Agatha Christie - O três ratos

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    Agatha Christie

    OS TRS RATOS CEGOSE OUTRAS HISTORIAS

    The three blind mice and Other stories (1950)

    OS TRS RATOS CEGOS................................................................................ 2

    ESTRANHA CHARADA................................................................................ 63

    O CRIME DA FITA MTRICA...................................................................... 74

    O CASO DA EMPREGADA PERFEITA....................................................... 86

    O EPISDIO DA CASEIRA........................................................................... 98

    OS DETETIVES DO AMOR......................................................................... 110O SINAL VERMELHO................................................................................. 130

    O QUARTO HOMEM ................................................................................... 149

    O RDIO ....................................................................................................... 165

    TESTEMUNHA DE ACUSAO................................................................ 178

    O MISTRIO DO VASO AZUL................................................................... 198

    A LTIMA SESSO..................................................................................... 217

    S. O. S............................................................................................................. 231

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    OS TRS RATOS CEGOS

    Trs Ratos Cegos

    Trs Ratos Cegos

    Vejam como correm

    Vejam como correm

    Todos correram atrs da mulher do fazendeiro

    Ela cortou o rabo deles com um trinchante

    Vocs nunca viram na vida coisa igual

    Estava muito frio. O cu, cinzento e carregado de neve ainda por cair.Um homem metido num sobretudo escuro, o cachecol em volta do

    rosto e o chapu puxado sobre os olhos, desceu Culver Street e subiu as

    escadas do nmero 74. Apertou a campainha e ouviu-a tocar no subsolo.

    A Sra. Casey, as mos ocupadas com louas na pia, disse, rspida:

    Droga de campainha. Nunca a gente tem paz. Ofegando um pouco,

    ela subiu as escadas e abriu a porta.

    O homem, cuja silhueta se recortava contra o cu, perguntou numsussurro:

    Sra. Lyon?

    Segundo andar disse a Sra. Casey. Pode subir. Ela est

    esperando?

    O homem balanou a cabea, devagar.

    Bem, pode subir e bater.

    Ela o observou enquanto subia a escada forrada de tapetes surrados.Depois ela disse que ele "lhe dera uma impresso estranha. Mas, na verdade,

    s pensara que ele devia estar horrivelmente resfriado para sussurrar assim.

    Tambm, com um tempo desses...

    Quando chegou curva da escada comeou a assoviar baixinho. A

    msica era Os Trs Ratos Cegos.

    Molly Davis deu um passo atrs na calada e olhou para o cartaz

    recm-pintado, perto do porto.

    Monkswell ManorPenso

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    Com um movimento de cabea expressou sua aprovao. Parecia,

    realmente parecia, bastante profissional. Ou, talvez, podia-se dizer, quase

    profissional. O S de Penso ficara um pouco acima da linha e o fim de Manor

    estava um pouco juntinho demais, porm, no todo, Giles tinha feito um

    belssimo trabalho. Giles era mesmo muito inteligente. Sabia fazer tantas

    coisas. Sempre descobria coisas novas sobre seu marido. Ele havia falado to

    pouco sobre si mesmo que s aos poucos lhe ia descobrindo os vrios dotes.

    Um ex-marinheiro era sempre um homem prtico, o que dizem.

    Bom, Giles iria necessitar de todos os talentos neste novo

    empreendimento. Eram totalmente crus na tarefa de administrar uma penso.Mas seria bem divertido. E resolvia o problema de habitao.

    Foi idia de Molly. Quando tia Katherine morreu, e os advogados

    escreveram para ela comunicando-lhe que herdara Monkswell Manor, a reao

    natural do jovem casal foi a de vend-la. Giles lhe perguntara: Como a

    casa? E Molly respondeu: Ah, uma casa grande e antiga, cheia de

    sufocantes e antigas moblias vitorianas. Tinha um jardim bonito, mas muito

    mal cuidado desde a guerra, pois s restou um velho jardineiro.Ento decidiram colocar a casa venda e s conservar alguns mveis

    para mobiliar um pequeno apartamento ou uma casinha para eles.

    Mas logo apareceram duas dificuldades: primeiro, no encontravam

    nem casinha nem apartamento pequeno e, em segundo lugar, todos os mveis

    eram enormes.

    Bom disse Molly , temos que vender tudo. Acha que algum

    compra?O advogado assegurou-lhes que se vende qualquer coisa hoje em dia.

    Com toda a certeza disse ele , algum ir compr-la para usar

    como hotel ou penso, e assim ir gostar de compr-la com toda a moblia.

    Felizmente a casa est em muito bom estado. A falecida Srta. Emory fez vrias

    reformas e modernizaes antes da guerra, e houve muito poucos estragos.

    Ah, sim, est em muito bom estado.

    E foi a que Molly teve a idia:

    Giles disse ela , por que no a dirigimos como penso? A

    princpio o marido achara a idia absurda, mas Molly insistiu.

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    No precisamos hospedar muita gente, pelo menos no comeo.

    uma casa fcil de se dirigir tem gua quente e fria nos quartos, aquecimento

    central e fogo a gs. E podemos ter galinhas, patos, nossos prprios ovos e

    vegetais.

    Quem faria todo o servio no difcil encontrar empregados?

    Ms faramos o servio. Em qualquer lugar que morssemos,

    teramos que fazer isso. Algumas poucas pessoas a mais no justificariam

    empregados. Depois arranjaramos algum, quando j estivssemos

    estabelecidos. Com cinco pessoas, cada uma pagando sete guinus por

    semana Molly partiu para os reinos, um tanto otimista, da aritmtica.

    E pense, Giles concluiu , seria nossa prpria casa. Com nossascoisas. Do jeito que vai, parece que levaremos anos at encontrarmos um lugar

    para morar.

    Isso, admitiu Giles, era verdade. Tiveram to pouco tempo juntos

    depois do apressado casamento que ambos desejavam um lugar para morar.

    E ento passaram das palavras ao. Colocaram anncios nos

    jornais locais e no Times e receberam vrias respostas.

    E agora, hoje, o primeiro dos hspedes estava para chegar.Giles havia sado cedo para comprar uma cerca de arame que estava

    em liquidao, do outro lado da cidade. Molly teve necessidade de andar at a

    aldeia para fazer as ltimas compras.

    O nico toque ruim era o tempo. Nos ltimos dois dias, o frio era

    intenso e agora comeava a nevar. Molly apressou-se, grossos e fofos flocos

    de neve caindo-lhe sobre a capa prova d'gua e os brilhantes cabelos

    encacheados. A previso do tempo no era nada animadora. Devia-se esperaruma grande nevasca.

    Ela tinha esperana de que a gua no congelasse nos canos. Seria

    pssimo se tudo sasse errado logo quando estavam comeando. Olhou para o

    relgio; j passava da hora do ch. Ser que Giles j tinha voltado? Estaria

    imaginando onde ela se encontrava?

    Tive que ir at aldeia de novo comprar algumas coisas de ltima

    hora ela diria. Ele iria rir e perguntar: Mais latas?

    Os enlatados eram uma piada deles. Estavam sempre comprando

    alguns. A despensa apresentava um farto estoque para os casos de

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    emergncia.

    E, pensou Molly, fazendo uma careta ao olhar para o cu, as

    emergncias no tardariam a aparecer.

    A casa estava vazia. Giles ainda no voltara. Molly foi primeiro

    cozinha, e depois subiu para fazer a inspeo dos quartos recm-preparados. A

    Sra. Boyle no quarto sul, o de moblia de mogno e cama de quatro colunas.

    Major Metcalf no quarto azul com a de carvalho. Sr. Wren no quarto leste com a

    janela de sacada. Todos os quartos estavam muito bem arrumados e era uma

    bno Tia Katherine ter um estoque esplndido de lenis. Molly deu uma

    esticadela na colcha e desceu de novo. Escurecia. De repente a casa caiu no

    silncio e no vazio. Era uma casa solitria a quatro quilmetros de uma aldeiae, como dizia Molly, a quatro quilmetros do nada.

    J ficara sozinha muitas vezes antes, mas nunca estivera to

    consciente desse fato.

    Rajadas macias de neve batiam contra a vidraa. Fazia um barulho

    sussurrante, incmodo. E se Giles no conseguisse voltar se a neve

    estivesse to grossa que o carro no passasse? E se tivesse que ficar sozinha

    aqui sozinha por dias, talvez?Ela olhou a cozinha; grande, confortvel, pedia uma cozinheira tambm

    grande e confortadora presidindo a mesa, os maxilares movendo-se

    ritmicamente enquanto comia acar-cande e bebia ch preto; esta seria

    ladeada por uma arrumadeira alta, de meia-idade e por uma governanta

    rechonchuda e corada, uma cozinheira no outro extremo da mesa observando

    os superiores com olhos assustados. E, em vez disso, s havia, ela, Molly

    Davis, desempenhando um papel que no lhe parecia muito natural. Toda suavida, no momento, parecia irreal Giles parecia irreal. Ela desempenhava um

    papel era s isso.

    Uma sombra passou pela janela e ela pulou; um estranho aproximava-

    se. Ela ouvia os rangidos da porta lateral. E o estranho ficou l, na soleira da

    porta, sacudindo-se para tirar a neve, um homem estranho entrando na casa

    vazia.

    E ento, de repente, a iluso desapareceu.

    Oh, Giles exclamou ela , ainda bem que chegou!

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    Al, querida! Que tempo horrvel! Meu Deus, estou congelado.

    Ele bateu os ps e bafejou para aquecer as mos.

    Num gesto automtico, Molly apanhou o casaco que ele jogara sobre a

    arca, muito ao seu estilo. Pendurou-o no cabide tirando, antes, dos bolsos

    cheios, um cachecol, um jornal, um rolo de barbante e a correspondncia da

    manh que enfiara no bolso toda misturada. Dirigindo-se para a cozinha, ela

    colocou os artigos sobre o aparador e, em seguida, a chaleira no fogo.

    Conseguiu o arame? perguntou ela. Voc demorou sculos.

    No era do tipo exato. No iria servir. Fui a outra loja, mas o que

    tinha l no servia tambm. E voc, o que fez? Ningum apareceu ainda, no

    ? A Sra. Boyle s vem amanh.

    O Major Metcalf e o Sr. Wren devem chegar hoje.

    O major mandou um carto dizendo que s chegaria aqui amanh.

    Assim, jantamos ns e o Sr. Wren. Como voc acha que ele ? Na

    minha opinio, o prottipo do funcionrio pblico aposentado.

    No, acho que um artista.

    Neste caso disse Giles , melhor cobrarmos uma semana dealuguel adiantado.

    Ah, no, Giles, eles esto trazendo bagagem. Se no pagarem,

    reteremos as malas.

    E se nas malas s tiver um monte de pedras enrolado em jornal? A

    verdade, Molly, que no temos a mnima idia do que vamos enfrentar neste

    tipo de negcio. Tomara que no reparem que estamos iniciando.

    Com certeza a Sra. Boyle vai notar disse Molly. Ela destetipo.

    Como voc sabe? Nunca a viu, j?

    Molly voltou-se. Abriu um jornal sobre a mesa, apanhou um pouco de

    queijo e preparou-se para ral-lo.

    O que isso? perguntou o marido.

    Torradas ao forno Molly informou-lhe. Farelos de po, batatas,

    pur de batatas, e um tiquinho de queijo, s para justificar o nome.

    Que cozinheira esperta! disse o marido com admirao.

