

Educador Social da Secretaria Municipal de

Assistência Social e Cidadania de Maringá — Paraná

Diretor-Presidente do Conselho Nacional dos

Centros de Vida Independente — CVI-Brasil

e-mail: [email protected]

Áurea Aparecida Roma Goto

Assistente Social e compõe a equipe de monitoramento da Sasc.

A estruturação da política

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178 Inclusões

SAÚDE

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179

Histórico

ntes da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em fins da década de 70, a ação dasaúde não se constituía em um sistema.

As Secretarias Municipais de Saúde se ocupavam principalmente das emergências. Algu-mas mantinham Prontos Socorros, outras disponibilizavam ambulâncias para o transporte depacientes a centros maiores, além dos cuidados básicos de vacinação. Isso acontecia porque apopulação pressionava o poder local para resolver situações mais emergenciais.

No âmbito Estadual, também havia a preocupação com a vacinação e o atendimento depuericultura.

O Ministério da Saúde, por sua vez, ocupava-se do controle das doenças infecto-contagi-osas, das campanhas nacionais de vacinação e do atendimento às gestantes e ao bebê, em parce-ria com as Secretarias Estaduais de Saúde.

A assistência médica propriamente dita era prestada pelo INPS — Instituto Nacional dePrevidência Social, do Ministério da Previdência Social.

Dessa forma, fica claro que a atenção às pessoas com deficiência não era prestada por

AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDEe a atenção às pessoas com deficiência no Brasil

Ana Rita de Paula

A

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180 Inclusões

nenhuma agência pública. Esta era prestada pelas Instituições Filantrópicas conveniadas com aárea da Assistência Social, principalmente através da Legião Brasileira de Assistência — LBA —que lhes repassava verbas e era encarregada de supervisioná-las.

Esse cenário começa a mudar após a 8ª Conferência Nacional de Saúde, ou seja, na décadade 80, que preconiza uma reforma sanitária e define os principais pontos para a construção deum Sistema de Saúde Nacional.

Nesse mesmo período, ressurgem no Brasil os movimentos sociais, calados pela ditadura,entre eles as recém criadas organizações de pessoas com deficiências.

Os movimentos das pessoas com deficiências reivindicavam que o Estado assumisse aresponsabilidade de atender suas necessidades de reabilitação no sistema público de saúde.

Dessa forma, é pela confluência das forças do movimento sanitário e dos movimentosdas pessoas com deficiência que surge a possibilidade da Reabilitação fazer parte da PolíticaPública de Saúde.

Com a criação do Sistema Único de Saúde — SUS — a reabilitação, antes tida como atençãoterciária, é incorporada ao Sistema como um conjunto de ações que vão desde a prevenção até asações mais complexas de reabilitação, a serem hierarquizadas em níveis crescentes de complexidade.

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Ainda naquela década (80), os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro foram pioneirosna elaboração e adoção de uma Política Estadual de Atenção à Pessoa Portadora de Deficiência.Essa política, no Estado de São Paulo, caracterizou-se pela implantação de ações básicas deReabilitação nas unidades próprias da Saúde e, no Rio de Janeiro, por uma política de racionali-zação da oferta de serviços pelas Instituições Filantrópicas conveniadas.

Em 1990 a Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência —CORDE —, órgão criado para coordenar a Política Nacional de Integração Social das pessoascom deficiência, em conjunto com a Associação Brasileira de Pediatria, criou uma Câmara Téc-nica, convidando profissionais de diferentes especialidades para elaborar uma Política Nacionalde Prevenção de Deficiências.

Em 1993, é criado o Programa Nacional de Atenção à Pessoa Portadora de Deficiênciajunto ao Ministério da Saúde que desencadeia, em nível nacional, um esforço para a criação desistemas locais de reabilitação.

Em 1999, o Ministério da Saúde reuniu em Brasília profissionais das áreas da Saúde Públi-ca e da Atenção às Pessoas com Deficiência de todo o Brasil, para discutir e elaborar a PolíticaNacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência.

