Implantes intraósseos de resilon e guta-percha em ratos ...

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ISSN: Versão impressa: 1806-7727 Versão eletrônica: 1984-5685 Artigo Original de Pesquisa Original Research Article Implantes intraósseos de resilon e guta-percha em ratos: avaliação histopatológica Intraosseous implants of Resilon and gutta- percha in rats: a histopathological evaluation Pedro Paulo Barros 1 Rodrigo Sanches Cunha 2 Gustavo Henrique da Silva 3 Mariana Beatriz Quinália 3 Aline Beraldo Ireno 3 Carlos Eduardo Silveira Bueno 2 Endereço para correspondência: Corresponding author: Rodrigo Sanches Cunha Pontifícia Universidade Católica de Campinas – Prédio administrativo Avenida John Boyd Dunlop, s/n.º – Jardim Ipaussurama CEP 13059-900 – Campinas – SP E-mails: [email protected] / [email protected] 1 Curso de Ciências Biológicas, Pontifícia Universidade Católica de Campinas – Campinas – SP – Brasil. 2 Curso de Odontologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas – Campinas – SP – Brasil. 3 Curso de Ciências Farmacêuticas, Pontifícia Universidade Católica de Campinas – Campinas – SP – Brasil. Recebido em 18/2/2010. Aceito em 14/4/2010. Received for publication: February 18, 2010. Accepted for publication: April 14, 2010. Resumo Introdução: A obturação do sistema de canais radiculares emprega materiais e cimentos que devem apresentar, entre outras propriedades, biocompatibilidade com os tecidos perirradiculares. Objetivo: Comparar in vivo a resposta do tecido ósseo com dois tipos de biomateriais: cones resilon e cones de guta-percha. Material e métodos: Utilizaram-se 40 ratos machos, albinos e da variedade Wistar para implantes de cone dos biomateriais nas tíbias esquerdas, parcialmente perfuradas; 20 deles receberam implantes de cones de guta-percha e nos outros 20 foram implantados cones de resilon. As tíbias direitas de todos os animais foram parcialmente perfuradas e serviram como controle. Ao final de duas, quatro, oito e 16 semanas pós-implante, retiraram- se as amostras do tecido ósseo para análise. As lâminas histológicas foram coradas em HE, fotografadas e analisadas morfologicamente Palavras-chave: ratos; Endodontia; materiais biocompatíveis. Rev Sul-Bras Odontol. 2010 Oct-Dec;7(4):422-9

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Artigo Original de PesquisaOriginal Research Article

Implantes intraósseos de resilon e guta-percha em ratos: avaliação histopatológica

Intraosseous implants of Resilon and gutta-percha in rats: a histopathological evaluation

Pedro Paulo Barros1

Rodrigo Sanches Cunha2

Gustavo Henrique da Silva3

Mariana Beatriz Quinália3

Aline Beraldo Ireno3

Carlos Eduardo Silveira Bueno2

Endereço para correspondência: Corresponding author:Rodrigo Sanches CunhaPontifícia Universidade Católica de Campinas – Prédio administrativoAvenida John Boyd Dunlop, s/n.º – Jardim IpaussuramaCEP 13059-900 – Campinas – SPE-mails: [email protected] / [email protected]

1 Curso de Ciências Biológicas, Pontifícia Universidade Católica de Campinas – Campinas – SP – Brasil.2 Curso de Odontologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas – Campinas – SP – Brasil. 3 Curso de Ciências Farmacêuticas, Pontifícia Universidade Católica de Campinas – Campinas – SP – Brasil.

Recebido em 18/2/2010. Aceito em 14/4/2010.Received for publication: February 18, 2010. Accepted for publication: April 14, 2010.

Resumo

Introdução: A obturação do sistema de canais radiculares emprega materiais e cimentos que devem apresentar, entre outras propriedades, biocompatibilidade com os tecidos perirradiculares. Objetivo: Comparar in vivo a resposta do tecido ósseo com dois tipos de biomateriais: cones resilon e cones de guta-percha. Material e métodos: Utilizaram-se 40 ratos machos, albinos e da variedade Wistar para implantes de cone dos biomateriais nas tíbias esquerdas, parcialmente perfuradas; 20 deles receberam implantes de cones de guta-percha e nos outros 20 foram implantados cones de resilon. As tíbias direitas de todos os animais foram parcialmente perfuradas e serviram como controle. Ao final de duas, quatro, oito e 16 semanas pós-implante, retiraram-se as amostras do tecido ósseo para análise. As lâminas histológicas foram coradas em HE, fotografadas e analisadas morfologicamente

Palavras-chave: ratos; Endodontia; materiais biocompatíveis.

