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IGREJA LUTERANA 1990 NÚMERO 2 ÍNDICE EDITORAIS Nota do Editor ....................................................................... 136 Fórum ................................................................................... 137 ARTIGOS A Teologia como Empreendimento Hermenêutico Vilson Scholz ............................................................................ 141 A Consolação do Povo de Deus: O Profeta Isaías Reestudado na IELB Elmer Flor ................................................................................ 149 460 Anos da Confissão de Augsburgo Martim C. Warth ........................ , ............................................ 169 A Doutrina da Justificação pela Fé no Ensino de Jesus Cristo Curt Albrecht .......................................................................... 173 AUXÍLIOS HOM1LÉT1COS ............................................................. 177 LIVROS .......................................................................................... 237 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 135

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IGREJA LUTERANA

1990 NÚMERO 2

Í N D I C E

EDITORAIS

Nota do Editor ....................................................................... 136

Fórum ................................................................................... 137

ARTIGOS

A Teologia como Empreendimento Hermenêutico Vilson Scholz ............................................................................ 141

A Consolação do Povo de Deus: O Profeta Isaías Reestudado na IELB Elmer Flor ................................................................................ 149

460 Anos da Confissão de Augsburgo Martim C. Warth ........................ , ............................................ 169

A Doutrina da Justificação pela Fé no Ensino de Jesus Cristo Curt Albrecht .......................................................................... 173

AUXÍLIOS HOM1LÉT1COS ............................................................. 177

LIVROS .......................................................................................... 237

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EDITORIAIS

Nota do Editor:

A revista Igreja Luterana está completando 49 anos de existência. Metaforicamente são sete sabáticos destinados a uma atividade especial de crescimento, produção e formação na Palavra de Deus. Este foi e está sendo seu objetivo mesmo quando mudanças nela ocorrem, a mais recente a eleição do seu editor, Prof. Leopoldo Heimann, para a presidência da Igreja Evangélica Luterana do Brasil.

Neste número a secção de artigos inicia com a aula inaugural proferida pelo Prof. Vilson Scholz a estudantes e professores do Seminário Concórdia na abertura de suas atividades deste ano. Sob o tema "A Teologia como Empreendimento Hermenêutico" ele ratifica que não há teologia sem pressupostos, ou seja, não há teólogos, pastores e pregação desvinculados de uma determinada linha hermenêutica. Vislumbrados no horizonte, destes se pode dizer: "Os hermcneutas estão chegando com a sua hermenêutica'".

Embasado na hermenêutica luterana confessional, o Prof. Elmer Flor nos traz "A Consolação do Povo de Deus: o Profeta Isaías Reestudado na IELB" — um trabalho submetido à 52;l Convenção Nacional da IELB. Numa abordagem polêmico-apo-logética é apresentada a atualidade da mensagem e teologia do exponencial profeta do oitavo século.

Neste ano a Confissão de Augsburgo completa 460 anos de promulgação. O Seminário Concórdia celebrou este evento com um culto especial cujo sermão, proferido pelo Prof. Dr. Martim C. Warth, transcrevemos nesta edição.

A série de artigos tem seu fechamento com um ensaio sobre "A Doutrina da Justificação pela Fé no Ensin,o de Jesus Cristo" onde o Prof. Curt Albrecht enfatiza a centralidade do articulus stantis et cadentis ecclesiae na pregação do nosso Mestre e Salvador.

Uma nova secção integra os editoriais neste número: Fórum. Este espaço é destinado a análises, comentários e tomadas de posição frente a acontecimentos com que se defronta a Igreja hoje no mundo e na teologia em geral. Tenha uma abençoada leitura. E até o Jubileu. — AR

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FÓRUM

ÓTIMO

A Revista "Ultimato" traz no seu número 205 de Junho de 1990 uma carta de um leitor da Inglaterra. O conteúdo desta carta é tão significante que merece ser — ao menos em parte — aqui repetido: "BBC de Londres. A BBC tem um programa de televisão todos os domingos às 18:40h, chamado "Songs of Praise". Cada vez uma igreja se apresenta e canta de oito a dez hinos. É a igreja toda e não apenas o coral. Entre um hino e outro, há uma pequena entrevista com um dos membros da igreja, o equivalente a um testemunho de fé. De um modo geral é esta pessoa que escolhe o hino seguinte. Ontem foi a vez da Westminster, com um grande número de membros do Parlamento. Margareth Thatcher estava na terceira fila de bancos e bem atrás dela o líder da oposição! Foi interessante ver os deputados escolherem os hinos. A mesma BBC está monstrando aos sábados uma série muito interessante de seis capítulos sobre missões. Já vi os dois primeiros. O programa é muito completo..." (Daison Olzany Silva, Sheffield, Inglaterra). — A gente fica pensando se seria totalmente impossível que uma coisa semelhante pudesse acontecer em nossa igreja, que gosta chamar-se "igreja cantante", aqui no Brasil. Não precisaria ser em rede nacional. Será que não existem entre os nossos membros alguns que pudessem se interessar por isso? Seria ótimo! — JHR

AS BÊNÇÃOS DO MASSACRE

Milhares de universitários chineses estão se convertendo ao cristianismo depois do massacre da Praça da Paz Celestial no ano passado. Há notícias dignas de crédito que mais de 10% deles tornaram-se cristãos nos últimos meses. Um conferencista cristão da Universidade de Xiamen informou que a qualquer hora que uma pessoa sair a passear pelo campus se depararia com grupos de estudo bíblico. Uma igreja de Pequim tem estado apinhada de estudantes. Outra de Fuzhon recebeu nada menos de 8.000 pedidos de informações enviados por universitários no segundo semestre de 1989. A relação deste fervor religioso com o massacre da Paz Celestial está no fato de que o Partido Comunista mostrou a sua face iníqua. Além da decepção e revolta, o massacre pôs em dúvida a tese das religiões e filosofias

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chinesas de que o homem é basicamente bom. Os estudantes estão se deixando atrair pela doutrina bíblica de que o homem é basicamente mau, embora essa maldade possa ser vencida. O grande problema é que a igreja na China não tem obreiros suficientes para receber e doutrinar essa massa enorme de jovens cristãos. Há também pastores despreparados para lidar com eles. Em alguns lugares a literatura apologética está sendo copiada a mão e passada de pessoa a pessoa. — JHR

TELL TUNEINIR

Apesar das "guerras e rumores de guerras", as escavações arqueológicas nas regiões do Oriente Próximo prosseguem. Muito embora empreendimentos arqueológicos sejam objeto de maior atenção na Palestina, descobertas realizadas na Síria têm-se mostrado relevantes na compreensão de hábitos e costumes que auxiliam na interpretação de aspectos sociais, culturais e religiosos registrados na Escritura Sagrada, especialmente no que respeita ao período patriarcal, como é o caso de Mari, Nuzi, Pias Shamra (Ugarit), Ebla.

Com recursos financeiros provenientes do World Mission Institute e com a anuência do Secretário Executivo da Área de Recursos Humanos da IELB, Rev. Werner Sonntag, o signatário teve a oportunidade de, numa breve interrupção nos estudos de pós-graduação no Concórdia Seminary, integrar uma expedição arqueológica, em junho-julho do ano passado, para Tell Tuneinir, nordeste da Síria, entre o Tigre e o Eufrates. Este projeto é fruto de uma iniciativa conjunta do Concórdia Seminary de St. Louis, Missouri, e da St. Louis Community College, na sua terceira temporada numa região próxima a Padã-Harã. A equipe compunha-se, além dos diretores Dr. Michael Fuller e sua esposa Neathery, de treze membros dentre os quais o Dr. Horace D. Hummel e o Dr. Paul R. Raabe, ambos professores de Antigo Testamento no Concórdia Seminary de St. Louis. Os demais integrantes vieram de diversas instituições espalhadas em vários estados norte-americanos.

Tell Tuneinir é um dos vários tells no vale do rio Kabhur (Habor) que vêm sendo escavados nos últimos anos por grupos do mundo inteiro preocupados com a decisão do governo sírio de construir uma represa hidroelétrica na região que irá inundar os sítios arqueológicos em poucos anos.

O rio Kabhur, um grande afluente do Eufrates, nasce nas fronteiras da Turquia, a uns 80 quilómetros ao norte de Tell Tuneinir. O Kabhur é mencionado três vezes na Bíblia (2 Rs

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17.6; 18.11; 1 Cr 5.26), destacando uma das regiões importantes para onde foram deportadas as Dez Tribos do Reino de Israel. Todas as três vezes a Bíblia refere-se ao Kabhur como o "rio de Goza". Goza, por sua vez, foi identificada pela arqueologia com a moderna Tell Halaf, junto às nascentes do Kabhur. Esta é a única das três regiões de deportação mencionadas nas Escrituras e que foi identificada com certeza.

0 nome moderno árabe "Tuneinir" não encontra eco homofònico em sítios até agora escavados e provavelmente não é mencionado na Bíblia. Entretanto, a importância de Tell Tuneinir em conexão com a Escritura se dá, em primeiro lugar, pela sua proximidade com Goza e, por outro, pelo fato de ser ocupada nesse mesmo período. Estes dois aspectos qualificam-na a ser uma forte candidata a estar envolvida com o "assenta-mento" das Dez Tribos deportadas pelos assírios — fato este que pode estar a poucos metros da comprovação.

Os trabalhos até agora desenvolvidos no sítio indicam que provavelmente o auge de Tell Tuneinir deu-se nos períodos Bizantino e Islâmico. Contudo, cacos de cerâmica encontrados no tell evidenciam que sua ocupação humana remonta ao período Calcolítico (3.500-3.200 a.C). Tecnicamente a atividade arqueológica no local se processa em três Áreas. As pesquisas na Área I, no lado norte do tell e na sua parte mais elevada, chegam, através de trincheiras, a estratos que identificam vestígios cultu-rais do período Romano. O signatário trabalhou exclusivamente na Área II, a ca. de 50m ao sul da Área I, supervisionando (como os outros integrantes da equipe) o trabalho braçal contratado de cinco operários árabes de pequenas vilas modernas adjacentes I sendo responsável pela orientação na escavação, coleta dos achados, análise e relatório dos resultados ao diretor da equipe. Na Área II as surpresas começam a aparecer após meio metro de escavação. Em geral, no mundo árabe, a superfície dos tells é utilizada como cemitério. E não raras são as vezes que para se chegar a estratos inferiores no quadrado, tenha-se que passar por sepulturas cujo conteúdo deve também ser criteriosamente anotado, desenhado e analisado. Além dos artefatos "rotineiros" (moedas, vasos e cacos de cerâmica), a Área II revela segredos arquitetônicos de uma ala residencial islâmica medieval.

Nessa temporada, entretanto, o que talvez possa interessar mais de perto é o que foi descoberto na Área III, situada a ca. de 300m a leste e fora do tell principal, quase ao nível do Kabhur. Ali uma pequena colina cobria uma igreja cristã provavelmente erigida sobre os fundamentos de outra igreja cristã Bizantina anterior. Constata-se que tal igreja podia acolher cerca de 150 pessoas. Escadas conduziam à abside onde se notam vestígios de dois diferentes altares e uma porta lateral que dava acesso

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à sacristia. Duas cruzes foram encontradas, uma das quais esculpida em estilo Bizantino. Removidas as paredes dos quadrados e varrido o assoalho, podia-se notar o uso de pequenas e grandes lâmpadas de óleo pelas manchas desse líquido no soalho rebocado.

À voo de pássaro, é o que se pode dizer sobre esta expedição arqueológica a Tell Tuneinir, enquanto publicações oficiais são ultimadas. 0 projeto como tal foi mais amplo na medida em que possibilitou a visita a grandes museus (Damasco e Palmira), a importantes construções (Mesquita Umayyad, Palácio Azem, Rua Direita, Casa de Ananias, Muralha de Paulo — todas em Damasco). Da mesma forma, especialmente às sextas-feiras (o "domingo" muçulmano), visitas a sítios arqueológicos importantes foram realizadas: Mari, Palmira (a Tadmor bíblica), Dura-Europos, Tell Leilan, Bosra, Tarqah, Tell Brak.

Esforços homéricos estão sendo empregados para fazer com que estes e outros sítios circunjacentes tornem à vida. Em Tell Tuneinir a cultura, a arte, a religião estão sendo trazidas à luz pela arqueologia e nos saúdam ao mesmo tempo em que contemplam estáticas o esplendor divino daquele céu abraâmico — por enquanto, pelo menos. — AR

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ARTIGOS

A TEOLOGIA COMO EMPREENDIMENTO HERMENÊUTICO

Vilson Scholz

Pode parecer desnecessário, mas, no inicio do ano letivo, é importante nos perguntarmos o que viemos fazer aqui. Nossos familiares e amigos talvez digam: "Ele foi estudar para ser pastor". Você talvez diria: "Estou estudando teologia". Meu lembrete, nesta hora, é o seguinte: "Você está entrando ou retornando ao grande curso de hermenêutica".

Hermenêutica é uma daquelas palavras que, embora seu uso não se restrinja ao campo da teologia, faz parte do nosso "teologuês". É uma palavra impressionante. Pode ser usada (ou abusada) para impressionar os não-iniciados: "Estou estudando hermenêutica!" (Que diria o povo se alguém viesse com a notícia: "Os hermeneutas estão chegando com a sua hermenêutica!?")

A maioria de nós estamos envolvidos com hermenêutica o tempo todo. Somos hermeneutas. Precisamos, por isso, ir além do som das palavras, para ver o que designam.

A hermenêutica tem a ver com a compreensão. É uma palavra básica na comunicação. No grego clássico, o verbo HERMENEUO muitas vezes designa a ação de interpretar. Pode também ser usado para veicular a ideia de comunicação, ou seja, HERMENEUO pode ser traduzido por falar, falar com clareza. O Se tivermos em mente que HERMENEUO tem também este sentido, podemos afirmar que a homilética (que vem do verbo HOMILEO, "falar") está incluída na hermenêutica. Não se pode falar sem interpretação, sem compreensão envolvida. Por isso, este estudo, que originalmente poderia ser intitulado "Teologia como empreendimento hermenêutico-homilético", recebe um título reduzido: "Teologia como empreendimento hermenêutico".

O curso de teologia é um grande curso de hermenêutica. Isto precisa ser demonstrado com detalhes. Comecemos pela Teologia Exegética. É a área que, no entender de todos, mais depende da hermenêutica. Aqui é preciso ter princípios hermenêuticos que, muito antes de serem aplicados ao estudo da Escritura, devem ser tirados da própria Escritura. (É o princípio de que a Escritura a si mesmo se interpreta.) A área da Sistemática,

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feita basicamente do estudo das Confissões Luteranas e da Dogmática, é, num certo sentido, um curso de hermenêutica. O estudo da História Eclesiástica, com ênfase na história da teologia ou das doutrinas, é uma tomada de contato com a maneira como a Escritura foi interpretada ao longo do tempo. A doutrina ortodoxa ou católica resulta da correta hermenêutica ou interpretação da Escritura. A heresia é sempre uma interpretação particular ou sectária da Escritura. A Teologia Prática se preocupa com a aplicação ou comunicação do evangelho de Jesus Cristo na pregação, no ensino, na cura de almas. Aqui importa falar, e falar com compreensão. Sem hermenêutica isto é de todo impossível.

Encarar o Curso de Teologia como curso de hermenêutica nos ajuda a evitar mal-entendidos, alguns dos quais passaremos a analisar.

O Curso de Teologia, para quem o examina de um ângulo técnico, pode parecer um mero conjunto de disciplinas a serem cursadas. Para quem vê no formado em teologia um homem que de modo especial se ocupa com a Bíblia, este talvez seja um curso essencialmente bíblico.

Há muito de verdade nessas apreciações. Agora, quem vê o curso de teologia como um conjunto de disciplinas facilmente pode chegar à conclusão de que são poucas as disciplinas. Nunca faltam aqueles que criticam o currículo do Seminário, dizendo ser insuficiente o número de disciplinas. Outros, já formados, por vezes tentam desculpar sua estagnação teológico-cultural, culpando a escola de teologia. "Isto não me foi ensinado no Seminário!", explicam. E são os primeiros que têm listas de sugestões quanto ao que seria necessário acrescentar: contabilidade, relações humanas, mecânica de automóveis, etc. Se não encararmos o curso de teologia como um curso de hermenêutica, destinado mais a fornecer as coordenadas do que a traçar todas as linhas, nunca escaparemos da tentativa de acrescentar mais e mais disciplinas. Estaremos fadados a ficar a vida toda no Seminário, recolhendo cavacos, por assim dizer.

Quem pensa no Curso de Teologia como sendo, antes de mais nada, um curso de Bíblia, pode facilmente se decepcionar. Pode-se terminar o Curso de Teologia com cinco disciplinas de exegese cursadas. Isto representa o estudo, muitas vezes parcial, de cinco livros bíblicos! É pouco. Mas, para não nos decepcionarmos (ou entrarmos em pânico), é preciso ver o Curso de Teologia como curso de hermenêutica, mais formativo que informativo. A exegese dos 66 livros, esta é nossa tarefa para a vida.

Antes de prosseguir, faz-se necessária uma pequena explicação quanto ao uso da palavra hermenêutica. Em seu senti-

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do restrito, hermenêutica é uma disciplina que estuda as técnicas e a metodologia da exegese. Num sentido amplo, hermenêutica é a metodologia da compreensão e envolve todo o estudo teológico. Neste texto a palavra hermenêutica está sendo usada num sentido amplo.

Hermenêutica, neste sentido amplo, tem a ver com a questão dos pressupostos. E se a teologia depende fundamentalmente da hermenêutica, isto quer dizer que é da máxima importância ler os pressupostos correios.

Não se pode fazer teologia sem pressupostos. Uma teologia científica, totalmente objetiva, sem qualquer tipo de pressupostos, não existe. Rudolf Bultmann demonstrou isso, ao menos para os teólogos liberais, num ensaio de 1957 intitulado: "É possível uma exegese sem pressupostos?" Pressuposto é aquilo que sou, sei, tenho, creio ao fazer meu trabalho teológico. Não existe teologia sem pressupostos, porque todo teólogo tem pressupostos. O fato de eu ser batizado já é um pressuposto. Assim, diferentes pessoas, de confissões diferentes, podem ler os mesmos textos de forma diferente. O maior exemplo talvez seja a forma diversa como cristãos e judeus lêem o Antigo Testamento. Também existe diferença entre fazer teologia com um curso de teologia e sem o mesmo curso.

Se não existe teologia sem pressupostos, cabe perguntar se existe uma hermenêutica, um conjunto de pressupostos, que podem ser descritos como luteranos? Esta é uma pergunta importante, que precisamos responder afirmativamente. Existem pressupostos, ênfases, que caracterizam o luteranismo. Não fosse assim, pouca diferença nos faria estudar neste seminário ou noutro qualquer. (Agora, nunca é demais lembrar que pressuposto não se confunde com preconceito, especialmente no sentido pejorativo.)

Resta, então, definir o que é especificamente luterano em nossa hermenêutica. Se quisermos começar pelo campo da exegesse bíblica, constataremos que muitos de nossos pressupostos não têm nada de especificamente luterano. Se alguém entrasse rapidamente em uma ou outra de nossas aulas de exegese, talvez tivesse dificuldade em dizer por que este é um seminário luterano, a não ser pelo fato de professor e alunos serem luteranos. Como toda escola de teologia séria, aplicamos princípios que se enquadram no que tecnicamente se chama de hermenêutica geral. São princípios como: "Dê atenção ao que é dito ou está escrito!" "Não arranque o texto do contexto!" "Considere o género literário, ou seja, não leia um trecho poético como se fosse prosa ou uma declaração ao pé da letra." Ora, estes princípios são importantes sempre e para todos, até mesmo para o

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jornalista e aquele que lê o jornal. Aplicam-se igualmente na ieitura bíblica.

Outro pressuposto, também partilhado por teólogos luteranos, é de que a Escritura precisa ser lida dentro de seu contexto histórico. Não se pode pensar que as palavras inspiradas são relevantes fora da história e da cultura dos homens que as proferiram. Martin H. Franzmann nos lembra que Jesus, cujas palavras foram todas proferidas "no poder do Espírito" (Lc 4.14,15), sempre falou em termos e imagens próximas à vida e relevantes para seus ouvintes. O material de suas parábolas foi tirado do ambiente que todo israelita conhecia: o jardim, a fazenda, a cozinha, a pescaria, senhores e escravos, casamentos, banquetes, jejuns, tribunais, odres, remendos, o rapaz que saiu de casa, a perigosa estrada de Jerusalém a Jericó. (2)

Existem, por outro lado, pressupostos que recebem uma ênfase especial dos luteranos. Fazem parte de assim-chamada hermenêutica especial. Não são aprendidos e praticados apenas naquelas quarenta e poucas aulas de Hermenêutica Bíblica, senão que em todo o curso de teologia.

Convém frisar que o objetivo maior é assimilar pressupostos, e não tanto a exegese deste ou daquele texto. O objetivo maior do Seminário não é o de ensinar como a Igreja Evangélica Luterana do Brasil ou sua Comissão de Teologia interpretam este e mais aquele texto. Não queremos aqui memorizar a exegese oficial. (Isto seria mais informação do que formação.) Queremos, isto sim, (e este já é um importante princípio her-menêutico), aprender a deixar a Escritura se interpretar a si mesma, por entendermos que a chave da Escritura não é algo que a abre de fora para dentro, mas é o próprio centro da Escritura, Jesus Cristo, se irradiando por toda ela. Este princípio de que a Escritura se interpreta a si mesma, exige que a estudemos cada vez mais a fundo, à base dos textos originais, sempre relacionando os elementos ao centro cristológico.

De modo sucinto se pode dizer que o pressuposto básico é o de que as Escrituras Sagradas, apesar de seu vasto conteúdo e da variedade pelas encontradas, têm um cerne ou uma mensagem central, que é a voz de Deus, dirigida a nós e a toda a humanidade em lei e evangelho. Como a lei está a serviço do evangelho, e é anunciada em função deste, pode-se também dizer que a mensagem central e definitiva que Deus tem para nós na Escritura é a justificação pela fé (o evangelho). Para o luterano, portanto, o centro da Escritura é Romanos 4, a justificação do ímpio, gratuitamente, por causa de Cristo, mediante a fé. Para o luterano, teologia é a devida aplicação deste núcleo ou centro a toda a Escritura.

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Muitas vezes se acusa os luteranos de serem tendenciosos neste particular, de tentarem ver justificação em cada parágrafo da Bíblia. De fato, se nos ativermos à terminologia, numa consulta à Concordância Bíblica, podemos até concluir que a justificação não é tão central assim na Escritura. São Paulo emprega esse termo (e outros cognatos) quase que exclusivamente em Romanos, Gálatas e Filipenses. Mas, embora possa parecer que tomar a justificação como centro implique em reducionismo, cumpre não esquecer que justificação é um conceito, uma abreviatura. Ela engloba e nos faz levar a sério toda a história de Israel, toda a vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo, o que perfaz praticamente toda a Bíblia. Em todo caso, para evitar mal-entendidos, preferimos falar na distinção entre lei e evangelho.

Mas será que este conceito é mais difundido, mais "ecuménico"? Não. O Dr. J .A.O. Preus, num recente artigo (3), deixou claro que essa ênfase na distinção entre lei e evangelho como princípio hermenêutico de compreensão da Escritura é uma planta que nasceu e cresceu em solo luterano. Preus fundamenta essa constatação, mostrando que os teólogos luteranos das três primeiras gerações (entre eles está Martin Chemnitz, que foi talvez o maior estudioso de Patrística que o luteranismo já teve) não apresentam nenhuma citação significativa tirada dos Pais da Igreja em apoio à sua posição quanto a lei e evangelho. Quando citam os Pais nesse assunto, fazem-no para mostrar que laboravam em erro.

Na prática, o que significa o pressuposto de lei e evangelho para a nossa exegese, para o nosso estudo da Escritura? Significa que não vamos à Escritura por mero interesse intelectual, numa abordagem puramente informativa. (Grosseiramente se poderia dizer que não nos interessa um estudo da Bíblia que resulta em simples questões para uma "gincana bíbli-ca".) Não vamos primeiramente à busca de regras minuciosas sobre como viver segundo a vontade de Deus (este seria o primado da lei), tampouco nos restringimos a um estudo meramente histórico dos textos. Do ponto-de-vista de lei e evangelho, reconhecendo o propósito soteriológico e o conteúdo cristológico da Bíblia, abrimos a Escritura Sagrada com um propósito específico: para que Deus nos fale a lei e, de modo especial, o evangelho. (Cf. Ap I V 2 e F C V. 1).

Isto envolve uma certa crítica, um julgamento quanto ao que é mais ou menos importante. Assim, um teólogo luterano pode se expressar como o Dr. Ralph Bohlmann, atual presidente do Sínodo de Missouri (EUA): "A afirmação de que Ninrode era caçador ("foi valente caçador diante do Senhor", Gn 10.9)

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é verdadeira, mas não tão importante para a fé quanto a afirmação de que Jesus é o Filho de Deus".(4)

Resta-nos considerar o relacionamento entre hermenêutica e homilética, ou seja, o que tudo isso tem a ver com a proclamação da igreja.

Em geral, quando falamos "hermenêutica", pensamos em interpretação bíblica e não em homilética. De fato, os princípios enfatizados no luteranismo, de modo especial a distinção entre lei e evangelho, são a chave hermenêutica para a leitura da Escritura. (5) Agora, a nossa teologia, a exegese inclusive, não quer ser antes e acima de tudo uma ciência, desenvolvida como que em laboratório, em antisséptica distância das "infecções" que tentam se instalar no corpo de Cristo, a igreja, mas precisa ser, antes de tudo, HABITUS PRACTICUS. Neste sentido, a teologia só alcança seu alvo na proclamação. Se a interpretação não leva à proclamação e está a serviço dela, não passa de bronze que soa e címbalo que retine. E a orquestra eclesiástica — numa formulação pitoresca de Martin Franzmann — já está demasiadamente desequilibrada ou fora de proporção, com o setor de percussão (com, címbalos e bronze) grande demais em relação ao resto (6), de tal sorte que não precisamos engrossar estas fileiras. Por isso, importa falar de hermenêutica sem esquecer da homilética. A hermenêutica culmina na homilética e a homi-lética depende da hermenêutica.

A não-consideração deste fato talvez seja a raiz de nossos problemas nessa área. Estamos, é claro, pressupondo que temos problemas. Fato é que não temos dados de pesquisa. Se a fizéssemos, talvez constataríamos a suspeita de que nem tudo vai bem nos púlpitos luteranos. Ou será que alguém sabe o que tudo se prega na igreja? (Temos pouco material impresso.) Isto deveria nos inquietar, pois a doutrina somente se mantém pura se também for proclamada pura do púlpito.

Poderia alguém pensar que o problema da pregação é apenas um problema homilético. Neste caso, a solução seria, quem sabe, encurtar o sermão (ou torná-lo mais longo), ser mais eloquente, gesticular mais. No entanto, o problema básico — sempre que há problemas — é hermenêutico. O pregador talvez nem se dê conta, por pensar que hermenêutica é "outro departamento". Talvez imagine que já sabe tudo, quando, na verdade, é preciso reaprender tudo a cada novo sermão. Lutero afirmou: "É fácil dizer que a lei é palavra e doutrina diferente do evan-gelho; qualquer um pode fazê-lo. Todavia, mantê-los distintos e separados na prática requer muita reflexão e trabalho". Uma só palavra, no final do sermão, pode estragar tudo.

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Será necessário mostrar com detalhes que o problema da pregação é fundamentalmente hermenêutico. Somente poderemos levantar alguns tópicos.

1) Pregar mais lei — Não são poucos que dizem que, na igreja luterana, até hoje se pregou demais evangelho. Para a igreja finalmente andar, é preciso pregar lei. Quem assim pensa está em dificuldades hermenêuticas, move-se em areia movediça.

Dessa tentativa de pregar mais lei resulta um, simples moralismo legalista. O sermão legalista é em que gostamos de pregar (por natureza somos legalistas) e que atinge o ouvinte. No entanto, não dá ao ouvinte o que ele mais precisa: poder para fazer o que a lei exige.

Acontece que nunca se pode pressupor o evangelho e a fé. Isto precisa ser afirmado apesar daqueles que — erroneamente — afirmam que de vez em quando posso pressupor que os ouvintes são cristãos e já conhecem o evangelho.

Se algo vai mal na vida da igreja, provavelmente não se trata de falta de lei, e sim de evangelho. 0 que falta não é apenas a operosidade da fé (que se pretende despertar mediante a lei); o que falta é a própria fé.

2) Pregar somente evangelho — Este é o outro extremo: pensar que só se deve pregar evangelho. Aqui talvez esteja o real problema detectado por aqueles que se queixam do "exces- so" de evangelho. Não sabemos mais pregar a lei, a lei em seu uso teológico, a lei que sempre acusa. Fato é que a redescoberta do evangelho traz consigo a redescoberta da lei. Sem a lei, a serviço do evangelho, não se consegue escutar o evangelho.

A lei precisa ser pregada em todo seu rigor. Ela sempre acusa, e é preciso deixar que ela acuse. Manfred Josuttis escreve: "A palavra de Deus como lei não apenas belisca ou faz cócegas na carne do homem, não apenas o arranca de sua tranquilidade e auto-confiança, não apenas lacera sua pele com pequenos cortes onde ele mesmo pode aplicar curativos e obter cura, mas ela penetra fundo em sua carne pecaminosa... "(7)

Josuttis alude à história de Eúde e Eglom, registrada em Juízes 3.15-20. O libertador israelita Eúde se apresentou a Eglom, o gordo e opressor rei moabita, dizendo ter uma palavra de Deus para ele (v. 20). Aquela palavra era um punhal, que penetrou com cabo e tudo no ventre do gordo e o matou. A lei mata.

3) Sermões mais bíblicos — Talvez alguém diga que nos falta exatamente isto: sermões mais bíblicos, com mais conteúdo bíblico. Esta é uma maneira de ver a questão, um problema hermenêutico. Agora, por mais absurdo que possa parecer, é possível ser bastante bíblico, sem ser bíblico no tocante à substân-

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cia, à exposição do evangelho. Um sermão ainda não é bíblico por tomar como ponto de partida um, texto bíblico ou por ser minuciosamente expositivo, assim como ainda não é luterano apenas por ser feito por um pregador luterano. Para ser bíblico, o sermão precisa refletir a correta compreensão, não apenas de determinada passagem, mas do todo da Escritura. Por mais importante que seja pregar o texto, mais importante ainda é pregar o evangelho. E neste ponto é fundamental a hermenêutica de lei e evangelho.

Conclusão

Grande é a tarefa hermenêutica. É preciso compreender bem, ter a moldura hermenêutica correta, os óculos adequados. Por outro lado, é preciso permitir a compreensão, enquadrar bem a mensagem, ajustar o foco, numa correta divisão de lei e evangelho. Este é um projeto que requer o melhor de nosso tempo e de nossas forças — no Seminário e fora dele.

NOTAS: (1) THIESSELTON, A.C. "Explicar", Novo Dicionário Internacional de

Teologia do Novo Testamento, volume II, p. 180. (2) FRANZMANN, M.H. "The Hcrmeneutical Dilemma: Dualism in

the Interpretation of Holy Scripture", Concórdia Theological Monthly 36 (1965), 524.

(3) PREUS, J.A.O. "Chemnitz ou Law and Gospel", Concórdia Journal 15 (October 1989), 408-409.

(4) BOHLMANN, Ralph A. "Confessional Biblical Interpretation: Some Basic Principies", Studies in Lutheran Hermeneutics. Ed. John Reumann. Philadelphia, Fortress Press, 1979, p. 199.

(5) As Confissões Luteranas exercem a função hermenêutica de nos conduzir para dentro da Escritura. Em razão disso, engana-se quem pensa que somos uma igreja confessional em detrimento de igreja bíblica. (Já houve quem dissesse que somos uma igreja do Catecis-mo e não uma igreja da Bíblia.)