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Ficou definido como seu objetivo “disponibilizar o acesso a recursos de atenção à saúdediferenciados, em função das singularidades e especificidades das pessoas com deficiência, paraque elas possam exercer os mesmos direitos e deveres que os outros cidadãos e assumir plenaresponsabilidade como membros da sociedade”.

Como propósitos, foram definidos:

“1. Reabilitar a pessoa portadora de deficiência na sua capacidade funcional, de modo acontribuir para a sua inclusão plena em todas as esferas da vida social”;

2. Proteger a saúde da pessoa com deficiência;

3. Prevenir agravos que determinem o aparecimento de deficiências”.

Todo esse esforço realizado nas duas últimas décadas do século XX possibilitou a trans-formação do modelo de atendimento às pessoas com deficiência no país.

Modelo atual

Tradicionalmente, a Reabilitação era considerada como ação terciária de saúde e não eracontemplada pelas Políticas Públicas. Com a criação do Programa Nacional de Atenção à

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Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência, as ações de Reabilitação foram divididas em níveisde complexidade crescente e inseridas nos níveis de atenção primária, secundária e terciáriado Sistema de Saúde.

Dessa forma, no nível primário de atenção foram incluídas as ações de prevenção dedeficiências, orientações e atenção às intercorrências gerais de saúde, sendo desenvolvidas nasUnidades Básicas de Saúde.

Na atenção secundária, foram inseridas as ações de diagnóstico da deficiência e açõesbásicas de Reabilitação, bem como o fornecimento de órteses e próteses, sendo desenvolvidasnos Ambulatórios de Especialidades por equipes multiprofissionais.

As ações mais complexas de Reabilitação, ou seja, as da atenção terciária, foram inseridas nosServiços de Reabilitação Especializados, que estão sendo criados nos diferentes Estados do país.

Por essa época, o Ministério da Saúde elaborou duas Portarias que criaram um financia-mento para as ações de reabilitação, através da implantação dos Núcleos de Reabilitação I e II.Esses Núcleos oferecem um atendimento grupal, com duração de 4 ou 8 horas, por uma equipemultiprofissional, tanto nos serviços próprios como nas entidades conveniadas. Mais tarde, pordemanda dos profissionais do Sistema Único de Saúde e da população com deficiência, o Minis-tério regulamentou o fornecimento de órteses, próteses e material auxiliar.

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Mais recentemente, com a implantação do Programa de Saúde da Família em todo oterritório nacional, essa divisão de ações por nível de complexidade é discutida e reconsiderada,na medida em que cabe à Equipe de Saúde da Família a responsabilidade pelas condições glo-bais de saúde do indivíduo e da comunidade. Cabe a essas equipes realizar o atendimento diretoou o encaminhamento, quando necessário.

O Programa de Saúde da Família, diferentemente de um programa verticalizado, se cons-titui em estratégia de reorientação do modelo assistencial de saúde, ou seja, privilegia a atençãobásica na própria comunidade, detectando precocemente agravos na saúde e permitindo umarápida e efetiva intervenção. Com isso, libera os recursos de maior complexidade para o atendi-mento aos casos que, de fato, necessitam desse tipo de atenção.

Em algumas regiões do Brasil já existem Equipes Interdisciplinares de Reabilitação, quedão retaguarda às Equipes de Saúde da Família no acompanhamento às pessoas com deficiêncianas Unidades Básicas de Saúde, domicílios e comunidades.

No entanto, ainda é grande o número de casos atendidos em Instituições Filantrópicas,coexistindo com o novo modelo de reabilitação. Essas Instituições prestam serviços de altocusto, subsistindo do pagamento da clientela, de eventos que realizam e de doações que rece-

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bem de empresas e da comunidade. Dessa forma, elas acabam por reforçar as idéias deassistencialismo e paternalismo relacionadas às pessoas com deficiência.