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por intermédio do programa TPS Dig 1.38. A resposta tecidual foi analisada levando-se em consideração a variação da espessura do periósteo na região do calo ósseo formado. Resultados: Os resultados foram tratados estatisticamente por Anova, seguida do teste de Tukey (p < 0.05), em que não se observou diferença estatística entre os dois materiais testados na espessura do periósteo. Conclusão: Os cones de guta-percha e resilon, quando implantados em tecido ósseo da tíbia de ratos, apresentaram boa tolerância quanto à biocompatibilidade.

Abstract

Introduction: Root canal system obturation uses filling materials and sealers that should present, among other proprieties, a biocompatibility to the periradicular tissues. Objective: To compare, in vivo, bone tissue response to two types of biomaterials: Resilon points and gutta-percha points. Material and methods: For this purpose, 40 male albino Wistar rats were used for implantation of the biomaterial points in their previously perforated left tibia. Twenty rats received gutta-percha point implants and the other 20 rats received Resilon point implants. All animals had their right tibia partially perforated, as a control group. At the end of the 2nd, 4th, 8th and 16th week post-implantation, bone tissue samples were taken for analysis. Histological sections were stained by HE, photographed, and morphologically analyzed using TPS Dig 1.38 software. Tissue response was analyzed, taking into consideration the periosteum thickness variation in the formed bone callus area. Results: Data were statistically analyzed by ANOVA, followed by Tukey’s test (p < 0.05). There was no statistical difference between the materials tested, when the periosteum thickness was analyzed. Conclusion: Both Gutta-percha and Resilon points were biocompatible and well tolerated when implanted in bone tissue of rats.

Introdução

O sucesso da terapia endodôntica depende da completa remoção de tecido orgânico e inorgânico do sistema de canais radiculares, acompanhada pela obturação tridimensional por meio de um material biocompatível para evitar uma possível irritação aos tecidos perirradiculares [29]. Está demonstrado que materiais obturadores, quando em contato com os tecidos perirradiculares depois do tratamento endodôntico, são capazes de atrasar a cicatrização ou perpetuar uma periodontite apical [18].

O processo de reparação tecidual perirradicular, após cirurgia na região apical da raiz, tem sido bem descrito [24]. A regeneração do osso trabecular acontece posteriormente à excisão óssea com formação de periósteo funcional e lâmina cortical. O sucesso da cirurgia está sujeito à regeneração dos componentes periodontais ativos, bem como do cemento, do ligamento periodontal e do osso alveolar [8]. Isso pode ocorrer quando o canal está exposto e, após a ressecção, é preenchido com material que não obstrui apenas o canal, a fim de evitar a infiltração de bactérias, mas também permite a formação de um

Keywords: rats; Endodontics; biocompatible materials.

periodonto normal na superfície exterior [12]. Assim, é essencial a utilização de um material que sele a cavidade, com boa adaptação e biocompatibilidade.

A guta-percha é o material restaurador mais empregado na obturação do sistema de canais radiculares e está disponível para o uso odontológico em associação a outros componentes, numa proporção aproximada de 20% de guta-percha, 60 a 75% de óxido de zinco e proporções menores dos demais elementos [9]. Além disso, ela se apresenta sob duas formas cristalinas distintas, dependendo da temperatura empregada: alfa-cristalina e beta-cristalina [15]. Os materiais obturadores à base de resina ganharam respaldo na literatura, sendo aceitos na Endodontia em virtude do avanço da tecnologia adesiva, o que contribui para reduzir a infiltração apical e coronária [25, 26]. Portanto, novos cones à base de resina, denominados resilon, foram desenvolvidos com a finalidade de substituir a guta-percha [1]. As propriedades biológicas dos cones de guta-percha já foram previamente estudadas quanto à citotoxicidade e biocompatibilidade tecidual [17, 33]. Por outro lado, as propriedades biológicas

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dos cones de resilon foram pouco analisadas, porém nenhum dos dois materiais foi implantado em osso visando avaliar a compatibilidade em tal tecido.

Nesse sentido, o presente trabalho teve como objetivo avaliar comparativamente a biocompatibilidade de cones de guta-percha e de resilon quando implantados em tecido ósseo de ratos. Para isso, recorreu-se à análise histológica e à morfométrica.

Material e métodos

A utilização dos animais foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Vida da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas sob o protocolo de número 518/06.

