Identidades, imagens sociais e organizaçao da categoria docente

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Identidades, imagens sociais e organizaçao da categoria docente VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAÇÃO 1 IDENTIDADES, IMAGENS SOCIAIS E ORGANIZAÇAO DA CATEGORIA DOCENTE

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IDENTIDADES,IMAGENS SOCIAIS EORGANIZAÇAO DA

CATEGORIA DOCENTE

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SUMÁRIO

COMUNICAÇÕES CIENTÍFICAS

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12 A INFLUÊNCIA DE AGENTES ESCOLARES NA IDENTIDADE PROFISSIONAL DOCENTE. Eliane Paganini da Silva (FCL/UNESP/Araraquara)

3 A EXPERIÊNCIA DE RIBEIRÃO PRETO MA GESTÃO DA ESCOLA PÚBLICA: A ATUAÇÃO DA PROMOTORIA JUNTO AOS CONSELHOS DE ESCOLA. Adriana de Bortoli Gentil (FCL/UNESP/Araraquara).

20 AS RAZÕES DAS PRÁTICAS CONSOLIDADAS NA PROFISSÃO DOCENTE. Rosa Maria de Freitas Rogério (Faculdade de Educação – USP).

29 EDUCADORES CONTEMPORÂNEOS E O PROCESSO HISTÓRICO NA PRODUÇÃO DE SUA IDENTIDADE PROFISSIONAL. Conceição Aparecida Celegatto. (FE/USP).

39 ESCRITA, ESCOLA E NARRATIVAS: PROCESSO EMANCIPATÓRIO NA TRAJETÓRIA DOS EDUCANDOS ADULTOS. Daiana Cristina Caetano Lopes – Departamento de Didática (FFC/UNESP/Marília) Apoio: PEJA/ PROEX.

50 FORMAÇÃO PARA A DOCÊNCIA: AS EXPERIÊNCIAS VIVIDAS E REMEMORADAS PELO PROFESSOR. Luciana Barbosa Gerbasi; Sônia Maria Vicente Cardoso; Angelita Ibanhes de Oliveira Lima; Renata Sartor (UNOESTE).

55 IDENTIDADE CULTURAL DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA: ALGUNS INDÍCIOS RELACIONADOS COM AS LICENCIATURAS. Silvia Regina Vieira da Silva (UFMS)

62 IMAGENS DE ESCOLA, IMAGENS DE PROFESSORES: A ESCOLA E OS PROFESSORES NO DISCURSO DE PAIS DE ALUNOS. Prof. Luiz Carlos Novaes (Faculdades Integradas de CiênciasHumanas, Saúde e Educação de Guarulhos – SP).

73 O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL E AS ATIVIDADES DE MOVIMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Djinane Fernanda Vedovatto Iza, (PPGE/UFSCar/CAPES); Profa. Dra. Maria Aparecida Mello, (PPGE/DME/UFSCar).

84 O DISCURSO DOCENTE SOBRE OS MATERIAIS DIDÁTICOS. Rosilene Batista de Oliveira Fiscarelli – Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar (FCL/UNESP/Araraquara). Apoio: CAPES.

104 O PROFESSOR FORMADOR E SEU TRABALHO NA FORMAÇÃO INICIAL. Laurizete Ferragut Passos; Ana Lúcia Manrique (PUC-SP).

95 O REGIME DE PROGRESSÃO CONTINUADA NO ESPAÇO ESCOLAR: O OLHAR DOS PROFESSORES. Debora Cristina Jeffrey (IBILCE/UNESP/São José do Rio Preto), (UNIRP – Centro Universitário de Rio Preto).

112 REPRESENTAÇÕES DE PROFESSORAS: REFLETINDO SOBRE O PAPEL DA PROFESSORA DE EDUCAÇÃO INFANTIL. Muriane Sirlene Silva de Assis (UFSCar).

120 REPRESENTAÇÕES EXEMPLARES DO TRABALHO DOCENTE: OS “PROFESSORES DO ANO” DO CENTRO DO PROFESSORADO PAULISTA (CPP) (1970-1984). Rosario S. Genta Lugli (UNIBAN). Pesquisa financiada pela FAPESP.

134 TRABALHO DOCENTE NA ESCOLA PÚBLICA PAULISTA E PROLETARIZAÇÃO. Maria IzauraCação – Departamento de Didática (FFC/UNESP/Marília) .

143 VALORIZAÇÃO X IDENTIDADE: UM PARADOXO DA QUESTÃO MUNICIPAL NA VALORIZAÇÃO DOCENTE COM O FUNDEF. Géssica P. Ramos (UFSCar).

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A partir dos anos 80, e de forma mais acentuada na década seguinte, inicia-se umasérie de reformas educacionais no Brasil, um pacote de legislação educacional que vêem a atenderas diretrizes educacionais impostas pelas agências internacionais, como o Banco Mundial. Nesteperíodo houve um processo de fragmentação política e também de descentralização da educaçãoque se corporificaram em parte na lei 9394/96 e na lei 9324/96 que criou o Fundef, e que buscava,também, alinhar o Brasil no rol dos países emergentes que tinham metas a serem cumpridas eprazos a serem respeitados.

No caso do estado de São Paulo as propostas de descentralização do setoreducacional iniciada nos anos 80, passam a ter uma lógica de “mercado” político, ou seja, oprocesso colocado em curso pela Secretaria de Estado da Educação propõe aos municípiospaulistas a assinatura de convênios de municipalização, celebrados entre as duas esferas, sobuma orientação mais política do que técnica. As preocupações neste contexto de reformas e deajustes estruturais buscavam orientar o Brasil na condução de políticas públicas que garantissema estabilidade do novo modelo econômico neoliberal.

A mudança no perfil do estado brasileiro, vivenciado nas duas últimas décadas doséculo XX, vinculado as mudanças no cenário internacional, farão parte de minha análise quantoao que entendemos por estado democrático e a concepção de democracia que se desenvolvenessa investigação.

Inicialmente, devemos observar a presença de princípios constitucionais naorganização e gestão da escola pública brasileira que é objeto dessa investigação, que sofreumudanças de forma a atender o novo modelo de gestão, fincado na responsabilidade de todos enão só do estado, côo bem demonstra a Constituição Federal de 1988, que estabelecia em seuartigo 206, inciso VI:

“(...) a gestão democrática do ensino público na forma da lei”.

No mesmo documento, o artigo 29, inciso XI, passa a incorporar novos atoressociais de decisão nas instâncias públicas e legais:

“Iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do município, da cidadeou de bairros, através de manifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado”.

A EXPERIÊNCIA DE RIBEIRÃO PRETO NA GESTÃO DAESCOLA PÚBLICA: A ATUAÇÃO DA PROMOTORIA

JUNTO AOS CONSELHOS DE ESCOLA

GENTIL, Adriana de Bortoli (Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho/FCL-Araraquara)

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Com esses novos mecanismos abriu-se espaço para a prática da democraciaparticipativa e semidireta, reforçada anos depois pela LDB 9394/96 que em seu artigo 3o. incisoVIII estabelece a:

“gestão democrática do ensino público (...)”.

O processo de democratização vivenciado pela sociedade brasileira nos anos 80em muito influenciou a C.F. promulgada em 1988, onde as forças sociais progressistas estavammobilizadas, onde existia uma grande articulação social com a sociedade civil ocupando oCongresso Nacional, fazendo pressão e apresentando emendas populares, resultando disso umaconstituição avançada, introjetando um modelo de estado social e uma democracia participativa,uma constituição que recepciona todas as conquistas, como, os direitos civis, individuais, osdireitos políticos, sociais, econômicos e os direitos difusos, tudo o que a humanidade foiconquistando através dos últimos três séculos.

No século XX houve a extensão, paulatinamente, dos direitos sociais, como osdireitos à educação, à saúde, à previdência, essas conquistas seculares vieram aos poucos seincorporando a esfera do Ministério Público, que a partir de 1988, implementado por um projetode ação democrática persegue uma sociedade livre, mais justa e democrática, sendo a educaçãoprioridade na área social. Dessa forma o MP passa a agir na implementação de políticas públicas,e em especial na educação, voltada para uma gestão democrática, e, amparadoconstitucionalmente, enfatizado pelo ECA define sua esfera de ação.

Delimitado pelo artigo 21, inciso VI que é de competência do M P:a) Expedir notificações para colher depoimentos ou esclarecimentos e, em

caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela políciacivil ou militar;

b) Requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridadesmunicipais, estaduais e federais da administração direta ou indireta, bem como promover inspeçõese diligências investigatórias.

E no artigo 129, inciso III da CF 88:São funções do Ministério Público:III-promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio

público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.Dentro desse princípio o M P de Ribeirão Preto inicia um trabalho junto à sociedade

civil, através de audiências anuais, que acontecem no início de cada ano para discutir com asociedade e definir as prioridades que o M P deverá observar durante sua atuação. Nos últimostrês anos a educação apareceu como prioridade, levando o M P a elaborar um Plano Local deAtuação, onde a educação apareceu como a prioridade das prioridades da Promotoria de Justiçade Ribeirão Preto.

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Por outro lado, nos últimos dois anos a Procuradoria Geral de Estado, que é oórgão de cúpula do M P que também tem seu plano de atuação, que é chamado de Plano deAtuação Geral, elegeu na área de Infância a educação como prioridade.

O M P de Ribeirão Preto entende que somente através de uma gestão democráticada escola pública com inclusão social, com a participação efetiva da população se garante umaescola de qualidade e que garanta os verdadeiros propósitos de seus usuários;

“Na medida em que se conseguir a participação de todos os setoresda escola-educadores, alunos, funcionários e pais-nas decisõessobre seus objetivos e seu funcionamento, haverá melhorescondições para pressionar os escalões superiores a dotar a escolade autonomia e de recursos. A esse respeito, vejo no conselho deescola uma potencialidade a ser explorada” (PARO. 2003. P.12).

Os Conselhos de Escola passaram a ser entendidos pelo M P como os verdadeirosagentes de mudanças no setor educacional, e passou-se a verificar, inicialmente, se os conselhosfuncionavam, quais as suas dificuldades, e aos poucos se constatou que era fundamental o resgatedessa instância, enquanto poder de decisão na comunidade escolar.

Devido ao aporte de problemas apresentados na área educacional do município,durante as audiências públicas coordenadas pelo M P, resolveu-se atuar na região que nos trêsúltimos anos apresentavam maior demanda, que eram encaminhadas pelas famílias de alunos,mas principalmente pelo Conselho Tutelar III, responsável por essa região do município (RegiãoSudoeste).

A ação da Promotoria da Infância e Juventude diante das demandas apresentadaspautou-se pelo princípio de construção democrática na solução dos problemas elencados, e optou-se pela criação de um espaço público, onde todos os conselheiros são sujeitos da ação, enquantoparticipantes e responsáveis pela elaboração de propostas que dizem respeito à organização egestão do trabalho escolar.

No ano de 2004, foi criado pelo M P o Conselhão, um agrupamento de 14 Conselhosde Escola, onde foram escolhidos cinco (5) representantes de cada conselho escolar para a formaçãodo Conselho regional de Escolas da Região Sudoeste. Cada Conselho de Escola indicou umrepresentante de pais, de alunos, de professores, de especialista e de funcionário das escolasenvolvidas. Optou-se por uma forma de organização que não trabalhasse as escolas isoladamente,ou cada conselho isoladamente, e sim, trabalhar pontualmente cada escola no contexto regional,potencializando o grupo.

A criação desse novo mecanismo de atuação popular no setor educacional,legalmente concebido através da instauração de um processo administrativo por parte daPromotoria, tem por objetivo verificar e efetivar a participação da comunidade escolar desta regiãono que diz respeito aos problemas que foram diagnosticados pelo M Pm nos anos de 2002 e2003.

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A partir das diretrizes traçadas à nível estadual e local definiu-se na esfera municipaluma atuação que priorizasse a questão da gestão democrática da escola púbica, que vem secorporificando na articulação dos conselhos de escolas, e no agrupamento dos mesmos côo umanova força política local em defesa da escola pública.

A investigação está sendo realizada junto ao Conselhão Sudoeste, o primeiro núcleode estudos e de atuação popular no setor educacional, que tem como regente o Promotor daInfância e Juventude de Ribeiro Preto. E, pensando na condução desta política de intervenção ede ação dos conselhos de escola, percebe-se que ocorre um;

“( ) processo coletivo de avaliação continuada dos serviçosescolares... articulado por uma estrutura que, em termosadministrativos propicie uma efetiva utilização racional dos recursosdisponíveis na concretização de fins educativos, e em termospolíticos, conduza a uma democrática coordenação do esforçohumano coletivo, apta a reivindicar do estado os recursosnecessários e a estar em consonância com os interesses dasmajoritárias camadas trabalhadoras usuárias da escola pública”(PARO. 1997.P__ ).

As reuniões do Conselhão, inicialmente foram para estudo e aprimoramento dosnovos atores sociais, quanto à legislação pertinente e aos direitos da criança e do adolescente, jáque neste caso, faz-se necessário instrumentalizar a população para que suas ações tenhambase legal, pois socialmente já são legítimas. A aproximação do promotor com as escolas ocorreunas próprias escolas, sendo a presença do mesmo um elemento extremamente importante, o quegerou vínculo entre as duas esferas públicas, a escola e o Ministério Público.

O grupo sentiu necessidade de sistematizar as suas demandas no setor, e paraisso foi elaborado no ano de 2004 um Plano de Ação Estratégico, de forma a organizar coletivamenteos problemas que surgiam. Durante os trabalhos foram elencados cinco (5) problemas emergentes,e que mereciam ações a curto, médio e longo prazo, e sem ordem de prioridade, foram:

1. A distância entre a casa do estudante e a escola2. O comportamento de alunos e educadores, inadequado ao ambiente escolar3. Baixa cultura de participação no ambiente escolar4. Excesso de aulas vagas nas Escolas Municipais5. A inadequação de atendimento no Ensino MédioNo transcorrer do ano, foram realizadas várias reuniões com representantes do

poder público estadual, municipal, tribunal de contas e demais autoridades ligadas à educação,seja na área de estrutura e funcionamento das escolas, seja na de financiamento da educação, deforma a se realizar um estudo real das condições efetivas de atendimento na rede pública deeducação, e a partir de então elaborar propostas para sanar ou mesmo minimizar os problemasenfrentados pelo Conselhão.

A presença de representantes do poder estadual e municipal, e mesmo a ação dopromotor, nos alerta quanto ao papel do estado como agente regulador da educação;

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“(...) não podemos julgar que a transformação e desenvolvimentodo sistema educativo passam, unicamente, pela iniciativa local, semestado, ou com um Estado cuja função se resumiria a gerir de longee a verificar a conformidade com as normas, através essencialmenteda avaliação” (CARAPETO. _____P.189).

Ou que;

“(...) o reforço da autonomia das escolas não deve ser encaradocomo uma forma de o estado aligeirar as suas responsabilidades,mas sim, o reconhecimento de que, em determinadas situações ediante certas condições, os órgãos representativos das escolas(reunindo professores, funcionários, alunos, pais e outros elementosda comunidade) podem gerir melhor que a administração centralou regional, certos recursos” (CARAPETO. ____P.190).

Em Malta Campos e em Paro, encontramos uma preocupação com a déia departicipação, ambos defendem que a participação da comunidade não seja restrita à escola, queé necessário dinamizar a participação, fazendo com que outras forças sociais, mais organizadase mais capacitadas atuem juntas, citando, por exemplo, as associações de professores e defuncionários, os sindicatos e os partidos políticos.

Nesta pesquisa a articulação com uma ampla margem de participação se processaatravés de uma ação da promotoria, não vista mais desde a C.F. de 1988 como um apêndice dopoder judiciário, mas como uma instituição autônoma em relação aos três poderes e em defesados interesses da sociedade civil.

A participação, às vezes tão cara aos movimentos populares, enquanto conquistade espaço na elaboração de políticas públicas é entendida por Demo como um processo e comotendência histórica nas sociedades, e que ao longo do tempo foi se constituindo como uma formade poder e de controle social;

“(...) é preciso chegar a um tipo de sociedade marcada pelaconstituição democrática, tão bem tecida em suas malhasassociativas, que a própria democracia se torne oxigênio diário eseja capazes de reagir às intervenções centralistas e autoritárias”(DEMO. 1996. P.34).E neste contexto de participação Demo aponta as conquistas dedireitos, paulatinamente, como e enquanto um processo;“(...) a conquista do direito passa normalmente pelas fases doplanejamento participativo: tomada de consciência, que descobre adiscriminação com injustiça; proposta de enfrentamento prático daquestão; necessidade de organização política” (DEMO. 1996. P.63).No Conselhão estão presentes as idéias da participação comoconquista de direitos, de organização política democrática, já que omesmo se propõe a influir na implantação de políticas públicas anível local, como e enquanto poder de pressão;“(...) é sabido que os serviços públicos somente funcionam acontento se a população os urgir, sobretudo de modo organizado. Aburocracia não se desburocratiza a si mesma. Isto é proposta vã,farsante e mesma perversa. A burocracia funciona se a sociedadeorganizada a fizer funcionar. E isto é um dos baluartes maisfundamentais da democracia, que se chama controle democráticodo estado a partir da população” (DEMO. 1996. P.66).

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O planejamento participativo foi uma das primeiras e mais importantes intervençõesda Promotoria no processo de conscientização política e de participação dos conselheiros no anode 2004, como explicitado anteriormente, reforçando o eixo da gestão democrática na educação.

A relevância do estudo da democracia neste cenário de mobilização da comunidadeescolar e da Promotoria nos remete ao estudo da história política do Brasil, para podermos dialogare entender o movimento pesquisado, que de certa forma é o reflexo das mudanças que foramintroduzidas nas chamadas reformas educacionais dos anos 80 e 90 e de como a sociedadeorganizada tem dado respostas públicas para as carências que este novo modelo educacionalaponta.

No século XX discutiu-se muito sobre a democracia e os seus modelos alternativos,e sabemos que a hegemonia liberal acabou por ser determinante na consolidação dos estadoseuropeus e, também, latino-americanos;

“(...) com a globalização suscita-se uma nova ênfase na democracialocal e nas variações da forma democrática no interior do estadonacional, permitindo a recuperação de tradições participativas empaíses como o Brasil” (SANTOS. 2002. P.42).

A concepção contra-hegemônica de democracia tão bem desenvolvida por Santospropões um novo conceito de democracia, onde a participação deverá ser ampliada a novosatores sociais, com a inclusão de novas temáticas, redefinindo identidades e vínculos, com oaumento da participação, principalmente local. É um novo foco de participação e de construçãodo princípio democrático. Novos elementos foram incorporados nessa lógica da participação,onde influir diretamente nas decisões é controlar as mesmas.

Santos denomina de terceira onda de democratização o processo deredemocratização e de experiências participativas vividas pelo Brasil nos anos 80 e 90, ondeocorreu uma;

“(...) ampliação da democracia ou sua restauração, houve tambémum processo de redefinição do seu significado cultural ou dagramática social vigente... todos os casos de democracia participativaestudada iniciam-se com uma tentativa de disputa pelo significadode determinadas práticas políticas, por uma tentativa de ampliaçãoda gramática social e de incorporação de novos atores ou de novostemas a política” (SANTOS. 2002. P.56).

A demanda por participação da sociedade nos finais do século XX passa a incorporaras temáticas da inclusão, da diversidade cultural aproximando a discussão dos sujeitos eaprimorando a democracia local.

Essas novas formas de democracia participativa contemplam a cultura local emudanças práticas no conceito de democracia, valorizando os atores sociais;

“(...) é uma proposta de emancipação social, a partir de práticasque ocorrem em contextos específicos para dar resposta a problemasconcretos” (SANTOS. 2002. P.70).

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A nova composição de forças, Ministério Público e Comunidade Escolar, apontapara essa nova gramática social emergente, na luta pelos direitos dos cidadãos.

A relação estado-sociedade civil, que é desenvolvida nessa pesquisa, sob o princípiodemocrático já foi objeto de vários estudos, tendo como referência a escola, seja do ponto de vistada descentralização administrativa ou da organização do trabalho escolar.

Em Pinto (1994), aprofunda-se a discussão sobre o poder e a função do conselhode escola, entendida como órgão deliberativo e autônomo no ambiente escolar. Já em Militão(1989), propõe-se e entende-se a escola como e enquanto uma organização democraticamenteconcebida, sem depender do sistema escolar, para isso afirma a necessidade transformadora daeducação, buscando recuperar sua pessoalidade das práticas desenvolvidas no interior da escola.

Melo (1996) parte por sua vez do conceito de democracia presente na administraçãocolegiada, esses três estudos revelam a importância da gestão democrática na vida escolar e desua comunidade nos últimos anos, ocorrendo uma valoração da democracia, e a necessidade doexercício coletivo, onde se faz necessário inicialmente, superar a burocracia deste aparelho eefetuar transformações na organização do trabalho escolar e, conseqüentemente do poder naescola.

Instrumentalizar os usuários da escola pública e os profissionais da educação paraque os mesmos desempenhem os seus papéis, historicamente, dotando a escola de múltiplaspossibilidades, transformando-a em um espaço de luta é o que tem se verificado no fortalecimentodos conselhos de escola, que reúnem a um só tempo todos os interessados, sejam pais, professores,alunos e funcionários. O que se tem demonstrado é que os chamados novos movimentos sociaisacabam por mobilizar outros segmentos da sociedade, e não apenas os primeiros interessados,no caso, dessa pesquisa, há um envolvimento direto do sindicato do servidor público municipal,de associação de moradores, ocorrendo uma amplitude no movimento que está sendo estudado.

O que alimenta essa investigação é o poder de participação, e a existência de umespaço público construído democraticamente, por cidadãos.

Verificou-se que nas últimas duas décadas houve um grande processo demunicipalização, e muitos municípios têm levado seus governos a operar a política a favor depessoas, e não da coletividade, reinventando o coronelismo, através de práticas clientelísticas;situação favorecida, hoje, pelo empobrecimento da população, pela falta de educação e de culturapolítica da população. E, na contramão do momento histórico, um grupo de conselheiros seagrega em torno de questões comuns, organiza-se e institucionaliza-se enquanto gruporepresentativo de uma comunidade de escolas púbicas;

“(...) os movimentos de reivindicação são aqueles que se organizamem torno de demandas por melhorias urbanas de um setor específico(educação, creche), ou em torno de demandas por melhoriasurbanas que envolvem diversos setores, mas com organizaçãocircunscrita a um determinado território” (OLIVEIRA. 1998. P.108).

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O movimento ora estudado, não é apenas um movimento de reivindicação, mas,sim avança na co-participação da gestão da escola pública. E para isso, valoriza-se o conselho deescola, identificando os novos sujeitos participantes na elaboração de uma administração abertaà seu público.Assim, um dos objetivos deste estudo é identificar esses novos atores sociais,como, também desenvolver e ampliar no debate acadêmico o estudo de movimentos popularesem prol da escola pública, principalmente no momento atual, onde se verifica a fragmentação dasociedade civil e da representatividade de classes, onde as Ongs acabam por assumir arepresentatividade de interesses de categorias profissionais ou de ações que dizem respeito aoestado.

Neste sentido, a ação da Promotoria que se mobiliza para resguardar os direitosconstitucionais dos cidadãos passa a ser objeto dessa investigação, já que a mesma enquantoagente da sociedade civil e imbuída de um poder legal desenvolve práticas de agremiação decaráter popular, dando poder de vazão à comunidade, de forma processual e não final.

De maneira geral é objetivo, também, mostrar o aspecto formador e, portanto,democrático dessa ação cível proposta pela Promotoria, e construída coletivamente pelacomunidade da região sudoeste de Ribeirão Preto.

Delimitou-se nesta investigação um estudo de caso, de cunho qualitativo, o queexigiu um longo contato direto do pesquisador com o ambiente estudado. Um fenômeno socialespecífico, que não pode ser analisado em suas partes, mas no seu todo, pois é um fenômenorepresentativo de interesses comunitários.

O método de pesquisa qualitativo proporcionou a vivência e o exercício com ouniverso pesquisado, de maneira profunda e espontânea. E, por ser uma investigação singular,que tem um valor em si mesmo, devemos, portanto escolher um estudo de caso.

Partindo do princípio de que a realidade social não é dada, mas construídasocialmente, a pesquisa qualitativa oportuniza a interação e a subjetividade com os sujeitos dapesquisa, aqui, incluindo o próprio pesquisador. Valorizar o mundo empírico nesta investigação éentender que a construção da pesquisa não pode estar dissociada da prática, e sim, buscar sualógica na teoria, senão é irreal, alienante;

“Para as ciências sociais, uma teoria desligada da prática não chegaa ser uma teoria. E é neste sentido que muitos diriam ser a práticao critério da verdade teórica” (DEMO. 1987. P.105).

Em um ano e meio de pesquisa os dados preliminares evidenciaram que acomunidade escolar é participativa e consciente de seus direitos, iniciando sua ação no municípiojunto ao poder público. O Conselhão passou a desenvolver em seus membros mais atuantesnecessidades até então ignoradas pela comunidade, como, ter acesso e conhecimentos de leis,resoluções, que dizem respeito à estrutura e funcionamento da escola, para melhor instrumentalizarsua ação.

Os dados revelam até o presente momento que o Conselho Regional de Escolasda Região Sudoeste de Ribeirão Preto ao ser criado possibilitou uma ampliação do debate

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democrático a nível local, aproximando a discussão sobre a educação dos sujeitos. O temaoportunizou uma discussão sobre a ação do estado na defesa do bem comum, sendo a Promotoria,instância pública do estado de São Paulo, trabalhando em benefício da comunidade.

A experiência participativa, vivenciada a nível prático e teórico, desenvolveu umrefinamento na sua ação, o que tem legitimado a cada dia o movimento estudado.

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INTRODUÇÃO

O termo identidade tem origem latina (iden) que significa igualdade e continuidade.Somos levados a entender identidade profissional docente como um processo contínuo que sevincula à identidade pessoal, mas que está ligada ao vínculo e sentimento de pertença de umindivíduo a uma determinada categoria ou grupo social, a categoria docente, e tendo comopossibilidade construir, desconstruir e reconstruir algo que permita dar sentido a seu trabalho.

O professor necessita de uma definição mais precisa de sua identidade profissionalpara se afirmar perante o ensino e até mesmo perante a categoria docente propriamente dita.Assim, o presente trabalho buscou revelar até que ponto a parte administrativa da escola e seusagentes interferem no desenvolvimento dessa identidade.

IDENTIDADE PESSOAL, COLETIVA E PROFISSIONAL

• Identidade PessoalEm linhas gerais, o processo de formação de identidade tem início na fase infantil,

já que as crianças assimilam traços e características de pessoas e objetos externos. A história davida de um indivíduo é marcada por uma sucessão de mudanças de identidade; estas mudançasenvolvem, necessariamente, a substituição dos traços de identificações anteriores por novos, oque nos permite afirmar que a erradicação de alguma parte do eu interior é o ato pelo qualpartimos.

A questão da aquisição da identidade é amplamente discutida no domíniosociológico, psicológico, antropológico, dentre outros, sendo abordado por diferentes campos daciência e podendo ter perspectivas diferentes, diferenciando-se em algumas questões, dependendodo autor que se toma como referência; por isso podem ser encontradas relações tênues e conflitantesquanto à definição do conceito, já que se trata de um conceito polissêmico. Iniciaremos tratandoo conceito de identidade no que diz respeito ao indivíduo, em seguida ao coletivo e posteriormenteao profissional docente.

Para Berger e Luckmann (1985), a identidade se configura como um elementochave da subjetividade e da sociedade, formando-se e sendo remodelada através dos processose relações sociais. As identidades são singulares ao sujeito e produzidas a partir de interações doindivíduo, da consciência e da estrutura social na qual este está inserido, sendo a “identidade umfenômeno que deriva da dialética entre um indivíduo e a sociedade” (p. 230).

A INFLUÊNCIA DE AGENTES ESCOLARES NAIDENTIDADE PROFISSIONAL DOCENTE

SILVA, Eliane Paganini da(UNESP - Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara)

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De acordo com Vianna (1999), a identidade pode ser definida essencialmente comoalgo subjetivo, sendo a identidade “o conjunto de representações do eu pela qual o sujeito comprovaque é sempre igual a si mesmo e diferente dos outros” (VIANNA, 1999, p. 51).

Considerando esta definição, pode-se afirmar que a identidade individual não éalgo estático, mas sim um processo em constante mudança, fornecendo relações entre aexperiência individual e a vida social.

É possível perceber que alguns autores concordam com a definição do termoidentidade e com relação ao processo de sua construção. Segundo Mogone (2001, p.19), paraautores como Goffman, Berger & Luckmann, Kaufmann, Dubar e Ciampa, a

[...] identidade se caracteriza como um processo de mudança ealteridade, onde os papéis sociais assumidos vão sendo tecidos deacordo com os contextos sociais, podem ser negociados entre osatores envolvidos no processo de identificação, mas não são, deforma nenhuma, uma característica estática ou acabada.

Considerando as afirmações acima, pode-se perceber que a identidade não se dáapenas no campo individual, mas também no coletivo.

• Identidade ColetivaA identidade coletiva não é decorrência direta da individual, mas sim uma identidade

que possui outro “sistema de relações ao qual os atores se referem e em relação ao qual tomamreferimento” (VIANNA, 1999, p. 52). Entretanto, existem aspectos da identidade individual queinfluenciam na coletiva, sendo eles: “a subjetividade, a multiplicidade, a tensão entre mudança epermanência” (p. 53)

Com base em diversos autores, Vianna (1999) entende a construção da identidadecoletiva como um processo que se reforça através da identidade individual, onde o eu e o futuro éum tanto quanto diminuído e ressaltando apenas algumas preferências e certa continuidadeindividual. Obviamente que a personalidade influi no comportamento, mas, coletivamente, são asações e não apenas o indivíduo em si o responsável pela identidade.

A identidade coletiva tem como primeira característica a tensão entre permanênciae mudança. Essa identidade é produzida por muitos indivíduos que interagem, constroem enegociam repetidamente as relações que ligam uns aos outros, estando em um conflito entrediferentes imagens, considerando que algumas dessas imagens sofrem ou sofreram mudanças eoutras se mantêm como referência para a organização. Os condicionantes externos interferem deum modo ou de outro na construção da identidade coletiva, já que, como afirma Vianna (1999, p.70), “ninguém, individualmente ou coletivamente, constrói sua identidade independentementedas definições sociais elaboradas a seu respeito”.

• Identidade ProfissionalA identidade pessoal e a identidade construída coletivamente são essenciais para

definir a identidade profissional do indivíduo. A esse respeito Pimenta (1997, p. 07) salienta que aidentidade profissional

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[..] se constrói a partir da significação social da profissão [...] constrói-se também, pelo significado que cada professor, enquanto ator eautor confere à atividade docente de situar-se no mundo, de suahistória de vida, de suas representações, de seus saberes, de suasangústias e anseios, do sentido que tem em sua vida: o ser professor.Assim, como a partir de sua rede de relações com outros professores,nas escolas, nos sindicatos, e em outros agrupamentos.

A identidade profissional não deve ser confundida com a identidade social, masambas mantêm uma relação muito estreita. Diz Mogone (2001p. 24) a respeito de Dubar, umpesquisador francês que tem se debruçado sobre a questão da identidade profissional:

O trabalho está no centro do processo de construção/desconstrução/reconstrução das formas identitárias profissionais porque é pelotrabalho que os indivíduos, nas sociedades salariais, adquirem oreconhecimento financeiro e simbólico da sua atividade. (MOGONE,2001, p.24).

Pode-se afirmar que, seja na psicologia ou na sociologia, a identidade deve serentendida como um processo que dá à constituição do sujeito maior importância, não devendoser entendida como algo estático e definido (VIANNA,1999). Ou seja, a identidade profissionaldocente, pautada na identidade coletiva e pessoal, encontra-se na interface entre o psicológico eo sociológico. Nesse sentido, é que a identidade profissional do professor não pode ser tratadasomente sob o aspecto psicológico, visto que a profissão docente se insere em um contextoinstitucionalmente regulado, possuindo elementos eminentemente sociais.

As influências que contribuem para a construção da identidade docente seriam osantecedentes sócio-econômicos, o tamanho da cidade natal, as experiências com outrosprofessores, os conselhos de amigos, professores e pais, as identificações com um adulto admirado,as experiências passadas, além de aspectos profissionais específicos, tais como: segurança,prestígio, salário e condições de trabalho.

A escolha vocacional e, de um modo particular, a escolha da carreira docente,desenvolve-se com base em duas dimensões complementares: a individual, centrada no conceitodo “eu”, e a gradual, centrada no coletivo.

Considerando as idéias esboçadas acima, tentamos precisar melhor o conceito deidentidade profissional docente, objeto da presente investigação, tomando-a como um processocom todas as características apontadas anteriormente (processo contínuo, subjetivo, que obedeceàs trajetórias individuais e sociais, que tem como possibilidade a construção/desconstrução/reconstrução, atribuindo sentido ao trabalho e centrado na imagem e auto-imagem social que setem da profissão) e também legitimado a partir da relação de pertencimento a uma determinadaprofissão, no caso, o magistério.

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OBJETIVO

O objetivo da presente pesquisa foi o de investigar se os agentes escolares (direção,coordenação, secretários e outros funcionários) de uma determinada Unidade Escolar influenciamna identidade profissional docente.

METODOLOGIA:

Instrumento de PesquisaOs dados apresentados são resultados de uma entrevista realizada com 10

professores de 1ª a 4ª séries de uma escola municipal de uma cidade do interior paulista.O instrumento utilizado para a obtenção das informações foi um roteiro de entrevista

individual semi-estruturado, guiado por quatro questões principais, quais sejam:a) Que tipos de exigências são feitos a você pela direção da Escola?b) Que outras exigências são feitas a você por outros funcionários da Escola,

além da Direção?c) O que você acha que seja atribuição do professor numa escola? Qual sua

função?d) O que você acha que o professor costuma fazer e que não é função dele?

Por que isso acontece?

Procedimento de Coleta e Análise de DadosAs entrevistas com os professores foram marcadas previamente e realizadas

individualmente após um “rapport” para que os entrevistados se sentissem mais à vontade. Asentrevistas foram gravadas e transcritas de modo literal.

A análise foi realizada qualitativamente e quantitativamente.Para cada questão, os dez professores emitiram diferentes tipos de respostas, que

foram agrupadas em tipos diferentes de avaliações, ou seja, categorias diferentes. Usaremosnomes fictícios para apresentarmos os exemplos dos depoimentos.

O que dizem os professoresApresentaremos as quatro questões da entrevista uma a uma com suas categorias

e sempre que possível com um ou dois exemplos. É importante ressaltar que as categorias nãosão mutuamente exclusivas.

a) Exigências da DireçãoNa primeira das questões, foi pedido para que os entrevistados relatassem o que a

Direção da escola exigia diretamente do professor. Foi possível estabelecer 4 categorias distintasem que podemos perceber quais as exigências feitas pela direção aos professores e como se dáa interferência destes agentes escolares no trabalho docente.

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1) Exigências burocráticas: - uma grande porcentagem (42,8%) relatou a exigênciaburocrática como sendo a principal exigência feita por parte da Direção da escola. Exemplos:

- Exigências burocráticas. Entrega de nota, preenchimento de formuláriosvindos da Secretaria ou da própria escola, e às vezes até de boletins. (Cláudia).

- São afazeres de ordem burocrática creio eu, horário de entrada e saída, reuniõespara interação dos conteúdos e avaliações dos trabalhos realizados, notas, faltas, etc. (Laura).

2) Festas comemorativas – cerca de 15,7% dos entrevistados mostraram respostascentradas na exigência de organizar ou ajudar a elaborar festas comemorativas ou até palestrasoferecidas aos pais. Exemplo:

- (...) participar e organizar festas comemorativas, palestras para os pais, coisasdesse tipo (Joana).

3) Limpeza – o equivalente a 26% dos depoimentos giram em torno da limpeza dasala de aula. Exemplo:

- Parece que tudo aqui é o professor que tem que fazer né, limpar a classe, carteiratem que ficar limpa, então, se não estiver limpa no fim da aula, você tem que pegar os alunos elimpar (Jandira).

4) Tarefas diversas: - 15,5% dos professores relatam que os funcionários cobramdiferentes tarefas, como organizar biblioteca, recreio dirigido, não desperdiçar material, etc. Exemplo:

- (...) o recreio dirigido, o professor tinha que ficar olhando o aluno no recreio,diretor pressiona o professor no intervalo porque ele também é cobrado da CoordenadoraPedagógica. O diretor é capacho da Secretaria... (Amanda).

b) Exigências de outros funcionáriosNa segunda questão, o intuito foi descobrir se, além da Direção, outros funcionários

faziam algum tipo de exigência aos professores e que exigências eram estas. Para esta questãoobtivemos respostas de 2 tipos distintos.

1) Secretaria: - A maioria das respostas (80%) apontam a secretaria e seusfuncionários como os que fazem exigências ao professor, podendo ser elas de ordem burocráticaou não. Exemplo:

- A maioria das exigências chegam até nós por intermédio da secretaria da escola.Às vezes pedem para fazermos coisas como o enfeite para festas, outras como ajudar no trabalhoda secretaria (Cláudia).

2) Faxineira/Cozinheira – Apenas 20% relatam a faxineira e a cozinheira comoagentes escolares que cobram algo do professor. Exemplo:

- Eu dou aula de Artes, e a funcionária da limpeza cobrava muito a limpeza daclasse. (... ) as cozinheiras acusavam os alunos de mal educados e elas gritavam com alunos,falavam que a culpa era nossa, então professor ficava em cima par depois não levar bronca(Leliane).

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c) Função do professorPretendíamos saber qual era a idéia que o professor tinha de sua tarefa dentro da

escola. O intuito era o de tentar perceber se o que os professores reconhecem como sendo seupapel, sua função, se referia às mesmas atividades exigidas pelos diversos agentes escolares.

1) Parte pedagógica, ensino - Os professores colocaram como eixo do trabalhodocente o ensinar, o compromisso com o aluno. Nesta questão, houve apenas uma categoriaestabelecida, já que os depoimentos dos professores foram unânimes, ou seja, todos osentrevistados apontaram como tarefa do professor o fazer pedagógico, o que se refere ao ensinodas crianças, o que demonstra uma visão clara por parte desse professores quanto a sua funçãoe sua identidade profissional. Exemplo:

- Sinceramente, acho que muita coisa que fazem não devíamos fazer, nossa funçãoé ensinar, atrapalha o rendimento da classe e do professor. Não é obrigação do professor fazercertas coisas, só o pedagógico (...) o pedagógico é dar aulas, corrigir provas, corrigir as atividadesdos alunos, etc. (Claudia).

- Ministrar aulas, dar recuperação, avaliações, notas, enfim, tudo o que diz respeitoao aluno (Leliane).