Ao mesmo tempo em que se dá o fortalecimento da proposta de desenvolvimento dasações de reabilitação na atenção básica, favorecendo que o município assuma a atenção integrala esse segmento da população, o Ministério da Saúde regulamenta o financiamento das açõesmais complexas de reabilitação, por área de deficiência, criando redes de assistência à saúde dapessoa com deficiência física e auditiva.

Assim, percebemos que coexistem duas tendências que ainda devem ser harmonizadas: aconcepção da reabilitação enquanto ação básica, a ser desenvolvida nas Unidades Básicas deSaúde e/ou na própria comunidade por generalistas, com a retaguarda de uma equipeinterdisciplinar, e como ação de alta complexidade e custo, a ser realizada em serviços específi-cos por profissionais especializados.

Alguns dados quantitativos

A Política Nacional de Atenção à Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência tem pordiretrizes:

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1. Promoção da qualidade de vida das pessoas portadoras de deficiência;

2. Prevenção das deficiências;

3. Atenção integral à saúde e organização de serviços;

4. Fortalecimento de mecanismos de informação.

Segundo dados da Área Técnica de Saúde da Pessoa com Deficiência do Departamentode Ações Programáticas e Estratégicas da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde,durante o ano de 2003, em relação a essas diretrizes, foram desenvolvidas as seguintes ações:

1. Promoção da qualidade de vida das pessoas com deficiências:

g Apoio técnico e financeiro para a realização de estudos epidemiológicos — MetodologiaOPAS — Estado do Rio de Janeiro/2004;

g Participação do MS na regulamentação da Lei 10.048 e 10.098 que tratam da acessibili-dade e da Lei de Libras;

g Ampliação em 30% da oferta de órteses e próteses.

2. Prevenção de deficiências:

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g SAMU — atuação preventiva ao trauma — 910 ambulâncias atendendo 70 milhões depessoas;

g Hanseníase — diagnóstico precoce em 90% dos casos, evitando seqüelas;

g Imunização — 99% de cobertura vacinal para poliomielite;

g Triagem neonatal — ampliação da cobertura de 56% para 70% dos nascidos vivos;

g Prevenção e controle da carência de Vitamina A em crianças de 6 a 59 meses e puérperasem áreas endêmicas.

3. Atenção integral à saúde e organização de serviços:

g Redes estaduais de reabilitação física — 112 serviços de média e alta complexidade;

g Serviços de saúde auditiva de alta complexidade, incluindo implante coclear — 94;

g Instituída a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva — PT GM 2.073/04;

g Regulamentação das redes estaduais de Serviços de Atenção à Saúde Auditiva — PTSAS 587/04 — 589/04;

g Ampliação e fortalecimento das redes estaduais de reabilitação — apoio técnico e finan-ceiro — 2003/2004: R$ 22.928.364,71;

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g Ampliação da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador — RENAST— 105 Centros de Referência.

4. Fortalecimento de mecanismos de informação:

g Implementação de sistema informatizado de vigilância alimentar e nutricional em 1.579municípios;

g Implantação da Portaria SAS 777/04 que obriga a notificação de acidentes de trabalhoem crianças e adolescentes em redes sentinela — hospitais, serviços especializados.

Durante o ano de 2003 foram gastos, pelo Governo Federal, recursos para as seguintes ações:

g Atendimento fisioterápico, fonoaudiológico, de reabilitação e fornecimento de órteses epróteses: R$ 5.130.600,00;

g Convênios: R$ 424.000,00 — Implantação da Rede de Reabilitação;

g Atendimento médico, fisioterápico, psicológico, fonoaudiológico, oficinas terapêuticas,visitas domiciliares, reabilitação de média e alta complexidade, órteses e próteses, bolsas decolostomia, implante coclear e estimulação neurosensorial — TOTAL: R$ 255.600.000,00.