Foram usados 40 ratos (Rattus norvegicus) albinos, machos, adultos, com peso entre 250 e 300 g, da linhagem Wistar, não isogênicos, fornecidos pelo Biotério do Campus II da PUC de Campinas, divididos em dois grupos experimentais estabelecidos de acordo com o tipo de cone: grupo I – cones de resilon (Pentron Clinical Technologies, LLC, Wallingford, CT 06492, EUA), constituído de 20 animais; e grupo II – cones de guta-percha (Dentsply Indústria e Comércio Ltda., Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil), composto de outros 20 animais. Os dois grupos foram subdivididos em quatro subgrupos com cinco indivíduos cada, em função do tempo de permanência dos cones aplicados. Os materiais ficaram implantados por duas, quatro, oito e 16 semanas.

Depois de pesados, os animais foram submetidos à anestesia geral por solução de cloridrato de xilazina (Xilazin 2%, Syntec do Brasil Ltda.) e cetamina (Cetamin 10%, Syntec do Brasil Ltda.), administrada via intramuscular na dose de 1,5 ml/kg de peso corporal. Posteriormente, eles foram colocados em placa de contenção e tiveram as patas traseiras e a região dorsal tricotomizadas.

Após assepsia do local, fizeram-se incisões de cerca de 1,0 cm na pele das patas traseiras com o auxílio de uma tesoura de ponta fina, paralelamente ao longo do eixo das tíbias direita e esquerda. Mediante um bisturi, o tecido muscular foi afastado até a exposição do periósteo.

Com o uso de um minimotor de baixa rotação e de uma broca carbite esférica, foi produzida uma cavidade com 2,0 mm de diâmetro em uma das faces do terço superior da tíbia esquerda, de modo a permitir a introdução dos cones de resilon ou de guta-percha. Realizou-se outra cavidade em uma das faces do terço superior da tíbia direita, que serviu como controle do processo de consolidação do defeito cirúrgico ósseo na ausência de implantes. Em seguida, o tecido muscular e a pele foram suturados.

Nas feridas cirúrgicas dos procedimentos de implantes foi aplicada solução aquosa PVPI (polivinilpirrolidona iodada) antisséptica, e nas

primeiras 48 horas após a cirurgia os animais receberam intraperitonealmente doses únicas e diárias de 0,05 ml do analgésico dipirona sódica injetável (Novalgina, Laboratório Aventis) (500mg/ml). Estes foram alimentados ad libitum.

Finalizado cada um dos tempos pós-cirúrgico, eutanasiaram-se os indivíduos por aprofundamento da anestesia com a mesma solução anestésica aplicada nos procedimentos cirúrgicos.

Imediatamente após a eutanásia, espécimes do tecido ósseo foram retirados e fixados em solução de formol a 10% tamponado (pH = 7,2) por 48 horas. Com vistas a obter secções histológicas de melhor qualidade, foram descalcificados em solução saturada de EDTA (etilenodiaminotetracético) por agitação contínua durante 30 dias.

Os e spéc i mes fora m submet idos ao processamento histológico para a obtenção de cortes transversais ao eixo da tíbia, com 7 µm de espessura, e depois disso foram corados com hematoxilina-eosina. Examinaram-se as lâminas histológicas ao microscópio de luz e fotografaram-nas em ampliação de 100x para chegar aos resultados.

A resposta tecidual foi analisada histologicamente em cada tempo de permanência, levando-se em consideração a presença e a intensidade de inf lamação e de componentes do infiltrado celular (células polimorfonucleadas, plasmócitos e macrófagos), além da espessura e da composição da cápsula conjuntiva (alterações visíveis na proporção de fibras colágenas, fibrócitos e fibroblastos) formada ao redor do material implantado.

Após captura das imagens, a espessura do periósteo na região do calo ósseo foi mensurada por intermédio do programa TPS Dig® versão 1.38. Para análise dos resultados referentes aos implantes ósseos, a espessura do periósteo da tíbia esquerda, que recebeu implante, foi comparada estatisticamente com a espessura do periósteo da tíbia direita, utilizada como controle, por meio do teste t pareado (comparação resilon × guta-percha) e de Anova seguidos do teste de Tukey, com a finalidade de obter comparações entre os grupos de cada tipo de implante; valores de p < 0,05 foram considerados significativos.

Visando minimizar o erro causado pela variabilidade dos animais, a espessura do periósteo foi determinada em três pontos distintos e estes foram padronizados (região média e regiões lateromediais opostas) na superfície da cavidade óssea e na face oposta a esta. O valor empregado para análise estatística foi obtido pela subtração entre a espessura média do periósteo no local da cavidade óssea e a espessura média do periósteo na face oposta da tíbia.

Resultados

Em 90% dos animais que receberam implante de guta-percha e de resilon foi possível observar

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a presença deste na região de matriz e da medula óssea. Nos dois locais foi sempre visto delgado envoltório conjuntivo com baixa celularidade.