- (...) ensinar, dar aula, passar noções, participar de reuniões de pais, etc. (Fátima).d) O que o professor faz e não é sua funçãoPerguntamos a cada professor o que ele fazia dentro da Unidade Escolar e que

achava que não era sua função.1) Limpeza: - uma porcentagem de 37,5% apontaram tarefas referentes à limpeza

da escola e da sala de aula ou da higiene pessoal do aluno. Exemplo: - Limpar a cabeça do aluno, limpar classe, etc. Não tem quem faça certas coisas,

fica tudo para o professor. (...) eu faço mas sei que não devia fazer (Isabela).2) Enfeite e festas comemorativas – 37,5% dos professores entrevistados reclamam

de ter que arrumar a escola para festas comemorativas. Exemplo:- Arrumar a escola para festas, mas eu não arrumava, mandava eles (alunos)

fazerem, eu ajudava, orientava, mas a festa é par eles e assim eles aprendem a fazer algumascoisas. (Amanda).

- O que me irrita muito é enfeitar escola par festa..., eu sei que tem um ladopedagógico às vezes, porque às vezes só visa lucro, mas não acho que eu deva vir em horáriocontrário a minha aula para arrumar escola, mas muitas vezes eu não vou, digo que não posso, jáfalei deveria ser estudado um outro jeito par se fazer isso (Fátima).

3) Outras tarefas: 25% dos relatos apontam desempenhar tarefas variadas, taiscomo levar aluno para casa, servir merenda, olhar aluno no recreio, etc. Exemplo:

- Levar alunos para casa, porque ônibus escolar não levou o menino porque eleperdeu a carteirinha e eu levei o menino. Servir merenda, porque estava todo mundo apertado,falta de funcionário. Separar briga de aluno, etc. (Clara).

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Nesta última questão, é importante ressaltar que todos os professores entrevistados,quando questionados sobre por que isso acontecia, apontaram que a razão desse desvio defunção se dava por faltar funcionários na escola para determinadas tarefas.

A partir desses dados, podemos perceber que as exigências feitas pelos diversosagentes escolares influenciam no trabalho docente e no desempenho do que ele acredita ser suafunção quando estas exigências não são de ordem burocrática, mas sim quando se trata delimpeza da escola, enfeites para festas comemorativas e até tarefas como olhar os alunos nohorário do intervalo. Por decorrência disso, pensamos que a identidade desses professores podeestar sendo ameaçada se não estiver bem definida, já que a identidade se constrói aos poucos,gradativamente e continuamente. Esta construção depende da significação que o indivíduo encontraenquanto ator e autor de seu trabalho (PIMENTA, 1997).

Se o professor entende que realiza tarefas que não fazem parte de seu trabalho, éporque não atribui significado para tais ações, o que mostra que esses profissionais afirmam aprópria identidade profissional quando se recusam a realizar o que entendem ser desvio de função.

Os dados mostram que a maioria das exigências feitas pelos agentes escolaresnão compactua com o desvio de função, considerando que as exigências mais freqüentes são asda direção e da secretaria e são de ordem burocrática, como atribuição de notas, reuniões, etc.;e muitos professores concordam que estas tarefas também se referem ao pedagógico. Apesardisso, há que se levar em conta que, por vezes, os agentes escolares requerem dos professoresatividades que confundem a identidade da categoria docente. Isto fica evidente quando se exigeque o professor fique cuidando dos alunos durante o intervalo, servindo a merenda, ou aindalimpando a sala de aula.

Como afirma Vianna (1999), a identidade coletiva é reforçada através da identidadeindividual, o que não deixamos de considerar na profissão docente. Entretanto, a personalidadeinflui no comportamento, mas, coletivamente, são as ações e não apenas o indivíduo o responsávelpela identidade profissional de uma categoria. Por isso, as tarefas realizadas pelos professoressão tão significativas para investigar sua identidade.

CONCLUSÕES

Pudemos concluir com esta pesquisa que os diferentes agentes escolares podeminterferir de algum modo na identidade profissional docente, mesmo que isto ocorra apenas demaneira sutil. Entretanto, essa interferência perde sua força quando os professores já possuemuma identidade relativamente firme, visto que, mesmo se os agentes escolares exigirem do professordeterminadas atividades, eles não as executam quando as avaliam como desviante de sua função,como é o caso da professora Amanda, que não enfeita a escola para as festas, mas sim pedecomo atividade para seus alunos a confecção dos enfeites. E mesmo quando realizam tais tarefas,têm consciência de que não é sua função realizá-las.

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Não é tarefa nossa julgar quais atividades são mais ou menos próprias à identidadedocente, mas é através de sua função que o professor cria uma imagem e uma auto-imagem desi para com o seu trabalho.

Sabemos que, como afirmam Berger e Luckmann (1985), a identidade é remodeladaatravés de processos sociais e da interação dos sujeitos com a sociedade e o contexto em queeste está inserido. Este é um processo contínuo e que pode sofrer mudanças de acordo com asações do indivíduo. Pensando nisso, entendemos que os agentes escolares com os quais convivemdiariamente os professores podem contribuir para uma afirmação da identidade do professor quandonão exigem do mesmo atividades que nada têm a ver com a sua função.

Diante do processo de desvalorização profissional do professor e da eventual criseeducacional que parece ser evidente nos dias atuais, afirmar a identidade profissional docentepode contribuir para mudar este quadro e buscar melhores condições de trabalho para essacategoria. Sem dúvida este é o nosso maior desejo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERGER, P. L. ; LUCKMANN, T. A construção social da realidade: tratado de sociologia doconhecimento. Petrópolis: Vozes, 1985.

MOGONE, J. A. De alunas a professoras: analisando o processo da construção inicial da docência.2001. 155 f. Dissertação (Mestrado em educação Escolar) – Faculdade de Ciências e Letras,Universidade Estadual Paulista, Araraquara.

PIMENTA, S. G. Formação de Professores – Saberes da Docência e Identidade do Professor.Nuances, vol III, Presidente Prudente, 1997, p.05 – 14.

VIANNA, C. Os nós do “nós”: crise e perspectiva da ação coletiva docente em São Paulo. SãoPaulo: Xamã, 1999.

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Buscar analisar o que mudou e o que não mudou no modo de ser professor com aimplantação dos ciclos nas escolas municipais de São Paulo é uma indagação de grandecomplexidade e não é nosso objetivo, neste texto, esgotar essa questão. Queremos refletir sobreas razões das práticas consolidadas na profissão docente e sobre as mudanças do modo de serprofessor.

A primeira questão que deve ser levada em conta é que, na década de 90, houveuma reorganização do sistema de ensino público municipal de São Paulo: passou-se do regimeseriado para o regime de ciclos. Com essa reorganização, a concepção de ensino/aprendizagemmudou e essa mudança passou a afetar diretamente o trabalho do professor na escola. Esseprofessor teve que refletir sobre sua prática e sobre suas ações no campo da docência e precisoulançar mão de recursos que até então não usava. Um exemplo de recurso não muito utilizado noregime seriado é a avaliação diagnóstica do aluno. Essa avaliação possibilita saber queconhecimentos este aluno apresenta e possibilita traçar um caminho pedagógico a partir dessesconhecimentos para que o aluno possa experimentar atividades cognitivas significativas para seuaprendizado. Este tipo de avaliação pode ser feito com todos os alunos da sala e pode servir deguia para as propostas de atividade por parte do professor. Outro recurso que passou a ser umanecessidade intrínseca ao regime de ciclos é o acompanhamento individual do aluno. A partirdeste acompanhamento é possível oportunizar reais e fecundas atividades pedagógicas de acordocom as necessidades específicas de aprendizagem de cada aluno.

A necessidade de mudança da prática docente é inerente à mudança da organizaçãodo sistema de ensino. Nessa direção Arroyo (2002: 19) coloca que quanto mais nos aproximamosdo cotidiano escolar, mais nos convencemos de que ainda a escola gira em torno dos professores,de seu ofício, de sua qualificação (...). Por isso, as mudanças propostas pela Secretaria Municipalde Ensino de São Paulo vão reverberar na escola através da aceitação ou não por parte doprofessor, visto que é ele quem vai colocar em prática as propostas das Secretarias de acordocom seu repertório de saberes e experiências.

Diante disso e antes de pensarmos um pouco sobre as práticas consolidadas nasescolas e sobre as possibilidades de mudança da ação docente, temos que ter em mente que oestatuto da profissão de professor perpassa por instâncias que vão além dos muros da escola,que são as instâncias institucionais como a Secretaria Municipal de Educação e o MEC, entãoconcordamos com Arroyo (2002: 35) quando este diz que o ofício que carregamos [que osprofessores carregam] tem uma construção social, cultural e política que está amassada commateriais, com interesses que extrapolam a escola.

AS RAZÕES DAS PRÁTICAS CONSOLIDADASNA PROFISSÃO DOCENTE

ROGÉRIO, Rosa Maria de Freitas (Faculdade de Educação – USP)

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Sobre a questão das práticas consolidadas, utilizaremos os dados colhidos emoutubro de 2003 através de um questionário elaborado pela equipe do projeto A reconstrução daprofissionalidade docente no contexto da organização do ensino em ciclos2, que buscava saberatravés do discurso escrito dos professores a Identificação de interesses, problemas e asaspirações vividas no trabalho educativo durante este [aquele] ano letivo. Neste questionáriohavia quatro questões direcionadas sobre o trabalho docente. Havia também a possibilidade doprofessor que estivesse respondendo ao questionário se identificar ou não. 12 professorasresponderam ao questionário e 6 se identificaram. Para a análise destes dados resolvemos identificaras professoras por letras de A à L, para manter a identidade delas em sigilo.

As questões presentes no questionário dizem respeito diretamente ao ‘ser professor’,uma vez que coloca em evidência a opinião dos professores sobre assuntos intrínsecos às suaspráticas. A primeira pergunta era: quais os grandes desafios que você tem enfrentado ao dar aulasnuma escola organizada em ciclos? A professora A respondeu que

é ciclo apenas no nome, pois o trabalho desenvolvido é de série. Falta continuidadedo trabalho desenvolvido a cada ano. Há um número excessivo de alunos por classe.

A professora D respondeu queHá impossibilidade de acompanhamento individual [de alunos com necessidades

específicas de aprendizagem].Outro desafio apontado pela professora J é Conseguir romper com a seriação, mesmo quando a organização escolar é em

ciclos e saber o que fazer e como fazer com aqueles alunos que apresentam dificuldades e nãoacompanham as atividades propostas.

Com clareza em sua argumentação a professora K escreveu queO trabalho em ciclos requer uma formação, discussão coletiva, planejamento

integrado e mudança de estrutura anteriores à sua implantação. O que aconteceu na rede pública(inversão dos fatos) provocou um considerável desastre de amplitude incalculável e, para milharesde alunos, irreparável.

Tendo em vista as respostas das professoras é perceptível que elas ainda estão ‘seadaptando’ à organização da escola em ciclos. Isso nos preocupa bastante visto que o regime deciclos (no ensino fundamental há dois ciclos de quatro anos) foi implantado na rede municipal deensino de São Paulo em 1992. Portanto faz 13 anos que estas professoras estão se adaptandoaos ciclos e elas ainda não sabem direito como lidar com este tipo de proposta educacionalescolar.

Quando se altera a proposta do sistema de ensino se altera o modo de ser professor.O professor que trabalhava com o regime de seriação, antes da implantação dos ciclos, lidavacom questões, por exemplo, como: reprovar ou aprovar o aluno ao final de uma série para outra eavaliar exclusivamente ao final de cada bimestre. Na proposta dos ciclos o professor estariaconstantemente avaliando o aluno, de forma a ‘compensar’ suas dificuldades no decorrer do anoletivo e não somente em épocas de recuperação. Além disso, não há reprovação ao final de umano letivo para outro. Somente na passagem de um ciclo para outro é que há a possibilidade de

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reprovação. Isso nos intriga bastante porque se no quarto ano do ciclo I do ensino fundamental oprofessor perceber que seu aluno não está alfabetizado, o que deve fazer? Reprová-lo, pois elenão tem condições mínimas de acompanhar o primeiro ano do ciclo II? Aprová-lo e permitir queeste aluno chegue analfabeto ao ciclo II? Deixar o aluno no 4.º ano de novo ou mandá-lo para o 1.ºano?

Esses nós da questão da avaliação e da reprovação são obstáculos ao trabalho doprofessor nessa escola organizada em ciclos. Como lidar com esses obstáculos segundo a óticado ensino em ciclos? Talvez seja isso que as professoras necessitam saber para que o ciclo deixede ser um desafio para elas e se torne uma realidade. Se existem esses desafios para odesenvolvimento do trabalho dos professores no sistema de ensino em ciclos podemos entenderque o modo de ser professor mudou em relação ao regime em série.

A segunda pergunta do questionário era: O que mais lhe incomoda no trabalho quevocê está realizando neste momento?

A professora A disse que éSaber que no ano que vem ‘ele’ não terá continuidade.E a professora G também aponta este aspecto da não continuidade do trabalho

realizado com o aluno.As professoras B, D, H, J e K colocaram que é a dificuldade em lidar com os

diferentes ritmos de aprendizagem dos alunos numa sala superlotada. Como trabalhar com ritmosdiferentes numa mesma classe com 40 alunos?

Estas professoras têm como centro de suas preocupações as questões de como oaluno vai se apropriar do conhecimento e construí-lo, de como não romper com esse processo deapropriação e construção do conhecimento de um ano para o outro e de o que fazer com o alunoque não consegue se apropriar do conhecimento como deveria. Uma das características específicasda profissão docente – que é o trabalho com o conhecimento – está ainda no centro daspreocupações das professoras.

Tempo, falta de tempo para atender as necessidades dos alunos que apresentamdificuldades de aprendizagem e processo avaliativo são preocupações presentes em várias falasdas professoras. Pensamos que não há como avaliar o trabalho educativo com o aluno numaescola ciclada se o pensamento do professor estiver centrado na lógica seriada. Por isso há tantasdúvidas em como avaliar o aluno na lógica dos ciclos. Como diria Arroyo (Op. Cit: 177) Semmexer nos valores, crenças, auto-imagens, na cultura profissional, não mudaremos a culturapolítica excludente e seletiva tão arraigadas em nossa sociedade. O que muda na velha lógicaseriada e nos valores e crenças que a legitimaram por décadas? O que muda no papel social doprofessor, no seu universo cultural, nos seus valores e crenças?

Isso nos leva a pensar que o modo como o professor desenvolve suas atividades nasala de aula com seus alunos precisa ser repensado, pois o papel do professor mudou porquemudou a forma como está organizado o sistema de ensino. Antes era série e um dos objetivos daavaliação era eliminar os que não tinham aptidão e prontidão para seguir adiante dos que tinham.

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Agora em ciclos, um dos objetivos da avaliação é fornecer subsídios para que o professor percebaonde o aluno tem dificuldade de aprendizagem a fim de saná-la com propostas alternativas deatividades pedagógicas para que este aluno não se separe dos seus pares de idade. Os ciclostrabalham com a lógica dos tempos do desenvolvimento humano: mesmo que o aluno não tenhaadquirido alguma competência em certa idade, essa competência seria suprimida ao longo dotrabalho educativo e não punindo o aluno com a reprovação.

Qual será a diferença entre alunos que apresentam dificuldades de aprendizagemdos alunos que não apresentam? Há situações de aprendizagem satisfatórias e outrasinsatisfatórias? O que as diferencia? Não seria o trabalho do professor? Concordamos com Libâneo(2001: 29) quando este coloca que há (...)novas atitudes docentes(...) [e que o professor precisa]assumir o ensino como mediação: aprendizagem ativa do aluno com a ajuda pedagógica doprofessor. Cada aluno tem um ritmo cognitivo próprio, não há como nivelar esse ritmo para quetodos os alunos de uma classe aprendam da mesma forma. Por isso, o professor poderia proporsituações diferenciadas de aprendizagem tendo em vista essa diversidade de ritmos.

Analisando as respostas apresentadas pelas professoras que responderam aoquestionário podemos corroborar a seguinte idéia de Almeida (1999: 15) que diz que a mudançaeducacional pressupõe nova maneira de planejar, ensinar, organizar o conhecimento, avaliar,etc. Daí o professor ter que aprender a fazê-lo segundo as novas bases propostas, o que significaque a mudança só se desenvolve dentro das escolas se for concretizada pelo professor. Porisso ela não pode ser imposta por decreto.Atenção especial precisa ser dada à dimensão pessoalpressuposta nesse processo, ou seja, o impacto que a nova proposta tem no modo de pensar ede agir dos professores.

Além da ‘dimensão pessoal’, há a dimensão ‘temporal’: o tempo de aprendizagemda lógica do ensino em ciclos – onde um ciclo corresponde a quatro anos – é diferente do tempoda escola – que ainda é anual. O planejamento e a organização do currículo e do calendário daescola pesquisada é correspondente a um ano e não a um ciclo. A prática do ‘currículo’ anualainda está bastante consolidada nesta escola. Isso nos leva a questionar se é possível darcontinuidade ao trabalho pedagógico de um ano letivo para o outro dentro deste contexto doplanejamento anual. A continuidade do trabalho pedagógico parece ser incoerente com oplanejamento organizado de forma anual.

De acordo com o que foi apresentado até agora, o professor não resiste às mudançasapenas para ‘ir contra’ a proposta da Secretaria Municipal de Educação, ele resiste porque háfalhas estruturais na organização do ensino em ciclos, como, por exemplo, ter mais de 40 alunospor sala. Seguindo este raciocínio, as razões das práticas consolidadas estão presentes em todasas falas das professoras e demonstram que houve mudanças na concepção ensino/aprendizagem,mas outras mudanças seriam necessárias para que se pudesse fazer um trabalho coerente dentrodesta nova perspectiva de ensino/aprendizagem proposta pelos ciclos, como por exemplo: reduçãodo número de alunos por sala e cursos de formação para os professores sobre o funcionamento doregime de ensino em ciclos. Acreditamos que quando o professor tiver efetivamente os meiospara trabalhar em regime de ciclos, as práticas consolidadas no regime seriado irão se transformar.

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Retomando o questionário, a quarta pergunta diz respeito direto aos objetivos destapesquisa: O que significa ser professor/a para você hoje?

A professora F trás a questão da falta de limites para a atuação docenteUm grande desafio, hoje o professor, muitas vezes, fazem o papel dos pais,

assumindo várias funções ao mesmo tempo.A professora J diz queProfessor de verdade é aquele que está a serviço do aluno, aquele que se preocupa

com a qualidade do que ‘ensina’, que tem no centro de seu trabalho, o aluno.A professora K diz queNão existe teoria que dê conta da realidade, hoje. Mas se considerarmos a maior

parte das escolas públicas, ser professor é ter que desenvolver a criatividade, a intuição, oconhecimento (é lógico) e aumentar o coração para fazer a pedagogia do ‘olhar no olhar’.

São respostas amplas e vagas, mas que apresentam indícios do que é ‘ser professor’hoje na realidade da escola pública organizada em ciclos. Estão presentes, nas repostas, a questãodo aumento de ‘funções’ para o professor, a questão do ‘jogo de cintura’ necessário no dia-a-diapara que o professor possa articular sua experiência com o contexto cultural e tecnológico oferecidopela sociedade na qual ele está inserido e a questão de ter o aluno e o conhecimento no centrodas preocupações docente. O que mudou no fazer docente com os ciclos não está postodiretamente nestas respostas, mas a questão de que o ‘ser professor’ mudou está claro na respostada professora F.

Ainda sobre essa questão da profissão docente e partindo, também, dos dadoscolhidos nos encontros ocorridos nos horários de trabalho pedagógico coletivo na escola pesquisada,a professora L coloca que o professor é o responsável quando o aluno não aprende

L: Porque hoje se o aluno aprende lê é um ótimo aluno, se ele não aprende é oprofessor que não ensinou, né?

Na fala de L há um desabafo sobre o grande desafio que é ensinar algo ao aluno. Afunção docente de levar o aluno ao conhecimento não pode acontecer se não houver uma relaçãoestabelecida entre o aluno e o professor, portanto, não há culpados e nem heróis, há relações quealcançaram e relações que não alcançaram êxito em sua proposta de aquisição/transformação/produção de conhecimento.

Num dos encontros surgiu novamente a questão de reprovar ou não o aluno:G: eu tô sem dormir à noite, preocupada, inclusive em reprovar o aluno...que

mostra pra mim o meu fracasso, certo? Porque eu me sinto fracassada por não ter conseguido.A professora G aponta que o aluno que não alcançou os resultados esperados por

ela representa o seu fracasso. Ela diz se sentir fracassada por não ter conseguido com que todosos alunos alcançassem os objetivos propostos por ela. E essa questão de ter que decidir seaprova ou não tal aluno causa um mal-estar a essa professora porque ela afirma não conseguirdormir direito. Na direção do mal-estar dessa professora, lembramo-nos de Esteve (1995: 104)quando fala que grande parte da sociedade, alguns meios de comunicação e também algunsgovernantes chegaram à conclusão simplista e linear de que os professores, como responsáveis

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diretos pelo sistema de ensino, são também os responsáveis diretos de todas as lacunas,fracassos, imperfeições e males que nele existem. Acreditamos que o professor pode evitar essaresponsabilização excessiva a partir do momento que ele tiver clareza de sua função docente, queele puder agir de acordo com essa clareza e, a partir do momento, que ele tiver condições materiaisde trabalho para desenvolver uma proposta pedagógica de acordo com o que pede os ciclos.

Tendo em vista todas essas transformações do modo de ser professor, advindascom o regime de ensino em ciclos, partimos do princípio que a profissionalidade3 docente se(re)constrói em cada experiência particular de atuação, visto que boa parte do trabalho no mundoescolar é realizada pela figura do professor.

A professora K aponta alguns indícios sobre a profissionalidade docente emconstrução e seus elementos contemporâneos:

K: Mas, eu acho assim, toda vez que se vai fazer algum curso, algum tipo deformação, qualquer coisa ligada ou à Secretaria ou se tem alguém da universidade, é sempre,mais ou menos, essa coisa. As pessoas, realmente, querem saber como os professores estãofazendo pra enfrentar a questão dos ciclos dentro da escola. Porque nunca houve uma teoria,porque sempre tem uma teoria que explica a maravilha dos ciclos, mas, nunca houve uma teoriaque viesse falar algumas coisas que facilite no trabalho em ciclos e, também, nunca existiu umateoria que dissesse quais condições em que o ciclo funciona e, em quais ele não funciona.

Quais são os elementos contemporâneos da profissionalidade docente presentesnesta fala de K? Pensamos que a preocupação com o funcionamento do ciclo é uma questãoimportante e que ainda não está claro para os professores como desenvolver práticas pedagógicaspropriamente em ciclos devido às condições materiais de trabalho que estes enfrentam: comofazer um acompanhamento individual de cada aluno numa classe com mais de 40 alunos? E oprofessor do segundo ciclo do ensino fundamental que tem mais de uma classe, e, porconseqüência, mais de 40 alunos, como pode acompanhar individualmente cada aluno?

K comenta que o professor necessita de uma teoria que aponte os meios em que oensino em ciclos funcione de fato e os meios em que ele não funciona.

Outro elemento relevante dessa profissionalidade em construção é a questão da‘sobrecarga’ de trabalho dos professores e das múltiplas incumbências que lhes são atribuídas:

K: Os professores procuram dar conta de muitas incumbências com os alunos, detudo o que significa essa produção de conhecimento, dos significados, o conteúdo, enfim, tudoo professor precisa estar ali, como se fosse uma galinha protegendo todos os seu pintinhos. E,hoje em dia, todos aqueles problemas que os pais não ficam em casa, os filhos ficam sozinhose tem problemas emocionais, isso, que não tem aquilo e, que, socialmente. Então, todas essasquestões, hoje em dia, quem responde é a escola e, a escola quem é? O professor!

Não há como entender o que é específico da função docente sem ter em mente oque está sendo proposto como objetivos educacionais pelos órgãos que organizam os sistemasde educação do município, do estado e do país. Nesta direção, Sacristán (1995: 67) é muito claroao se colocar sobre a questão da função do professor, afirmando que ela se define pelasnecessidades sociais a que o sistema educativo deve dar resposta. A evolução da sociedade

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tende a legar à escola um conjunto cada vez mais alargado de funções. Esta evolução daexigência social, especialmente projetada na educação pré-escolar e na escolaridade obrigatóriaem geral, conduz a uma indefinição de funções.

Ainda sobre a questão da função docente, encontramos também uma citação deIsabel Escudero no livro organizado por Villa (1998: 43), em que ela diz que há (...) trinta e duasfunções diferentes para o tutor [professor] , personagem que deve lidar como uma fada madrinhacom os alunos, um a um (...) com os pais dos alunos (...), com os parentes próximos, com aquestão do contexto psicológico e geográfico, com seus colegas professores e, inclusive, consigomesmo (...).

Por todas essas questões, os professores estão estabelecendo alternativas deatuação frente à demanda do ensino em ciclos e frente às demandas sociais que são colocadas àescola hoje: ser psicólogo, assistente social, mãe, pai, médico, terapeuta, sexólogo, consultorsentimental não são características intrínsecas à profissão docente, mas hoje o professor lidatambém com essas características porque os alunos trazem questionamentos, problemas, dilemase enfrentamentos que dizem respeito à ordem sócio-emocional. Podemos pensar diante disto quea sociedade delega aos professores funções que não são necessariamente pedagógicas, masque não deixam de ser educativas. Se a sociedade atribui essas novas dimensões ao trabalho doprofessor é porque ou ela superestima a capacidade do professor em lidar com essas dimensões,ou ela está tão fragmentada e desorientada que busca soluções/respostas com quem está maisperto e/ou mais disponível.

A professora K continua seu relato dizendo que:Então, o que a gente vê, por exemplo, qual seria uma colaboração da universidade

diante de todas essas questões, que todos os professores colocam em todas as reuniões.Porque todas as que eu vou os professores colocam, quais estão sendo, hoje, as dificuldadesdos ciclos na escola, como vêem os ciclos, como a escola está estruturada e como não estáencaixando, pois é como se fosse um quebra-cabeça, onde as peças são totalmente diferentes,não tão encaixando.

Isso nos mostra que há uma dificuldade em pôr em prática a lógica do ensinoorganizado em ciclos porque a escola não oferece os meios necessários para esse tipo de proposta.Quando K fala que ‘as peças são totalmente diferentes, não tão encaixando’, ela aponta para umaquestão fundamental da reorganização dos espaços e tempos dentro da escola: o professor continuacom a mesma jornada de trabalho que acontecia no regime seriado - com o acréscimo de algumashoras de trabalho pedagógico coletivo; as salas de aulas comportam mais de 40 alunos; não háreprovação entre os anos de um mesmo ciclo, mas também não há um acompanhamento especialeficaz para os alunos que necessitam de atividades cognitivas diferenciadas como reforço paraleloe algumas salas de reforço apresentam 20 alunos com problemas/necessidades de aprendizagemdiferentes. As peças não encaixam porque a proposta é de um ensino em ciclos, mas a realidadeda escola pesquisada continua a ser a do regime seriado.

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K fala do esforço que os professores – mesmo com todas as dificuldades existentesna escola – fazem para ‘dar conta do recado’ e para desenvolver um trabalho positivo com osinúmeros alunos que eles têm em cada sala:

E, os professores estão virando verdadeiros heróis! Porque eles querem encaixar,porque eles recebem 40 e tantos alunos no começo do ano e eles querem entregar esses alunospra outra série com a consciência limpa. Então, os professores estão virando heróis mesmo.

Porque, realmente, tá difícil, não tá impossível, só porque eles se remexem natumba e conseguem descobrir o que fazer e fazem. E, se você vier aqui, você vê professorxerocando, professor virando aquelas máquinas, professor recortando coisa. Outro dia, eu entrei9 horas da noite numa sala, porque eu tinha ficado aqui até mais tarde, e uma professora lá,pondo pra secar os trabalhos dos alunos, porque no outro dia ela tinha que entregar pros alunos,pros alunos mandar pros pais. O que significa isso? Os alunos fizeram o trabalho e ele ficoupondo pra secar os trabalhos, pra no outro dia, está tudo pronto. E, no outro dia ele tinha quelevantar cedo pra ir pra uma escola, pra depois vir pra cá, pra segunda escola. Então, osprofessores fazem milagres! Eles estão sendo, são heróis.

K aponta algumas saídas possíveis para melhorar o trabalho do professor dentro daproposta do ensino em ciclos:

Hoje em dia, o que se faz, ao invés de dizer - precisa de professor auxiliar pra terciclos, precisa de menos alunos na sala de aula, precisa de substituto pra quando o professorfalta e pra quando o professor vai fazer curso - porque o professor não pode vim dá aula e fazercurso, porque ele não vai render. Como ele vai render no curso, saindo depois de dar aula emduas escolas? Então, precisa ter substituto, precisa ter professor auxiliar. Precisa essas coisase não é reclamação, porque o professor não quer trabalhar, são coisas necessárias pra que oprofessor não ter que ficar fazendo milagres.

Esse depoimento de K nos mostra claramente que os professores não estãoresistindo às mudanças propostas pela Secretaria Municipal de Educação simplesmente porqueeles não querem trabalhar de outra forma, eles necessitam de meios que possibilite um trabalhoconsciente e coerente dentro dessa nova proposta. A resistência por parte dos professores pareceacontecer porque estes necessitam de subsídios para transformarem sua prática docente e paraorientá-la de acordo com os pressupostos dos ciclos.

K termina seu relato da seguinte forma: Os professores são os pilares da escola que segura tudo e, aí, a gente vê que a

universidade não dá bola para esses professores. E, quando o professor consegue reclamar umpouco, ele é mal entendido nas suas angústias. Porque eu acho o seguinte, no que a universidadepode ajudar, não vai dar pistas não, pelo menos, ouve esse clamor e coloque no microfone,coloca pra todo mundo escutar.

Está muito clara a afirmação de K sobre o professor ser o pilar da escola. Comodissemos anteriormente, o professor é um dos principais responsáveis – se não for o principal -por ‘dar corpo’ às propostas educacionais formuladas pelos órgãos administrativos do sistemaeducativo. K também fala que o professor é mal entendido quando vai solicitar condições apropriadas

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para desenvolver seu trabalho com qualidade, e ela pede à Universidade que leve seu apelo para‘todo mundo escutar’. Que apelo é esse? Entendemos que é o apelo por: melhor organizaçãoestrutural da escola para que se possa desenvolver efetivamente um trabalho em ciclos e paraque se possa oferecer uma educação formal de qualidade para os alunos; reestruturação dajornada de trabalho do professor; redução do número de alunos por sala; formação continuadapara os professores; contratação de professores adjuntos/substitutos/auxiliares; etc.

Depois de todo este percurso pela reorganização do sistema de ensino municipalda cidade de São Paulo – do regime seriado para o regime de ciclos – e pelo aumento de demandassociais legadas à escola e à função docente, nos fica clara a questão de que o modo de serprofessor mudou e que as razões das práticas consolidadas estão muito mais ligadas à formacomo está organizado o ensino e às novas dimensões da função docente colocadas pela sociedade,do que à resistência – pura e simples – por parte dos professores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Maria Isabel de. O sindicato como instância formadora dos professores: novascontribuições ao desenvolvimento profissional. São Paulo: FEUSP, 1999. (Tese de doutorado)

ARROYO, Miguel G. Ofício de mestre: imagens e auto-imagens. Petrópolis: Vozes, 2002.

DOMINGUES, Isaneide. O horário de trabalho coletivo e a (re)construção da profissionalidadedocente. São Paulo: FEUSP, 2004. (dissertação de mestrado)

ESTEVE, José Manuel. Mudanças sociais e função docente. In:NÓVOA, Antônio (org.). Profissãoprofessor. Porto: Porto Editora, 1995.

LIBÂNEO, J. C. Adeus professor, adeus professora?: novas exigências educacionais e profissãodocente. São Paulo: Cortez, 2001.

SACRISTÁN, J. G. Consciência e ação sobre a prática como libertação profissional dos professores.In: NÓVOA, Antonio (org.). Profissão professor. Porto: Porto Editora, 1995.

VILLA, Fernando Gil. Crise do professorado: uma análise crítica. Campinas: Papirus, 1998.

NOTAEste texto foi produzido a partir dos resultados de uma pesquisa de Iniciação Científica, sobre profissão docente,

orientada pela Prof.ª Dr.ª Maria Isabel de Almeida, na Faculdade de Educação da USP, durante os anos de 2003 e 2004.2 Projeto em andamento coordenado pela Prof.ª Dr.ª Maria Isabel de Almeida e que está sendo desenvolvido junto

a um grupo de 16 professores de uma Escola Municipal de Ensino Fundamental da cidade de São Paulo.3 Utilizamos a definição de profissionalidade proposta por Domingues (2004: 60): a profissionalidade a que nos

referimos constitui-se no conjunto dos saberes docentes, teóricos e práticos, sintetizados no exercício de ser professor, cujos requisitos,conhecimentos, habilidades e atitudes qualificam o profissional e sua ação.

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1.- TEMA

Quais foram as concepções sobre educação, que circularam entre 1990 e 2003,constituindo parte da identidade do professor contemporâneo?

2. - FONTE NUCLEAR

FORMAÇÃO DOCENTE: um estudo nas Atas, Seminários, Anais de Congressose Debates.

3. - APRESENTAÇÃO

O presente estudo pretende investigar as apologias históricas, isto é, as concepçõessobre educação balizadoras das ações docentes e, da constituição de parte da identidade doprofessor contemporâneo.

A temática da aprendizagem profissional docente tem sido objeto de investigaçãode diversos pesquisadores. Nesse sentido, podemos encontrar diversos estudos voltados àcompreensão do sistema educacional, bem como a forma pela qual esse sistema tem sidoapreendido, reproduzido e modificado pelo professorado, num processo de inter-ação.

O homem como ser sócio-histórico, apresenta-se potencialmente capaz de conhecero passado do qual se apropriou, de analisar e de refletir sobre a trajetória, que tem norteado assuas ações. Possui, portanto, o suporte necessário para protagonizar a mudança de paradigmase a dimensão relacional dos seus saberes.

A afirmação contida em grande parte dos discursos dos professores, a respeito dadistância entre formação e exercício da profissão, nos impulsiona a buscar causas históricas, quede alguma forma, justifiquem tais vazios e contradições inerentes ao processo de profissionalização.

4. - OBJETIVO

O tema problematizado nesse estudo tem por objetivo investigar e fundamentar, asperspectivas históricas, que tem atuado e/ou influenciado a profissionalização do ator educacional,

EDUCADORES CONTEMPORÂNEOS EO PROCESSO HISTÓRICO NA PRODUÇÃO

DE SUA IDENTIDADE PROFISSIONAL

CELEGATTO, Conceição Aparecida (FEUSP)

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conferindo-lhe os contornos de sua identidade atual, contextualizados em decisões, escolhas eações em sala de aula e no interior do cotidiano escolar.

A formação profissional docente, com seus respectivos embates, nos remete abusca de fontes, capazes de ampliar a compreensão, sobre a construção e a legitimidade dasações que constituem o universo profissional do professor no decorrer dos anos.

Com base na perspectiva de efetuarmos uma análise dinâmica e abrangente, capazde abarcar diferentes reflexões sobre o tema e, de flexionar idéias, por meio de estudosdiversificados, foi escolhida como fonte nuclear: as atas e anais de congressos, seminários edebates. Tais instrumentos constituídos por uma série de coletâneas de textos, histórias de vidade professores (oral e escrita), e artigos de pesquisadores do Brasil e do mundo, representam apossibilidade de estruturação e sistematização de um estudo sedimentado em território amplo efértil, à germinação de novas percepções e, com isso, outras investigações.

Gatti (1996) afirma que o professor como ser em movimento possui valores,estrutura, crenças, atitudes e age de modo pessoal, que é a parte de sua identidade. Mas essaidentidade é fruto de interações sociais, de expressões sociopsicológicas adquiridas deaprendizagem e de formas cognitivas.

A interpretação da realidade social vem sofrendo influência de novas tentativaspara a sua re-criação ou ressignificação. Assim, de acordo com Ferrarotti, toda práxis humana éreveladora das apropriações que os indivíduos fazem das relações sociais e das próprias estruturassociais, “interiorizando-as e voltando a traduzi-las em estruturas psicológicas, por meio da suaatividade desestruturante-reestruturante”.(Ferrarotti, 1988, p.26).

Em última análise essa investigação pretende revelar dados significativos, e situara ação docente no espaço e no tempo, isto é, como produto de um passado, produtora de umpresente e de um futuro; capaz, portanto, de caminhar rumo ao desenvolvimento de contínuascompetências extraídas do seu próprio repertório social, no qual atua e é, ao mesmo tempo,receptiva, influencia e é influenciada, constituindo a intersubjetividade que a configura.

5. - METODOLOGIA

Os artigos integrantes do presente estudo foram selecionados a partir dolevantamento de temas, que circularam no período determinado. Dessa forma, foram separados,inicialmente os títulos, que possuíam palavras como: formação de professores, educação, memóriae história da educação, instituições escolares, cultura escolar, prática pedagógica, inovações ereformas educacionais, campo educacional. Após a seleção baseada nesses indicadores, foirealizada uma leitura exploratória, que possibilitou a separação de artigos pertinentes à investigaçãoem questão. Os textos/artigos foram, então, distinguidos em três categorias, que tornaram possívela organização desta pesquisa.

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A categoria denominada Concepções sobre a educação, utilizada para compor otrabalho de investigação ora descrito, foi organizada por textos, artigos, debates, pesquisas ereflexões, cujos principais títulos referem-se à formação de professores, inovações e reformaseducacionais, campo educacional, teorias de ensino-aprendizagem, memória e história daeducação, saberes especializados, associativismo, legislação e formação docente, políticaeducacional. As produções selecionadas para esse trabalho, constituem parte do materialapresentado nos Congressos realizados no período de 1990 a 2003, por especialistas e profissionaisligados à educação, autoridades governamentais e pesquisadores do Brasil e do mundo.

A segunda categoria denominada Exercício Profissional Docente ou PráticasPedagógicas, foi organizada por artigos, textos, pesquisas e reflexões, cujos títulos descrevem adinâmica profissional, o exercício da docência, as inovações na prática do professorado e adidática, presentes nos Congressos analisados.

A terceira categoria integrante deste trabalho – Instituições Escolares – foi compostapor textos, artigos, pesquisas e reflexões, cujos títulos descrevem estudos sobre as instituiçõesde ensino, o cotidiano escolar, a institucionalização da escola pública,o regimento escolar, o projetopolítico pedagógico, a integração entre a Universidade e a Escola de 1º e 2º Graus. Os textos emquestão foram categorizados em função do título, para efeito de classificação e de organização dotrabalho, muito embora, possamos observar no conteúdo dos textos, a presença de mais de umacategoria.