(6) FRANZMANN, "Seven Theses on Reformation Hermeneutics", Concórdia Theological Monthly 40 (1969), 246.

(7) JOSUTTIS, Manfred. Gesetzlichkeit in der Predigt der Gegenwart, p. 41.

BIBLIOGRAFIA:

BOHLMANN, Ralph A. "Confessional Biblical Interpretation: Some Basic Principies", Studies in Lutheran Hermeneutics. Ed. John Reumann. Philadelphia Fortress Press, 1979. P. 189-213.

BOUMAN, Herbert J.A. "Some Thoughts on the Theological Presupposi-tions for a Lutheran Approach to the Scriptures", Aspects of Biblical Hermeneutics: Confessional Principies and Practical Applications. CTM Occasional Papers No. 1, p. 2-20.

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SCHROEDER, Edward H. "Is there a Lutheran Hermeneutics?" The Li-vely Function of the Gospel. Ed. Robert W. Rertram. Concórdia Publishing House, 1966, p. 81-97.

Este trabalho foi apresentado na aula inaugural da abertura das atividades académicas do Seminário Concórdia em 28 de fevereiro de 1990.

A CONSOLAÇÃO DO POVO DE DEUS:

O Profeta Isaías Reestudado na IELB

Elmer N. Flor

1. Introdução Histórica: O Mundo de Isaías

Os jogos olímpicos da Antiguidade eram realizados, como diz o nome, na cidade peloponesa de Olímpia, na Grécia, e tiveram início no ano de 776 a.C. Constituíram-se desde logo na festa nacional mais importante do mundo grego, a cada quatro anos, em homenagem a Zeus, sua principal divindade. Reuniam competidores das mais diversas cidades-estado do mundo helénico, que lutavam arduamente para glorificar seu deus, sua ci-dade e a si próprios. Destacaram-se entre os vencedores mais frequentes atletas das cidades que se chamavam jônias, ligadas à Confederação da Jônia, região da costa da Ásia Menor e zona niais oriental da civilização indo-européia.

O profeta Isaías está entre os primeiros a citar a presença, ainda que longínqua, das ilhas do Mediterrâneo, com referência

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ao arquipélago grego, a Creta e Chipre, no cenário mundial. Estas últimas já haviam estado em contato com o Oriente há lempo, e só não se projetaram mais cedo porque os cartagineses ou fenícios, povo que dominou os mares, opuseram obstáculos à expansão helénica. As ilhas, terras dos mares ou povos de longe, mencionados por Isaías, compreendem, de forma visionária, os habitantes da célebre Jônia (ievanim), com seus poetas c sua civilização ascendentes, projetando a cultura que serviria de expressão para o Novo Testamento e sua língua. O profeta prenuncia o envio de mensageiros a Java e a outras terras, mais remotas, "que jamais ouviram falar de mim, nem viram a minha glória; eles anunciarão entre as nações a minha glória." (Is 66.19). É por esta janela de Isaías que se enxergam os povos indo-europeus, germânicos, latinos, americanos, a IELB.

1.1. A Preparação do Cenário

Não é por coincidência nem por algum capricho do destino que a instalação dos jogos olímpicos e o alvorecer do poder da cultura grega coincidem com a época de Isaías. Era o século VIII a.C. A tensão política do mundo de então se polarizava entre o norte e o sul a Assíria e o Egito. A Assíria era, sem dúvida, a potência política e económica que dominava o cenário internacional. A história de suas origens se perde na Antiguidade, aparecendo por primeiro com o nome de Assur, que designava sua primeira capital, às margens do rio Tigre. O Egito, ao sul, era dono de uma cultura milenar e ainda desfrutava do respeito de haver sido uma poderosa nação até ao fim da idade do Bronze.

O povo em cujo meio dever-se-ia desenvolver a salvação da humanidade transformara-se, para usar a figura, em marisco entre as ondas do mar e os rochedos. Tinha tido sua idade de ouro no reinado de Davi e Salomão, quando o seu poderio se estendeu do rio do Egito até o grande rio Eufrates. Com a divisão do reino e a revolta das dez tribos, a presença israelita foi enfraquecida e posta a prémio em diversas ocasiões, cedendo a guerras de conquista e pagando tributo a dominadores estrangeiros. No âmbito religioso a história dos reinos divididos passa por altos e baixos. Nenhum rei de Israel, o reino do norte, foi do agrado de Deus. Dos 19 reis de Judá, apenas oito são aprovados pelo critério de fazer o que era reto perante o Senhor e de andar segundo o coração de Davi, seu pai.

Dias de crise económica, moral, religiosa, não são coisa apenas dos dias atuais. A história do povo brasileiro da década (ie 90 precisa ser marcada pelo anúncio da palavra de chamamento e promessa de que a história das nações passa pela vontade divina. Se o mundo ainda está de pé, é por causa dos

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crentes em Cristo que ele subsiste. O seu testemunho precisia fazer-se ouvir. Por que o crescimento da IELB tem sido apenas e preponderantemente vegetativo? É por falta de ânimo? Falta confiança em Deus? Diz-se que há os que nem sabem, o que está acontecendo. Outros assistem as coisas acontecerem. Mas há um terceiro grupo, este sim, que faz as coisas acontecer. O servo do Senhor e sacerdote universal de hoje, na IELB, é chamado pelo profeta a presenciar o milagre e participar dele: "Ouvi-me... vós povos de longe... te dei como luz para os gentios, para seres a minha salvação até à extremidade da terra." (Is 49.1,6).

1.2. Contexto Político e Social

Em meados do século VIII a.C, a época de Isaías, a Assíria aparece como o primeiro grande império mundial do Oriente Próximo. 0 rei que encabeça os destinos dessa nação chama-se Tiglate-Pileser III, o Pui, na Bíblia (744-727 a.C). Enquanto isso começava a acontecer, Israel e Judá experimentavam um renovado e momentâneo período de grandeza e prospepridade material, sob Jeroboão II, de Israel (785-745 a.C.) e Uzias ou Azarias, de Judá (790-738 a.C). A expansão de seus domínios e o milagre económico produzido por esses reis não se basearam, no entanto, em fundamento sólido, o que não era muito perceptível na época, a não ser pelas, denúncias dos profetas (Amos, em especial). A fibra moral e religiosa, e, consequentemente política, havia-se degenerado, a ponto de haver problemas sérios de injustiças sociais, orgias, sacrifícios idólatras e outros. Os sucessores desses grandes rei cedo tornaram-se tributárioisi de Tiglate-Pileser. No início do reinado de Acaz, nos eventos registrados em Is 7, desenvolve-se a aliança siro-efraimita. A Síria, do rei Rezim, povo que fazia fronteira, ao norte, com Israel, e Efraixn, nome usado para designar às vezes, o reino de Israel, por ser a tribo de maior influência no reino, sob o rei Peca, filho de Remalias, fazem acordo para resistir à ameaça assíria. Isto resulta na punição de Damasco e Samaria, as capitais desses reinos, por Tiglate-Pileser, em 734 a 732 a.C. Judá e a Filística recusarani-se a fazer essa aliança contra o rei assírio, pelo que foram momentaneamente poupados.

O Livro de Emanuel, como são chamados os capítulos 7 a 12 de Isaías, tem esse exato pano de fundo, e contém, algumas das mais belas passagens da primeira parte do livro de Isaías. O rei Acaz, de Judá, vive o dilema de adesão à aliança siro-efraimita, ou o acordo com as forças invasoras, sob pena de pagar-lhes tributo. Efraim ou Israel põe-se a serviço de um rei estranho, mas influente, para lutar contra seus irmãos do sul. Esta é a situação política que suscita a mensagem de Isaías naquela oca-

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sião. Deus o envia a Acaz em missão de confiança e segurança. Devia acompanhá-lo seu filho Shear-Jashub, que significa "Um resto voltará", nome simbólico que sugere tanto um castigo, como a recuperação ulterior. A palavra é de esperança. Os planos inimigos não se realizarão. Os reinos atacantes não têm legitimação divina. "Se o não crerdes, certamente não permanecereis." (7.9) A profecia do Emanuel, Deus-Conosco, oferece a Acaz um sinal que ele não quis aceitar. Emanuel foi o sinal da obra de Deus para a redenção de seu povo, e é uma figura daquele em quem a mensagem do Deus-Conosco se cumpre, a saber, no "descendente" que é Cristo. "Na libertação da ameaça da guerra siro-efraimita, os crentes experimentam a fiel direção de Deus, que continua sendo o seu consolo também nos tempos de angústia que se seguem, até que culminem no nascimento de Cristo."1 O alívio temporário do rei incrédulo e seu povo é a introdução de um período de angústia ainda maior — a ameaça assíria. Como ele confiara nestes estrangeiros mais que no Senhor, a salvação momentânea se tornaria em opressão. Acaz se tornaria vassalo de Tiglate-Pileser e lhe pagaria pesados tributos. Este seria apenas o início de um longo desfile de aflições que sobreviriam ao povo de Deus e em meio às quais a atuação de Isaías teve seu difícil curso.

A presença da igreja no mundo sempre gerou conflitos e sempre proveu bênçãos. A convivência dos crentes com os poderes deste século é muito difícil, e em todos os tempos os filhos de Deus buscaram orientação, junto a Ele em primeiro lugar, para o seu procedimento como cidadãos do reino secular. 0 profeta Isaías ensina ao crente a não conformar-se com o mundo em sua excessiva autoconfiança e em sua falta de fé na ajuda divina. Diz textualmente a palavra do Senhor: "Ai dos... que executam planos que não procedem de mim, e fazem aliança sem a minha aprovação, para acrescentarem pecado sobre pecado." (30.1). Confira-se o que Paulo diz em Rm 12.2. Os profetas, apóstolos e mensageiros de Deus todos os tempos são acusados de pessimismo e falta de patriotismo por aqueles: que preferem e proferem coisas aprazíveis (Mq 2.6-11). Miquéias foi contemporâneo do início do ministério de Isaías. Fala ao mesmo contexto. Se a política pró-Assíria foi condenada no capítulo 7, condena-se o outro extremo no capítulo 30, a adesão pró-Egito. Estabelecer opções estanques do tipo esquerda/direita, leste/oeste, terceiro/primeiro mundos, não condiz com a missão da igreja, e qualquer tipo de radicalização, era favor de movi-mentos humanos, e por isso eivados de tendências terrenas, por certo não promove o evangelho. Permanecer na superficialidade das propostas políticas, económicas e sociais, ou até mesmo apenas morais, ofusca o aprofundamento da questão mais séria da fraqueza humana devido à sua inimizade contra Deus. O

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apóstolo Paulo contribui com sua orientação neste ponto, afirmando em Tito 2.12: "... educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos no presente século, sensata, justa e piedosamente." "Primeiro, devemos aprender a viver 'sensatamente' quanto a nós mesmos... 'justamente' em relação ao nosso próximo... 'piedosamente' em relação a Deus... A educação cristã tem um caráter abrangente e unitário no sentido de envolver não apenas as coisas criadas e materiais, mas também o seu criador."2

2. Uma Biografia de Consolador — A vida de Isaías

0 nome Isaías — Yesha'-Yahu — significa "0 Senhor (Yahweh) deu salvação." Era filho de Amoz, não o profeta de nome semelhante, mas, pela própria menção do pai, deduz-se que descendia, de família importante de Jerusalém,. Uma tradição rabínica afirma que Amoz, pai de Isaías, foi irmão do rei Amasias. Neste caso, Isaías foi primo em primeiro grau do rei Uzias e neto do rei Joás, sendo, pois, de sangue real e membro da corte de Jerusalém.

Sua juventude ocorreu num período de grande prosperidade exterior, tanto em Judá como em Israel. A independência política e extenção territorial de ambos os reinos achavam-se intactos. Não se sabe ao certo onde viveu, nem ele deu a conhecer muitas circunstâncias de sua vida. Sua residência permanente, pelo menos na parte inicial de sua vida profética, parece ter sido Jerusalém. Deve ter iniciado sua atividade profé-tica pelo menos no último ano do reinado de Uzias, pois diz (6.1ss.) que teve a visão no templo no ano da morte desse rei. Pode-se, pois, colocar os primeiros seis capítulos no reinado de Uzias. Nada se menciona sobre qualquer profecia nos 16 anos do reinado de Jotão, o sucessor do trono. Pelo menos, nada se registra de suas pregações públicas, nesse período. Segue-se o reinado de Acaz, durante o qual, a partir do capítulo 7, Isaías aparece como denunciador do pecado e de alianças mal feitas, tendo dispendido parte considerável de seu tempo junto à corte. Seus conselhos, nessa época, foram rejeitados, e mais uma vez se estabelece um período de silêncio do profeta. Ezequias, o rei liei que o sucede, admite Isaías como seu conselheiro e atende a seus conselhos. No seu reinado o profeta foi tratado com respeito e teve uma participação influente nos conselhos referentes a esse agitado período. Quanto à sua atividade no reinado de Manasses, que se seguiu, a mesma é improvável. Deve ter-se retirado da vida pública, embora alguns capítulos, como 56-58,

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passam referir-se a essa época de desmandos: "Os atalaias de Israel stão cegos, cães mudos, sonhadores preguiçosos..." (56.10).

Pouco se sabe sobre a família e a vida privada de Isaias. Sua esposa é chamada "profetisa" (8.3), o que pode significar "mulher do profeta". Mencionam-se dois filhos, e ambos receberam nomes que deveriam despertar atenção e servir de penhor ou garantia do cumprimento das predições de Deus. Um deles chamou-se Shear-Jashub (7.3), que significa "um resto voltará." Esta designação foi-lhe dada como sinal de que o remanescente dos judeus exilados retornaria. Sobre este nome repousa um, dos axiomas ou pontos fundamentais de todos os escritos de Isaias. Qualquer que fosse a calamidade ou juízo que anunciasse, sempre terminava com a afirmação de que a nação seria, ao fim, preservada e grandemente aumentada e glorificada. O nome do outro filho foi Maher-Shalal-Hash-Baz (8.1), isto é, "rápido-despojo-presa-segura", nome que anunciava de forma significativa que os assírios iriam subjugar a terra de Israel e impor um saque a Judá.

O ministério profético de Isaías, com base na datação de seus oráculos, pode ser dividido em duas fases principais, e cada uma delas conclui com um período de silêncio e retração. A primeira fase conta-se desde o início de seus escritos, no final do reinado de Uzias, quando ocorre o seu chamado, no ano da morte desse rei, até os acontecimentos do reinado de Acaz. Essa fase de atividade se encerra com a retirada do profeta, junto com seus discípulos, quando ele "resguarda o testemunho." (8.16ss.). Com a ascensão de Ezequias ao trono de Judá (ca. 715 a.C), Isaías retorna à função e assume até mesmo atitudes de conselheiro real e estadista.

Nascido provavelmente em Jerusalém, pois estava muito familiarizado com a cidade, seu povo, suas elites, seus costumes, supõe-se que tenha exercido ali todo o seu ministério. Esse contexto, humanamente falando, explica a elegância literária, as ideias elevadas, o conhecimento da vida social, política e económica dos destinatários de sua mensagem. Seu envolvimento na política interna e externa dos reinos de Israel e Judá se explica tendo em vista que a nação política coincidia com o povo escolhido de Yahweh. Cabia-lhe a tarefa de defender Sião como o assento de Deus e de sua aliança, consubstanciada no templo de Jerusalém.

Discute-se a respeito da profissão secular exercida por Isaías. Há sugestões de que tenha sido membro da aristocracia governamental, oficial da corte, confidente do rei ou sábio da corte, função muito comum no Oriente. Outros querem que tenha sido sacerdote ou, pelo menos, servidor do templo, dada a sua presença no mesmo por ocasião do seu chamado. Ainda

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outros querem guindá-lo à posição de médico da corte, por causa de sua receita para a úlcera de Ezequias. A influência de Isaías sobre Ezequias aparece claramente nos eventos relacionados à vida desse rei. Ezequias foi um dos mais piedosos reis que se assentou no trono de Davi. A reforma de base no culto, primeiro ato de seu reinado, pode ter sido fruto da orientação de Isaías. Desfez o culto idólatra, desenvolvido por seus ante-cessores, destruiu a serpente de bronze feita por Moisés, restaurou a observância da páscoa e o culto regular do templo. O sucesso das reformas no campo religioso estendeu-se ao político. Empreende guerra contra os filisteus, e dispõe-se a reverter a ameaça assíria, sacudindo de si o jugo estrangeiro e negandonse a pagar a dívida externa ou tributo da dominação que a potência nortista lhe impunha. Essa medida provocou a indignação do rei Senaqueribe, da Assíria, que ataca, em represália. A defesa do rei, a ironia de Rabsaqué, general assírio, a oração de Ezequias, o conforto que lhe traz Isaías e o livramento final promovido por Deus, ao matar 185 mil homens do exército inimigo, estão referidos três vezes no relato bíblico. (2 Rs. 2 Cr, Is)

0 final do ministério de Isaías ainda foi marcado por sua atuação no caso da doença do rei Ezequias, tanto no anúncio de que o rei morreria, como também, logo após a oração deste, de que teria uma sobrevida de 15 anos. 0 período de sucesso subiu à cabeça de Ezequias e o seu coração se exaltou, merecendo uma repreensão do profeta. Parte considerável de suas profecias foram, por dedução, proferidas nesisa época. Os capítulos 13 a 39 devem ser datados desse período. As mais importantes profecias, que compreendem os capítulos 40-66, precisam ser dispostas no final de sua vida, talvez no reinado de Manasses.

A morte de Isaías, diz a tradição, ocorreu em Jerusalém, próximo à fonte de Siloé. Diante dessa fonte, e confrontando com o monte Ofel, há uma amoreira que tem um terraço de pedras à sua volta, local onde Isaías teria sido serrado ao meio, por ordem de Manasses. Seu corpo teria sido sepultado ali, donde foi removido a Panias, na nascente do Jordão, e de lá para Constantinopla, no ano 442 A.D.

"Sobre os teus muros, ó Jerusalém, pus guardas, que todo o dia e toda a noite jamais se calarão; vós os que fareis lembrado o Senhor, não descanseis, nem deis a ele descanso até que restabeleça Jerusalém e a ponha por objeto de louvor na terra." (Is 62.6,7). Há quem esteja satisfeito com a situação de sua igreja e com sua participação no trabalho que desenvolve, sejam pastores, sejam leigos. A biografia dos servos de Deus, ainda que apresente um currículo extenso e uma agenda estafante, deixa a desejar aos olhos do Senhor. O espírito profético precisa ser continuamente despertado na IELB, no incansável es-

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forço em ver o nome de Deus presente no coração e na vida de seu povo, por Palavra e Sacramentos. Ele quer fazê-lo pelos meios da graça, pelo poder do Espírito Santo, por seus instrumentos humanos, os guardas da Sião atual. Acontece que, para muitos cristãos, a igreja se tornou questionável, o que significa, descontando os erros humanos, que se questiona a Deus sua verdade, seu poder e capacidade. Um dito popular da Suábia diz: "Na Suábia fala-se do que aconteceu há muito tempo: faz tanto tempo, que quase não é mais verdade..." Para muitos contemporâneos a morte satisfatória de Cristo não é mais verdade, pelo menos no que se deduz de suas vidas e de seu testemunho. Para o profeta, Deus tem braço, mãos e dedos, isto é, ele tem meios. Ele opera maravilhas por seu Espírito. E se nada acontece, não é por culpa do Espírito. Ao lamento divino: "Não havia quem me ajudasse" (63.5), o cristão luterano e seus pastores responderão com Isaías: "Eis-me aqui, envia-me a mim" (6.8).

3. A Confiança em quem consola — O livro de Isaías■ 3.1. Afirmações e Críticas

Quem precisia e deseja ser consolado, obviamente precisa e deseja confiar em quem se apresenta para dar-lhe consolo e orientação. Um dos pontos nevrálgicos no estudo de Isiaías é a batalha entre fé e descrença, aceitação e rejeição da mensagem do profeta. É hora do cristão luterano e seus pastores reafirmar sua posição de fé e confiança na palavra infalível de Deus, conforme revelada na Escritura Sagrada e interpretada, acima de tudo, pela própria Escritura. Interpretações humanas podem ser postas em dúvida, mas o salutar princípio hermenêutico da Igreja Luterana, de que a Escritura a si mesma se interpreta, é mandatório na consideração da autoria, unidade e integridade do livro de Isaías, apepsar das dúvidas que se levantam, até mesmo ao intérprete cristão, diante de um estudo minuncioso do texto. A par de um conhecimento linguístico e temático das diversas fases do livro, o cristão necessiita possuir a sincera e humilde fé no Deus que se revela em sua Palavra e a devida reverência diante da mesma.

Lutero viu, nas diversas partes da Bíblia, uma "unidade em tensão."3 Assim ele fez de Moisés, o legislador, um cristão. Viu Cristo falando e sendo prenunciado no Antigo Testamento. Manteve o princípio de "rimar" o Antigo com o Novo Testamento, em especial na sua tradução ida Bíblia para o alemão, o que pode ser considerado pouco científico ou falta de erudição, mas

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com o que, sem dúvida, "injetou o evangelho em sua corrente sanguínea própria."4 O método alegórico de interpretação do Antigo Testamento, que o aplica, figurativamente apenas, à igreja, usado por Jerónimo e Orígenes e presente nas primeiras exposições de Lutero, acaba recebendo deste o seu ultimato: "A interpretação alegórica mata o sentido espiritual do Antigo Testamento."5

0 surgimento do liberalismo filosófico e da chamada alta critica, ou método histórico-crítico, trouxe a debate muitas questões concernentes à teologia. O princípio racionalista de Kant, de que consciência e ética são a essência da religião, foi aplicado à teologia por S.J. Seniler, no fim do séc. XVIII, por dois chavões que hoje encontramos em muitos teólogos, e que marcam o divisor de águas da hermenêutica bíblica: que "a Bíblia apenas contém a palavra de Deus", e que o crítico deve julgar o que é ou não verdadeiro, e ainda que "a Bíblia deve ser tratada como qualquer outro livro". Como a Bíblia foi escrita! em determinados períodos da história, ninguém pode negar a validade dessa última afirmação, a qual no entanto, precisa ser completada pelo intérprete com o enfoque de que a Bíblia também não é igual a nenhum outro livro. Com. o idealismo de Hegel, que através de Vatke influenciou Juliusi Wellhausen, na segunda metade do séc. XIX, aplica-se ao estudo da Bíblia a dialética de tese-antítese-síntese. Na avaliação dos profetas, esse método criou uma área de estudos da chamada "religião profética" e sua "evolução", particularmente na vida do povo de Israel. Nega-se a inspiração das profecias e rejeita-se o sobrenatural com base em argumentos filosóficos. A maior parte das profecias seria vaticinium ex / post eventu, a saber, predição posterior ao evento. Consequentemente, passou-se a dar ênfase (demasiada ao estudo histórico-religioso do momento em que o autor se pronuncia ou em que escreve. Capítulos e livros foram distribuídos entre diversos autores, discípulos, editores e redatores. Era preciso detectar as adições não genuínas e recriar o estímulo original da palavra profética. Sua mensagem foi reduzida a meros modelos de esforços para a melhora das condições de vida, religiosa, é bem verdade, mas também, com muita ênfase, no âmbito politico, social e psicológico.

À crítica histórico-literária aliou-se mais tarde, com Hermann Gunkel, a crítica da forma. O programa dessa escola foi modificar e tentar determinar o verdadeiro Sitz-im-Leben (situação sociológica, cultural e pessoal) de livros, textos e partes da Bíblia, estabelecendo diferentes Gattungen (ordens, formas, aspectos) em sua investigação. O material narrativo, por exemplo, foi classificado em lendas, sagas, mitos, fábulas, etc. Estabeleceram-se distinções no tratamento de poesia e prosa e seu sentido na interpretação bíblica.

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Os perigos que hoje rondam os estudos teológicos, também de Isaías, são fruto desse desenvolvimento da crítica. Usar o texto profético para promover frentes de ação política e social, para uma pretendida libertação secular, está muito em voga. A expressão "revelação de Deus na História" assumiu uma conotação imanentista e secularista que não condiz com a doutrina luterana. Torna-se necessário intensificar estudos, nas diversas áreas em que esses métodos são usados, política, educação, agri-cultura, e de como o cristão deve posicionar-se em relação a esses movimentos, sem comprometer a missão da igreja e seu testemunho.

3.2. A Autoria do Livro de Isaías

3.2.1. Pressupostos para o estudo da autoria bíblica:

Os, profetas eram homens enviados por Deus e que declararam sua vontade às nações, em especial a Israel. Foram homens de sua época, mas falaram movidos pelo Espírito Santo. Por esta razão esperamos encontrar em suas mensagens o elemento proclamador e também o preditivo. Rejeitamos, posturas que se opõem a isto afirmando que os profetas viveram no seu tempo, anunciaram a vontade de Deus às pessoas de seu tempo e não tiveram qualquer comunicação direta e sobrenatural com Deus. Por isso damos alto valor ao testemunho das Escrituras em questões de autoria.

3.2.2. 0 profeta Isaías do 8° século a.C. foi autor de todo o livro que leva seu nome devido às seguintes considerações:

l9 O único nome que aparece no texto, designando a autoria do mesmo, é o de Isaías, filho de Amoz (1.1; 2.1; 13.1). 0 nome do profeta era importante para a aceitação de seu pronunciamento e para a credibilidade da profecia. É contrário ao consenso das Escrituras postular a existência de escritos proféticos da parte de profetas anónimos. A teoria do Deutero-Isaías defronta-se com a dificuldade de que o nome do profeta não teria sido conservado. A tradição extra-bíblica mais antiga, de Jesus Ben-Siraque, no Eclesiástico 49, refere-se ao falto de que Isaías "consolava os que choravam em Sião... mostrava... as coisas escondidas antes que acontecessem".

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2° A evidência do primeiro rolo ide Qumran, manuscrito completo de Isaías, datado de ca. 125 a.C, depõe em favor da unidade de Is. Não há separação entre os capítulos 39 e 40. Como os traços de identificação de um suposto profeta se apagariam em três séculos?

39 A unidade temática do livro de Isaías pode ser defendida nos seguintes aspectos: — os capítulos 1 e 40 falam igualmente da pecaminosiade do povo de Deus, o julgamento e a sua libertação; — maldades que se praticavam no 8º e no 6º séculos são citadas em, ambas as partes: violência e derramamento de sangue (59.3,7 e 10.1,2); uma hipocrisia revoltante se acha presente na vida religiosa da nação antes e depois do cap. 40. A degeneração e o colapso moral expressos em 40-66, supostamente tardios, condizem antes de tudo com a época de Manasses (2 Rs 21 e Is 59); — nos primeiros 39 capítulos prepara-se o argumento da universalidade do julgamento e da graça de Deus, que prevalece como mensagem de 40-66; -— a última parte de Is (58-66) eleva a seu ápice a verdade de que Israel, como nação política, seria rejeitada. Essa rejeição geográfico-política, no entanto, não significa que Deus abandonou suas promessas: o verdadeiro Israel de Deus, a Igreja, será libertado de amarras nacionais e locais.

49 Os capítulos 36-39 têm uma função importante na ligação das duas partes contestadas: apontam para o período assírio, que termina, e para o exílio e o poder babilónico, que vem. A profecia concernente a Ciro é a pedra de tropeço na aceitação da autoria de Is por muitos. A capacidade do profeta inspirado por Deus em prever nomes se liga à onisciência de Deus. Há pelo menos outro texto idêntico: 1 Rs 13.2.

5° A segunda parte de Is (40-66), de maior peso quanto à mensagem teológica, acha-se em clara elaboração, quanto às grandes ideias a que se dá sequência, já na primeira parte. Por exemplo, a ideia do cativeiro se apresenta de forma genérica ao início; depois se determina que um poderoso exército levaria o povo cativo; esse exército passa do poder assírio (que destrói Samaria) ao babilónico, como força emergente, que se

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consuma no final. As referências à Babilónia nas profecias anteriores (confira cap. 13) preparam o cenário dado como consumado, profeticamente, nos caps. 40-66.

69 Há evidência em outras profecias, também pré-exílicas, de que a segunda parte de Isaías não pode ser pós-exílica. Comparecem-se os seguintes trechos de Jeremias a Isaías 40-66:

Jr

13.18-26 com Is 47.1-348.18 47.131.12 58.1131.13 61.331.22 43.1931.34 54.1331.36 54.105.25 59.213.16 59.9-11 50.8/51.45 48.2017.1 64.818.6 65.62.25 57.10

Note-se que Jeremias usa profecias anteriores com mais frequência que os demais profetas escritores. Para evitar a força desse argumento, os críticos obrigam-se a negar a autoria de Jeremias, nos trechos citados.

7º As alegadas diferenças de linguagem e estilo nas duas partes de Isaías exigem algum conhecimento de língua (hebraica) e literatura. — o titulo para Deus, "Santo de Israel", gedôsh Yisraêl, aparece 12 vezes em 1-39 e 14 vezes de 40-66, o título é usado duas vezes em Jr e outras duas nos Salmos. — 40-50 frases; aparecem em ambas as partes de Is. — Miquéias é contemporâneo de Isaías no 8º século, e numerosas expressões de Mq se encontram em Is 40-66. Ambos pertenciam à mesma escola de profetas ou conheciam a mensagem do outro. — Oséias, um pouco antes de Is, usa a expressão "não há salvador senão eu", com relação a Deus (Os 13.4 que é usada pelo profeta mais novo, Isaías, em duas ocasiões 43.11; 45.21). — os capítulos 40-49 formam uma unidade marcante de estilo, para o que há uma razão muito provável: o assunto abordado. O Isaías maduro, como homem, idoso e pregador experiente, aperfeiçoou suas formas de

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expressão e o tom do discurso. Maior entendimento, largueza de visão, habilidade de se expressar se evidenciam.

3.2.3. Conclusões sobre um estudo da autoria de Isaías:

Acreditar na unidade de um livro bíblico está geralmente ligado a se crer em que a profecia é revelação sobrenatural de Deus, fato que pode ser explicado com base no testemunho do NT. A posição de que a profecia de Is é obra de mais de um autor é contrária ao ensino claro do Novo Testamento. O "rolo do profeta Isaías", lidio por Cristo em Lc 4.17 é de Isaías II. Diversos pronunciamentos repetidos por João Batista, Mateus, Paulo e outros autores, e atribuídos expressamente a Isaías, são tirados do chamado "Deutero-Isaías". De fato, Isaías proferiu palavras proféticas, como o cântico do Eved Yahweh (Servo do Senhor) contido no capítulo 53, "porque viu a glória dele (do Messias) e falou a seu respeito". Palavra e consolo de Deus através de seu mensageiro, o evangelista João (12.41). É crer ou crer. É confiar e ser consolado ou rejeitar a consolação divina e viver como escravo de suas paixões, do mundo, de Satanás.

4. A Pregação do Consolo — A Mensagem de Isaías

Isaías é o primeiro livro, por ordem de apresentação, na coleção dos chamados profetas posteriores ou escritores. Também encabeça a relação dos profetas maiores, pelo volume de seu livro. O nome hebraico de Isaías é Yesha-Yahu, que significa "O Senhor deu salvação". O nome do profeta é talvez o melhor tema para sintetizar sua mensagem; a salvação do pecador que £e defronta com Deus (1.18) é recebida somente pela graça (55.1) e pelo poder de Deus, o Redentor, e não pela força do homem, nem pelas boas obras que pratica. O profeta expõe a doutrina do Messias como Servo do Senhor com tantos detalhes, que tem sido chamado, com razão, o "Profeta Evangélico". Aprofunda determinados temas em muito mais que outros profetas, preferindo-se abordar aqui apenas as ênfases principais.