    Fico pensando que posso fazer uma coisa de cada vez. Quando

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    junta tudo que preciso prtica. O caf da manh o pior.

    Por qu?

    Porque tudo acontece ao mesmo tempo ovos, bacon, leite

    quente, caf e torradas. Ou o leite entorna, ou a torrada queima, ou o bacon

    fica todo encrespado ou ento os ovos ficam duros. A gente tem que ficar ativa

    como gato escaldado, observando tudo ao mesmo tempo.

    Amanh de manh, tenho que entrar de mansinho, sem que

    ningum me veja, para assistir a essa personificao do gato escaldado.

    A chaleira est fervendo disse Molly. Vamos levar a bandeja

    para o escritrio e ouvir o rdio? Est quase na hora do noticirio.

    J que vamos passar a maior parte do tempo na cozinha, era melhorcolocar um rdio l, tambm.

    mesmo. Como so bonitas as cozinhas. Eu adoro essa. Acho que

    , de longe, o lugar mais bonito da casa. Gosto do aparador e das prateleiras, e

    simplesmente adoro esta sensao de exuberncia que uma cozinha enorme

    me d, embora, claro, esteja muito contente por no ter que cozinhar nela.

    Aposto que as provises de combustvel para o ano se gastariam em

    um dia. Com toda a certeza. Mas pense bem nas carnes que deviam assar

    aqui: fil mignon, coxas de carneiro. Potes colossais de gelia de morango feita

    em casa com quilos e quilos de acar. Deve ter sido adorvel a Era Vitoriana.

    E a moblia l de cima, grande, slida, toda enfeitada, mas, ah!, que conforto e

    quanto espao para guardar as roupas, e cada gaveta abrindo e fechando sem

    emperrar.

    Lembra-se daquele lindo apartamento, todo moderno, que amosalugar? Era tudo embutido e corredio, s que nada corria, sempre emperrava.

    Para fechar as portas, tinha-se de empurr-las, mas nunca ficavam fechadas e,

    quando fechavam no se conseguia abri-las.

    Isto que o pior desses inventos. Se no funcionam, voc est

    perdido.

    Bom, venha, vamos ouvir as notcias.

    O noticirio consistia, principalmente, em assustadoras previses do

    tempo, o habitual impasse nas negociaes com o exterior, ardorosas

    discusses no parlamento e um assassinato na Culver Street, Paddington.

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    Nossa disse Molly desligando o rdio. S notcias ruins. E no

    vou ficar ouvindo apelos para que se economize combustvel. O que eles

    querem que se faa, sentar e congelar? Acho que no devamos ter comeado

    a penso no inverno. Devamos ter esperado at a primavera. Depois

    acrescentou num tom de voz diferente: Como era esta mulher, a que foi

    assassinada?

    Sra. Lyon?

    Como o nome dela? Fico pensando em quem a quis matar e por

    qu.

    Talvez guardasse uma fortuna debaixo do colcho.

    Quando se diz que a polcia est ansiosa para fazer perguntas a umhomem que foi visto nas vizinhanas, quer dizer que ele o assassino?

    Geralmente assim. S um modo delicado de dizer as coisas.

    O som estridente da campainha fez com que ambos se levantassem de

    um salto.

    a porta da frente disse Giles. Entra um assassino

    acrescentou, brincalho.

    Seria, numa pea de teatro. Depressa. Deve ser o Sr. Wren. Agoravamos ver quem est certo sobre ele, se voc ou eu.

    O Sr. Wren e uma rajada de neve entraram juntos, de supeto. Tudo o

    que Molly pde ver da porta da biblioteca era a silhueta do recm-chegado

    contrastando com o mundo branco l de fora.

    Como se pareciam, pensou Molly, os homens com este uniforme de

    civilizao: sobretudo escuro, chapu cinza, cachecol em volta do pescoo.

    Pouco depois, Giles fechava a porta contra os elementos. O Sr. Wrendesenrolava o cachecol, descansava no cho a maleta e tirava o chapu

    tudo, parecia, ao mesmo tempo, e tambm falava. O tom de voz era alto, quase

    que lamurioso, e, luz do vestbulo, revelou ser um homem jovem, de claros

    cabelos emaranhados, e olhos plidos, inquietos.

    Medonho, medonho dizia ele. O pior do inverno ingls uma

    reverso a Dickens Scrooge e Tiny Tim e tudo o mais. A pessoa tem que ser

    muito saudvel para agentar isso tudo. No acha? E fiz uma viagem horrvel

    do Pas de Gales at aqui. a Sra. Davis? Mas que prazer! Mos fortes e

    ossudas apertaram a de Molly- Completamente diferente da idia que fazia

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    da senhora. Pensava que fosse a viva de um general do exrcito indiano.

    Terrivelmente feia e Mem-sahibish1 e bibel de Varanasi um bibel da Era

    Vitoriana. Adorvel, simplesmente adorvel. Tem flores de cera? Ou pssaros

    do paraso? Mas eu vou amar este lugar. Pensei que fosse estilo Velho Mundo

    muito, muito casa Senhorial sem o braso de Benares, quero dizer. Em vez

    disso, maravilhosa austeridade da Era Vitoriana. Por acaso vocs tm

    daqueles bufs lindos de mogno avermelhado, com grandes frutas

    incrustadas?

    Para falar a verdade disse Molly um tanto sem flego sob esta

    torrente de palavras , ns temos.

    No! Posso v-lo? Aqui mesmo?

    Sua agilidade chegava a ser desconcertante. Ele havia girado a

    maaneta da sala de jantar, e acendido a luz. Molly entrou atrs dele, ciente do

    perfil de Giles, desaprovador, sua esquerda.

    Sr. Wren passou os longos e ossudos dedos pelos entalhes do macio

    buf, soltando pequenos gritos de elogio. E ento lanou um olhar de

    reprovao dona da casa.

    E a mesa de jantar? Por que no daquelas grandes de mogno?Por que todas essas mesinhas espalhadas?

    Pensamos que as pessoas preferissem assim disse Molly.

    Querida, claro que est certssima. Meu gosto por essa poca me

    influenciou. claro que, se tivesse a mesa, teria que ter a famlia certa em volta

    dela. Um pai severo, bonito, de barba a me frtil e apagada onze filhos,

    uma governanta feia e algum chamado "pobre Harriet" o parente pobre

    que age como conselheira e muito, muito grata por lhe darem uma boa casa.Olhe para a lareira pense nas labaredas subindo pela chamin e fustigando

    as costas da pobre Harriet.

    Vou levar sua bagagem para cima disse Giles. Quarto leste?

    disse Molly.

    Sr. Wren j estava de novo no vestbulo, enquanto Giles subia as

    escadas.

    Tem uma cama de quatro colunas com pequenas rosas de chintz?

    1 N.T.: Forma de tratamento dada s mulheres europias na ndia.

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    perguntou ele.

    No, no tem disse Giles, que desapareceu na curva da escada.

    Acho que seu marido no vai gostar de mim disse o Sr. Wren.

    Onde ele serviu? Na Marinha?

    Isso mesmo.

    Foi o que pensei. So bem menos tolerantes do que o Exrcito e a

    Aeronutica. H quanto tempo est casada? Est muito apaixonada por ele?

    O senhor no quer subir para ver o quarto?

    Sim, claro que esta pergunta foi impertinente. Mas gostaria mesmo

    de saber. Sabe, acho interessante conhecer tudo sobre as pessoas, no acha?

    O que sentem e pensam, e no s o que so e o que fazem. Suponho disse Molly, recatada que o Sr. Wren, no? O

    jovem parou, segurou os cabelos com ambas as mos e os puxou.

    Mas que horror! Nunca comeo pelo princpio. Sim, sou Christopher

    Wren, mas no ria. Meus pais eram muito romnticos. Tinham esperanas de

    que eu fosse arquiteto. Ento pensaram que seria uma idia esplndida

    batizar-me Christopher meio caminho andado.

    E o senhor arquiteto? perguntou Molly, incapaz de reprimir umsorriso.

    Sim, sou -disse o Sr. Wren, triunfante. Pelo menos, quase.

    Ainda no me formei. Mas realmente um exemplo notvel de racionalizao

    de desejo, produzindo resultados imediatos. Veja bem, realmente o nome ser

    um empecilho. Nunca serei o Christopher Wren. Mas os Ninhos Pr-fabricados

    de Chris Wren podem alcanar a fama.

    Giles desceu novamente as escadas e Molly disse: Vou-lhe mostraro quarto agora, Sr. Wren.

    Quando ela voltou, poucos minutos depois, Giles disse:

    Bem, ele gostou da bonita moblia de carvalho?

    Ele estava louco por uma cama de quatro colunas, e, por isso, lhe

    dei o quarto rosa.

    Giles grunhiu e resmungou qualquer coisa que terminou com: cara

    ridculo.

    Agora, escute aqui, Giles Molly assumiu uma postura sria.

    Isto aqui no uma festa onde entretemos os convidados. Isto comrcio. E

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    goste voc de Christopher Wren ou no...

    No gosto atalhou Giles.

    Pouco importa. Ele est pagando sete guinus por semana e isso

    que interessa.

    Se ele pagar.

    Ele concordou em pagar. Temos a carta dele.

    Voc levou aquela mala dele para o quarto rosa?

    Ele a carregou, claro.

    Muito galante. Mas voc poderia carregar facilmente. Nem se deve

    desconfiar de que haja pedras enroladas em jornal l dentro. Est to leve que

    deve estar vazia. Sshh, ele est vindo advertiu Molly.

    Christopher Wren foi levado biblioteca, que parecia muito bonita,

    pensou Molly, com as cadeiras grandes e a lareira. O jantar, disse-lhe ela, seria

    servido dentro de meia hora. Em resposta a uma pergunta, ela explicou que

    no havia outros hspedes no momento. Neste caso, disse Christopher, que tal

    ir at a cozinha para ajudar?

    Posso fazer uma omelete se o senhor quiser disse, cativante.Os fatos subseqentes desenrolaram-se na cozinha, e Christopher

    ajudou a lavar os pratos.

    Por algum motivo Molly achava que no era a maneira certa de se

    comear uma penso convencional e Giles no gostou nada. Ah, bom,

    pensou Molly quando ia adormecendo, amanh, quando vierem os outros, ser

    diferente.

    A manh chegou com cu escuro e neve. Giles parecia preocupado, eMolly sentia o corao apertado. O tempo tornaria tudo difcil.

    A Sra. Boyle chegou no txi local; foi necessrio usar correntes nas

    rodas, e o motorista fez observaes quanto ao pssimo estado da estrada.

    Nevascas, com certeza profetizou.

    A Sra. Boyle no ajudou a alegrar a atmosfera. Tratava-se de uma

    mulher corpulenta, de aparncia intimidativa, voz ressonante e desptica. A

    agressividade natural fora aumentada por uma carreira de grande utilidade e

    persistncia durante a guerra.

    Pensei que este fosse um estabelecimento de profissionais, caso

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    contrrio, no teria vindo disse ela. Pensei, naturalmente, que fosse uma

    penso bem-estabelecida, administrada adequadamente, de acordo com linhas

    cientficas.

    Se no estiver satisfeita, no h nada que a obrigue a ficar, Sra.

    Boyle disse Giles.

    No, realmente, no penso em faz-lo.

    Talvez, Sra. Boyle disse Giles , ainda pudesse chamar um txi.

    As ruas no esto bloqueadas, por enquanto. Se houve algum equvoco, talvez

    fosse melhor a senhora se hospedar em outro lugar. Ele acrescentou:

    Temos tido tantos pedidos que vamos lotar isto aqui com a maior facilidade;futuramente, cobraremos preos mais altos.