Além disso, o estudo efetuado permitiu que detectássemos as categorias ExercícioProfissional Docente e Instituições Escolares, com maior freqüência no interior de textos comtítulos diversificados.

Na análise dos artigos foram considerados dois eixos principais. O primeiro refere-se ao estudo sobre a fonte nuclear utilizada, isto é, sobre o II Congresso Luso-Brasileiro deHistória da Educação, e sobre o Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores(I, II, III, IV, V, VI, VII), evento realizado em 1990 – 1992 – 1994 – 1996 – 1998 – 2001 e 2003,respectivamente. O estudo da fonte principal tem por objetivo, facilitar a análise sobre o espaçoocupado pelos eventos em nível nacional, a reflexão sobre a abrangência e a circulação dostemas apresentados, bem como sobre as publicações realizadas e os respectivos autores.

O segundo eixo considerado refere-se à análise de conteúdo dos textos/artigos,cuja natureza qualitativa, nos impulsionou a definir alguns critérios como: classificação dos textos(debate/ reflexão, experiência, pesquisa), ano de publicação, dados referentes aos autores, idéiascentrais e argumentos utilizados pelos mesmos, breve descrição das pesquisas realizadas e dasrespectivas conclusões.

O quadro I esboçado abaixo permite a visualização da primeira categorizaçãorealizada, e da quantidade de textos/artigos, sobre os quais incidiu uma nova seleção, quepossibilitou a definição de uma amostragem menor, porém capaz de compor com legitimidade oobjeto de estudo em questão.

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QUADRO I

Como podemos observar, os artigos correspondentes a categoria,Concepções sobre a Educação, aparecem em número significativamente maior,

do que os artigos correspondentes as categorias Exercício Profissional Docente e InstituiçõesEscolares, em todos os períodos/anos analisados. Para efeito de sistematização os artigos/textosforam agrupados e relacionados, de dois em dois anos, conforme demonstra o Quadro I. A categoriadenominada Exercício Profissional Docente, aparece no ano de 1990, com uma freqüênciarelativamente grande, mas diminui significativamente nos anos subseqüentes. Os artigos cujostítulos tratam das Instituições Escolares, oscilam em relação à freqüência, aparecendo em númeromaior no período 1998 - 2001. Contudo, em 2003 o tema aparece em quantidade ainda maior, doque aquele que trata do exercício profissional ou da prática pedagógica. Convém ressaltar que, noperíodo 1998 – 2001 foram considerados dois Congressos: II Congresso Luso-Brasileiro de Históriada Educação e V Congresso Paulista sobre Formação de Educadores.

Em relação à classificação podemos verificar abaixo nos Quadros II, III, IV e V,respectivamente, que a natureza dos artigos/textos foi analisada, no período de dois em doisanos, utilizando-se o mesmo procedimento considerado para a categorização.

Quadro II

Categoria/período analisado

90 - 92

94 - 96

98 - 2001

2003

Total

Concepções Sobre a educação

60

40

75

18

193

Exercício Profissional Docente

30

02

15

04

51

Instituições Escolares

10

05

30

08

53

Categoria/classificação período

Debates/reflexões 90 - 92

Experiências 90 - 92

Pesquisa 90 - 92

Total 90 - 92

Concepções sobre a educação

39

06

15

60

Exercício Profissional docente

11

02

27

40

Instituições Escolares

05

01

04

10

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Quadro III

Quadro IV

Quadro V

Categoria/classificação período

Debates/reflexões 90 - 92

Experiências 90 - 92

Pesquisa 90 - 92

Total 90 - 92

Concepções sobre a educação

39

06

15

60

Exercício Profissional docente

11

02

27

40

Instituições Escolares

05

01

04

10

Categoria/classificação período

Debates/reflexões 98 - 2001

Experiências 98 - 2001

Pesquisa 98 - 2001

Total

Concepções sobre educação

41

02

32

75

Exercício profissional docente

04

-

01

05

Instituições Escolares

17

03

10

30

Categoria/classificação período

Debates/reflexões 2003

Experiências 2003

Pesquisa

2003

Total 2003

Concepções sobre educação

18

-

-

18

Exercício profissional docente

04

-

-

04

Instituições Escolares

08

-

-

08

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Os artigos estudados, também foram classificados de acordo com os profissionais,que os produziram. O resultado dessa primeira amostragem pode ser visualizado nos próximosquadros.

Quadro VI

Quadro VII

Quadro VIII

-

Categoria/profissionais

90 - 92

Profissionais da educação

Autoridades governamentais

Autores nacionais

Autores internacio

nais Concepções sobre

educação

53

07

60 -

Exercício Profissional Docente

30

-

30

-

Instituições Escolares

10

-

10

-

Categoria/profissionais

1994 - 1996

Profissionais da educação

Autoridades governamentais

Autores nacionais

Autores internacio

nais Concepções sobre

educação

38

02

37

03 Exercício Profissional

Docente

02 -

01

01

Instituições Escolares

05

-

04

01

Categoria/profissionais

1998 - 2001

Profissionais da educação

Autoridades governamentais

Autores nacionais

Autores internacio

nais Concepções sobre educação

70

05

70

05

Exercício profissional docente

03

-

03

-

Instituições Escolares

29

01

30

-

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Quadro IX

A investigação feita nos permitiu verificar que a maior parte dos textos apresentadosnos Congressos, corresponde à categoria debate/reflexão, isto é, 131 artigos ou 44% do totalencontrado. Os textos classificados como Pesquisa, aparecem na seqüência, com 95 trabalhosapresentados, ou seja, aproximadamente 32%. Os textos classificados como Experiência, aparecemem 13 trabalhos, correspondendo a 4,37% do material selecionado. Em relação aos autores ouapresentadores dos referidos trabalhos, podemos visualizar na amostragem acima, que a maiorparte deles, ou seja, 281 são profissionais ou pesquisadores voltados à área educacional, 16representam autoridades governamentais. A maior parte dos pesquisadores é constituída porbrasileiros, 284, enquanto os internacionais constituem um total de 13.

6. – UM ESTUDO SOBRE A FONTE NUCLEAR

A construção da identidade docente como tema nos Congressos Luso-Brasileiro de História da Educação e Congresso Estadual Paulista sobre Formação deEducadores.

O II Congresso Luso Brasileiro de História da Educação reúne em dois volumes,textos e artigos que representam o intercâmbio eficaz de idéias e propostas, provenientes depesquisadores do Brasil e de Portugal. Os textos apresentados acrescentam informaçõessubstanciais ao entendimento do processo histórico da profissão docente, fornecendo amplorepertório memorialístico, acerca das perspectivas sociais, econômicas, políticas e culturais, quesedimentaram o conjunto de ações adotadas pelos diversos agentes educacionais, com ênfaseno professor contemporâneo. O Congresso aconteceu em fevereiro de 1998, na Faculdade deEducação da Universidade de São Paulo, e esboçou diretrizes de possíveis investigações futurassobre temas como: professor – formação – conhecimento – exercício profissional.

O Congresso Estadual paulista sobre Formação de Educadores teve início em1989, quando um grupo representado por Raquel Volpato Serbino, direcionou a organização doprimeiro evento, mesmo num delicado momento político, caracterizado por ações radicais do

Categoria/profissionais 2003

Profissionais da educação

Autoridades governamentais

Autores nacionais

Autores internacio

nais Concepções sobre

educação

17

01

17

01 Exercício

Profissional docente

04 -

02

02

Instituições Escolares

02

-

02

-

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governo Collor de Mello, como bloqueio das contas correntes. O objetivo de ampliar o debate naárea de educação escolar prevaleceu e o Congresso, realizado então bienalmente, cresceu,multiplicou o número de participantes, tornando-se um evento de referência. Os temas abordadostêm privilegiado desafios e problemas ligados a área educacional no Estado de São Paulo, aformação docente, as Licenciaturas, a Pós-Graduação em Educação e a Formação Continuada.

Os conteúdos dos artigos mostram-se capazes de sustentar as concepções, quetêm circulado ao longo do tempo na área educacional, isto é, os elementos político-sociais, culturaise institucionais formadores da identidade do professor contemporâneo.

7. – A IDENTIDADE DOS PROFESSORES CONTEMPORÂNEOS VISTA DEACORDO COM AS CATEGORIAS: CONCEPÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO; EXERCÍCIOPROFISSIONAL E INSTITUIÇÕES ESCOLARES.

A leitura exploratória dos artigos nos possibilitou a delimitação de uma amostragemconstituída por vinte e quatro textos distribuídos entre as categorias descritas, capazes de comporcom legitimidade o objeto de estudo.

A categoria - concepções sobre a educação - representa e reúne o maior númerode trabalhos apresentados, conforme podemos conferir no quadro I. Os treze artigos sobre osquais nos debruçamos, para melhor compreendermos a constituição da identidade do professorado,tratam de assuntos bastante variados, embora possamos perceber que no transcorrer do tempo,os embates sobre o magistério, a qualidade da formação docente, a falta de conhecimento sobrea cultura institucional, são assuntos que continuam sem respostas e sem políticas públicas,compatíveis à realidade do ator educacional brasileiro.

8. - CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo sobre a constituição da identidade do professor contemporâneo, atravésda análise de textos e artigos integrantes dos Anais de Congressos, Seminários e Debates, noperíodo de 1990 a 2003, nos levou a estabelecer três categorias que se articulam de algumaforma: concepções sobre a educação; exercício profissional docente; instituiçõesescolares. Constatamos, então, que através delas os discursos pedagógicos circularam ecaracterizaram o tecido pertinente ao sistema educacional, dando-lhe uma decoração própria.

Os artigos analisados mostram que as concepções sobre a educação, categoriana qual se encontram inseridos temas como formação docente, teorias de ensino-aprendizagemou inovações nas propostas pedagógicas, legislação, associativismo, educação à distância,educação inclusiva e tecnológica, correspondem a maior parte dos discursos, trabalhos e pesquisasapresentadas nos eventos, fonte dessa pesquisa. A leitura exploratória e a análise de conteúdo detais textos revelam, também, que desde 1990 debates e discussões sobre as deficiências naformação dos educadores persistem e, sugestões são lançadas, documentos são emitidos sob aforma de propostas ou referências para a formação docente, como no caso do trabalho realizado

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em 1998 no V Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores (V CEPFE). Taldocumento apresentado durante esse evento procurava tratar de todos os pontos nodais referentesà formação inicial, continuada e em serviço dos profissionais do sistema de ensino. Apesar disso,as deficiências e a baixa qualidade dos cursos de formação de professores, continuam sendodiscutidas e problematizadas, inclusive em evento realizado em 2003 (VII CEPFE) fato quedemonstra a não superação das questões. As condições precárias de trabalho do professor, osbaixos salários e a desvalorização do magistério, também, constituem temas tratados em todosos Congressos (1990 a 2003), sem que nenhum desfecho real seja apontado, para a reversão dasituação. Em meio a tudo isso que se repete, aparecem os inúmeros textos, artigos sobre astendências educacionais inovadoras, sobre as diversas competências esperadas para o exercícioda docência, num movimento teórico crescente. Assim, educação inclusiva, ensino técnico,tecnologia e ensino a distância, educação de jovens e adultos, educação indígena são títulos quegradativamente compõem os discursos educacionais, principalmente a partir de 1994. Enquantoisso parece que as questões globais, os conflitos centrais que permeiam o sistema educacional,isto é, políticas públicas que pudessem tratar do cotidiano escolar com seus embates, da situaçãoprofissional do ator educacional vão ficando sem resposta, vão se tornando objetos de esquecimento.

Em relação à segunda categoria denominada nessa investigação “exercícioprofissional docente”, percebemos que os artigos têm procurado tratar das dificuldades práticasvivenciadas pelos professores em sua formação inicial, bem como durante o processo deprofissionalização, que acaba baseando-se na imitação e orientação dos pares ou, muitas vezes,fortalecida em bases empíricas e/ou provenientes do senso comum. A articulação entre formaçãoe exercício profissional, a assessoria da Universidade pública junto ao ensino de 1º e 2º grausconstitui alternativa levantada e abordada, especialmente no Congresso Paulista sobre Formaçãode Educadores (1994-1996), e no II Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação (1998).Todavia, o tema é tratado em pequena escala, constituindo uma categoria pouco trabalhada e,muitas vezes, inserida no conteúdo de outros textos, cuja ênfase é dada às novas concepçõessobre a educação.

A terceira e última categoria estudada Instituições escolares, embora não tenhauma representatividade tão grande quanto a primeira (concepções sobre a educação), torna-sediscutível, principalmente em 1998, devido a avaliação educacional e as medidas legais direcionadaspelo governo FHC. O projeto pedagógico e o regimento escolar, também constituem questõesproblematizadas no evento em questão. A escola como instituição social, dotada de uma culturaprópria, portanto como objeto de estudo a ser privilegiado, para o alcance da melhoria da qualidadedo ensino público, é questão tratada nos Congressos, principalmente em 1994 (III CEPFE).Contudo, o assunto persiste, sem que possamos detectar ações pontuais voltadas ao entendimentoe a intervenção no cotidiano escolar.

O presente estudo, através da análise dos diversos trabalhos, bem como dasproduções acadêmicas realizadas no período determinado, nos permitiu verificar tendênciasconceituais e metodológicas, como referências direcionadas aos profissionais da educação,especialmente aos professores. A reflexão sobre tais tendências e sobre a influência das mesmas

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na constituição da identidade do professor contemporâneo, mostrou-se importante, embora tenhasido apenas o início de uma investigação maior a ser realizada, para que o processo de “tornar-se”professor possa ser ampliado e visto além dos muros construídos, historicamente, pelos sistemasde dominação, cujas características democratizantes, parecem corresponder mais a uma roupagemnova, dada às relações assimétricas e hierarquizadoras.

9. - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA, R.L.L. (Org.) Formação de educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: EditoraUNESP, 2003. 503p.

______. Formação de educadores: trajetórias e perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 2004.582p.

FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 20. ed. Trad. e org. Roberto Machado. Rio de Janeiro:Edições Graal, 1979. Bibliografia ISBN 85-7038 – 019 – 4.

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CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES, 6, 2001, Águasde São Pedro. Formação de educadores: desafios e perspectivas para o século XXI – textosgeradores e resumos. São Paulo: UNESP, 2001. 214p.

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II CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO. Práticas educativas,culturas escolares, profissão docente. Atas... vol.1. São Paulo: Escrituras Editora, 1998.

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PATTO, M. H. S. (Org.). Introdução à Psicologia Escolar. 3.ed. rev. e atual. São Paulo: Casa doPsicólogo, 1997.

______. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa doPsicólogo, 1999.

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A escrita é um produto cultural, um resultado da atividade humana que nelaencontrou uma maneira de se imortalizar e representar suas idéias e pensamentos. Dessa forma,a escrita é de fato, segundo Tfouni (2000, p. 10),

o resultado tão exemplar da atividade humana sobre o mundo, queo livro, subproduto mais acabado da escrita é tomado como umametáfora do corpo humano: fala-se nas “orelhas” do livro, na suapágina de “rosto”, nas notas de roda-“pé”, e o capítulo nada mais édo que a “cabeça” em latim.

O autor ao mesmo tempo em que organiza seu discurso, seja oral ou escrito,também garante que alguns sentimentos e idéias sejam enfatizadas ou descartadas na escrita deseu texto, e na sua fala. Nas narrativas dos educandos adultos pode ser claramente observadoesses aspectos, uma vez que a temática adotada para ser trabalhada com eles trata sobre aquestão da Migração brasileira, questões articuladas diretamente às suas lembranças de vida eàs suas temporalidades.

Sendo assim, o trabalho realizado a partir de narrativas tem como objetivo possibilitaraos educandos uma leitura, social e cultural da sua realidade, pois isso constitui um importanteinstrumento de luta e de resgate de suas identidades. Dessa forma, as questões que perpassama alfabetização não são de natureza técnica, mas sim político-ideológica.

Para tanto, fez-se necessário para a elaboração do presente trabalho a utilizaçãodo referencial teórico em abordagem qualitativa de pesquisa, a qual permite apreender acomplexidade dos processos educativos propostos, e a subjetividade contida nesses processos.

A pesquisa qualitativa se caracteriza pelo seu caráter dialógico e pela atençãodespendida aos casos de maneira singular, considerando a presença dos processos subjetivos naeducação do sujeito, influenciado tanto pelo individual quanto pelo social, considerando asexperiências vividas.

Dentro desses conjuntos de novos métodos, pode-se apontar a pesquisa qualitativa,em especial a pesquisa-ação, como uma alternativa, que se supõe o contato direto e constanteentre pesquisador e sujeitos da pesquisa, bem como aponta, nesse caso, os dados coletados dostrabalhos escritos dos sujeitos, que são de fundamental importância, uma vez que neles estãocontidas ricas descrições e o contexto em que estes educandos estão inseridos.

ESCRITA, ESCOLA E NARRATIVAS:PROCESSO EMANCIPATÓRIO NA

TRAJETÓRIA DE EDUCANDOS ADULTOS

LOPES, D. C. C. UNESP/ Campus de Marília – Departamento de Didática

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Por ter como uma de suas características o diálogo, este aparece como momentoessencial da pesquisa, pois os sujeitos expressam suas subjetividades conforme vão aparecendosua próprias construções, formando-se assim uma ação-dialógica com o pesquisador e entre si.

De todo o exposto, a opção eleita como abordagem de pesquisa foi, propriamente,a qualitativa, pois que aparece como alternativa adequada à natureza do trabalho investigativorealizado, e de acordo com o tipo de informação que se pretendeu obter, é utilizado um ou outrométodo para a coleta de dados. Nesse trabalho, foram utilizadas a observação e a entrevista.

A confiança no pesquisador, a identificação com o trabalho permitiu que váriassituações fossem observadas e analisadas, no contexto de sala de aula e na inclusão dessesaspectos nas narrativas dos educandos, no entanto, para o desenvolvimento do trabalho, algunsfatos observados tiveram que ser priorizados em detrimento de outros por estarem mais direcionadosà temática adotada.

As entrevistas, nessa pesquisa, foram realizadas com duas alunas (escolhidasatravés de sorteio) com o objetivo de discorrer sobre temas relacionados diretamente com anarrativa de vida desses educandos e com a temática proposta para a pesquisa, no caso, aidentificação com os problemas sociais da migração. Foram feitas através de gravação diretacom um roteiro a ser seguido, e registradas através de transcrição integral, ou parcial quando fornecessário, simultaneamente às anotações referentes às emoções manifestadas.

Trabalhar com narrativas de vida permite, ao mesmo tempo, envolver a subjetividadedos sujeitos envolvidos, assim como as questões sócio-culturais, compreendendo suas trajetóriase seus porquês, no entanto, faz-se presente inúmeras dificuldades ao escrever, afinal, começar aescrever nunca foi tarefa fácil, em que se faz necessário compreender que existe um leitorimaginário, e que por esse motivo, deve-se organizar o que vai escrever com o intuito de que hajacompreensão por parte desse leitor.

A escolha do que será escrito também é um processo difícil, pois engloba toda asubjetividade do autor, sua experiência de vida e, principalmente, as dificuldades oriundas daexpulsão escolar desses educandos ao colocarem suas idéias no papel, assim também como omedo de errar, ortográfico e semanticamente, os seus escritos.

Segue abaixo, transcrição da fala das entrevistas realizadas com cinco educandosdo PEJA (Programa de Educação de Jovens e Adultos) do Jd. Bandeirantes/ Marília-SP, queconfirmam tais dificuldades supracitadas:

É de pôr a letra no lugar certo e de ”falta“ letra também, eu esqueço.Dá um branco e eu “cabo” esquecendo qual letra que eu queria, né.É! A dificuldade é essa. Eu tenho vontade de fazer, mais quando eu“vo coloca”, foge aquela letra ou então eu não lembro. Tenho tambémdificuldade de pôr a idéia no papel, acho que de trocar as letras eutenho mais, eu esqueço, esqueço mesmo da letra. (M. T. S.).

Olha! Minha dificuldade é assim, eu ... eu vou escrever e eu tenhomedo de ..., de errar, e aí eu vou fazendo, e no fim faço errado, “ce”entende? Mais vontade é muita de aprender, só que não tem ...,não tem jeito de aprender. Errar lá as letras, aí eu penso assim:Meus Deus, como é que eu “vo” fazer isso aqui errado e outra pessoavai “ve” esse erro que eu fiz aqui, outra pessoa vai “ve”. Então eu

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tenho aquele ... aquele medo assim, é mesmo de agir. Quando temuma pessoa... eu “to” escrevendo, aí chega uma pessoa, aí eu paro.Esse medo não tem jeito “deu” mudar ele, “deu” expulsar ele, “vamosupô”. Não fica difícil para gente, né? Fica. Eu penso muito paraescrever a história e não saí Ada, e não é assim. Queria provar pramim mesmo que eu saí dessa, entende? (A. G. S.).

Dessa forma, o que os educandos trouxeram na entrevista como sendo as maioresdificuldades com a escrita, pode-se observar claramente o receio manifestado por eles em errar,pois para o adulto a questão relacionada ao erro traz, dependendo de como as situações em salade aula são estabelecidas, uma sensação de desconforto para si e perante os outros.

Outra questão também presente quanto ao erro, apresenta-se quando entra emcena a preocupação em mostrar para a família os progressos e avanços alcançados em seu dia-a-dia escolar, pois isto é cobrado desse educando de forma intensa, uma vez que é pressionadoa provar seus avanços escolares, caso contrário, seria interpretado, nem sempre de forma sutil,pelos familiares, que a escola não está realizando um bom trabalho, ou que o educando não estáfreqüentando a escola, ou ainda, que este é incapaz, que seria melhor desistir das aulas.

No entanto, é percebido no corpus dessas falas, que apesar dos medos que sentemem errar e/ou não fazer-se compreendido perante o outro, há nitidamente a presença de umsentimento de luta e motivação que os impulsiona a aprender, e aprender mais; e dentro das suasproduções textuais estão presentes tais sentimentos de persistência, e trechos que relatam deuma certa forma a trajetória de vida desses educandos.

Por isso, o autor ao mesmo tempo que organiza seu discurso, seja oral ou escrito,garante que algumas situações sejam enfatizadas, ou descartadas, na escrita de seu texto e nasua fala. Nas narrativas dos educandos pôde claramente ser observado esses aspectos, uma vezque a temática adotada trata da Migração brasileira, em especial a nordestina, questão articuladadiretamente às suas lembranças.

O trabalho realizado a partir de narrativas pretendeu, então, possibilitar aoseducandos uma leitura crítica da sua realidade, pois isto constitui um importante instrumento deluta e de resgate de sua identidade. Nessa perspectiva, é possível afirmar que as questões queperpassam a alfabetização não são de natureza técnica, mas sim político-ideológica.

Por esse motivo, saber ler e escrever é tornar-se mais “forte”, representar estarauto-confiante, portador de identidade, com auto-estima resgatada, detendo instrumentos de luta.Os adultos quando retornam para a escola, que no passado e ainda hoje os expulsa do direito deaprender, sabem disso, pois é através da escrita que mostram para o mundo, e para si mesmos,que venceram apesar das inúmeras barreiras postas em suas trajetórias de vida, e é por meiodessas escritas, também, que conquistaram, a ainda conquistam, sua autonomia, são emancipadosdas correntes que os prendem e denunciam o seu opressor. Tais aspectos podem ser observadosnos relatos obtidos com os educandos:

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Torna mais forte de “prova” pra mim mesmo que eu consigo, né,fazer as coisas e sem “te” que “depende” dos outro. Antes eudependia de todo para escrever, fazer um..., escrever nome porquedaí eu ia fazer, eu fazia, esquecia das letras, daí eu tinha que “pedi”para alguém fazer pra mim. Conta, por exemplo, não sei nada, nãosei nem “arma” a conta. Eu “tô” conseguindo um pouco, né? Euacho que muito não, mais um pouquinho eu “tô”. É que eu achoque sou muito assim..., eu me apavoro na hora, né, de escrever;fico nervosa na hora de escrever e acabo esquecendo, né, do quetem que “pô” . (M. T. S.).

Ah! Torna sim. Nossa Senhora!se eu soubesse “lê” e escrever eu jáera outra. Eu acho que eu teria mais confiança “neu” mesmo. E seeu fosse fazer uma viagem num lugar, então eu tinha medo de meperder, de ficar assim, não ter uma localizar, um endereço, umacoisa, né. Então isso me deixa, me deixava..., se eu tivesseaprendido já era..., eu já “tava”, eu tenho certeza que eu “tava” bemmais forte que eu “tô” agora. Agora, eu não sei se eu “vo” chegar lá.(A. G. S.).

De acordo com o que foi relatado na entrevista acima, referente a questão da “auto-confiança” que tem o sujeito quando se apropria do instrumento da escrita, várias questõesimportantes foram levantadas pelos educandos no que se refere a autonomia e independênciaque esta proporciona.

Por muito tempo estes educandos consideraram-se desacreditados de si mesmos,da mesma forma como eram vistos pela sociedade altamente excludente como esta. Porém, nãodesistiram de buscar ferramentas para participarem dessa sociedade, ora perguntando paraterceiros, ora tentando decifrar como percorrer determinado caminho.

Cansados de intermediários, buscaram na escola uma maneira de reverter talsituação e mostrarem aos outros, e a si mesmos, que não assumirão o papel de desacreditados,e alcançar seus objetivos: saber ler e escrever; viver; sair, “usufruir o mundo”.

Dessa forma, para os educandos, ler e escrever torna-os “mais fortes” na medidaem que possuem maior liberdade de expressão daquilo em que possuem maior liberdade deexpressão daquilo que escutam e falam maior autonomia nas decisões; independência de ir e virpelos “caminhos da vida”.

Foi, portanto, a insatisfação com essa situação de dependência que estimulou oseducandos a procurar por algo mais, e esse “algo mais”, é reconhecer-se como sujeitos ativos desuas trajetórias, sabendo fazer delas uma leitura crítica e consciente da própria história de vidainseridos num contexto histórico, lendo-as e escrevendo-as.

A busca pelo educar-se descarta o “depender dos outros”; apropriar-se da escritasignifica não deixar a história morrer, mesmo quando o corpo deixa de ser matéria, a escritarepresentará a alma”. Afinal, a escrita imortaliza, distancia do esquecimento quando se deixaregistrado os grandes e pequenos feitos, mas ela também mata e escraviza aqueles que a ela nãotem acesso; condena, muitas vezes, à submissão, dependência e marginalização de uma dasetapas do processo emancipatório do sujeito. Sendo assim, existem tantos os benefícios quantoos malefícios decorridos da escrita, pode esta ser utilizada como veneno ou como remédio, e paramuitos, a escrita representa a autonomia desejada.

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No processo de entrevistar os educandos procurou-se também identificar osignificado de escrever por eles compreendidos:

Ah, significa muito! Que aí eu tiro um pouco da cabeça, né, e colocono papel, né. É! Significa que eu posso fazer alguma coisa, né.Fazer alguma coisa de mim mesmo, né, porque eu “to” provandopra mim mesmo que eu consigo fazer alguma coisa. Não possofazer as coisas pensando em provar “pros outros”, tenho é que“prova” pra mim mesmo que eu quero e posso fazer. Mais do que“prova” pros outros porque eu..., eu tenho dificuldade até de “fala”.As “vez “ eu não tenho a palavra, que eu ao sei nem dizer, né,aquelas “palavra”, aí eu “cabo” engolindo, porque não falo. Tenhomedo de “conversa”, “fala” alguma coisa errado, né? Pra mim mesmoquero “prova” isso. (M. T. S.).Gente! O que eu mais queria na vida era saber fazer isso aí. O queeu mais queria na vida era saber fazer isso aí para mim escreverpra fora, pra mim “manda” uma notícia lá pro meu filho que “ta” lálonge, e “chega” lá essa..., essa notícia acho que é, “óia”, isto queele ia me responder e eu ia ficar muito satisfeito, de chegar essanotícia, que agora eu não consegui chegar a fazer isso. “Mai” édifícil. (A. G. S.).

Pode-se observar que o ato de escrever, para a maioria dos entrevistados, é algoque por eles sempre foi desejado, mas devido às situações desiguais e adversas, como necessidadede trabalhar e/ou cuidar do irmão mais novos, não pôde concretizar-se.

Escrever para os educandos adultos, é algo que nesse trabalho, transcende oprocesso mecanicista da mera decodificação e aplicação das letras, e passa a ser significativo nomomento em que da escrita pode ser extraída as suas próprias histórias, e mais, quando sereconhecem como sujeitos ativos do seu processo de ensino e aprendizagem; que permite a elesescrever, denunciar e expressar suas angústias, insatisfações, alegrias, vitórias sem terem de seprender às convenções burguesas da escrita. Isto não quer dizer que não utilizam as normas daLíngua, mas que os educandos, ao fazê-la, não se sufocam, ou sufoca aquilo que desejam expressarcom seus escritos.

Como já defendia Paulo Freire (1999, p. 46):

É preciso, finalmente, que, ao aprender , por direito seu, o padrãoculto, percebam que devem fazê-lo não porque sua linguagem éfeia e inferior, mas porque, dominando o chamado padrão culto, seinstrumentam para a sua luta pela necessária reinvenção do mundo.

Portanto, escrever para os adultos, significa muito mais do que palavras no papel,significa não depender, não se intimidar, não se restringir a constante espera por ajuda. Escreveré fazer qualquer coisa, é poder mandar notícias para quem está longe, é provar para si mesmo asua capacidade, antes de provar aos outros e, principalmente, poder realizar, agora, o que nopassado lhes foi negado: a educação escolar.

O processo que envolve a escrita está permeado por jogos de interesses marcadospelo ajustamento social, condição esta que unida à desigualdade social brasileira expulsou dasescolas aqueles que hoje para ela estão retornando: os adultos. Principalmente os que são oriundos

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das regiões mais pobres do país, como o Nordeste, interior de São Paulo e Minas Gerais, e quemigram em busca de trabalho um pouco mais remunerado, assim consideram, e melhor qualidadede vida, o que pode ser demonstrado logo a seguir.

Abaixo, o Quadro 1 contém os motivos que acarretaram a migração desses sujeitose a data correspondente ao nascimento, para que se possa analisar o contexto histórico-políticoda época. Já no Quadro 2, estão as respectivas cidades e Estados de origem de cada educando,com a mesma finalidade da primeira tabela.

B. L. P. “Eu vim buscar por melhora.”

17/03/1938

R. L. S. “Eu vim em busca de melhorar de vida.”

05/09/1952

M. T. S. “Melhorar na parte financeira.”

26/06/1945

L. B. S. “Vim em busca de uma vida melhor.”

25/04/1944

A. G. S. “Eu vim para São Paulo ganhá dinheiro para ajudá minha família.”

15/01/1933

Quadro 1 - Dados coletados a partir das escritas dos educandos nadiscussão e produção de texto sobre “Você veio em busca do quê?”

B. L. P. São Pedro (Interior de São Paulo)

R. L. S. Corair (Minas Gerais – Norte)

M. T. S. Ciderópolis (Pernambuco)

L. B. S. Novo Horizonte (Interior de São Paulo)

A. G. S. União dos Palmares (Alagoas)

Quadro 2 - Dados coletados a partir das escritas dos educandos nadiscussão e produção de texto sobre “Onde e como era o lugar onde você nasceu?”

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Antes de retomar o conceito de expulsão dos educandos do seu processo deeducação escolar, faz-se necessário definir o conceito de Escola.

Aurélio (2004, p.791), define escola como: “(s.f.) 1. Estabelecimento público ouprivado onde ministra, sistematicamente, ensino coletivo: escola primária; escola de medicina;escola de corte e costura.”

Já Paulo Freire (1980, p. 7), concebe de maneira mais política o conceito de escola:

Enquanto categoria abstrata, instituição em si, portadora de umanatureza imutável da qual se diga é boa, é má, a escola não existe.Enquanto espaço social em que a educação formal, que não é todaa educação, se dá, a escola na verdade não é, a escola está sendohistoricamente. A compreensão do seu estar sendo, porém, nãopode ser lograda fora da compreensão de algo mais abrangenteque ela – a sociedade mesma na qual se acha.

Definido o conceito de Escola, retoma-se o próprio conceito de exclusão citadoanteriormente. Considera-se aqui expulsão, e não evasão escolar, pois não acredita-se que estessujeitos tenham saído da escola por escolha própria, mas sim por conta de inúmeras situaçõesimpossibilitadoras, de acesso ou permanência, na escola, tais como ajudar na complementaçãofinanceira da família, e principalmente, por contar com uma escola que não tem a mesma linguagemque a dos filhos da classe popular, e que atende somente aos interesses dos filhos da elite.

Com isto concorda Harper et al. (1985, p. 35):

A escola brasileira seleciona e exclui os mais pobres: a maioria dascrianças que abandona os estudos antes de completar 8 anos deescolaridade obrigatória vem de famílias pobre, do meio rural e dosbairros populosos das periferias das grandes cidades. A escolapública é sem dúvida gratuita, mas há as taxas extras, as caixinhas,o material escolar cada vez mais caro, a condução caríssima, ouniforme obrigatório, entre outras coisas, que acabam tornando ogasto com a escola pesado demais para o bolso dos trabalhadores.

E ainda como ressalta Paulo Freire (1999, p.51),

essas pessoas na verdade, não ficam de fora da escola, como seficar ou entrar fosse uma questão de opção. São proibidas de entrar,como mais adiante muitas das que conseguem entrar são expulsase delas se fala como se tivessem evadido da escola. Não há evasãoescolar. Há expulsão.

“Hoje mostro que sou capaz, mas por que demorou tanto?” Disse a educanda, L.B. S. em sala de aula. A resposta para esta questão deve ser compreendida dentro de um contextodo sistema neoliberal, o qual incute no sujeito a idéia de que para ele foram dadas todas ascondições para que pudesse se desenvolver, e se não “progrediu”, “avançou”, ou “venceu navida”, foi porque utilizou mal as oportunidades “dadas” pelo Estado.

Tal idéia parece ser amigável aos olhos daqueles que dela se beneficiam, masmuito perigosa para aqueles que sofrem interferência direta dela. Deve-se assim, compreender

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que as relações de poder existentes na sociedade, e a sua manutenção, são dois dos fatores dasua expulsão e opressão constante. Com isso, “aí está a razão da demora cultural e da resistênciaà mudança, a resposta do porquê o Brasil Ter caído dentro das fronteiras do Terceiro Mundo.”(BUFFA; NOSELLA, 1991, p.10).

E mais, a elite opressora ainda não conseguiu compreender que “somos todosuma imensa senzala das nações capitalistas centrais e de sua superpotência.” (BUFFA;NOSELLA,1991, p. 10).

Assim se referiu Graciliano Ramos (1967, p. 40) ao personagem Fabiano na obraVidas Secas:

Nunca vira uma escola. Por isso não conseguia defender-se, botaras coisas nos seus lugares. O demônio daquela história entrava-lhe na cabeça e saía. Se lhe tivessem dado ensino, encontrariameio de entendê-la. Impossível, só sabia lidar com os bichos.

Esse trecho retirado da obra retrata bem as submissões que o sujeito enfrentadevido às relações excludentes e de poder da sociedade. No entanto, não me refiro apenas aogrande número de miseráveis existentes no Brasil, cujo número aumenta de forma violenta ediretamente proporcional ao crescimento da desigualdade social, mas também aos filhos da classepopular cujas condições subumanas de vida os colocam à margem da margem, o que caracterizae legitima as determinações dos papeis a serem assumidos na sociedade; e a escola, mais doque tudo, contribui para essa marginalização.

Neste contexto, assim, a escrita não é neutra, ela perpassa por fatores político-econômicos e ideológicos, e novamente, determinando interesses e perpetuando a manutençãode poder de um grupo, como numa dinastia. Se se imagina que a escrita tem como finalidade adivulgação e o acesso às idéias, conhecimentos, isso não está acessível para todos.

Pensando dessa forma, pode-se considerar, segundo Paulo Freire (1999, p.16),

que as práticas educativas são as diversas formas de articulação que visam contribuirpara a formação do sujeito popular, enquanto indivíduos críticos e conscientes de suaspotencialidades de atuação no contexto social.

E quanto aqueles que conseguem ficar na escola? Como esta vem efetuando umtrabalho relacionado com a escrita/experiência de mundo? Provavelmente vem acontecendo deforma mecânica, desprovida de significados, o que eleva cada vez mais a quantidade de barreiraspara que a classe popular não tenha acesso à escrita.

A inacessibilidade da escola/escrita pode ser considerada sinônimo de escravidãode um povo pois os amarram à estagnação de desenvolvimento tecnológico e cultural da sociedade.

A difusão da escrita, por sua vez, é um processo lento, que demanda esforço e lutadiante de um tabuleiro de interesses daqueles que se sentem ameaçados quando o conhecimentoé socializado e estendido à classe popular, mesmo que de forma completamente desproporcional.Segundo essa mentalidade, o desenvolvimento científico e tecnológico é para poucos, que

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caminhando junto as relações de dominação do povo, põe à margem os herdeiros da classepopular.

É importante que o educando experencie em seu processo de aquisição da escritaa utilidade e as diferentes funções que esta tem; o prazer proporcionado durante uma produçãotextual, e principalmente, o poder incutido no domínio da escrita, utilizado por muitos comoinstrumento de exclusão do povo, e para outros, como emancipação, denúncia e participaçãosocial.

Em suma, o sujeito deve compreender-se como sujeito da sua própria história. Éinteressante que ele se enxergue como sujeito transformador, e que como tal, possa lutar pormudanças estruturais dessa sociedade excludente em que se encontra inserido.

Tal aspecto foi muito bem explorado por Paulo Freire (1999, p. 70):

O analfabeto, principalmente o que vive nas cidades grandes, sabe,mais do ninguém, qual a importância de saber ler e escrever, paraa sua vida como um todo. No entanto, não podemos alimentar ailusão de que o fato de saber ler e escrever, por si só, vai contribuirpara alterar as condições de moradia, comida e mesmo de trabalho.

Da mesma forma defende Ricco (1979, p. 25),

nem a educação e nem particularmente a alfabetização,representariam, isoladamente, causas de transformações; aocontrário, é na dinâmica da relação de reciprocidade entre asociedade e a escolarização que vamos encontrar umdesenvolvimento social harmônico em todos os seus planos: político,econômico e cultural.

Porém, é somente através de uma outra maneira de agir e pensar que é possívellevar a viver uma outra educação, assim como defende Harper (1985, p.117):

uma outra educação só será viável em larga escala quando aexperiência quotidiana de cada cidadão, de cada comunidade oude cada grupo social – em sua vida e em seu trabalho, em seumodo de comportamento e em suas relações com os outros – setransformar em fonte de questionamento de criatividade, departicipação e, portanto, de conhecimento.