4.1. O Santo de Israel

Um dos nomes mais usados por Isaías para designar a Deus é "o Santo de Israel". A expressão pode ser considerada de sua autoria, pois aparece cinco vezes ao todo, em outros livros do AT. Torna-se até mesmo uma evidência da unidade de seus escritos e o mais poderoso elo entre as duas partes: consta treze

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vezes nos capítulos 1-39 e exatamente treze vezes no restante do livro. A expressão no original hebraico (qedosch Yisrael) é um título que

o profeta atribui a Deus devido a sua santidade ou transcendência absoluta, e pode-se dizer que é o mais positivo c mais condizente à essência divina. Deus está separado e acima de tudo que é pecaminoso e impuro. De forma adquirida, essa santidade torna-se uma exigência de Deus a seu povo: "Santos sereis, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo". (Lv 19.2).

Isaías usa o termo "Santo de Israel" desde o princípio de seu livro (1.4). O grande destaque, no entanto, se lhe dá no cap. 6, na visão em que é chamado a profetizar, quando ele mesmo contempla a glória de Deus, que é a sua santidade revelada ao homem. 0 título passa a exprimir uma ênfase central na profecia de Isaías, provinda de alguém que vira o Senhor e que, em todo o seu ministério subsequente, se consagra a dar a seu povo igual consciência da majestade e do poder redentor do Deus que julga, mas que afinal sialva seu povo através de seu Servo. No versículo em que a expressão aparece duas vezes (49.7), Yaweh apresenta-se como o Redentor de Israel e, para assegurar o cumprimento dessa promessa a seu povo, acrescenta: "No tempo aceitável eu te ouvi e te socorri no dia da salvação" (49.8). A santidade cessa, portanto, de ser uma qualidade abstrata de Deus ou uma ameaça a quem chegasse a vê-la, ainda que não em sua, essência. Apresenta-se como atributo natural do poder e da majestade de Deus, e, ao mesmo tempo, como proposta de fé e vida ao crente em sua relação com o Santo de Israel.

A santidade de vida não é premissa para a salvação. Ela é consequência da justificação do pecador. É um reflexo da santidade de Deus revelada em Cristo. O pietismo errou no sentido de fazer a santificação de vida necessária para a salvação. A santificação é obra do Espírito Santo, e outra coisa não é senão conduzir ao Senhor Jesus. "Pois onde não se prega de Cristo, aí não há Espírito Santo que cria, chama e congrega a igreja cristã, fora da qual ninguém pode vir ao Cristo Senhor."

4.2. Pecado e Graça

Pecado, no pensamento de Isaías, é, antes de mais nada, rebeldia (pesha’) e negativa de reconhecer a presença poderosa de Deus em todos os aspectos da vida humana, pessoal e coletiva, privada ou pública. No caso de Israel esse estreito entrelaçamento se explica, com mais facilidade que hoje, pelo fato de que se tratava do povo de Deus, o que significava a união de estado e igreja. O tratamento dos temas proféticos por muitos

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teólogos de nossos dias não leva esse fato em consideração e tenta-se requerer da igreja como instituição e dos pastores, enquanto ministros da palavra, uma definição na área política, o que foge à sua missão precípua no mundo.

O pecado individual conduz, em seu somatório, ao pecado nacional, no caso da nação que fora escolhida como povo de Deus. Considere-se Isaías 29. É uma anunciação violenta da lei de Deus à cidade santa e a todo povo de Deus. Aperto, pranto, lamentação coletiva se abaterá sobre a "Lareira de Deus". Note-se que o profeta se dirige ao povo de Deus. As pessoas não pertencem ao mundo descrente. Elas conhecem o Deus verda-deiro, mas este se lhes tornou muito pequeno, fraco demais. Queriam algo mais, e nessa busca começa o pecado que Isaías mais condena, a idolatria.

O maior entrave no relacionamento de Deus com seu povo na aliança do AT foi a prática da idolatria, sempre de novo denunciada pelo profeta. Esquecer-se de Deus e confiar em ídolos é a essência da idolatria. Sob a alegação de que Deus se havia calado, despertam todas as formas de cultos deturpados, adoça o de símbolos eróticos, sacrifícios humanos.

Que ídolos o homem atual adota para servir? Estamos rodeados por cultos orientais que pregam o alcance de satisfação e consolo através da distensão psico-somática. Endeusa-se o trabalho, a posição social, a honra, a saúde e beleza física, a família, os bens materiais. Os deuses que nos rodeiam e invadem a privacidade do lar são tantos! e tão poderosos que não cabem em poucas páginas. Queimamos incenso e pagamos tributo a inúmeros vícios. Há mesmo sacrifício de crianças, através de educação repressiva e legalista ou, por outro lado, de extrema permissividade e expostas a tentações e libertinagem. Investe-se em auto-defesa e promoção pessoal. Todos esses deuses passam a exigir de seus [sjúditos seu tempo, talento e tesouros, numa nova e moderna forma de tirania espiritual, psicológica, social e económica.

Os pecados individuais tendem a tornar-se coletivos, como a soma dos indivíduos forma a coletividade. A igreja, como corpo de Cristo, sofre com a fraqueza de seus membros. Seu testemunho fatalmente se embota quando seus membros e_ os próprios líderes se desviam para outros interesses e os põem acima da causa que é do Senhor da igreja. É por esse prisma que se propõe um plano para a expansão e o aprofundamento da ação da igreja, através de seus indivíduos e das congregações que eles decidiram formar, por livre vontade. Ao apontar para as terríveis consequências da idolatria, Deus, pelo profeta Isaías, anuncia: "... O que confia em mim, herdará a terra, e possuíra o meu santo monte" (57.13). Promete vida e consolo nas pala-

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vras de 57.15: "Habito também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos, e vivificar o coração dos contritos."

4.3. O Remanescente e o Servo do Senhor

O conceito do "remanescente" perpassa o livro de Isaías, mencionado como o "restante fiel" que recebe, afinal, o prémio da restauração e a vida na Sião verdadeira. A abordagem isaiânica de julgamento e salvação, de lei e evangelho, centra-se na ideia de que o povo escolhido de Deus, Israel histórico, teria de passar pela fase crucial do exílio e restauração, e que o povo de Deus, do ponto de vista escatológico, também tenha de passar da morte à ressurreição. O termo que confirma essa promessa ò Shear-jashub, "Um-resto-volverá" (7.3). A clara distinção que se estabelece entre o Israel físico e o verdadeiro Israel na segunda metade de Isaías, aponta para Sião como a cidade escatológica de Deus que, afinal, reina em glória sobre os novos céus e a nova terra.

Uma explicação para a relação do remanescente de Israel com o Servo do Senhor, como predito por Isaías, é a pirâmide tripartida de Delitzsich, quando vista, não do ponto de vista evolucionista da religião de Israel, mas conforme o método da interpretação tipológica.

Conforme Delitzsch explicou, o Servo pode ser simbolizado por uma pirâmide. Na

base da pirâmide há a nação hebréia como um todo (como em, 41.8 e 42.19). Israel é considerado o povo escolhido por Deus de maneira única, com a responsabilidade de testificar do Deus verdadeiro perante as nações pagãs, servindo como guardiães da Sua Palavra. No nível do meio, o remanescente dos verdadeiros fiéis dentro de Israel se constituirá era povo redimido de Deus, para testificar aos sieus companheiros não espirituais. No ápice da pi-râmide há um único indivíduo, o Senhor Jesus Cristo, que é demonstrado como sendo o verdadeiro Israel em pessoa (porque, sem Ele, não poderia existir a nação de Israel através da Aliança, e o relacionamento da nação com Deus depende dEle). É este Servo que surgirá como Redentor e Libertador do pecado,

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ao carregar na Sua própria Pessoa a penalidade da morte no lugar dos pecadores.7

Delitzsch complementa o assunto afirmando que o último estágio da pirâmide, o superior, é ao mesmo tempo: l9) o centro do circulo do reino prometido, o segundo Davi; 29) o centro do circulo do povo da salvação, o segundo Israel; 3º) o centro do círculo da raça humana, o segundo Adão.8

Os escritores do Antigo Testamento estavam provavelmente mais bem informados do que aparece à primeira vista, pois há muitas evidências de que eles conheciam muito bem a Deus e a sua vontade. "Seu conhecimento cresceu com o desdobramento do plano de Deus, o que não representa uma evolução de sua teologia, mas um crescente descortínio do plano de Deus. Se Cristo é o cumprimento em direção ao qual se movem; a lei e os profetas, sua igreja é o verdadeiro 'am ou laós (povo), o verdadeiro qehal Yahweh (congregação do Senhor) ou ecclesia (igreja)."9

A teologia cristã, como análise operacional da palavra de Deus na vida da igreja, é, era termos estritos, um esforço humano, circunscrito pelas limitações da linguagem e do conhecimento humanos. Consiste na interpretação e explicação da mesma palavra, na sua sistematização doutrinárias, na avaliação ide sua dimensão histtórica, e na sua aplicação prática à vida do crente e à atividade de igreja. A proposta temática do biénio 90-91 na IELB, com base no lema escolhido, é montar e executar um programa de crescimento ou expansão da igreja na área específica da Seelsorge ou cura d'almas. A tarefa é a de propor a pastores e líderes que procurem tornar mais efetiva a sua ação consoladora junto ao povo de Deus. O equipamento dos santos para o serviço do Reino passa também pelo aproveitamento e a racionalização dos recursos materiais que Deus concedeu à sua igreja, e que, talvez por décadas, não tenham sido administradas da melhor forma. Esse equipamento dos santos passa por um programa de educação teológica que permita uma formação sólida e sempre atualizada de seus pastores e demais obreiros, de modo racional, mas sem interromper programas que têm tido bom desempenho. Esse esforço culmina com o trabalho engajado de pastor, educador e líder de congregação que, individualmente ou em equipe, "pode mudar os rumos da história de uma nação, de um povo, sem que seu nome jamais seja citado, sem que ocupe qualquer lugar de destaque... e dá a sua contribuição para que seu liderado possa ser feliz neste mundo, sem esquecer a felicidade eterna."10

Como é que se transforma o mundo? De que maneira se cria um país novo? Enquanto os revolucionários da atualidade

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pretensamente baseados nos profetas do AT falam palavras de homens, estes anunciavam: "Assim diz o Senhor..." Os salvadores da pátria, em nossos dias, apelam, para as massas, para que se insurjam contra a dominação e que, em muitos casos, é verdadeira. Mas os profetas do AT não apelavam para as massas, e aí está a grande diferença. Eles pregavam uma revolução. Queriam que algo acontecesse, em primeiro lugar, no indivíduo. Não apelaram às instituições e à sociedade em geral, de forma demagógica. O processo de transformação da sociedade está conceitualmente ligado à regeneração pessoal. 0 crescimento da igreja não passa, necessariamente, por maiores construções melhor localização, programas eficientes. Tudo isto pode ser transferido, descontinuado, substituído. O que se necessita, também para a IELB, é o redirecionamento dos corações e vontades individuais de seus membros em favor da causa que não é sua, mas de Deus. Dele emana toda a força para o crescimento e é dele que devemos esperar a bênção e o louvor, e não de homens, dirigentes, instituições. O ministério de Isaías distinguiu-se por seu devotamento à tarefa para a qual Deus o chamara , apesar de considerar-se despreparado e indigno. Em tempos bons e maus ele proclamou, sem hesitar, o que Deus tinha a dizer a seu povo. A fidelidade de Isaías pode ter-lhe custado a própria vida. Seu ministério e sua mensagem são uma bandeira a ser desfraldada nestes dois anos em que anunciaremos: Consolai o meu povo!

5. Destinatários do Consolo — O povo de Isaías

O termo hebraico para 'povo' 'am (em grego, laós), e ocorre quase duas mil vezes no AT. Os outros termos usados para expressar as diferentes ideias de 'povo', somados, são apenas cerca de 40, sendo o principal deste goy, plural goyim (no grego, éthnos, plural éthnee). Não levando aqui em conta alguns sentidos diferenciados do termo 'am, o mesmo costuma identificar um povo específico, a saber, Israel, e serve para enfatizar a sua posição especial e privilegiada como povo de Deus. O termo denomina, pois, mais que um povo, uma união nacional. O texto do AT inclina-se a usar 'am para o povo de Deus e goyim para outras nações.

Deus separou Israel para si como propriedade particular. Por isso é povo santo. Não se tornou santo por um, processo de santificação cúltica ou moral, ou por algum mérito nacional, ou por ser maioria, mas; pela simples escolha inexplicável de Deus. Dt 7.6; 4.2,21.

A relação entre Yahweh e seu povo tem uma dupla natureza. Apresenta obrigações recíprocas de fidelidade, amor.

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Yahweh escolheu a Israel, libertou-o do Egito, revelou-se a ele. Espera agora que Israel se separe para servir apenas a ele. O povo muitas vezes não correspondeu a esse amor'. Yahweh ameaça com o exílio e a dispersão entre as nações. Mas não rejeitará seu povo para sempre. A pregação de Isaías transcende os limites da mera esperança nacionalista. Anuncia a abertura das portas a todos os povos, numa perspectiva universal, e de que Israel seria ao mesmo tempo testemunha e propagador.

Na qualidade de congregação do Senhor (qehal Yahweh) o povo de Deus do tempo de Isaías viveu repetidas fases de completa apatia e afastamento de Deus, e para essa condição' o profeta é chamado a abrir-lhe os olhos: "Visito que este povo sie aproxima de mim, e oom a sua boca e com os seus lábios me honra, mas o seu coração está longe de mim e o seu temor para comigo consiste só em mandamentos de homens, que maquinal-mente aprendeu, continuarei a fazer obra maravilhosa no meio deste povo... a sabedoria dos seus sábios perecerá... " (29.13,14). Jesus retoma estas palavras para repreender a religião "faz-de-conta" dos líderes e membros da igreja de seus dias (Mt 15.8,9). Mais recentemente, a Reforma Luterana desfez a religião profissionalizada e estereotipada que se havia instalado na igreja da época. Receia-se que estejamos refazendo o que a Reforma desfez. A assembleia delibera, a diretoria executa, o membro contribui, e todos acham que sua missão foi cumprida. Tornamos o testemunho pessoal um privilégio de classe e pagamos um salário a pessoas que o fazem por nós, enquanto vamos à igreja e apenas ouvimos. Pode-se formar uma equipe de profissionais eficientes e contratar tantos funcionários se achar necessário — e nada vai acontecer enquanto trocamos o Sola Scriptura por "Sola Structura". A participação em diretorias die congregações e entidades visa a desfrutar vantagens pessoais de auto-afirma-ção e de dominação sobre os demais? Somos, capazes de nos submeter a uma avaliação pessoal ou coletiva de nossa atividade na igreja, ou apressamo-nos em jogar a culpa nas estruturas locais, distritais, e na própria IELB?

Nas reflexões que se farão no próximo biénio sobre as condições para o consolo divino, procure-se reviver o momento de prova e confronto que Moisés propôs ao povo em Dt 30; que se faça na IELB a renovação da aliança que Josué fez entre o povo e seu Deus, escolhendo a quem servir (Js 24); ou ainda que se faça a confissão de Esdras (Ed 9), em favor do povo que retornará do exílio, de que "estamos em grande culpa, e por causa de nossas iniquidades fomos entregues... ao cativeiro; ao roubo e à ignomínia".

Graças a Deus, no entanto a fúria acusadora da lei, que deve levar o povo de Deus ao arrependimento, é seguida da mais

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reconfortante mensagem do evangelho. Isaías anuncia o consolo, entre outras, na seguinte promessa: "Mas quando ele e seus filhos virem a obra das minhas mãos no meio deles, santificarão o meu nome" (29.23).

O PIE-II [Plano Integrado de Expansão] é um plano de uma igreja que quer ser consolada e que consola, É uma iniciativa, não de uma estrutura eclesiástica chamada IELB, mas da individualidade de seus membros, reunidos em congregações locais. Não é um álbum, imobiliário, nem um aceno de verbas a congregações e entidades. É a ação congregacional, a nível local e regional, com atividades próprias ou conjugadas, partindo do princípio do sacerdócio universal de cada crente luterano do Brasil. Deus promete solenemente, pelo profeta Isaías, que vai continuar a "fazer obra maravilhosa no meio deste povo; sim, obra maravilhosa e um portento" (Is 29.14). Engajemo-nos nela!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1RIDDERBOS, J., Isaías — Introdução e Comentário. São Paulo, Vida Nova

e Mundo Cristão, 1986, p. 103. 2WARTH, Martim C, Filosofia da Educação Luterana. Igreja Luterana, Ano

46, 1987/1, Seminário Concórdia, p. 39. 3BORNKAMM, Heinrich, Luther and the Old Testament. Philadelphia,

Fortress Press, 1969, p. 219. 4Ibid., p. 220. 5Ibid., p. 90. 6Livro de Concórdia, Catecismo Maior de Martinho Lutero, São Leo-

poldo/Porto Alegre, Sinodal/Concórdia, 1980, p. 453. 7ARCHER JR., Gleason, Merece Confiança o AT? 2ª edição, São Paulo, Vida

Nova, 1979, p. 395. 8DELITZSCH, Franz, Biblical Commentary on the Prophecies of Isaiah, Vol.

II, Grand Rapids, Eerdmans, 1953, p. 174. 9NAUMANN, Martin. Messianic Mountaintops. The Springfielder, Vol.

XXXIX, Nr. 2, Set. 1975, p. 8. 10SONNTAG, Werner, "Rumos da Educação Brasileira", Trabalho não

publicado, 1º Congresso Nacional de Educação Luterana, julho 1986, p. 7.

BIBLIOGRAFIA ADICIONAL

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Verlang, 1969. CROATTO, J. Severino. Isaias — O Profeta da Justiça e da Fidelidade.

São Paulo, Imprensa Metodista, 1989. GILBERT, Martin. Atlas de la Historia Judia. Jerusalém, La Semana, 1978. GOTTWALD, Norman. A Light to the Nations. An Introduction to the Old

Testament. New York, Harper, 1959.

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HALLEY, Henry H. Manual Bíblico. São Paulo, Vida Nova, 1984. HARRISON, R.K. Introduction to the Old Testament. Grand Rapids, Eerd-

mans, 1969. HUMMEL, Horace D. The Word Becoming Flesh. St. Louis, Concórdia,

1979. KAISER JR., Walter C. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo, Vida

Nova, 1978. __- -----—.. The Old Testament in Contemporary Preaching. Grand Rapids,

Baker, 1973. LEUPOLD, H.C. Exposition of Isaiah. 2 Volumes. Grand Rapids, Baker, 1968. MESTERS, Carlos. A Missão do Povo que Sofre. Petrópolis, Vozes, 1985. PIEPER, August. Isaiah II. Milwaukee, Northwestern, 1979. VAN DE KAMP, Peter W. O Profeta Isaías. São Leopoldo, Sinodal, 1987. YOUNG, Edward J. Studies in Isaiah. Grand Rapids, Eerdmans, 1954. ------------. The Book of Isaiah. 3 vols. Grand Rapids, Eerdmans, 1969. —---------. Introdução ao Velho Testamento. São Paulo, Vida Nova, 1969.

Este trabalho foi apresentado à 52.a Convenção Nacional da IELB realizada em Veranópolis, RS, de 24 a 29 de abril de 1990.

460 ANOS DA CONFISSÃO DE AUGSBURGO

Martim C. Warth

Jo 8.31-32: "Se vós permanecerdes na minha palavras, sois ver-dadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará."

Na Europa agora é o início do verão. Por isso, talvez, tantas coisas importantes aconteceram lá que também se transmitiram aqui para o Brasil. (Ontem, ouvimos da Copa 90 notícias que não nos agradaram.). Ontem foi a festa de São João Batista, o precursor de uma nova era. Era uma festa de verão que aqui passou a ser uma festa de inverno. Veio preparar a vinda do Salvador Jesus. Isso nos mostra que já estamos a menos de meio ano do Natal. Mas ontem também foi uma data importante para a IELB, pois neste dia há 86 anos foi fundada em São Pedro do Sul. Hoje é a daita que lembra a dieta de Augsburgo de 1530. Dieta é uma palavra estranha para nós e significa um fórum de julgamento imperial. Há 460 anos foi apresentado o documento mais importante do mundo ao imperador Carlos V, que também era imperador sobre parte da América recém descoberta, pois governava sobre as possessões espanholas que faziam fronteira aqui perto com o Rio Grande do

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Sul. Nunca houve um documento tão importante, fora da Bíblia. Nunca foi apresentado a um império tão grande, do qual se dizia que "o sol não se punha neste império". Era a Confissão de Augsburgo, nossa confissão básica.

O culto de hoje está bem colocado para lembrar esta "apologia da nossa fé", como foi chamada. E nos perguntamos de onde tiraram o conteúdo desta confissão sem precedentes? De onde tiraram a coragem que punha em jogo a fé, a vida, a propriedade, o império? Era um fruto da liberdade cristã de que fala Jesus: "Se vós permanecerdes na minha palavra... a verdade vos libertará". Lutero havia aprendido esta liberdade com seu Senhor Jesus e a colocou no seu importante, livro Da Liberdade Cristã, publicado em novembro de 1520, dois meses antes de iniciar a dieta de Worms onde Lutero foi declarado herege e condenado à morte! Lutero foi condenado porque não retirou, entre outras, as afirmações de que o cristão "é livre e não sujeito a ninguém" pela fé, e que ao mesmo tempo "é servo c sujeito a todos" pelo amor.

Na Confissão de Augsburgo podemos verificar Dois

Aspectos da Liberdade Cristã:

1. a liberdade de confessar, e 2. a liberdade de viver.

I.

Havia uma tremenda pressão sobre os luteranos, ou protestantes, como eram chamados a partir do protesto dos estados e príncipes evangélicos na dieta de Espira em 1529 contra a proibição de pregar e ensinar a doutrina cristã. A dieta de Espira havia concluído que se respeitasse a resolução da dieta de Worms, onde Lutero fora condenado. A pressão foi enorme da parte do império, orientado pela igreja de Roma.

Mas havia outras pressões, como a de Zwínglio e seus teólogos do sul. Em 1529 aconteceu também o colóquio de Marburgo em que Zwínglio queria impor sua interpretação da Santa Ceia. Lutero disse que não podia haver união: "Não!, vocês têm um outro espírito!". Mas teses preparadas por Lutero para Schwabach, Marburgo e Torgau, se não chegaram, a unir luteranos e calvinistas, preparou todo o material teológico para a Confissão de Augsburgo.

Havia também a pressão da ignorância religiosa que Lutero combateu. Solicitou a colegas que preparassem pequenos livros de instrução. Como não fizeram Lutero mesmo publicou os dois catecismos de 1529. Tudo isso estava modificando a

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perspectiva do povo, dos sacerdotes, dos pastores e dos governantes. O império ficou preocupado e lançou um último desafio: Apresentem esta doutrina nova para ser julgada e destruída! Carlos V queria um reino universal com, uma só fé.

Mesmo assim havia ainda a pressão dos prelados da igreja de Roma que não queriam que a doutrina fosse ouvida. Bastava implementar a condenação de Worms, acabar com a heresia e eliminar os protestantes um por um. Acharam que, com as ameaças, os luteranos não viriam a Augsburgo. Mas o eleitor da Saxônia João, o Constante veio com os teólogos luteranos. Lutero havia ficado em Coburgo, sob proteção especial. Como o imperador ainda estava em Innsbruck, descansando da viagem penosa, os luteranos que haviam chegado em maio começaram a pregar nas igrejas de Augsburgo. Cada vez mais igrejas se abriam e solicitaram a palavra clara dos luteranos. Haviam sido caluniados de pregarem contra Cristo, Deus e a virgem Maria. Não era verdadeiro. Carlos V veio depressa para iniciar a dieta.

No meio desta situação de pressão soa clara a mensagem de Jesus: "Se vós permanecerdes na minha palavra... a verdade vos libertará". Lutero conhecia a liberdade em Crisito. Sabia que havia liberdade e justificação somente pela graça (sola gratia), somente pela fé (sola fide). Isto foi pregado e colocado claramente nos artigos de fé da 'Confissão de Augsburgo.

Mas os prelados não queriam que fosse proclamado. O imperador, atendendo a esses apelos de Roma, só queria receber o documento para pensar. Seria o fim do documento. Os príncipes insistiram que fosse lido de público. Era o dia de São João. Só o conseguiram para ser lido no dia seguinte, sábado, numa sala pequena para 200 pessoas. No dia 25 de junho de 1530 estavam a postos: Dr. Brucck tinha a cópia em latim, Dr. Beyer tinha a cópia em alemão. O imperador só queria que fosse lido em latim para o povo não entender. Os príncipes insistiram: essa era terra alemã e devia ser lido em aleimão. Finalmente o Dr. Beyer conseguiu ler em alemão em voz alta e pausada, das 15h às 17h, a Confissão de Augsburgo para todo o povo de milhares que estava no pátio pudessem todos ouvir. Na liberdade cristã puderam confessar a sua fé pela qual empenhavam a sua própria vida!

Quando Dr. Eck foi perguntado se podiam refutar a confissão, disse: "Pelos pais, sim; não pela Escritura." Então disse um conde da Baviera: "Então eles estão dentro da Escritura e nós fora!" Este era o princípio da liberdade cristã: somente a Escritura (sola Scriptura). Nenhum outro senhor, nem pais,, nem concílios, nem decretos papais. Esta era também a liberdade da igreja. Agora havia somente um único Senhor, o Senhor certo: solas Christus! Esta é a verdadeira liberdade: "Se vós perma-

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necerdes na minha palavra.. . a verdade vos libertará!" Esta é a liberdade cristã: quando temos o Senhor certo, quando deixamos Deus ser Deus, quando podemos dizer "Senhor Jesus!" pelo Espírito Sanlto, pela fé. Esta era a hora da liberdade de confessar: "Jesus Cristo é Senhor!"

II.

Com isso veio a liberdade de viver! Os protestantes ainda estavam sob ameaça constante. Mas não foram perseguidos de imediato porque os turcos estavam diante de Viena e o imperador precisava do auxílio dos luteranos. Deus sempre dá liberdade para viver, mesmo diante da ameaça da morte. Ainda hoje o mundo nos ameaça. Mas estamos aí também para viver e para servir o mundo. Com alegria os luteranos queriam servir o imperador para salvar a sua pátria.

O pior inimigo está dentro de nós. É o mal que nos quer afastar de Cristo com filosofias, orgulho, falsos deuses e destruir a nossa vida. A ameaça continua. Mas "se permanecerdes na minha palavra sois verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará". A verdade que é Jesus, é também o caminho e a vida!

Com a proteção de Deus a IELB completou ontem 86 anos. Muita vida nasceu pela fé através da palavra de Jesus proclamada e confessada era tua igreja. Na liberdade cristã os luteranos puderam unir-se em igreja e viver a sua liberdade para servir os outros. Também no Seminário e no Instituto Concórdia recebemos parte nesta liberdade em que queremos estar sujeitos a todos para servir em amor. É ura maravilhoso fruto da liberdade de confessar que herdamos dos teólogos e príncipes da Confissão de Augsburgo. É uma herança da IELB que continuou fiel à palavra de Jesus e herdou a liberdade de confessar, amar, viver e servir. Assim fizeram também os jovens da minha congregação Concórdia de Porto Alegre que festejaram ontem seu 509 aniversário da Juventude, cantando e confessando "Tua Palavra é luz para os meus pés" e que continuam a crer e confessar que "Anjos cuidam bem de mim", como fizeram nos vibrantes cânticos). Se jovens continuam a confessar assini a sua fé e confiança em Cristo, então a igreja tem um grande futuro. Confessemos todos juntos o art. IV da Confissão de Augsburgo, como está na página 66 do hinário:... Amém.

Sermão proferido em culto especial no Seminário Concórdia no dia 25 de junho de 1990.

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A DOUTRINA DA JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ NO ENSINO DE JESUS CRISTO

Curt Albrecht

INTRODUÇÃO

Ouvir falar na doutrina da justificação do pecador pela fé em Jesus Cristo leva a pensar no apóstolo Paulo, em Lutero, no Livro de Concórdia, na Ortodoxia, em Walther, em Missouri. A quem for incauto, pode parecer que o apóstolo Paulo criou a doutrina da justificação do pecador mediante a fé em Cristo; que Lutero ressaltou esta doutrina para distinguir-se do papismo medieval; que o Livro de Concórdia de 1580 definiu assim um caminho próprio do luteranismo; que os teólogos da Ortodoxia fizeram dela seu cavalo de batalha; que Cari Ferdinand Wilhelm Walther se apegou a ela para estabelecer um sínodo que ficasse marcado por ele ou que o sínodo de Missouri e suas igrejas-irmãs insistam nela para manter-se fora de outras confederações religiosas.

É objetivo da presente reflexão ver e ressaltar o que o próprio Senhor Jesus Cristo ensinou a respeito desta doutrina da justificação pela fé; se, enfim, ele falou em que a salvação do pecador se dá unicamente pela fé nele próprio e se a fé produz as boas obras, isto é, se ela produz uma vivência cristã por modo digno do evangelho. Para este fim verifica-se nos quatro evangelhos aquelas passagens em que Jesus emprega o verbo pisteúo e o substantivo pístis com relação a ele próprio (e/ou passagens que, indirectamente, falam em justificação do pecador e que presumem fé, nas quais Jesus esteja falando — como em Lc 18.13,14a).

I

JESUS E A DOUTRINA DA FÉ

1. Jesus confessou a sua fé, a sua confiança na palavra de Deus do AT e não fez Deus de mentiroso na prática, quando tentado por Satanás: Mt 4.1-11; Lc 4.1-13.

2. Jesus pregou arrependimento e fé no evangelho: Mc 1.15b. 3. Jesus disse que a fé justifica, salva, dá a vida eterna e produz

nova vida espiritual: Mt 9.2,22; Mc 5.34; 10.52; 16.15,16; Lc 8.12,48; 18.13,14a,42; Jo 3.15,16,18.36a; 5.24; 6.40,47; 7.38; 8.31,32; 11.25,26; 20.29.

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4. Taxativamente Jesus afirmou que a falta de fé, a incredulidade condena: Jo 8.24.

5. Jesus lamentou a incredulidade das pessoas: Lc 9.41-18.8; 24.25; Jo 4.48; 5.38,44-47; 6.36; 8.45,46; 10.25,26,38'.

6. Ele, algumas vezes, repreendeu a pequenez da fé dos discípulos e de outros: Mt 8.26a; 16.8; 17.20; Mc 5.40-Lc 8.25; Jo 1.50; 3.12; 6.64.

7. Jesus perguntou pela fé nele a dois cegos e, diante da afirmativa, curou-os (Mt 9.28,29); exortou Jairo a crer

somente (Mc 5.36; Lc 8.50); exortou também os discípulos a terem fé em Deus (Mc 11.22-24; Jo 6.29.35; 11.15,40,42;

12.30,44,46; 14.1,10,11,29; 16.31; 20.27c) e levou pessoas a confessarem sua fé nele (Jo 9.35-38; 11.27; 20.28).

8. O Senhor Jesus também elogiou a grande fé do centurião de Cafamaum (Mt 8.10,13) e da mulher cananéia (Mt 15.28).

9. Jesus perdoou os pecados ao paralítico por causa da fé deste (Mt 9.2; Mc 2.5).

10. Jesus afirmou que pequeninos crêem nele (Mt 18.6; Mc 9.42). 11. Jesus disse que tudo é possível ao que crê (Mc 9.23); que o Pai

ama a quem crê nele, em Jesus (Jo 16.27); que, crendo, recebe-se o que se pede em oração (Mt 21.22) e que ele mesmo intercedeu pelos crentes (Jo 17.8,20,21).