    A Sra. Boyle olhou-o, agressiva. Claro que no vou embora antes de

    experimentar o lugar. Gostaria de uma toalha de banho grande, Sra. Davis. No

    estou acostumada a me secar em lenos.

    Depois que a Sra. Boyle se retirou, Giles deu um risinho irnico.

    Querido, voc foi maravilhoso disse Molly. A maneira com que

    a enfrentou. Os arrogantes logo caem do galho quando tomam o prprio remdio

    disse Giles.

    Meu Deus, como ser que vai se relacionar com Christopher Wren?

    No vai.

    E, realmente, naquela mesma tarde, a Sra. Boyle observou: Este

    rapaz muito excntrico com um distinto tom de desagrado na voz.O padeiro chegou parecendo um explorador do rtico e, ao entregar o

    po, avisou que a prxima ida, dali a dois dias, podia no acontecer.

    Trnsito interrompido em tudo quanto lugar anunciou.

    Tm bastante coisa estocada, no ?

    Ah, sim disse Molly. Temos uma poro de enlatados. Mas

    acho que melhor comprar mais farinha.

    Ela lembrou-se vagamente de que os irlandeses faziam alguma coisa

    chamada po-de-soda. Se as coisas piorassem muito, ela poderia lanar mo

    disso.

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    O padeiro tambm lhe trouxera os jornais que ela espalhou sobre a

    mesa do vestbulo. Os assuntos do exterior diminuram em importncia. O

    tempo e o assassinato da Sra. Lyon ocupavam a primeira pgina.

    Ela olhava para a reproduo pouco ntida da assassinada, quando a

    voz de Christopher Wren disse-lhe por trs das costas: Um crime muito

    srdido, no acha? Uma mulher de aparncia vulgar numa rua to vulgar. D

    para sentir que tem alguma coisa por trs disso, no ?

    Sem dvida disse a Sra. Boyle com um bufido essa criatura

    teve o que mereceu.

    Ah! O Sr. Wren voltou-se para ela com vivo entusiasmo.

    Ento acha que , indiscutivelmente, um crime sexual, no? No sugeri nada parecido, Sr. Wren.

    Mas ela foi estrangulada, no foi? Fico pensando e ele esticou as

    longas e alvas mos qual deve ser a sensao de se estrangular algum.

    Francamente, Sr. Wren!

    Christopher aproximou-se dela, baixando a voz: J imaginou. Sra.

    Boyle, qual a sensao de ser estrangulada?

    A Sra. Boyle disse novamente, mais indignada: Francamente, Sr.Wren!

    Molly leu alto: O homem que a polcia est ansiosa por interrogar

    vestia um sobretudo escuro e chapu de feltro claro; de estatura mdia, usava

    um cachecol de l.

    Na verdade disse Christopher Wren se parecia com todo

    mundo. Ele riu. .

    Sim disse Molly , com todo mundo.Na sua sala, na Scotland Yard, o inspetor Parminter disse ao Sargento-

    detetive Kane: Vou falar com os dois operrios agora.

    Sim, senhor.

    Como so eles?

    Operrios decentes. Reaes um tanto lentas. Dependentes.

    Certo o inspetor Parminter aquiesceu.

    Pouco depois, dois homens um tanto embaraados, vestidos com a

    melhor roupa de que dispunham, entraram na sala. Parminter estudou-os com

    uma rpida olhada. Era hbil em conseguir colocar as pessoas vontade.

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    Ento acham que tm alguma informao que possa ser til no caso

    Lyon disse ele. Foi bom terem vindo. Sentem-se. Fumam?

    Ele esperou os dois acenderem o cigarro que lhes ofereceu.

    Que tempo horroroso.

    sim, senhor.

    Bom, vamos ao que interessa.

    Os dois homens entreolharam-se, receosos das dificuldades da

    narrao.

    Fala voc, Joe disse o mais forte dos dois.

    Joe falou: Foi assim, sabe. A gente no tinha fsforo.

    Onde isso? Jarman Street 'tvamos trabalhando na rua l gaseiros. O

    inspetor Parminter anuiu. Depois pediria os detalhes exatos quanto ao tempo e

    lugar. Ele sabia que Jarman Street ficava bem prxima a Culver Street, onde

    ocorrera a tragdia.

    No tinham fsforos repetiu, guisa de estmulo.

    No. Minha caixa tinha acabado e o isqueiro de Bill no funcionava.

    Ento falei com um cara que 'tava passando. Eu disse: pode emprestar umfsforo pra gente, senhor? No pensei em nada, naquela hora, no. Ele 'tava

    s passando, como os outros, s que perguntei pra ele.

    Parminter anuiu novamente.

    A ele deu o fsforo pra gente. No disse nada. "Que frio medonho",

    disse Bill, e ele respondeu assim, sussurrando: ", est.Pegou uma

    pneumonia, pensei. Bom, estava todo encasacado. Eu disse: "Obrigado,

    senhor", e devolvi para ele a caixa e ele saiu to depressa que, quando eu vi,ele tinha deixado cair alguma coisa mas j era tarde. Era um caderninho que

    deve ter cado do bolso dele quando tirou a caixa de fsforos. "Ei, senhor, eu

    chamei, "deixou cair uma coisa". Mas ele no ouviu; apressou o passo e

    desapareceu na esquina, no foi, Bill?

    Foi concordou Bill. Como um coelho apressado.

    Seguimos ele pela Harrow Road, mas a gente no encontrou ele, e

    j 'tava tarde e tambm como era s um caderninho, no era nem uma carteira

    sem nada, vai ver que no era importante. "Cara engraado", eu disse. "O

    chapu todo em cima do olho e todo abotoado, como um bandido dos filmes",

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    disse para Bill, no disse?

    Foi o que voc disse concordou Bill.

    Engraado eu dizer isso no que 'tivesse pensando alguma coisa.

    Com pressa de chegar em casa, com toda razo. Com aquele tempo!

    mesmo concordou Bill.

    Ento disse pro Bill: "Vamos dar uma olhadinha no caderninho pra

    ver se importante. Bom, eu olhei. "S alguns endereos", disse para Bill.

    "Culver Street, no 74 e algum maldito solar.

    Chique disse Bill, desdenhoso.

    Joe continuou a narrativa com um certo entusiasmo.

    "Culver Street, 74", eu disse para Bill. " aqui pertinho. Quando agente largar, a gente leva", e ento eu vi uma coisa que 'tava escrita em cima

    da pgina. "O que isso?", disse para o Bill. E ele pegou e leu: "Os Trs Ratos

    Cegos", e nesse exato momento sim, foi nesse exato momento, senhor , a

    gente ouviu uma mulher berrando: "Assassinato!", numa rua perto dali.

    Joe fez uma pausa neste clmax artstico.

    Ela berrou, no foi? recomeou ele. Ento, disse para Bill: "Vai

    at l.A ele voltou e disse que tinha um monte de gente e que a polcia estaval, e que tinham cortado a garganta de uma mulher ou ela tinha sido

    estrangulada, e que a proprietria tinha achado ela e estava gritando,

    procurando a polcia. "Onde foi isso?", perguntei a ele. "Na Culver Street", ele

    disse. "Que nmero?", perguntei, e ele disse que no tinha visto bem.

    Bill tossiu e esfregou os ps com o ar tmido de quem foi injustiado.

    Ento eu disse pra gente dar um pulo l pra ver, e quando a gente

    descobriu que o nmero era setenta e quatro, a a gente discutiu e Bill disseque talvez o endereo do caderninho no tivesse nada a ver, mas eu disse que

    talvez tivesse e, bem, depois que a gente discutiu e ouviu que a polcia queria

    interrogar um homem que saiu de l por esta hora, bom, ns veio aqui e

    perguntemos se podia ver o home que tomava conta do caso, e tenho certeza,

    espero, que no 'tamos tomando seu tempo.

    Agiram acertadamente elogiou Parminter. Trouxeram o

    caderninho? Bem, obrigado. Agora.

    Suas perguntas tornaram-se rpidas e profissionais. Anotou lugares

    horas, datas a nica coisa que no perguntou foi a descrio do homem que

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    deixara cair o caderninho. Em vez disso, obteve a mesma descrio que

    obtivera da histrica proprietria, a descrio de um chapu enterrado at os

    olhos, um casaco todo abotoado, um cachecol cobrindo o rosto, a voz que no

    passava de um sussurro, mos enluvadas.

    Quando os homens saram, ele continuou a olhar para o livrinho que

    permanecia aberto sobre a mesa. Daqui a pouco iria para o departamento

    apropriado para ver se havia algum indcio, ou impresses digitais. Mas agora

    sua ateno estava voltada para os dois endereos e para a linha da caligrafia

    mida no topo da pgina.

    Ele voltou-se quando o Sargento Kane entrou na sala.

    Entre, Kane. Olhe.Kane permaneceu detrs dele e assoviou baixinho ao ler: Os Trs

    Ratos Cegos! No possvel!

    isso mesmo. Parminter abriu uma gaveta e tirou um pedao de

    papel que colocou ao lado do caderninho. Este fora preso cuidadosamente na

    vtima.

    Neste estava escrito: Este o primeiro. Abaixo, um desenho infantil de

    trs ratos, e uma pauta musical.Kane assoviou a melodia: Trs Ratos Cegos, vejam como correm...

    , isso mesmo. este o tema.

    Que loucura!

    mesmo Parminter franziu o cenho. E a mulher j foi

    identificada?

    Foi sim, senhor. Est aqui o relatrio do departamento de

    impresses digitais. A Sra. Lyon, como se chamava a si prpria, era, narealidade Maureen Gregg. Foi libertada de Holloway h dois meses, quando

    completou a sentena.

    Parminter disse, pensativo: Ela foi a Culver Street, setenta e quatro,

    dizendo ser Maureen Lyon. Ela bebia de vez em quando, e sabe-se que levou

    um homem para l uma ou duas vezes. No demonstrava medo de nada, nem

    de ningum. No h razo para se pensar que estivesse em perigo. Este

    homem toca a campainha, pergunta por ela e a proprietria lhe diz para ir ao

    segundo andar. Ela no pode descrev-lo, mas sabe que de estatura

    mediana e que deve ter pego um terrvel resfriado, pois perdera a voz. Ela

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    voltou de novo l para baixo e no ouviu nada de que pudesse desconfiar. No

    ouviu o homem sair. Cerca de dez minutos depois, foi levar o ch para a

    hspede e encontrou-a estrangulada.

    No foi um crime casual, Kane. Foi cuidadosamente planejado.

    Ele calou-se e depois acrescentou abruptamente: Quantas penses na

    Inglaterra que se chamam Monkswell Manor?

    S deve haver uma, senhor.

    Seria sorte demais. Bom, no vamos perder tempo.

    Os olhos do sargento demoraram-se nas duas anotaes do

    caderninho: Culver Street, 74; Monkswell Manor. Ele disse: Ento o senhor

    acha... Parminter atalhou: Ora, e voc, no? Pode ser. Monkswell Manor, ora! onde... Sabe, posso jurar que vi

    este nome recentemente.

    Onde?

    isto que estou tentando me lembrar. Espere um pouco... jornal

    Times. Ultima pgina. Espere um minuto Hotis e penses s um

    instante, senhor um jornal velho. Eu estava fazendo palavras cruzadas.

    Ele saiu apressado da sala, e voltou triunfante. Est aqui, olhe.