Para 2005, estão sendo previstas as seguintes metas:

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g Brasil Sorridente — inclusão do atendimento às pessoas com deficiência nas equipes desaúde da família, nos 100 Centros de Especialidades Odontológicas e 1.900.000 kits odontológicospara alunos da rede de ensino básico;

g Capacitar as equipes matriciais de reabilitação — 315 núcleos;

g Capacitação dos profissionais da atenção básica para o Programa Refração Brasil;

g Inserção da reabilitação na comunidade na atenção básica em municípios acima de 50mil habitantes — 315 núcleos;

g SAMU — atenção preventiva ao trauma — 1070 ambulâncias;

g Aumento em 50% do número de serviços de Atenção à Saúde Auditiva.

Dificuldades a serem transpostas

Apesar da assunção pelas redes públicas da responsabilidade de oferecer atenção à saúdedas pessoas com deficiência, passo decisivo para a mudança de cenário da assistência a essesegmento da população, ainda há o predomínio do modelo assistencial centrado nos serviços dealta complexidade e, no caso da reabilitação, oferecido por entidades assistenciais filantrópicas.

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O número de serviços de reabilitação, embora crescente, é insuficiente para atender ademanda. Os poucos serviços com enfoque global de saúde ainda se concentram nas capitais.Nas cidades de médio porte dos Estados, predominam serviços com enfoque pedagógico, emfunção da pouca disponibilidade ou inexistência de profissionais da saúde especializados.

Há que considerar a extensão territorial do Brasil, sendo que nas áreas rurais mais distan-tes, a população com deficiência encontra-se totalmente desassistida.

A solução desse problema, ou seja, a implementação da reabilitação na atenção básica, atra-vés da criação de equipes interdisciplinares junto ao Programa de Saúde da Família, ainda é incipientee enfrenta oposição para se consolidar como modelo hegemônico no Ministério da Saúde.

Outro problema bastante grave é a demora no fornecimento de ajudas técnicas para osusuários com deficiência do Sistema Único de Saúde. Esse problema deve-se mais à mega estru-tura burocrática governamental do que à falta de recursos financeiros. Dessa forma, é necessá-rio, além da desburocratização do processo de fornecimento, a descentralização e municipalizaçãodos serviços, além da criação de centros de pesquisa e confecção de tecnologia assistiva. Oapoio das Universidades também contribuiria para a capacitação de profissionais e dissemina-ção desses serviços.

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Outros campos em que o apoio universitário seria de grande importância seriam o atendi-mento hospitalar especializado, no que diz respeito a cirurgias complementares à reabilitação,bem como o acesso às ações de alta complexidade, ainda muito distantes da população atendidapelo Sistema Único de Saúde. O atendimento cirúrgico, embora existente nos grandes centros,não tem dado conta da demanda, gerando tempos de espera superiores a um ano.

A Política Nacional de Atenção à Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência foi ampla-mente discutida, propondo caminhos e soluções adequados à realidade brasileira e atendendotambém às tendências internacionais de empowerment na área da reabilitação, equacionando aassistência individual à atenção em saúde pública.

Contudo, ainda se descortina um grande desafio, ou seja, a concretização desses princípios emações e serviços disseminados por todo o território nacional. Estamos no caminho certo, mas aindaé longo o trajeto para se atingir a garantia do direito à cidadania dos brasileiros com deficiência.

Ana Rita de Paula

Doutora em psicologia clínica. Ganhadora, em 2004, do Prêmio Direitos Humanos, na categoria

Direitos das Pessoas com Deficiência, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos

As políticas públicas de saúde

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s sugestões aqui apresentadas buscam discutir o campo da atenção à saúde ereabilitação de pessoas com deficiências, como campo de conhecimento e depráticas sociais onde é possível identificar problemas e debater proposiçõespara sua superação.

São historicamente reconhecidas as necessidades de atenção à saúde e reabilitação daspessoas com deficiências no país, apontadas desde a 8a. Conferência Nacional de Saúde, realiza-da em 1986. Esse reconhecimento se deveu à luta e compromisso de setores sociais aliados aomovimento pela Reforma Sanitária no país, que em 1988 aprovam o texto constitucional quedaria origem ao Sistema Único de Saúde. Desde então, vem se trabalhando tanto em nívellegislativo como em diferentes setores para a proposição de políticas e programas de atenção àsaúde e reabilitação para esse segmento, em consonância com os movimentos internacionais deafirmação de direitos e equiparação de oportunidades para pessoas com deficiências.