12. Os discípulos e outros muitos creram em Jesus (Jo 2.11,22,23; 4.39-42; 11.45).

II CONSIDERAÇÕES ESPECIAIS

01. Parece da mais alta importância enfocar o episódio da tentação de Jesus pelo diabo do ponto-de-vista da justificação pela fé. Porque se Eva fez Deus de mentiroso (Cfe. I Jo 1.10; 5.10b) ao não acreditar naquilo que Deus dissera (Gn 2.16,17 c 3.1-6), então Jesus, ao contrário de Eva, manteve Deus como verdadeiro, porque se firmou na palavra de Deus escrita no AT (Mt 4.4,7,10). Jesus CREU na veracidade da palavra de Deus. Não pecou. Fez a vontade de Deus sempre e perfeitamente. Logo, foi justificado (no sentido de que se manteve justo) pela sua fidelidade (= pístis) a Deus (Is 53.9b; I Pe 2.22. Confessou sua fé em Deus, vivendo fielmente a Deus (como Deus e para Deus).

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2. Jesus pregou o evangelho de Deus e exortou: "Arrependei-vos e crede no evangelho" (Mc 1.14,15). O evangelho é a Boa Notícia de que Deus está próximo da pessoa e, em Jesus Cristo, ele está conosco (Emanuel). "Crede no evangelho" significa pois: "sede fiéis ao Deus que está convosco".

3. Jesus perdoou os pecados ao paralítico, porque este tinha fé (Mt 9.2). Também disse à mulher enferma, que curara: "filha, a tua fé te salvou" e deu a ela paz e livramento do mal (Mc 5.34). Jesus também garantiu que "Quem crê, tem a vida eterna" (Jo 6.47). Então, resumindo, pode-se afirmar, categoricamente, que a doutrina da justificação do pecador pela fé em Jesus está clara e é central no ensino de Jesus, porque a crentes nele 1) o próprio Jesus lhes perdoou pecados; 2) garantiu salvação e 3) prometeu vida eterna!!!

4. O ensino todo de Jesus foi feito no sentido de criar e manter a fé nos seus ouvintes. Com esse objetivo percorreu ele toda a terra de Israel, pregou, ensinou e fez sinais e prodígios. Ele exortou as pessoas a crerem nele; levou pessoas a confessarem sua fé nele; repreendeu a pequenez da fé dos próprios discípulos e consolou os que creram nele com frases como "tudo é possível ao que crê"; que o Pai ama a quem crê em Jesus; que os pequeninos crêem nele; que, orando com fé, se recebe o que se pede na oração.

Por outro lado, lamentou a incredulidade das pessoas e foi categórico' em afirmar que a falta de fé, a incredulidade condena a pessoa.

05. Jesus também deixou claro que a justificação pela fé precede as boas obras, a santificação: "O que crê (ho pisteúon) em mim, (...) do seu interior fluirão rios de água viva" (Jo 7.38). A fé, criada na pessoa pelo Espírito Santo, produz obras boas, fruto dó Espírito (Gl 5.22,23). Isto, por exemplo, fica claro em Jo 15.5: o ramo precisa estar na videira para produzir muito fruto.

CONCLUSÃO

A doutrina da justificação pela fé no ensino de Jesus Cristo é um fato patente, central, inequívoco. Parabéns para quem percebeu e percebe isso claramente! Paulo, Lutero, Walther perceberam isso. Por isso que foram grandes arautos do evangelho e servos fiéis a Cristo Jesus.

Quem não percebe a centralidade da doutrina da justificação pela fé no ensino de Jesus e em toda a Escritura, fatalmente inventará uma religião legalista à base do "não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro" (Cl 2,21).

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Nunca é demais — ou como diz Paulo: "A mim não me desgosta, e é segurança para vós outros, que eu escreva as mesmas cousas", Fp 3.1 — repetir e enfatizar a importância vital de manter e pregar claramente a doutrina da justificação do pecador mediante a fé em Cristo. É o intuito desta reflexão.

"De fato, sem fé é impossível agradar a Deus" (Hb 11.6). A fé em Cristo Jesus a) torna-nos em filhos de Deus; b) dá-nos perdão dos pecados; c) dá-nos a vida eterna e d) nos faz viver de modo agradável a Deus e útil ao próximo.

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AUXÍLIOS HOMILÉTICOS(Os auxílios homiléticos neste número baseiam-se no Evangelho do Dia, conforme a Série Anual Revisada).

PRIMEIRO DOMINGO DE ADVENTO

Lucas 19.29-38

2 de Dezembro de 1990

A situação: O surgimento das seitas é um desafio às igrejas. Quem anuncia a verdade? Devo "provar os espíritos" (1 Jo 4.1) pois o mundo está cheio de falsos profetas e falsos cristãos (Mt 24.24) tentando enganar, se for possível, os próprios cristãos.

O advento: "Vem, o nosso Deus, e não guarda silêncio" (SI 50.3). Este é o conteúdo central dos domingos no advento. A vinda de Deus é o tema de cada culto cristão. O "adventus", isto é, a chegada de nosso Senhor Jesus Cristo, inicia com a palavra da criação, pela qual tudo foi criado. O verbo se fez carne e habitou entre nós. O povo de Deus recebe o seu Senhor na palavra e no sacramento. O evangelho de Jesus Cristo manifesta a sua glória. Os domingos no advento se referem à epifania do Senhor. É a palavra do Senhor que distingue a mentira da verdade.

O contexto: O texto Lc 19.29-38 tem como contexto a viagem de Jesus da Galileia a Jerusalém (Lc 9.51-19.27) e os últimos acontecimentos em Jerusalém (Lc 19.28 — 21.38). O texto de Lc 19.28-38 fala sobre a entrada de Jesus na cidade de Jerusalém, evidenciando ser ele o Cristo e revelando, gradativamente, a sua missão: sofrer e morrer (Lc 22.1-23.56).

O texto: O texto é dividido em duas partes principais: a) O preparo (cf. V. 29-35), b) A entrada (V. 36-38). Ele revelia, de maneira velada, quem é este Jesus. Ele é o Messias, o enviado de Deus. Encontram-se no texto muitas referências ao AT. Destacamos algumas: O monte das Oliveiras (cf. Zc 9.9 e 14.4ss) é o lugar no qual, segundo as esperanças do povo judaico, o próprio Deus se manifestará para julgar os seus inimigos e para salvar o seu povo. Seria o Messias que iria aparecer neste lugar

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para libertar o povo de Israel. O jumentinho foi interpretado pelo judaísmo no sentido messiânico (cf. Gn 49.11). Para carregar o Messias o jumentinho deveria corresponder com a condição de ser um animal consagrado para o serviço: jamais montado por homem algum. Observamos que a entrada de Jesus possui a característica da proclamação de um, rei (cf. 1 Rs 1.33, 2 Rs 9.13 etc). A referência ao SI 118.26 significa reverenciar ao rei.

A entrada de Jesus em Jerusalém revela a sua glória como rei. Nele se cumprem as antigas esperanças do povo de Israel. O envio dos dois discípulos manifesta sua autoridade. Suas palavras têm poder. São as palavras do Senhor do mundo. Neste instante ninguém sabe que Jesus libertará o seu povo pelo sofrimento, pela morte e pela cruz. O momento histórico ressalta a sua soberania como Senhor. Somente os olhos da fé percebem a verdade. Seguir a Jesus significa obedecer à sua palavra. Somente esta palavra libertará da escravidão do pecado e da morte. O texto é um convite, pois não permite o tratamento superficial das coisas espirituais, mas solicita a fé, a confiança naquele que se revela neste momento.

Esboço: O Salvador do mundo quer entrar em nossas vidas — Nele se cumprem as esperanças do povo de Deus — Ele quer que o sigamos com fé e obediência — Ele se faz presente nos meios da graça.

Hans Horsch

SEGUNDO DOMINGO DE ADVENTO

Marcos 13.19-27

9 de Dezembro de 1990

1. No segundo domingo de advento, o texto do evangelho é tradicionalmente um trecho escatológico. Na série histórica era Lucas 21.25-36, texto paralelo a Marcos 13. A série histórica revisada traz Marcos 13.19-27, que pode ser intitulado: "a grande desolação e a vinda do Filho do homem".

2. Marcos 13 é o único discurso extenso de Jesus que aparece neste evangelho. Nenhuma passagem desse evangelho é tão discutida quanto esta. O pregador precisa estar atento a isso e dar-se conta do contexto da perícope.

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3. A interpretação de Mc 13 depende de como se entende a estruturação do capítulo e de decisões quanto à natureza e à função do texto. Quanto à forma, as palavras de Jesus em Mc 13 são mensagem de despedida com instrução e consolo. O texto une profecia a respeito do futuro com exortações para a conduta dos discípulos no período em que o Mestre não mais estaria com eles. O texto tem natureza parenética, ou seja, é feito de admoestações fundamentadas em referências a eventos apocalípticos. O caráter parenetico aparece em termos como BLEPETE, ME PISTEUETE (V. 21), GREGOREITE (V. 35, 37), etc. O discurso se estrutura em torno dos 19 imperativos que aparecem, nos vv. 5-37. A instrução apocalíptica não é um elemento independente dentro do discurso. Foi introduzida como fundamento da exortação. Não é a ênfase principal de Jesus, pois Jesus pressupõe que sejam detalhes conhecidos das Escrituras, dos quais ele tira as consequências para a vida dos discípulos. A função precípua do capítulo 13 não é a de comunicar informações esotéricas, mas de promover fé e obediência em tempos de tribulação. Com profunda preocupação pastoral, Jesus preparou seus discípulos e a igreja para um período futuro que incluiria tanto perseguição como missão. Visto que os eventos preliminares não fixam a data da parusia, requer-se da igreja vigilância, e não cálculo do fim.

4. O Antigo Testamento tem parte essencial na estrutura e nas imagens do discurso profético em Marcos 13. Em nossa perícope são citados os textos de Is 13.10, Is 34.4, Dt 7.13,14. Há paralelos com passagens em Daniel e Joel.

5. Um exame dos demais textos do domingo (SI 105.1-7, Ml 4.1-6, Hb 12.25-29) revela uma maior aproximação temática com o texto de Hebreus: Deus promete abalar não somente a terra, mas também o céu. Nós recebemos um reino inabalável. Retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus de modo agradável, com reverência e santo temor; porque o nosso Deus é fogo consumidor.

6. Sugestão de tema:

ADVENTO É TEMPO DE VIGILÂNCIA.

Vilson Scholz

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TERCEIRO DOMINGO DE ADVENTO

Mateus 3.1-12

16 de Dezembro de 1990

"Naqueles dias" — mais precisamente pelo ano 26 d.C. (Lc 3.1-3), João Batista (Lc 1.5-25 e 57-80) iniciou seu ministério profético em pleno deserto da Judeia (Lc 1.80). Localizado na parte ocidental do Mar Morto, o deserto ocupava cerca de um terço do território de Judá. Era uma região erma, agreste e despovoada.

A temática da pregação era o arrependimento e o anúncio da proximidade do reino dos céus. O arrependimento como transformação do coração e da mente pela pregação da palavra de Deus, e a proximidade do reino dos céus, como concretização da vinda do Messias. Ou seja, o início dos tempos do fim (Jo 18.36).

Como o evangelista escreve a um público de judeus cristãos, não lhe é necessário apresentar João Batista. Os leitores certamente conheciam a história de Zacarias, Isabel e de seu filho João (Lc 1.5-25 e 57-80). Mesmo assim o evangelista através de dois exemplos, quer firmar no coração de seus leitores a convicção da autenticidade profética de João. Identifica João com a profecia de Isaías 40.3. Na Antiguidade era costume os reis em suas viagens serem precedidos por arautos e servos. Aos arautos cabia anunciar a próxima chegada do rei e aos servos limpar as estradas, remover obstáculos e, sendo necessário aplainar colinas, para que o rei e sua comitiva tivessem livre trânsito. Por outro, com a ênfase no arrependimento pela pregação da palavra de Deus, João devia remover injustiças, maldades, vícios, impenitência e nivelar espiritualmente todas as camadas sociais. Em seguida o evangelista se refere ao modo particular de João se vestir (Mt 3.4). A última profecia do Antigo Testamento afirma expressamente que antes da vinda do Messias, seria enviado o profeta Elias (Ml 4.5). O fato de João se vestir como se vestia o profeta Elias (2 Rs 1.8) o identifica com, o profeta. João Batista é o profeta Elias profetizado. Quanto a alimentação, gafanhotos e mel silvestre, mostra sua pobreza e austeridade, e lembra sua condição de nazireu (Nm 6.1-21 e Lc 1.15).

O impacto da pregação foi grande. Tanto que até se comentava que talvez ele fosse o próprio Cristo (Lc 3.15). Assim a população de Jerusalém, da Judeia e circunvizinhança do Jordão, afluía para o deserto onde João pregava e batizava. Uns talvez por curiosidade, outros apenas para acompanhar "a multidão", mas a grande maioria sem dúvida por firme convicção,

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fome e sede da verdadeira palavra de Deus. E assim eram por João batizados. O batismo era um ato de submissão a Deus. Um batismo de arrependimento, conforme diz Paulo em Atos 19.4. O confessar dos pecados fazia parte do ritual do batismo. A lei do Antigo Testamento estabelecia esta confissão' (Lv 5.5; 16.21; Nm 5.7). A confissão é própria dos penitentes (SI 32.5; Xe 9.2,3; Dn 9.20; At 19.18).

O fato de fariseus e saduceus procurarem também o batismo e serem severamente repreendidos, mostra que João conhecia-lhes a intenção. Simples promoção pessoal. Eram na verdade impenitentes. João desmascara-lhes a hipocrisia. Julga-vam-se perfeitos e justos, mas na verdade eram uma "raça de víboras" que com o veneno da injustiça, da maldade, da imoralidade, da impiedade, ajuntavam bens pessoais e desgraçavam o próximo. Mais, a vaidade, a presunção e o orgulho, os haviam dominado tanto que pelo fato de serem descendentes de Abraão (Gn 12), julgavam-se no direito de merecerem o reino dos céus. Assim ridicularizavam o arrependimento. Daí o rigor da advertência de João, "já está posto o machado à raiz das árvores". 0 arrependimento envolve frutos como justiça, amor, misericórdia, e sobretudo fé naquele que há de vir, o Messias.

Assim a pregação de João Batista era cristocêntrica. Ele batizava com água. Mas o Messias irá batizar com o Espírito Santo e com fogo. Uma referência profética ao dia de pentecoste (At 2). E para redimir qualquer dúvida (Lc 3.15) quanto a sua identidade, ele afirma categoricamente não ser o Cristo. Pelo contrário, apenas um humilde servo do Messias, "cujas sandálias não sou digno de levar" (Mt 3.11). Este Messias virá após mim. Ele limpará completamente a sua eira no dia do juízo final (Mt 25.31,32). Então também o trigo, os verdadeiros cristãos, serão recolhidos ao celeiro, ao reino dos céus. Este é o objetivo final do Messias.

Sugestões: 0 ministério profético de João Batista

1. Como precursor do Messias 2. Como anunciador do ministério do Messias

Ou Ou A pregação de João Batista no deserto da Judeia

1. O chamado ao arrependimento 2. O anúncio do batismo do Espírito Santo e com fogo.

Walter O. Steyer

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QUARTO DOMINGO DE ADVENTO

Lucas 1.26-38

23 de Dezembro de 1990

A excelência da criação e da palavra de Deus é cantada na sinfonia "A Criação" de Joseph Haydn com a expressão poderosa das palavras poéticas do Salmo 19, a leitura inicial. Na leitura do AT, o profeta Jeremias anuncia (O tema do domingo pode ser o da anunciação) que o Renovo de Davi, o Salvador prometido, teria várias qualificações: reinará e agirá sabiamente, executará o juízo e a justiça na terra, salvará e proverá se-gurança a seu povo. Até o próprio nome se antecipa: O Senhor, Justiça nossa. Uma profecia genuinamente messiânica. Já a epistola aponta para a alegria que deve anteceder a chegada do Natal. As razões, no entanto, são mais abrangentes: devemos alegrar-nos porque "perto está o Senhor", ainda mais agora, quando aguardamos sua segunda vinda. O condimento para essa alegria é uma vida santificada, que se expressa em moderação, ausência de ansiedade, fervor na oração.

Texto

V. 26-29 — O relato da anunciação do nascimento de Jesus pelo anjo Gabriel, na presente perícope, aproxima o foco, que no contexto se dirigia à família, à própria mãe do menino. Maria era noiva de José, isto quer dizer, comprometida com ele, mas ainda não casada, nem tendo tido relações com ele. O sexto mês é o tempo que conta depois de Isabel haver concebido João Batista. A forma do anjo não é descrita, e deve ter sido a de um homem, de vez que Maria parece não haver se perturbado com sua presença. Perturbou-se, isto sim, com a saudação, ao ouvir a palavra "favorecida". Maria era virgem, (parthénos) desposada, como reforça o texto. A cerimonia judaica de "desposar" realizava-se publicamente, e continha votos que se constituíam no próprio matrimónio, faltando apenas que o noivo se apresentasse, dentro de determinado período, para tomar a noiva, celebrar as bodas, e conviver maritalmente com ela, o que ocorria, normalmente, cerca de um ano mais tarde.

A "casa de Davi" é a família tanto de Maria como de José, e Maria pertencia à linhagem real de Davi. O que importa para o evangelista não é defender, a qualquer custo, a integridade moral de Maria, nem ainda identificar sua linhagem real, mas caracterizar o instrumento humano que Deus usa para fazer vir seu Filho ao mundo para cumprir os planos divinos na des-

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conhecida Nazaré, embora num relacionamento estranho, humanamente falando, mas com nome certo e de família divinamente credenciada.

A saudação com o adjetivo kecharitoménee, com a reduplicação do perfeito, tem a mais forte conotação de presente: ''tendo sido favorecida ou agraciada, ainda permanece nessa condição." A voz passiva indica Deus como agente dessa graça. O anjo saúda Maria como depositária do maior favor Dei, que é o de tornar-se mãe do Salvador. A surpresa de Maria fica por conta do inesperado e, até aí, desconhecido para ela. Nenhum mérito presente ou futuro faz dela mediadora entre os homens e Deus. É serva, para executar a Sua vontade.

Vs. 30-31 — O anúncio, agora especificado, começa a pôr fim ao medo que Maria revelava e que ameaçava interpor-se entre ela e a fé na verdade anunciada. Achaste graça (cháris), sempre recebida, nunca conquistada, anunciada pelo anjo em três cláusulas: conceberás, darás à luz e chamarás pelo nome de Jesus: "ele salvará seu povo dos pecados deles". Maria também necessitava de um Salvador: ela o expressa no v. 47, contra o dogma que faz dela medianeira ("rogai por nós") e distribui- dora de favores, e contra o dogma da "imaculada conceição".

Vs. 32-33 — A descrição da pessoa e obra de Cristo, sumarizada nesses versos, baseia-se em profecias do Antigo Testamento como a de 2 Sm 7.14, que registra a aliança de Deus com, Davi e sua descendência. Qualifica Cristo como Messias (ungido) pa ra reinar "para sempre" (Is 9.6; Dn 7.14; SI 2.7). Embora a linhagem davídica estivesse, na época do texto, relegada a ne- nhuma importância política, uma herdeira dessa dinastia histó rica revive e faz reviver a esperança de glória que sobrepuja as antigas tradições. O título de "Filho do Altíssimo" se lhe acres- centaria gradualmente à sua humanidade, ao desenvolver-se a obra redentora. A Maria se antecipa o necessário conhecimento do filho que lhe nasceria. E ela passa, de perturbada a pensa- tiva; da dúvida à busca; da disponibilidade à alegria efetliva de servir.

Vs. 34-35 — À pergunta de Maria sobre a concepção sem ter havido relações sexuais, o anjo responde quando descreve a concepção milagrosa de Cristo, referindo-se ao poder criador do Espírito Santo, já evidenciado na própria criação do mundo, onde "chocava" as águas para criar a vida. Mateus (1.18) refe-re-se a esse fato dizendo que, sem ter antes coabitado com José, Maria "achou-se grávida pelo Espírito Santo". E João explica a adoção dos filhos de Deus como ocorrendo não "da vontade da carne" ou do desejo sexual, para anunciar em seguida que assim "o Verbo se fez carne" (Jo 1.13.14). Negar a verdade expressa no evangelho com relação à concepção e ao nascimen-

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to de Jesus é, conforme as palavras dele mesmo, errar (Mt 22.29), "não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus". A concepção de Cristo lembra, neste texto, a nuvem que cobriu o tabernáculo (Ex 40.34) com a glória do Senhor, e o Verbo que "acampou" entre nós (Jo 1.14). O significado original do termo "santo" é o de "separado para Deus". Pode-se, pois, com base no SI 89.6,8, traduzir por "ente ou ser divino, celestial, que vem para cumprir a vontade de quem o enviou".

Vs. 36-38 — Isabel era da tribo de Levi (v. 5), e Maria, da tribo de Judá. Só podiam ser parentes por parte de mãe. Em Isabel também se demonstra o poder de Deus, para quem "não haverá impossíveis". Essa afirmação repete Gn 18.14, e, na promessa feita a Abraão, Maria deve ter buscado maior fortalecimento de sua fé. Aí exclama a palavra-chave do texto: como serva do Senhor, "cumpra-se em mim conforme a tua palavra". Creio no que dizes, e estou disposta a obedecer e a cumprir todo o propósito que a graça de Deus espera de mim.

Disposição Homilética

Que se cumpra em mim conforme a tua palavra!

1. Afastando todo o temor causado pelo pecado; 2. Mostrando-me sempre a necessidade de um Salvador; 3. Reforçando a minha fé nas promessas gloriosas de Deus; 4. Idispondo-me sempre a servir com dedicação a Deus e ao

próximo.

Elmer Flor

NATAL — NASCIMENTO DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO

Lucas 2.1-20

25 de Dezembro de 1990

1) Assunto geral das perícopes: Como não poderia deixar de ser, neste dia de Natal a tónica é a alegria pelo nascimento do Salvador! O Salmo 98 diz: "Cantai ao Senhor um cântico novo... O Senhor fez notória a sua salvação... Lembrou-se da

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sua misericórdia e da sua fidelidade" . O profeta Miquéias fala do lugar — Belém Efrata — de onde "me sairá o que há de reinar em Israel". Hebreus diz que Deus "nos falou pelo Filho,... que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser". E o evangelista Lucas relata a alegria do nascimento do Filho de Deus: "eis aqui vos trago boa nova de grande alegria,...: é que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor".

2) Contexto: Herodes era o rei da Judeia. Um anjo apareceu ao sacerdote Zacarias para anunciar-lhe que sua mulher, Isabel, ganharia um nené, apesar de serem casal velho. Esta criança nasceu e acabou recebendo o nome predito pelo anjo: João (= graça ou favor de Deus). O mesmo anjo Gabriel, seis meses depois de ter falado a Zacarias, foi enviado da parte de Deus, para Nazaré a falar para Maria, que ela seria a mãe do Salvador. Maria foi visitar Isabel e entoou um cântico. Depois nasceu João Batista e Zacarias também entoou um lindo cântico. E então Lucas narra o nascimento de Jesus.

3) Texto: Vers. 1-5: César Augusto publica um decreto que obriga toda a população do império (não só a da Judeia!) a recensear-se. Lucas ressalta que foi o primeiro recenseamento. Quirino governava a Síria. Cada qual ia à sua cidade natal para recensear-se. Isto levou José a dirigir-se de Nazaré, Galileia, para Belém, na Judeia, porque era um descendente do rei Davi, a fim de alistar-se ali com Maria sua esposa que estava grávida, esperando pelo nascimento do "Filho do Altíssimo" (Lc 1.32). Assuntos que podem ser ampliados são: o recenseamento, a geografia da Terra Santa e a história do rei Davi.

Vers. 6, 7: Enquanto estavam em Belém, deu Maria à luz o seu filho primogénito e unigénito Filho de Deus. Não tendo obtido lugar na hospedaria, Maria teve de deitar o Menino numa manjedoura. Destaques: verdadeira humanidade de Jesus e sua humildade, Fp 2.5-11.

Vers. 8-14: Pastores que guardavam seu rebanho durante a noite vêem um anjo do Senhor descer até eles e ficam envoltos pelo brilho da glória do Senhor. Ficam muito atemorizados; mas o anjo lhes fala: "Não temais: eis aqui vos trago boa nova de grande alegria; o será para todo o povo; hoje vos nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor". 0 anjo ainda informa onde e como achar o Menino, sendo que, subitamente, uma multidão de anjos juntou-se a ele e louvaram a Deus dizendo o Gloria in excelsis Deo. Assuntos que podem ser ampliados: Como eram os pastores daquele tempo; o serviço evangelístico dos anjos

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nessa ocasião (é agora o serviço dos cristãos!); Jesus deitado na manjedoura (!); paz entre Deus e os homens, II Co 5.18,19.

Vers. 15-20: Os pastores reagem às palavras do anjo, depois que os anjos se ausentaram deles: "Vamos até Belém e vejamos os acontecimentos que o Senhor nos deu a conhecer". Os pastores viram e divulgaram. Foram evangelizados pelos anjos e agora eles evangelizam seus semelhantes! Todos, os ouvintes ficaram admirados. Maria meditou e guardou todas estas palavras no coração dela (convém analisar bem os verbos synte-léo e symbállo = bewahren, zusammentragen). Os pastores voltaram "glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto".

4) Disposição: Tema: HOJE VOS NASCEU O SALVADOR

I — Louvai-o com os anjos e II — Divulgai-o como os pastores.

ou

NÃO TEMAIS

I — Vos trago boa nova de grande alegria II — Vos nasceu o Salvador que é Cristo, o Senhor.

Curt Albrecht

PRIMEIRO DOMINGO APÓS NATAL ■

Lucas 2.25-38

30 de Dezembro de 1990

Ênfase

Os textos das perícopes apontam para um só alvo: Jesus! Mas Jesus é visto sob dois ângulos diversos e revela causas e consequências diferentes: a) o Natal de Jesus é prova da benignidade, da misericórdia e das grandes obras de Deus em favor da redenção dos pecadores; b) o Natal de Jesus traz felicidade, gratidão e testemunho aos que conheceram o milagre da redenção de Belém. Resumindo a ênfase: o menino Jesus destaca o amor de Deus e provoca júbilo aos salvos.

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Contexto

Está claro e é de fácil assimilação. O Evangelho do domingo apresenta duas personagens — Simeão e Ana — que se encontram e confessam a Jesus quarenta dias após o "ela deu à luz o seu filho primogénito" (2.7), quando a Criança é levada a Jerusalém e "apresentada ao Senhor" (2.21-24).

Texto

Os anjos já haviam cantado o seu Glória in excelsis; Mana, o seu Magnifcat; Zacarias, o seu Benedictus; e, agora, na primeira parte do Evangelho, Simeão canta o seu nunc dimittis: "Agora, Senhor, despede em paz o teu servo... porque os meus olhos já viram a tua salvação..." Este cântico é entoado no templo do Senhor enquanto "o homem justo e piedoso" (v. 25) segura em seus próprios braços e aperta contra o seu peito o maior presente de Deus: o Emanuel! Nossa tentação é trabalharmos mais sobre este primeiro bloco (v. 25-35) do Evangelho. Mas sendo bastante conhecido, vamos examinar mais de perto a segunda parte — menos "considerada ou prezada".

Além do idoso Simeão, também uma senhora idosa encontra-se no templo em Jerusalém — a viúva Ana. Está com 84 anos. Mas "não deixava o templo". Era profetisa, como o foram Débora (Juízes 4.4), Hulda (2 Reis 22.14) e outras. 0 sacerdócio/ministério é uma instituição "normal" e contínua de Deus na igreja; a profecia, porém, é um chamado "especial" de Deus para uma missão específica por tempo limitado.

Ana encontrava-se no templo por uma vida inteira. Mas para quê? com que finalidade ou objetivo? que queria e fazia aqui na casa do Senhor? De suas diversas atividades ou condutas, queremos nos deter nestas:

— Adorar: dada a riqueza do termo latreúoo lembramos alguns conceitos: servir ou trabalhar para ser remunerado (salário) pelo patrão; servir alguém com o objetivo de expressar sua gratidão por favores recebidos; "prestar honra, louvor e gratidão ao benfeitor"; servir ao Senhor, adorando e glorificando o seu nome (Jo 16.2; Rm 9.4; Hb 9.1). Lembramos duas palavras ale-mãs que mais se aproximam ao sentido do termo grego: Gottesdienst, Gottesverehrung;

— Orar (déesis): é o termo mais genérico para descrever todo tipo de oração que o filho de Deus dirige a Deus: pedidos, agradecimentos, com a diversidade do que diz

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Paulo: "... use a prática de súplicas, orações, intercessões, ações de graça" (Rm 10.1; Ef 6.19; Fp 1.4; 2 Tm 1.3);

— Agradecer (anthomologéomai); termo que pode significar: dar ações de graça, (ato contínuo), agradecer, louvar, confessar, dar, em voz alta e em público, um testemunho de honra, respeito e louvor a um senhor; bendizer, como confissão de fé, o nome do Senhor;

— Falar (laléoo): apesar dos muitos sentidos do termo, neste texto vem como sinónimo de "falar o que está cheio o coração", de gritar algo de bom, testemunhar como "pessoa ou profeta de Deus" (At 3.24; Tg 5.10; 2 Pe 1.21), comunicar, anunciar, revelar, pregar, proclamar "boas novas da salvação";

— Redenção (lútroosis): termo que expressa o fato de comprar para libertar; pagar o preço do resgate; resgatar e redimir; Cristo, o Redentor que trouxe a redenção (At 7.35; 1 Pe 1.18; Tt 2.14).

Disposição

A serva do Senhor vivia na casa do Senhor

I — Para adorar e servir o Senhor II — Para orar e honrar o Senhor

III — Para agradecer e louvar o Senhor IV — Para falar e testemunhar do Redentor.

Leopoldo Heimann

EPIFANIA DE NOSSO SENHOR

Mateus 2.1-12

6 de Janeiro de 1991

A. Assunto Geral

Epifania significa "manifestação". É o ciclo que fala da revelação do Filho de Deus na carne. A data de 6 de janeiro foi fixada no oriente no 3º século para comemorar o nascimento de

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Jesus, seu batismo no Jordão, a aparição da estrela e adoração dos magos, bem como, em alguns casos, sua primeira manifestação com o milagre em Cana da Galileia.

B. Contexto

A oitava de Natal que inclui a circuncisão de Jesus, celebrada no Ano Novo, passou. Entre o período de Natal e a Epifania há uma grande correlação, porque a igreja oriental celebrava o Natal no dia de Epifania. Mais tarde a igreja do ocidente começou a celebrar o seu próprio dia do Natal no dia 25 de dezembro. Epifania, como um segundo festival, foi aceito no 4º século por ambas as igrejas. A ênfase foi dada à visita e adoração dos magos. Como Cristo veio no Natal "aos seus" que não o receberam, Epifania é sua manifestação ao mundo todo, simbolizado pelos magos do oriente. Assim os luteranos também adotaram Epifania como um festival de missão mundial. Luz é o tema das orações de Epifania, lembrando a estrela que guiou os magos a Jesus. Hoje a luz da fé guia: pelos olhos da fé podemos ver o Rei. É o final do advento em que o Rei Messias é apresentado às nações. É lembrada a parusia final em que o Rei se manifestará em glória. O Intróito usa o salmo 72, o salmo Real ou salmo dos 3 reis, em que se menciona o tributo e a adoração de reis (vers. 10 e 11). A resposta dos reis é alegria, adoração e louvor pela manifestação do

Senhor: há luz e presentes (Is 60.1-6).