No entanto, o sistema político-econômico vigente, tenta adequar socialmente osujeito para que este não questione, não discuta, não critique, apenas aceite passivamente ascondições que lhe são impostas. Assim, cotidianamente está presente em nossa sociedade queaqueles que “fogem” dos padrões estabelecidos a serem seguidos, também determinados pelaclasse dominante e transmitidos pela escola, recebem rótulos como os detentores de uma visãoestreita de mundo e que possuem raciocínio elementar, viés este, preconceituoso atribuído àinteligência prática elaborada pelos educandos em suas experiências de vida.

A inteligência prática do ponto de vista sociológico, sabiamente, inclui para Tfouni(1987, p.44),

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tanto os indivíduos pertencentes as sociedades primitivas modernas,assim como todos os indivíduos ou grupos sociais que, apesar deviverem em sociedades modernas, são delas marginalizados,principalmente por motivos de ordem sócio-econômica.

Tfouni (1987, p.50), defende a importância e necessidade de valorizar a culturapopular. Porém, isso não ocorre, uma vez que a escola,

limita-se a desempenhar a função de reprodução das desigualdades,e de inculcar uma modalidade lingüística consideradainstitucionalmente correta, padrão, modelo e bem aceita. Ésobejamente conhecido por todos que a escola, enquanto instituiçãoque serve para manter, solidificar e disfarçar as contradições sociais,valoriza o verbalismo e o desembaraço no falar. Deste modo, alinguagem dos indivíduos de inteligência prática, com característicasantes expostas, fica, na escola, marginalizada, desrespeitada, eganha conotação negativa.

Trabalhar com a popular é “ “abrir-se a alma” da cultura e deixar-se “molhar”,“ensopar” das águas culturais e históricas dos indivíduos envolvidos na experiência.” (FREIRE,1999, p.1).

Com isso, não é possível pensar a escrita ou linguagem, sem considerar o contextosocial em que o sujeito está inserido, e isto reflete profundamente na maneira de estar sendo doseducandos, nas suas discussões, nas produções textuais, nesse caso.

Novamente, ressalta-se a questão de que a inteligência prática não pode serdesconsiderada, e que seja também considerado o constante estar sendo do educando, assimcomo suas linguagens, culturas e temporalidades.

A escola precisa ser para estes educandos, como deveria ter sido antes, um espaçoaberto para debates e reflexões, onde as situações são colocadas em xeque, constantementequestionadas e criticamente compreendidas. Devem encontrar nessa escola, mas não só nela,um meio de emancipação, afinal, a escola não é apenas um espaço físico, menos ainda neutro,mas sim onde as relações sociais se esbarram e as ideologias dominantes mostram suas caras.

Contudo, “a questão fundamental é política. Tem que ver com: que conteúdosensinar, a quem, a favor de quê, de quem, contra quê, contra quem, como ensinar.” (FREIRE,1999, p.45).

A defesa que se faz, segundo Gadotti ( 2000, p.33-34), não se trata de:

Negar o acesso à cultura geral elaborada, que se constitui numimportante instrumento de luta para as minorias. Trata-se de nãomatar a cultura primeira do aluno. Trata-se de incorporar umaabordagem do ensino/aprendizagem que se baseia em valores ecrenças democráticas e procura fortalecer o pluralismo cultural nummundo cada vez mais interdependente. Por isso que a educaçãode adultos deve ser sempre uma educação multicultural, umaeducação que desenvolve o conhecimento e a integração nadiversidade cultural.

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No entanto, há nesse caso, o controle daquilo que este sistema político-econômicoconsidera importante ser transmitido, garantindo que as outras leituras de mundo não sejamfeitas, e que o conteúdo trabalhado seja concebido como correto e indiscutível, um artifício carregadode “boas intenções”, mas que ganha dimensões catastróficas quando vem carregado de ideologias,havendo um adestramento da classe popular.

Novamente faz-se necessário insistir com essa discussão: garantir o acesso dequem? As práticas educativas devem perpassar por aspectos de contribuição e incentivo à formaçãocritica e consciente do sujeito, mas segundo Paulo Freire (1999, p.64), com quem encerro estecapítulo, “nada disso se faz da noite para o dia, mas se fará um dia.”

REFERÊNCIA

TFOUNI, L. V. Letramento e alfabetização. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2000.

______. A inteligência prática e a prática da inteligência. Arquivos Brasileiros de Psicologia. V.39, p. 44-56, jul/set. 1987.

FREIRE, P. Educação na cidade. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1999.

RAMOS, G. Vidas Secas. São Paulo: Martins, 1967.

RICO, G. M. J. Educação de adultos: uma contribuição para seu estudo no Brasil. São Paulo:Loyola, 1979.

BUFFA, E.; NOSELLA, P. A educação negada: introdução ao estudo da educação brasileiracontemporânea. São Paulo: Cortez, 1991.

GADOTTI, M.; ROMÃO, J. E. Educação de jovens e adultos: teoria, prática e proposta. SãoPaulo: Cortez, 2000.

FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. Curitiba: Positivo, 2004.

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Nesta pesquisa propusemo-nos a investigar o seguinte : Quais são as influênciasque os sujeitos-professores julgam ter incorporado à sua constituição como estes professores emque hoje se tornaram?

Assumindo a postura de que a identidade pessoal e profissional é construída históricae socialmente, ocorrem – nos as palavras poéticas de Frei Beto proferidas em uma palestra: “Nossa cabeça está onde os nossos pés pisam”.

Fomos, então, colher na memória dos sujeitos, os indícios de como se deu aconstrução desses professores, o quanto e o que havia restado dentro deles dos velhos mestresdo passado e, em que, esses mestres influenciavam nas suas práticas docentes. Arroyo, em seulivro Ofício de Mestre, afirma que “guardamos em nós o mestre que tantos foram. Podemosmodernizá-lo, mas nunca deixamos de sê-lo” (2001, p.17).

Releva justificar aqui, então, por qual motivo recorremos à memória, tendo emvista a formação e a qualificação do docente.

Quanto à memória, deve – se observar: “Somos aquilo que lembramos”. Impossívelfalar dos percursos humanos sem lançar mão da matéria da memória. Impossível falar de formaçãoe qualificação dos professores sem entrecruzar aspectos da sua vida pessoal e profissional.

Uma consideração faz-se necessária. Embora neste trabalho centramos seu mate-rial de análise nas memórias dos sujeitos – professores, importaria ressaltar, ainda uma vez, queesta não é uma pesquisa sobre a memória, razão por que não nos dedicamos a um estudo maisprofundo desta qualidade mental. Limitamo-nos, no caso, a estudar e a trabalhar apenas com osconceitos que nos oportunizaram o suporte para melhor compreensão do tema aqui enfocado,preservando – lhe sempre o sentido de reflexão e de reconstrução da prática, enfim, do seu teoreducativo, em uma última análise, na medida em que o passado ensina.

Objetivamos identificar e analisar, por meio dos depoimentos orais colhidos pormeio de entrevistas semi – estruturadas sobre a história de vida profissional (tópica) dos sujeitos- professores, as marcas que estes acreditam ter recebido especificamente de seus professoresdesde os primórdios da escolaridade até o ensino superior. Além disso, tínhamos também porobjetivo identificar e analisar quais outros mediadores os sujeitos professores apontam comoigualmente importantes para a constituição do seu modelo de ser professor.

Tomamos como referencial teórico as concepções apontadas por Vigotski, pelaênfase que sua teoria dá aos processos de constituição do sujeito e por considerar o desenvolvimento

FORMAÇÃO PARA DOCÊNCIA: AS EXPERIÊNCIASVIVIDAS E REMEMORADAS PELO PROFESSOR

GERBASI, Luciana Barbosa ; CARDOSO, Sônia Maria Vicente; LIMA, AngelitaIbanhes de Oliveira -UNOESTE; Renata Sartor (UNOESTE)

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humano como resultante das inúmeras e freqüentes interações sociais compartilhadas e mediadaspor “outros sociais”, no interior da cultura.

Esta pesquisa privilegiou a abordagem qualitativa usando, como recursometodológico para a coleta de dados, a história de vida, através de entrevista-semi-estruturada,cujo conteúdo dos depoimentos foi analisado à luz dos estudos de Bardin, Trivinõs e Minayo.

Os sujeitos da pesquisa foram sete professores que atuam na Educação Infantil eno Ensino Fundamental e trabalham na rede particular, municipal e estadual de ensino. A faixaetária dos professores participantes ( N= 7) varia entre 22 e 58 anos; contam com, pelo menos,três anos de experiência profissional e, destes, dois já trabalharam na rede pública e na redeparticular, dois apenas em escolas públicas e três apenas na rede particular.

A investigação foi realizada em uma cidade do interior do Estado de São Paulo queconta com uma população de aproximadamente 80.000 habitantes, sendo sua principal fonte derenda o comércio e as indústrias.

O município conta, neste ano de 2005, com um total de 347 professores queatuam em onze ( 11) escolas estaduais; seis ( 06) escolas particulares e doze ( 12) escolasmunicipais, localizadas no perímetro urbano, das quais (06) seis atendem na área central, (22)vinte e duas em bairros diversos e uma em um distrito do município, contando, ao todo, com17.681 alunos.

A formação acadêmica mínima exigida, para o ingresso nas três redes de ensino:o particular, o municipal e o estadual, é a de professor do Ensino Infantil e de 1ª a 4ª séries, oMagistério; para o professor de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental, é exigida a graduação nadisciplina em que o professor atua. Tanto a rede municipal quanto a rede estadual de ensino têmoferecido aos professores cursos de capacitação em serviço, tendo em vista a melhoria da formaçãocontinuada do profissional, visto ser esta uma maneira de melhorar a prática na sala de aula.

Tratamos também, da discussão e resultados dos dados colhidos nas entrevistas,retomamos alguns pontos teóricos e descrevemos quatro categorias para a análise: 1- lembrançase referências na formação docente; 2- escola tradicional: sua eficiência em questão; 3 – Profissãoprofessor; 4 – a formação universitária e a formação em serviço.

Nas considerações finais, estão expostos os resultados da pesquisa e vai expressauma proposta embasada na rememorização das experiências dos professores como oportunamotivação, tendo em vista sua formação didática.

Ao propormo-nos a trabalhar a Formação para docência, as experiências vividas erememoradas pelo professor, tínhamos em mente a ação de dar forma, no caso, ao professor.

Dar forma a algo depende de mãos hábeis. Dar forma requer mais que mãos, olhose ouvidos, na medida em que se busca um estado, uma condição do ser centrado no seu melhordesempenho intelectual. É a palavra, a voz, a fala, enfim, a história, a condutora da lição doeducador na educação de educadores.

Terminada a pesquisa, isto não significou, de modo algum, termos chegado aconclusões e certezas, até mesmo porque cremos serem as certezas impossíveis. Faz-senecessário, entretanto, indicar algumas respostas, confirmando a aposta. Vamos a elas:

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De fato, os professores concordam que os mestres do passado são importantesreferências para suas práticas docentes, referências que são modelos de ser, de fazer e tambémde não ser e não fazer. Apesar de ser esta uma constatação importante, não nos era suficiente.Sentimos a necessidade de aprofundar e compreender melhor a especificidade destas referências,e os professores nos ensinaram mais sobre elas. Aprendemos com eles que seus mestres sãolembrados muito mais pelas suas qualidades humanas, traduzidas nas relações de afeto e respeitocom seus alunos, do que pelas suas competências teóricas e técnico-pedagógicas. Os mestrestambém foram lembrados pela forma com que se relacionavam com o seu ofício: pelo compromisso,pela coerência, seriedade, honestidade e dedicação.

Os professores afirmaram que no início da profissão remetiam – se com maisfreqüência aos mestres que tiveram e, à medida que foram adquirindo experiência, no cotidiano desuas práticas, gradativamente foram se afastando dos antigos modelos. Diante do que disseramdas análises e estudos feitos, observamos que, quanto mais precária a formação inicial do profes-sor, mais espaço se abria para que a história pessoal do aluno que o professor fora, reverberasseem suas práticas. Às vezes, isto ocorria de forma consciente e intencional e outra vezes, nemtanto.

Em relação ao segundo objetivo a que nos propusemos investigar, aprendemos queos colegas de trabalho, sejam eles outros professores, coordenadores ou diretores, representamuma importante forma de mediação. A nosso ver, porém, trata – se de uma mediação que nemsempre é feita de maneira crítica, restringindo-se, muitas vezes, a uma mera reprodução da práticado outro.

Os professores entrevistados nesta pesquisa negaram a contribuição da Universidadena sua formação inicial, mas deram uma relativa importância aos cursos de formação em serviço.Nas suas histórias de vida profissional, a teoria exerceu uma frágil mediação na constituição deseu papel profissional. Não que os professores não reconheçam e não atribuam importância auma fundamentação teórica de suas práticas, já que, ao contrário, eles se ressentem e se senteminseguros por não poderem contar com sua mediação. Por um lado, é possível afirmar, pelo teordos seus discursos, que tampouco buscam suprir estas carências, travando com esse mediadoruma relação paradoxal de aproximação e afastamento. Por outro lado, os professores manifestama dificuldade de sozinhos, darem conta de uma fundamentação teórica efetiva, considerado aimensa defasagem em que se encontram.

Valendo-nos do explicitado anteriormente, pensamos ter cumprido o objetivo deindicar as respostas que nos foram possíveis. Uma pesquisa, contudo, é sempre uma aventura ecomo tal nos conduz a caminhos inusitados. Com esta não aconteceu diferente. Ao debruçarmo-nos sobre os depoimentos, deparamos com questões não previstas inicialmente, mas impossíveisde serem ignoradas, por estarem estreitamente relacionadas aos nossos propósitos. Por isso, aanálise das categorias incluírem respostas de questões que não foram formuladas nos objetivosdeste trabalho, como, por exemplo, a visão que os professores têm da escola tradicional, os meandrosda escolha da profissão e o lócus de formação. Cremos não ser necessário retomá-las, pois estasdiscussões não faziam parte do cenário inicial desta investigação.

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Uma vez confirmada a nossa aposta e anunciadas algumas respostas, dedicamo-nos à última tarefa a que nos propusemos nestas considerações: fazer uma proposta.

Os estudos que empreendemos durante esta pesquisa confirmaram que,indiscutivelmente, são muitos os caminhos possíveis para se formarem professores e muitos têmsido os caminhos propostos. Todos eles têm sua virtude e oportunidade...

O que nos leva a fazer mais uma proposta quando já existe um considerável númerode estudos e de publicações nesta área? Não pode parecer pouco relevante, à primeira vista,acrescentar mais uma proposta às existentes?

Não. Estamos convictas da virtude da nossa proposta, por acreditarmos que elatraz um “facho de luz” ao obscuro fenômeno da formação do professor.

É importante observar, então, que a maioria dos programas de formação, emboraestejam fundamentados e justificados por razões várias não levam em consideração com freqüênciaque “é a partir do educador que temos que vamos caminhar para o educador que queremos”(RIOS, 1994, p.72). Esquecem que é baseando – se no conhecimento que está posto que sepossam vislumbrar os possíveis, o desejado. Segundo Rios, o caminho para os possíveis está noúnico espaço onde ele já existe, no real. Sendo assim a nossa proposta segue nesta direção, ouseja, que os cursos de formação procurem conhecer “os professores que têm” na realidade desuas práticas, realidade esta atravessada por saberes e vivências múltiplas. Propomos que noscursos de formação sejam construídos espaços individuais e coletivos para que os professoresrecuperem e reflitam sobre sua história de aluno, de modo a poder relacioná-la a aspectos daprópria docência. Sugerimos que os formadores se esforcem por conhecer as concepções, posturase teorias implícitas nas práticas dos professores, criando as condições para que este profissionaltome consciência destas “forças” não reveladas que atuam e interferem na sua ação. Pensamosque cabe aos formadores fundamental tarefa de propiciar o diálogo, a interlocução do professor dehoje com o aluno que foi ontem. Diálogo este que deve estar permeado por teorias, pois pararefletir e “avaliar precisamos ter teorias à nossa disposição. [...], porém, com a condição de que elapossa funcionar como ferramenta de análise para uma situação real”. (BARTH, 1993, p.28).

Isto posto, queremos deixar registrada mais uma provisória certeza, isto é, a deque a recuperação das experiências vividas e rememoradas dos professores, seguida de reflexãotem, a nosso ver, valor de formação.

Concluindo, pensamos que proporcionar aos professores reverem os seus construtose conhecimentos prévios sobre docência apresenta – se como um dos caminhos mais prováveispara que, de fato, ocorram mudanças.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARROYO, Miguel G. Ofício de mestre: imagens e auto-imagens. Petrópolis: Vozes, 2001.

BARTH, B-M. O saber em construção: para uma pedagogia da compreensão. Lisboa: Instituto

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Piaget, 1993.

RIOS, Terezinha Azeredo. Ética E INTERDISCIPLINARIDADE. In: FAZENDA, Ivani(Org.). A pesquisa em educação e as transformações do conhecimento. Campinas: Papirus.,1995. Cap.9, p. 121-136.

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INTRODUÇÃO

Na nossa tese de Doutorado, Silva (2004), promovemos uma discussão a respeitoda identidade cultural do professor de Matemática – aquela que surge da “pertença” à culturaescolar. Para isso, entrevistamos dez professores de Matemática da rede de ensino público de RioClaro(SP) – dois professores em cada década, no período compreendido entre 1950-20001 – que,através de suas narrativas, permitiram a utilização da História Oral como um procedimento depesquisa.

A memória foi suscitada por entrevistas que, depois de transcritas, por nós, evalidadas pelos entrevistados, serviram de base para a confecção das textualizações que motivarama elaboração de quatro tendências históricas: Sociedade, Prática x Teoria, Fragmentação do SujeitoProfessor e Identidade Magistério. Duas tendências – Fragmentação do Sujeito Professor eIdentidade Magistério – foram divididas em sub-itens, dada a complexidade das mesmas.

Neste texto apresentaremos, então, as nossas reflexões relacionadas com ocompromisso das Licenciaturas em Matemática, um recorte do que foi desenvolvido em Silva(2004). Tais reflexões baseiam-se em duas das tendências encontradas, Prática x Teoria eExperiências com o Ensino(um sub-item de Identidade Magistério), que indicam a não-identificaçãocom o magistério através da Licenciatura em Matemática.

Identidade Cultural e tendênciasO termo identidade cultural foi fundamentado em Hall (2002), no qual encontramos

uma discussão sobre concepções contemporâneas a respeito da “pessoa humana” e a suaidentidade. A idéia geral, desenvolvida em Hall (2002), está baseada no fato de que as identidadeseram tidas (tanto no discurso como na prática) como unificadas e, ao longo dos tempos, foram sedescentrando e fragmentando.

A opção por detectar tendências históricas a partir das entrevistas dialoga emsincronia com o movimento social apontado em Hall (2002). Entendemos tendência históricacomo a variação, no tempo, de fenômenos históricos – observados no discurso de cada depoente– relevantes para a Educação Matemática. Para fundamentar tais tendências utilizamo-nos dateoria proposta por Ariès (1990), que nos indica conseqüências da utilização da abordagem históricaque privilegia a mudança e a diferença, com o que podemos falar de tendências históricas.

IDENTIDADE CULTURAL DO PROFESSOR DEMATEMÁTICA: ALGUNS INDÍCIOS RELACIONADOS

COM AS LICENCIATURAS

SILVA, Silvia Regina Vieira da (UFMS)

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Das quatro tendências históricas, uma, Fragmentação do Sujeito Professor, é de mudança, poisinclui acontecimentos que apresentaram alguma alteração no período considerado As outras sãode conservação, ou seja, apesar das mudanças ocorridas ao longo do período considerado, osentrevistados mantiveram a forma de identificação.

Assim, a tendência Prática x Teoria é de conservação, pois os entrevistados, deuma forma geral, não se identificaram com o magistério através da universidade (teoria), masatravés de situações práticas, como, por exemplo, aulas particulares, grupos de pesquisa (ou deestudo) e cotidiano escolar. A maioria dos entrevistados, inclusive, percebeu-se professor deMatemática mesmo sem ter terminado a Licenciatura.

Alguns perceberam-se professores em situações peculiares, como foi o caso doprofessor Sérgio e da professora Maria Lígia, que sentiam-se preparados para dar aulas deMatemática desde o curso científico. O professor Clodoaldo sentiu-se professor de Matemática,“principalmente, depois de formado, quando foi para o ginásio vocacional de Americana(SP)”. Aprofessora Maria Sílvia percebeu-se professora na faculdade, em “uma aula expositiva, em Práticade Ensino”. O professor Sidnei optou pela licenciatura, no segundo ano, depois de ter dado aulacomo substituto. O professor Carlos sentiu-se professor quando passou a fazer parte de um grupode pesquisa, enquanto aluno da universidade; quando percebeu “que era mais, era diferente, nãoera simplesmente ficar na faculdade, assistindo às aulas até se formar, para depois ser umprofissional”.

Apesar da não-identificação, os entrevistados não menosprezaram o curso deLicenciatura em Matemática, apenas alegaram que, apesar do tipo de conteúdo trabalhado e amaneira como foi desenvolvido, o curso não era suficiente para o dia-a-dia na escola. A maioria dosentrevistados, inclusive, associou a universidade à capacidade de discernimento, aquisição deconteúdo.

A professora Clara acha que “o que se aprende na universidade não” é passado noensino fundamental; o professor “apenas adquire mais segurança para saber do que estava falando”.Mas ela acredita que o professor tenha que saber mais do que ensina.

Já a professora Améris afirmou que teve “que estudar bastante para poder darboas aulas, pois o que ela aprendeu na universidade era bem mais elevado do que o que ela tinhaque dar”. Ela acha que “acaba adquirindo a capacidade de entender novas leituras”.

O professor Clodoaldo, então, relaciona o curso universitário à aquisição de conteúdo;a parte pedagógica ele acredita ter desenvolvido no vocacional.

Um comentário específico com relação às disciplinas foi feito pelo professor Sérgio:“a licenciatura tinha que ter outro enfoque”. Ele acredita que muitas das disciplinas que ele teveforam “desnecessárias” para a prática em sala de aula. Para ele, não adianta aprender conceitosrelacionados, por exemplo, com o Rn, e não saber Geometria Euclidiana; “a maioria dos professoressai da faculdade com dificuldade em Geometria” (Sérgio).

A professora Maria Lígia afirmou que, para ensinar, acabou se espelhando em seusex-professores pois, na universidade, não aprendeu uma maneira de ensinar.

Mas o discurso dos três últimos entrevistados muda; apesar de acharem que podiam

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ter sofrido menos (Sidnei e Carlos) e que, no currículo, a prática estava muito longe (Carlos),mencionam a aquisição de conhecimento, conteúdo, como sendo positiva. Essa importância dadaao conteúdo teve como referencial as formações provenientes de outras universidades e que podemser comparadas no dia-a-dia da escola.

Patrícia completou a formação Matemática enquanto aluna do bacharelado e nãofez menção às disciplinas matemáticas; fez comentários somente com relação às disciplinaspedagógicas; apesar de terem sido importantes, eram mais teóricas e não levavam à compreensãodo que “estava acontecendo na sala de aula”, com exceção da matéria Prática de Ensino.

Essa diferença no discurso pode ser associada às mudanças ocorridas no ensino. Auniversidade, desde a sua implantação, parece não ter passado por mudanças curriculares drásticas,mas os outros níveis de ensino (principalmente o público), ao longo dos anos, passaram pormuitas reformas, levando a uma diminuição radical nos conteúdos. Além disso, houve umaproliferação de faculdades que, nem sempre, primaram pelo conteúdo. Assim, os alunos passama valorizar a aquisição de conhecimento adquirido em universidade pública, tomando comoreferencial colegas que não tiveram essa mesma chance.

É interessante notar que nem nas disciplinas pedagógicas os entrevistados seidentificam como professores de Matemática – com exceção daqueles que tiveram Prática deEnsino diferenciada.

Como já mencionamos, o professor Clodoaldo desenvolveu a parte pedagógica novocacional. A professora Regina afirmou que estudou a parte pedagógica depois de formada,visando a um concurso “porque, na faculdade, essa parte era dada meio no chute, não era muitoexigida, mas para o concurso você tinha que saber”. A professora Maria Lígia, para dar aula, seespelhou em ex-professores porque, na faculdade, apesar de ter psicologia, didática, “não aprendeuuma maneira de ensinar”. E a professora Patrícia, que tinha feito bacharelado antes da licenciatura,pensa “nessas disciplinas muito superficialmente; elas ficavam muito mais em questões estruturaisda escola”.

Um outro fator relaciona-se com à ênfase dada à pesquisa em Matemática, não aoensino, num curso de licenciatura. Não que professores não pesquisem, mas parece que, desde oinício, a licenciatura estava direcionada para formar pesquisadores que tivessem interesse emseguir a carreira acadêmica e não dar aulas no que equivaleria, hoje, ao ensino fundamental emédio.

O professor Clodoaldo menciona, inclusive, que percebia “um certo preconceitocontra quem ia dar aula no ginásio ou no colegial”. A professora Maria Sílvia mencionou não sentir“uma preocupação do professor da universidade do tipo: “Estou formando professores para escolade ensino fundamental ou ensino médio”; a preocupação era de passar aquele conteúdo”. Já aprofessora Patrícia afirmou que seus professores nunca “falaram sobre a licenciatura” com ela;“sempre com a influência para o bacharelado”.

Numa tentativa de melhoria, a maioria dos entrevistados sugere uma maioraproximação com a sala de aula (prática) aliando, assim, teoria (universidade) e prática.

O professor Clodoaldo acha que “deveria haver um plano de carreira para o Ensino

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Fundamental e Médio, pois o professor começa e acaba sempre no mesmo estágio: dando aula”.Ele sugere, então, um plano de carreira em que fosse incluída a possibilidade de o professorcontinuar estudando e que as funções fossem sendo alteradas “à medida que fosse evoluindo; terobjetivos a curto prazo para motivar”. Mas, “continuando com a aula, pois isso também é importante”.

A professora Regina diz que “só a formação acadêmica não é o bastante”. Elaacha que o professor “tinha que ter condições de experimentar, porque só com a experiência sepode adquirir essa profissionalização. Tem que ter o diploma para poder exercer, mas não é obastante, tem que ter experiência”.

A professora Maria Lígia afirma que a faculdade que ela fez não a preparou para arealidade atual do ensino; então, sugere que o futuro professor inicie logo a prática (lecionar) paraperceber se realmente é isso que ele quer fazer.

Já a professora Maria Sílvia acha que “o professor teria que sair da universidademais preparado para enfrentar uma sala de aula”, pois ele sai da universidade e só vai “aprenderquando aparecerem os problemas”. A professora sugere, então, “um contato maior com a escola”.

O professor Sidnei pensa que a universidade possibilita que o professor entre nasala de aula, dá o título; mas ele “vai ser um profissional da educação a partir do momento quecomeçar a viver aquilo, sentir aquilo”.

Para a professora Patrícia, o professor teria que estar na escola; “em uma escola,ou no máximo duas” para que, assim, ele “estivesse realmente de corpo e alma naquilo”, discutindoquestões que envolvem o cotidiano escolar como, por exemplo, a burocracia; “que ela fosseconversada, discutida e aceita”.

O professor Carlos sugere o engajamento de futuros professores em grupos depesquisa, enquanto estiveram na universidade. Assim, os futuros professores poderão “descobrirmais sobre as coisas que vão enfrentar e poder compartilhar com os outros, nunca” sozinhos.Segundo o professor, “o olhar e o contato com a sala de aula têm que ser logo no início, porqueisso ajuda demais na profissionalização”.

Como já mencionamos, a tendência Identidade Magistério, é caracterizada comosendo de conservação, pois envolve características encontradas na maioria das textualizações:são aquelas que o sujeito professor de Matemática ainda mantém. Além disso, também foi divididaem sub-itens, a saber: Experiências com o Ensino, Prazer, Autonomia, Influência de Ex-professorese Professor x Funcionário Público.

O sub-item Experiências com o Ensino explicita que a maioria dos entrevistadosteve experiências associadas, de alguma forma, com o ensino, muito antes de iniciarem alicenciatura.

Antes de ingressarem na universidade, alguns dos entrevistados, quando estavamcursando o atual ensino médio, tiveram experiências significativas com aulas particulares: Clara,Améris, Clodoaldo, Sérgio, Carlos. Já a professora Maria Lígia começou a dar aula particularquando estava na 7a série, aos treze anos.

Os professores Clodoaldo (na época do científico) e Sidnei (na época do fundamen-tal) se reuniam com seus colegas para estudar e eram eles que tiravam dúvidas relacionadas com

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Matemática.O professor Carlos, desde a 7a, 8a série, “gostava muito de poder explicar qualquer

coisa para as pessoas, com essa visão da explicação”.Além disso, as professoras Clara, Améris, Regina, Maria Lígia e Patrícia, e os

professores Clodoaldo, Sérgio e Sidnei iniciaram no magistério público, antes mesmo de concluira licenciatura e desde o primeiro dia, já se sentiram professores - com exceção da professoraRegina, que se sentiu profissional depois de formada.

Portanto, as duas tendências descritas anteriormente indicam que as práticas fo-ram decisivas na identificação do professor com o magistério. E a tendência Prática x Teoria, emparticular, questiona o compromisso que envolve os cursos responsáveis pela formação do profes-sor de Matemática.

O que fazer se a maioria dos professores de Matemática não se identificou com omagistério através das licenciaturas quando estas foram criadas para habilitá-los?

Identidades e monstros culturaisAs identidades precisam do diferente para poderem constituir-se; não são unificadas,

estão em constante mudança, não são nunca constituídas a partir de práticas singulares, “masmultiplamente construídas ao longo de discursos, práticas e posições que podem se cruzar ou serantagônicos”. (HALL, p. 108, 2000) E, por serem construídas dentro do discurso,

precisamos compreendê-las como produzidas em locais históricos e institucionaisespecíficos, no interior de formações e práticas discursivas específicas, por estratégias e iniciativasespecíficas. Além disso, elas emergem no interior do jogo de modalidades específicas de poder esão, assim, mais o produto da marcação da diferença e da exclusão do que o signo de umaunidade idêntica, naturalmente constituída, de uma “identidade” em seu significado tradicional -isto é, uma mesmice que tudo inclui, uma identidade sem costuras, inteiriça, sem diferenciaçãointerna. Acima de tudo, e de forma diretamente contrária àquela pela qual são constantementeinvocadas, as identidades são construídas por meio da diferença e não fora dela. Isso implica oreconhecimento radicalmente perturbador de que é apenas por meio da relação com o Outro, darelação com aquilo que não é, com precisamente aquilo que falta, com aquilo que tem sido chamadode seu exterior constitutivo, que o significado “positivo” de qualquer termo – e, assim, sua identidade- pode ser construído.” (HALL, 2000, p. 109)

Em Cohen (2000) encontramos uma proposta de estudo das diversas culturas atravésdos monstros que elas criam. Entre outras coisas, os monstros, criados nas diversas culturas,corporificam o diferente, o indesejável, aquilo que deve ser banido. Mas, ao mesmo tempo quetransmitem medo, atraem, despertam fantasias e, apesar das constantes lutas, acabamos noscolocando ao lado deles:

“O monstro é o fragmento abjeto que permite a formação de todos os tipos deidentidade – pessoal, nacional, cultural, econômica, sexual, psicológica, universal, particular (...);como tal, ele revela sua parcialidade, sua contigüidade.” (COHEN, p. 53, 2000)

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Ou seja, os monstros possuem características fundamentais na constituição deidentidades. Assim, as relações binárias homem/mulher, branco/negro, razão/emoção, verdadeiro/falso, professor/aluno ou professor/sociedade acabam perdendo o sentido, porque

o pensamento binário e dicotômico não consegue dar conta dessa trama [categoriasbinárias embaralhadas]. O “outro” não pode ser, sempre, facilmente identificado ou isolado.Participamos, todos, de muitos arranjos e ocupamos diferentes e múltiplas posições. O outropode, portanto, estar muito próximo, pode nos cercar e conquistar. Podemos, enfim, nos transformarno “outro”. (LOURO, p. 127, 2000)

REFLETINDO SOBRE O SUJEITO PROFESSOR DE MATEMÁTICA

Na História Oral, cada entrevistado pode contribuir com alguma pesquisa e deixarregistrada a sua história, o que possibilita uma nova versão dos acontecimentos.

Foi justamente essa nova versão que nos possibilitou perceber que o sujeito profes-sor de Matemática passou por vários descentramentos que levaram à fragmentação da suaidentidade. Isso não significa que o sujeito professor de Matemática não seja oblíquo, transversale parcial em suas crenças e verdades; essa identidade é constituída a partir disso. As tendênciasmostram que, apesar dos descentramentos, algumas características permaneceram, emboraparcialmente. A identidade do professor de Matemática apenas deixou de ser una, estável, previsível;tornou-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às suaspráticas docentes e posições sociais

Assim, podemos considerar a identidade como “o ponto de sutura, entre, por umlado, os discursos e as práticas que tentam” interpelar o professor de Matemática, falar-lhes ouconvocá-los para que assumam seus lugares “como os sujeitos sociais de discursos particularese, por outro lado, os processos que produzem subjetividades, que os constroem como sujeitosaos quais se pode falar”. (HALL, 2000)

Portanto, perceber essa fragmentação e a impossibilidade de um dia vir a ter umaidentidade estável – passível a qualquer alteração externa – é de fundamental importância paraque os “monstros”, ao invés de terem conotação negativa, passem a ser nossos aliados. Casocontrário corremos o risco de “morrer” enquanto professores de Matemática, uma vez que asnossas “suturas” revelam que, assim como os “monstros”, somos compostos por fragmentos.

Da mesma forma, os Centros de Matemática, os Centros de Educação, asLicenciaturas em Matemática, enfim, todos os cursos responsáveis pela formação do professor deMatemática, devem, também, estar dispostos a encarar a diferença como uma aliada. Além disso,devem promover mais reflexões a respeito de questões relacionadas com o dia-a-dia escolar, poissó o conteúdo, desprovido da prática, não é mais – e talvez nunca tenha sido – suficiente para queo professor de Matemática exerça o magistério.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARIÉS, P. Uma nova educação no olhar. In: ARIÈS, P.; DUBY, G.; LE GOFF, J. História e NovaHistória. Lisboa: Editorial Teorema, 1990. p. 24 - 35.

COHEN, J. J. A cultura dos monstros: sete teses. In: SILVA, T. T. da. Pedagogia dos monstros:os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 24 - 60.

HALL, S. A identidade cultural da pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

______. Quem precisa da identidade? In: SILVA, T. T.(org.). Identidade e Diferença: aperspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes: 2000.

LOURO, G. L. Por que estudar gênero na era dos cyborgs? In: FONSECA, T. M.;FRANSCISCO, D. J. (Org.). Formas de ser e habitar a contemporaneidade. Porto Alegre: Ed.da Universidade/UFRGS, 2000. p. 121 - 128.

SILVA, S. R. V. da. Identidade cultural do professor de matemática a partir de depoimentos(1950-2000). 2004. 259f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Instituto deGeociências e Ciências Exatas, Universidade do Estado de São Paulo, Rio Claro, SP, 2004.

Notas

1 Década de 50: Clara Betanho Leite e Améris De Lourdes Viti Betti. Década de 60: Clodoaldo Pereira Leite, Regina (codinome). Décadade 70: Sérgio Pedroso e Maria Lígia Venturi Giannotti. Década de 80: Maria Silvia Isler e Sidnei Luís Riani Seneme. Década de 90: PatríciaRosana Linardi e Carlos Alberto Francisco.

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Como os pais dos alunos matriculados na rede pública vêem a escola e osprofessores? Ao falarem da escola e daqueles que nela atuam, particularmente dos professores, oque consideram mais importante? Quais suas queixas? Quais suas expectativas? Para respondera essas perguntas foi realizada uma pesquisa com pais e alunos de uma escola da rede públicaestadual, localizada na grande São Paulo, aqui denominada Escola Brasil, a fim de conhecer oque pensam acerca da escola e do trabalho desenvolvido por ela1. A Escola Brasil, localizada emuma bairro de classe média, abriga uma clientela bastante heterogênea, com alunos residentes noseu entorno, bem como com alunos residentes na periferia da cidade, que a procura por julgá-lauma escola de melhor qualidade. Além desta escola estadual, também existem no bairro outrasduas escolas que oferecem os ensinos fundamental e médio; uma escola municipal, que atendeao ensino fundamental de 1ª a 8ª séries e uma escola particular, que atende a todas séries dosensinos fundamental e médio. A existência de tal situação acaba dividindo o atendimento dademanda específica do bairro, fazendo com que a escola estadual complete suas vagas comalunos de outras regiões da cidade.

Na Escola Brasil é consenso entre os professores que os pais pouco participam davida escolar, que não atendem às solicitações da coordenação ou direção e não se interessampela aprendizagem dos filhos. Apesar disso, é possível observar a freqüente presença de paistransitando no interior da escola, bem como no portão, nos horários de entrada e saída dos filhos.Durante as reuniões bimestrais a presença também é significativa, embora motivada pela entregada carteirinha escolar, contendo as notas bimestrais, sem a qual o aluno fica impedido de entrar naescola. De qualquer forma, a presença dos pais na escola, muitas vezes fora do horário de aula dofilho, parece ser um indício de que eles não são tão ausentes como os professores apontam.Indagadas acerca desta participação, a direção da escola e a coordenação pedagógica alegamque os pais vistos freqüentemente na escola são dos bons alunos e que, os que mais precisamcomparecer – os pais dos alunos problemáticos – , não aparecem nunca.

Na Escola Brasil existe uma prática interessante adotada pela supervisão de ensinode encaminhar à escola todas as reclamações protocoladas na diretoria de ensino, para que adireção da escola tome conhecimento e adote as medidas necessárias para sanar os eventuaisproblemas apontados nas reclamações. Tais reclamações são repassadas à coordenaçãopedagógica para que adote as atitudes que julgar pertinentes. Raramente a direção da escolaenvolve-se com tais queixas, fazendo-o, somente, quando solicitado pela coordenadora pedagógica.