O perfil das alterações teciduais foi bastante semelhante para os dois biomateriais. Constatou-se que na região da cavidade óssea, nos diferentes tempos de permanência, houve proliferação osteoblástica e formação de osso primário em padrões e proporções similares aos verificados nos controles (figura 1). Na região do periósteo não se evidenciou nenhum tipo de infiltrado celular que pudesse indicar processo inflamatório grave em resposta aos implantes em nenhum dos grupos. Nos grupos de animais de duas semanas, seja tíbia com implante ou controle, foram ainda notadas em quantidade discreta células polimorfonucleadas, presentes possivelmente em decorrência do processo cirúrgico. Também não se perceberam deposição anormal de fibras colágenas ou formação expressiva de vasos sanguíneos.

Figura 1 – Implantes ósseos de guta-percha e resilon. A: guta-percha, duas semanas pós-implante; B: resilon,

duas semanas pós-implante; C: controle, duas semanas após a fratura; D: guta-percha, quatro semanas pós-implante; E: resilon, quatro semanas pós-implante; F: controle, quatro semanas após a fratura; G: guta-percha, oito semanas pós-implante; H: resilon, oito semanas pós-implante; I: controle, oito semanas após a fratura; J: guta-percha, 16 semanas pós-implante; K: resilon, 16 semanas pós-implante; L: controle, 16 semanas após a fratura. As setas indicam a região de periósteo; gp indica implante de guta-percha e r implante de resilon. Hematoxilina-eosina, magnificação original de 100x

As análises morfométrica e estatística não mostraram diferenças significativas na espessura do periósteo entre as tíbias com implante (resilon na figura 2 e guta-percha na figura 3) e as do controle. Também não foi verificada expressiva diferença entre o grupo com implantes de resilon e o de animais com implantes de guta-percha (figura 4).

Figura 2 – Resultados da análise morfométrica da espessura do periósteo das tíbias com implante de resilon comparadas às tíbias do grupo controle. Teste t pareado

* p < 0,05

* p < 0,05

Figura 3 – Resultados da análise morfométrica da espessura do periósteo das tíbias com implante de guta-percha comparadas às tíbias controle. Teste t pareado

* p < 0,05

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Figura 4 – Resultados da análise morfométrica comparativa da espessura do periósteo das tíbias com implante de resilon e de guta-percha

Para os dois biomateriais, bem como para os controles, foi observada diminuição gradativa,

com o passar do tempo, da espessura do periósteo, indicando um processo normal de reestruturação e remodelagem óssea (figuras 2, 3 e 4). Apesar da variação existente entre os grupos experimentais e os tempos pós-implante, após análise estatística verificou-se que as diferenças não foram significativas. A tabela 1 mostra os valores médios e os desvios padrão da espessura do periósteo em cada grupo experimental e em seus respectivos controles. As cápsulas formadas não demonstraram diferenças quanto à sua composição entre as tíbias que receberam os dois tipos de implante e as tíbias do grupo controle, ou seja, havia proporções semelhantes de fibrócitos e fibroblastos – estes últimos se apresentavam em quantidade discreta – e deposição regular de fibras colágenas.

Tabela 1 – Valores médios e desvios padrão da espessura do periósteo nos grupos experimentais guta-percha e resilon, além dos respectivos controles

Grupo Guta-percha (µm) Controle (µm) Resilon (µm) Controle (µm)

2 semanas 560,78 ± 254,12 347,63 ± 48,69 271,27 ± 167,35 372,32 ± 197,22

4 semanas 269,47 ± 58,24 403,06 ± 59,46 312,94 ± 106,90 212,41 ± 51,34

8 semanas 389,42 ± 142,86 339,00 ± 87,69 292,96 ± 83,87 222,08 ± 36,49

16 semanas 112,04 ± 24,55 160,35 ± 56,28 74,78 ± 37,69 234,05 ± 93,83

Discussão

A necessidade de obter restauração com fechamento hermético do sistema de canais radiculares fez com que novos materiais surgissem com esse objetivo e, em grande parte, na tentativa de substituir a guta-percha, até então um material extremamente utilizado para tal fim. A adesão em Endodontia já vem sendo estudada há algum tempo [16, 32], porém só em 2004 criou-se um novo material obturador com esse propósito, o resilon. Com ele, apareceram inúmeras pesquisas visando comprovar sua superioridade em relação à guta-percha [25, 26, 31].