C. Texto

V. 1 — Jesus nasceu em Belém da Judeia. Mateus enfatiza que é na Belém, cidade de Davi, pois a Escritura diz que o Cristo seria da descendência de Davi (Mq 5.1-14; Jo 7.42). Era no tempo de Herodes o Grande (37-4 AC), que deve ser distinguido de outros Herodes mencionados na Escritura. (Herodes Antipas era seu filho e foi tetrarca da Galileia e Peréia de 4 AC a 39 AD; este casou com Herodias, sua cunhada, e matou João Batista; Pilatos lhe enviou Jesus. Herodes Agripa I é neto do primeiro, foi rei na Judeia de 37 a 44 AD; matou Tiago e pôs Pedro na prisão; um anjo o matou. Herodes Agripa II, seu filho, foi também rei da Judeia; Paulo se defende diante dele.) Herodes o Grande era idumeu, não judeu. Era sem moral, matando a esposa, 3 filhos, a sogra, cunhado, tio, além das crianças de Belém. Construiu muitos teatros, anfiteatros, monumentos, altares pagãos, j fortalezas; inclusive fez a reconstrução do templo de Jerusalém, iniciado no ano 20 AC e terminado em 64 AD. — A origem dos magos do oriente continua um enigma. Oriente pode ser Arábia (de Sabá, SI 72.10; Is 60.6), Mesopotâmia, Babilónia, Pérsia, on-

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de havia muitos israelitas na diáspora e que permaneceram no exílio. Daniel se torna chefe dos magos (Da 2.48,49), junto com Sadraque, Mesaque e Abed-Nego. A religião do Messias de Judá foi propagada na diáspora através das sinagogas. Havia muitos prosélitos gentios. Pedro faz, talvez, suas viagens missionárias para a Anatólia (na Ásia Menor, junto ao Mar Negro; 1 Pe 1.1) e à Babilónia (1 Pe 5.13). Pedro talvez foi evangelizar depois a diáspora a que pertenciam os magos. Mas os magos poderiam ter sido também da diáspora de onde veio a rainha de Sabá no tempo de Salomão. Os presentes que trazem são encontrados na Arábia (Iemen de hoje) e negociados no mundo todo, importados talvez da índia, do Sudão e da própria Arábia. Os magos foram mais tarde contados como 3 por causa dos presentes. Eram tidos por reis por causa do SI 72.10 e Is 60.6 (texto de Epifania). Só no séc. 8 surgiram nomes para eles: Melquior, Baltasar, e Gaspar (negro). O Venerável Beda os considerava representantes de Europa, Ásia e África. No séc. 4 levaram relíquias de seus supostos ossos de Constantinopla para Milão, e no séc. 12 de Milão para Colónia, onde ainda são venerados na Alemanha.

V. 2 — A pergunta dos magos afirma: Nasceu o Rei dos judeus! Nós recebemos esta certeza (de Deus): Onde está? Já está em Jerusalém? Sua referência ao "rei dos judeus" pode sugerir que eram gentios, mas que vieram para adorar o "deus-rei" (Jr 23.5; Zc 9.9; Mt 27.11; Jo 1.49). Mesmo que pudesse haver uma identificação da estrela no sistema solar, ela era carregada de revelação divina. Nm 24.17 fala da estrela que pro-cederá de Jacó. II Pe 1.19 menciona a estrela da alva que nasce nos corações. São alusões ao Cristo que Zacarias identifica como "o sol nascente das alturas" (Lc 1.78).

Vv. 3-6 — Os sacerdotes e escribas sabiam do Messias e onde devia nascer. Identificam o "rei" com o Cristo da profecia de 7 séculos antes (Mq 5.2).

Vv. 7-12 — Herodes está interessado no tempo exato para calcular a idade das crianças que manda matar (v. 16). Haviam passado menos de dois anos desde o nascimento. Não sabemos quanto. Do v. 11 se nota que, contrário à tradição, já não se encontrava na manjedoura, mas numa casa. Interessante é que Mateus sempre menciona primeiro a criança, depois sua mãe (vv. 11, 13, 14, 20, 21). — Os presentes são importantes, mas comuns na época. Não provam que eram de reis. Talvez fossem de fácil venda para reforçar o sustento da família. Talvez o precisassem na fuga para Egito (v. 13). A mirra é resina de terebinto que, misturado com óleo de oliva, dá perfume que era usado por noivos e noivas. Perfumavam-se roupas, camas, liteiras. Misturada com vinho dava bebida inebriante. Misturada com aloés servia para embalsamar os mortos. Também é ingre-

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diente do óleo da unção sacerdotal (Ex 30.22-33). Ouro é conhecido: podiam ser moedas ou jóias. Incenso é resina de arbusto oriundo de Sabá e servia para queimar em atos religiosos, lembrando a oração.

D. Disposição

Epifania é a festa da manifestação do Messias/Cristo aos povos do mundo. A ênfase é a missão mundial.

A ADORAÇÃO DOS MAGOS

1. São guiados pela luz a. a estrela especial de Deus b. a luz que é Cristo c. a fé que ilumina.

2. Trazem seus presentes a. ouro, incenso, mirra b. presentes que promovem nossa adoração c. nossa participação na missão mundial

— nosso espírito voluntário pela fé — nossas contribuições: pessoas e valores — trazer pessoas a Cristo e vida eterna: nossa diáspora.

Martim C. Warth

PRIMEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA

Mateus 3.13-17 13 de Janeiro de 1991

O advérbio tóte é uma característica do evangelista São Mateus. Significa "então" ou "em seguida" e estabelece imediata conexão com o que precede (cf. 2.7, 16.17). Nesta perícope lote resulta que o episódio do batismo de Jesus ocorre precisamente num momento de conscientização geral do pecado e de uma mudança ética e moral emergentes da pregação e batismo para arrependimento de São João Batista. "Então", "em seguida", com o caminho aberto, a auto-estrada preparada, desoculta-se o Rei e vem manifestar-se ao mundo.

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Mas, a manifestação do Rei é também a manifestação do Cordeiro de Deus. É a revelação e a epifania do Poder e da Glória encarnados mas também a antecipação da Sua paixão e morte. O batismo de Jesus é um protótipo do batismo maior a que Ele irá submeter-se no Calvário. Seu batismo é Seu primeiro passo para a cruz, como Marcos 10.38 e Lucas 12.50 claramente o atestam.

A relutância de São João Batista em batizar Jesus, é um dos maiores tributos que se presta a Cristo. Tecnicamente São João era segundo primo de Jesus. Certamente conhecia bem Sua pessoa. Sabe que Ele é o Messias (3.11-12) como sabem também que Ele não se enquadra no esquema da necessidade que o ser humano tem de arrependimento e remissão de pecados. Na expressão ego chreian, "eu é que preciso", o pronome no iní-cio da cláusula está em. posição enfática e ressalta o valor e a necessidade do batismo para São João, para a humanidade, para nós.

O vers. 15 dá a razão para o batismo do Messias, ou seja, para "cumprir toda a justiça". A expressão tem sido objeto de debate mas, partindo-se do fato que São João prega a ira de Deus sobre todos os homens, dikaiosijne provavelmente tem aqui sentido salvífico, redemptivo (cf. a Leitura do Antigo Testamento e o sentido de mishpat nos vers. 1, 3 e 4, que a Almeida Revisada traduz pelo sentido ambíguo de "direito").

No batismo de Cristo, cujo ritual não é descrito, todas as Pessoas da Trindade estão visíveis ou audíveis aos olhos ou ouvidos humanos, É a única vez em que o Espírito Santo se apresenta "em forma corpórea" (Lc 3.22) como pomba. Na oferta pela culpa (Lv 5), a pomba é um animal que pode ser oferecido cm sacrifício pelo filho de Deus (cf. Lc 2.24). Quando o povo ouve falar em pomba (assim como também em cordeiro), sua mente se lisa ao sacrifício. Esta é outra evidência de que a unção de Cristo era uma unção não apenas para a pregação como também para a morte redemptiva e vicária (cf. o Salmo de hoje, especialmente o vers. 7b). Cristo está destinado à morte e os céus O coroam com poder para essa morte. É assim que "Cristo... pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem má-cula a Deus" (Hb 9.14). Desta forma, e por essa razão, "Fomos sepultados com ele na morte pelo batismo" (Rm 6.4).

O versículo 17 sumariza duas passagens do Antigo Testamento, uma dirigida ao Rei Ungido a quem Yahweh constitui sobre o Seu santo monte Sião (SI 2.6-8); a outra dirigida ao

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Servo a quem o SENHOR faz mediador da aliança e luz para os gentios (cf. a Leitura do Antigo Testamento).

Sugestão de tema:

FOMOS BATIZADOS COM CRISTO

Acir Raymann

SEGUNDO DOMINGO APÔS EPIFANIA

João 2.1-11 20

de Janeiro de 1991

O contexto

Após apresentar o personagem central do seu Evangelho, "o Verbo que se tornou carne" (1.14) e após haver relatado o testemunho de João Batista a seu respeito e a escolha dos primeiros discípulos, o evangelista João apressa-se em provar que Jesus "é o Cristo, o Filho de Deus" a fim de que as pessoas crescem nele, fato que constitui o objetivo de seu Evangelho (20.31). "Incredulidade" e "fé" é o tema que perpassa o Evan-gelho de João. Incredulidade e rejeição de um lado, por parte das autoridades, escribas, sacerdotes, fariseus e saduceus, e de outro lado fé da parte dos discípulos e de um segmento do povo. A tónica do Evangelho de João em torno da questão "crer" e "não crer" em Jesus, pode ser constatada ao se consultar a "Concordância Bíblica". Neste Evangelho existem quase tantas referências do verbo "crer" quanto nos demais livros do Novo Testamento juntos.

O texto

As palavras de Jesus "Mulher, que tenho eu contigo" (v. 4) parecem ser ásperas. Não conhecemos, porém, o tom com, que foram proferidas. Provavelmente com ternura. A mesma expressão "Mulher" Jesus usou na cruz, ao dirigir-se a Maria, dizendo-lhe que o apóstolo João passaria a ser considerado seu filho (19.26). O que Jesus quis em Cana, foi desfazer qualquer impressão como se ele precisasse receber ordens ou diretrizes de seres humanos, nem mesmo de sua mãe. Ele somente cumpria

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ordens de seu Pai celeste, fato muitas vezes mencionado por João (1.9,36; 10.18,25,38; 12.49,50; 14.24,31; 18.11).

Quanto à observação segundo a qual o motivo que levou Jesus a fazer o primeiro sinal ter sido irrelevante, podemos dizer que, conforme alguns autores, no Oriente, a reciprocidade era um elemento de grande importância. Era permitido processar uma pessoa se não levasse um presente para os noivos. Mas isto significava também que, no caso de faltar alimento e/ou bebida, o noivo e sua família podiam ver-se em apuros com a justiça. Não tratava-se, pois, em Cana, de um simples embaraço social. Diante deste fato, o vinho feito por Jesus, cresce em importância.

Com este sinal Jesus "manifestou a sua glória" (v. 11). A ênfase está no "dar". Em favor de pessoas humanas que se encontram numa situação embaraçosa, é que Jesus se manifesta solidário e compassivo. Jesus sempre encontra o ser humano em suas dificuldades e providencia a melhor saída (vv. 3.10). Em Cana a solução foi a melhor possível, tanto em qualidade (v. 6) como em quantidade (v. 10). Diríamos, em linguagem popular, que Jesus fez vinho "para ninguém botar defeito".

A manifestação da glória de Jesus por este sinal (v. 11) consiste, acima de tudo, na demonstração de seu propósito de salvar o pecador. Toda a humanação de Cristo e tudo o que realizou como substituto dos pecadores, manifesta a sua glória (Rra 3.22-24) a qual será revelada em sua total significação na bcm-aventurança.

A perícope termina com as palavras: "E seus discípulos creram nele" (v. 11). Os discípulos estavam ali, com Jesus, porque haviam reconhecido, mesmo sem terem visto um sinal, que Jesus era o Cristo. No casamento em Cana, esta fé foi fortalecida, "ele, de fato, é o Messias"! A fé precisa desta realimenta-ção. Sempre que ouvimos, na Escritura, a respeito da atuação de Jesus, (tudo o que ele realizou foi em favor da salvação dos pecadores), nossa fé recebe nutrimento.

Disposição

Em Cana da Galileia Jesus inicia a fazer sinais.

Através deste fato

I — A sua glória é manifestada. II — Os seus discípulos são fortalecidos na fé.

Christiano Joaquim Steyer

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TERCEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA

Mateus 20.1-16

27 de Janeiro de 1991

Para a correta compreensão da parábola dos trabalhadores na vinha, é preciso analisar o contexto (Mt 19.16-30). A aparente preocupação do jovem rico era a vida eterna (Mt 19.16). Na verdade julgava-se perfeito e portanto merecedor da vida eterna. Chega a desafiar a Jesus, "que me falta ainda?" (Mt 19.20). Jesus aceita o desafio, e aponta-lhe sua imperfeição (Mt 19.21,22).

O comentário adicional de Jesus deixa os discípulos perturbados (Mt 19.23-26). O entrar no reino dos céus parecia-lhes difícil (Mt 19.25). Preocupam-se assim com a própria salvação. Lembram que eles haviam aceito o chamado de Jesus (Mt 4.19). Chegaram a abandonar sua profissão, seus barcos, suas redes, para seguirem o Mestre. A dúvida de Pedro, "que será, pois, de nós?" (Mt 19.27) é muito semelhante a do jovem rico, "que me falta ainda?". Jesus dá sua resposta em Mt 19.28-30. E para ilustrar a questão do reino dos céus, como "alcançar a vida eterna?" Jesus conta a parábola dos trabalhadores na vinha.

Convém esclarecer que esta parábola não pode ser citada como fonte bíblica para o estabelecimento de leis salariais, jornada de trabalho ou relacionamento entre patrão e empregado, pelo simples fato de não tratar destes assuntos sociais.

Também convém lembrar que a Judeia estava sob o domínio romano. E os discípulos estavam imbuídos do espírito nacionalista da época. Todos ansiavam pela restauração do trono davídico. Os judeus não admitiam o domínio estrangeiro, julgavam-se superiores aos, demais povos, por serem o povo eleito de Deus. Assim também no que dizia respeito a entrada no reino dos céus, julgavam-se com prioridade e maiores direitos que os gentios. Não que simplesmente excluíssem os gentios, pois permitiam-lhes a circuncisão, mas por serem "descendentes de Abraão" exigiam privilégios e sobretudo merecedores pelo cumprimento da lei. A parábola é assim um esclarecimento quanto a este pensamento egoísta. Daí a ênfase de Jesus, "os últimos serão primeiros, e os primeiros serão últimos" (Mt 20.16 le Mt 19.30).

Afinal Deus é o dono da casa. Ele estabelece as leis. É época da colheita. Está preocupado com sua vinha. O mundo precisa ser salvo. O mundo precisa ouvir o evangelho. A colheita não pode esperar. Por isto ele sai de madrugada para

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contratar trabalhadores. Já em pleno jardim do Éden, Deus anunciou a vinda do Messias (Gn 3.15). E o empenho pela contratação de trabalhadores constatamos através de toda a Escritura (Is 6.8; Jr 7.25; Mt 28.19,20; At 1.8). A contratação de trabalhadores tem por objetivo fazer a colheita na vinha. Não há tempo a perder. Até a undécima hora o dono da casa sai ainda a contratar trabalhadores. O trabalho missionário deve ser mantido e intensificado até o soar da última trombeta, anunciando o ocaso do dia, do juízo final (Mt 16.18; 1 Ts 4.16). O empenho de Deus para com a sua vinha é total (1 Tm 2.3,4; Tt 2.11).

O fato de alguns murmurarem do pagamento igual a todos os trabalhadores indistintamente, apesar de serem contratados em horas diferentes, refere-se justamente contra o pensamento erróneo de merecimento pessoal para entrar no reino dos céus. O texto ataca a inveja e o ciúme dos judeus em serem igualados aos gentios na entrada do reino dos céus. Os gentios, para os judeus, diríamos hoje, seriam "reservistas de segunda a terceira categoria". É a mesma inveja do irmão mais velho do filho pródigo, quando este foi perdoado pelo pai e aceito novamente na família (Lc 15.25-32). No entanto todos são considerados iguais na entrada para o reino dos céus. Não há distinção de raças ou povos. Deus não faz discriminação. Independe de alguém ser contratado (convertido) nas primeiras horas do dia {infância), ou na undécima hora (no ocaso da vida) como o malfeitor na cruz (Lc 23.40-43). A entrada no reino dos céus, a salvação, não depende do número de anos, dias ou horas, mas do fato de ser contratado (convertido) pelo dono da casa (Deus triúno). Uma vez que todo contrato depende da misericórdia, da compaixão, do amor do dono da casa para com os trabalhadores.

Sugestão.

Como alcançar o reino dos céus

1. Não por méritos próprios 2. Mas pela graça e misericórdia de Deus.

Walter O. Steyer

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QUARTO DOMINGO APÓS EPIFANIA

Lucas 8.4-15

03 de Fevereiro de 1991

Assunto

As leituras do dia deixam claro o tema do domingo: a semeadura da palavra e qual a reação do solo diante da mesma. O Salmo 126 lembra que todo o esforço e as dificuldades encontradas durante a semeadura, serão suplantados pela alegria e o júbilo da colheita (V. 5, 6). A Palavra do Senhor não voltará vazia (Is 55.10,11). Um planta, outro rega, mas o crescimento vem de Deus (l9 Co 3.6). Amos (8.11,12), por sua vez, adverte sobre a fome da Palavra, quando muitos sentirão necessidade de ouvi-la, sairão à sua procura, mas ela já não será mais encontrada (Cf. Ez 7.26 e 20.3). O próprio Jesus quis reunir o povo de então para anunciar-lhes a Palavra, mas eles não quiseram (Mt 23.37). O texto de Hebreus 4.12,13, afirma que a Palavra de Deus é viva e extremamente eficaz (Cf. Jr 23.29) e diante dela, nada ficará oculto. Ela é poder de Deus (Rm 1.16) e pode tor-nar o homem sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus (2? Tm 3.15).

Contexto

A parábola do semeador, também registrada em Mt 13.1-23 e Mc 4.1-20, aparece nestes evangelhos com um contexto diferente, ou seja, inserida num bloco de parábolas. Em Lucas, o contexto está intimamente relacionado com o texto, especialmente no que se refere ao tema: a Palavra. O versículo 18 alerta: "vede, pois, como ouvis" (Cf. V. 8 e 12-15). E Jesus lembra que seus irmãos são os que ouvem a Palavra de Deus e a praticam (V. 21). Foi por meio da palavra que Jesus acalmou a tempestade no lago (V. 24, Mc 4.39); expulsou o espírito imundo (V. 29) e curou a filha de Jairo (V. 54). Convém ainda ressaltar, que os doze foram convocados e enviados por Jesus para pregar o reino de Deus (Lc 9.1,2), ou seja, a Palavra.

Texto

A fama de Jesus tinha se espalhado tão rapidamente que pessoas de todas as cidades e povoados vinham ter com ele (Lc 8.4). Desta feita, eles o encontram à beira mar (Mt 13.1) e Jesus utiliza um barco como púlpito (Mt 13.2 e Mc 4.1) a fim de alcançar a todos com sua mensagem.

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Jesus fala sobre os mistérios do Reino de Deus por meio de uma parábola, a do semeador. A comparação apresenta quatro tipos de solo e como estes reagem à semente, à Palavra de Deus (Lc 8.11). O primeiro tipo de solo são aqueles ouvintes que estão à beira do caminho, são ouvintes somente. Não há nenhuma oportunidade de a Palavra iniciar uma influência salvífica neste caso. A semente foi lançada no coração, mas antes que os ouvintes possam crer e ser salvos, o diabo arrebata-lhes do coração a palavra.

O segundo, são todos aqueles ouvintes que têm apenas uma capa, uma cobertura superficial de cristianismo. Para estes, a religião é um mero incidente em suas vidas, são capazes de mudar sua confissão (de fé) assim como mudam suas roupas. Não há um conhecimento doutrinário profundo e suas raízes não estão firmemente ligadas à Escritura.

O terceiro, são aqueles ouvintes em cujos corações a semente encontra um lugar próprio e adequado para se instalar. Porém, a preocupação com as riquezas e os prazeres da vida, os sufocam, não permitindo que sua fé "preocupada" produza frutos maduros. Gradativamente, o amor ao dinheiro e aos prazeres do mundo vão se instalando, até que a última centelha de fé seja extinguida, de forma quase imperceptível.

Somente o quarto e último grupo de ouvintes, cujos corações foram devidamente preparados pela pregação da lei, recebe a semente adequadamente. A palavra que ouviram, eles a retiveram em seus corações e a ela se apegaram firmemente e desta forma puderam produzir frutos agradáveis a Deus, com perseverança.

Como o próprio Jesus explica (V. 9-15), o Reino de Deus não vem a este mundo de uma forma espetacular, mas vem numa palavra simples e frágil, que pode ser pisada e devorada (V. 5), queimada (Mt 13.6; V. 6) e ainda, sufocada (V. 7). Mas este "fracasso" da palavra indica que o problema está no solo, e não no semeador, ou mesmo na semente. O homem é responsável quando confrontado com a Palavra de Deus e culpado quando deixa de aceitá-la. Contudo, há um aviso muito claro no fim desta parábola "quem tem ouvidos para ouvir, ouça" (V. 8) (Cf. Mt 22.4,6 e 23.37; At 7.51).

Disposição

O texto, de certa forma, favorece uma disposição natural, quando fala dos quatro tipos de solo e a reação do mesmo em

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relação à semente que foi semeada. Uma sugestão de tema poderia ser:

QUE TIPO DE SOLO TEMOS SIDO.

Ely Prieto

A TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR

ÚLTIMO DOMINGO APÓS EPIFANIA ■

Lucas 9.28-36

10 de Fevereiro de 1991 Leituras

A leitura do salmo desta festa cristã descreve a alegria e felicidade do crente quando presente ao tabernáculo, que era uma tenda, quando o salmo foi escrito. A casa de Deus é comparada ao ninho que acolhe os filhotes, ao manacial que sacia a sede, à porta que abriga o morador e o visitante, e acentua a bênção da presença do crente junto a Deus. A leitura do AT igualmente enfatiza o alto valor do sangue expiador que sela a aliança de Deus com os que viram a sua face e desfrutam de sua glória. Na Epístola, o apóstolo Pedro, testemunha ocular da majestade de Deus, lembra a transfiguração que vivenciou, e como Jesus recebe do Pai honra e glória, repetindo a frase: "Este é o meu Filho amado..."

Texto

Vs. 28-31 — A doutrina bíblica da divindade de Cristo expõe claramente o fato de que Deus só pode ser achado em Cristo, e que não se encontra necessariamente com o homem em tabernáculos, templos ou montes santos. Esta última é uma visão bitolada e até mesmo supersticiosa de como encontrar-se com Deus. A busca do homem sempre será vã e enganosa. É Deus quem prepara a cena e é ele quem promove o encontro. "O propósito de orar" foi cumprido com sobras, pois o encontro de Jesus e seus discípulos com dois personagens cúlticos do AT veio confirmar a sua divindade na presença de testemunhas: Moisés, no monte Sinai, recebeu os Dez Mandamentos e viu a glória de Deus "como quem vê aquele que é invisível" (Hb 11.27);

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Elias, no monte Carmelo, edificou um altar e desceu fogo do céu para confirmar o seu sacrifício.

"A aparência do seu rosto se transfigurou" — O rosto de Jesus assumiu um brilho celestial que não se pode definir em linguagem humana, mas que o identificou com a pessoa de Deus (cf. Ap 1.13 ss). A plenitude da divindade que habitava corporalmente em Cristo (Cl 2.9) brilhou nessa hora através dè sua natureza humana. "Falaram de sua partida" — o corpo glorioso da ressurreição, presente em Moisés e Elias, foi tema de conversa, provando a ressurreição de Cristo e a de todos os crentes. Moisés e Elias representavam a lei e os profetas, respectivamente, e havia uma tradição entre os judeus de que ambos apareceriam nos dias do Messias. Entregam nas mãos de Jesus os ofícios e o poder que exerceram como seus predecessores e protótipos. Cristo passa a ser reconhecido pelos discípulos como o fim da lei e o principal tema das profecias proféticas. Na morte de Jesus, assunto do encontro, cumprir-se-iam todos os ritos, cerimónias e sacrifícios da lei, bem como as predições dos profetas. A sua morte teria um cunho especial, no que tange à sua natureza, circunstâncias e necessidade. Era um êxodo, termo usado uo original, significando uma nova e final libertação do seu povo escolhido.

Vs. 32-33 — Lucas destaca o confronto entre o estado de sonolência dos discípulos com sua lucidez ao assistirem, à transfiguração. Não foi sonho ou fantasia, mas o olho físico e atento das testemunhas comprova o fato. Eles viram a glória de Cristo e de seus dois convidados. Da sensação de temor inicial passam à de felicidade, a ponto de Pedro propor que a cena se prolongasse e, expressando que "bom" era estar ali, deseja construir três tendas. Há intérpretes que vêem nestas três tendas os três ofícios de Cristo que vêm habitar entre os homens: a presença profética, a missão sacerdotal e a glória real de Jesus, o Messias e Ungido. Há também uma confirmação da íntima unidade do Antigo e Novo Testamentos: os representantes do AT vêm para consagrar o Messias que anunciaram, e sua morte redentora. Tudo está por se cumprir.

"Bom é estarmos aqui!" — Pedro tem aqui um arroubo sentimental que um humano pode ter quando desfruta antecipadamente uma grande alegria espiritual. Renegando o mundo, ele se satisfaz na companhia do Salvador e de seus eleitos, um antegozo da felicidade celeste.

Vs. 34-36 — Uma nuvem: símbolo da graciosa presença de Deus (Ex 40.34) e idêntica à nuvem que encobriu Cristo na sua ascensão e à que envolverá o Senhor Jesus na sua segunda vinda (Mt 24.30). Tinha a função de separar os discípulos da visão momentânea de Cristo, e ao mesmo tempo de separá-los do

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mundo profano. Esta experiência os encheu de medo, que resultou dessa aproximação da glória do Filho de Deus.

Uma voz: A primeira "voz" que se fez ouvir no NT foi a de João Batista, rejeitada pelos líderes da igreja judaica. A oportunidade se renova, e os três discípulos representam a ekkleesía, os que são chamados e escolhidos como testemunhas dessa afirmação messiânica.

"Ouvi": o "shemá" (ouve!) da confissão de fé do povo do AT, registrado em Dt 6.4, se repete com a identificação do Filho humanado deste único Senhor, o Messias e Cristo. É um atestado divino da obediência devida à voz e à palavra de Deus que se tornou audível e se humanou em Cristo.

"A ninguém contaram": É uma referência estranha, por esperar-se que todos deveriam ficar sabendo da revelação que haviam recebido. As pessoas e os outros discípulos não estavam ainda preparados para aceitar essa revelação, que certamente causaria inveja, dúvidas ou esperanças terrenas entre eles. 0 objetivo desta experiência foi o de atrelar esses três discípulos as realidades sobreterrenas, para depois permitir que descessem com segurança aos meandros da tentação e dos perigos que os envolveriam como testemunhas do Salvador.

■ Disposição Homilética

Mestre, bom é estarmos aqui! 1. Para que vejamos a tua glória 2. Para que louvemos o teu nome 3. Para que façamos a tua vontade.

Na transfiguração do Senhor, seus crentes devem reconhecer: 1. A unidade e conexão da antiga e da nova aliança de Deus 2. A presença, entre eles, dos reinos da graça e da glória 3. Seu corpo terreno e a glória a ser neles revelada.

Elmer Flor

QUARTA-FEIRA DE CINZAS

Mateus 11.20-30

13 de Fevereiro de 1991

Observação: O sincretismo religioso é uma triste realidade em nosso país. Qualquer pregador que se levanta con-

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segue seguidores. A realidade do povo de Deus parece ser outra. Os membros da igreja lutam contra o desânimo e contra a paralisação de sua vida espiritual. O que falta? Ouvir e seguir a mensagem do Reino de Deus. Quem tem ouvidos ouça.

O texto: O texto corrige uma concepção errónea a respeito do Reino de Deus (cf. Mt 11.12-14) e fala sobre a missão de Jesus Cristo. Encontramos uma mensagem de juizo e perdão. A primeira parte do texto (V. 20-24) se dirige contra uma geração incrédula. A segunda parte (V. 25-30) revela quem é Jesus Cristo e porque ele chama, com autoridade, todo homem ao arrependimento.

A mensagem dos versiculos 20-24 contém uma advertência contra a incredulidade ou crença falsa. Não aceitar a mensagem do Reino de Deus significa estar sob o juízo divino (cf. Mt 10.15). Jesus repreende os moradores das cidades de Corazim e de Betsaida. Sua autoridade o legitima a levantar a sua acusação porém ninguém o ouviu e não houve arrependimento. Todos aqueles que ouviram a sua mensagem sobre o Reino de Deus não quiseram voltar a Deus. Isto é sério. Tão sério, que Jesus exclama o seu "Ai de ti" como grito de alerta àqueles que não reparam que o momento mais importante em suas vidas passa como se não tivesse acontecido nada. É um grito de dor. Jesus se contorce sob o impacto de uma dor que sente no seu coração, pois os moradores das cidades não souberam aproveitar a ocasião. Sua decisão foi fatal. Deixaram sair o Filho de Deus de seu círculo vivencial sem dar a mínima atenção a ele. Não querer ouvir a voz de Jesus significa não querer atender a convocação do próprio Deus. O "Ai de ti" vale para todo aquele que tenta usurpar as coisas do Reino de Deus e que não sabe lidar com os ensinamentos do Reino de Deus. O "Ai de ti" vale para o homem que se fecha para com a palavra de Deus, seguindo sua vida com um coração endurecido (cf. Mt 13.20ss). Os líderes do povo de Deus deveriam dar maior atenção a esta advertência, pois muitos líderes fazem suas próprias regras espirituais e não atendem às exigências da mensagem do Reino de Deus (cf. Mt 18.7b, 23.13-16,23,25 etc).

A acusação de Jesus se torna mais grave ainda levando em consideração que ele, em pessoa, manifestou o poder de Deus (cf. V. 21 e 23). A palavra e a ação de Jesus testemunham contra aquele que assistiu a sua vida e obra e se fechou para com ele. Quem rejeita a palavra de Jesus rejeita o próprio Deus (cf. V. 25-27). Somente esta palavra é capaz de conduzir ao arrependimento verdadeiro e sincero. É esta palavra que recon-

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duz ao pai que está nos céus. Esta palavra revela o mistério do Reino de Deus e oferece ao homem o que ele necessita para poder viver uma vida espiritual autêntica.

Os versículos 25-30 transmitem uma mensagem de compreensão, amor e perdão. Fala o salvador do mundo. Seu carinhoso convite "Vinde a mim" fala por si. É o verdadeiro pastor que aqui fala. Seu convite sinaliza um "basta" a toda fuga e auto-justificação do homem perante Deus. Todos aqueles que se cansaram em sua busca e encontraram somente a voz humana, voz esta que se evidencia no legalismo e entusiasmo, deveriam ouvir atentamente a voz divina que transparece nas palavras de Jesus. Aceitar a mensagem do Reino de Deus significa receber o atendimento do autor da vida. Ele não permitirá que se esmague "a cana quebrada, nem apagará a torcida que fumega" (cf. Is 42.3). O amor do Pai está presente no Filho. Ele libertará do jugo do pecado e oferecerá, sempre de novo, o descanso às pessoas perturbadas. Suas promessas foram cumpridas sempre. Arrepender-se e voltar a Deus significa abandonar, de fato, os egoísmos humanos que escravizam. A obediência para com a mensagem do Reino de Deus e a confiança em tudo o que Jesus ensina significa carregar um outro jugo, pois este é muito mais leve do que as cargas procedentes da religiosidade do homem. Voltar a Deus significa conhecer a Deus, se relacionar com ele por intermédio de Jesus Cristo e viver uma nova vida.

Esboço: Jesus anuncia a presença do Reino de Deus

— ele repreende os que o rejeitam — ele conduz ao arrependimento verdadeiro — ele fortalece aqueles que vacilam.

Hans Horsch

PRIMEIRO DOMINGO NA QUARESMA

Mateus 4.1-11

17 de Fevereiro de 1991

1. Mateus 4.1-11 é perícope tradicional para este domingo. É lida neste domingo há mais ou menos 1600 anos. (A leitura da epístola foi revisada, ou seja, 2 Co 6.1-10 foi substituída por Hb 4.14-16.)