IMAGENS DE ESCOLA, IMAGENS DEPROFESSORES: A ESCOLA E OS PROFESSORES

NO DISCURSO DE PAIS DE ALUNOS

NOVAES, Luiz Carlos (Faculdades Integradas de Ciências Humanas,Saúde e Educação de Guarulhos/SP)

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Todas as reclamações são cuidadosamente arquivadas, com registro das providências tomadas.Foram encontrados trinta e dois relatos e reclamações de situações vividas por pais e alunos nointerior da escola no período de dois anos, solicitando intervenção da diretoria de ensino para asolução de tais problemas. Em um dos registros a mãe de um aluno afirma:

Hoje fui levar meu filho na escola. Ele estuda na Escola Brasil e quando ele entrouuma funcionária falou que não teria aula, pois todos os professores daquela turma tinham faltado enão tinha eventual para todas salas. Falou então que, como eu morava longe, poderia levar meufilho embora, mas tinha que falar com a diretora primeiro. Como a diretora não estava, aliás, elanunca está na escola, procurei a vice-diretora e ela me falou, gritando, que primeiro ia dispensartodas as salas do andar de cima, ligar para algumas mães de alunos do bairro e, só depois, ialiberar meu filho. “Quem mandou ele entrar, quem mora longe tem que estudar perto de casa”,disse ela. A gente faz o maior sacrifício para trazer as crianças todo dia na escola, só porque dizemque esta escola é melhor que a de perto de casa e, ainda por cima, tem que passar por isso. Euqueria saber até quando as mães vão continuar a ser maltratadas? Por favor, consigam vaga parameu filho em outro lugar, estou cansada de ser tão humilhada nesta escola. (N.L.S).

A senhora N.L.S. transmite em sua queixa a ambigüidade de acreditar nasuperioridade da Escola Brasil, em detrimento da existente nas proximidades de sua casa e, aomesmo tempo, reconhecer alguns problemas existentes na escola, como a falta de professores, aausência constante da diretora e o tratamento dispensado aos pais dos alunos. O depoimentodesta mãe demonstra como a direção da escola, aí representada na vice-diretora, dividem osalunos e, conseqüentemente os seus pais, em dois grupos: os que moram no bairro e, por isso,merecem uma atendimento mais rápido, e aqueles que moram em bairro distante, que podemesperar; afinal, “estão ali porque querem”. A fala da vice-diretora parece incitar o aluno para odescumprimento das regras escolares ao afirmar “quem mandou ele entrar”; assim, o desejávelque se pode inferir é que o aluno, sabendo que seus professores havia faltado, o melhor a fazer erair embora, ainda que não soubesse se existiria professores para substituí-los. Em outros casos,alunos que adotaram o procedimento recomendado pela vice-diretora, foram advertidos. Esseepisodio, além de mostrar o claro tratamento diferenciado praticado por funcionários da EscolaBrasil em relação a pais e alunos, também evidencia que as regras estabelecidas pela escola nãosão muito claras.

Uma outra mãe assim relata:Tenho um filho no segundo ano do ensino médio da Escola Brasil e quero fazer uma

reclamação sobre uma medida drástica que a direção da escola tomou em relação ao meu filho,dando-lhe uma suspensão de seis dias, só porque estava próximo de um outro aluno que estavaarrastando uma carteira. A escola obrigou meu filho e outros nove colegas a limpar toda a sala deaula, já que é habito da sala fazer guerrinha de giz, papel e qualquer coisa que tiverem às mãos naaula da professora de Física. A professora tem o hábito de levar sua filha, de sete anos, para a salade aula, não dando a mínima atenção aos demais alunos, não dando matéria nenhuma e ficandoas únicas duas aulas semanais corrigindo exercícios que sequer explicou aos alunos (é só asupervisão ir a sala e olhar os cadernos dos alunos) e, o pior de tudo, é que quando fica irritada,

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joga apagador nos alunos e, ainda por cima, zomba de alguns que têm defeito físico. Caso adiretoria de ensino ou a escola não tomar nenhuma providência irei ao Conselho Tutelar e tambémà ouvidoria da Secretaria de Educação reivindicar meus direitos. (M.F.S, mãe)

A queixa da senhora M.F.S. expõe os problemas enfrentados por outros pais naEscola Brasil, qual seja, a forma pela qual os alunos são tratados pelos professores e também arigidez disciplinar a que são submetidos, além disso, demonstra que está atenta ao trabalho e àrotina escolar, pois sabe do hábito da professora em levar a filha pequena a escola, deixando-a nasala de aula com alunos maiores, bem como a quantidade de aulas de Física que o filho têmsemanalmente e como são utilizadas tais aulas pela professora. A mãe demonstrou que acompanhao trabalho dos professores, mediante verificação do caderno do filho, afirmando a negligência daprofessora de Física por não encontrar registro do conteúdo ministrado, além disso, demonstraconhecer os canais para efetuar suas reclamações (Diretoria de Ensino, Conselho Tutelar, Ouvidoriada Secretaria da Educação), conforme os problemas apontados.

Outras queixas de pais podem ser encontradas arquivadas na escola. As reclamaçõesdos pais abordam questões variadas do cotidiano escolar; contudo, a maioria trata da relaçãoprofessor-aluno. Entre os depoimentos, encontra-se:

Eu, mãe de um aluno da Escola Brasil, matriculado na 8ª série D, venho solicitar dadireção providências urgentes em relação á professora de Português. Ela maltrata meu filho comgritos e, quando eu a procurei, ela disse que talvez eu fosse melhor do que ela na sala de aula eque, depois de quinze anos de profissão, ela deve ter desaprendido dar aulas. Quando meu filhochegou para a aula, no dia seguinte, ela disse para toda a sala “tomem cuidado e não falem altoperto do R., pois ele é de vidro e pode se quebrar e a mãe dele, além de ficar uma fera, vai ter umtrabalhão pra colar todos os pedacinhos”. Olha que absurdo! Tem cabimento isso? Isso é jeito deprofessor falar em sala de aula? Meu filho não quer mais ir à escola, com vergonha dos colegas.Peço à supervisão da escola que tome uma atitude diante disso, pois com a diretora da escola nãoadianta conversar, ela nunca resolve nada. (M.C.P.)

Esta mãe reclama da maneira como foi tratada na Escola Brasil pela professora deportuguês e revela neste depoimento duas questões importantes: a primeira, sua perplexidadediante da forma como a professora trata os alunos, da linguagem que utiliza, bem como a formacomo se relaciona com eles, julgando que o “jeito de falar e de agir” não é apropriado a umprofessor; a segunda, a convicção de que não adianta falar com a diretora, colocando sob suspeitaa capacidade da diretora resolver os problemas apontados, evidenciando, assim, uma descrençana equipe escolar em administrar seus problemas internos e, por isso, a necessidade de recorrer ainstâncias externas à escola.

Eu quero fazer uma reclamação da professora de português, da 7ª série E. Elachamou o meu sobrinho de mendigo e, quando fui falar com ela, ela me destratou e disse que jáestava cansada do meu sobrinho e que se dependesse só dela ele não sairia da 7ª série. Falei paraela que viria aqui reclamar de tudo aquilo e ela disse que não tinha problema, que eu que corresseatrás dos meus direitos e que essa reclamação não daria em nada mesmo. Fui falar com a diretora

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do que tinha acontecido e ela me disse que o moleque não era nenhum santo, que não era “florque se cheire”. Eu só queria desabafar. Obrigada. (B.C.M., tia do aluno)

“Eu só queria desabafar”. É assim que a senhora B.C.M. encara a reclamação queregistrou: um desabafo. Não acredita que algo aconteça ou que alguma medida venha ser tomada.Da mesma forma que a senhora M.C.P., esta mãe reclama da mesma professora de português,em um relato em que algumas questões precisam ser destacadas: a primeira, e talvez a maistriste, é que a reclamante não acredita em soluções possíveis e, assim, a professora passa a terrazão ao afirmar que “a reclamação não dará em nada mesmo”, é como se a impunidade, ouainda, a razão inquestionável da professora, já estivesse decretada, não restando muito o quefazer; a segunda, é a afirmação da professora de que se dependesse dela o aluno ficaria retido,evidenciando o caráter punitivo e seletivo da retenção escolar para a professora e, a terceira, quetanto a professora como a diretora da escola discriminam o aluno usando, para tanto, palavras eexpressões estigmatizantes, como “mendigo”, “moleque”, “não é flor que se cheire”, “não é nenhumsanto”; neste caso, a linguagem utilizada por estes agentes passa a ter uma importância enormepara o aluno e para sua tia, incutindo e reforçando sentimentos de fracasso e inferioridade.

Além das reclamações enviadas pela Diretoria de Ensino, quatro mães foramentrevistadas. Para a realização das entrevistas foi solicitada a colaboração da diretora da escolaque não se opôs à chamada de alguns pais para entrevista, sendo que a escolha dos pais se deua partir das reclamações enviadas pela diretoria à escola e pelas existentes no livro de reclamaçõesda unidade escolar. Foram escolhidas quatro mães, das quais duas eram residentes no bairro e, asoutras duas, na periferia da cidade. As mães foram identificadas apenas como mãe 1, mãe 2, mãe3 e mãe 4. As mães 1 e 2 são de alunos residentes no bairro próximo à escola e, as mães 3 e 4,são de alunos residentes na periferia da cidade. Dizem as mães:

Minha filha estuda aqui porque é mais perto de casa. Não acho que essa escolaseja tão melhor do que as outras, é tudo igual, falta professor do mesmo jeito. Minha filha todo diadiz que teve uma aula ou outra com professores substitutos; sei lá, eu penso que com tanta falta deprofessor a escola não pode ser muito boa; se bem que esses professores de hoje não são comoantigamente, são mais fraquinhos, e tem muito professor formado que é pior do que estes substitutosque, na maioria das vezes, ainda são alunos de faculdade; de qualquer forma, ela vai ter que fazercursinho mesmo quando acabar o colegial. Pensei em colocá-la em uma escola particular, masalém de ser cara também é longe de casa. A diretora e a coordenadora desta escola são bravas,falam alto de vez em quando com os alunos, mas estão procurando, tentando fazer o que pode;são rígidas com a disciplina e não dão moleza – põe todo mundo na linha. Para a escola ficar boaeu acho que tinha que mudar uma porção de coisas, principalmente os professores que não têmmuito jeito com os alunos e fazer um treinamento com os funcionários, para eles aprenderem atratar o público decentemente; às vezes, professores e funcionários falam e fazem coisas que nãosão comuns em casa; coisas que prefiro nem comentar Tem professor que só sabe gritar comaluno, gosta de fazer chacota e humilha as crianças. Que educação é essa em que muitosprofessores parecem que sentem prazer em humilhar as crianças? (Mãe 1)

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Esta mãe esclarece que a principal razão de matricular sua filha na Escola Brasil foia proximidade de casa e afirma que não considera a Escola Brasil melhor do que as outras. Talveza expressão “é tudo igual” signifique para esta mãe que todas escolas públicas sejam parecidas,neste caso, ruins, impressão confirmada adiante quando diz que “se não fosse cara e longe decasa teria matriculado sua filha numa escola particular”. Aparentemente, a percepção da mãe deboa escola está relacionada, em primeiro lugar, com a presença de professores pois, segundo ela,“com tanta falta de professor como uma escola pode ser boa”, contudo, pondera afirmando que “osprofessores de hoje são fraquinhos” e, em seguida, afirma que existe muito “professor formado queé pior do que os substitutos”, o que agrava ainda mais a situação, ou seja, para esta mãe osprofessores da Escola Brasil não são bons, sejam os titulares ou substitutos, daí, é indiferente seeles comparecem ou faltam, já que sua filha não terá boa aula com nenhum dos dois, além disso,afirma que a filha fará cursinho preparatório para vestibular de qualquer jeito. A rigidez disciplinaré encarada por esta mãe como uma tentativa bem sucedida de organizar a escola, “de por todomundo na linha”, expressão que revela disciplinamento e ordem, o que a leva aprovar as ações dadiretora da escola; por outro lado, denuncia a humilhação a que os alunos são submetidos pelosprofessores. É interessante como atitudes do tipo “falar alto” ou “gritar”, por exemplo, quandopartem da direção, revelam uma tentativa de “por todo mundo na linha” mas, quando partem dosprofessores, são indicativas de humilhação e constrangimento. Parece que as mesmas atitudes,quando tomadas por pessoas em posições diferentes, também são encaradas diferentemente.Além destas questões, o relato desta mãe demonstra que não confia no trabalho da escola e nosprofessores, considera a escola particular superior à pública, sugere treinamento aos funcionáriospara que aprendam a lidar com o público e diz que não entende como os professores podemgostar de humilhar as crianças.

Tinha duas opções de escola para meu filho: essa e a que minha sobrinha estuda.Optei por essa porque fica mais fácil controlar os horários do meu filho; afinal, nessa idade a gentetem de ficar de olho aberto, um descuido e já viu! Meu filho poderia até estudar durante o dia,porque o horário de aula é maior, e é melhor, vai de cabeça fresca para a escola, mas acho melhorele aproveitar a parte da manhã para o inglês e a informática e na parte da tarde ele ajuda umpouco o pai dele na loja; depois, a gente vê um reforço ou um cursinho pra ele recuperar, se bemque não tem muita diferença o ensino diurno e noturno, os professores são praticamente os mesmos,muda um ou outro. Até a 6ª série meu filho estudou em uma escola particular; lá, era melhor, umpessoal mais educado, mais respeitoso com os pais; afinal, a gente estava pagando. Tinha aulatodo dia e, qualquer coisa, eles telefonavam para casa. A gente ficava despreocupada. Nestaescola, se bem que eu acho que é em todas as escolas do Estado, não existe esta atenção. Pravocê ser atendido é uma burocracia – telefona, agenda horário e, muitas vezes, apesar de agendado,nem diretora, nem coordenadora estão. Eu não sou contra a organização, tanto é que nem reclamoda disciplina que a diretora impôs – se bem que, de vez em quando, ela extrapola – mas secombinou, tem que cumprir. (Mãe 2)

O relato desta mãe revela a sua concepção de boa escola. Para esta mãe ter o filhomatriculado em uma escola próximo de casa ajuda a controlar seus horários e ficar atenta ao que

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faz; assim, o critério para escolha da escola foi a proximidade da residência e não um critério dequalidade, por julgar a Escola Brasil melhor do que as demais. Embora admita que estudar noperíodo da manhã seja mais produtivo, não vê diferença no ensino oferecido nos períodos, diurnoe noturno, da Escola Brasil, mesmo sabendo que o período noturno tem uma carga horária menorquando comparado ao curso diurno; para esta mãe, os professores são praticamente os mesmose, por isso, não existem diferenças significativas entre os dois períodos. Na avaliação desta mãe,é mais produtivo o filho utilizar o período da manhã para aprender inglês e informática e, depois,fazer um cursinho preparatório para vestibular.

Em relação ao modelo de boa escola, o relato demonstra a crença desta mãe nasuperioridade da escola privada, já freqüentada por seu filho. Para ela, a escola particular eramelhor pois tinha um pessoal bem educado, havia aula todo dia e não existia tanta burocracia paraser atendido pela escola. Essas qualidades da escola particular é justificada pela mãe com umaexpressão exemplar: “afinal, a gente estava pagando”. A idéia de que qualidade de ensino sejauma característica adstrita às escolas particulares é comum nos depoimentos de vários pais,alunos e professores; assim, como afirma Brandão (1989), o próprio qualificativo de particular àsescolas pode, até por reforço verbal inconsciente, ter permitido a assimilação com facilidade, epouca crítica, da crença que as escolas “particulares” são melhores do que as públicas; para aautora, nestes casos o “desempenho escolar é interpretado indevidamente como rendimento es-colar, sem que para esse resultado tenha sido estudado a efetiva contribuição da escola, enquantoinstância pedagógica”(p.96)

As mães 1 e 2 foram selecionadas a partir de dois registros lavrados no livro deocorrências disciplinares em que ambas reclamavam da forma como professores tratavam seusfilhos e do atendimento dispensado pelo pessoal da secretaria em ocasiões que estiveram naescola à procura da diretora ou da coordenadora. Nos dois relatos das mães residentes no bairro,fica explícito seu descontentamento com o atendimento e com o tratamento que a escola dá aosalunos e seus familiares. Aprovam a exigência da instituição escolar por mais disciplina, confiamno trabalho da diretora e acreditam na melhor eficiência da escola privada e no provável déficit queos filhos estão tendo ao freqüentar a escola pública; contudo, acreditam que tais deficiênciaspodem ser sanadas freqüentando aulas particulares ou, posteriormente, freqüentando cursinhospreparatórios para ingresso na universidade. Apenas uma mãe reclama das ausências dosprofessores; contudo, não dá maior ênfase ao problema e nem vê nele um fator de maiorpreocupação.

As mães 3 e 4, residentes em bairros distantes da escola, foram selecionadas apartir de duas queixas: uma lavrada no livro de ocorrências disciplinares e a outra encaminhadapela diretoria de ensino. As mães 3 e 4 queixam-se das constantes suspensões de aulas. Elasafirmam:

Quase todo dia é a mesma coisa. Aula com eventual. Falta professor de tudo: deportuguês, de matemática, de geografia, de tudo. Não sei o que acontece, eles não aparecem naescola. A gente fala com a inspetora de alunos, com a coordenadora, e é sempre a mesma coisa– um dia, o professor foi ao médico, no outro, está em curso, no outro tem reunião, e assim vai...

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Eu fico pensando no que aconteceria se eu ou o meu marido faltássemos tanto assim no serviço.Isso atrapalha muito, o aluno vai ficando atrasado; depois, todo mundo fala mal da escola doEstado e dizem que a escola particular é melhor – vai ver se o mesmo professor que falta aqui faltana escola particular! Já tenho filhos formados e que sempre estudaram na escola do Estado; umfez SENAI, tem um bom emprego; o outro, trabalha num banco e está começando a fazer faculdadede geografia e diz que quer ser professor – e os dois fizeram escola do Estado. Minha filha estudaaqui, um pouco longe de casa, porque apesar de todos os problemas aqui ainda é melhor, a escolaé melhor – é limpinha, tem computador, laboratório, tem mais recursos; pra melhorar os professorestinham que faltar menos. Não é a primeira vez que eu reclamo da falta de aulas, mas como adiretora mesmo já disse, isso não tem jeito, a lei protege o professor. (Mãe 3)

A principal reclamação desta mãe é a falta de aulas em virtude das constantesfaltas dos professores e, por isso, o excessivo número de aulas com professor eventual. As faltasdos professores na Escola Brasil não é um fenômeno isolado já que em outros depoimentosmuitos pais e alunos tenham relatado a ocorrência do problema em outras escolas; além disso,Esteve (1999) relata esta mesma situação de absentismo trabalhista por parte dos professores emdiferentes países; segundo Bueno (2003), em um estudo acerca do desencanto com a profissão eo abandono da profissão entre os professores da rede estadual paulista, o absentismo muitasvezes é a etapa inicial do abandono da profissão, um abandono que

não significa apenas simples renúncia ou desistência de algo, mas o desfecho deum processo para o qual concorrem insatisfações, fadigas, descuidos e desprezos com o objetoabandonado; significa o cancelamento das obrigações assumidas com a instituição escolar, quandoo professor pede exoneração do cargo ou, de maneira mais abrangente, o cancelamento dasobrigações profissionais, quando deixa de ser professor. Esse cancelamento, visto como a rupturatotal dos vínculos necessários ao desempenho do trabalho, pode ser decorrente da ausência parciale/ou do enfraquecimento anterior desses vínculos. (Bueno : 2003, p.76)

As constantes faltas dos professores tem sido um problema real para as escolaspúblicas estaduais. A cada dia as escolas admitem um maior número de professores eventuais e,por diversas vezes, a Escola Brasil teve todo o período noturno sob a responsabilidade destesprofessores, o que significa que, neste dia, nenhuma das aulas ministradas tinham sido devidamentepreparada pelos professores eventuais, que desconheciam a turma com a qual trabalhariam, bemcomo o professor que seria substituído.

A falta do professor é percebida pela mãe como um problema grave e julga nãoexistir na escola particular; apesar disso, considera a Escola Brasil melhor do que a situada próximoà sua casa, já que os professores faltam menos e a escola tem mais recursos. Freqüentar umaescola considerada melhor, em um bairro considerado melhor, dá à mãe a impressão de estaroferecendo ao filho também uma educação diferenciada, de melhor qualidade.

Esta semana meu filho voltou pra casa no horário certo, todos os dias. Fiqueiadmirada; afinal, ele nunca tem todas as aulas. A alegria durou pouco pois ele me disse que,mesmo quando tem todas aulas, muitas são com professores eventuais. Eu ficava contente quandovia ele chegando no horário certo, mas agora sei que isso não significa que ele teve aulas. Meu

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filho fala em casa que as aulas com esses eventuais é uma piada; a maioria não dá nada. O queadianta, então, ter professor substituto na escola se eles mesmos dizem que não podem dar amatéria do professor que faltou? Não entendo isso. Substituir pra que, então? Também não entendoporque professor falta tanto e, veja bem, só coloquei meu filho aqui porque a situação não é tãocalamitosa igual na escola perto de casa – lá a coisa é pior, professor falta sem dó. Tem matéria,como história, por exemplo, que meu filho diz que nem conhece a professora, ou professor, sei lá– até hoje tiveram um pingo de aulas e, olha, estamos quase no fim do ano. Isso não está certo,em casa fazemos o maior esforço para todos, os três filhos, freqüentarem a escola. Fazemos tudoo que podemos. Mesmo sendo escola pública, a gente gasta – com material, com ônibus, com ummonte de coisa. O mínimo que a gente espera é que tenha aula, que tenha professor, que a gentepossa ser bem tratado quando vai á escola. Todo mundo quer isso. (Mãe 4)

O depoimento desta mãe demonstra como já aprendeu a captar as sutilezas doambiente escolar. Afirma que ficava contente quando o filho chegava no horário certo, mas agorajá descobriu que isso não significa muita coisa, já que quando substituídos por professores eventuaisos alunos cumprem, inevitavelmente, o horário normal de aulas; assim, chegar no horário em casanão significa dizer que teve realmente todas as aulas previstas; atenta ao trabalho da escola, amãe questiona o que significa “substituir”, se o substituto não aborda o conteúdo relativo à matériado professor substituído. O que a mãe parece desconhecer é que os professores eventuais têmformação diversa, por isso, cobrem aleatoriamente a falta de qualquer professor, obviamente,algumas escolas tentam, quando possível, fazer com que o substituto e o substituído sejam damesma área; contudo, em virtude do excessivo número de faltas docentes, essa compatibilizaçãoraramente ocorre. Neste depoimento, a mãe entrevistada deixa clara sua percepção de “público”;para ela, mesmo a escola sendo pública, existem gastos e, por isso, o mínimo que espera comoretribuição é que tenha aula todos os dias e que as pessoas sejam bem tratadas quando a ela sedirigirem. Apesar de todos os problemas detectados, a exemplo de outros depoimentos, esta mãeconsidera a Escola Brasil ainda melhor do que a existente próximo à sua casa.

A principal queixa das mães 3 e 4 é com a falta de aulas na escola. Segundo elas,os professores faltam demais e, nas suas ausências, são substituídos por professores eventuaisque não nada fazem. Em levantamento realizado a partir das anotações de faltas de professores eaulas dadas por professores eventuais, realizado pela inspetora de aluno, que é quem controla asfaltas dos professores e distribuem os professores eventuais nas turmas sem professores, foidetectado um percentual alto de aulas previstas que foram efetivamente ministradas pelosprofessores admitidos em caráter eventual, além das aulas não ministradas em virtude da falta deprofessor e de substituto. Para algumas turmas, especialmente nas do curso noturno, o índice deaulas ministradas por professores eventuais está acima da média da escola.

Segundo a coordenadora, as faltas constantes dos professores afetam muito otrabalho e a organização da escola; contudo, a direção da escola tem se preocupado, todos osanos, em admitir um grande número de professores eventuais para suprir essas ausências; oproblema é que nem sempre os alunos aceitam a presença do professor eventual, não fazem asatividades que eles solicitam e não os respeitam, o que dificulta ainda mais o trabalho pedagógico.

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Durante a pesquisa, nos momentos de HTP, não foi presenciada nenhuma discussão com o coletivode professores acerca da atuação dos professores eventuais ou das constantes faltas docentes.Os professores eventuais não são convidados nem estimulados a participar destes momentosdestinados ao horário de trabalho pedagógico.

Segundo Nogueira (1991), ao julgarem a escola, as queixas dos pais recaem, comfreqüência, sobre fatores externos ao processo pedagógico, como, por exemplo, o absenteísmodocente. Para a autora, o que os pais lamentam não é a ausência do próprio professor titular, massim de um substituto que preencha sua ausência momentânea (p.92). Essa investigação demonstraque os pais continuam a queixar-se das ausências dos professores, contudo, já não se queixammais, como no passado, da falta de um professor substituto, contentando-se com esta alternativa;queixam-se, agora, também da existência do professor substituto, na rede estadual paulistadenominado, genericamente, como professor eventual, pois vêem nele a imagem de um profes-sor despreparado e mal formado, cujas atividades por ele desenvolvidas com os alunos não sãoconsideradas importantes, além de ser a evidência do desrespeito e descaso que os professoresfaltosos manifestam por seus filhos.

De forma geral, os pais de alunos, tanto daqueles residentes no bairro como naperiferia, reclamam da falta de aulas e do tratamento dispensado aos filhos pelos professores efuncionários da escola. É possível perceber, a partir da análise dos registros lavrados na escola ouencaminhados pela diretoria de ensino, que os pais dos alunos residentes próximos à escolareclamam, com mais freqüência, do tratamento que os professores dispensam aos seus filhos; jáos pais dos alunos residentes na periferia, embora também reclamem da forma como eles e seusfilhos são tratados pela escola, queixam-se com mais freqüência da falta de aulas e das constantesdispensas dos alunos, em virtude da falta de professor. Nesse sentido, os pais dos alunos oriundosdos bairros mais pobres parecem revelar maior preocupação com a excessiva falta dos professoresdo que os pais dos alunos residentes próximos à escola; para os primeiros, os alunos estão sendoprejudicados duplamente pois, além de não terem aulas, acabam gastando recursos comtransportes.

Diante dos dados coletados nas entrevistas, não é verdadeira a alegação de que ospais dos alunos, de modo geral, e dos mais pobres, particularmente, não valorizem a escola ou otrabalho que os professores realizam; pelo contrário, estão atentos ao funcionamento da escola etrabalho dos professores. O que parece diferir um pouco, quando comparamos a atuação dos paissegundo a origem social do aluno, é a forma utilizada pelos pais para expressar seudescontentamento com a escola e com os professores.

Os pais dos alunos residentes na periferia, por não terem o tratamento que julgamadequado por parte dos funcionários da escola e por não conseguirem adaptar-se às regras dainstituição (horário da secretaria, horário de atendimento da diretora, horário de atendimento dacoordenadora, horários diferenciados dos professores), acabam procurando a diretoria de ensino,que atende todos os dias, a qualquer horário; assim, procurar a diretoria de ensino para fazer suasreclamações e não propriamente a unidade escolar não significa que tais pais estejam contestandoa autoridade da equipe escolar ou a autonomia da escola; significa, apenas, que estão respondendo

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a uma inadequação da escola à suas demandas. Por outro lado, os pais dos alunos que residemno bairro, próximo à escola, na maioria das vezes, registram suas queixas diretamente na escola,recorrendo à diretoria de ensino apenas quando não ficam satisfeitos com os encaminhamentosdados pela escola. Esses pais conhecem bem as regras da escola e não revelam dificuldades deadaptar-se a elas; pelo contrário, nas entrevistas revelaram que a organização e a disciplina daescola foram fatores considerados na matrícula do filho na instituição.

Outro aspecto a considerar é a forma diferenciada como a coordenação pedagógicae a direção tratam os pais dos alunos e suas queixas. As reclamações encaminhadas pela diretoriade ensino, geralmente de pais de alunos dos bairros periféricos, não são bem acolhidas peladireção da escola e são vistas como uma forma de intromissão na organização escolar; assim,apenas uma pequena parcela destas reclamações são verificadas; geralmente, as que dizemrespeito a brigas entre alunos ou outros eventos ligados à questão disciplinar. De forma geral,reclamações envolvendo falta de professores, relacionamento professor-aluno ou descontentamentocom as regras e organização da escola não são consideradas. Das reclamações registradas naescola, a maioria por pais de alunos residentes no bairro, referem-se à forma com que os professorestratam os alunos; para tais reclamações, o encaminhamento adotado pela escola é cientificar oprofessor envolvido na reclamação, agendando horário para que pais e professores possamconversar; geralmente, no horário destinado ao Horário de Trabalho Pedagógico (HTP).

Ausência dos professores ou o tratamento dos professores em relação aos alunos?Essas são as duas principais queixas dos pais de alunos da Escola Brasil e, embora possam serverificadas nos dois grupos de pais, a primeira queixa é mais comum entre os pais dos alunos queresidem na periferia, enquanto a forma pela qual os alunos são tratados pelos professores épreocupação mais comum entre os pais dos alunos residentes próximos à escola. Embora existamqueixas registradas dos pais de alunos residentes na periferia acerca do tratamento dispensadopelos professores aos seus filhos, acusando-os de tratamento desigual, a principal preocupaçãodestes pais é com a falta de aulas e com as constantes ausências dos professores o que, segundoeles, “prejudica os alunos e acaba tirando a oportunidade dos filhos de conseguirem melhoresempregos.” Entrevistas com pais de alunos residentes no bairro revelaram que escolheram ainstituição escolar em virtude da proximidade da residência, escolha esta motivada por preocupaçõesrelacionadas à segurança do filho. Os pais dos alunos residentes na periferia apontaram que aopção pela escola se deu a partir de uma referencial de qualidade, pois a julgavam melhor do quea escola existente próximo às suas residências. Trata-se de indicadores de famílias atentas ecuidadosas com o atendimento escolar dos filhos, o que parece não confirmar a opinião dosprofessores sobre as famílias dos alunos.

Para Nogueira (1998), em razão das políticas educacionais e, conseqüentemente,da crescente heterogeneização das redes escolares, as famílias sentem hoje a necessidade deformular seu projeto educativo, o que inclui a escolha dos estabelecimentos escolares, comparandoe confrontando os estabelecimentos escolares desejados. Embora tal atitude seja mais comumentre as famílias das camadas médias e em relação às escolas privadas, também nas camadaspopulares essa comparação ocorre, restringindo, contudo, o universo de comparação às escolas

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públicas; assim, as famílias dos diferentes meios sociais adotam diferentes formas de conceber,avaliar e confrontar os estabelecimentos escolares ao efetuarem o julgamento de boa escola.

Em relação à escola e aos professores, os pais tendem acreditar na superioridadede uma escola pretérita, uma escola “com cara de escola”, com um “ensino mais forte” e comprofessores “com tipo de professor”. Ainda que se trate de uma escola jamais freqüentada pormuitos pais dos alunos matriculados na escola pesquisada, a imagem desta escola pretérita parececonstituir o modelo ideal de escola, desejada para educação de seus filhos.

BIBLIOGRAFIA

BRANDÃO, Z. Qualidade de ensino: características adstritas às escolas particulares? In:CUNHA, L.A. (Org.) Escola pública, escola particular e a democratização do ensino. 3ª ed., SãoPaulo : Cortez, 1989.

BUENO, B.O. & LAPO, F.R. Professores, desencanto com a profissão e abandono domagistério.Cadernos de Pesquisa, nº. 118, março / 2003, p. 65-88,

ESTEVE, J.M. O mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos professores. Tradução :Durley de Carvalho Cavicchia. Bauru : Edusc, 1999.

NOGUEIRA, M.A. Trajetórias escolares, estratégias culturais e classes sociais: notas em vistada construção do objeto de pesquisa. Teoria & Educação, vol. 3, 1991. pp.89-112.

______. A escolha dos estabelecimentos de ensino pelas famílias. Revista Brasileira deEducação, nº 7, 1998, pp. 42-56.

NOTA

1 - Trata-se da pesquisa de doutorado realizada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no Programa de Estudos Pós-Graduadosem Educação: História, Política, Sociedade que resultou na tese “A escola perdida: a boa escola e o bom aluno no discurso de pais e professores”.

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O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇANA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL

E AS ATIVIDADES DE MOVIMENTO NAEDUCAÇÃO INFANTIL

IZA, Dijnane Fernanda Vedovatto; MELLO, Maria Aparecida (PPGE/DME/UFSCar)

Logo após o nascimento o ser humano apresenta as formas mais instintivas decomportamento que têm o objetivo de satisfazer as suas necessidades de respirar, se alimentar,entre outras, que garantem a sua sobrevivência. No entanto, não formam a estrutura do seudesenvolvimento psíquico (Mukhina, 1996).

Embora a criança tenha reflexos que colaboram para a sua sobrevivência, ela nascedesprovida dos conhecimentos e condutas que caracterizam uma sociedade, por isso há anecessidade de aprender o comportamento humano. Para isso o estabelecimento de comunicaçãocom o adulto é imprescindível, pois ele apresenta os objetos e orienta os movimentos da criançapara manipulá-los, de maneira que quando a criança não consegue realizar alguma ação, buscaa ajuda.

Nessa relação, a criança vai assimilando as formas de se comportar, pois o adultopode sorrir, incentivando-a ou, demonstrando expressão de desagrado quando não gostou de algoque ela fez. A criança aprende o comportamento e a linguagem. (Mukhina 1996).

A relação entre o objeto e a palavra dita produz na criança um início da compreensãoda linguagem. A criança busca conhecer os nomes dos objetos e para isso recorre ao adulto.

Assim sendo, desde o seu nascimento, a criança é cercada de experiências sociais,inicialmente com os familiares, depois com adultos “estranhos”, com outras crianças, e na medidaem que ela interage com o mundo que a cerca apreende como é o seu funcionamento, compreendeos comportamentos que caracterizam a sociedade em que vive. “A experiência social é a fonte dodesenvolvimento psíquico da criança; é daí, com o adulto como mediador, que a criança recebeo material com que serão construídas as qualidades psíquicas e as propriedades de suapersonalidade” (Mukhina, 1996, p.43).

Nessa perspectiva, as profissionais da Educação Infantil são de extrema importânciano processo de desenvolvimento das crianças e na qualidade das relações que estabelecem comelas. O desenvolvimento da criança deve ser considerado pelas educadoras para que ela possaaprender situações mais complexas.

A zona de desenvolvimento1 próximo da criança, é discutida por Vigotski (2001)como o aprender algo novo em função da colaboração de alguém, mas esse aprender estádiretamente ligado às possibilidades da criança.

Vigotski (2001, p.328) coloca que a zona de desenvolvimento próximo tem maisimportância do que o atual nível de desenvolvimento da criança, segundo o autor “criança orientada,

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ajudada e em colaboração sempre pode fazer mais e resolver tarefas mais difíceis do que quandosozinha”.

A colaboração apontada pelo autor tem como finalidade contribuir para que a criançamobilize os seus conhecimentos para que compreenda um novo. Para aprender algo novo acriança mobiliza o que já conhece, desta forma Vigotski (2001, p. 328) coloca que a imitação é degrande importância para o aprendizado, pois “para imitar, é preciso ter alguma possibilidade depassar do que eu sei fazer para o que eu não sei”.

“Afirmamos que em colaboração a criança sempre pode fazer mais que sozinha.No entanto, cabe acrescentar: não infinitamente mais, porém só em determinados limites,rigorosamente determinados pelo estado do seu desenvolvimento”.(Vigotski, 2001 p. 329).

A criança quando recebe ajuda de outra pessoa tem a possibilidade de ampliar seuaprendizado, mas é importante considerar o seu desenvolvimento, pois a criança aprende commaior facilidade quando as tarefas exigidas estão mais próximas de seu nível de desenvolvimento.Para Vigotski (2001, p. 331) o foco da psicologia da aprendizagem é a “possibilidade de que acolaboração se eleve a um grau superior de possibilidades intelectuais, a possibilidade de passardaquilo que a criança consegue fazer para aquilo que ela não consegue por meio da imitação”, ede acordo com o autor é o que constitui o conceito de zona de desenvolvimento próximo.

Há necessidade de se conhecer como a criança se desenvolve para que o ensinoseja fecundo. A aprendizagem acontece quando a imitação é possível para a criança, ou seja,quando ela não está muito além das suas capacidades. Um exemplo sobre isso é que a criançanão aprende a pular antes de saber andar e controlar bem o seu equilíbrio, assim ela pode tentarimitar o pulo flexionando e estendendo os joelhos, mas sem ainda sair do chão, pois o pular saindodo chão é uma ação que, no momento, está além da capacidade da criança.

A aprendizagem está sempre à frente do desenvolvimento, pois ela instiga oamadurecimento do desenvolvimento que se encontrava na zona de desenvolvimento próximo. Oeducador tem que reconhecer na criança essas possibilidades de aprendizagem para auxiliá-la naapropriação dos conhecimentos.

A IMPORTÂNCIA DO MOVIMENTO NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇAPEQUENA

A criança com o passar do tempo, aprende a sustentar a cabeça, a sentar, engatinhar,andar, enfim adquire conhecimento das formas de comportamento do ser humano. Mas isso só éalcançado porque há a contribuição do adulto que a incentiva a realizar movimentos.

A interferência do adulto é muito importante para o desenvolvimento da criança, nosentido de oferecer a ela os objetos, de incentivá-la a deslocar-se, de instigar-lhe a curiosidade eo interesse em explorar o que o adulto lhe apresenta.

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O adulto faz a mediação entre a criança e o conhecimento, assim ela se desenvolvede acordo com as mediações, segundo Mello (2001, p.19): “O Homem apropria-se deconhecimentos pela via das mediações, as quais podem ser infinitas. Essas mediações modificam-se à medida que o indivíduo se desenvolve e cria novas necessidades para si”. A criança apreendeo mundo por meio das mediações com os adultos, com objetos, com outras crianças.

Mukhina (1996, p.102), discute a importância da interação adulto-criança, paraque ela possa participar das experiências sociais. “No final do primeiro ano, formam-se as primeirasimpressões sobre o mundo circundante e as formas elementares de percepção e reflexão, quepermitem à criança se orientar neste mundo”, e isso ocorre por meio das interações sociais.

As experiências sociais que a criança vivencia proporcionam a compreensão dofuncionamento da sociedade, que será mais tarde, no terceiro ano de vida, reproduzida por meiode jogos dramáticos, que nascem para satisfazer a necessidade de convivência social, com osadultos, das crianças. Mukhina (1996, p. 114) compara estas experiências sociais atuais com associedades primitivas.

Nas etapas mais primitivas de desenvolvimento da sociedade, ohomem extraía seu principal sustento desenterrando raízescomestíveis com um pau escavador. A criança, desde seus primeirosanos de vida, incorporava-se às atividades do adulto, assimilandona pratica forma de obter o sustento ao manejar os instrumentosprimitivos. Naquela época não existia o jogo separado do trabalho.

Com as mudanças ocorridas na sociedade, em que as formas de trabalho setornaram mais complexas, as crianças foram distanciadas do convívio de seus pais, pois a eraindustrial trouxe um tipo de trabalho inacessível à participação das crianças.

Antes as crianças permaneciam todo o tempo com os pais, iam para a roça com amãe; no caso das sociedades indígenas, as crianças ficam todo o tempo com os pais e aprendemos rituais da cultura, pescar, caçar, etc. Isso ainda ocorre nos dias atuais, pois a estrutura socialindígena é diferente em muitos aspectos.