Quando um novo material é introduzido clinicamente, certas propriedades são necessárias para a sua segura e ef iciente ut i l ização. A biocompatibilidade dos materiais dentários constitui um requisito fundamental, visto que componentes tóxicos podem causar irritação ou até mesmo degeneração dos tecidos quando, acidentalmente, são extruídos para os tecidos perirradiculares [11], inclusive no tecido ósseo. As perfurações

radiculares são consideradas, na maioria das vezes, complicações e acidentes no tratamento endodôntico, levando à comunicação artificial da cavidade pulpar com os tecidos periodontais [27].

D i a nt e de s s e f a to, e s t udos sobre a biocompatibilidade de materiais dentários devem ir além dos tecidos que compõem a estrutura do dente, ou seja, têm de se estender ao periodonto. Diversas são as investigações realizadas para verificar a efetividade e compatibilidade do resilon e da guta-percha nos tecidos dentários [4-22], entretanto nesse sentido o presente trabalho é pioneiro por examinar comparativamente a interferência dos dois materiais no processo de regeneração óssea em ratos.

A técnica de implante intraósseo foi utilizada por Sousa et al. (2006) [28] para analisar a biocompatibilidade de óxido de zinco-eugenol, MTA e resina composta Z-100. Os autores constataram que estes apresentavam resultado satisfatório, com formação óssea e pouca reação inflamatória, evidenciando adequação do modelo para estudo de compatibilidade óssea de materiais.

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Os resultados alcançados nesta pesquisa mostraram que tanto a guta-percha quanto o resilon não interferiram no processo de ossificação, ou seja, o reparo da falha óssea ocorreu em padrão semelhante ao observado no grupo controle. Não houve presença de infiltrado inf lamatório que pudesse apontar toxicidade ou incompatibilidade tecidual na região do implante. A espessura média do periósteo manteve-se sem grandes variações com relação ao grupo controle, o que indica ausência de interferência no processo de regeneração óssea. Alteração na espessura e constituição celular do periósteo pode sugerir processo de reparação com maior ou menor eficiência, uma vez que o periósteo está envolvido na formação do calo ósseo, na consolidação da fratura e em sua subsequente reabsorção (remodelação óssea) [2]. Os valores das figuras 2, 3 e 4 apresentam grande variação entre grupos e períodos pós-implante, entretanto sem expressiva diferença. Em modelos experimentais in vivo é esperada variabilidade, como a observada nos resultados deste trabalho, porém considerando a sensibilidade do teste estatístico utilizado, caso houvesse diferença real, esta seria detectada significativamente.

Os resultados corroboram os obtidos por Onay et al. (2007) [21], Bodrumlu et al. (2008) [3], Davini et al. (2008) [5] e Garcia et al. (2010) [10], que por intermédio de experimentos com implantes subcutâneos constataram biocompatibilidade desses materiais. Todavia resultados relativamente diferentes foram encontrados por Economides et al. (2008) [7] e Key et al. (2006) [13], verificando que em cultura de fibroblastos o resilon e a guta-percha apresentavam baixa citotoxicidade. Além disso, o primeiro trabalho evidenciou maior citotoxidade para o resilon em relação à guta-percha, principalmente após 48 horas de experimento. Acredita-se que a metodologia empregada nesses dois últimos trabalhos é mais sensível, já que as células foram cultivadas in vitro.

É claro que no caso da extrusão desses materiais restauradores em perfurações da cavidade pulpar os ossos mandibular e maxilar teriam maior possibilidade de contato direto em virtude da localização anatômica. No entanto acredita-se que os resultados obtidos neste trabalho podem ser extrapolados para tais ossos, pois, apesar de a tíbia e a maxila/mandíbula apresentarem processos de formação óssea diferentes (endocondral e intramembranosa, respectivamente) no indivíduo adulto, ambas são constituídas por osso haversiano e, por conseguinte, contêm padrão semelhante de reparo ósseo.

Conclusão

Os materiais obturadores avaliados na presente investigação, a guta-percha e o resilon, não interferiram no processo de ossificação do defeito cirúrgico provocado na tíbia de ratos. Ambos os materiais tiveram respostas teciduais semelhantes, sem presença significativa de inflamação ou alteração no processo de regeneração óssea, mostrando boa compatibilidade com esse tecido. Assim sendo, durante o tratamento endodôntico, na eventualidade de extravasamento para o tecido ósseo adjacente, espera-se que a presença de tais materiais não comprometa o sucesso do procedimento.

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Como citar este artigo:

Barros PP, Cunha RS, Silva GH, Quinália MB, Ireno AB, Bueno CES. Implantes intraósseos de resilon e guta-percha em ratos: avaliação histopatológica. Rev Sul-Bras Odontol. 2010 Oct-Dec;7(4):422-9.