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2.0 "então" (v. 1) liga a narrativa ao contexto anterior. Quem está sendo tentado é o Filho de Deus, apresentado ou "ordenado" no batismo.

3. A tentação de Jesus é a primeira batalha no caminho da cruz. Não foi um acidente na vida de Cristo, mas parte do propósito salvífico. Ele foi levado ao deserto pelo Espírito.

4. O tentador (v. 3) é também o diabo ("o caluniador", v. 1, 5, 8, 11) e Satanás ("adversário", v. 10).

5. Pode-se perguntar o que significa o título "Filho de Deus" quando pronunciado pelo diabo. O teor das tentações mostra que não se pode deixar de pensar também, em Israel e no Messias (conferir Êx 4.22, Jr 31.9, Os 11.1). Jesus está sendo tentado na qualidade de Messias de Israel.

6. "As tentações de Jesus recapitulam, na Sua vida individual de Filho de Deus, as tentações de Israel na sua vida corpórea de filho de Deus. As três formas da tentação focalizam as três áreas de vida que eram vitais para Israel como o povo peregrino da aliança buscando a terra prometida: sustento, proteção e tudo quanto a terra simbolizava em termos de prosperi-dade e segurança. Ao rejeitar as tentações, Jesus comprovou ser o verdadeiro Filho de Deus, porque não somente as rejeitou como também o fez mediante um apelo à Palavra de Deus. Enfim, vivia de conformidade com a Palavra de Deus (cf. Mt 4.4 com 5.17-18). Foi precisamente neste ponto que Israel fracassara (cf. Mt 15.7 segs. com Is 29.13)." (SCHNEIDER, W..e BROWN, C. "Tentar", NDITNT IV: 596).

7. Os três episódios de tentação aparecem em Mateus e Lucas. Em João há paralelos a cada uma das tentações, como segue: Mt 4.3 — Jo 6.31; Mt 4.6 — Jo 7.3,4; Mt 4.9 — Jo 6.15. Isto mostra que as tentações voltaram ao longo de seu ministério.

8. As tentações parecem uma controvérsia teológica, onde não faltam citações da Escritura. Quanto às citações, Martin Franzmann observa: "Em Mateus, as citações do Antigo Testamento são em geral bastante breves. Parece, no entanto, que sugerem (a leitores imersos no Antigo Testamento) um contexto mais amplo. Portanto, é bom abrir o Antigo Testamento e ler as citações de Mateus em seu contexto original." (Concórdia Self-Study Commentary, p. 13).

9. Os demais textos para esse domingo (SI 91.9-16; Gn 3.1-19; Hb 4.14-16) ajudam a estabelecer um contexto teológico e litúrgico favorável ao tratamento homilético do evangelho.

10). "Cristo, cabeça da igreja, continua a ser tentado em nós, seus membros". Estão aí as tentações do sustento ou da satisfação de necessidades corporais, da proteção em dificuldades, da riqueza e do poder. Somente filhos de Deus em Cristo

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são tentados. Isto, no entanto, não deveria levar o pregador a se concentrar num "como nós podemos vencer a tentação", pois a ênfase do texto é "como Jesus venceu as tentações em nosso lugar e a nosso favor".

Tema: JESUS, VITORIOSO SOBRE AS TENTAÇÕES

Vilson Scholz

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SEGUNDO DOMINGO NA QUARESMA ■

Marcos 12.1-12 24 de Fevereiro de 1991

A. Assunto Geral

A parábola dos lavradores maus reflete os motivos da quaresma. É um tempo de arrependimento, e uma reflexão a respeito da verdadeira causa da morte de Jesus. Os lavradores maus mataram o filho.

B. Contexto

Jesus usou muitas parábolas para as suas pregações. São histórias da vida comum que servem como ilustrações para uma verdade espiritual. Às vezes a forma é de pequenas semelhanças, de comparações, de analogias ou de provérbios em uso. Geralmente têm um ponto específico de importância. Muitas vezes os detalhes não são dados com um significado especial. Os sinóticos dão umas 30 parábolas, enquanto que João apresenta outras figuras de linguagem. Algumas parábolas escondiam verdades dos que não criam em Jesus, incentivando os discípulos a pes-quisarem melhor o seu sentido (Lc 8.9).

C. Texto

A parábola "dos lavradores maus" é um tanto complexa e se situa

bem na Galileia do primeiro século. Havia grandes fazendas, cujos proprietários estavam ausentes. Agricultores locais cultivavam a terra como arrendatários. A parábola mostra a intenção dos agricultores de se tornarem indevidamente posseiros. Uma lei judaica permitia que uma terra não reclamada poderia ser declarada "sem dono". Posseiros poderiam exigi-la

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para si mesmos, criando sua autonomia. Esta autonomia ilegítima do povo de seu Deus é o ponto em questão.

Vv. 1-5 — Os arrendatários são os judeus, como eles bem entenderam no v. 1.2. Deus havia escolhido o povo de Israel como sua propriedade peculiar (Is 5.1-2). Havia uma aliança: Eu sou teu Deus; tu és meu povo. Deus espera que esta sua propriedade dê frutos: que deixem Deus ser Deus, e que vivam como povo de Deus para produzir os frutos do Espírito. Deus queria colher os frutos. Os enviados para colher eram os profetas do AT que, no entanto, foram mal recebidos, perseguidos e mortos. Israel queria sua autonomia de Deus.

Vv. 6-11 — O filho do dono é o Messias/Cristo. Jesus veio para colher os frutos das "ovelhas perdidas da casa de Israel" (Mt 15.24). O programa de Jesus era salvar o seu povo. Mas ele "veio para o que era seu, e os seus não o receberam" (Jo 1.11). Os arrendatários não respeitaram nem o Filho e o mataram também. — Jesus está acusando os que não creram nele e prediz o que lhe irá acontecer, preparando a sua paixão e morte. Mas mostra que está no comando da situação. Esta rejeição estava prevista (SI 118.22-23). A rejeição dos judeus e a morte de Cristo vai beneficiar "outros", o mundo todo: vai dar a propriedade aos gentios que se tornam seu povo. A pedra rejeitada torna-se a pedra angular da igreja toda. Cristo é o Senhor. A autonomia dos arrendatários os leva à desgraça total, pois Deus não perde a sua propriedade. Ele a salva pela morte de seu Filho.

V. 12 — Inicia a paixão de Jesus. Querem matá-lo. Mas ainda não era chegada a sua hora. Ninguém o prende, nem lhe tira a vida. É imortal, porque é sem pecado. Mas vai dar sua vida espontaneamente quando quer. Os inimigos desistiram, porque Jesus não quis ainda. Pensando ter autonomia não sabem que dependem exclusivamente do Senhor da vinha (Ex 19.5). Outros, todos nós, nos beneficiamos quando pela fé deixamos Deus ser Deus.

D. Disposição

A quaresma nos prepara para a paixão de Jesus. Ê um tempo de reflexão e arrependimento. Como está nosso trabalho na vinha? Vamos nos espelhar na parábola dos lavradores maus. Há duas maneiras de relação com o Senhor.

Os lavradores do Senhor

1. A autonomia dos lavradores leva o Filho à morte a. A aliança com o Senhor: Eu sou teu Deus; tu és meu povo.

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b. A desobediência do povo leva o Filho à morte: Ele é o único herdeiro legítimo. Ele é o Fiel à aliança.

c. Cristo morre por causa da autonomia dos lavradores infiéis.

2. A morte do Filho se torna bênção para outros lavradores a. Cristo assume o povo de Deus: como Fiel cumpre a

aliança. b. Sua morte resgata o povo para Deus: foi desprezado

e morre pelo povo. Sua fidelidade salva. c. Sua ressurreição está prevista: a pedra rejeitada se

torna base para toda a igreja; isto procede do Senhor (v. 11). — Cristo chama novos lavradores — Cristo cumpre a nova aliança — Vamos dar os frutos do Espírito em arrependimento e

fé.

Martim C. Warth

TERCEIRO DOMINGO NA QUARESMA

Lucas 9.51-62

3 de Março de 1991

O contexto

Até Lc 9.50 Lucas ocupa-se principalmente em descrever o ministério de Jesus na Galileia. A partir da presente perícope até Lc 19.44, o autor relata fatos e ensinamentos de Jesus ocorridos em sua jornada para Jerusalém. Para alguns comentaristas ainda não se trata aqui da última viagem de Jesus para aquela cidade. Os demais evangelhos silenciam a respeito da maior parte desta matéria.

A transfiguração (9.28-36) foi o acontecimento mais marcante na Galileia. Sucedeu uma semana após os discípulos haverem declarado ser Jesus "o Cristo de Deus" (v. 20). Agora Jesus está para ir a Jerusalém, cumprindo o plano divino para salvar os pecadores. Nos vv. 44 e 45 ele prediz a sua morte. Foi para isto que havia assumido a natureza humana.

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O texto

Da Galileia o caminho mais perto a Jerusalém passava pela Samaria. Os samaritanos tinham seu próprio local de culto, situado no monte Gerizim e por isto eram hostis com quem fosse adorar em Jerusalém. Pelo fato de não receberem a Jesus, perderam a oportunidade de encontrar-se com o Messias, a quem também eles aguardavam (Jo 4.25).

A atitude de Tiago e João foi a de reagir com violência contra os moradores da aldeia de samaritanos (v. 54). Como é difícil aprender a ser tolerante! Ainda há pouco Jesus havia ministrado uma lição de tolerância (vv. 49, 50), no entanto, na primeira ocasião em que era preciso aplicá-la, os discípulos fracassam. Exatamente o que Jesus afirmou de si mesmo, é preciso que também os cristãos o digam, que não estão aqui para destruir as almas das pessoas mas para salvá-las (v. 56).

Nos vv. 55 e 56 Jesus não está falando contra a pregação da lei. As palavras precisam ser consideradas, dentro do seu contexto. Na aldeia dos samaritanos não houve reiterada rejeição do evangelho. Quando isto ocorre, o próprio Salvador anuncia o juízo, o que acontece mais adiante em 10.13-15 (confira também Mt 11.21; 24.2; Lc 13.34,35). A graça de Deus não é irresistível.

Se a primeira parte da perícope (vv. 51-56) relata um episódio no qual Jesus foi rejeitado, a segunda parte nos conduz a três pessoas interessadas em segui-lo. O ensinamento que se pode tirar destes três episódios é que seguir a Jesus implica em deixar de lado interesses próprios e descomprometer-se com o mundo.

No primeiro caso (vv. 57, 58) Jesus chama a atenção à condição de penúria em que ele próprio se encontrava. Até animais como raposas e pássaros, não cuidados pelos homens, possuem seus abrigos. Jesus não o possuía. Quem pretende seguir a Jesus precisa estar disposto a suportar as privações que este passo acarretar. O cristão considera-se um estrangeiro no mundo (Hb 11.13; 13.14; 1 Co 4.11). Em compensação, aguarda-o um lar eterno, no céu (Jo 14.2).

A uma outra pessoa Jesus estendeu o convite para que o seguisse (vv. 59, 60). Ela, porém, pediu para primeiro sepultar a seu pai, provavelmente idoso ou com uma doença terminal. Jesus lhe disse que segui-lo é tão urgente que até mesmo os laços familiares mais íntimos não devem causar adiamentos. Aquele homem calculou como se o pai morresse antes dele. E se ele morresse antes do pai? Seguir a Jesus é assunto de agora (Lc 14.15-24).

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Uma terceira pessoa, querendo seguir a Jesus, pretendia primeiro despedir-se dos de sua casa (vv. 61, 62). Provavelmente havia muitas coisas que atraíam este homem ao ambiente em que vivia. Jesus conhecia o que se passava no íntimo desta pessoa e o ilustra através de um. ditado. É como se alguém estivesse lavrando. É impossível fazer um bom trabalho manejando o arado e ao mesmo tempo olhando para trás. O particípio pre-sente indica que se trata de um olhar constante para trás, não apenas de uma olhada ocasional. Os seguidores de Jesus não podem ser distraídos por coisas que os afastam de sua devoção e das tarefas no reino de Deus. Não se pode servir a dois senhores (Mt 6.24).

Se for assim quem poderá seguir a Jesus? A fé faz a diferença. Pela fé, nossas imperfeições no seguir a Jesus, não são tomadas em conta. Somos seus filhos queridos que recebem sua graça que sempre é maior do que os pecados. Este fato nos anima a segui-lo sempre melhor.

Disposição

Seguir a Jesus implica em

I — Ter paciência visando ganhar o mais fraco (vv. 51-56) II — Comprometer-se por inteiro com os assuntos do reino de Deus (vv. 57-62).

Christiano Joaquim Steyer

QUARTO DOMINGO NA QUARESMA

João 6.1-15

10 de Março de 1991

Excetuando a narrativa da Ressurreição, a multiplicação dos pães é o único milagre que se acha registrado tanto nos sinóticos quanto em São João. A narrativa apresenta Cristo como Aquele que supre as necessidades humanas ao mesmo tempo em que arma o cenário para o Seu climiático testemunho: "Eu sou o pão da vida" (vers. 35).

A expressão "depois destas coisas" refere-se à cura do homem enfermo no tanque de Betesda, em Jerusalém; Jesus decide passar, juntamente com Seus discípulos, para o lado

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oriental do Mar da Galileia ou Tiberíades. (No Antigo Testamento era chamado Quinerete, devido à forma de "lira"; o nome "Tiberíades" origina-se na importância que se dá à cidade de Tiberias, a oeste do lago, fundada por Herodes Antipas em ca. de 20 AD, em homenagem a Tibério). Ali Jesus sobe ao monte e senta-se com os discípulos. A multidão, impressionada com os "sinais", semeia, (como São João sempre se refere aos milagres), aproxima-se. A Páscoa está perto. Para a primeira (2.13) e a terceira (11.55 ss) Jesus sobe a Jerusalém; para esta Ele permanece na Galileia. Na próxima Ele será "levantado" da terra (3.14; 8.28; 12.32). A memorável festa do Êxodo lembra Moisés, o profeta e libertador de Israel, bem como a bênção diária do maná que caía do céu (cf. 6.31, 32, 49, 58).

A multidão que se aproxima aguarda e festeja a Páscoa, mas numa perspectiva desfocada do seu significado original. O Messias esperado é esvaziado de Sua missão transcendental e soteriológica. A preocupação permanece na esfera do existencial em que a cura de enfermidades e o saciar da fome demarcam o limite da esperança e da vida. Cristo preocupa-se com as necessidades físicas do povo sim porque Ele é o SENHOR, o Criador e Mantenedor do povo (cf. o Salmo de hoje; Mt 14.14). Jesus em momento algum advoga uma retirada ascética do mundo. Ele é o grande Médico (Mc 6.34; Lc 9.11) que nos supre diariamente de tudo quanto necessitamos para o corpo e para a vida — e nos ensina a receber essas dádivas com, ações de graças.

Mas, o objetivo de Jesus não é ser o maior curandeiro de todos os tempos; nem tampouco ser o mais excelente padeiro de todas as eras. Esta, entretanto, é a imagem que faz Dele a multidão ontem (vers. 2, 15; cf. vers. 26) e, por vezes, hoje (chama a atenção certos segmentos religiosos e movimentos de "libertação" em nosso país).

Se a multidão tem uma perspectiva desvirtuada da Páscoa e do Messias, os discípulos, naquele momento, não tinham uma melhor. Filipe, que era da região (12.21), e que acreditava só no que via (14.8), se revela um bom homem de negócio tratando a pergunta de Jesus superficialmente, a nível de mercado público, porém concluindo que sua própria sugestão é inadequada (cf. 4.8, 31-33).

O final desse episódio na realidade não ocorre no vers. 15 mas envolve tecnicamente todo o capítulo 6. E é nessa projeção que devemos entender São João. Como vimos, a narrativa visa, de forma climática, mostrar Cristo como o pão vivo que desce do céu (vers. 35, 51) cuja carne precisa ser comida e cujo sangue precisa ser bebido (vers. 53-56) — agora espiritualmente; na Ceia do Senhor ou Eucaristia, oral e sacramentalmente.

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Esta perícope prefacia este clímax através do uso de termos com

duplo significado. (São João faz uso do duplo significado, p. ex., em 3.8 com o emprego de pneuma e pnéo, onde pneuma pode significar tanto "vento" quanto "Espírito"; ou em 1.5, onde katélaben pode ser tanto "prevalecer" quanto "compreender"). O milagre de Jesus está na paralela com outro milagre que ocorre no Antigo Testamento, era 2 Rs 4.42-44. Nesta perícope os pães de cevada, que são alimento de pobres (cf. Jz 7.13; Ez 13.19), são chamados "pães das primícias", que Leví-tico 23.9ss. conecta com a Páscoa. A mesma relação São João (ou Cristo) faz para apontar Aquele que é o verdadeiro Pão pascal.

No vers. 11 Jesus "dá graças" pelo alimento. Numa antecipação simbólica da Eucaristia o evangelista emprega o palavra eucharistesas (cf. 1 Co 11.24) ao invés do verbo eulogein, mais comum, e empregado pelos sinóticos nesta perícope. Este pão, que vem do céu e que deve ser comido espiritual e sacramental-mente, não pode ser obtido pela força, como quer a multidão. O verbo harpázein (vers. 15) é bastante forte, pois significa "raptar". Em Mt 11.12, p. ex., (cf. Lc 16.16) este verbo descreve o que os homens violentos tentam fazer com o Reino de Deus. Nesta perícope querem proceder da mesma forma comi o Rei. 0 Reino é um dom, não sendo possível apropriar-se dele por meio da força ou violência, poder ou riqueza. Só pode ser "comprado" sem dinheiro (cf. a Leitura do Antigo Testamento). Da mesma forma o Rei é um presente de Deus (3.16), que a Si mesmo se dá em benefício da humanidade. Por isso, Rei e Reino, basilea (vers. 15) não são deste mundo (18.36). Na atitude da multidão está camuflada, uma vez mais, a investida de Satanás para tentar demover o Messias de Sua missão redemptiva e vicária para estabelecer o Seu Reino não pela glória, mas pela cruz — pro nobis.

Sugestão de tema:

JESUS, O MESSIAS, NOS DÁ O PÃO

I — Que mantém a vida II — Que nos leva à Vida.

Acir Raymann

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QUINTO DOMINGO NA QUARESMA

Marcos 10.32-45

17 de Março de 1991

1) Assunto geral das perícopes: O salmista Davi pede a intervenção e a intercessão do Senhor em favor dele: que ouça sua oração; não entre em juízo com ele; que Deus lhe responda logo; que Deus não se esconda dele; que Deus faça ouvir da sua graça; que lhe mostre o caminho a andar; que o livre dos inimigos; que lhe ensine a fazer a vontade de Deus e que seja guiado pelo bom Espírito. Moisés mostra-nos Abraão pedindo a Deus e intercedendo em favor de Sodoma e Gomorra. O autor da epístola aos Hebreus mostra que Jesus é O Mediador da nova aliança, o qual interveio com a sua morte para remissão das transgressões, porque "sem derramamento de sangue (de Cristo) não há remissão". E o evangelista Marcos apresenta Jesus mesmo falando a seus discípulos, que ele próprio seria entregue para sacrifício, seria morto, mas ressuscitaria depois de três dias, intervindo para salvar, porque veio para servir. Apresenta ainda um tipo de pedido ou intercessão inútil de Tiago e João.

2) Contexto: Jesus estava andando bastante e por muitos lugares e entrou em contato com multidões, às quais ensinou. Foi abordado pelo jovem rico e advertiu seus discípulos quanto ao perigo das riquezas. E, quando caminhavam para Jerusalém, Jesus à frente e os discípulos seguindo-o apreensivos, então lhes disse, em particular, o que lhe aconteceria em Jerusalém: sua paixão, morte e ressurreição. Em seguida Tiago e João fazem-lhe um pedido sem sen,tido. Foram para Jericó, para depois então irem a Jerusalém, onde se daria sua entrada triunfal. 3) Texto: Vers. 32-34: Os discípulos estavam entre admirados e apreensivos. O ambiente está tenso. Jesus toma a iniciativa de chamá-los à parte e "passou a revelar-lhes as cousas que lhe deviam sobrevir": sua paixão, morte e ressurreição. Ele vai intervir sofrendo, morrendo e ressuscitando, para 1) livrar da culpa do pecado e, assim, 2) atender os pedidos por auxílio como os que o salmista Davi fez (SI 143). Vers. 35-45: Este pedido de Tiago e João em contraste com os pedidos de Davi e Abraão, se revela fútil: "Não sabeis o que pedis". Há coisas muito mais importantes pelas quais orar a Deus e que precisam da intervenção e da intercessão de Jesus: fé, remissão e vida eterna. O grande consolo nosso é que o Filho do homem, Jesus Cristo, veio "para servir e dar a sua vida em resgate por muitos". Anuncie isto com alegria sincera e imensa, neste domingo, aos seus ouvintes, caro pastor.

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4) Disposição:

Tema: O FILHO DO HOMEM VEIO AO MUNDO

I — Para servir II — Para dar a sua vida em resgate por muitos.

ou

O FILHO DO HOMEM VEIO AO MUNDO

I — Para ser nosso Mediador da parte do Pai II — Para ser nosso Intercessor junto ao Pai.

Curt Albrecht ■

DOMINGO DE RAMOS

João 12.12-24

24 de Março de 1991

Leituras

O SI 24 prenuncia a vinda do Rei da glória e estabelece condições para recebê-lo: o limpo de mãos e puro de coração. Os resultados são abençoadores: bênção, justiça, salvação. No AT este salmo lembrava a vinda da arca a Jerusalém, enquanto que no NT projeta a entrada na Nova Jerusalém, pelas doze portas (Ap 21.12). A leitura do AT é reconhecida como uma profecia desta entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, e de como ele vem: justo e salvador, humilde, pacificador, vitorioso. A epístola é texto clássico para descrever os estados de humilhação e exaltação de Cristo. Destaca a humilhação por livre decisão de Jesus e, como consequência de sua exaltação, o nome, o poder e a glória que lhe são próprios. A exaltação de Cristo requer a terra a seus pés a confessar-lhe o nome.

Texto

Uma vez que o relato da entrada de Jesus em Jerusalém aparece nos evangelhos sinóticos, João pretende completá-lo com detalhes que não foram ainda apresentados.

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Vs. 12-13 — "Numerosa multidão": quanto mais se aproximava a festa da Páscoa, mais crescia o número de peregrinos ávidos de novidades. O desejo de ver a Jesus, expresso pelos gregos no trecho que segue, contrapõe-se à religiosidade aparente e de cerimónias que lhes servia de modelo no judaísmo. "Saíram ao seu encontro": o movimento da multidão era amistoso, e a recepção, calorosa. Devem ter sido, em grande parte, peregrinos, e não habitantes de Jerusalém. Ouviram contar o milagre de ressurreição de Lázaro: o contexto o confirma. Os inimigos de Jesus planejam matar também a Lázaro. A cada ação contrapõe-se uma reação, a avaliação dos inimigos o ilustra. Observam que, em consequência desse milagre, muitosi "voltavam crendo em Jesus". E desabafam no v. 19: "Eis aí vai o mundo após ele!"

"Hosana" é palavra hebraica que significa "salva, por favor!". Foi originalmente uma forma de súplica, mas também expressa aclamação e saudação alegre. Os ramos de palmeira, por sua simetria e beleza, e pelo que representavam na história das nações, como símbolo de vitória, são oferecidas ao vitorioso Senhor. O canto do povo se origina nas palavras do Salmo 118.25,26, cantado pelos peregrinos enquanto se dirigiam a Jeru-salém para as festas anuais. A referência ao "Rei de Israel" ilustra com clareza o significado messiânico da aclamação.

Vs. 14-16 — "Um jumentinho": A profecia de Zacarias 9.9-12 é, por um lado, a reafirmação da bênção sobre Judá, em Gn 49.11, na qual este patriarca representa a combinação do conquistador com o príncipe da paz (Shilo), e, nessa condição, o seu descendente mais representativo, Jesus, faz uso desse animal de carga. O cumprimento da profecia se dá num presente histórico dirigido pelo Espírito Santo. A dignidade da procissão requeria a montaria de um jumento: o Rei Vencedor se elevava sobre a multidão, e ao mesmo tempo usava um humilde animal de tração. Cinco dias mais tarde se evidenciaria, de parte da multidão, quão terrena foi esta aclamação, talvez a última grande esperança de fundar-se o reino messiânico. 0 v. 16 atesta que nem João, nem os outros discípulos compreenderam, nesse momento, a importância do que ocorria. Entendê-lo-iam só depois da ressurreição, na presença do Salvador glorificado.

Vs. 17-19 — A multidão dava testemunho do milagre da ressurreição de Lázaro, a que haviam assistido, ou de que haviam ouvido, e isto, de acordo com o evangelista João, foi a motivação maior da homenagem e do triunfo da multidão em relação a Cristo. A reação dos fariseus é de uma raiva desesperada. É a oposição ao Messias conforme cantada em versos no inicio do Salmo 2, e a resposta lhes vem do mesmo salmo: "Eu, porém, constitui o meu Rei sobre o meu santo monte Sião". A preocu-

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pação e demagógica. Temem a popularidade do Nazareno, o que os afeta politicamente, e põe em xeque os seus planos de matá-lo.

Vs. 20-22 — "Alguns gregos": tratava-se de prosélitos, de cidadania grega, a quem era permitido adorar junto com os judeus, no templo. Levavam sua religião a sério, em contraste com a frivolidade e aparência exterior dos religiosos judeus. Eram possivelmente provindos de Decápolis, uma coligação ou federação de dez cidades gregas a nordeste do Jordão, próximo à terra natal de Filipe, razão pela qual se dirigem, a ele. Filipe é André conduzem os gregos a Jesus, diante de seu pedido: Senhor, queremos ver a Jesus! Como neófitos na fé de Israel, esses gregos partilhavam da esperança messiânica e das manifestações de entusiasmo do cortejo nessa procissão. Filipe e André desempenharam o papel de "relações públicas" ou de missionários que levaram esses homens até Jesus.

Vs. 23-24 — "É chegada a hora": Da visita desses gentios convertidos Jesus conclui que sua missão chega ao seu ponto alto. Por isso fala de sua morte e ressurreição, através da imagem do grão de trigo. Este significa a nova vida que precisa seguir sua rota, através da morte, para que frutifique ricamente, Corno a morte de Cristo era necessária para que ele vencesse o poder da morte e mostrasse a glória da ressurreição dos mortos, assim todo crente passa da morte espiritual à vida renovada (1 Jo 3.2). Esta é a vida que é preservada, através de Cristo, para a vida eterna. A lei da biologia, segundo a qual a morte é um pressuposto necessário à nova vida, aplica-se aqui, ao próprio Cristo, à sua morte e ressurreição. Sua vida, comparada a um grão de trigo, se entrega para alcançar muitas vidas; é vida de poder infinito e de efeito universal. Quem crê, é salvo.

Disposição Homilética

Eis aí vai o mundo após ele, Cristo!

1. Os inimigos o atestam, desolados e vencidos 2. Os curiosos o seguem por falsos motivos 3. Os crentes se alegram na salvação que lhes traz 4. Os discípulos levam outros a segui-lo.

Elmer Flor

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QUINTA-FEIRA DA SEMANA SANTA/ENDOENÇAS

João 13.1-15

28 de Março de 1991

A. Assunto Geral ■

Quinta-feira inicia o ciclo da Semana Santa. O Evangelho da Série Anual Revisada não trata, como nas séries tradicionais, da instituição da Santa Ceia. Toma um outro episódio daquela mesma noite e enfatiza o enfoque de João: o amor e a humildade. João não fala na Santa Ceia, mas é o apóstolo que nos dá o maior número de detalhes daquilo que aconteceu naquela noite em Jerusalém. O assunto do Evangelho é o lava-pés. ■

B. Contexto

Os capítulos 13.1 até 17.26 de João tratam dos acontecimentos da 5ª feira da Paixão. É o mais extenso relato que há a respeito dos fatos e das palavras de Jesus naquela ocasião. João dá os fatos que os outros evangelistas não trazem. O inglês chama a 5ª feira Santa de "Maundy Thursdav", o alemão de "Griindonnerstag" (5ª feira verde), o português de "Endoenças". "Maundy" pode vir de "maund", pequeno cesto em que neste dia se levava presentes aos pobres, talvez para conseguir indulgências. "Endoenças" é palavra da liturgia romana que Aurélio faz derivar de "indulgentias" e que pode estar relacionado ao sentido do inglês. O alemão "verde" talvez surgisse por causa da frase: "Se ao lenho verde fazem isto, que será do lenho seco?" (Lc 23.31), lembrando também um convite ao arrependimento às mulheres no caminho ao Calvário. — João havia falado nos capítulos 5.1 a 12.50 do fato de que o Verbo (Cristo) era rejeitado por Israel. Nos caps. 13.1 a 17.26 mostra como o Verbo é recebido pelos discípulos. João anuncia em 1.12 o amor de Jesus pelos seus: lhes deu o "poder de serem feitos filhos de Deus". Agora completa sua relação com os discípulos: "amou-os até o fim" (13.1). Demonstra o amor no lava-pés e chama os discípulos ao amor no servir uns aos outros (v. 15). Claro que este servir ao próximo não merece "indulgências", mas demonstra a graça e a fé era amor. O convite ao arrependimento foi feito a Judas e a Pedro: um que não voltou e o outro que aceitou o convite.

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C. Texto

V. 1 — Jesus sabia que essa era "a sua hora", e sabia "quem era o traidor" (v. 11). Era o início da paixão maior (passio magna) em que seria o Servo Sofredor (Os 53). Agora tudo seria cumprido, antes de "passar deste mundo para o Pai". Inicia o "amar até o fim", até completar a salvação (v. 3).

V. 2 — O traidor está presente e é identificado (vv. 2, 11, 18). Mesmo assim Jesus ainda o serve! Está entre os que recebem o lava-pés. Está entre os que são amados até o fim. Jesus morre mesmo pelos que se perdem.

Vv. 4-10 — O lava-pés não é uma instituição religiosa, mas um exemplo (v. 15). Jesus mostra humildade no servir. Está aí para os outros. Mesmo faz o serviço de escravos. O lavar dos pés era feito pelos escravos na chegada do hóspede à casa. Este lava-pés é mais tarde, já durante a ceia (vv. 2, 4) para enfatizar que era especial. Era uma lição de humildade que seria logo mais levada ao extremo na cruz. Jesus está entre os discípulos "como quem serve" (Lc 22.27). Pedro parece ser o único a reclamar, talvez por um misto de humildade e orgulho. Pedro queria talvez ditar conduta a Jesus, como faz depois novamente (v. 9). Pedro só iria compreender o quanto necessitava de Jesus depois que o negou e foi restaurado (Jo 21.15-19). O lavar exterior certamente lembra o lavar dos pecados. Quem se ba-nhou (v. 10) pela fé de Cristo pode estar seguro do perdão (Jo 1.29). Mas pode-se perder este privilégio quando não se pratica a fé. Por isso o constante lava-pés (v. 14) em que nos lembramos mutuamente da fé e do perdão, bem como do consolo mútuo (Artigos de Esmalcalde, III parte, artigo IV: Do Evangelho). Quem lava os pecados é Cristo (v. 8). Só assim temos parte com Cristo pela fé.

Vv. 12-15 — Jesus aceita ambos os títulos: "Mestre", que era normal em relação com discípulos, e "Senhor", que é título máximo e corresponde ao "Iahwe" divino. Se o Filho de Deus, o Senhor, se humilhou tanto, os discípulos precisam praticar também a humildade. É a teologia da cruz. Ainda não há glória. É preciso servirmos uns aos outros. Este é o privilégio do cristão. Esta é a santificação do cristão.