Com a era industrial houve uma separação entre a criança e a sociedade adulta, énesse momento que acontece o jogo dramático. A criança não participa da sociedade como noexemplo de tribos indígenas acima, mas tem a necessidade de compreendê-la e para isso representaas diversas situações inerentes à sociedade em que vive, realiza um jogo dramático no qual ascrianças reproduzem as situações em que não podem ainda atuar, como, por exemplo, dirigir umcarro, a criança não pode dirigir um carro dos adultos, em função de vários impedimentos inerentesàs regras sociais, mas pode recriá-lo e dirigi-lo no jogo dramático. Segundo Mukhina (1996, p.115):

Restritas ao seu próprio meio, as crianças formam comunidadesinfantis e organizam uma vida lúdica especial que reproduz em seustraços fundamentais as relações sociais e a atividade de trabalhodos adultos e na qual interpretam o papel de adultos. Assim, porcausa do lugar específico que a criança ocupa na sociedade devidoa uma maior complexidade do trabalho e das relações de produção,surge o jogo dramático como forma especial de convivência da criançacom o adulto.

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A criança representa as ações dos adultos, reproduzindo as regras doscomportamentos sociais, e, como complemento do jogo dramático a criança utiliza objetos quenão possui. “Dessa forma, um bloco de madeira, um carretel ou uma pedra podem servir desabão para lavar a boneca” (Mukhina, 1996, p.116).

Inicialmente, a criança utiliza o objeto no jogo dramático chamando-o pelo nomeverdadeiro. Em um segundo momento ela chama o objeto de acordo com o papel que eledesempenha no jogo. Para Mukhina (1996, grifo da autora, p.117): “A criança na primeira infânciaage inicialmente com o objeto e mais tarde compreende o significado do objeto no jogo”.

Para a representação dos papéis sociais no jogo dramático, a criança articula,entre outras coisas, a linguagem e os movimentos, “A criança reage corporalmente aos estímulosexteriores, adotando posturas ou expressões isto é, atitudes, de acordo com as sensaçõesexperimentadas em cada situação”. (Galvão 2000, p.72).

A criança representa com gestos e posturas a situação imaginária, por exemplo;

Em uma situação de interação entre mãe e filha, Satie diz para suamãe que irá fazer um bolo, pega um objeto similar a uma fôrma ealguns blocos de montar. Os arruma dentro da “fôrma” e leva ao“forno” aguarda por algum tempo e o retira. Ao fazer isso ela usapanos para pegar a fôrma que está quente e coloca no chão. Chamaa sua mãe de filhinha, e diz que irá assoprar o bolo para ela comer,pega um objeto (um pequeno dardo de plástico) e diz que é a facapara cortar, entrega para sua mãe um pedaço do bolo, representadopor uma peça dos blocos que estão na forma, e pede para que elacoma, dizendo para tomar cuidado porque está quente e alerta quetem que assoprar (Observações de D.F.V. Iza).

Quando Satie diz que irá fazer um bolo, ela imita o adulto nas ações que caracterizamessa cena, substitui o bolo “verdadeiro” por algum outro objeto, faz o gesto de abrir o forno, colocaro bolo, e fechá-lo, gesticula abrindo novamente o forno para retirar o bolo, espera que esfrie,assoprando para comê-lo. Há todo um ritual de movimentos, gestos, posturas, condutas, palavrasque simbolizam essa situação. Satie, como toda criança, necessita coordená-los para que asituação imaginária aconteça.

O Movimento é importante para o desenvolvimento da criança, sobre isso Mello(2001, p. 76) afirma que:

A Educação Infantil requer um componente curricular – Movimento– que tenha como pressuposto o desenvolvimento da criança porinteiro, não a dicotomização em corpo e pensamento, emcapacidades físicas e cognição.Além disso, as crianças necessitam de um trabalho com Movimentodirecionado às suas vidas, engajado no trabalho dos demaiscomponentes curriculares da Educação Infantil, para que ela possaver a relação da Educação Física com a sua vida, com a aquisiçãode conhecimentos e não apenas a relação com o esporte e a saúde.

No desenvolvimento de atividades de Movimento para as crianças de 0 a 6 anos,deve se levar em consideração que a criança é um ser global, não pode se limitar apenas apadrões motores pré-estabelecidos.

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Ao considerar apenas o aspecto motor, o desenvolvimento da criança pode serlimitado. O trabalho com atividades de Movimento pode ser ampliado de uma maneira que nãodesconsidere o aspecto motor, mas também não se restringe a ele.

Sobre isso Mello (2001, p. 76, 77) aponta que:

(...) O foco é sempre a criança por inteiro, com emoções, comsentimentos, com expressões, com dificuldades, com facilidades,com expectativas, ávida em dar sua opinião, com sugestões evontades, com medos, com limites, sem limites, com timidez, comagressividade, etc.

As crianças têm a característica de explorar, de buscar conhecer e compreenderos objetos, as brincadeiras e os jogos. Elas são abertas para conhecer o mundo em que vivem.Cabe ao educador proporcionar à criança uma grande variedade de atividades, de modo que elapossa vivenciar diferentes situações, com materiais diversos, espaços diferenciados, etc, mas éimportante salientar que não basta apenas a diversidade das atividades, dos materiais, ou dosespaços, é essencial que a qualidade das relações entre crianças e adultos seja harmoniosa.

É importante que o professor tenha muita criatividade para atender às motivaçõesdas crianças que são muito dinâmicas e desejosas de brincadeiras e jogos variados.

Mais do que apenas apresentar as atividades, é interessante que o adulto coloquepara as crianças situações nas quais elas sejam incitadas a resolver problemas durante a execuçãodos movimentos, apropriando-se da melhor maneira para realizar as atividades. É importantesempre respeitar o ritmo e a descoberta individual de cada criança.

O aprendizado, deste modo, se torna significativo na medida em que a criançaexplora as suas possibilidades de raciocínio, de movimentos, de controle motor, enfim, de todosos aspectos coordenados que ela necessita para resolver a situação em questão.

Direcionar os movimentos das crianças, tentando aperfeiçoá-los pode ser umtrabalho perdido, por não terem sentidos para elas, as quais irão executá-los mecanicamente, eassim dificilmente serão apreendidos. Desta forma, a contextualização das atividades é fundamentalpara que a criança lhes atribua algum sentido. Para isso, pode-se utilizar histórias, músicas,desenhos, etc.

A importância do/a educador/a como mediador no processo de desenvolvimentodas crianças é incontestável, por isso há a necessidade de ter conhecimentos claros e específicospara a realização do trabalho educativo junto às crianças pequenas. (Mello, 2001).

Essa mediação acontece diariamente com as crianças pequenas, assim, tendocomo pressuposto que esta fase da vida da criança é de fundamental importância para a aquisiçãode diferentes aprendizagens, o objetivo deste trabalho foi identificar atividades de Movimento e deNão-Movimento desenvolvidas com as crianças na instituição pesquisada; como elas são realizadas;quem as desenvolve e em que momento da rotina diária da creche elas ocorrem.

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AS ATIVIDADES DE MOVIMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Concebemos o Movimento como uma ação educativa utilizada pelo profissionalque realiza a mediação entre o conhecimento e a criança. Nesta perspectiva o Movimento éintencional, abrangendo e enfatizando as relações e valores sociais.

Sobre o Movimento na Educação Infantil, Mello (2001, p. 67, 68) aponta que:

As pessoas engajadas na Educação Infantil percebem a necessidadedas atividades de Movimento para as crianças. Essas atividades deMovimento, quando são desenvolvidas nas escolas infantis, naprática, restringem-se a brincadeiras nos aparelhos do parque, jogosde correr, brincadeiras livres nos espaços internos e externos daescola e brincadeiras de rua, todas elas permeando o objetivo derecreação.

O lúdico – a brincadeira na idade pré-escolar – é a atividade principal, portanto,desencadeadora do desenvolvimento da criança. Por isso, os objetivos do componente curricular“Movimento” para a Educação Infantil não podem resumir-se à visão de recreação.

A brincadeira é a atividade principal que promove o desenvolvimento da criança,nas relações sociais ela aprende por meio da mediação do adulto ou de outra criança.

O Movimento, aqui explicitado, não é apenas motor e se relaciona com atividadesde resolução de problemas, de questionamentos, de criatividade, de compreensão e respeito aregras, de companheirismo, enfim de elementos e valores sociais importantes para a vida dacriança. Para que tais valores sejam trabalhados com as crianças é necessário que o profissionaltenha clareza do seu trabalho

Na atividade de pular corda, por exemplo, a criança pode ser instigada a váriosquestionamentos e valores como: em que momento ela deve pular a corda, compreender omovimento da corda em relação ao seu corpo, tomar consciência que pode obter sucesso ou nãona atividade, respeitar o erro ou acerto do colega, compreender que na vida podemos ter vitóriase derrotas, respeitar honestamente as regras inerentes à atividade, enfim essas são algumas,dentre muitas, questões importantes de serem trabalhadas com a criança pequena e que nãoestá única e exclusivamente restrita ao trabalho de movimentar o corpo, no sentido estrito do atomotor, Mello (2001).

A mediação dos profissionais, no desenvolvimento das atividades de Movimentona Educação Infantil, é de extrema importância e por isso devem ser planejadas, visando odesenvolvimento das crianças pequenas, de maneira que tragam efetivamente benefícios à vidadas crianças em sociedade.

Ao propor atividades de Movimento não as defendemos de forma isolada, masafirmamos a importância que têm no trabalho com as crianças pequenas. Não vemos a atividadefísica apenas como promotora de atividades que visam o desenvolvimento motor, ela pode e vai,além disso, alcançando uma amplitude maior a fim de proporcionar às crianças questionamentose valores sobre a sociedade na qual estão inseridas, e isso depende, em grande parte, da mediaçãoque o profissional exerce com as crianças.

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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Desenvolvemos um protocolo de observação das atividades da rotina diária dacreche pesquisada, para investigar como as atividades de Movimento eram trabalhadas com ascrianças de 0 a 6 anos, para isso utilizamos a abordagem histórico-cultural cujo pressuposto é amediação entre as crianças e destas com a professora.

Utilizamos vídeo-gravações, efetuadas no período da manhã e tarde, três vezespor semana, durante dois meses, em diferentes horários, situações e faixas etárias das crianças,de maneira que pudessem garantir grande variedade de informações.

As filmagens referem-se a oito pajens/professoras responsáveis pelas seguintesfaixas etárias: 0 a 2 anos (berçário), 2 a 3 anos (infantil I), 4, 5 e 6 anos (infantil II). No total foramgravadas doze fitas de vídeo de trinta minutos.

A creche pesquisada foi criada na década de 802 e atende o total de 1223 crianças,são 62 crianças em período integral e 60 em meio período, sendo que 57 crianças tem idade de4 a 6 anos e permanecem o período vespertino na Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI)e o outro período nesta creche. São nove educadoras distribuídas da seguinte forma: trêsprofissionais para o berçário, três para o grupo de crianças de 2 a 3 anos (infantil I), e três para ogrupo de 4, 5 e 6 anos (infantil II), cada uma destas se responsabiliza por crianças de uma idade.

Para organizar os dados gravados em doze fitas de vídeo, foi necessário identificaras atividades desenvolvidas pelas professoras, tais como: alimentação, descanso, atividade dirigida,etc. Elaboramos um Protocolo para as filmagens, no qual foram registrados aspectos relativos àorganização da creche. Para tal consideramos os seguintes aspectos: o tipo de atividadedesenvolvida; o tempo de duração da atividade, o espaço utilizado, a seqüência dos acontecimentosem que a professora realizou a atividade e o envolvimento das crianças; ações que retratam comoa professora desenvolveu a atividade e organizou o espaço. Esses elementos nortearam a análisedas fitas de vídeo.

Dentro da rotina diária, o foco central de investigação deste trabalho foi discutir odesenvolvimento das atividades de Movimento e de limitação do Movimento, que chamamos deNão-Movimento, promovidas pelas professoras para as crianças pequenas. Assim identificamos,nos protocolos, as informações acerca da questão Movimento e Não-Movimento na rotina dacreche.

ATIVIDADES DE MOVIMENTO

As atividades de incentivo ao Movimento, são aqui consideradas como as promovidaspelas professoras com a intenção de oferecer oportunidades das crianças se movimentarem dediversas maneiras por meio de brincadeiras dirigidas, danças, dramatização, etc. Essaintencionalidade pressupõe a sistematização das atividades, cujos conteúdos privilegiem elementosque contribuam para o desenvolvimento da criança, como por exemplo: lateralidade, equilíbrio,coordenação motora, noções de espaço e tempo, noções que a criança tem sobre a sua imagem

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do corpo, da expressão corporal, de controle tônico, entre outros; Além da intencionalidade esistematização das atividades é imprescindível levar em consideração as peculiaridades dascrianças pequenas, abordando esses elementos de forma lúdica.

A seleção dos episódios de Movimento foi realizada em função das professorasdemonstrarem intenção em promover atividades com Movimentos, a seguir apresentamos eanalisamos os dados com episódios da rotina da creche que indicam essas atividades.

Movimentos das crianças em função da música (crianças de 2 a 3 anos).

Depois do almoço as professoras levaram as crianças em uma salae colocaram uma música. Tentaram desenvolver uma atividade deroda com elas, mas, algumas não se interessaram pela atividade eforam mexer no rádio. A professora saiu da roda para tirar as criançasde perto dele, quando retornou, a atividade não teve continuidade,pois as crianças estavam dispersas com os brinquedos, a bola e amúsica que tocava na sala.Algumas crianças fizeram uma roda,sozinhas, na qual cantavam e dançavam, realizavam movimentosdiversos girando, andando, correndo, saltando, dançando,marchando, batendo palmas, etc. As professoras ficavam tirando ascrianças que estavam mexendo ou querendo mexer no rádio.

Podemos perceber no episódio relatado acima que a música incentivou as criançasa se organizarem e realizarem uma roda sem a orientação da professora, talvez com base emexperiências anteriores, nas quais as músicas eram trabalhadas em roda. Este tipo de atividadelivre é importante para as crianças, entretanto, ela precisa ser mesclada, no plano de aula, comatividades mais intencionais, as quais a professora pode utilizar-se da música para ajudar a criançaa desenvolver movimentos e habilidades que ainda não estão desenvolvidos nela.

O fato das professoras não utilizarem estratégias que instigassem nas crianças amotivação em realizar a atividade de roda resultou na desistência das crianças pela atividade. Ascrianças perderam, portanto, a oportunidade de explorar melhor seus movimentos, desenvolveroutras habilidades, fazer relações entre objetos, pessoas, acontecimentos, etc. A falta dessasestratégias limitou as crianças a realizarem movimentos já conhecidos. O episódio a seguir retrataas professoras com a intenção de trabalhar as atividades de Movimento:

Corre Cutia (crianças de 2 a 3 anos)

A professora pediu que todas as crianças se sentassem em roda eperguntou quem sabia brincar de corre cutia. Em seguida, começoua caminhar em volta da roda, cantando a música “corre cutia nacasa da tia, corre cipó na casa da vó, chupa cana com um dentesó”. Algumas crianças começaram a correr atrás da professora,quando outra professora interveio, dizendo que era apenas umacriança que deveria correr. A atividade não teve continuidade.

Nessa atividade as crianças não entenderam a brincadeira, uma vez que asprofessoras não ensinaram a elas. As crianças observavam as professoras, meio apáticas, semmotivação pela atividade. Embora essas professoras tenham tido a boa intenção em desenvolver

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alguma atividade com as crianças, não obtiveram êxito na sua realização, provavelmente, emfunção de não terem adequado a atividade às possibilidades das crianças naquele momento.

É importante que a criança seja incentivada a realizar movimentos diversos, e cabeà professora, como mediadora no processo educativo, ajudá-la a apreender novos conhecimentos.

ATIVIDADES DE NÃO-MOVIMENTO

As atividades de Não-Movimento, que nos referimos, não significa a falta demovimento ou o ato de ficar parado sem se mexer, mas sim, as situações em que as crianças seencontram em determinados momentos de limitação de movimentos, impostos pelo tipo de atividadeque as professoras propõem. Apesar dessa restrição, as crianças extrapolam e criam outras maneirasde se movimentar dentro daquela atividade.

Os critérios que utilizamos para classificar os dados referentes às atividades deNão-Movimento foram os momentos em que as crianças tiveram que ficar presas a uma determinadasituação, quietas e caladas a pedido da professora. Vejamos no seguinte episódio:

O brinquedo tênis (crianças de 2 a 3 anos).As crianças estavam brincando com algumas bolinhas de argila dentro da sala de

aula. Elas ficavam sentadas nas cadeiras. Não podiam se levantar porque a professora pediu quefosse assim. Havia nesse grupo uma criança que estava utilizando o próprio tênis como brinquedo,colocando as bolinhas dentro. Quando a professora viu a criança brincando, tirou o tênis das mãosdela e colocou-o no pé.

Parece haver uma intensa e cansativa luta contra o Não-Movimento por parte dascrianças que são ativas, ansiosas por brincar, pular, gritar, conversar, cantar, etc. A professoraparece querer contê-las, tentando, na maioria das vezes, fazer com que fiquem quietas, depreferência caladas, realizando as atividades de uma única maneira, estabelecida pela professora.Assim, a professora perde a chance de conhecer o pensamento e a brincadeira da criança nomomento em que retira o tênis com que ela estava brincando, impedindo-a de continuar a testar,analisar, comparar, etc; habilidades importantes para o seu desenvolvimento.

As professoras acabam tendo grande desgaste em fazer com que as crianças fiquemquietas e caladas, além disso, acarreta um prejuízo para a criança, pois a creche passa a ter osignificado de um lugar onde ela deve conter-se sempre, ficar em silêncio, obedecer sempre semquestionar, sem valer as suas idéias, gostos, reflexões, Perdem a professora em se desgastar e ascrianças em não terem oportunidades de aprender novos conhecimentos de maneira prazerosa,como podemos observar no episódio abaixo:

A longa espera pelos pais (crianças de 2 a 3 anos).Terminando o jantar as crianças voltam para a sala para aguardar os pais. As

professoras entregam as chupetas e pedem para que todas as crianças fiquem sentadas encostadasno paredão (nome dado pelas professoras). As professoras ficam sentadas, cada uma em uma

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extremidade, vigiando as crianças. Essa é a hora de esperar a chegada dos pais que começaaproximadamente às 16:00h e termina às 17:00h. As crianças se movimentam, tentando sair daposição encostada na parede, mas as professoras voltam a pedir para que não se levantem. Umadas professoras estava com uma bola no colo e ao jogá-la para cima caiu em frente de umacriança que a pegou para brincar, imediatamente, a professora tirou-a da criança e guardou-a.Quandoas crianças saíam do paredão, uma das professoras dizia que iria contar até três para queencostassem novamente na parede. As crianças obedeciam contrariadas e aborrecidas com asituação.

Este episódio revela a pobreza de interação e mediação da professora com ascrianças. Qual o significado para as crianças de ficarem encostadas na parede, enquanto a professoratem uma bola em suas mãos? Nesse momento de espera, mais uma vez as crianças têm que seconter e obedecer às ordens da professora, que não aparentou nenhuma preocupação em oferecerqualquer atividade ou brinquedos para as crianças, enquanto aguardavam a chegada dos pais.

As professoras poderiam deixar as crianças brincando no parque, ou oferecerbrinquedos para que elas brincassem livremente, mas parece que a preocupação é controlá-lascom atividades paradas. Esperar encostadas na parede é algo que parece representar esse domíniodas professoras sobre as crianças.

Mesmo que as crianças permanecessem em sala para aguardar a chegada dospais, as professoras poderiam oferecer um espaço diferenciado com maiores possibilidades deinteração, e também permitir que as crianças se movimentassem e falassem para que essa interaçãopudesse ocorrer.

Não podemos desconsiderar, neste episódio, o fato das professoras de creche teremuma jornada diária de trabalho muito longa, o que pode justificar o cansaço delas no final do dia ea necessidade de controlar as crianças. Entretanto, a forma de controle que utilizam é mais estafantedo que se deixassem as crianças livres para brincar entre si neste longo tempo de espera dos pais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados identificados e analisados, nesta pesquisa, apontam que as professorasda creche têm experiência de trabalho com as crianças, mas falta-lhes o conhecimento de comotrabalhar atividades educativas, como as de Movimento. Também, é muito forte a idéia de manternas crianças o Não-Movimento. Parece haver a idéia de que o aprendizado dá-se a partir docontrole sobre as crianças. O Não-Movimento, ou seja, a idéia que as educadoras têm em manteras crianças quietas e caladas poderia ser discutido de maneira mais ampla, pois revela como asprofessoras vêem a educação das crianças pequenas. É necessário (in)formar as profissionais daEducação Infantil sobre o desenvolvimento da criança pequena de modo que haja um encadeamentoda sua prática com seus conhecimentos sobre a criança, considerando suas características einstigando suas potencialidades.

Para que as educadoras realizem seu trabalho é importante que aprendam maissobre a sua função na Educação Infantil, que investiguem quais os recursos disponíveis e de que

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forma eles podem ser utilizados, quais os objetivos das atividades que serão realizadas, assimcomo, observem se são adequadas à faixa etária das crianças em questão, enfim, elas necessitamter momentos de reflexão sobre a sua prática.

Um problema nos trabalhos desenvolvidos com crianças de 0 a 6 anos é aespecificidade que muitas vezes não é levada em consideração, a particularidade em desenvolverum trabalho educativo junto às crianças pequenas, exige uma formação abrangente e pormenorizadanas questões referentes à Educação Infantil.

O papel das profissionais que atuam na Educação Infantil é de extrema importância,pois têm que responder às exigências das crianças pequenas sem cair no extremo assistencialistaou escolarizante.

Neste momento, é fundamental que as profissionais percebam a importância doseu trabalho, que possam ter formação (inicial e continuada) específica para a Educação Infantil,de forma a contribuir para o trabalho com crianças pequenas, refletindo sempre sobre sua prática,de modo a garantir maior qualidade na Educação Infantil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

IZA, Dijnane Fernanda Vedovatto. Quietas e Caladas: Reflexões sobre as atividades de Movimentocom crianças na Educação Infantil. Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, 2003.

GALVÃO, Izabel, Henri Wallon uma concepção dialética do desenvolvimento infantil, Editora Vozes.7a edição. Petrópolis, 2000.

GALVÃO, Izabel, A Questão do Movimento no cotidiano de uma pré-escola. In: Cadernos dePesquisa, São Paulo, n.98, p. 37 -49, ago.1996.

MELLO, Maria Aparecida, A Atividade Mediadora Nos Processos Colaborativos De EducaçãoContinuada de Professores: Educação Infantil e Educação Física. Tese de Doutorado apresentadano Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar,2001.

MUKHINA, Valeria. Psicologia da Idade Pré-escolar. Martins Fontes, São Paulo, 1996.

VIGOTSKI, L. S. A Construção do Pensamento e da Linguagem. Martins Fontes, São Paulo,2001.

Notas1 O Professor Paulo Bezerra que traduziu o livro “A Construção do Pensamento e da Linguagem” de Vigotski, justifica o termo zona deDesenvolvimento Imediato como: “a própria noção implícita no conceito vigotskiano de que, no desempenho do aluno que resolveproblemas sem a mediação do professor, pode-se aferir incontinenti o nível de seu desenvolvimento mental imediato, fator de mensuraçãoda dinâmica do seu desenvolvimento intelectual e do aproveitamento da aprendizagem”.(Prólogo do tradutor, p. XI).Por outro lado o Prof. Newton Duarte (2001), no prefácio de seu livro “Vigostki e o Aprender a Aprender” argumenta que o tradutor seequivocou quando se refere ao conceito de Vigotski e faz as seguintes considerações:“(...) o Professor Paulo Bezerra interpreta que o conceito de zona de desenvolvimento próximo (ou imediato) focalizaria processos que acriança realiza sozinha, sem ajuda do professor, isto é, o tradutor confunde a zona de desenvolvimento próximo (ou imediato) com o nívelde desenvolvimento atual. (...) Mesmo assim não posso deixar de enfatizar que, ao contrário do que entende o professor Paulo Bezerra,a zona de desenvolvimento próximo é constituída por aquilo que a criança, num determinado momento, não faz sozinha, mas o faz coma ajuda de outros, inclusive e principalmente do professor. É por isso que para Vigotski o único bom ensino é o que atua no âmbito da zonade desenvolvimento próximo. Aquilo que hoje a criança faz sozinha, mas no passado só fazia com ajuda, já foi interiorizado e foi incorporadoao nível de desenvolvimento atual”.

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INTRODUÇÃO

Fazer uso de um material em sala de aula, de forma a tornar o processo de ensinoaprendizagem mais concreto, menos verbalístico, mais eficaz e eficiente, é uma preocupação quetem acompanhado a educação brasileira ao longo de sua história. Valdemarim (1998), em seutrabalho sobre o método intuitivo, reforça a importância que os materiais didáticos assumem naefetivação deste método, no ensino de meados do século XIX, sendo concebidos como instrumentospossibilitadores de inovações das práticas educativas, ao criarem situações de aprendizagem emque o aluno participa ativamente, de maneira racional e concreta, interagindo com os objetos econstruindo o conhecimento a partir desta interação.A utilização dos chamados materiais didáticostambém foi fortemente incentivada na renovação da escola primária paulista, no século XIX,conforme assinala Souza (1998), quando esses materiais começam a fazer parte das grandesquestões tematizadas acerca da organização pedagógica no ensino, associadas às novas teoriasde aprendizagem que repercutiam na época.

Assim, historicamente, o uso de materiais diversificados nas salas de aula, alicerçadopor um discurso de reforma educacional, passou a ser sinônimo de renovação pedagógica, progressoe mudança, criando uma expectativa quanto à prática docente, já que os professores ganharam opapel de efetivadores da utilização desses materiais, de maneira a conseguir bons resultados naaprendizagem de seus alunos. Nesta perspectiva, o bom professor passa a ser considerado comoaquele que é capaz de diversificar as suas aulas com o uso de materiais que possam torná-lasmais estimulantes e interessantes aos alunos, e muitas vezes acredita-se que as possibilidades derenovação pedagógica podem aumentar com a utilização de materiais didáticos mais modernos esofisticados.

No entanto, embora haja uma concepção pedagógica predominantemente positivaem relação à utilização de materiais e recursos didáticos no ensino, bem como uma mobilizaçãoe motivação feita pelas políticas educacionais, sua efetiva utilização hoje, nas escolas da redepública de ensino fundamental do Estado de São Paulo, depende de muitos fatores que cercam aspráticas escolares, principalmente a prática docente. Conhecer esses fatores de efetivação do usodos materiais didáticos se faz também importante na constituição do conjunto de saberes que seforma em torno deles. Os professores, como efetivadores desta utilização, podem contribuir, pormeio de seus discursos, no conhecimento dessas dificuldades.

Muitas vezes, esta efetivação não ocorre da maneira como as políticas educacionaisesperam, tanto no que diz respeito à utilização desses materiais quanto a sua real eficiência no

O DISCURSO DOCENTE SOBREOS MATERIAIS DIDÁTICOS

FISCARELLI, Rosilene Batista de Oliveira(UNESP - Universidade Estadual Paulista - FCLAR)

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processo de ensino-aprendizagem.É a partir dessas considerações que nos propomos, durante o mestrado, a conhecer

qual o discurso dos professores sobre a utilização de materiais didáticos. Algumas questões iniciaisnos impulsionaram para a análise do discurso docente: o que os professores têm a falar sobre osmateriais didáticos? Qual o lugar do material didático na realização de sua prática docente emsala de aula? Como os professores conceituam o material didático? Quais objetos identificamcomo importantes para a sua prática docente? Quais as dificuldades e facilidades implicadas nautilização de materiais didáticos, na opinião do professor? Quais os significados e valores que osprofessores constroem em torno do material didático?

Optamos por utilizar durante a pesquisa o termo material didático, por este parecerser o mais usado no dia-a-dia da escola, sugerindo também uma abordagem ampla de utilizaçãode vários tipos de objetos. Entende-se aqui por material didático todo ou qualquer material que oprofessor possa utilizar em sala de aula; desde os mais simples como o giz, a lousa, o livrodidático, os textos impressos, até os materiais mais sofisticados e modernos.

UM DISCURSO CONSTRUÍDO

O termo discurso, aqui utilizado, parte de uma conceituação apoiada nas idéias deMichel Foucault sobre análise discursiva. O discurso, a partir deste referencial teórico, ultrapassaa mera utilização de letras, palavras e frases que expressam “algo” na linguagem humana. Nãoignorando, no entanto, que os discursos são feitos de signos, mas olhando-os como construçõeshistóricas (FOUCAULT, 2000).

Consideramos que o conjunto de saberes, valores e significados construídos emtorno de um objeto é que o faz tornar-se útil ao processo de ensino-aprendizagem, transformando-o em um material didático, e que esses saberes criam “regimes de verdade” dominantes, capazesde orientar nossa visão e pensamento sobre “como” ensinar. Assim, em torno dos materiais didáticostem se construído, ao longo da história da educação brasileira, um discurso que legitima suautilização em sala de aula, salientando as suas potencialidades rumo a um ensino moderno,renovador, eficiente e eficaz.

O termo “regimes de verdade” é utilizado por Foucault para conceituar as normas,regras, padrões que interferem e formam as práticas sociais. Para Foucault (2001), cada sociedade,em uma determinada época, cria seus regimes de verdade; isto é, os tipos de discursos que sãotomados como verdadeiros e que são valorizados por esta sociedade. Desta forma, as práticasescolares atuais, relacionadas à utilização dos materiais didáticos, estão imersas nas “verdades”que foram construídas e que estruturaram e ainda estruturam os saberes sobre esses materiais, enos significados que os mesmos adquiriram ao longo da história da educação. Os materiais didáticos,antes simples objetos, passam a adquirir significados importantes na concretização e efetivaçãode novas propostas educacionais, direcionando e definindo nossas visões sobre o que é ser um“bom professor”, o que “é dar uma boa aula”, o que é ser uma boa escola e o que é melhor serutilizado em sala de aula.

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São vários os enunciadores do discurso sobre o material didático. Entre eles,podemos citar, o discurso da política educacional, o discurso pedagógico e o discurso dosprofessores. Cada um desses enunciadores participa e contribua para a construção de um sabersobre os materiais no ensino, para a construção de um discurso que paira e rodeia esses objetos.Porém, é importante considerarmos que há especificidades nas práticas discursivas dessesenunciadores, relacionadas ao lugar que ocupam no campo educacional e ao contexto nos quaisestão inseridos.

Assim, neste trabalho discutiremos os resultados obtidos a partir da análise daspráticas discursivas dos professores, considerando que o saber que o professor traz, em si mesmoé formado por outros saberes, mas também são as marcas de seu trabalho e das condições,situações e recursos ligados a este trabalho (TARDIF, 2002).

OS PROFESSORES

No intuito de conhecermos os significados e valores que os professores constroemem torno dos materiais didáticos, bem como encontrarmos possibilidades de respostas para nossasquestões iniciais, realizamos entrevistas semi-estruturadas com 9 professores que lecionam numamesma escola pública de ensino fundamental - ciclo II, em Araraquara- SP, as disciplinas deportuguês, matemática, geografia, história, ciências, artes e inglês.

Os professores entrevistados lecionavam numa escola localizada em um bairroresidencial, próximo a um dos distritos industriais de Araraquara. No período de coleta de dados, aescola recebia alunos de outros bairros próximos, atendendo uma clientela de aproximadamente1.400 alunos. Possuia um corpo docente formado por 45 professores, entre efetivos, substitutos econtratados temporariamente.

No início do ano letivo de 2003, a escola implantou as salas-ambiente; e no momentoem que as entrevistas foram realizadas (1º semestre de 2003), os professores estavam organizandoas suas salas, preocupados com a seleção e utilização dos materiais didáticos disponíveis naescola. Acreditamos que este momento foi propício e enriquecedor para a realização das entrevistas,pois os professores estavam vivenciando a questão da utilização dos materiais didáticos na suaprática docente.

A entrevista foi escolhida como instrumento de coleta de dados por possibilitar oconhecimento das práticas discursivas de seus participantes formadas por “sistemas de valores,de condições, normas e símbolos e ao mesmo tempo ter a magia de transmitir as representaçõesde grupos determinados em condições históricas, sócio-econômicas e culturais específicas”(MINAYO, 2000, p.110). Para a realização das entrevistas foi elaborado um roteiro que pudesselevar os professores a dizerem o que sabem e o que pensam sobre os materiais didáticos. Esteroteiro foi testado, analisado e posteriormente demos continuidade às entrevistas. Nossapreocupação, no momento de elaboração do roteiro, consistia em não estabelecer e nem trazersignificados cristalizados sobre os materiais didáticos aos professores, mas sim levá-los a falareme mostrarem quais os saberes e significados que constroem em torno desses materiais, a partir de

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perguntas relacionadas às situações e relações que os mesmos estabelecem no interior e exteriordo ambiente escolar. Portanto, trabalhamos os temas de forma mais ampla e genérica, no intuitode identificar nas “entrelinhas” do discurso docente os significados estabelecidos aos materiaisdidáticos, evitando ao máximo a indução de concepções.

Apresentamos, neste momento, a análise dos dados coletados a partir das entrevistasrealizadas com os 9 professores participantes. Com o objetivo de orientar nosso “olhar” para asrespostas dadas pelos professores, buscamos encontrar nelas significados que foram recorrentesno discurso pedagógico, também analisado no decorrer da pesquisa a partir dos dados coletadosem manuais de Didática, e no discurso da política educacional paulista.1 Desta forma, primeiramenteprocuramos definir a conceituação que os professores dão aos materiais didáticos, bem comoidentificar o que reconhecem como material didático e as vantagens que vêem na sua utilizaçãoem sala de aula. Posteriormente, buscamos verificar se no discurso dos professores reapareciamsignificados cristalizados sobre os materiais didáticos, tais como: concretizadores do conhecimento,motivadores, facilitadores da aprendizagem, eficientes e eficazes, organizadores e estruturadoresdo conteúdo a ser ensinado.

Ampliando a análise para a questão da prática docente, destacamos a importânciaque os materiais didáticos assumem nesta prática e o papel que desempenham na conquista daautonomia docente. Ainda referindo-nos a prática docente, procuramos nas práticas discursivasdocentes as dificuldades apresentadas na utilização de um material, no que diz respeito ao processode apropriação dos mesmos pelos professores e pelos alunos.

A existência de uma relação entre material didático e conteúdo a ser ensinadotambém foi analisada no discurso dos professores entrevistados, de maneira que conhecêssemoscomo esta relação é estabelecida na prática docente. Desta forma, não nos prendemos a categoriaspré-estabelecidas, mas fomos construindo nossos focos de análise no decorrer do desenvolvimentoda mesma, seguindo as pistas que os professores iam deixando em suas práticas discursivas erelacionando-as com a forma como os manuais de Didática e a publicação “A escola de caranova:sala-ambiente” concebiam os materiais didáticos em seus discursos. Na busca de novas“verdades” sobre o material didático, relacionamos o discurso já legitimado sobre ele e o discursoconstruído pelos professores, num contexto voltado ao cotidiano das salas de aulas.

O QUE DIZEM OS PROFESSORES

Os materiais didáticos são considerados pelos professores como instrumentosimportantes à prática docente, vendo-o como material auxiliar desta prática. Em vários trechosdas entrevistas verificamos isto, principalmente quando os professores conceituam o materialdidático.

É o material que vai me ajudar na sala de aula, auxiliar na tarefa de transmitir parao aluno o que eu quero (PROFESSOR A).

Os professores entrevistados reconhecem como materiais didáticos vários objetos,

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desde os mais tradicionais como o giz, a lousa e o livro didático, até os mais modernos como oscomputadores. O retroprojetor, o episcópio, o microscópio, a televisão, o vídeo, o jornal, as revistas,os livros paradidáticos, os dicionários, os mapas, os atlas, os textos xerocados, a música, os jogos,a sucata, os papéis coloridos, a cola, a tesoura, os lápis e canetas, o caderno, as folhas de papel,os slides, as lâminas, os aparelhos multimídias, todos esses objetos têm suas potencialidadesreconhecidas pelos professores para o uso em sala de aula, independente de serem disponibilizadosna escola em que lecionam. A música, os exercícios escritos também foram reconhecidos pelosprofessores como materiais didáticos, mostrando que os mesmos possuem uma concepçãoampliada sobre o que podemos chamar de material didático. Os materiais didáticos dinamizam aaula, facilitam a aprendizagem, atraem a atenção, mantêm os alunos ocupados, motiva-os,despertando o interesse pela aula, conforme as seguintes palavras de alguns professores, essassão algumas das vantagens que uso do material didático oferece.

Os professores vêem no uso do material didático oportunidades de proporcionaruma participação mais ativa dos alunos durante as aulas. Somente a fala dos professores, muitasvezes, não desperta a atenção do aluno, cansando tanto aluno quanto professor. Os materiaisdidáticos quebram o excesso de verbalismo e concretizam o assunto abordado pelo professor,facilitando a aprendizagem do aluno, diminuindo os esforços do professor. Enfim, tornam a aulamais interessante e prazerosa para ambos.

[...] porque, prá começar, só a nossa figura humana, quanto educador, não atrai. Omaterial didático ele enriquece e o aluno gosta de manusear, de ver. Então a visão das coisas, omanuseio enriquece a aprendizagem” (PROFESSOR D).

Porém, apesar de todas as vantagens e a importância que os professores destacamna utilização dos materiais didáticos, eles não ocupam um lugar central no bom desempenho daprática docente, segundo as falas da maioria dos professores entrevistados. Frente a um professorcompetente, o material didático é irrelevante, quase supérfluo, pois nada substitui a presença doprofessor. O bom professor pode motivar e incentivar seus alunos, despertando-os para oconhecimento e obtendo resultados positivos de aprendizagem somente com a sua vontade ecompetência profissional, além de seu carisma e a maneira como interage com seus alunos.

Mas ainda o melhor material didático é o professor conversar com o aluno sobre oconteúdo. O professor ainda tem um papel importantíssimo. Não existe assim nada que substituio professor, nada. Eu não vejo o material melhor do que o professor (PROFESSOR E).

O caráter de objetividade e materialidade dos materiais didáticos não é dispersadonas práticas discursivas docentes, pois os professores reconhecem esses materiais como simplesobjetos, incapazes de por si só mudarem as práticas, inovando-as dentro da sala de aula. Somentea presença dos materiais didáticos na sala de aula não é capaz de transformar positivamente oprocesso de ensino-aprendizagem. Para os professores, o professor deve saber utilizá-lo, saberincorporá-lo em sua prática cotidiana, de acordo com as condições estruturais de sua escola e asnecessidades de seus alunos.