No entanto, as propostas de diretrizes e políticas apresentadas não se consolidam comopolíticas e serviços concretos e com cobertura assistencial significativa, fazendo parte de umgrande rol de atribuições que podem, mas ainda não são realizadas pelas administrações e go-vernos nos níveis estadual ou municipal no que diz respeito aos serviços de saúde, de educação,de preparação para o trabalho entre outros.

SAÚDE E REABILITAÇÃO COMO INTERFACEpara processos de participação e de afirmação de direitos de pessoas comdeficiência

Fátima Corrêa Oliver

A

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Não foi possível estabelecer no país um pacto social onde se reconheçam as necessidadesde atenção e, ao mesmo tempo, se delineiem as estratégias de assistência e a destinação derecursos financeiros compatíveis ao seu desenvolvimento. As diretrizes do Ministério da Saúdepara apoio à Atenção à Saúde e Reabilitação de Pessoas com Deficiências no SUS, em 1993; ouentão a mais recente proposta de Redes Estaduais de Assistência à Pessoa Portadora de Defici-ência Física, elaborada em 2001 e mesmo a Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora deDeficiência apresentada em 2002 são proposições ainda sem repercussão na mudança da quali-dade da assistência. Ainda não foram incorporadas como alternativas assistenciais pelos gestoresde saúde das diferentes esferas de governo.

Esse cenário explica parte da inexistência de rede pública de serviços de atenção à saúdee reabilitação e também a falta de acesso à rede de serviços de saúde em geral, alguns dosexemplos do processo de exclusão social a que está submetida a maior parte da população comdeficiência. Exclusão evidenciada, também, pelos níveis de pobreza da extensa maioria da po-pulação, que impossibilita acesso a bens e serviços, incluindo aqui os serviços de saúde, deeducação, de transporte, de qualificação e preparação para o trabalho. Esse processo de exclu-são é resultado da não estruturação e desenvolvimento de políticas públicas para acesso a direi-tos, fazendo com que apenas a população com deficiência de maior poder aquisitivo e que

Saúde e reabilitação como interface

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conseqüentemente vivencia diferentes processos de exclusão tenha acesso a serviços e oportu-nidades de inclusão.

Assim, a dificuldade de articulação de serviços de atenção à saúde e reabilitação de pesso-as com deficiências tem gênese na organização social brasileira que tem delegado esse papel aosetor filantrópico e beneficente, que como setor não tem a responsabilidade e compromissosocial com o estabelecimento de políticas públicas.

Nesse sentido, é fundamental que os organismos federais, estaduais e municipais se com-prometam com o desenvolvimento de programa e ações específicas, que possibilitem tanto oacesso da população com deficiências aos serviços em geral como o desenvolvimento de açõese programas específicos para abordar a problemática desse segmento.

Trata-se de implementar ações e programas que busquem estruturar serviços de atençãocentrados numa abordagem complexa da problemática da deficiência, que desloque o eixo deatenção do modelo biomédico, centrado em procedimentos e especialidades, para um modelode intervenção fundado no reconhecimento de necessidades e problemas dessa população emáreas geograficamente delimitadas, com interlocutores e atores sociais identificados: profissio-nais de saúde e/ou reabilitação, população com deficiência, representantes da população emgeral e gestores de serviços.

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Implementar ações com esse perfil possibilitaria lidar com o acolhimento das deman-das e necessidades da população com deficiência e não apenas com o desenvolvimento eaplicação de tecnologias específicas, promovendo mudanças significativas nas modalidadesassistenciais apresentadas a esse segmento. Considera-se que a modalidade assistencial a serimplementada deva ter como princípio o estabelecimento e fortalecimento de vínculo dosprofissionais com a população e a responsabilização pela demanda, ou seja serão proble-mas dos serviços de atenção às pessoas com deficiências os problemas que essa populaçãoidentificar e, nesse sentido, devem estar na agenda dos serviços os processos de exclusãosocial vivenciados e não apenas as necessidades de melhora do desempenho funcional com-prometido pela deficiência.