    O inspetor seguiu-lhe o dedo indicador.

    Monkswell Manor, Harpleden, Berks. Ele puxou o telefone para

    junto de si. Ligue-me com a polcia do Municpio de Berkshire.

    Com a chegada do Major Metcalf, Monkswell Manor entrou na rotina de

    uma empresa em funcionamento. Major Metcalf no era to difcil quanto a Sra.

    Boyle, nem excntrico como Christopher Wren. Era um homem fleumtico, demeia-idade, trajado com distino, e que servira a maior parte do tempo na

    ndia. Ele parecia satisfeito com o quarto e a moblia, e, enquanto ele e a Sra.

    Boyle no encontravam amigos comuns, ele conhecera primos de amigos dela

    "do ramo dos Yorkshire" em Poonah. Sua bagagem, entretanto, duas

    pesadas malas de couro de porco, satisfez at mesmo a natureza desconfiada

    de Giles.

    Verdade seja dita; Molly e Giles no tinham muito tempo para especular

    sobre os hspedes. Eles mesmos faziam o jantar, o serviam, comiam e

    lavavam satisfatoriamente. Major Metcalf elogiou o caf, e Giles e Molly foram-

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    se deitar, cansados mas vitoriosos para se levantarem mais ou menos s

    duas horas da manh por um persistente toque na campainha.

    Droga disse Giles. a porta da frente. Que diabos...

    Apresse-se disse Molly. V ver quem .

    Lanando um olhar reprovador a Molly, Giles enfiou-se no roupo, e

    desceu as escadas. Molly ouviu os ferrolhos sendo abertos e vozes no

    vestbulo. Pouco depois, levada pela curiosidade, ela saiu da cama e foi espiar

    do alto da escada. L embaixo, Giles ajudava um estranho barbudo a tirar o

    casaco coberto de neve. Fragmentos da conversa lhe chegaram aos ouvidos.

    Brrrr. Era um som explosivo. Meus dedos esto to gelados

    que no estou nem sentindo. E meus ps... Ouviu-se o barulho de psbatendo no cho.

    Entre aqui. Giles abriu a porta da biblioteca. Est quente.

    melhor esperar aqui, at eu preparar o quarto.

    Realmente tenho muita sorte disse o desconhecido,

    delicadamente.

    Molly espiava inquisitivamente pelo corrimo da escada. Viu um

    homem j maduro, com uma barba curta e preta e sobrancelhas mefistoflicas.Um homem que se movimentava com passadas de jovem e lpidas, apesar

    das tmporas grisalhas.

    Giles fechou a porta da biblioteca, deixando-o l dentro, e subiu

    apressadamente as escadas. Molly, que estava agachada, levantou-se.

    Quem ? perguntou.

    Giles sorriu. Outro hspede para a penso. O carro capotou por

    causa da neve. Ele conseguiu sair, andou como pde a nevasca continua,est ouvindo? pela rua, quando viu nossa penso. Disse que foi como uma

    resposta s suas oraes.

    Voc acha que ele ... legal?

    Querida, esta noite no nada propcia para um ladro sair por a.

    Ele estrangeiro, no ?

    . O nome dele Paravicini. Vi a carteira dele at acho que ele

    mostrou de propsito , simplesmente recheada de dinheiro. Que quarto a

    gente d para ele?

    O quarto verde. Est prontinho. S temos que fazer a cama.

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    Acho que tenho que emprestar meu pijama a ele. Todas as coisas

    ficaram no carro. Ele disse que teve de sair pela janela.

    Molly apanhou lenis, fronhas e toalhas.

    Enquanto faziam a cama rapidamente, Giles disse: A neve est

    caindo grossa. Vamos ficar cercados, completamente isolados. Por um lado

    emocionante, no ?

    Eu no sei duvidou Molly. Acha que consigo fazer po-de-

    soda, Giles?

    Claro que sim. Voc pode fazer qualquer coisa disse o fiel

    marido.

    Nunca tentei fazer po. o tipo da coisa que a gente aceita epronto. Pode estar fresco ou dormido, mas o padeiro traz de qualquer jeito. Mas

    se ficarmos isolados pela neve, no vai haver padeiro.

    Nem aougueiro, nem correio. Nada de jornais. E, com toda a

    certeza, no teremos telefone.

    S o rdio nos dizendo o que fazer?

    De qualquer jeito, a luz eltrica s depende do nosso gerador.

    Voc tem que fazer ele funcionar de novo amanh. E temos demanter o aquecimento central bem provido.

    Acho que nosso suprimento de carvo no vir agora. E temos bem

    pouco.

    Oh, Meu Deus! Giles, acho que vamos enfrentar um tempo duro. V

    depressa e traga para... sei l qual o nome dele. Vou voltar para a cama.

    A manh trouxe a confirmao das previses de Giles. A neve chegava

    a quase um metro e meio de altura, batendo contra portas e janelas. L fora,ainda nevava. O mundo estava branco, silencioso e, de um modo sutil,

    ameaador.

    A Sra. Boyle sentou-se para o caf. No havia mais ningum no

    refeitrio. Na mesa ao lado, o lugar do Major Metcalf acabara de ser limpo. A

    mesa do Sr. Wren ainda estava posta. Presumivelmente, um madrugador e um

    dorminhoco. A Sra. Boyle sabia que, sem dvida, s havia um horrio

    adequado ao caf da manh: nove horas.

    A Sra. Boyle acabara de degustar a excelente omelete e trincava a

    torrada entre os alvos e fortes dentes. Sentia-se indecisa, relutante. Monkswell

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    Manor no se parecia em nada com o que imaginara. Pensou que jogaria

    bridge, que fosse encontrar solteironas apagadas s quais impressionaria com

    sua posio social e seus contatos, alm das insinuaes que faria

    importncia e sigilo de seu servio de guerra.

    O fim da guerra deixara a Sra. Boyle abandonada como que no meio

    do deserto. Sempre fora uma mulher ocupada falando fluentemente de

    eficincia e organizao. Seu vigor e sua energia evitavam que as pessoas

    realmente duvidassem que ela fosse uma organizadora boa e eficiente. As

    atividades de guerra lhe caram como uma luva. Mandava nas pessoas,

    intimidava-as, preocupava os chefes de departamento e, para conseguir o que

    queria, no se poupava. Mulheres subservientes andavam de l para c,horrorizadas, quando fazia meno de franzir o cenho. E agora, toda essa vida

    agitada acabara. Voltara vida privada, e esta j havia desaparecido. Sua

    casa, que fora requisitada pelo exrcito, precisava de reforma total, alm de ser

    redecorada antes que ela voltasse a morar l. Mas as dificuldades domsticas

    tornaram sua volta impraticvel. Os amigos estavam espalhados, dispersos.

    Qualquer dia encontraria seu cantinho, mas, no momento, passava o tempo.

    Um hotel ou uma penso pareciam ser a resposta. E ela escolhera ir paraMonkswell Manor.

    Ela olhou sua volta, desesperada.

    Muito desonesto, disse para si mesma, no me haverem dito que

    estavam somente comeando.

    Ela afastou o prato de si. O fato de o caf estar excelente e bem

    servido, o leite muito bom, gelia feita em casa curiosamente a aborrecera

    ainda mais. Assim, fora-lhe retirada uma causa legtima para queixa. A camatambm; era macia, os lenis bordados, e travesseiro confortvel. A Sra.

    Boyle gostava de conforto, mas tambm gostava de encontrar defeitos. Alis,

    esta ltima era uma paixo mais forte do que a primeira.

    Levantou-se com toda a pompa e saiu do refeitrio, cruzando, na porta,

    com o extraordinrio jovem de cabelos vermelhos. Esta manh, usava uma

    gravata xadrez, de fundo verde berrante, e uma gravata de l.

    Grotesco disse para si mesma. Grotesco.

    A maneira com que ele a olhou, de soslaio, tambm no lhe agradou.

    Tinha qualquer coisa de incomum, perturbador naquele olhar ligeiramente

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    zombeteiro.

    Deve ser um desequilibrado pensou a Sra. Boyle.

    Ela respondeu sua reverncia floreada com um seco movimento de

    cabea e marchou em direo grande sala de visitas. Que cadeiras

    confortveis, principalmente esta rosa, grande. Era melhor ela deixar bem claro

    de uma vez que esta cadeira era dela. Colocou o tric sobre a mesma, a ttulo

    de precauo andou pela sala e depois colocou a mo na calefao. Como

    desconfiava, estava apenas morna, e no quente. Os olhos da Sra. Boyle

    brilharam, beligerantes. Poderia reclamar disso.

    Olhou pela janela. Que tempo horroroso horroroso. Bem, ela no

    ficaria aqui por muito tempo; a no ser que viessem mais pessoas e tornassemo lugar divertido.

    Um monte de neve deslizou pelo telhado maciamente. A Sra. Boyle

    pulou. No disse alto. No vou ficar aqui muito tempo.

    Algum soltou uma risadinha de escrnio. Ela voltou a cabea. Da

    soleira da porta, o jovem Wren observava-a com aquela curiosa expresso que

    lhe era peculiar.

    No disse ele. Suponho que no v ficar.O Major Metcalf estava ajudando Giles a tirar neve da porta dos fundos.

    Era um bom trabalhador, e Giles chegou a ser clamoroso nas expresses de

    gratido Como se estivesse lendo os pensamentos de Giles, o major disse:

    Foi timo sua esposa ter-me servido um caf da manh quela hora. E os ovos

    ento... fresquinhos.

    Giles levantara-se antes das sete, devido s exigncias de servio. Ele

    e Molly comeram ovos quentes, tomaram ch e foram arrumar as salas deestar. Tudo brilhava de to arrumado. Giles no pde deixar de pensar que, se

    ele mesmo fosse hspede deste estabelecimento, nada o teria tirado da cama

    numa manh como aquela.

    Entretanto o major j se levantara, tomara o caf da manh, e

    vagueava pela casa, aparentemente cheio de energia, procura de uma

    vlvula de escape.

    Bent pensou Giles , h muita neve para ser tirada.

    Olhou de esguelha para o companheiro. Um homem nada fcil de se

    analisar: obstinado, por volta dos sessenta, alguma coisa de sempre atento nos

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    olhos. Um homem a quem nada escapava. Giles perguntava-se por que teria

    ele vindo a Monkswell Manor. Reformado, talvez, e sem emprego.

    O Sr. Paravicini desceu tarde. Tomou caf com uma torrada uma

    refeio frugal tpica do Continente.

    Molly ficou um pouco desconcertada quando lhe levou o caf, e ele se

    levantou, fez uma mesura exagerada e exclamou: Minha encantadora

    anfitri? Estou certo, no estou?

    Molly admitiu um tanto vagarosamente que ele estava certo. No se

    sentia com disposio para receber elogios quela hora.

    E por que pensou ela ao empilhar a loua um tanto

    descuidadamente, na pia cada um tem que tomar o caf numa horadiferente? um pouco duro.

    Deixou os pratos e subiu correndo para arrumar as camas. No podia

    esperar a menor ajuda de Giles, esta manh. Tinha que limpar o caminho que

    levava ao boiler e ao galinheiro.

    Mais do que depressa, Molly fez as camas, sem muito esmero, admitiu,

    alisando os lenis e puxando-os para cima, to rpido quanto possvel.

    Ia comear a cuidar dos banheiros quando o telefone tocou.A princpio, Molly praguejou por ser interrompida, mas, depois, sentiu

    um ligeiro alvio pois, afinal, o telefone funcionava ainda, e correu para atend-

    lo.