Conforme esses trechos, para os professores, a prática docente é auxiliada pelos

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materiais didáticos, mas não depende estritamente deles para realizar-se de maneira satisfatória.Há uma essência que a estrutura, norteando todas as ações docentes na sala de aula em relaçãoao uso de materiais didáticos: a experiência. É a partir da experimentação, do acerto e erro que osprofessores utilizam-se de um material didático em sala de aula, concebendo esta experimentaçãocomo uma oportunidade de crescimento, amadurecimento profissional e conquista de suaautonomia. A seleção e elaboração do próprio material didático a ser usado em aula é um momentoimportante para o exercício desta autonomia. Os materiais didáticos selecionados e escolhidospelos professores são aqueles que, primeiramente, dão segurança a eles quanto à maneira deusá-los e à receptibilidade dos alunos.

Os professores “confiam” nos materiais que acostumaram a utilizar durante suaexperiência profissional. No entanto, também estão sempre atentos à adequação deste materialao grau de maturidade de seus alunos, ao grau de interesse e atenção que podem despertar nelese às possibilidades de relações que podem estabelecer entre o assunto da aula e o materialdidático utilizado.

Nas práticas discursivas dos professores, percebemos que o domínio da atençãodos alunos, a aquisição de práticas de leitura e escrita e a fixação da matéria são aspectos positivosque o uso do giz e da lousa podem trazer ao ensino.

Principalmente na minha área, de matemática, eu tenho que estar indo para alousa. Tenho que estar fazendo exercício, mas tem a sala de informática. Mas eu não estou aptapara estar indo lá, elaborando exercícios com os alunos. Eu tenho um pouco de dificuldade comesta nova tecnologia. Eu uso muito a lousa (PROFESSOR C).

Em relação ao uso do livro didático, os professores têm opiniões diferenciadas.Alguns consideram importante o uso deste material e queixam-se de não o terem disponível parao ensino da sua disciplina, como inglês e artes. Outros professores acreditam que o uso do livrodidático torna a aula cansativa, monótona. É preciso inovar com materiais diferentes, que estimulemo aluno e também o professor, pois alguns professores sentem-se presos quando usam o livrodidático, preferindo utilizarem textos pré-selecionados e organizados por eles mesmos. Sentem-se mais seguros, mais satisfeitos com o seu trabalho em sala de aula.

Para outros professores, o livro didático é essencial para a organização do conteúdo,direcionando o aluno para o estudo de determinada disciplina. Também o seu uso diminui a utilizaçãoda lousa, poupando o aluno da cópia do assunto colocado nela. Neste sentido, o livro didático éconcebido como um material básico, necessário para nortear o professor e o aluno.

Em relação à disponibilidade de materiais didáticos na escola, a sala-ambiente évista pelos professores como um lugar eficiente, dinamizador de sua prática e principalmentemotivador da aprendizagem do aluno. A eficiência da sala-ambiente, para os professores, consistena disponibilização de todos os materiais didáticos necessários ao ensino de uma determinadadisciplina, estando sempre a mão, fazendo com que o professor gaste menos tempo para procurá-los pelas dependências da escola e organizá-los para o ensino em sala de aula.

Na sala-ambiente, a exposição dos trabalhos realizados pelos próprios alunos, emcasa ou no momento da aula, é considerada pelos professores um fator importante para a

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aprendizagem, já que os alunos sentem-se estimulados ao ver seus trabalhos expostos nas paredesda sala de aula. No entanto, ambientalizar não é somente expor objetos e trabalhos dos alunos,mas sim transformar a sala de aula num espaço propício para o ensino, num cenário onde a aulairá acontecer de maneira mais fácil e prazerosa. Os objetos, transformados em materiais didáticos,é que comporão este cenário.

Observamos que a não utilização de determinados materiais didáticos na sala deaula não está ligada aos significados que os mesmos adquirem na prática docente, pois esses sãopositivos e reiteram a importância desses objetos para o ensino. Além do sentimento de despreparo,os professores apontam outros aspectos dificultadores desta utilização, relacionados a fatoresinternos e externos ao ambiente escolar, os quais influenciam no efetivo uso de alguns materiaisdidáticos. Dentre estes aspectos, os mais relevantes são: a quantidade insuficiente de materiaisdidáticos ao grande número de alunos por turma; a falta de pré-requisitos dos alunos, o poucointeresse dos alunos; o excesso de “burocracia” na escola para a disponibilização dos materiaisdidáticos no momento em que são solicitados pelos professores ou alunos; a falta de tempo paraa reflexão sobre a prática docente, bem como sobre os critérios e objetivos relacionados ao uso dedeterminado material didático.

Observamos também a dificuldade que os professores apresentam na utilização demateriais didáticos provenientes das novas tecnologias, como o computador, a Internet e o uso desoftwares. A não apropriação dos mecanismos de utilização desses materiais e da forma de aplicaçãoao ensino da disciplina que o professor leciona, impedem a utilização dos mesmos na sala de aula.Os objetos que fazem parte do dia-a-dia do professor, usados também em atividades sociaisexternas à vida escolar; ou seja, os objetos sociais que já foram apropriados pelos professores,como a TV, o vídeo e o rádio, são utilizados com mais freqüência e com mais facilidade na sala deaula.

A disciplina que o professor leciona e o conteúdo a ser ensinado na sala de aulaexercem uma grande influência na escolha e utilização dos materiais didáticos. Alguns professoresencontram facilidades na utilização de materiais didáticos em sua disciplina, outros revelam quemuitas vezes não conseguem encontrar uma aplicabilidade. Notamos que a sala-ambiente onde éensinada a disciplina de ciências está equipada com vários tipos de materiais didáticos, conformeo discurso do professor. Para o professor de ciências, a sala-ambiente tem propriciado bonsresultados de aprendizagem e facilitado muito sua prática docente. Já os outros professores,apesar de destacarem a importância dos materiais didáticos no ensino e se mostrarem bemreceptivos à utilização dos mesmos, apontam, em seus discursos, dificuldades nesta utilização eprincipalmente na organização da sala-ambiente como um espaço produtivo para o processo deensino-aprendizagem.

Retornando a questão sobre autonomia docente e sua relação com os materiaisdidáticos, é válido também considerarmos que em algumas entrevistas os professores vêem omaterial didático como um elemento comprometedor da sua autonomia docente, não no que dizrespeito ao material didático em si, mas sim quanto a forma como são levados a utilizarem omaterial didático em sala de aula. Se a política educacional está investindo na aquisição desses

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materiais, se os materiais didáticos são tomados como objetos importantes para a realização deum ensino de qualidade, a partir de um discurso também presente no ideário pedagógico, entãoos professores, como efetivadores das propostas educacionais, devem introduzir esses materiaisem suas aulas. Os professores, muitas vezes, sentem-se pressionados por este discurso dominantea utilizar-se de um determinado material didático, pois sua postura frente a esta utilização poderáinfluenciar a maneira como seus superiores avaliam sua competência profissional ou mesmo osseus colegas de trabalho. Nestas falas, podemos exemplificar as opiniões docentes sobre isso.

Eu acho que ela dá e ao mesmo tempo ela tira. Porque se ela está dando, oferecendoe mandando os recursos é para que você use os recursos. Então, eu acho que tira um pouco a suaautonomia, a sua forma de trabalhar com os alunos. Se tem material na escola você tem que usar.Então, eu acho que ao mesmo tempo que dá ele tira esta autonomia. Você é cobrado a trabalharcom aquilo que eles estão oferecendo (PROFESSOR H).

No entanto, os professores entrevistados parecem não se preocupar com esses“olhares” e colocam o material didático num lugar subalterno a sua competência profissional,procurando maneiras de preservar e exercer esta autonomia, de forma a realizar um bom trabalhocom seus alunos em sala de aula; como as seguintes palavras de alguns professores podemmostrar. Ser um bom professor não tem nenhuma dependência com a utilização ou não de ummaterial didático. Não é o uso do material didático que faz o professor ser competente em sala deaula. Para a maioria dos professores entrevistados, o professor é o próprio material, o próprioinstrumento capaz de ensinar de maneira satisfatória seus alunos através de sua competênciaprofissional que engloba o conhecimento que possui sobre a disciplina que leciona, a sua posturafrente ao ensino e o seu relacionamento com os alunos.

Ao perguntarmos aos professores sobre os cursos de capacitação organizados pelaSEE, e realizados pela Diretoria de Ensino, observamos em suas práticas discursivas que a formaçãocontinuada proposta pela política educacional não é vista de maneira positiva para o desenvolvimentoda prática docente com o uso de materiais didáticos.

Muitos professores, seis dos entrevistados, disseram não gostar das capacitaçõespor essas não abordarem questões e dificuldades surgidas no cotidiano da sala de aula, estandoafastadas da realidade vivida pelos professores e pelos alunos. Quanto ao uso do material didático,os professores revelaram que pouco tem se falado sobre a efetiva utilização desses materiais noensino, quanto a forma de adaptá-los ao conteúdo ensinado em sala de aula, especificamente paracada disciplina. Já três dos professores entrevistados afirmaram que as capacitações têm auxiliadomuito a sua prática docente na utilização de materiais didáticos no ensino das disciplinas quelecionam.

Apesar de todos os professores opinarem ser de extrema importância a atualizaçãodo professor e a reflexão sobre a sua prática, procurando maneiras de aprimorá-la, seus discursosdistinguem-se quanto o papel que os materiais didáticos desempenham no caminho desta mudança.

Para alguns professores, os materiais didáticos introduzidos na escola exerceramgrande influência sobre sua maneira de ensinar e de preparar as suas aulas. Entre outros fatores,como a vontade de mudar e o questionamento sobre sua própria competência profissional, os

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materiais didáticos também foram apontados como elementos importantes nesta mudança.Do outro lado estão os professores que acreditam que a mudança ocorrida em sua

prática pedagógica não sofreu influência direta do investimento em materiais didáticos pela políticaeducacional, mas sim que esta mudança se deu pelo próprio questionamento do professor sobrea sua maneira de ver o ensino e sua prática pedagógica. Com a existência ou não do materialdidático na sala de aula, esses professores sentem que mudaram suas concepções quanto a suaprofissão e o seu papel no ensino.

Ao perguntarmos aos professores se a não utilização de materiais didáticos e aresistência ao uso de alguns deles podem comprometer o ensino, muitos responderam que estaresistência pode influenciar negativamente a aprendizagem dos alunos. Na opinião dessesprofessores, os motivos desta resistência, principalmente quanto ao uso do computador, residemna falta de domínio para a manipulação e uso didático deste material, na falta de interesse evontade de usar, na preferência por materiais didáticos que induzem a pouca movimentação econversa dos alunos em sala de aula, já que as classes são numerosas. Outros professores revelaramque é necessário que o professor resista se perceber que o uso não facilitará sua prática docente,pois a utilização ou não de um material didático é irrelevante para o desenvolvimento de umaprática docente de sucesso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante compreendermos que os professores são produtores de um discursosobre os materiais didáticos, mas que suas práticas discursivas, suas concepções e sua práticadocente refletem também outros discursos já ditos sobre esses materiais. Assim, os professoressão sujeitos e objetos de discursos, contribuindo para a construção de um “regime de verdade”,mas também gerando novas formas de se olhar para os materiais didáticos, no contexto do cotidianoescolar.

No decorrer da análise, observamos que o lugar e o papel que o material didáticoocupa na prática docente diferem daqueles que a política educacional e os manuais estabelecempara o mesmo. As práticas discursivas docentes também destacam a importância que os materiaisdidáticos assumem na construção do conhecimento, facilitando a aprendizagem. Reiteram queesses objetos são capazes de deixar a aula mais estimulante, mais envolvente, aproximando oaluno do conhecimento; por esta razão os professores selecionam com cuidado os materiais didáticosque serão utilizados durante a aula. Contudo, a maioria dos professores entrevistados coloca, apriori, a figura do professor como o principal elemento capaz de ensinar os alunos, estando osmateriais didáticos a serviço de sua prática pedagógica. A utilização ou não dos materiais didáticosnão interferirá no alcance dos objetivos de aprendizagem, a competência docente é que seráresponsável por isto.

Os sentidos de eficiência e eficácia, no discurso docente deslocam-se do foco ma-terial didático e recaem sobre o professor. O professor preocupa-se com a sua eficiência e eficáciaem relação aos resultados de aprendizagem de seus alunos; eficiência e eficácia baseadas em

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seu esforço e competência profissional que nascem bem mais de sua experiência como professor,nas ações docentes de tentativa e erro em sala de aula e nas trocas de experiência com seuscolegas de trabalho, do que do uso que fazem de materiais didáticos.

Concluímos que é extremamente perigoso afirmarmos que os professores sãoresistentes aos materiais didáticos, principalmente aos mais modernos. Nossa pesquisa possibilitoucompreender que discursivamente os professores não são resistentes aos materiais didáticos,pois suas práticas discursivas estão repletas de concepções e saberes historicamente construídossobre os materiais didáticos que reafirmam a importância de sua utilização na aprendizagem doaluno e na melhoria do ensino em geral.Talvez o que chamamos de resistência são apenas caminhosdiferentes que os professores encontram para sanar as dificuldades que surgem na introdução dequalquer tipo de material novo em suas aulas, diferente daqueles que já parecem ser inerentes aoato de ensinar: o giz, a lousa e o livro didático.

No contexto vivido pelos professores, usar um material didático significa tambémexigir mais da prática docente, ter cuidado com o exercício da autonomia docente, apropriar-se depráticas escolares novas. São nesses caminhos alternativos e nos significados que os materiaisdidáticos assumem para os professores, e são tomados por esses como verdadeiros no cotidianoescolar, que o discurso docente, muitas vezes, entra em conflito com o discurso da políticaeducacional; ao mesmo tempo que, também como esse, revela em suas práticas discursivasconcepções do discurso pedagógico.

Acreditamos que muitas das questões iniciais de pesquisas foram respondidas nodecorrer do estudo que realizamos. No entanto, sabemos que ainda há muito que se discutir eanalisar sobre os materiais didáticos no ensino e esperamos ter instigado essas discussões naslacunas que não conseguimos preencher no desenvolvimento desse trabalho. Contudo, os resultadosdas análises realizadas conduzem-nos a pensar um pouco mais sobre esses materiais no cotidianoescolar; na maneira como os professores concebem esses materiais e apropriam-se deles em suaprática docente; nas implicações que surgem ao introduzir-se materiais no ensino, no que concernea estrutura do sistema escolar e a prática docente; nas maneiras e possibilidades de preparar osprofessores para essas implicações, de forma os mesmos possam olhar tanto as potencialidadesdos objetos para o ensino quanto o exercício de sua autonomia docente na utilização dessesobjetos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2001.

MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec;Rio de Janeiro: Abrasco, 2000, p.99-104/107-134.

SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de civilização: a implantação da escola primária graduada noEstado de São Paulo (1890-1910). São Paulo: Editora Unesp, 1998.

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TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

VALDEMARIN, Vera Teresa. Método intuitivo: os sentidos como janelas e portas que se abrempara um mundo interpretado. In: SOUZA, Rosa.Fátima; VALDEMARIN, Vera.Tereza; ALMEIDA,Jane Soares. O legado educacional do século XIX. Araraquara: UNESP- Faculdade de ciências eLetras, 1998. p.63-106.

NOTAS

1 Além do discurso docente, também analisamos o discurso pedagógico presenteem 3 manuais de Didática: Introdução a Didática Geral de Imídeo Giuseppe Nérici, Sumário deDidática Geral de Luiz Alves de Mattos e Planejamento de Ensino e Avaliação de Clódia MariaGodoy Turra e autoras. Analisamos o discurso da política educacional paulista, presente napublicação A Escola de Cara Nova: sala ambiente, da SEE- SP, 1997.

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Tema central de debates políticos, de reuniões pedagógicas no interior das escolaspúblicas estaduais de São Paulo, da comunidade em geral, ou até mesmo dos meios decomunicação, entre os anos de 1998 e 2002, o regime de progressão continuada tem levado apúblico a discussão sobre o papel social da escola, a qualidade e concepções de ensino, o impactode sua introdução nos processos de ensino-aprendizagem e, em particular, da avaliação escolar,ao colocar em questão a possibilidade de ruptura com uma cultura escolar seletiva.

Romper com essa cultura escolar seletiva representa, não somente, a introduçãode novos questionamentos acerca da viabilidade de uma organização escolar em ciclos, comotambém possibilita uma oportunidade para democratizar o ensino, garantindo o acesso e apermanência na escola por oito anos, daqueles que nela adentraram.

No Estado de São Paulo, segundo dados do Censo Escolar 2003 (INEP), hápredomínio de matrículas do Ensino Fundamental na rede estadual organizado em ciclos deprogressão continuada, sendo contabilizado 2.749.981 alunos, o que representou 88,5% dasmatrículas.

O predomínio do percentual de matrículas do Ensino Fundamental organizadasem ciclos de progressão continuada no Estado de São Paulo é conseqüência da implantação doregime de progressão continuada, instituído pela Deliberação do Conselho Estadual de Educaçãode São Paulo (CEE-SP) número 9/97, que normatiza os ciclos na rede pública estadual de ensino.

A partir do ano letivo de 1998, as escolas estaduais do Ensino Fundamentalencontram-se organizadas em dois ciclos: I (séries iniciais) e II (5ª a 8ª séries), representando, deacordo com Neubauer (1999), a execução de mais uma medida prevista na proposta da políticaeducacional estabelecida em 1995, com o objetivo de garantir a correção do fluxo escolar.

O regime de progressão continuada, valorizado pela Secretaria de Estado daEducação de São Paulo (SEE-SP) como uma iniciativa fundamental à correção do fluxo escolare economia dos recursos, é destacada pelo órgão como uma ação necessária à melhoria daqualidade de ensino e eqüidade educacional, ao possibilitar a correção de algumasdisfuncionalidades educacionais existentes na rede, como a reprovação, que em 1994, apresentavaum percentual1 de 14,1%.

Entre as medidas de suporte ao regime de progressão continuada destacam-se osprojetos de recuperação paralela e intensiva, além das classes de aceleração, que inicialmentetiveram o propósito de oferecer oportunidades educacionais aos alunos com problemas deaprendizagem, baixo desempenho escolar ou com trajetórias escolares caracterizadas porsucessivas reprovações. Estes projetos, no entanto, são regulamentados, entre os anos de 1996

O REGIME DE PROGRESSÃO CONTINUADA NOESPAÇO ESCOLAR: O OLHAR DOS PROFESSORES

JEFFREY, Debora Cristina(UNESP -São José do Rio Preto e UNIRP - Centro Universitário de Rio Preto)

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a 2002, por Resoluções, que sofreram várias alterações, com relação a sua normatização eoperacionalização nas escolas da rede.

A avaliação, no entanto, transformou-se no principal elemento de discussões econtrovérsias no interior de muitas escolas da rede estadual, na opinião de pais, aluno, além deacadêmicos, pois, para alguns, ao retirar o seu poder de servir à aprovação ou reprovação doaluno, o regime de progressão continuada comprometeu, ainda mais, qualquer possibilidade demelhoria da qualidade de ensino; enquanto, para outros, representou um processo essencial paraa inclusão, democratização e criação de oportunidades educacionais.

Diante de um contexto educacional impulsionado por reformas nos modelos degestão educacional, com o intuito de corrigir as disfuncionalidades existentes na rede públicaestadual paulista, o regime de progressão continuada é implantado no espaço escolar com opropósito de favorecer o processo de democratização, ao propiciar o cumprimento do direito àeducação, particularmente, do Ensino Fundamental, fortalecendo a luta contra uma escola públicaexcludente e discriminatória; e propiciar a economia de recursos, a partir da melhora dos indicadoresde qualidade, redução dos custos educacionais e desperdícios causados pela repetência, evasãoe distorção idade-série.

1. O regime de progressão continuada na rede pública estadual paulista: propósitoe implicações.

O regime de progressão continuada é adotado na rede pública estadual de ensino,a partir do ano letivo de 1998, em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), número9394/96, que no artigo 32, parágrafos 1º e 2º, possibilita aos sistemas o desdobramento do EnsinoFundamental em ciclos com progressão continuada.

Para o CEE-SP, este artigo da LDB viabiliza a opção realizada pela SEE-SP pelosciclos e a progressão continuada, pois segundo a Indicação número 08/97, a medida favoreceriao estabelecimento de uma relação direta entre a avaliação do rendimento escolar com aprodutividade do sistema de ensino, considerando que:

Trata-se, na verdade, de uma estratégia que contribui para aviabilização da universalização da educação básica, da garantia deacesso e permanência das crianças em idade própria na escola, daregularização do fluxo dos alunos no que se refere à relação idade-série e da melhoria da qualidade de ensino (Indicação CEE-SP 08/97- Relatório - p.7).

Apresentada na rede estadual de ensino como uma medida estratégica para viabilizara universalização do Ensino Fundamental, garantindo o acesso e a permanência dos alunos naescola, o regime de progressão continuada centra-se na avaliação progressiva do processo deaprendizagem, permitindo a recuperação contínua, quando os resultados alcançados durante oano letivo não forem satisfatórios, porque ao contrário da promoção automática, de acordo com aSEE-SP (2000):

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No primeiro caso, a criança avança em seu percurso escolar emrazão de ter se apropriado, pela ação da escola, de novas formas depensar, sentir e agir; no segundo, ela meramente permanece naunidade escolar, independentemente de progressos terem sidoalcançados (SEE-SP, 2000, p. 8).

A Indicação número 08/97, também já apontava as possibilidades de benefíciodeste processo de mudança, que se por um lado, evidenciaria novos desafios, por outro, contribuiriana resolução de antigos problemas existentes na rede pública estadual paulista, ao destacar que:

Uma mudança dessa natureza deve trazer, sem dúvida alguma,benefícios tanto do ponto de vista pedagógico como econômico.Por um lado, o sistema escolar deixará de contribuir para orebaixamento da auto-estima de elevado contingente de alunosreprovados. Reprovações muitas vezes reincidentes na mesmacriança ou jovem, com graves conseqüências para a formação dapessoa, do trabalhador e do cidadão. Por outro lado, a eliminaçãoda retenção escolar e decorrente redução da evasão deve representaruma sensível otimização dos recursos para um maior e melhoratendimento de toda a população. A repetência constitui umpernicioso “ralo” por onde são desperdiçados preciosos recursosfinanceiros da educação. O custo correspondente a um ano deescolaridade de um aluno reprovado é simplesmente um dinheiroperdido. Desperdício financeiro que, sem dúvida, afeta osinvestimentos em educação, seja na base física (prédios, salas deaula e equipamentos), seja, principalmente, nos salários dostrabalhadores do ensino. Sem falar do custo material e psicológicopor parte do próprio aluno e de sua família (Indicação do CEE-SP,número 8/97).

Este Registro, apresentado pelo Conselho Estadual de Educação de São Paulo,destaca as principais justificativas apresentadas para a adoção do regime de progressão continuadana rede estadual paulista: a economia de recursos e a melhoria da auto-estima do aluno. Porém,embora a justificativa psicológica, a respeito da auto-estima do aluno, ofereça elementos relevantescapazes de contribuir na ampliação das oportunidades educacionais com eqüidade; o fatoreconômico torna-se um dos elementos centrais que orientam a implementação da proposta narede de ensino.

Rose Neubauer, Secretária de Educação do Estado de São Paulo, entre os anosde 1995 e 2002, divulgou, amplamente, a importância do regime de progressão continuada comoum fator relevante à auto-estima do aluno e para a economia de recursos, ao considerar que estamedida, além de possibilitar a resolução do problema da repetência e evasão nas escolas, auxiliariana produtividade dos recursos, garantindo uma melhoria na qualidade de ensino e maior eqüidadeno serviço prestado, ao compreender que:

a perda por repetência e evasão da ordem de 30%: inexplicável, doponto de vista pedagógico; inaceitável, do ponto de vista do inter-esse social; e improdutiva, do ponto de vista econômico (Neubauer,1999, p.182).

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Assim, o regime de progressão continuada, enquanto uma medida voltada para acorreção do fluxo escolar, tem cumprido com o propósito governamental de corrigir asdisfuncionalidades do sistema, permitindo a economia de recursos e a ampliação das oportunidadesda população escolar. No entanto, a medida acaba por apresentar outros propósitos com impactodireto no espaço escolar como: a exigência de alterações profundas nas concepções de ensino-aprendizagem, avaliação, além de mudanças organizacionais capazes de trazer benefícios tantodo ponto de vista pedagógico como econômico.

2.2 O olhar dos professores sobre os propósitos e implicações do regime deprogressão continuada no espaço escolar.

A Escola Estadual Esperança2, localizada na periferia do município de Campinas,SP, atende o ensino fundamental, ciclo II (5ª a 8ª séries), e o ensino médio, foi escolhida para aanálise devido a sua valorização na comunidade como uma unidade escolar modelo na região epelos projetos educacionais desenvolvidos como Amigos da Escola.

A unidade escolar possui 16 salas de aula, uma biblioteca, um laboratório de ciênciase informática, uma quadra de esportes coberta, e oferece atendimento em três períodos (matutino,vespertino e noturno). No ano letivo de 2004 estavam matriculados na escola 1757 alunos nosníveis Fundamental e Médio, contando com 50 docentes, no ensino fundamental, e 40 no ensinomédio, todos com formação em nível superior (licenciaturas); um vice-diretor, dois coordenadorespedagógicos (matutino/ vespertino; vespertino/ noturno), quatro inspetores de aluno, duas faxineiras.O serviço de fornecimento de merenda escolar é terceirizado.

Diante das peculiaridades da Escola Esperança, o estudo de caso visa focalizar oolhar de professores efetivos, ou seja, aqueles que possuem pelo menos seis anos de trabalho naEscola Esperança, e coordenador pedagógico acerca dos propósitos e implicações do regime deprogressão continuada no espaço escolar após seis anos de implantação da proposta na redepública estadual. Entre os docentes efetivos entrevistados, destaca-se o de Geografia (Professor1) e Português (Professor 2), que juntamente, com o coordenador pedagógico concentraramsuas falas nos propósitos e implicações do regime de progressão continuada no espaço escolar,contribuindo para uma análise da proposta a partir da subjetividade dos sujeitos que se encontramenvolvidos com o processo de ensino e aprendizagem.

Assim, antes de destacar o olhar dos professores entrevistados é precisocompreender que para a SEE-SP (1998), o regime de progressão continuada é uma medida quealtera “radicalmente” o percurso escolar dos alunos, fazendo com que a Escola encontre maneirasdiversificadas de ensinar assegurando a aprendizagem de sua clientela e seu progresso intra einter ciclos. Pedagogicamente, a proposta, segundo a SEE-SP (1998), deverá contribuir para aelevação da auto-estima do aluno, a partir do reconhecimento de que toda criança é capaz deaprender, desde que sejam oferecidas as condições necessárias para fazê-la, como: o respeitopelo ritmo de aprendizagem, estilo cognitivo, além de recursos essenciais para o desenvolvimentodo conhecimento.

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No entanto, para o Professor 1, a concepção pedagógica que envolve o regime deprogressão continuada nem sempre é possível ser constituída no interior da sala de aula.

“Ao longo do ano o aproveitamento, falando de aproveitamento e derendimento, dá pra observar é que você não consegue fazer o quevocê espera. Então, o aluno também não consegue umaproveitamento maior,(...), até mesmo o aluno que, veja bem, ele éreprovado por insuficiência de nota, muitas das vezes, até porausência, né, em sala de aula. Então ele, o Estado viu através daprogressão uma forma do aluno burlar várias coisas como a questãodo aproveitamento, do conteúdo, da realização das atividades quesão desenvolvidas, não é? Parece que o regime de progressãocontinuada veio pra realmente fazer com que o aluno, ou que muitosalunos, deixassem realmente de ter um rendimento bom em funçãodas brechas que o projeto deixa” – Professor 1 (Geografia), 39 anos.

As “brechas” deixadas pelo regime de progressão e que têm facilitado a vida doaluno, apontadas pelo Professor 1, evidenciam o seu olhar sobre o sentido pedagógico da medida.Frehse (2001), em seu estudo etnográfico compreende que este sentido pedagógico interpretadono interior da Escola centra-se não no aprendizado do aluno, mas na realização da tarefa ou deuma ocupação no dia-a-dia escolar, pois:

Ocupar-se significa fazer aquilo que foi ordenado. Entra em cena aquestão da autoridade e da disciplina. Esta não é pautada peloconhecimento que se transmite, (...), mas sim, pelo fato de o alunoobedecer e fazer o que lhe foi solicitado (Frehse, 2001, p.140).

O ritmo do aluno, nesta concepção, acaba sendo desvalorizado, porém, o regimede progressão continuada introduz esta problemática: o trabalho com a heterogeneidade do aluno,independentemente, do rendimento apresentado por este ao longo do ano letivo. Deste modo, afacilitação do percurso escolar retratado pelo Professor 1, pode ser compreendido como umaestratégia, que Freitas (2002, p. 306) denomina de “trilhas de progressão continuada diferenciadas”capazes de alterar o “metabolismo escolar”, ao reforçar práticas de “interiorização da exclusão”.

As trilhas de progressão continuada diferenciada constituída no interior da Escolapodem ser observadas pelos diferentes encaminhamentos dos alunos com dificuldades deaprendizagem, que dependem da avaliação do professor para a continuidade na sala de aularegular ou inclusão destes nos grupos de reforço, como descreve o Professor 2.

“A princípio a gente faz um levantamento junto com os professoresnas salas de aula. Quais são os alunos que apresentam maioresdificuldades, quais são as dificuldades que eles apresentam, e apartir daí junto com a coordenação a gente monta os grupos, cadaum com o seu trabalho específico, é assim, grupinhos, é assim quea gente vai formando né os grupos, a partir das dificuldades comunsentre eles, e sempre em trabalho conjunto com o professor em salade aula, o que eles precisam que a professora de reforço estejareforçando né!, O quê que a gente precisa tá trabalhando com eles,o quê que já é relevante trabalhar mais” - Professor 2 (Português),30 anos.

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Embora seja realizado um levantamento “junto com os professores” da sala deaula, apontado pelo Professor 2, a definição dos alunos com problemas de aprendizagem e suasdificuldades indica ser um processo complicado, pois diante da rotatividade docente, que muitasvezes acontece ao longo do ano letivo com a troca constante de professores; e da superlotaçãodas salas, especificar quem está apto a ser mantido na classe regular ou para o reforço, dependeriada utilização de diferentes critérios ou de um acompanhamento mais efetivo dos alunos.

Arcas (2003), ao analisar a fala dos alunos sobre a avaliação da aprendizagem noregime de progressão continuada, destaca que o problema da aprendizagem é transferido comouma responsabilidade do aluno e da família, pois no interior da Escola há a negação da prática deuma avaliação contínua que considere todo o processo de ensino-aprendizagem, sendo o focoprincipal da avaliação o próprio aluno.

Sendo assim, Arcas (2003), pôde observar através da fala dos alunos, que a avaliaçãodiagnóstica e contínua é traduzida no cotidiano escolar, após a introdução do regime de progressãocontinuada, pelo aumento dos instrumentos de avaliação e na atribuição de valores às açõesrealizadas pelos alunos em sala, influenciados, diretamente, pelo comportamento e disciplinadestes. O ritmo do aluno, portanto, deixa de ser considerado com a valorização do comportamento,da disciplina e realização das tarefas por este.

Pavan (1998), ao retratar a produção do sucesso escolar, a partir de um estudo decaso, compreende que embora muitos alunos possam apresentar problemas de aprendizagem,serão sempre considerados “bem-sucedidos” somente aqueles que souberam participar do “jogoescolar e familiar”, ou seja, foram bem comportados, tiveram bom relacionamento com professorese colegas, além de realizarem todas as atividades escolares. Portanto, a partir destes estudos(Arcas, 2003 e Pavan, 1998), é possível considerar que nem sempre os alunos com dificuldadesde aprendizagem são encaminhados ao reforço, pois o comportamento e o cumprimento dastarefas escolares, em muitos momentos podem ser decisivos na trilha de progressão destes.

Apesar da dificuldade existente para o critério de definição dos alunos e suasdificuldades, a Escola Esperança desenvolve o Projeto reforço com o objetivo, segundo oCoordenador Pedagógico, de “tentar” trabalhar com as dificuldades de aprendizagem dos alunos,ao reconhecer que este trabalho não tem sido fácil devido a alguns problemas como: a falta deinteresse dos alunos, a baixa assiduidade destes, desinteresse dos pais.

“Tem alunos nossos que ficam no reforço de português e matemática,tem ano que nós temos ciência também, então, aonde tá o maiornúmero de defasagem é aonde a gente criou grupos de reforço. Nóstivemos treze grupos de reforço no primeiro semestre (...). A gentetá querendo fazer um de alfabetização. Esses alunos que estãochegando, tem muita gente que não sabe escrever, eu não sei comochegou até agora, esse é o grande problema, porque tem o alunoque chega na oitava série sem te conversar” - CoordenadorPedagógico, 41 anos.

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O reforço, de acordo com a fala do Coordenador Pedagógico, representa o principalmecanismo criado na Escola Esperança para o acompanhamento dos alunos com dificuldades,fato que não tem acontecido nas classes regulares em virtude da superlotação e da necessidadede cumprimento da transmissão de todo conteúdo curricular planejado, durante o ano letivo,independentemente, do ritmo de cada um. O Professor 6, ressalta a importância do Projeto aoconsiderar que durante essas aulas, além da oportunidade de trabalhar com turmas pequenas, oatendimento aos alunos tem a possibilidade de ocorrer quase, individualmente, situação que éinversa nas classes regulares.

“A gente trabalha com turmas pequenas, de no máximo vinte alunos,assim, eu consigo dar uma atenção quase que individual, o que nãoacontece em sala de aula com turmas enormes, com aquele conteúdotodo de gramática a ser cumprido, então, no reforço eu consigo daruma atenção maior pra esse aluno” – Professor 2 (Português), 30anos.

O trabalho com turmas pequenas no reforço, de acordo com o Professor 2 facilitao trabalho com o aluno, mas as condições de funcionamento do Projeto na Escola Esperança nãotem permitido com que muitos o freqüentem, pois existem somente 4 professores para ministrarestas aulas, gerando uma grande fila de espera, sendo, portanto, a procura maior que a demanda.Essa situação tem feito com que a passagem pelo reforço dos alunos ocorra rapidamente, deacordo com o Professor 2.

“Eu tenho um aluno assim, avançaram ele muito, então não háporque manter um aluno desse no reforço segurando a vaga deoutro que tá precisando, e como a turma é pequena, não pode colocarmuita gente, senão, vira sala de aula e aí, muitos trazem todos osproblemas pra gente, e não é isso, temos que trazer soluções e nãoproblemas, então, tem alunos que nossa, deslancharam, (...), e temaluno que ainda não podiam tá indo embora, as suas melhoras sãoainda insignificantes em virtude de todos os probleminhas que eleapresenta, então esse vai continuar, ele continua de repente esseano, acaba a quinta série, ano que vem ele vai fazer de novo, quintasérie, vai continuar no reforço, porque sabe, cada um tem seu ritmo,eu não posso acelerar (...)” – Professor 2 (Português), 30 anos.

Apesar do trabalho com o reforço dependa do ritmo do aluno, como retratou oProfessor 2, este Projeto nem sempre é bem visto pelos docentes. Frehse (2001), ao longo doseu estudo, constatou que muitos professores olham com desconfiança para a o reforço, ao alegaremque este serve para “incutir responsabilidade nos alunos do que, propriamente, conhecimento”(p.74), sem surtir nenhum efeito sobre a aprendizagem daqueles que apresentam problemasescolares.

Porém, apesar das controversas existentes sobre o reforço, para o Professor 2,este Projeto deve ser entendido como um complemento do regime de progressão continuada,diante da impossibilidade de retenção do aluno durante o ciclo por dificuldades escolares.

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“Eu acho que ele tá complementando, porque a partir do momentoque você não pode reter o aluno, ele tem dificuldades, mas ele temque passar. Você tem que criar meios pra que ele nas dificuldadesdele consiga progredir, como? Fazendo reforço, numa sala menor,com menos alunos, com aluno que tem o mesmo problema que ele.(...) Então, eu acho que o reforço serve muito pra complementaressa história de progressão continuada, (...) porque você tá criandomecanismos pra que ele aprenda escrever” – Professor 2 (Português),30 anos.

O reconhecimento do Professor 2, de que o reforço é um “mecanismo” para auxiliaro aluno no desenvolvimento da escrita, indica que entre os principais problemas de aprendizagemse encontra o processo de alfabetização. Por isso, o Coordenador Pedagógico da Escola Esperançaempenha-se na formação de uma classe de alfabetização, apesar das dificuldades encontradas.

“A grande complicação é que os nossos professores PEB II elesnão sabem alfabetizar, e a gente precisa de um professor PEB I, eletem, sim, essa qualidade, mas eles não podem trabalhar aqui naescola. Então, pra gente é muito complicado, porque a gente temque tá, assim, correndo atrás para saber quem entre os PEB1 II faztudo isso, sabe alfabetizar, porque é muito difícil. Você conta, assim,com a doação do próprio professor” – Coordenador Pedagógico –41 anos.

A utilização do termo “você conta, assim, com a doação do próprio professor”, peloCoordenador Pedagógico, evidencia que o trabalho com o ritmo escolar de cada aluno dependedo comprometimento e responsabilidade docente, mesmo que este não tenha uma formaçãoapropriada para fazê-lo. Assim, se entre as principais dificuldades de aprendizagem encontram-se no processo de alfabetização, o reforço conta com uma estrutura precária: poucos professorese somente dois encontros semanais de quarenta minutos cada um.

Por isso, os mecanismos criados para sanar os problemas, acabam porcomprometer, de fato, aprendizagem da maioria, criando diferentes trilhas de progressão continuada.Para Freitas (2002), a criação de diferentes trilhas de progressão contribui para a internalizaçãoda exclusão, pois muitos alunos encaminhados ou não para o reforço escolar acabam permanecendona escola “mesmo sem aprender” (p.308).

Deste modo, o respeito ao ritmo do aluno, o trabalho com a heterogeneidade, tãoanunciado como grandes conquistas proporcionadas pelo regime de progressão continuada, deacordo com a fala dos Professores e do Coordenador, continua representando um grande desafioque ainda depende da boa vontade docente, já que os problemas se restringem ao aluno e suafamília, e não nos mecanismos de apoio existentes.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ARCAS, P. Avaliação da aprendizagem no regime de progressão continuada: o que dizem osalunos. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo,2003.

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PAVAN, D. O. A produção do sucesso escolar: família, escola e classes populares. Pró-Posições,v. 9, nº 1 (25), p. 45-71, mar. 1998.

SÃO PAULO. Deliberação CEE – 9/97 de 5/08/1997.

SÃO PAULO. Indicação CEE – 8/97 de 5/08/1997.

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO. Escola de Cara Nova: Planejamento98 (Progressão continuada). São Paulo: SEE, 1998.