D. Disposição

Endoenças pode ser mal entendido, se se tratar de "indulgências". É tempo de humildade e vida cristã de serviço ao próximo. É tempo de arrependimento. As causas estão em Cristo: sua humilhação até à morte nos dá vida.

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O SENHOR E MESTRE NA FORMA DE SERVO

1. Para nossa justificação.

a. Filipenses 2 mostra a humilhação: segundo a natureza humana Jesus tinha a "forma de Deus", mas aceitou a "forma de servo" para poder morrer e nos salvar.

b. Pedro aprende que precisa ser lavado: a fé perdoa pela graça e pela fidelidade de Cristo.

c. Mesmo lavado todo em Cristo há necessidade de um la- va-pés: em arrependimento e fé está a perfeição do cris tão (Apologia da Confissão de Augsburgo IV, 353).

2. Para nossa santificação.

a. O Mestre e Senhor lava os pés dos discípulos: um gesto de amor e humildade, como nosso representante.

b. Cristo dá um exemplo (v. 15): os discípulos são convida dos ao amor e ao serviço em humildade.

c. O serviço ao próximo acontece nas ordens sociais: família, governo, igreja, onde cada um tem sua vocação. — são serviços simples ou importantes — são serviços em nome de Jesus — são as "batalhas de Cristo" no mundo (Apologia IV, 189-194).

d. Quinta-feira Santa inicia o sacrifício de Jesus para nos redimir e nos comprar para si. Deus nos dê a fé e o amor que ele nos conquistou. A verdadeira humildade consiste em aceitarmos este presente do único Senhor e Mestre.

Martim C. Warth

SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO

João 18.1 — 19.1-42

29 de Março de 1991

Ênfase ■

Com inconfundível clareza, todos os quatro textos apontam para o Cristo na cruz, lembrando as causas, os sofrimentos e a consequência daquele chocante quadro no Calvário da Sexta-

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Feira Santa. Por isso, pensamos expressar o tema da mensagem da seguinte maneira: E Jesus ficou na cruz do meio (Jo 19.17,18).

Contexto

Toda a Escritura, direta ou indiretamente, coloca e destaca 0 acontecimento da Sexta-Feira Santa como o centro da reden ção humana — como o mais alto e sofrido resgate pago por alguém! O salmista olha para o futuro e apresenta as palavras que o Crucificado exclama no alto da cruz: "Deus meu... por que me desamparaste?" (SI 22). Isaías, sete séculos antes, pa- rece encontrar-se sob a cruz e faz a mais completa, emocionante e profunda descrição do significado de Cristo estar na cruz do centro: "Era desprezado... tomou sobre si nossas enfermida des!" (Is 53). Paulo olha para trás, um fato já consumado, e destaca em sua mensagem: "Deus estava em Cristo reconcilian- do..." (2 Co 5). O Evangelho do dia é longo: são dois capítulos num total de 82 versículos. Se a leitura de todo o texto fosse feita corrida no culto público, com os ouvintes de pé, talvez a mensagem não seria compreendida. Com criatividade, o pastor poderá fazer com que todos recebam o real benefício. Os orga- nizadores da perícope colocaram os 82 versículos porque neles, João, o evangelista, consegue apresentar o quadro mais comple- to sobre a paixão e morte do Crucificado. Das chamadas "sete palavras da cruz", três aparecem em João (Lc 23.34; 23.43; Jo 19.17; Mc 15.34; Jo 19.28; Jo 19.30; Lc 23.46).

Texto

Do denso conteúdo dos 82 versículos, tivemos que optar, e optamos, sem ignorar o todo das perícopes, pelo texto-base de 19.18. Já pensando na disposição, breves reflexões sobre cinco termos: Jesus, cruz, meio, malfeitor, benfeitor. Jesus: o colega pode examinar como João apresenta o Senhor Jesus, desde "o Logos que se fez carne" (1.1,14) até o "Jesus é o Cristo, o Filho de Deus" (20.30), e conferir o que Lutero explica nos Três Artigos do Credo Cristão. A cruz (staurós) era um dos diversos instrumentos (judeus preferiam o apedrejamento) para executar um réu condenado. Para descrever a morte na cruz, sublinhamos algumas palavras de Schirlitz (Wõrterbuch zum Neuen Testament): "... A morte na cruz era a mais vergonhosa, dolorida, sofrida e longa do condenado; era o último e o pior de todos os julgamentos e castigos... Era a execução de escravos, sequestradores e dos piores criminosos. Era hábito que os réus carregassem a sua própria cruz desde o lugar de sua condenação, na cidade, até o lugar de sua execução, fora da cidade— para serem vistos, envergonhados, zombados, cuspidos, e humilhados. Ali,

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diante da cruz, os condenados eram despidos na presença da multidão (que via tudo como um "fantástico espetáculo") que acompanhava a execução, suas mãos eram pregadas na cruz, e seus pés eram amarrados". O autor conclui, dizendo: "Era a morte mais lenta, revoltante, indigna, humilhante e de dores indescritíveis. A pior de todas as mortes." Com facilidade, o colega pode descrever o que é um malfeitor (kakopoiós) e um benfeitor (energétees). Quando havia três execuções de três malfeitores, o pior e mais perigoso e desprezível era dependurado na cruz central. Jesus está na cruz do centro, a principal, no meio (mésos) de dois outros malfeitores: um, à esquerda; outro, à direita.

Disposição

Em cultos especiais, a disposição (sermão) também pode ser especial e há bem maior flexibilidade. É o que faremos hoje. Nosso texto — do qual é extraído o tema — quase servirá como "'texto referência", pois na Sexta-Feira Santa o povo de Deus sempre de novo deseja ouvir os principais fatos/verdades que aconteceram/cumpriram neste dia em que o maior Benfeitor é transformado no pior Malfeitor para sofrer as piores de todas as mortes (qualquer outro sermão, por melhor que possa ser, não significa nada). Segue — das muitas que elaboramos — uma disposição com sugestão para o sermão de Sexta-Feira Santa:

Introdução

Sugestão: dentro do contexto de Sexta-Feira Santa, com muita seriedade, dignidade e pausa "declamar" Is 53.2-6 (que todo pastor sabe de cor).

E JESUS FICOU NA CRUZ DO MEIO

I — Porque, para os homens-pecadores, Jesus era o maior Malfeitor

1 — Visão geral do que é (AT e NT) e significa 6ª-Feira 2 — Descrição da cruz de ontem (sofrimento) 3 — Justificar quem é e por que Jesus era o maior Mal-

feitor a) para os homens: o pecado; b) para Deus: salvação — cf. perícopes e outros textos — há mais lei)

4 — Aplicação: minha vida de ontem c hoje, diante do exposto.

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II — Por que, para o Deus-santo, Jesus era o maior Benfeitor

1 — Envolver o ouvinte do culto: quem é e o que faz um malfeitor e um benfeitor?

2 — Descrição da cruz (símbolo nas pai. de Cristo, dos apóstolos e cristãos hoje)

3 — Justificar por que o Criador (Deus Triúno) transfor- ma o Malfeitor em Santo e Benfeitor (cf. textos comprovantes — há mais evangelho)

4 — Quem é Jesus de verdade e de fato (comprovar com provas bíblicas).

Conclusão

Sugestão: Repetir tema e partes + aplicação geral. Jesus precisa estar no centro, no meio, o principal — o Mediador e

Reconciliador! Sempre! Sempre!

Leopoldo Heimann

A RESSURREIÇÃO DO SENHOR — DIA DA PÁSCOA

Mateus 28.1-10

31 de Março de 1991

A Ressurreição é, sem dúvida, o acontecimento mais significativo no relato dos Evangelhos. Não obstante, sua descrição pelos autores bíblicos! (ou pelo Espírito Santo) é feita de maneira bastante sucinta. Em São Mateus, como diz Franzmann, apenas seu anúncio é expresso de maneira dramática; de resto, o evento da ressurreição de Cristo é velado com o silêncio da admiração.

As mulheres são as personagens que mais estão envolvidas com os acontecimentos finais e trágicos da vida de Cristo. Os três últimos dias emolduram momentos intensos de decepção, angústia, desespero, morte / perplexidade, emoção, alegria, júbilo. São Mateus menciona Maria e "a outra Maria", ou seja, a mãe de Tiago e José (27.56,61). O evangelista abrevia. Mas lá estão também Salomé (Mc 16.1), Joana e outras mais (Lc 24.10). Daria, talvez, para formar um coral feminino de valor para cantar: "Este é o dia que o SENHOR fez; regozijemo-nos e alegre-

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mo-nos nele" (Salmo para hoje). Mas, elas foram apenas para "ver o sepulcro".

Antes de sua chegada, o evento da ressurreição já havia ocorrido, propagado pelo tremor da terra e pela descida do anjo. Uma vez mais a natureza é associada aos grandes momentos da teofania, pela manifestação salvífica do SENHOR ao Seu povo (cf., p. ex., Ex 19.18; Nm 16.31; 1 Rs 19.11; SI 18.7; 68.8; Ap 6.12). 0 terremoto ocorre no momento da Sua morte e da Sua ressurreição, e outros ocorrerão em conexão com, a Sua parusia (24.7). O anjo desce e rola a pedra não para que Cristo saia do sepulcro (cf. Jo 20.19,26), mas para mostrar que o Senhor da Vida havia deixado o túmulo vazio.

As mulheres foram "ver", teoresai. Não creram na predição de Cristo de que ressuscitaria. Entretanto, se por um lado há fraqueza na fé (os discípulos não estavam em posição melhor), por outro há uma profunda demonstração de amor e lealdade ao seu Mestre. Elas estiveram no Calvário no momento da Sua morte, no Jardim de José de Arimatéia para o Seu sepultamento e agora, três dias depois (quando a morte fica atestada), vêm ao túmulo de novo para verificar se tudo está em ordem. (A propósito, onde estavam os discípulos?).

Se a morte, que é natural no mundo, choca as pessoas, quanto mais quando Deus restaura a vida a um, cadáver. A ressurreição de Cristo choca os soldados da guarda (o verbo eseistesan no vers. 4 está relacionada a seismós, "terremoto"; cf. o resultado no vers. 11) como também as mulheres no início (vers. 5). Contudo, para estas vem a mensagem angélica com a expressão (sempre) salvífica: mé fobeiste ymeis, onde o pronome "vós" está em posição enfática.

No vers. 6 katos eipen, "como havia dito", refere-se não apenas aos momentos em que o próprio Jesus falou sobre Sua ressurreição no Novo Testamento (p. ex. 12.40; 16.21; 17.9,23; 26.32) como também ao que foi predito sobre ela no Antigo Testamento (cf. Lc 24.27,46; Os 6.2). A ressurreição de Cristo não devia ser motivo de surpresa, admiração ou medo. Era "natural" que acontecesse porque era uma promessa do próprio Deus mas que, como tantas outras, não tinha sido assumida em fé pelas mulheres, pelos discípulos e, muitas vezes, por nós.

O anjo faz uma admoestação velada. Ele não diz: "... como havia dito de novo e de novo e de novo..." Não. Ele apenas acrescenta, por ordem divina, katós eipen. Duas palavras que valem mais do que um sermão. Duas palavras que são motivo de reflexão para as mulheres, para os discípulos, para nós.

A alegria, porém, fica completa, plena, concreta com a saudação Daquele que é a Vida: cháirete. É uma saudação nor-

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mal, rotineira, um "alô" amigável. Cristo não está na sepultura, não está nos céus, não está longe, mas está ali, visível, vivo, vitorioso. Elas imediatamente O reconhecem e O adoram. Ali não está um anjo, um ídolo, uma imagem de ouro para ser adorada (cf. a Leitura do Antigo Testamento). Mas ali está o Deus que morreu, mas que vive, que reina, que protege, que salva. Cristo é real, tão físico que Seus pés podem ser abraçados.

Não obstante os discípulos terem demonstrado desconfiança para com, Ele, negação do Seu Nome, medo e fuga na hora da Sua prisão, ausência nos momentos da Sua morte, desinteresse no dia da Sua ressurreição, Jesus ainda os chama de adelfoi mou, "meus irmãos". Por um lado a expressão indica que o Cristo ressurreto é o Christus Victor cuja humanidade O identifica com os Seus seguidores; por outro, ela identifica os discípulos (e nós!) com Cristo no sentido em que são membros da Sua família e com Ele herdeiros da Sua herança viva e eterna. Onde está a morte? Graças a Deus que nos dá a vitória, como diz a epístola de hoje.

Sugestão de tema: A Ressurreição de Cristo.- um acontecimento de Reflexão e Alegria para nós.

Acir Raymann

SEGUNDO DOMINGO DE PÁSCOA

João 20.19-31

7 de Abril de 1991

O medo era compreensível. O Sinédrio tinha poder e influência. O relato dos guardas (Mt 28.1-15) certamente traria consequências. Os discípulos estavam perturbados. Cheios de dúvidas. O túmulo realmente estava aberto. Vazio. Aparecera a diversas mulheres (Mt 28.1 e 9; Mc 16.9-11), a Pedro (1 Co 15.5; Lc 24.34), e a dois discípulos a caminho de Eniaúa (Lc 24.13-34). E talvez no meio do relato destes dois discípulos (Lc 24.35), o próprio Cristo ressuscitado mostrou-se a todos eles, saudando-os fraternalmente: "Paz seja convosco!"

A inesperada aparição de Jesus a seus discípulos lhes devolveu a alegria. Não havia mais razão de temor. Não havia mais razão de dúvidas. Aqui estão as provas, vejam as minhas mãos com os sinais dos cravos, e o lado que foi aberto pela lança do soldado (Jo 19.34). A certeza da ressurreição enxugou-lhes

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as lágrimas. Jesus repete-lhes a saudação: "Paz seja convosco!", como para alicerçar em seus corações a reconciliação entre Deus e os homens. Clareiam-se em suas mentes as profecias do AT (Is 53), e as próprias palavras do Mestre da necessidade de o Cristo morrer e ressuscitar (Jo 12.33; Mt 16.21; Mt 17.9).

"Paz seja convosco!" No AT o Messias é denominado de Príncipe da Paz (Is 9.6). Assim ao nascer em Belém, os anjos cantaram: "paz na terra entre os homens, a quem ele quer bem" (Lc 2.14). Quando da sua entrada triunfal em Jerusalém, a multidão o saudou cantando: "Bendito é o Rei que vem; era nome do Senhor! paz no céu e glória nas maiores alturas!" (Lc 19.38). E Paulo em Efésios 2.14 denomina Cristo de "ele é a nossa paz". E em que consiste esta paz? O mesmo apóstolo nos responde em Rm 5.1 "Justificados, pois, mediante a fé, tenhamos paz com Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo", É a paz da reconciliação. Do perdão dos pecados. Vida e salvação (Ef 2,5; Cl 2.13; 2 Tm 1.10).

E nesta fé e alegria Jesus comissiona seus discípulos, para o trabalho chamado (Mt 4.19). Outorga-lhes a mensagem da reconciliação (2 Co 5.18). "Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio" (Jo 2.21). Assim como o Pai "ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e poder (At 10.38), Jesus aqui investe os seus discípulos no ofício do santo ministério, soprando sobre eles o Espírito Santo (Jo 20.22). Agora são pescadores de homens (Mt 4.19). Isto é, têm poder e autoridade de em no-me de Jesus perdoar ou reter os pecados (Cf. Catecismo Menor, 5ª parte principal, Ofício das Chaves).

Neste poder do Espírito Santo os discípulos se põem a testemunhar. Tomé, um dos discípulos, esteve ausente desta manifestação de Jesus. Recebe assim o testemunho unânime dos seus colegas: "Vimos o Senhor". Mas ele se mostra céptico. Irredutível. Nada o irá convencer, "se eu não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, e ali não puser o meu dedo, e não puser a minha mão no seu lado, de modo algum acreditarei" (Jo 20.25). Se a incredulidade de Tomé, ante todas as provas apresentadas pelos demais discípulos, é passível de crítica, por outro, também nos oferece maior comprovação da veracidade da ressurreição. A contestação obriga a uma maior comprovação. O fato de Jesus, repetir a sua primeira aparição, em idênticas situações, teve por único objetivo chamar ao arrependimento o incrédulo Tomé. O desafio de Jesus: "Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; chega também a tua mão e põe-na no meu lado... (Jo 20.27), deu motivo a uma das mais expressivas confissões de fé: "Senhor meu e Deus meu!" (Jo 20.28). O bom Pastor (Jo 10.11; Hb 13.20) achara novamente a sua ovelha perdida (Lc 15.3-7), como já o fizera antes com Pedro (1 Co 15.5; Lc 24.34).

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"Porque me viste, creste? Bem-aventurados os que não viram, e creram" (Jo 20.29). Uma advertência e também; uma promessa. Advertência contra o cepticismo e descrença, em relação às suas promessas e sua palavra (SI 119.105; Mt 24.35; Jo 8.31,32; 1 Pe 1.25). Deus quer corações convictos. Por outro, a promessa do poder da palavra de Deus (Rm 1.16; 1 Ts 1.5; Rm 10.17) na conversão, deve motivar a todos ao testemunho fiel, pois o próprio Cristo nos assegura as bênçãos deste trabalho.

Em sua conclusão (Jo 20.30,31) João mostra o objetivo do seu evangelho. Relatar apenas alguns dos acontecimentos da vida e obra de Jesus, para através destes, levar seus leitores à verdadeira fé e vida em seu nome.

■ Sugestões:

A qloriosa manifestação de Jesus a seus discípulos

1. traz paz 2. traz alegria

3. leva à conversão

Ou

A mensagem pascoal de Jesus: Paz seja

convosco!

1. alegra os discipulos 2. dá-lhes o poder do Espirito Santo 3. leva o incrédulo Tomé à fé verdadeira.

Walter O. Steyer

TERCEIRO DOMINGO DE PÁSCOA

João 15.1-8

14 de Abril de 1991

1. Trata-se de texto conhecido, ante o qual nossa primeira reação pode ser a do "este conheço muito bem". Tanto mais se fazem necessários o estudo no original, a leitura em diferentes traduções, o exame de palavras importantes, a busca das passagens paralelas.

2. O esquema do texto é o seguinte: a) A Videira verdadeira e o agricultor que corta o ramo infrutífero e limpa o fru-

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tifero (v. 1-2); b) Os discípulos estão limpos e Cristo conclama a que permaneçam nele (v. 3-5); c) Se alguém não permanecer em mim... (v. 6); d) Se permanecerdes em mim... (v. 7-8).

3. No contexto do evangelho, João 15 integra o discurso de despedida de Cristo. Quem fala é o Cristo que tem a glorificação em vista. É o Cristo que tem a páscoa em vista e continuará sua obra nos discípulos.

4. O texto é importante para a eclesiologia joanina. Corresponde em certo sentido ao conceito de "corpo de Cristo" nos textos de Paulo (conferir Rm 14.4,5).

5. Merece reflexão especial a designação "videira". No Antigo Testamento era símbolo frequentemente aplicado a Israel (Jr 2.21; SI 80.9-20; Ez 15.1-6; Ez 17.5-10; Ez 19.10-14; Os 10.1). Aqui Jesus aplica o termo ao novo Israel. A vinha é símbolo de Jesus e seus discípulos. (Notar que Jesus não é apenas o tronco, mas toda a vinha, e os ramos fazem parte da vinha.)

6. O "dar fruto" (v. 2a) certamente se refere a cumprir o novo mandamento do amor.

7. A palavra que purifica (v. 3) é a mesma que vivifica (Jo 6.63) e julga (Jo 12.48).

8. O versículo 5 ("o que permanece em mim e eu nele este produz muito fruto") diz de forma positiva o que o versículo 4 já dissera negativamente. A segunda parte do versículo 5, que é um tema importante no evangelho de João, foi ura, dos textos usados por Agostinho para refutar Pelágio, que enfatizava uma suposta capacidade natural do homem de fazer obras dignas de recompensa eterna.

9. O versículo 6 trata do destino dos ramos cortados, numa referência a um juízo final (escatologia futura em João). Muitas das passagens do Antigo Testamento que tratam da videira e da vinha terminam com juízo (cf. Ez 15.1-8).

10. O texto tem um paralelismo temático com Is 40.25-31, a leitura do Antigo Testamento (O SENHOR não se cansa nem se fatiga... Faz forte ao cansado, e multiplica as forças ao que não tem nenhum vigor. Os que esperam no Senhor renovam as suas forças...) e a leitura da epístola, 1 Jo 5.1-13 (aquele que não tem o Filho não tem a vida).

11. Sugestão de tema e partes:

SEM O CRISTO RESSUSCITADO, NADA FEITO. 1. nada de vida (1 Jo 5.12) 2. nada de frutos (Jo 15) 3. nada de força (Is 40).

Vilson Scholz

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QUARTO DOMINGO DE PÁSCOA

João 10.11-16

21 de Abril de 1991

Introdução: É possível desistir do ministério da igreja? Abandonar o ofício pastoral? O aumento de pedidos de licenciamento por parte dos pastores da IELB quer nos dizer alguma cousa. Onde está o problema? No pastor? No rebanho? Como solucionar esta crise? Necessitamos de orientação e reflexão. A mensagem sobre o bom pastor contém o ensino que precisamos ouvir e seguir.

O contexto: O contexto fala sobre o sentido da vinda e missão de Jesus Cristo. As tradições da época necessitam ser corrigidas. A imagem do pastor deve ser reestabelecida. É de fundamental importância a confiança do povo de Deus nos seus líderes. Jesus Cristo é o exemplo. Ele é o bom pastor. Ele não veio para "se servir" ou dominar o rebanho. O povo de Deus necessita outro "tipo", outro "perfil" de pastor à sua frente (cf. Jo 10.1-10). O texto é uma acusação contra as disitorções no pastorado (cf. Jo 10.11-16). Por isso a imagem do bom pastor questiona a atitude e o comportamento daqueles pastores que deveriam ser considerados mercenários. O povo de Deus necessita ser conscientizado sobre a origem e a missão do bom pastor, lambem em nossos dias (cf. Jo 10.19ss).

O texto: "Eu sou o bom pastor". Quem é este "eu sou"? Aqui fala o próprio Deus (Gn 15.7; 17.1; 28.13; Ex 3.14ss). É ele que tem compaixão do seu povo (cf. Ez 34.11-16; Is 40.11;). O povo do Senhor necessita de líderes capazes para apascentar o rebanho. Esta é a vontade de Deus. Neste sentido Jesus, o filho de Deus, veio cumprir a sua missão. Perante ele, o bom pastor, os falsos modelos são desmascarados.

"O mercenário foge, porque é mercenário". O mercenário é um pastor temporário e contratado. Trabalha somente pelo salário. Sua motivação é outra. Ele não mostra, os mesmos cuidados do bom pastor. Falta-lhe o interesse, pois, o rebanho não é de sua propriedade. No momento da crise ou do perigo o mercenário foge.

"O bom pastor dá a vida pelas ovelhas" (cf. v. 11 e 15). O bom pastor conhece o seu rebanho. Isto significa, que o pastor se preocupa e sente, no seu íntimo pensar, o que se passa no rebanho. Sabe, que o rebanho necessita dele. As ovelhas conhecem e ouvem a sua voz. Sua voz é orientação, pois transmite

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tranquilidade no ofício de conduzir o rebanho. O bom pastor ouve e obedece a vontade do pai que está nos céus.

A diferença entre o bom. pastor e o mercenário encontramos em uma palavra. O mercenário trata de receber somente. O bom pastor oferece e dá. "Dou a minha vida". O pastor autêntico tem esta mentalidade. O enviado de Deus tem este espírito. Cristo, o bom pastor, foi capaz de deixar a sua vida pelos irmãos (cf. Jo 15.13ss). Toda a sua vida é um testemunho sobre o seu amor pelo homem. Vivendo este amor, Jesus foi capaz de perder a sua vida. Sua cruz e morte foram as consequências de sua luta a favor do rebanho. Apascentar o rebanho de Deus hoje significa assumir o "segue-me" do bom pastor. O espírito do pai quer se manifesitar nos pastores de nosso tempo. Vivemos numa época em que o rebanho é muito mais importante do que o bem estar do pastor. 0 modelo do bom pastor encontramos cm Jesus Cristo, que foi o servo de Deus (cf. Is 53). Na renúncia encontramos a vitória. Fica um aviso: o rebanho jamais deveria maltratar ou abusar de seus pastores. Pelo contrário, deveria sempre olhar para o servo de Deus e ver nele a presença daquele que o chamou para o ofício pastoral.

Esboço: Jesus é o nosso bom pastor

— Contemplemos a sua fidelidade no cumprimento de sua missão — Sigamos o seu exemplo no ofício pastoral.

Hans Horsch

QUINTO DOMINGO DE PÁSCOA

João 16.4b-15

28 de Abril de 1991

1) Assunto geral das perícopes: Adoração ao Deus verdadeiro com muita alegria e com tudo o que se fizer, beto como proclamação da grandeza de Deus por toda parte, guiados pelo Espírito Santo.

2) Contexto: O contexto anterior e posterior desta pericope de Jo 16.4b-15 é a última ceia de Cristo com os seus discípulos e que está relatada desde 13.1 até 18.1. Em três capítulos ou por três vezes (14.16,17,26; 15.26; 16.7-14) Jesus faz referência ao

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Consolador, o Espírito Santo, que seria enviado para os discípulos logo após a Ascensão de Jesus. Em todo este trecho Jesus está consolando, edificando e fortalecendo seus discípulos e termina orando por eles.

3) Texto: Vers. 4b-6: Jesus está prevenindo seus discípulos contra as adversidades que estavam por enfrentar. Ele não falou disso antes, "porque eu estava convosco; mas agora vou para junto daquele que me enviou". Parece que Jesus queria que eles perguntassem: "Para onde vais?" e, assim, se interessassem pelo céu, pelo Pai. Eles, porém, ficaram tristes: "a tristeza encheu o vosso coração". O ambiente ficou constrangedor. Mas Jesus continuou a falar para os discípulos.

Vers. 7-11: Diz-lhes por que ele precisa ir: "eu vos digo a verdade: Convém-vos que eu vá, porque se eu não for, o Consolador não virá para vós outros. A importância e a necessidade aa vinda do Consolador está muito enfatizada nestes três capítulos do evangelho de João. Quando o Parákletos (Consolador, Admoestador, Advogado) vier, ele eléngxei tòn kósmon peri hamartías, kai peri dikaiosgnes kai peri kríseos. O que significa o verbo eléngcho? É um verbo muito importante e tem muitos significados. Por isso não é tão fácil de compreender e de traduzir seu significado neste texto. Outra palavrinha importante aqui é a preposição peri, que pode ter a ideia de favor e vantagem ou de desvantagem e oposição. A pergunta então é: O que o Espírito Santo vai fazer e como vai fazê-lo (eléngxei tòn kósmon)? Vai ele 1) beschimpfen, zu Schande- machen, schmàhen, tadeln, beschuldigen, widerlegen, beschãmen o mundo? Ou vai ele 2) zurechtweisen, iiberfúhren, zeihen, beweisen darthun, zeigen o mundo peri (acerca de) pecado, justiça e juízo? Ou fará ambas as coisas? Possivelmente nossa explicação deverá ser que o Espírito Santo faz ambas as coisas ou até três coisas: 1) ele culpa o mundo de pecado, porque este é incrédulo (v. 9); 2) ele dá a justiça pela fé, porque Jesus vai para o Pai (v. 10); eJe julga o mundo, na medida em que o príncipe deste mundo já está julgado (kékritai, v. 11).

Vers. 12-15: Mas para os discípulos o parákletos só vai fazer bem; tanto que Jesus nem vai dizer tudo aos seus discípulos agora, porque não podem suportar tudo isso ainda; mas quando aquele (o Consolador) vier, ele vai fazer bem, porque ele

— Vos guiará a toda a verdade; — Não falará de si, mas dirá quantas coisas (tudo o que) ele ouve; — Vos anunciara as coisas que hao de vir;

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— ele glorificará a Jesus e anuncia (anaggelei ocorre 3 vezes em 13-15!) aos discípulos, porque receberá do que é de Jesus.

4) Disposição:

Tema: CONVÉM-VOS QUE EU VÁ

I — Se eu não for, o Consolador não virá para vós II — Se eu for, eu vo-lo enviarei.

ou

JESUS ENVIA O PARÁCLETO

I — Para culpar o mundo a respeito do pecado da incredulidade II — Para dar justiça aos que crêem em Jesus que está com o Pai

III — Para julgar o mundo, porque seu príncipe já está julgado.

Curt Albrecht

SEXTO DOMINGO APÓS A PÁSCOA

João 16.23b-33

5 de Maio de 1991 O contexto

Nos versículos que precedem a perícope, Jesus ensina os discípulos a respeito do ministério do Espírito Santo, de sua própria volta para o Pai e do benefício que isto traria para os fiéis. Os discípulos, não compreendendo todos os ensinamentos, expressam suas dúvidas. A presente perícope faz parte do diálogo mantido entre Jesus e seus discípulos.

O texto

Tudo indica que a segunda parte do v. 23 se refere ao tempo após a ressurreição, quando os discípulos não precisariam mais receber ensinamentos da parte de Jesus. É uma alusão à

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atividade do Espírito Santo, ele "vos ensinará todas as coussas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito" (14.26) e "vos guiará a toda a verdade" (16.13).

A morte expiatória de Jesus, que aconteceria em breve, iria inaugurar uma nova era, trazendo mudanças em tudo. As orações seriam dirigidas ao Pai e, em nome de Jesus, os seus pedidos seriam atendidos. Até então não haviam pedido ao Pai desta maneira (v. 24).

O objetivo é a alegria dos discípulos (v. 24). Deus está interessado na felicidade de seu povo. A alegria está ligada à oração. Com toda a confiança podem falar com o Pai, como filhos amados (v. 24; Gl 4.6). Tendo em vista que o Pai os ama, não haveria necessidade de Jesus interceder por eles (v. 27). Além disso, falando com o Pai em nome de Jesus, é como se o próprio Jesus falasse com o Pai. Não há nisso contradição com versículos como Rm 8.34; Hb 7.25 e 1 Jo 2.1. Em, todas as passagens o fundamento é a obra salvadora realizada por Cristo. O que Jesus fez constitui-se numa intercessão permanente junto ao Pai. Também não se deve entender como se Jesus precisasse convencer o Pai a ser compassivo (v. 27). Toda a obra de Cristo repousa no fato de o Pai haver amado o mundo e ter enviado o seu Filho (Jo 3.16).

"Visto que me tendes amado" (v. 27). Não foi o amor dos discípulos que mereceu o amor de Deus. É o amor que o próprio Pai concede, "nós o amamos porque ele nos amou primeiro" (1 Jo 4.19). Fato é que Deus ama todas as pessoas (Lc 2.14; Jo 3.16; 1 Tm 2.3,4) e de outra parte é verdade que Deus se alegra especialmente por aqueles que crêem (Lc 15.7). É desta alegria que trata o v. 27.

A origem celeste de Jesus (v. 28) é imprescindível, caso contrário ele não poderia ser o Salvador. Seu retorno ao céu é, igualmente, indispensável, por constituir-se na garantia de que seu sacrifício foi aceito pelo Pai.

É discutível se os discípulos realmente entenderam todos os aspectos das palavras de Jesus, ainda que não mais falasse em figuras (vv. 29, 30). O que eles, contudo, agora, sabem melhor é que Jesus conhecia todas as coisas, porque ele veio da parte do Pai (v. 30). Não há explicações mais detalhadas. Elas nem são necessárias. Os discípulos possuem a convicçãoi da fé.

As palavras de Jesus no v. 31 são mais uma afirmação do que uma pergunta. A fé que os discípulos possuíam] era real. Ela, no entanto, sofreria um grande abalo. O v. 32 refere-se aos acontecimentos da paixão de Jesus quando foi abandonado pelos discípulos (Mc 14.50; Mt 26.31). Assim mesmo não esteve sozinho (v. 32).Falou com o Pai era oração (Mc 14.36). Foi con-

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fortado por meio de um anjo vindo do céu (Mc 22.43). O tempo presente, na frase "porque o Pai está comigo" (v. 32), indica uma presença contínua. O Pai sempre está com ele. O mesmo acontece conosco (Mt 6.6).