    Quando chegou biblioteca estava um tanto sem flego; apanhou o

    receptor:

    Al!

    Uma voz cordial, com um ligeiro e agradvel sotaque, perguntou: da Monkswell Manor?

    Monkswell Manor, Penso.

    Gostaria de falar com o Comandante Davis, por favor.

    No momento no pode atender disse Molly. Aqui fala Sra.

    Davis. Quem est falando, por favor?

    Superintendente Hogben, Polcia de Berkshire. Molly ficou um pouco

    ofegante: Ah! pois no...

    Sra. Davis, surgiu um assunto muito importante. No quero falar

    muito ao telefone, mas enviei o Sargento-detetive Trotter; chegar a qualquer

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    minuto.

    No vai conseguir chegar aqui. Estamos isolados por causa da

    neve. As estradas esto bloqueadas.

    No houve nenhuma hesitao na voz do superintendente:

    Trotter chegar a, com certeza. E, por favor, Sra. Davis, diga a seu

    marido para ouvir atentamente o que Trotter tem a dizer-lhes e para seguir

    risca suas instrues. Isto tudo.

    Superintendente Hogben, o que...

    Mas ouviu-se um clique definitivo. Hogben dissera claramente tudo o

    que havia para ser dito, e desligou. Molly bateu uma ou duas vezes no gancho,

    e depois desistiu. Ela voltou-se quando a porta abriu. Ah, Giles querido, voc chegou.

    Giles trazia neve no cabelo e fuligem de carvo no rosto. Parecia

    encalorado.

    O que , meu amor? J enchi as caixas de carvo e trouxe lenha.

    Daqui a pouco cuido das galinhas e vejo o boiler. Est bem? O que houve,

    Molly? Parece assustada.

    Giles, era a polcia. A polcia? Giles parecia no acreditar.

    . Mandaram um inspetor ou sargento, sei l.

    Mas por qu? O que foi que fizemos?

    No sei. Ser que por causa daqueles trs quilos de manteiga da

    Irlanda?

    Mas tenho certeza de que obtive licena, no foi?

    Sim, o telegrama est na escrivaninha. Giles, a velha Sra. Bidlockme deu cinco dos seus cupons por aquele meu velho casaco de tweed. Acho

    que est errado mas tambm acho que bastante justo. Tenho um casaco a

    menos, ento por que no posso ficar com os cupons? Oh, meu Deus, que

    mais que fizemos?

    Outro dia tirei um fino com o carro. Mas foi culpa do outro, sem

    dvida. Sem dvida.

    Alguma coisa a gente fez suspirou Molly.

    O problema que, hoje em dia, quase tudo o que se faz ilegal. Por

    isso que as pessoas vivem sentindo-se culpadas. Com certeza tem alguma

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    coisa a ver com a administrao deste lugar.

    Dirigir uma penso deve ser uma atividade cheia de empecilhos dos

    quais nunca ouvimos falar.

    Pensei que o nico problema fosse a bebida. No demos bebida a

    ningum. Fora isso, por que no podemos dirigir a penso como bem

    entendermos?

    Eu sei. Parece legal. Mas tudo mais ou menos proibido, hoje em

    dia.

    Ah, meu deus suspirou Molly. Seria melhor nunca termos

    comeado. Vamos ficar isolados durante dias, todos vo ficar zangados, vo

    comer todas as nossas reservas de enlatados... Anime-se, querida disse Giles. Estamos com azar, agora, mas

    tudo vai dar certo.

    Ele beijou-lhe o alto da cabea, um tanto distrado e, soltando-a, disse

    com a voz diferente: Sabe, Molly, pensando bem, deve ser alguma coisa

    muito sria para mandar um sargento at aqui com toda esta neve. Ele

    apontou l para fora. Deve ser alguma coisa realmente urgente...

    Quando se entreolharam, a porta abriu e a Sra. Boyle entrou. Ah! at que enfim o encontrei, Sr. Davis disse a Sra. Boyle.

    Sabe que o aquecimento central da sala de estar est praticamente frio?

    Ora, desculpe, Sra. Boyle. Estamos com pouco carvo e... A Sra.

    Boyle interrompeu-lhe a frase implacavelmente.

    Estou pagando sete guinus por semana sete guinus. No

    quero congelar.

    Giles corou. Disse simplesmente: Vou colocar mais carvo. Ele saiu,e a Sra. Boyle voltou-se para Molly:

    Se no se incomoda que lhe diga, Sra. Davis, h um jovem muito

    excntrico se hospedando aqui. Seus modos, suas gravatas e ser que

    nunca penteia o cabelo?

    um arquiteto extremamente brilhante replicou Molly.

    Como?

    Cristopher Wren um arquiteto e...

    Minha jovem senhora retrucou a Sra. Boyle. claro que j ouvi

    falar de Sir Christopher Wren. Claro que era um arquiteto. Construiu St. Paul.

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    Parece que os jovens pensam que a cultura foi introduzida junto com a Lei da

    Educao.

    Me refiro a este Wren. O nome dele Christopher. Seus pais o

    batizaram na esperana de que se tornasse um arquiteto. E ele , ou pelo

    menos, quase, de modo que deu certo.

    Hummmmm resmungou a Sra. Boyle , esta histria me parece

    muito mal contada. Se fosse voc, faria umas investigaes. O que sabe sobre

    ele?

    Tanto quanto sei sobre a senhora, isto , que ambos me pagam sete

    guinus por semana. o que preciso saber, no? E o que me interessa.

    Pouco me importa se gosto de meus hspedes ou se Molly olhou fixamentepara a Sra. Boyle no gosto.

    A Sra. Boyle enrubesceu de clera. Voc jovem e inexperiente e

    devia acolher os conselhos de quem tem mais conhecimentos. E este

    estrangeiro? Quando chegou?

    De madrugada.

    Francamente. Muito estranho. Uma hora nada convencional.

    No aceitar viajantes legtimos contra a lei, Sra. Boyle. Mollyacrescentou docemente: Talvez no saiba disso.

    Tudo o que sei que esse Paravicini, ou coisa parecida, tem a

    aparncia de...

    Cuidado, cuidado, cara senhora. Fala-se do diabo e ento...

    A Sra. Boyle sobressaltou-se como se, realmente, o prprio diabo a

    estivesse interpelando. O Sr. Paravicini, que entrara com passinhos midos

    sem ser notado por nenhuma das duas mulheres, riu e esfregou as mos,numa espcie de regozijo satnico.

    O senhor me assustou disse a Sra. Boyle. No o ouvi entrar.

    Entrei na ponta dos ps disse o Sr. Paravicini. Nunca ningum

    me ouve entrar ou sair. Acho isso muito divertido. s vezes ouo conversas,

    por alto. Isso, tambm, me diverte. Mas no me esqueo do que ouo.

    A Sra. Boyle disse um tanto parva: Realmente? Tenho que pegar

    meu tric. Deixei-o l na sala.

    Ela saiu apressada. Molly ficou olhando para o Sr. Paravicini como que

    perplexa. Ele aproximou-se dela meio que saltitando:

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    Minha adorvel anfitri parece aborrecida. Antes que pudesse

    evit-lo, ele tomou-lhe as mos e beijou-as. O que foi, minha querida dama?

    Molly deu um passo para trs. No sabia ao certo se gostava muito do

    Sr. Paravicini. Olhava-a de soslaio como um antigo stiro.

    Tudo est um tanto difcil hoje disse. Por causa da neve.

    Sim. O Sr. Paravicini voltou a cabea para olhar pela janela. A

    neve torna as coisas bastante difceis, no ? Ou ento as faz muito simples.

    No sei o que quer dizer.

    No disse, pensativo. E h muita coisa que no sabe. Acho

    que, antes de tudo, no conhece muito sobre a administrao de uma penso.

    Molly levantou o queixo, beligerante. No sabemos mesmo. Masvamos fazer o melhor.

    Bravo, bravo.

    Afinal de contas a voz de Molly deixou transparecer uma ligeira

    ansiedade , no cozinho muito mal...

    Na verdade, a senhora uma cozinheira maravilhosa. "Que cacetes,

    estes estrangeiros", pensou Molly.

    Talvez o Sr. Paravicini lhe tenha lido os pensamentos. O fato que seucomportamento mudou. Falou calmo e srio.

    A senhora me permite um conselho, Sra. Davis? No devem confiar

    em todo mundo. Tem referncias de seus hspedes?

    costume fazer isso? Molly parecia preocupada. Pensei que

    era s as pessoas virem.

    sempre bom saber alguma coisa sobre as pessoas que dormem

    sob o mesmo teto. Ele inclinou-se para frente e bateu-lhe no ombro, demaneira um tanto ameaadora. Eu, por exemplo. Apareo de madrugada.

    Meu carro, eu conto, capotou. O que sabe sobre mim? Nada. Talvez no saiba

    nada tambm dos seus outros hspedes.

    A Sra. Boyle comeou Molly, mas calou-se quando a prpria

    voltou, tric na mo.

    Aquela sala de estar muito fria. Vou-me sentar aqui. Ela

    encaminhou-se para a lareira.

    O Sr. Paravicini deu uma pirueta, adiantando-se: Deixe-me avivar o

    fogo para a senhora.

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    Molly impressionou-se, assim como na noite anterior, com aqueles

    passos lpidos, de jovem. Ela notara que ele parecia ter sempre a preocupao

    de estar sempre contra a luz e, agora que ele se ajoelhara, para atiar o fogo,

    ela pensou ter encontrado a razo para isso: o rosto do Sr. Paravicini estava

    hbil, mas indubitavelmente "maquiado".

    Ento o velho idiota tentava parecer mais jovem do que era na

    realidade? Bem, no o conseguia. Parecia at mais velho. S aquele andar

    que parecia incoerente. Talvez fosse, tambm, cuidadosamente forjado.

    A entrada barulhenta do Major Metcalf a trouxe de volta s

    desagradveis realidades.

    Sra. Davis, creio que os canos do... ele baixou a voz vestiriol embaixo esto congelados.

    Meu Deus! Que dia horrvel. Primeiro a polcia e depois os canos.

    O Sr. Paravicini deixou cair o atiador na lareira com um estrondo. A

    Sra. Boyle parou de tricotar. Molly, olhando para o Major Metcalf, ficou confusa

    com a sbita imobilidade e indescritvel expresso. No conseguia defini-la. Era

    como se toda a emoo tivesse sido sugada de seu rosto, deixando atrs

    alguma coisa talhada na madeira.Disse numa voz curta, de staccato: Polcia?

    Ela tinha conscincia de que, atrs daquela dura imobilidade, uma forte

    emoo se estava processando. Podia ser medo, ateno ou excitao mas

    havia alguma coisa. Este homem, ela disse para si mesma, pode ser perigoso.

    Ele disse de novo, e desta vez sua voz s revelava uma certa

    curiosidade: O que tem a polcia?

    Eles telefonaram disse Molly. Agora mesmo. Mandaram umsargento para c. Ela olhou em direo da janela. Mas no creio que

    consiga chegar aqui disse esperanosa.

    Por que esto mandando a polcia para c? Ele aproximou-se

    dela, mas antes que ela pudesse responder, a porta abriu-se e Giles entrou.

    Veio muita pedra junto com este carvo disse, zangado. Depois

    acrescentou: Aconteceu alguma coisa?

    Major Metcalf virou-se para ele. Ouvi dizer que a polcia vem at

    aqui disse ele. Por qu?