Nesse modelo assistencial deve-se fomentar a participação cidadã das pessoas organiza-das localmente nas estruturas de controle social como Conselhos Gestores de unidades desaúde, de distritos sanitários e Conselhos Municipal e Estadual de Saúde, como também nosConselhos Municipais e Estaduais de Direitos das Pessoas com Deficiência.

O modelo assistencial também tem que contar com profissionais de saúde e reabilitaçãosensibilizados para o estabelecimento de ações que reafirmem acesso a direitos e igualdade deoportunidades e deve contar com apoio social para sua viabilização.

Saúde e reabilitação como interface

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Assim são medidas fundamentais

I. Para possibilitar o estabelecimento de políticas, ações e programas de curto prazo.

1. Incorporação de ações de atenção à saúde e reabilitação de pessoas com deficiências nos programas deatenção existentes no Ministério da Saúde. Sugere-se iniciar pelos serviços de atenção básica estruturados a partirdo Programa de Saúde da Família

O Programa de Saúde da Família poderia ser utilizado como estratégia para lidar princi-palmente com os aspectos relativos à detecção de demandas e necessidades das pessoas comdeficiências de áreas geográficas determinadas, realizando ações para prevenção das deficiênciase reabilitação, enfatizando o desenvolvimento de processos participativos entre pessoas comdeficiências, profissionais de saúde e população em geral. Podem ser incorporadas equipes deprofissionais de reabilitação para acompanhar equipes de saúde da família, apoiando o desen-volvimento de ações junto a pessoas com deficiências em seus contextos socioculturais.

II. Para criação de alternativas assistenciais em saúde e reabilitação em médio prazo.

1. Criação de um grupo de trabalho em nível ministerial para fomentar o debate e a articulação da atençãoà saúde e reabilitação das pessoas com deficiências durante os trabalhos preparatórios da 13a. ConferênciaNacional de Saúde em nível estadual e municipal.

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III. Para sensibilização dos profissionais de saúde e reabilitação no que diz res-

peito à necessidade de políticas públicas de atenção ao segmento das pessoas com

deficiências.

Seria preparado um vídeo sobre “A atenção em saúde e reabilitação, a afirmação de direi-tos das pessoas com deficiências e o papel dos profissionais de saúde e reabilitação”. O vídeofaria parte de um projeto de sensibilização de profissionais para o desenvolvimento de alterna-tivas comunitárias e territoriais de assistência. Seria apresentado em cursos de graduação dasdiferentes categorias profissionais integrando proposta de um prêmio para projetos de extensãode serviços à comunidade de alunos e instituições de ensino, que trabalhassem sobre o eixo“Saúde, reabilitação, afirmação de direitos e criação de alternativas com a participação das pes-soas com deficiências”

IV. Para sensibilização da sociedade brasileira para as demandas de saúde e rea-

bilitação das pessoas com deficiências.

Seria apresentada proposta de projeto de lei de âmbito federal, que obrigue o setor públi-co a atender as pessoas com deficiências em suas necessidades de saúde e reabilitação nas Uni-dades Básicas de Saúde. Essa iniciativa se assemelha à obrigatoriedade de matrícula das criançase jovens com deficiências nas escolas regulares de ensino.

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Esse seria um projeto que fomentaria o debate e a pressão junto ao poder público para oestabelecimento de política pública de saúde e reabilitação.

Fátima Corrêa Oliver

Docente do Depto de Fisioterapia, Fonoaudiologia e

Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da USP.

Doutora em Saúde Pública pela mesma Universidade.

Orientadora no Programa de Pós-graduação em

Ciências da Reabilitação da FMUSP.

Coordenadora do Projeto de Ensino, Pesquisa e

Extensão de Serviços à Comunidade: Reabilitação com ênfase no Território,

desenvolvido em parceria com unidade básica de saúde da

Secretaria Municipal de Saúde do município de São Paulo.

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