Os discípulos ficariam no mundo e nele teriam tribulações (v. 33). Estariam cheios de medo (Jo 20.19). Ficariam envergonhados por havê-lo abandonado no Getsêmani. Assim, mesmo em Jesus poderiam ter paz. Ele os estava preparando para passarem por esta noite escura. Assegura-lhes seu amor a despeito de tudo o que iria acontecer e apesar das deficiências deles.

Jesus pôde assegurar-lhes tudo isto por causa da vitória que iria conquistar na cruz. Em lugar de sua total derrota, como poderia parecer sua morte no Calvário, ela significaria a sua vitória sobre tudo. Iria em direção à cruz, não como derrotado, porém como vencedor. E a sua vitória é a nossa vitória! (1 Co 15.57). Agora nada mais pode impedir que Deus nos ame (Rm 8.38,39).

Disposição

Jesus dialoga com seus discípulos sobre a sua volta para o Pai

Neste diálogo

I — Os discípulos são prevenidos dos percalços pelos quais iriam passar.

II — Aos discípulos é assegurada a continuidade do amor de Deus.

Christiano Joaquim Steyer

A ASCENSÃO DO SENHOR

Mateus 28.16-20

9 de Maio de 1991

Leituras

De acordo com o SI 110, o Messias é Sacerdote e Rei. No nome Melquisedeque encontra-se o significado original do "Rei de Justiça", do Rei que se vitoria sobre os inimigos e confirma a aliança com o seu povo. A direita do Senhor da glória é o lugar que Cristo ocupa, quando sobe ao céu corporalmente. Na Epístola, o Apóstolo Paulo refere um trecho do SI 68.18, que

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também anuncia e prediz a Ascensão. Cristo subiu ao céu para preparar lugar a seus crentes, para encher todas as coisas, e espera ver sua obra completada em seus santos, no desempenho de seu serviço, como apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres. O trecho escolhido do AT faz diversos questionamentos, para, ao final, afirmar que Deus é soberano, e perante ele "se dobrará todo joelho", e todos os crentes serão glorificados.

Texto

Vs. 16-17 — O início do texto é uma continuação do v. 10, devendo os versículos intermediários ser considerados como um parêntese. Os onze seguiram para a Galileia, depois que as mulheres lhes disseram o que haviam visto e que tinham a dar-lhes esse recado. O trecho recebe o título de "A Grande Comissão", e tem uma importância vital para o desenvolvimento do trabalho da igreja do Novo Testamento.

O monte no qual eles se reuniram não é nomeado, podendo ter sido o monte das beatitudes (Mt 5.1), o da transfiguração (Mt 17.1), ou ainda algum outro. É provável que, devido ao grande número de fiéis residirem na Galileia, este tenha sido o encontro em que Jesus foi visto por mais de quinhentos irmãos (1 Co 15.6). "Alguns duvidaram": os onze discípulos devem ser considerados os líderes de um grupo maior, como o dos qui-nhentos, entre os quais deve ter havido esses tais que duvidaram. As dúvidas devem ter-se dissipado com o que segue, quando Jesus se aproxima e fala de sua autoridade e presença.

V. 18 — "Toda autoridade": é a expressão da vitória sobre a morte e de sua ressurreição, e a certeza de sua iminente ascensão ao céu. Ele afirma aqui que, com sua vitória, tomou posse completa da glória e do poder que possuía desde antes da fundação do mundo, de acordo com sua natureza divirta, e que agora a natureza humana também estava investida dela, em favor dos crentes e de sua missão, que passa a propor-lhes (Jo 17.5; Ef 1.20-23). A autoridade de Cristo fá-lo enviar a seus discípulos o Espírito Santo, para converter os pecadores, e, em meio à comunhão de crentes, santificá-los, protegê-los, aperfeiçoá-los. Sua autoridade final é a de ser o Juiz de vivos e de mortos, que vem para o juízo na consumação dos séculos! (Cf. Cl 2.15ss). A autoridade do Mestre atua na missão de seus discípulos e fundamenta a mesma, quando ficarem sós no mundo.

Vs. 19-20 — "Ide, portanto": por possuir a citada autoridade, Jesus envia a quem quer, para onde desejar, a pregar o que lhe ordenar. É a grande ordem ou comissionamenío para o testemunho por palavra e sacramento. "Discípulos de todas as nações": o poder que abrange o mundo inteiro leva a uma tarefal também mundial. O discipulado envolve, via de regra, a

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pregação e o ensino da palavra; mas ele se estabelece, de forma específica, no momento em que o não cristão é trazido ao completo acordo de tornar-se cristão. Isto não impede que também crianças sejam feitas discípulos e recebam o batismo. "Todas as nações" incluem crianças e adultos). "Batizando-os": o verbo, no original, é baptísantes, devendo ser melhor traduzido assim: "e, tendo-os batizado,... ensinai..." Isto coloca o ''fazer discípulos" como tarefa inacabada sem o batismo. E, ao mesmo tempo, justapõem-se duas ações que se completam: o batismo, que antecede, e a instrução, que se segue, o rito de iniciação e o ensino subsequente. "Em nome de...": era uma expressão muito em voga no Judaísmo, para indicar que uma pessoa estava sendo efetivamente comprometida com alguém ou alguma causa. Batizada em nome do Pai, uma pessoa recebe a Deus como seu Pai, Criador, Preservador; em nome do Filho, ela recebe todos os benefícios do ato redentor de Cristo; em nome do Espírito Santo, ela recebe o poder e a presença vivificante do mesmo Espírito. O Batismo repete no crente a presença da Trindade, como ocorreu no batismo de Jesus. Neste ponto se unem o início e o final da carreira terrena de Jesus; o princípio e a finalidade de vida de todo filho de Deus (Cf. Rm 6.2ss).

"Ensinando-os a guardar todas as cousas", como novo Moisés, Jesus sublinha a necessidade do ouvir e obedecer a toda a palavra de Deus, lei e evangelho. Enviado pelo Pai para ensinar, ele repassa essa tarefa a seus seguidores. Somente o puro e claro ensinamento das verdades divinas possibilita um sadio crescimento na fé e impulsiona a evangelização, atividade-fim da igreja cristã. "Estou convosco...": a promessa final é ani-madora e certa. A obra de Jesus na terra se completa, mas a sua presença etérea continua, protegendo, guardando, estimulando, pelo Espírito, a seus seguidores e discípulos de todos os tempos. O seu presente final, ao despedir-se na Ascensão, é o de sua presença constante e abençoadora, conferindo poder de testemunhar, de modo a levarmos adiante a obra por ele iniciada.

"Convosco" refere-se à igreja universal, a seus pastores e crentes. A promessa se faz aos apóstolos, a seus ofícios, e a todos os ofícios que deles derivam, em contraposição ao que é mundano, e deve ser por eles cristianizado. Todos os dias, mesmo os mais difíceis, são dias de redenção e de presença do Salvador. "Até à consumação do século": Cristo quer acompanhar os seus aonde quer que vão e pelo tempo que for por eles uti-lizado, especialmente para anunciar a sua palavra e testemunhar de sua obra redentora.

Sendo este o evangelho da Ascensão, poderia admirar que o relato da mesma não é feito por Mateus e João. Está, no en-

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tanto, implícito na promessa de sua onipresença, exposta no texto. A sua presença invisível e temporal, enquanto aguardamos sua segunda vinda, será compensada por uma presença eterna em sua companhia, visível e gloriosa.

Disposição Homilética

O Senhor exaltado ascende ao céu!

1 . Seus inimigos reconhecem nele: 1.1 Seu Rei onipotente 1.2 Sua Testemunha onisciente 1.3 Seu Juiz onipresente.

2. Seus crentes aceitam, pela fé: 2.1 Seu Intercessor e Sacerdote misericordioso 2.2 Seu Mestre e Ensinador sábio 2.3 Seu Irmão, Companheiro e Protetor permanente.

Elmer Flor

SÉTIMO DOMINGO DE PÁSCOA

João 15.26-16.4

12 de Maio de 1991

Assunto

O Salmo do dia (SI 8) atesta que Deus em sua bondade e misericórdia, lembrou-se do homem, trazendo-o à vida, oferecendo-lhe uma posição de destaque na criação (SI 8.3-8). Deus não cria somente o homem, mas tambem o restaura, purifican-do-o de toda sua maldade e pecado. É Deus quem opera no homem, dando-lhe um coração novo (Ez 36.26) e nele colocando o seu Espírito (Ez 36.27).

Como Jesus havia prometido, o Espírito Santo seria o Consolador (Jo 15.26), aquele que fortaleceria os discípulos (Ef 3.16) na sua missão de pregar o Evangelho. Ele não só fortaleceria os discípulos, como também os ajudaria a lembrar todas as coisas que Jesus lhes havia ensinado (Jo 14.26), auxiliando-os a compreender e a conhecer mais e mais o amor de Cristo (Ef 3.18,19). A oração do dia (Preciso Falar — VI, pg. 49) evoca o lema do domingo, quando lembra que o Senhor que subiu triun-

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fante ao céu (Ascensão) não deixará os seus sem consolo, mas enviará o Espírito da Verdade, prometido pelo Pai. Texto e Contexto

Jesus, que amou os seus até o fim (Jo 13.1), assegura a seus discípulos que eles podem permanecer em seu amor, assim como ele mesmo, certamente permanece no amor do Pai (Jo 15.9,10). Neste seu amor pelos discípulos, Jesus os previne do ódio do mundo e antecipadamente os prepara para isso (Jo 16.1). Eles agora estão identificados com Cristo, assim como o próprio Cristo está identificado com o Pai (Jo 15.18,21). E porque Cristo os escolheu, eles agora se tornaram estrangeiros neste mundo e o mundo os odiará (V. 9; Hb 11.13). Assim, como servos de seu Senhor, os discípulos certamente herdarão o ódio do mundo, que perseguiu e ignorou a palavra de Jesus (V. 20; Cf. SI 69.4; Jo 1.10-11). Todos que pertencem a Cristo irão inevitavelmente se defrontar com o ódio dessa humanidade egoísta e centrada em si mesma. Os discípulos serão odiados pelos homens que (Como Paulo — Cf. At 7.58, 9.13; 1? Tm 12.13) consideram a si mesmos fazendo serviços a Deus (Jo 16.2). Mas o ódio do mundo não triunfará, a luz que brilha nesta escuridão de ódio não será apagada (Cf. Jo 1.5). O testemunho do Espírito e o testemunho inspirado dos discípulos irá continuar e irá prevalecer.

No início do ministério de Jesus, não havia necessidade de os discípulos tomarem conhecimento de tais acontecimentos, pois naqueles dias, e desde então, ele havia estado com eles, como seu amigo e protetor, guardando-os contra todo o tipo de fraqueza e perseguição. Agora, os discípulos contariam com a ajuda do Consolador e seriam capazes de testemunhar, de testificar a respeito da redenção de toda a humanidade através da obra de Cristo. Com tal e maravilhoso testemunho do alto, para ampará-los e fortalecê-los, não haveria razão para os discípulos não realizarem sua tarefa com toda energia e poder; e sem dúvida, não há nenhuma razão para que os discípulos de hoje não realizem semelhante tarefa, afinal, o Consolador, o Espírito Santo permanece o mesmo.

Disposição DIANTE DO ÓDIO DO MUNDO JESUS PROMETE O SEU ESPIRITO

■ - ' Para: I — Dar testemunho do próprio Cristo (da Verdade)

II — Auxiliar os discípulos em seu testemunho III — Confortar e consolar os discípulos em sua tarefa.

Ely Prieto

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LIVROS

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO: QUESTÕES FUNDAMENTAIS NO DEBATE ATUAL. De Gerhard F. Hasel. Tradução de Jussara Marindir Pinto Simões Farias. Rio de Janeiro, Junta de Educação Religiosa e Publicações, 1988. 193 páginas.

Aparentemente, um livro de teologia do Novo Testamento. Se, no entanto, prestarmos atenção ao subtítulo, "questões fundamentais no debate atual", e examinarmos o índice, logo veremos tratar-se de uma introdução à disciplina da teologia do Novo Testamento. O livro mostra o que se fez e ainda faz em termos de teologia do NT. Destaca pontos ou questões que hoje são debatidos por teólogos de diferentes escolas de pensamento. A quem eventualmente quiser dar a sua contribuição para a disciplina "teologia do Novo Testamento", o livro propicia uma boa orientação metodológica.

No primeiro capítulo, "Primórdios e desenvolvimentoi da teologia do NT", Hasel traz a história da teologia do Novo Testamento nos últimos dois séculos. Inicia com a Reforma dio século XVI, passa pelo Iluminismo (tido como pai do método histórico-crítico), registra as reações de teólogos conservadores, como von Hofmann, Theodor Zahn, e Adolf Schlatter, e conclui com uma análise das primeiras décadas do século XX, onde aparecem Barth, Bultmann, Peter Stuhlmacher, e outros.

No segundo capítulo, "Metologia na teologia do NT", Hasel apresenta quatro abordagens metodológicas, consideradas por ele as mais importantes da teologia do NT na atualidade: a) A abordagem temática, que aparece na obra do anglicano Alan Richardson e do católico-romano Karl H. Schelkle; b) A abordagem existencialista, representada por Rudolf Bultmann, e Hans Conzelmann; c) A abordagem histórica, seguida por Werner G. Kuemmel e Joachim Jeremias; d) A abordagem da história-da-salvação (Heilsgeschichte), defendida por Oscar Cullmann, Geor-ge E. Ladd, Leonhard Goppelt e outros. Hasel conclui que não há concordância entre os principais praticantes da teologia do NT no tocante à questão da metodologia. Um dos maiores problemas é a questão do lugar de Jesus dentro da teologia do NT. Outro problema fundamental, onde os autores divergem, é a questão da reconstrução histórica e interpretação teológica.

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No terceiro capítulo, "O Centro e a Unidade da Teologia do NT", o autor se defronta com a seguinte questão básica: existe apenas uma teologia do NT ou várias teologias dentro dele? O método histórico-crítico, Hasel nos lembra, tende a magnificar as diferenças em detrimento das semelhanças. Na análise das diferentes propostas de assunto central do Novo Testamento, o autor indica que, para R. Bultmann e H. Braun, é a antropologia. Para CuHmann e Conzelmann, a história da salvação. Para outros, a cristologia.

Num quarto capítulo, intitulado "A Teologia do NT e o AT", Hasiel constata inicialmente que a teologia do NT se separou da teologia do AT por volta de 1800. Desde então se discute tentativas de abordar a questão da continuidade e da descontinuidade entre os dois testamentos. Há duas tendências opostas: a) supervalorização do NT em detrimento do AT (ten-dência marcionita, presente em Adolf von Harnack e R. Bultmaim); b) supervalorização do AT e desvalorização do NT. Hasel apresenta os seguintes padrões de continuidade ou passagem do AT ao NT: 1. conexão histórica; 2. dependência escriturai; 3. vocabulário; 4. temas; 5. tipologia; 6. promessa-cumprimento; 7. história da salvação; 8. perspectiva escatológica.

No último capítulo, Hasel apresenta propostas básicas para uma teologia do NT, declarando-se favorável a uma abordagem múltipla. São seis propostas: 1. Deve-se entender a teologia bíblica como uma disciplina histórico-teológica. 2. Uma teologia do NT fornece, primariamente, uma interpretação sumária e uma explanação de cada documento do NT ou blocos de escritos do NT, com vistas a permitir que seus conceitos, temas e assuntos apareçam e revelem seus parentescos mútuos. 3. Uma apresen-tação da teologia do NT pode começar melhor com, a mensagem de Jesus, prosseguindo com as teologias de Mateus, Marcos, Lucas-Atos, alcançando as teologias! paulina e petrina, culminando com a teologia joanina e o Apocalipse. 4. A teologia do NT não procura apenas conhecer a teologia dos vários livros ou grupos de escritos; ela também tenta reunir e apresentar os temas mais importantes do NT. 5. A disciplina não está interessada em apresentar ou explicar a variedade de teologias; ela tem uma teologia em vista, a saber. A teologia do NT. 6. O teólogo bíblico entende a teologia do NT como parte de um conjunto mais amplo. Uma teologia integral do NT encontra-se num relacionamento básico com o AT e a teologia do AT.

Gerhard Hasel, que é professor de AT e Teologia Bíblica numa universidade em Michigan, revela amplo domínio do assunto e ajuda o leitor a entender quem é quem na teologia do NT. Além das copiosas notas de rodapé, que acompanham o texto, o autor inclui quinze valiosas páginas de "Bibliografia Se-

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lecionada". Para facilitar a pesquisa, a obra inclui um índice onomástico e de assuntos.

Pela importância da obra, é uma pena que a tradução não seja das melhores. Em muitos e muitos pontos o leitor fica com vontade de ler o original, pois o texto português se tornou indecifrável. Conferindo o original, percebe-se que a tradutora nem sempre entendeu o que Hasel escreveu. Em alguns casos, o contexto mostra que a tradutora alterou completamente o sentido. Considere-se, por exemplo, o seguinte enunciado, à página 152: "O NT completa o incompleto do AT e ainda vai mais além do eschaton final. Do AT ao NT e mais além, não há um mo-vimento contínuo em direção ao eschaton, a chegada do Dia do Senhor. De fato, toda a história do Apocalipse constitui uma peregrinação, que espera a cidade cujo arquiteto e edificador é Deus (Heb. 11:10)". O que Hasel de fato quis dizer é isto: "O NT preenche aquilo que o AT deixa em aberto e ainda vai além, apontando para o eschaton final. Do AT ao NT e dali para a frente existe um só movimento contínuo rumo ao eschaton, a chegada do dia do Senhor. De fato, toda a história da revelação é uma só peregrinação, em que se espera a cidade..." Outro exemplo: "A ideia de 'complexo' não deve se limitar ao relacionamento mais simples de uma antologia..." (p. 153). Soa interessante, mas o que Hasel de fato diz é isto: "A noção de 'contexto' não deve ser limitada aperras àquilo que está imediatamente próximo a determinada perícope..." Na passagem da página 165 à 166 lê-se: "a arqueologia tem sido inútil em proporcionar os cenários históricos, cultural e social para a Bíblia." O original diz: "a arqueologia tem sido de valor incalculável ("invaluable") em proporcionar o contexto histórico, cultural e social da Bíblia". De modo geral, no entanto, isto não impede que o leitor avisado tire boa parte do que Hasel coloca neste pequeno, mas valioso, livro.

Vilson Scholz

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO. Por George Eldon Ladd. Rio de Janeiro, JUERP, 1985.

O autor foi professor de exegese do Novo Testamento no Fuller Theological Seminary, Pasadena, Califórnia. Escreveu vários comentários bíblicos, e também esta obra que agora analisamos.

Trata-se de um livro cujo propósito é familiarizar com a disciplina conhecida como Teologia do Novo Testamento. Pro-

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cura oferecer uma visão geral, sem preocupar-se em dar ao assunto contribuições originais ou em solucionar problemas difíceis. O que faz, isto sim, é levantar e especificar os problemas, oferecendo o que considera como melhores soluções para os mesmos.

O autor insiste em explicar que é um livro preparado para estudantes de seminário, e este propósito torna-se em critério delimitador e determinador de algumas características, como, especialmente, as referências bibliográficas limitadas.

Destaca-se o fato de que Ladd, nesta obra, analisa todos os livros do Novo Testamento, procedimento inovador, visto que os demais autores renomados, que escrevem sobre o mesimo assunto, antes dele, não o fazem.

O livro está dividido em seis grandes partes. Na primeira são analisados os principais temas teológicos dos Evangelhos Sinóticos, dedicando-lhes Ladd 164 páginas (descontando as 32 introdutórias). Na segunda parte analisa a teologia joanina, em cerca de 190 páginas. Depois, sob o título "A Igreja Primitiva", trata de Atos dos Apóstolos em cerca de 33 páginas. Novamente espaço maior — cerca de 190 páginas — ocupa o próximo tópico, que é o apóstolo Paulo. Em quinto lugar vem as Epístolas Gerais, com aproximadamente 40 páginas. O sexto e último ponto é a teologia do apocalipse, à qual dedica 11 páginas.

A introdução que George Ladd faz à Teologia do Novo Testamento não é, em si, tão diversa da grande maioria das que existem no que tange à estrutura e aos assuntos abordados. Há, contudo, uma grande diferença, que é abalizadora do livro: sua moderação e ortodoxia. Ladd demonstra conhecer bem o mundo da erudição e da discussão teológica — através das referências que faz e das discussões que sustenta — mas não se deixa levar pelo liberalismo e modernismo teológico, que muitas vezes nada mais têm de teologia, senão apenas de filosofia e humanismo.

Ao se deparar com a posição de Bultmann, de que a ideia da revelação de Deus e Seus atos salvíficos em favor da humanidade na história desta humanidade é mitológica, ele a rejeita por ser modernização. Ladd reconhece que a Bíblia, quer Bultmann e muitos outros como ele a considerem mitologia ou não, procura contar a história daquilo que Deus tem feito, e que também afeta a existência humana.

Ladd reconhece e afirma, contra a erudição adepta do método histórico-crítico, que Deus existe, pois a sua realidade é assumida em toda a parte, sendo que a Bíblia também, não se preocupa em provar a sua existência. A Bíblia assume um ser auto-existente, pessoal, poderoso, que é o criador do mundo e

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do homem, e que se preocupa com o homem. O interesse divino é motivado pelo pecado do homem, que o levou a um estado de separação de Deus, trazendo consigo o aguilhão da morte.. A rebelião humana tem afetado não apenas a existência no campo individual, mas também o curso da história e o reino da natureza no qual o homem foi colocado. A redenção é a atividade divina cujo objetivo é a libertação dos homens, como indivíduos e como sociedade, de seu dilema pecaminoso e a sua restauração a uma posição de comunhão e favor com Deus.

A Teologia do Novo Testamento depara-se, a grosso modo, com dois grandes problemas. Um é o da sua tarefa própria, isto é, identificar os temas teológicos do Novo Testamento e as dificuldades inerentes a eles, e o outro, firmar-se no cenário da erudição teológica dos últimos tempos, eminentemente racionalista, filosófico-idealista, liberal e histórico-crítica. Neste cenário apresenta-se a obra de Ladd, afirmando que a teologia bíblica não é nem a estória da busca humana com relação a Deus, nem lampouco uma descrição de uma história da experiência religiosa. A teologia bíblica é teologia: é primariamente uma história sobre Deus e seu interesse e cuidado para com os homens. Ela existe unicamente em virtude da iniciativa divina realizada em uma série de a tos divinos cujo objetivo é a redenção humana. A teologia bíblica, consequentemente, não é, de modo exclusivo ou mesmo primário, um sistema de verdades teológicas abstraías. Constitui-se, basicamente, na descrição e interpretação da atividade divina no contexto do cenário da história humana, procurando a redenção do homem.

E assim, este posicionamento equilibrado e claro do autor perpassa o seu livro, tornando-o obra recomendável para a biblioteca de todo teólogo.

Irmo A. Hübner

A TEOLOGIA DA CRUZ DE LUTERO. Por Walther von Loewenich. Tradução de Walter O. Schlupp e Ilson Kayser. São Leopoldo, Sinodal, 1988. 183 páginas.

O livro é um clássico sobre a teologia de Lutero. Loewenich conseguiu coordenar toda a teologia de Lutero em torno da ''teologia da cruz" que detectou nas Teses de Heidelberg de 1518 e nas primeiras aulas sobre os salmos, nos seus últimos sermões, no De Servo Arbítrio, e na grande preleção sobre Génesis (p. 22). A "teologia da cruz" se opõe à "teologia da glória" da teologia

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romana dominante. A "teologia da cruz" é "determinada maneira de fazer teologia" (p. 14). Não se trata de uma teologia de "trânsito integral com Deus", o que seria teologia da glória, mas da teologia que se faz quando "vemos Deus apenas por detrás", como Moisés (Ex 33.23) (pp. 16, 17). Por isso a "teologia da cruz é teologia da fé" (p. 18). Ela é "anti-especulativa" (p. 25).

Na primeira parte Loewenich examina o programa da teologia da cruz no Debate de Heidelberg. Na 2ª parte faz o desdobramento. Primeiro examina o conceito do Deus abscôndito, para então desenvolver a doutrina de Lutero a respeito da te. Opõe fé e sindérese, intelecto, razão, experiência, para afirmar depois que fé é também experiência. Na 3ª parte descreve a vida do cristão sob a cruz, mostrando como o estado cristão também é abscôndito, pois leva ao discipulado do sofrimento, da humildade, da tentação e da oração. Na 4ª parte relaciona a teologia da cruz com a mística, fazendo uma análise histórica da relação de Lutero com Tauler, com a Teologia Alemã, e com a Devoção Moderna.

No capítulo sobre o Deus abscôndito mostra que Lutero afirma que Deus está oculto sob o véu da palavra e de suas, obras (p. 34) e que, na realidade, Deus precisa velar-se ao querer revelar-se à fé. Mesmo a "igreja é abscôndita, os santos estão latentes" (p. 31). "Porém na fé, na palavra, no sacramento" Deus é revelado e enxergado (p. 36). O Deus "nu" é o deus dos filósofos (p. 38) e um ídolo (p. 39). Mas o Deus abscôndito está na base da teologia da cruz (p. 44) porque é o mesmo Deus revelado (p. 31) em Cristo, escondido na palavra e nos sacramentos.

A doutrina da fé está no centro da teologia da cruz. Quando discute a relação entre fé e razão Loewenich apresenta as raízes occamistas de Lutero. Entende que "os enunciados da fé estão radicados em fundamentos supralógicos" (p. 68). Por isso "Lutero combate a razão na medida em que ela pretende ser princípio da cosmovisão". É a "prostituta razão". Mas a deixa valer como "fator cultural" (p. 68, 69), como raciocínio lógico para servir a teologia. Diz que a fé não pode "ser fixada psicologicamente" (p. 76). Por isso a fé é uma "coisa árdua e difícil", por ela "colocar-se em oposição a todas, as aparências" (p. 77). Loewenich diz que o objeto da fé "não é mais o invisível em geral, mas concretamente a palavra" (p. 81). No entanto Loewenich não identifica esta palavra concretamente com a Es-critura Sagrada.

A análise do conceito de fé leva Loewenich a revelar algumas preocupações existencialistas. Embora procurasse retificar no posfácio (p. 170) algumas posições desse seu "primeiro

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trabalho" de 1929 Loewenich não evoluiu de sua posição crítica adotada. Acha que a ortodoxia luterana, como é oposta a essa linha existencialista, tem uma "boa dose de teologia da glória", talvez porque aceite uma revelação positiva de Deus na Escritura Sagrada. Mas Loewenich não justifica esta sua crítica (p. 89). Sua posição aparece mais quando discute "fé e palavra" e "fé e Cristo". Entende que "palavra é evangelho", mas "essa palavra somente é verdadeira para a fé", pois "justamente desta ma-neira é que a pessoa é colocada diante da decisão" (p. 98). A relação "fé e Cristo" é colocada corretamente quando afirma que "na própria fé está presente Cristo" (p. 101). Leímbra que "o Espírito Santo é O' criador da nova vida" (p. 107). No entanto não encontra em Lutero a identificação de "palavra" como "Escritura Sagrada", que parece óbvia nos escritos de Lutero.

Quando fala da vida sob a cruz Loewenich não consegue também achar a alegria de viver que Lutero tinha na sua liberdade cristã. Somente encontra passagens que ressaltam o sofrimento. Entende que "a abscondidade do estado cristão é discipulado do sofrimento de Cristo" (p. 117). É verdade que encontra a afirmação de que "deus odeia a tristeza" (p. 124), mas "a felicidade do cristão é oculta" (p. 125). Parece ler em; Lutero um pessimismo neoplatônico de desprezo a tudo que é sadio no mundo, "pois ao cristão falta tudo aquilo que dá ao homem carnal motivo para alegrar-se" (p. 125). Não encontra em, Lutero a alegria com o "tudo o que Deus criou é bom" (1 Tm 4.4) e que é parte inerente da sua teologia. Loewenich não demonstra que Lutero fala de uma "distância interna" das coisas, não uma distância real. Chega a ler em Lutero uma "negação de todos os direitos humanos" (p. 130), o que só tem sentido numa "distância interna", assim que as coisas não devem dominar no cristão. Loewenich, ao contrário, ouve "sons quase quietistas" (p. 130).

Na análise da teologia da cruz em relação à mística Loewenich faz a "tentativa de olhar atrás de Lutero" (p. 146) para verificar se há correlações de Lutero com a mística medieval. Chega à conclusão que há uma mística diferente na religião cristã. A teologia da cruz é "o mais rigoroso protesto" contra a mística corrente (p. 155).

A tentativa de unificar a teologia de Lutero dentro do parâmetro da teologia da cruz certamente tem a sua validade apenas quando não levado a seus extremos. A teologia de Lutero se baseava numa hermenêutica sadia das Sagradas Escrituras. Claro que esita posição de Lutero também tinha como pressuposto a fé como dom que torna o homem espiritual e lhe concede a possibilidade de "ver o Rei" com os olhos da fé. A fé também abre espaço ao cristão para viver uma vida real e feliz com "as

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coisas" que Deus acrescenta a quem "busca em primeiro lugar o Reino e sua justiça". A teologia da cruz lhe informa que esta realidade presente não é a final. Por essa razão o cristão precisa guardar uma "distância interna" das "coisas", sem contudo desprezá-las como dádivas de Deus para o caminho atual. O estudo do professor Loewenich, apesar das lacunas, é altamente provocante e merece o lugar que ocupa entre os estudos clássicos sobre Lutero.

Martim C. Warth

O DIDAQUÊ. Por José Gonçalves Salvador. São Paulo, Departamento de Editoração da Imprensa Metodista, 1980.

O Didaquê também é conhecido pelo título: "O Ensino do Senhor Através dos Doze Apóstolos". O autor José Gonçalves Salvador divide sua obra em cinco partes. É, na verdade, um trabalho que ele faz em função do texto do Didaquê, só que, ao invés de começar com o texto, ele o coloca na quinta parte, a parte final do livro. Para um melhor aproveitamento da leitura cu recomendaria que se lesse primeiro a quinta parte (o texto do Didaquê p.d.) e, depois, se passasse à primeira parte, segunda, etc. Na primeira parte o autor faz considerações gerais sobre o Didaquê (origem, cronologia, etc.); na segunda parte ele ressalta algumas informações contidas no Didaquê (catequese, culto, ascetismo, etc.); na terceira parte ele aborda problemas sociais à luz do Didaquê (pobres, escravos, crianças, etc.) e na quarta parte ele destaca aspectos doutrinários do Didaquê (eu-caristia, batismo, ministério, etc). É bom para o pastor conhecer os escritos da igreja antiga; enfim, é da história da nossa Igreja Cristã.

Curt Albrecht

HISTÓRIA DAS MISSÕES. Por Stephen Neill. São Paulo, Edições Vida Nova, 1989. 615 páginas.

Trata-se duma tradução do original inglês, feita em Portugal por Fernando Barros. Isto significa que a linguagem tem pequenas diferenças do nosso português; mas é uma tradução fluente, muito boa de se ler. O livro tem 615 páginas e está

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dividido em duas partes e subdividido em 13 capitulos. O autor, duma maneira agradável, simples e abrangente, narra a história das missões, isto é como o cristianismo se expandiu pelo mundo. Ele não fala da missão duma igreja, duma denominação particular. Ele faz cada capitulo do livro abranger certo período de tempo. Por exemplo: o capitulo dois “A Conquista do mundo Romano”. Abrange os anos 100 a 500. Quem quiser obter uma boa visão, uma visão global da atuação da Igreja Cristã em todo o mundo nos séculos passados, deve ler este livro

Curt Albrecht

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