    Ah, no nada disse Giles. Ningum pode passar. A neve

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    chega a um metro e meio de altura. Todas as estradas esto interrompidas.

    Ningum vai chegar aqui hoje.

    E neste momento ouviu-se distintamente, trs batidas na janela.

    Isto os assustou. Por alguns momentos no localizaram o som. Este

    veio com a nfase e a ameaa de um aviso fantasmagrico. E ento, com um

    grito, Molly apontou para a porta-janela. E ali estava um homem, batendo na

    vidraa e o mistrio de sua chegada era explicado pelo fato de usar esquis.

    Com uma exclamao, Giles atravessou a sala, lutou com o ferrolho e

    abriu a porta envidraada.

    Obrigado, senhor disse o recm-chegado. Sua voz era animada e

    o rosto bronzeado. Sargento-detetive Trotter apresentou-se.

    A Sra. Boyle olhou-o por sobre o tric, com descrdito. No pode ser

    sargento disse, com reprovao. muito jovem.

    O rapaz, que era mesmo muito jovem, enfrentou a crtica e respondeu

    um tanto aborrecido: No sou to jovem quanto pareo.

    Passou os olhos pelo grupo e viu Giles.

    o Sr. Davis? Posso tirar esses esquis e guard-los em algumlugar?

    Claro, venha comigo.

    Quando a porta do vestbulo se fechou, a Sra. Boyle disse, azeda:

    Com certeza para isso que pagamos polcia, hoje em dia. Para que se

    divirtam com os esportes de inverno.

    Paravicini aproximara-se de Molly. Foi com uma espcie de assovio na

    voz que perguntou, baixinho: Por que mandou chamar a polcia, Sra. Davis?Ela encolheu-se um pouco diante da malignidade daquele olhar. Este

    era um novo Paravicini. Por um momento sentiu medo. E disse, desanimada:

    Mas eu no chamei. Eu no chamei.

    E ento Christopher Wren entrou porta adentro, animado, dizendo num

    sussurro penetrante: Quem o homem ali no vestbulo? De onde veio? To

    cordial e cheio de neve.

    A voz da Sra. Boyle fez-se ouvir, mais alta do que o clique das agulhas

    de tric: Acredite ou no, mas este homem um policial. Um policial

    esquiando!

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    "A ruptura final das classes mais baixas chegara", pareciam dizer seus

    olhos.

    Major Metcalf murmurou para Molly: Desculpe-me, Sra. Davis, mas

    posso usar o telefone?

    Claro, Major Metcalf.

    Ele dirigiu-se ao aparelho enquanto Christopher Wren dizia, estridente:

    muito bonito, no acha? Sempre achei os policiais muito atraentes .

    Al, al Major Metcalf batia no telefone, irritado. Voltou-se para

    Molly: Sra. Davis, este telefone est mudo, completamente mudo.

    Estava funcionando agora mesmo. Eu...

    Ela foi interrompida. Christopher Wren estava rindo, um riso alto,estridente, quase histrico. Ento estamos mesmo isolados agora. Ilhados.

    Isso engraado, no ?

    No vejo motivos para risos disse o Major Metcalf, muito srio.

    De jeito nenhum concordou a Sra. Boyle. Christopher continuava

    a ter ataques de riso. uma piadinha particular disse ele. Shhhhh

    colocou o dedo nos lbios , o detetive est chegando.

    Giles entrou com o Sargento Trotter. Este se livrara dos esquis, retiraraa neve e vinha segurando um caderno grosso e um lpis. Trouxe com ele uma

    atmosfera de lento processo judicial.

    Molly disse Giles , o sargento quer falar conosco em particular.

    Os trs saram da sala.

    Vamos ao gabinete disse Giles.

    Entraram numa salinha atrs do vestbulo, que fora honrada por esse

    nome. O Sargento Trotter fechou cuidadosamente a porta. O que foi que fizemos, sargento? Molly perguntou, chorosa.

    Fizeram? O sargento olhou-a durante alguns segundos. Depois

    deu um largo sorriso. Ora, no nada disso. Desculpe se houve uma

    interpretao errnea. No, Sra. Davis, algo completamente diferente. mais

    uma questo de proteo policial, entende?

    No tendo a mnima idia do que se tratava, ambos olharam para ele

    de maneira inquisitiva.

    O Sargento Trotter prosseguiu, fluente: Relaciona-se com a morte

    da Sra. Lyon, Maureen Lyon, que foi assassinada em Londres h dois dias.

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    Talvez tenham lido sobre o caso.

    Lemos disse Molly.

    A primeira coisa que quero saber se conheciam a Sra. Lyon.

    Nunca tnhamos ouvido falar dela disse Giles, e Molly concordou.

    Bom, o que espervamos. Mas, na verdade, este no era o nome

    verdadeiro da vtima. Ela era fichada e, pelas impresses digitais, foi fcil

    identific-la. O verdadeiro nome dela era Gregg; Maureen Gregg. O falecido

    marido era fazendeiro e morava na Fazenda Longridge, no muito distante

    daqui. Talvez tenham ouvido falar no caso da Fazenda Longridge.

    A sala estava muito quieta. S um som quebrou a quietude, um macio e

    inesperado prop da neve que deslizou pelo telhado para cair no cho. Era umsom secreto, quase que sinistro.

    Trotter continuou. Trs crianas evacuadas alojaram-se com os

    Greggs na Fazenda Longridge, em 1940. Uma destas crianas veio a morrer

    como resultado de negligncia criminosa e maus-tratos. O fato causou

    sensao, e ambos os Greggs foram condenados priso. Gregg escapou a

    caminho da priso, roubou um carro e sofreu um acidente quando fugia.

    Morreu na hora. A Sra. Gregg cumpriu a pena e foi libertada h dois meses. E agora foi assassinada disse Giles. Quem o senhor acha que

    o assassino?

    Mas o Sargento Trotter no se deixava apressar. Lembra-se do

    caso, senhor? perguntou.

    Giles balanou a cabea. Em 1940 eu era um aspirante e servia no

    Mediterrneo.

    Trotter olhou ento para Molly. Acho que me lembro de ter ouvido falar disse Molly um tanto

    ofegante. Mas por que veio aqui? O que temos com isso?

    questo de estar em perigo, Sra. Davis.

    Perigo? repetiu Giles, incrdulo.

    Isso mesmo, senhor. Apanharam um caderninho perto da cena do

    crime. Nele havia dois endereos. O primeiro era Culver Street, setenta e

    quatro.

    Onde a mulher foi assassinada? disse Molly.

    Sim, Sra. Davis. E o outro endereo era Monkswell Manor.

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    O qu? A voz de Molly revelava incredulidade. Mas que

    estranho.

    Por isso o Superintendente Hogben achou imperioso saber se

    tinham conhecimento de alguma conexo com vocs, ou com essa casa ou

    com o caso da Fazenda Longridge.

    No h nada, absolutamente nada disse Giles. Deve ser

    alguma coincidncia.

    O Sargento Trotter disse com brandura: O Superintendente Hogben

    no acha que seja coincidncia. Ele teria vindo pessoalmente se fosse

    possvel. Devido ao tempo, e j que sou exmio esquiador, ele mandou-me aqui

    com instrues para saber de todos os detalhes sobre os que se encontramaqui, relatar-lhe tudo por telefone e tomar todas as medidas que julgar

    convenientes para a segurana da casa.

    Giles disse, srio: Segurana? Meu Deus, homem, no acha que

    algum vai ser morto aqui, acha?

    Trotter disse, como que se desculpando: No queria aborrecer a

    senhora, mas, na realidade, justamente isso que o Superintendente Hogben

    acha. Mas que motivos podia haver...

    Giles fez uma pausa, e Trotter disse: justamente para descobrir

    isso que estou aqui.

    Mas isso tudo uma loucura.

    E, por ser uma loucura, achamos perigoso.

    H mais alguma coisa que ainda no nos contou, no , sargento?

    perguntou Molly. H, sim, senhora. No alto da pgina do caderninho estava escrito

    "Os Trs Ratos Cegos". Pregado ao corpo da vtima, um pedacinho de papel

    onde se lia: "este o primeiro.Abaixo, um desenho de trs ratos e uma pauta

    musical. A msica a daquela historinha infantil em verso Os Trs Ratos

    Cegos.

    Molly cantou baixinho:

    Trs Ratos Cegos

    Vejam como correm

    Todos correram atrs da mulher do fazendeiro!

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    Ela...

    Ela cessou bruscamente. horrvel horrvel. Havia trs crianas,

    no ?

    Isso mesmo, Sra. Davis. Um menino de quinze, uma menina de

    quatorze e o menino de doze que morreu.

    O que aconteceu com os outros?

    Acho que a menina foi adotada por algum. No conseguimos

    localiz-la. O menino deve ter uns trinta e trs anos agora. Ns o perdemos de

    vista. Contam que ele sempre foi um tanto efeminado. Alistou-se no Exrcito

    com dezoito anos. Depois desertou. Desde a, desapareceu. O psiquiatra do

    Exrcito afirma que ele no , absolutamente, normal. Acha que foi ele quem matou a Sra. Lyon? perguntou Giles. E

    que ele um manaco homicida capaz de aparecer aqui por alguma razo

    desconhecida?

    Achamos que deve haver uma ligao entre algum aqui e o

    negcio da Fazenda Longridge. Quando pudermos esclarecer qual essa

    ligao, ento ficaremos de sobreaviso. O senhor disse que no tinha nada a

    ver com o caso. O mesmo se aplica a senhora? Eu... claro, claro.

    E se me disser quem mais est hospedado aqui?

    Eles deram-lhe os nomes. Sra. Boyle, Major Metcalf, Sr. Christopher

    Wren, Sr. Paravicini. Ele os anotou no caderno.

    Empregados?

    No temos nenhum empregado disse Molly. E isso me faz

    lembrar que tenho de colocar as batatas no fogo.Ela saiu do gabinete abruptamente.

    Trotter voltou-se para Giles. O que sabe sobre estas pessoas?

    Eu ns Giles hesitou. Depois disse, calmamente: Na

    verdade, no sabemos nada sobre eles, Sargento Trotter. A Sra. Boyle

    escreveu do hotel Bournemouth. Major Metcalf, de Leamington. o Sr. Wren de

    um hotel particular em South Kensington. O Sr. Paravicini que apareceu

    assim, do nada, ou melhor do branco o carro dele capotou aqui perto.

    Mesmo assim, devem ter carteira de identidade, cartes de racionamento, esse

    tipo de coisa.

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    Vou ver tudo isso, claro.

    Por um lado, bom que o tempo esteja assim. O assassino no vai

    poder locomover-se, vai?

    Talvez ele no precise, Sr. Davis.

    O que quer dizer com isso?

    Sargento Trotter hesitou por um momento e ento disse: Tem que

    pensar que ele pode j estar aqui. Giles olhou-o fixamente.

    Como assim?

    A Sra. Gregg foi morta h dois dias. Todos os hspedes chegaram

    depois disso, Sr. Davis.

    Sim, mas fizeram reservas anteriormente, a no ser no caso doParavicini.

    Sargento Trotter suspirou. Parecia cansado quando disse: Estes

    crimes foram premeditados.

    Crimes? Mas s houve um crime por enquanto. Por que tem tanta

    certeza de que haver outros?

    Que haver, no. Espero evitar isso. Que ser tentado, sim.

    Mas ento, se estiver certo Giles falava agitado , s pode seruma pessoa. S h uma com a idade certa. Christopher Wren!

    Sargento Trotter foi ter com Molly na cozinha.

    Ficaria agradecido, Sra. Davis, se viesse comigo biblioteca.

    Desejo fazer uma exposio a todos. O Sr. Davis, muito gentil, j se adiantou

    para preparar tudo...

    Certo; deixe s eu acabar de preparar estas batatas. s vezes

    desejo que Sir Walter Raleigh nunca tivesse descoberto estas coisasabominveis.

    O Sargento Trotter manteve um silncio de desaprovao. Molly disse,

    como que para se desculpar: No consigo acreditar, sabe, to fantstico...

    No fantstico, Sra. Davis so fatos concretos.

    Tem a descrio do homem? perguntou Molly, curiosa.

    Altura mediana, franzino, usava casaco escuro e chapu claro,

    falava sussurrando, e escondia o rosto com o cachecol. Como v pode ser

    qualquer um. Ele fez uma pausa e acrescentou: H trs casacos escuros

    e chapus claros pendurados no cabide do vestbulo, Sra. Davis.

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    Acho que nenhuma dessas pessoas veio de Londres.

    No? Com um rpido movimento, o Sargento Trotter foi ao

    aparador e apanhou um jornal.

    O Evening Standard de 19 de fevereiro. Dois dias atrs. Algum

    trouxe esse jornal aqui, Sra. Davis.

    Mas que coisa estranha! Molly parou, tentando lembrar-se De

    onde pode ter vindo este jornal?

    No deve julgar ningum pelas aparncias, Sra. Davis. No conhece

    nada sobre estas pessoas que hospedou. E acrescentou: Pelo que

    conclu, a senhora e o Sr. Davis so novos neste ramo, no so?

    Sim, somos admitiu Molly. De repente ela sentiu-se jovem, tola einfantil.

    No est casada h muito tempo, talvez.

    H um ano. Ela corou ligeiramente. Aconteceu tudo to de

    repente.

    Amor primeira vista disse o Sargento Trotter, compreensivo.

    Molly sentia-se incapaz de trat-lo com aspereza. Foi disse ela, e

    acrescentou, confidencialmente: S nos conhecamos h quinze dias.Seus pensamentos voltaram queles quatorze dias de estonteante

    namoro. No havia dvidas, ambos sabiam. Num mundo agitado e de

    preocupaes, eles haviam descoberto o milagre um do outro. Deu um leve

    sorriso.

    Quando voltou ao presente, encontrou o Sargento Trotter olhando-a,

    com deleite.

    Seu marido-no daqui, ? No disse Molly vagamente. Ele de Lincolnshire. Ela

    conhecia muito pouco da infncia e adolescncia de Giles.

    Os pais estavam mortos, e ele sempre evitava falar no passado. Ele

    deve ter tido, pensava ela, uma infncia infeliz.

    So ambos muito jovens, permita-me diz-lo, para dirigir um lugar

    desses disse o sargento.

    Ah, no sei. Tenho vinte e dois anos e...

    Ela fez uma pausa brusca quando a porta se abriu e Giles entrou.

    Est tudo preparado. J dei a eles uma pequena idia da coisa. Est

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    bom assim, Sargento?

    Me poupa tempo disse Trotter. Est pronta, Sra. Davis?

    Quatro vozes falaram ao mesmo tempo quando o Sargento Trotter

    entrou na biblioteca.

    A mais alta e estridente era a de Christopher Wren que dizia que isto

    tambm era muito emocionante, que no dormiria nada noite e, por favor,

    ser que podiam dar-lhe todos os detalhes sanguinolentos?

    Partia da Sra. Boyle uma espcie de acompanhamento de contrabaixo:

    Um desmando absoluto pura incompetncia. A polcia no pode deixar

    os criminosos vagando por a.

    O Sr. Paravicini era eloqente, sobretudo com as mos. Os gestosdiziam mais do que as palavras, as quais eram abafadas pelo contrabaixo da

    Sra. Boyle. Podia-se ouvir o Major Metcalf vociferar de vez em quando. Ele

    pedia fatos.

    Trotter esperou alguns momentos e, ento, levantou a mo, autoritrio

    e, surpreendentemente, fez-se silncio.

    Obrigado disse ele. Bom, o Sr. Davis j disse mais ou menos o

    porqu de minha presena. Quero s saber uma coisa, uma coisa s e querosaber com rapidez. Quem de vocs tem ligao com o caso da Fazenda

    Longridge?

    Ningum quebrou o silncio. Quatro rostos sem expresso olhavam

    para o sargento. As emoes de momentos atrs animao, indignao,

    histeria, curiosidade apagaram-se como uma esponja apaga as marcas de

    giz numa lousa.

    O Sargento Trotter falou de novo, mais insistente. Por favor,procurem entender. Um de vocs, temos razo para acreditar, corre srio risco

    risco de morte. Tenho que saber quem .

    Mas ningum falou ou se mexeu.

    A voz de Trotter revelava uma certa raiva. Muito bem, vou perguntar

    a um por um. Sr. Paravicini?

    Um sorriso muito desmaiado oscilou no rosto do Sr. Paravicini. Ele

    levantou as mos num gesto de protesto tipicamente estrangeiro.

    Mas sou estrangeiro, inspetor. No sei nada, nada mesmo, desses

    assuntos locais j passados.

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    Trotter no perdeu tempo. Perguntou direto: Sra. Boyle?

    Realmente, no vejo por que, quero dizer, ora, por que teria eu

    alguma coisa a ver com este negcio horrvel?

    Sr. Wren?

    Christopher disse com a voz estridente: Eu era apenas uma criana

    naquela poca. No me lembro nem de ter ouvido falar sobre isso.

    Major Metcalf?

    O Major disse abruptamente. Li sobre isso nos jornais. Naquele

    tempo servia em Edinburgh.

    Isso tudo o que tm a dizer? Silncio de novo.

    Trotter soltou um suspiro exasperado. Se um de vocs forassassinado disse ele , s poder se culpar a si mesmo. Ele voltou-se

    subitamente e saiu da sala.

    Meus queridos disse Christopher. Que melodramtico!

    E acrescentou: Ele muito bonito, no ? Realmente admiro a

    polcia. To rspidos e decididos. Que coisa emocionante. Os trs ratos cegos.

    Como mesmo a melodia?

    Ele assoviou a rea, baixinho e Molly gritou involuntariamente: No!

    Ele rodopiou em direo a ela e riu: Mas querida, este meu

    prefixo. Nunca me confundiram com um assassino, e estou me divertindo

    muito.

    Puro melodrama disse a Sra. Boyle. No acredito em nem

    uma palavra.

    Os claros olhos de Christopher danaram, maliciosos. Mas espere,Sra. Boyle ele baixou a voz , at que eu lhe pule em cima e a senhora

    sinta minhas mos em volta do pescoo.

    Molly encolheu-se.

    Giles disse, zangado: O senhor est aborrecendo minha esposa,

    Wren. De qualquer forma, uma brincadeira sem graa.

    No chega nem a ser brincadeira disse Metcalf.

    Ah, mas disse Christopher. justamente isso brincadeira

    de um homem louco. o que a torna to deliciosamente macabra.

    Ele olhou sua volta e riu de novo. Se pudessem ver suas caras

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    disse ele.

    Depois saiu apressadamente da sala.

    A Sra. Boyle foi a primeira a se recuperar. Um neurtico mal-

    educado disse ela. Provavelmente se nega a cumprir com certas

    obrigaes.

    Ele me contou que ficou enterrado durante um ataque areo durante

    quarenta e oito horas disse o major. Isso explica muita coisa, na minha

    opinio.

    As pessoas tm tantas desculpas para perder o controle dos nervos

    disse a Sra. Boyle, amarga. Acho que na guerra sofri como todos e meus

    nervos vo muito bem. Talvez isto no faa diferena para a senhora disse Metcalf.

    O que quer dizer?

    Major Metcalf disse, calmamente: Acho que a senhora era, na

    verdade, o oficial encarregado dos alojamentos neste distrito, em 1940. Sra.

    Boyle. Ele olhou para Molly que anuiu, sria. isso mesmo, no ?

    A Sra. Boyle corou, irada. E da? perguntou.

    Metcalf disse, momentoso: A senhora foi responsvel por mandartrs crianas para Longridge.

    Francamente, Major Metcalf, no vejo como podem responsabilizar-

    me pelo que aconteceu. O pessoal da Fazenda parecia muito bom e ansioso

    por ter crianas. No sei como podem culpar-me ou me responsabilizar...

    sua voz foi sumindo aos poucos.

    Giles disse vivamente: Por que no contou ao Sargento Trotter?

    No assunto da polcia retrucou a Sra. Boyle. Posso cuidarde mim mesma.

    Major Metcalf disse calmamente: melhor tomar cuidado. E ento,

    tambm ele saiu da sala.

    Molly murmurou: claro, a senhora era encarregada dos

    alojamentos. Agora me lembro.

    Molly, voc sabia? Giles olhou-a, surpreso.

    A senhora tinha aquele casaro na comunidade, no tinha?

    J requisitado disse a Sra. Boyle. E completamente arruinado

    acrescentou com amargura. Devastado. Muito injusto.

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    E ento, o Sr. Paravicini comeou a rir baixinho. Depois jogou a cabea

    para trs e riu a no mais poder.

    Queira me desculpar disse, ofegante. Mas, realmente, acho

    isso tudo muito divertido. Estou me divertindo muito, muito mesmo.

    Neste momento, o sargento reentrou na sala. Lanou um olhar

    reprovador para o Sr. Paravicini. Fico contente disse, irado que todos

    achem isso to engraado.

    Peo desculpas, meu querido inspetor. Realmente peo desculpas.

    Estou estragando o efeito de seu solene aviso.

    Sargento Trotter deu de ombros. Fiz o que pude para tornar clara a

    situao disse ele. E no sou inspetor. Sou apenas um sargento. Gostariade usar o telefone, por favor, Sra. Davis.

    Peo mil desculpas disse Paravicini. Vou sair de mansinho.

    E l foi ele, os passos lpidos e elegantes que Molly notara antes.

    Ele um sujeito esquisito disse Giles.

    Tipo do criminoso disse Trotter. No confiaria nem um pouco

    nele.

    Ah! exclamou Molly. Voc acha que ele mas ele muitomais velho... ou ser que no chega a ser velho? Ele usa maquiagem e

    muita. Tem o andar de um jovem. Talvez esteja maquiado para parecer mais

    velho. Sargento Trotter, o senhor acha...

    O Sargento Trotter foi rspido com ela. No vamos chegar a nada

    com especulaes inteis, Sra. Davis. Tenho que me comunicar com o

    Superintendente Hogben.

    Ele encaminhou-se para o telefone. Mas o senhor no pode disse Molly. O telefone est mudo.

    O qu? Trotter voltou-se com uma pirueta. O alarma de sua voz

    impressionou a todos.

    Mudo? Desde quando?

    Major Metcalf tentou falar um pouco antes do senhor chegar...

    Mas estava funcionando antes disso. Recebeu o recado do

    Superintendente Hogben?

    Recebi. Acho que desde a o telefone emudeceu por causa da

    neve.

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    O rosto de Trotter continuou srio. Ser que... talvez tenha sido

    cortado.

    Molly arregalou os olhos. O senhor acha?

    Vou me certificar.

    Ele saiu apressado da sala. Giles hesitou, e depois saiu tambm. Molly

    exclamou: Minha nossa! Est quase na hora do almoo. Se no me

    apressar, no teremos nada para comer. Quando saiu apressada da sala, a

    Sra. Boyle resmungou:

    Pirralha incompetente! Que lugar. No vou pagar sete guinus por

    este tipo de coisa.

    O Sargento Trotter abaixou-se, seguindo os fios. Perguntou a Giles: Tem extenso?

    Tem, no nosso quarto, l em cima. Quer que v l para examinar?

    Sim, por favor.

    Trotter abriu a janela e pendurou-se, tirando neve do parapeito. Giles

    subiu correndo.

    O Sr. Paravicini encontrava-se na sala de estar grande. Dirigiu-se ao

    magnfico piano e o abriu. Sentado no banco, comeou a tocar uma melodiacom apenas um dedo.

    Trs Ratos Cegos

    Vejam como correm...

    Christopher Wren estava no quarto. Andava de um lado para o outro,

    assoviando vivamente. De repente o assovio foi diminuindo at desaparecer.

    Ele sentou-se na beira da cama. Depois enterrou o rosto nas mos e ps-se a

    soluar. Murmurou infantilmente: No posso continuar.E ento, sua disposio alterou-se. Ele levantou-se, endireitou os

    ombros. Tenho que continuar. Tenho que ir at o fim com isso.

    Giles estava ao lado do telefone do seu quarto. Curvou-se at o

    rodap. Ali encontrou uma luva de Molly. Apanhou-a. De dentro dela caiu uma

    passagem de nibus cor-de-rosa. Giles ficou-lhe observando a queda.

    Examinando-a bem, seu rosto mudou. O homem que andou vagarosamente,

    como num sonho, abriu a porta e ficou um momento com o olhar perdido,

    parecia outro.

    Molly terminou de descascar as batatas, jogou-as dentro de uma

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    vasilha e colocou-as no fogo. Olhou para o forno. Tudo saa de acordo com o

    planejado.

    Sobre a mesa da cozinha, uma cpia do Evening Standard de dois dias

    atrs. Ao v-lo, franziu o cenho. Se ao menos pudesse se lembrar...

    De repente, levou a mo aos olhos. Ah, no disse Molly. Ah,

    no!

    Aos poucos afastou as mos dos olhos. Olhou volta da cozinha como

    algum que est num lugar estranho. To quentinha, confortvel e espaosa

    recendendo ligeiramente a comidas saborosas.

    Ah, no repetiu baixinho.

    Foi andando devagar, como sonmbula, em direo ao vestbulo. Abriua porta. A casa estava mergulhada em silncio, a no ser por algum que

    assoviava.

    Aquela melodia...

    Molly estremeceu e recuou. Esperou um pouco, olhando mais uma vez

    para a cozinha que lhe era familiar. Sim, tudo estava em ordem e progredindo.

    Dirigiu-se uma vez mais para a porta da cozinha.

    Major Metcalf descera tranqilamente pelas escadas dos fundos. Eleesperou alguns momentos no vestbulo, abriu a porta do grande armrio sob as

    escadas e examinou-o curiosamente. Tudo parecia quieto. Ningum por ali.

    No podia haver melhor hora para cumprir o que determinara fazer...

    A Sra. Boyle, na biblioteca, girou os botes do rdio com alguma

    irritao.

    Na primeira tentativa, pegara uma conferncia sobre a origem e

    significao das histrias infantis em verso. A ltima coisa que queria ouvir.Mudando, impaciente, de estao, foi informada por uma voz refinada: A

    psicologia do medo deve ser totalmente entendida. Vamos dizer que voc se

    encontre sozinha numa sala. Uma porta se abre suavemente por trs de

    voc....

    A Sra. Boyle, terrivelmente sobressaltada, virou-se rpida. Ah,

    voc disse aliviada. Que programas idiotas. No consigo encontrar nada

    que valha a pena ouvir.

    No me daria ao trabalho de ouvir, Sra. Boyle.

    A Sra. Boyle vociferou: E que mais posso fazer? perguntou.

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    Trancada com um possvel assassino no que acreditasse naquela histria

    melodramtica, por nenhum momento...

    No acredita, Sra. Boyle?

    O que o que quer dizer?

    A faixa de uma capa de chuva se enrolara to depressa em volta do

    pescoo que ela mal percebeu seu significado. O rdio agora tocava mais alto.

    O conferencista sobre a psicologia do medo gritou as cultas observaes na

    sala e abafou quaisquer barulhos eventuais concomitantes morte da Sra.

    Boyle.

    Mas no houve muito barulho.

    O assassino era muito esperto para deixar que isso acontecesse.Estavam todos amontoados na cozinha. No fogo, as batatas

    borbulhavam alegremente. O delicioso cheiro de torta de fgado, que emanava

    do forno, enchia a cozinha.

    Quatro pessoas abaladas entreolhavam-se; a quinta, Molly, plida e

    trmula, dava pequenos goles no usque que a sexta pessoa, o Sargento

    Trotter, forava-a a beber.

    O prprio Sargento Trotter, zangado, olhava para todos reunidos.Apenas cinco minutos se haviam passado desde que os gritos apavorados de

    Molly fizeram com que ele e os outros corressem para a biblioteca.

    Ela acabava de ser morta quando a encontrou, Sra. Davis. Tem

    certeza de que no viu nem ouviu ningum quando atravessou o vestbulo?

    Algum assoviando disse Molly, a voz apagada. Mas foi um

    pouco antes, acho. No tenho certeza, mas creio que ouvi uma porta fechar-se

    suavemente, em algum lugar, assim que eu... que eu entrei na biblioteca. Que porta?

    No sei.

    Pense, Sra. Davis tente pensar em cima, embaixo,

    esquerda, direita?

    No sei, estou lhe dizendo gritou Molly. Vai ver que nem ouvi

    nada.

    No pode parar de importun-la? disse Giles, irado. No est

    vendo o estado em que se encontra?

    Estou investigando um assassinato, Sr. Davis, desculpe-me,

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    Comandante Davis.

    No uso minha patente de guerra, sargento.

    verdade, senhor. Ele fez uma pausa como se tivesse dito

    alguma coisa sutil. Como dizia, estou investigando um assassinato. At

    agora ningum tinha levado a coisa com seriedade. A Sra. Boyle me sonegou

    informao. Alis, todos vocs. Bom, a Sra. Boyle est morta. E, a no ser que

    se v ao fundo disso e rapidamente , pode haver outra morte.

    Outra? Tolice. Por qu?

    Porque respondeu o sargento, circunspecto havia trs ratinhos

    cegos.

    Giles disse, incrdulo: Uma morte para cada um deles? Mas teriaque haver uma ligao quer dizer uma outra ligao com o caso.

    Sim, teria que haver.

    Mas por que outra morte aqui?

    Porque s havia dois endereos no caderninho. S existia uma

    possvel vtima em Culver Street, setenta e quatro. Ela est morta. Mas em

    Monkswell o campo mais vasto.

    Bobagem, Trotter. Seria uma coincidncia improvvel, duas pessoasvindas aqui por acaso, ambas com uma parcela de culpa no caso da Fazenda

    Longridge.

    Devido a certas circunstncias, no seria tanta coincidncia assim.

    Pense um pouco, Sr. Davis. Ele dirigiu-se tambm aos outros. J me

    disseram onde estavam quando a Sra. Boyle foi morta. Vou verificar a verso

    de cada um. O senhor estava no seu quarto, Sr. Wren, quando ouviu a Sra.

    Davis gritar? Estava, sargento.

    Sr. Davis estava l em cima no quarto examinando a extenso

    telefnica?

    Estava disse Giles.

    O Sr. Paravicini, na sala de estar, tocava melodias ao piano.

    Ningum o ouviu tocar, Sr. Paravicini?

    Estava tocando muito, muito baixinho, sargento, s com um dedo.

    E o que tocava?

    OS Trs Ratos Cegos, sargento. Ele sorriu. A mesma coisa

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    que o Sr. Wren assoviava l em cima. A melodia que est na cabea de todo

    mundo.

    uma msica horrvel disse Molly.

    E o fio do telefone? perguntou Metcalf. Foi cortado

    deliberadamente?

    Foi, major. Uma seco foi cortada do lado de fora da janela da sala;

    acabara de localizar o corte quando a Sra. Davis gritou.

    Mas uma loucura. Como podemos esperar resolver alguma coisa?

    perguntou Christopher, estridente.

    O sargento observou-o atentamente.

    Talvez ele no ligue muito para isso disse ele. Ou, talvez tenhacerteza de que muito esperto para ns. Os assassinos ficam assim, sabe?

    Ele acrescentou: No nosso treinamento, fazemos um curso sobre psicologia.

    A esquizofrenia muito interessante.

    Vamos deixar de muita conversa? disse Giles.

    Certamente, Sr. Davis. No momento devemos nos preocupar com

    duas palavras curtas: uma morte e a outra, perigo. nisso que nos

    concentraremos. Agora, Major Metcalf, quero esclarecer bem seusmovimentos. O senhor disse que estava no poro Por qu?

    S estava dando uma olhada disse o Major. Espiei aquele

    armrio sob a escada e ento notei uma porta; quando a abri vi um lance de

    escadas e resolvi descer. Vocs tm bonitos pores disse a Giles. Cripta

    de um antigo monastrio, eu diria.

    No estamos interessados em pesquisas sobre coisas antigas,

    Major Metcalf. Estamos investigando um assassinato. A senhora pode escutarpor um momento, Sra. Davis? Vou deixar a porta aberta. Ele saiu. Uma porta

    fechou-se com um leve rangido. Foi isso o que ouviu, Sra. Davis?

    perguntou ele ao reaparecer.

    , parece que sim.

    Foi a porta do armrio que fica sob as escadas. Pode ser que,

    depois de matar a Sra. Boyle, o assassino, esquivando-se pelo vestbulo, a

    tenha ouvido sair da cozinha e tenha ido esconder-se neste armrio, fechando

    a porta ao entrar.

    Ento, suas impresses digitais estaro do lado de dentro do

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    armrio disse Christopher.

    As minhas j esto l disse o Major Metcalf.

    verdade disse o sargento. Mas temos uma explicao

    satisfatria para elas, no temos?

    Escute aqui, sargento disse Giles , claro que est

    encarregado deste caso. Mas esta minha casa e, at certo ponto, me sinto

    responsvel pelas pessoas aqui hospedadas. No deveramos tomar medidas

    preventivas?

    Tais como?

    Bom, para ser franco, prendendo a pessoa claramente indicada

    como o principal suspeito.Ele olhou diretamente para Christopher Wren. Christopher Wren deu

    um pulo para frente, a voz lhe saiu alta, estridente, histrica. No verdade!

    No verdade! Esto todos contra mim. Esto sempre todos contra mim. Vai-

    me incriminar por isso. Isso perseguio perseguio...

    Calma, rapaz disse o Major Metcalf.

    Est tudo bem, Chris. Molly aproximou-se. Colocou-lhe a mo

    sobre o brao. Ningum est contra voc. Diga a ele que est tudo bem disse ela ao sargento.

    No incriminamos as pessoas disse o sargento.

    Diga-lhe que no vai prend-lo.

    No vou prender ningum. Para fazer isso preciso de provas e, at

    agora, no h nenhuma.

    Giles perdeu a pacincia: Acho que est maluca, Molly. E voc

    tambm, sargento. S uma pessoa se encaixa e... Espere, Giles, espere interrompeu Molly. Oh, fique quieto,

    Sargento Trotter, posso posso falar com o senhor