______. A Construção da Proposta Pedagógica da Escola: A Escola de Cara Nova/ Planejamento2000. São Paulo: SEE, 2000.

NOTAS

1 Fonte: Documento Desempenho da Escolar da Rede Estadual de São Paulo. São Paulo: Centro de Informações Educacionais –Secretaria de Estado da Educação, 2003. Na rede estadual de ensino os professores são classificados em dois níveis Professor deEducação Básica I - PEBI (1ª a 4ª série do Ensino Fundamental) e Professor de Educação Básica II – PEBII (5ª a 8ª série do EnsinoFundamental e Médio). Com a reorganização das escolas estaduais em 1996, as unidades que oferecem somente as séries iniciaisnão podem contratar professores do nível II e vice-versa.2 O nome da Escola analisada e dos professores entrevistados foram preservados, a fim de evitar possíveis represálias.

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INTRODUÇÃO

Remonta aos anos 20 e 30 do século XX as primeiras discussões a respeito daformação do professor em nível superior. Dos anos 50 aos 70, devido ao enorme crescimento doacesso da população ao ensino primário e pressões para acessar os Ensino Médio e Superior,houve um segundo momento nacional de discussões sobre a formação de professores. Atualmente,estamos vivenciando um terceiro momento com debates a respeito da Reforma do EnsinoUniversitário, tanto em relação aos cursos de bacharelado como aos cursos de licenciatura.

O Conselho Nacional de Educação, por meio da Resolução CNE/CP n0 1 (18/02/2002), resolve que toda formação de professores deverá observar alguns princípios norteadores,tais como: a concepção nuclear será pela competência; existência de coerência entre a formaçãooferecida e a prática esperada do futuro professor; e o foco no processo de ensino e de aprendizagemserá a pesquisa.

Os conhecimentos exigidos para a formação dos professores deverão contemplar:a cultura geral e profissional; conhecimentos a respeito da criança, do adolescente, de jovens eadultos; conhecimentos sobre dimensão cultural, social, política e econômica da educação;conteúdos das áreas de conhecimento que serão objeto de ensino; conhecimentos pedagógicos;e conhecimentos advindos da experiência.

Considerando que os cursos de Licenciatura destinam-se a formar os professorespara atuarem no Ensino Fundamental e Médio, Gatti (1991) já no início da década de 1990chamava a atenção sobre o papel desses cursos e para o reforço a ser dado na articulaçãoadequada das disciplinas específicas e formativas com a realidade concreta das escolas, com asexperiências e com o conhecimento de que dispõe o professor a partir de sua prática.

Importante destacar que apesar de um contexto de exigências e expectativas, oaumento do número de cursos de Licencitura e do conseqüente e significativo crescimento donúmero de alunos foi vertiginoso. Dados do MEC/INEP indicam que o aumento do número doscursos de Graduação que oferecem Licenciatura passou de 2.512 em 2001 para 5.880 em 2002.Já a matrícula para os cursos de Licenciatura para a função docente cresceu 90% no período1991/2002 e chegou a um contingente de 1.059.385 alunos..

As exigências legais somadas às circunstâncias atuais do crescimento dos cursosde Licenciatura não têm alterado o contexto de valorização dos professores que nele atuam e,como apontou Cunha (2000), a lógica de estruturação desses cursos traz preocupações emrelação às repercussões para o trabalho que realizam.

O PROFESSOR FORMADOR E SEUTRABALHO NA FORMAÇÃO INICIAL

PASSOS, Laurizete Ferragut ; MANRIQUE, Ana Lúcia (PUC-SP)

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Há que se considerar ainda, as múltiplas possibilidades de formação expressasnas diferentes modalidades de cursos hoje propostos para formar o professor e que têm trazidouma variedade das próprias condições de formação. Nesse sentido, cada vez mais se impõe anecessidade de estudos mais aprofundados sobre o trabalho do professor formador junto aosfuturos professores.

Este trabalho pretende trazer contribuições para essa discussão, pois insere-senas atividades do grupo de pesquisa “Processos psico-sociais da formação de professores” daPUC-SP, sob responsabilidade da profa. Marli André, que tem por objetivo investigar questõesrelacionadas aos processos de constituição da identidade profissional dos professores e suasrepresentações sobre a profissão e sobre sua ação docente. Nesse sentido, nossa investigaçãoestá centrada no trabalho do professor formador que atua em cursos de Licenciatura.

O TRABALHO DO PROFESSOR FORMADOR

Quando se aborda o trabalho do professor que atua nos cursos de Licenciatura,inúmeras questões surgem e que ainda não foram respondidas. Esse professor é um formador deprofessores? Como e em que condições os professores das Licenciaturas têm exercido seu papelde formador? Por que centrar uma pesquisa nos professores que formam outros professores?Conhecer mais de perto quem é esse docente e quais as condições que dispõe para desenvolverseu trabalho, parece-nos essencial, pois como afirma Imbernón (2002, p.63):

Essa formação, que confere o conhecimento profissional básico, deve permitirtrabalhar em uma educação do futuro, o que torna necessário repensar tanto os conteúdos daformação como a metodologia com que estes são transmitidos, já que o modelo aplicado(planejamento, estratégias, recursos, hábitos e atitudes ...) pelos formadores dos professoresatua como uma espécie de “currículo oculto” da metodologia.

A formação inicial como um começo da socialização profissional é um períodomuito importante porque é quando o futuro docente pode formar uma imagem cristalizada domagistério, um “modelo assistencial e voluntarista” da docência ou ao contrário, pode adquiriruma bagagem de conhecimentos, de práticas e de atitudes que lhe permita exercer a profissãocom a responsabilidade social e política que todo ato educativo implica. A formação inicial devedotar o futuro docente “de uma bagagem sólida nos âmbitos científico, cultural, contextual,psicopedagógico e pessoal que deve capacitá-lo a assumir a tarefa educativa em toda suacomplexidade, atuando reflexivamente com a flexibilidade e o rigor necessários, isto é, apoiandosuas ações numa fundamentação válida” (Imbernón, 2002, p.60).

Se a formação inicial é um momento decisivo porque fornece as bases doconhecimento profissional (que envolve uma pluralidade de saberes, um repertório de atitudes,um conjunto de sentimentos e valores em relação à docência), se é o momento em que seconstroem esquemas, imagens, metáforas sobre a educação, torna-se relevante investigar quemserá o profissional que dará conta dessa tarefa e em que condições realiza seu trabalho.

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Há ainda um traço que caracteriza o trabalho do formador e que o diferencia deoutras profissões que também têm seres humanos como objeto: é o aspecto formativo. Cabe aoprofessor formador uma ação intencional de ensinar algo a alguém e ao mesmo tempo formaresse alguém para o exercício de sua profissão.

PROFESSOR FORMADOR E O TRABALHO DOCENTE

O contexto de trabalho do professor, como aponta Imbernón (2004), tornou-secomplexo e diversificado. O trabalho do docente não se reduz à transmissão de um conhecimentoacadêmico ou a transformação do conhecimento comum do aluno em um conhecimentoacadêmico. Para o autor, o trabalho do profissional professor requer dele outras funções, como aluta contra exclusão social, participação, relação com as estruturas sociais e com a comunidade,motivação, a capacidade reflexiva em grupo, a convivência com as incertezas, divergências e asrápidas decisões sobre o ensino.

Sabe-se, porém, que não é possível discutir o trabalho docente sem penetrar, defato, nas formas concretas de sua materialização no interior da escola e da sala de aula, ou seja,penetrar nas práticas de sala de aula e nas relações estabelecidas com e no contexto escolar.

Ao abordar as condições que estruturam o trabalho do professor, Tardif (2002)defende um postulado que diz que os saberes do professor devem ser compreendidos numarelação direta com tais condições. E explica: “Esse postulado significa que o trabalho docente,como todo trabalho humano especializado, requer certos saberes específicos que não sãopartilhados por todo mundo e que permitem que o grupo de professores assente sua atividadenum certo repertório de saberes típicos desse ofício” (p.217). Isso significa que não é qualquerpessoa que pode ser professor, pois há conhecimentos específicos a serem adquiridos por aquelesque pretendem exercer a docência.

Tardif (2002) afirma que “a questão dos saberes está intimamente ligada à questãodo trabalho docente no ambiente escolar, à sua organização, à sua diferenciação, à suaespecialização, aos condicionantes objetivos e subjetivos com os quais os professores têm quelidar. Ela também está ligada a todo contexto social no qual a profissão docente está inserida eque determina, de diversas maneiras, os saberes exigidos e adquiridos no exercício daprofissão”(p.218). Isso significa que as investigações sobre o trabalho docente devem consideraro contexto institucional em que esse se desenvolve, assim como os determinantes macro-estruturaisque o afetam.

Destas considerações, pode-se apreender que o professor necessita de novas formasde trabalho nos cursos de Licenciatura e de novas aprendizagens para exercer sua profissão deprofessor. Quem irá desenvolver esse trabalho com os futuros professores? Será que todo professorque atua em cursos de Licenciatura está apto para realizar essa tarefa?

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IDENTIDADE PROFISSIONAL DE PROFESSORES

Um dos questionamentos deste texto relaciona-se aos processos de formação dosformadores de professores e do significado de ser formador de professores hoje. Isso remete àquestão da identidade profissional e à crise dessa identidade que acompanha a transformação danoção de trabalho hoje (Dubar (2002) apud Ludke e Boing (2004)) e, em paralelo, o crescimentoda precarização do trabalho do professor (Sampaio & Marin, 2004), aí incluídos a intensificaçãodo trabalho docente, a atuação e ação ampliadas, a exigência de mais estudo, a obrigatoriedadede certificação, o salário prejudicado, dentre outras.

Sabe-se que, como pano de fundo dos estudos e debates sobre a profissionalizaçãodo professor, encontra-se a reivindicação do reconhecimento de seu profissionalismo(ENGUITA,1991) e a busca das marcas de sua identidade profissional (PÉREZ GOMES, 2001).O reconhecimento do profissionalismo dos docentes tem se destacado numa perspectiva demudança no modo de encarar a profissão, ou seja, diferentemente de períodos anteriores em quese reivindicava a identidade com outras categorias profissionais ou outros trabalhadores, hoje sedefende a diferença, ou como Enguita (1991) chama a atenção – “agora se trata de sublinhar ereforçar a diferença” (p.51).

Garcia, Hypólito & Vieira (2005) reforçam essa idéia e destacam que as pesquisasvoltadas para a questão da identidade profissional e profissionalização docentes focaram, até omomento presente, aspectos unificadores e fundantes dessa identidade. Classe social, naturezado processo de trabalho, gênero, história de vida, formação profissional, dentre outros, têm sidotratados e problematizados pelas pesquisas a partir desses aspectos unificadores.

Esses mesmos autores trazem uma contribuição para nossa investigação sobreprofessores formadores que atuam em cursos de Licenciatura, quando apontam como um caminhoprodutivo para as pesquisas, um olhar para

“as diferenças, as descontinuidades, as divisões dessa categoria,privilegiando as narrativas dos professores e das professoras a cercade si mesmos e de seus contextos de trabalho. Não para reificarseus próprios pontos de vista ou tomá-los como a medida mais justado que de fato acontece, mas talvez para nos aproximarmos dadinâmica contraditória e fragmentada em que estão mergulhados”(p.54).

Tomando esses caminhos apontados, nos propusemos a investigar professores devários cursos de Licenciatura e tentando, nessa fase inicial da pesquisa, ouvi-los a partir de suasdemandas reais, distintas e, muitas vezes contraditórias, como apontada pelos autores acima.Assim, aspectos de caráter moral, burocrático, pessoal, profissional ou técnico são trazidos pelosprofessores formadores e estão orientando nossas análises.

Para esse trabalho, apresentaremos dados relativos à entrevista realizada comuma professora de Prática de Ensino de Letras que atua em um Centro Universitário no interior doEstado de São Paulo. Foi uma entrevista que explorou demoradamente aspectos de sua formação,

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suas concepções sobre profissão docente e identidade profissional, seu trabalho em sala de aula,as condições de trabalho e de carreira, além de envolver questões relativas às atividades culturais,esportivas, sociais e religiosas.

IDENTIDADE DOCENTE EM CONSTRUÇÃO E PROCESSOS DEIDENTIFICAÇÃO COM O TRABALHO

Formada pela primeira turma do curso de Licenciatura da Faculdade em que hojeatua como professora formadora e com Mestrado finalizado em 2004, nossa entrevistada ocupavana época, final dos anos 1970, cargo num departamento de vendas em uma multinacional. Aomesmo tempo, lecionava no período noturno num curso de Contabilidade e Secretariado, de nívelmédio. A aproximação com algumas professoras que lecionavam no Curso de Magistério levou-a a participar da Conferência Brasileira de Educação (CBE) em Niterói, em 1985. Mesmo semsaber a importância e o que representava essa conferência para a área de Educação, a professoradestaca esse momento como definidor de suas escolhas profissionais futuras: foi num passeiopela praia durante a CBE que decidi deixar meu alto salário e cargo na multinacional e mergulharde vez no trabalho como professora.

Começa curso de Mestrado na PUC/SP na área de Língua Portuguesa em 1986 enão consegue finalizar por falta de tempo. Na mesma época, é convidada para substituir uma desuas melhores professoras do Curso de Letras e isso se constituiu num de seus maiores desafiosprofissionais: eu tremia cada vez que entrava na sala de aula.

Porém, aponta como trabalho mais difícil e que tremeu mais que seu início naLicenciatura, o começo do seu trabalho com 5ªs séries, quando do seu ingresso como efetiva narede pública estadual de ensino no ano seguinte: eu não tinha idéia do tamanho dos alunos de 5ªsérie. Só tinha experiência com adulto e logo no primeiro dia acaba a energia. A realidade assustoue também não sabia qual era a forma para me aproximar das crianças nessa idade.

O trabalho da professora junto ao curso de Licenciatura provocou e acelerou, segundoela, a necessidade de um vínculo com a realidade das escolas e hoje, mais intensamente, estevínculo vem se mostrando fundamental no seu atual trabalho com a disciplina Prática de Ensinode Língua Portuguesa.

A análise que hoje faz de sua experiência profissional inicial nas classes de 5ªsséries mostra clareza e avanço em suas reflexões sobre sua atuação e desempenho:

...eu não sabia ensinar a formar conceitos, os adultos com os quaistrabalhava na Licenciatura já vinham com conceitos formados. Maslogo nas primeiras semanas fui descobrindo que teria que começarfazendo os alunos despertarem gosto pela leitura. Ia estimulando aida à biblioteca e incentivando a “leitura vagabunda”, a que nãoprecisa prestar conta com fichas. Contavam suas histórias lidas praa classe. Aprendi isso com uma colega num curso de capacitaçãopara professores da escola pública.

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A professora destaca que tem freqüentado cursos destinados aos professores darede pública e que, para ela, tem se constituído numa fonte de aproximação com as necessidades,temas, formas de organização do trabalho na sala de aula, maneiras de lidar com as diversidadese diferenças nela presentes. Enfim, suas considerações sobre os cursos de formação continuadaindicam um aproveitamento para sua prática enquanto professora do Ensino Fundamental e apontacomo têm ajudado na disciplina Prática de Ensino na Licenciatura:

Considero importantíssima a disciplina Prática de Ensino porque oque interessa para eles é o que acontece na escola pública e ascapacitações têm permitido discutir com eles e utilizar experiênciaslá trabalhadas. Isso tem ajudado meus alunos, futuros professoresem seus projetos com Prática de Ensino. Eles só trabalham comprojetos na escola pública.

Conta sobre as experiências com peças de teatro desenvolvidas pelos alunos daLicenciatura nas escolas da periferia e como sua formação em Psicodrama tem permitido umolhar diferente sobre a prática e possibilitado esse trabalho. Revela também que, nos últimos trêsanos, tem tido uma vida cultural mais intensa e freqüentado concertos de óperas e peças deteatro e cinema em São Paulo.

No decorrer da entrevista, pode-se perceber que a complexidade de sua trajetóriavai compondo um caminho de construção de sua identidade profissional. A formação emPsicodrama Pedagógico tem, segundo ela, fortalecido não só sua identidade pessoal como mudadosua maneira de analisar a realidade. Tomou também a questão da produção de texto mediadapelo Psicodrama na sua pesquisa de dissertação de Mestrado.

Os diversos fatores que têm marcado a construção da identidade profissional dessaprofessora parecem interagir entre si e apontam numa direção que toma o conhecimento pedagógicodo professor e seu ensino para os futuros professores no curso de Licenciatura, a partir doconhecimento de si mesmo e do seu aluno.

Embora não saiba dizer como seus colegas da faculdade a vêem, ela tem clarezade como os alunos a vêem:

Os alunos daqui me vêem com muito carinho porque o tratamentoque dou é de me envolver com os problemas deles. Primeiro mecoloco como pessoa e depois como profissional e dou chance deletambém se colocar como pessoa. Sinto que preciso ajudar a resgatara dignidade do ser humano. Não tenho alunos na sala, eu tenhogente na sala.Os alunos do Estado trato com respeito profissional ecarinho. A minha palavra é ordem para eles. Sou severa, mas nuncadestrato ou humilho. Muitas vezes levo-os à diretoria com minhamão no ombro dele, como ato de amor, não jogo a toalha. A vivênciado Estado, o carinho, trago aqui para os alunos da Licenciatura.Sem vínculos não se faz nada.

Um dado trazido pela entrevista refere-se à posição da professora em relação aoprofessor visto como profissional. Para ela, o professor não tem sido profissional, pois não trata a

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profissão com carinho e com perspectivas de mudanças: o verdadeiro profissional pensaria – qualé o meu papel aqui? É transformar, é levar o aluno a ver o mundo com maiores possibilidades.Profissional tem que ter compromisso.

Comenta ainda, em relação à questão, que quando pegou uma classe em que osalunos tinham sérios problemas de aprendizagem, chamou os pais e disse que se sentia umfracasso como educadora, pois não havia conseguido recuperar grande parte deles.

Um dado já trazido por outras pesquisas sobre professores do Ensino Fundamentale Médio vem se repetir com os professores da Licenciatura. O trabalho comprometido da professora,sua atuação e trabalho junto às escolas, sua dedicação aos alunos mostraram-se isolados dosdemais professores do curso de Licenciatura e do quadro de professores.

Da mesma forma, a professora trouxe poucas considerações sobre suas condiçõesde trabalho. É professora horista contratada pela CLT e mostra-se satisfeita com seu contrato.Apesar de utilizar as madrugadas para o preparo e planejamento das aulas, não aparentoudiscordância ou reivindicação de mudança desse quadro e com o plano de carreira ainda restritoque possui a instituição.

Os dados sobre condições de trabalho serão retomados numa segunda entrevista,pois revelam um aspecto importante do profissionalismo do professor e traz implicações sobre aidentidade profissional do docente. Outros pontos servirão de análise para as entrevistas,notadamente as referentes à complexidade do trabalho docente do professor formador em razãodas reformas instauradas no país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este texto apresenta uma análise inicial de uma das entrevistas realizadas comprofessores formadores que atuam em cursos de Licenciatura.

Mostra uma interdependência e uma identificação entre as ações de formadora eas de professora de Ensino Fundamental, caracterizando seu trabalho com os futuros professores.

Além disso, pode-se notar a importância da participação em um evento da área daEducação como um dos determinantes para sua escolha para o magistério, configurando umamarca na construção da identidade docente.

Os dados deixaram transparecer que as dificuldades enfrentadas diariamente emseu trabalho como professora do Ensino Fundamental formam as bases de seu trabalho comoformadora de novos professores nos cursos de Licenciatura.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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LUDKE, M. & BOING, L.A. Caminhos da profissão e da profissionalidade docentes. Educação eSociedade. Campinas, vol. 25, n.89, p.1159-1180, 2004.

PÉREZ GÓMEZ, A.I. A cultura escolar na sociedade neoliberal. Porto Alegre:Artmed, 2001.

SAMPAIO,M.M.F. & MARIN,A.J. Precarização do trabalho docente e seus efeitos sobre as práticascurriculares. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 25, n.89, p.1203-1226, 2004.

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O presente trabalho foi extraído de nossa dissertação de mestrado na qual buscamoscaracterizar as representações das professoras sobre a função da instituição de Educação Infantile sobre o papel da professora dessa etapa da educação.

Com o objetivo de contribuir para o fortalecimento da identidade profissional daprofessora de Educação Infantil, este trabalho busca refletir sobre o papel da professora a partirdas representações que as próprias professoras elaboram no cotidiano de seu trabalho.

Nosso interesse por este estudo se deve ao fato da Educação Infantil ser umaimportante etapa da educação na qual funções fundamentais do psiquismo humano são formadasnas crianças.

Diante da importância dessa etapa da educação para o desenvolvimento dascrianças, entendemos que a Educação Infantil é um interessante campo de pesquisa,principalmente nesse período de sistematização e de configuração de sua identidade.

A Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacionalpromulgada em 1996 e o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil editado em1998 são exemplos significativos do reconhecimento que a Educação Infantil vem adquirindo nocenário educacional nos últimos anos.

A Constituição Federal prescreve que a Educação Infantil é um dever do Estado eum direito da criança, conforme podemos observar em seu Cap. III, Art. 208, inciso IV em que seafirma “a garantia do atendimento em creches e pré-escola às crianças de zero a seis anos deidade”.

Analisando a concepção de creche e pré-escola da Constituição, Zilma de MoraesOliveira et all (1992, p. 22) afirmam que: “tal concepção opõe-se à visão tradicional da crechecomo uma dádiva, como um favor prestado à criança, no caso à criança pobre e com funçõesapenas assistencialistas e de substituição da família.”

A função educativa da Educação Infantil anunciada pela Constituição Federal de1988 é consolidada pela Lei de Diretrizes e Bases Nacional nº 9394/96, conforme demonstra oartigo 29 desta lei:

A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem comofinalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos deidade, em seus aspectos físicos, psicológicos, intelectual e social,complementando a ação da família e da comunidade.

REPRESENTAÇÕES DE PROFESSORAS:REFLETINDO SOBRE O PAPEL DA PROFESSORA

DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Muriane Sirlene Silva de Assis (Universidade Federal de São Carlos - UFSCar)

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Diante da complexidade e da importância da Educação Infantil para odesenvolvimento das crianças, torna-se necessário pensarmos nas profissionais que atuam comessa modalidade da educação.

Sinalizando o papel do adulto para o desenvolvimento das crianças Mukhina (1996,p. 40) afirma que:

Sem dúvida, a criança não pode se integrar na cultura humana deforma espontânea. Consegue-o com a ajuda contínua e a orientaçãodo adulto - no processo de educação e de ensino. (destaque nooriginal)

Sem desconsiderarmos o papel do espaço físico, dos recursos materiais e daspróprias crianças, o entendimento sobre o ato educativo que compartilhamos com os autores doreferencial histórico-cultural e histórico-crítico evidencia a valorização do papel do professor nacondução do processo de ensino-aprendizagem-desenvolvimento.

Nesse sentido estudar o professor, ou melhor, dizendo, a professora de EducaçãoInfantil, uma vez que as mulheres são maioria nessa profissão, é bastante relevante neste períodode consolidação de identidade da educação das crianças menores de 7 anos.

Devido ao fato das professoras de Educação Infantil trabalharem com criançaspequenas e por serem as mulheres as maiorias dessas profissionais é comum observarmos umatendência à naturalização do fazer docente que culmina na desvalorização.

Educar crianças pequenas muitas vezes não é entendido como uma funçãoprofissional tendo em vista que, para muitos, basta ser mulher para exercer esse papel. Sobreeste assunto, convém citar Arce (2002, p. 87) para demonstrar as origens históricas dasinterpretações que atribuíam a mulher a exclusividade na tarefa de educar crianças pequenas:

A maternidade surge como a bandeira principal, e a nova imagemda infância como detentora da inocência e bondades humanas reforçaa defesa de que a mulher, este ser angelical escolhido por Deuspara gerar a vida, deva viver em um ambiente harmonioso e vir-tuoso, tomando para si a educação desta semente abençoada queperpetuará a vida humana: a criança. Importante ressaltar que estamulher/mãe já estaria naturalmente dotada de tudo o que se necessitapara a educação das crianças pelo simples fato de ter nascido mulhere poder gerar a vida. (grifo nosso).

A idéia de que a mulher é uma educadora nata ainda povoa o imaginário de muitaspessoas e dificulta a construção da profissionalidade da professora de Educação Infantil.

Acreditar que a própria condição de mulher já “habilita” uma pessoa para serprofessora de crianças pequenas dá margem para justificar a precariedade dos cursos de formaçãoinicial de professores e a falta de investimentos na formação continuada das professoras deEducação Infantil.

De acordo com Optiz in Arce (2002, p. 80-81):

(...), a educação de crianças pequenas também se estabeleceu comofunção feminina, o fato de as crianças também serem presas ao

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âmbito privado e a necessidade de cuidado do corpo colocavam-nas como mais um trabalho doméstico dentro dos afazeres que amulher deveria assumir.

Essa citação demonstra que o fato da educação de crianças pequenas ter sidoconcebida no âmbito do privado, do doméstico pode propiciar entendimentos que desvalorizam anecessidade de aperfeiçoamento, de especialização e de profisisonalização das pessoas que sededicam a desempenhar essa função.

Em razão de a Educação Infantil ter como alunos crianças muito pequenas exigeque algumas das práticas pedagógicas desenvolvidas em suas instituições sejam bem próximasde determinadas práticas de cuidados com crianças realizadas na esfera doméstica.

Devido à coexistência de aspectos públicos e privados e de práticas maternas edocentes nas atividades desenvolvidas pelas professoras de Educação Infantil é possível queapreendamos princípios da ‘maternagem’ nas representações das professoras de nossa pesquisa.

Para Kishimoto (2002, p. 7):

Princípios como a maternagem, que acompanhou a história daeducação infantil desde seus primórdios, segundo a qual bastavaser mulher para assumir a educação da criança pequena, e asocialização, apenas no âmbito doméstico, impediram aprofissionalização da área.

Assim, vale afirmar a importância da superação desses princípios no interior dasinstituições de Educação Infantil.

Ongari e Molina (2003, p. 115) afirmam que:

Paradoxalmente, a diferenciação entre papéis paternos e educativosinstitucionais não foi objeto de explorações sistemáticas: umaafirmação da diferença é acompanhada por uma certa indeterminaçãoe incapacidade para especificar esta diferença (pelo menos em termosde uma atribuição genérica de funções mais ‘afetivas’ aos pais, e decompetências mais ‘educativas’, entendidas talvez no sentido esco-lar de instrução, às educadoras: cf. Cocever, 1977; Giacomini, 1977),bem como de pouca reflexão sobre este aspecto na própria definiçãoprofissional.

Desse modo, nós entendemos que é por meio de estudos, de pesquisas, da reflexãoe da discussão coletiva sobre a formação e atuação da professora de Educação Infantil que essasuperação pode ser iniciada.

Kishimoto (2000), em estudo que traz dados e discussões referentes à formaçãodos profissionais de creches no Estado de São Paulo nos anos de 1997-1998, demonstra aexistência de uma grande diversidade e inconsistência no perfil desses educadores no Brasil.Estudos como os coordenados por Kishimoto ainda são poucos. Os educadores e as professorasde Educação Infantil não têm sido suficientemente pesquisados, muitas questões referentes àformação e constituição profissional deles precisam ser analisadas.

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A necessidade de reflexão sobre a função social das instituições e dos profissionaisdesse nível de ensino é enfatizada por Arce (1997) ao afirmar que “(...), a falta de definição clarado papel desse nível de ensino tem prejudicado e rebaixado mais ainda este profissional dentro doquadro da carreira docente.”

Rocha (1999), realizando um balanço da produção acadêmica sobre EducaçãoInfantil, destaca que embora essa produção venha aumentando em quantidade ela ainda é pequenadiante da amplitude e complexidade da temática. Os argumentos dessas autoras sobre a questãodo profissional de Educação Infantil são por nós compartilhados e justificam nosso interesse pelaconstituição profissional da professora dessa modalidade da educação.

A bibliografia nos aponta a existência de um terreno fértil para a pesquisa na áreada Educação Infantil face às novas exigências trazidas pela LDB (1996), às próprias característicasdos alunos e das professoras dessa modalidade da Educação Básica e os vários pontos abertospor investigações já realizadas que necessitam continuidade e aprofundamento.

No interior desse vasto e fértil terreno de pesquisa e num momento de efervescênciapolítica e teórica em que se busca sistematizar e democratizar um atendimento educacional dequalidade na Educação Infantil, centraremos nossas preocupações nas professoras de EducaçãoInfantil trazendo as representações como categoria de análise a partir de conceitos da PsicologiaHistórico Cultural de Vygotsky e sua escola.

Tomando a Psicologia Histórico-Cultural como embasamento teórico, entendemosque as representações se formam a partir do “‘locus’ de su existencia y su ‘modus vivendi’: laexistencia real de la psiquis ‘se ubica’ en el espacio-tiempo de la interrelación del hombre com elmundo, en el espacio-tiempo de su actividad” (Shuare, 1990, p. 62).

O conceito de representação que adotamos se embasa em Leontiev (1978a), nessesentido, representação pode ser entendida como uma produção construída pelas pessoas cujosignificado é constituído no contexto de vivência num grupo social. Através desse processo arealidade exterior é apropriada pelo homem e se torna interior.

Portanto, estamos considerando a representação como uma forma de apropriaçãoda realidade pelo indivíduo em um processo de elaboração de significado e sentido a partir de suaatividade na sociedade.

Assim, estruturamos este trabalho a partir da seguinte questão: Quais são asrepresentações que as professoras de ensino infantil têm sobre sua própria atividade profissional?

Com base no relato das professoras objetivamos compreender como essasrepresentações podem estar influenciando as práticas educativas no interior de uma instituiçãoeducativa, tendo em vista as conseqüências dessas influências para a constituição profissional daprofessora desse nível de ensino.

Desse modo, temos como objetivos:· Apreender as representações que as professoras em exercício têm sobre a função

da professora de Educação Infantil;

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· Verificar como essas representações contribuem ou não para a constituiçãoprofissional das professoras.

De modo geral, esperamos que este trabalho possa contribuir para a reflexão sobreo trabalho da professora e sobre sua constituição profissional e, ainda, para favorecer e estimulardiscussões sobre os rumos que a Educação Infantil vem tomando a partir do momento em quelegalmente é reconhecida como educativa.

Trabalhamos numa abordagem qualitativa com os depoimentos de dez professorasde uma mesma instituição pública municipal de Educação Infantil (Centro de Educação e Recreação– CER) da cidade de Araraquara/SP.

Coletamos os dados por meio de entrevistas semi-estruturadas com o uso dogravador.

As professoras entrevistadas apresentam características que ora as assemelhame ora as diferenciam. A grande maioria não possui curso superior, mas todas possuem HabilitaçãoEspecífica para o Magistério e atuam com crianças de 03 a 06 anos de idade. Quase todas sãocasadas, apenas duas possuem menos de 30 anos de idade. Talvez a diferença maior entre elasesteja no tempo de exercício do magistério, uma vez que esse tempo varia de 5 a 19 anos.

A análise das representações das professoras apreendidas por meio das entrevistasnos permitiu elaborar algumas considerações.

Pudemos verificar que as variáveis pessoais (idade, estado civil) e as variáveisprofissionais (formação inicial e experiência profissional no magistério) não determinaram diferençassignificativas nas representações das professoras.

No decorrer do trabalho identificamos, também, muitas semelhanças entre nossosdados e os dados apresentados na pesquisa sobre educadoras de creches italianas por Ongari eMolina (2003).

Identificamos que o papel de professora predominante nas representações queapreendemos consiste no que as professoras classificam como a atuação na “parte pedagógica”(desenvolvimento intelectual e aquisição da leitura e da escrita).

No que diz respeito especificamente a função da professora de Educação Infantilas professoras citam o gostar de criança e da profissão como aspectos essenciais para o exercícioda profissão docente.

Fazer a mediação entre a criança e o conhecimento escolar; preparar para aalfabetização; direcionar a curiosidade e o conhecimento das crianças; atender a necessidadeintelectual e emocional da criança; ensinar valores são alguns dos papéis apontados pelasprofessoras que pesquisamos.

Todavia, por meio dos dados coletados observamos que algumas professorasenfatizam que seu papel é exclusivamente transmitir conhecimentos, com base em afirmaçõesdesse tipo constatamos que o cuidar-educar-brincar, tríade que caracteriza o trabalho da professorade Educação Infantil, ainda não foi incorporado pelas professoras da instituição que estudamosbem como por tantas outras professoras, conforme pudemos verificar em estudo bibliográficosobre o tema.

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Verificamos que as professoras representam a instituição de Educação Infantil comoum local que deve desenvolver novos conhecimentos, hábitos e atitudes nas crianças. Com relaçãoà forma de trabalhar essas aprendizagem as professoras valorizam certos tipos de atividadesprodutivas, treinos caligráficos, exercícios de auto-controle e disciplinamento. Por causa da maneiracomo as professoras descreviam qual seria a função da instituição de Educação Infantil para elasdenominamos essa função de “escolarizante”.

Pudemos constatar, ainda, que as professoras se reconhecem como profissionaise que possuem clareza sobre o significado e sentido da ação que desenvolvem. Ao descreveremo que é e o que faz a professora de Educação Infantil elas fazem distinção entre as ações decuidados desempenhados na instituição e os cuidados oferecidos no âmbito domésticodemonstrando que o princípio da “maternagem” comumente identificado entre professoras deEducação Infantil, de acordo com a literatura, não faz parte do perfil da maioria das professorascom as quais trabalhamos.

Embora tenhamos verificado que as professoras compreendem a especificidadedas ações de cuidado desenvolvidas na instituição, grande parte das professoras atribui a essasações uma importância inferior às atividades entendidas como de educação.

Com o intuito de se firmarem como profissionais da educação perante a sociedadeas professoras omitem as atividades de cuidado em seus depoimentos. Elas se esforçam para sediferenciar das demais educadoras da instituição na qual trabalham (berçaristas e recreacionistas)na crença de que é preciso que todos saibam que elas são professoras tal como as professoras deEnsino Fundamental e não sejam, portanto, confundidas com as demais educadoras que cuidamde crianças de 0 a 6 anos sem possuir formação específica para o magistério.

Observamos que as professoras de nossa pesquisa ao descreverem o seu própriodia-a-dia consideram que os exercícios gráficos e as atividades dirigidas são mais importantes doque as atividades de alimentação, higiene e também que as brincadeiras livres reforçando ahistórica dicotomia entre cuidar e educar e demonstrando que compartilham uma representaçãoparcial de Educação Infantil, por priorizar o educar.

A separação entre cuidar, educar e brincar permeou todo nosso trabalho enfatizandoo quanto é necessário debruçarmos sobre essa temática com vistas superá-la. Vários estudiosostêm se preocupado com essa superação e entre eles destacamos Haddad (2003) que teceesclarecimentos sobre a polêmica dicotomia entre cuidados e educação, afirmando a necessidadede se profissionalizar o cuidado e de se ampliar o conceito de educação.

Consideramos muito pertinentes as colocações dessa autora na medida em que asmudanças que propõe são essenciais para a definição da função social da Educação Infantil e desuas professoras, pois a partir da profissionalização dos cuidados estaríamos extinguindo osresquícios da maternagem que acompanha ações de cuidado e com a ampliação do conceito deeducação poderíamos superar práticas “escolarizantes” que geralmente caracterizam o trabalhoeducacional na Educação Infantil. As revisões propostas por Haddad (2003) podem contribuirpara dar aos fazeres da Educação Infantil um status público que lhe é próprio a partir do momentoem que é legalmente reconhecido como a primeira etapa da Educação Básica sem que para isso

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seja necessário escolarizar a educação de crianças de 0 a 6 anos ou abrir mão da dúbia funçãocuidar/educar.

Tornar concretas as conquistas que a Educação Infantil já adquiriu em termoslegais é o desafio proposto às crianças, professoras, pais, comunidade, administração pública,pesquisadores e a todos aqueles que se preocupam com esse assunto.

Devido a isso esperamos que nosso trabalho possa contribuir para a reflexão sobrea especificidade de atuação da professora de Educação Infantil a partir da tríade cuidar-educar-brincar e para o reconhecimento social e a valorização profissional dessa professora.

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O Centro do Professorado Paulista, tradicional associação de professores de SãoPaulo, instituiu em 1970 o prêmio ao “Professor do Ano”, como parte das comemorações dos 40anos da entidade. Pretendia-se, a cada “Dia do Professor”, colocar em evidência um associado,que se tornaria então um “símbolo das virtudes da classe”; conforme o periódico do Centroexplicitava:

“Decidiu o CPP conferir essa honraria a um professor que, por seutrabalho, inteligência e cultura, mais tenha contribuído no ano, acritério dos associados do Centro do Professorado Paulista, em fa-vor da educação e do ensino, da escola, do aluno, do magistério eda união de sua classe”.(O Professor, n. (16) 22 fev./71 p. 12).

Tal premiação foi quase sempre noticiada com destaque pelo jornal da associação,constituindo um conjunto de textos e fotografias que sintetiza as representações sobre a profissãoque circularam entre os associados do CPP durante o período analisado (1970-1984). A relevânciado estudo de tais representações evidencia-se quando se considera que o CPP, fundado em 1930como associação de professores primários, tem constituído uma das maiores entidades docentesdo Brasil 1.

O conceito de representação utilizado no presente texto é tomado da obra de RogerChartier (1990), pois sua formulação permite ver múltiplos níveis de significado em textos taiscomo os analisados aqui. Em primeiro lugar, trata-se do estabelecimento, pelo grupo social, deseus valores significativos – no caso, aquilo que constitui um professor admirável. Esse processode seleção das características exemplares, que servirão de referência para os gestos de aprovaçãosocial e para o sentimento de pertença à categoria não ocorre sem conflitos – na verdade, trata-sede assinalar uma disputa para estabelecer legitimidades antes que uma uniformidade de crençasentre os professores. Verifica-se, por meio dessas construções, uma base comum de significadosque permite a interação entre os professores envolvidos pela atuação da entidade, na medida quese apresentam, no jornal do CPP, imagens variadas sobre a docência, tanto em momentos decomemoração como em textos cotidianos, que se transformam em função das diferentes condiçõesde formação e trabalho que vão se instaurar durante as décadas de 60 e 70.

Um outro sentido dessas representações diz respeito ao reconhecimento social dogrupo, que faz visível para a opinião pública as características que elege para si por meio da

REPRESENTAÇÕES EXEMPLARES DOTRABALHO DOCENTE: OS “PROFESSORESDO ANO” DO CENTRO DO PROFESSORADO

PAULISTA (CPP) (1970-1984)

Rosario S. Genta Lugli (UNIBAN)

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homenagem. Associa-se a este sentido a identidade entre a imagem que se apresenta dohomenageado e os valores exemplares com relação ao trabalho docente, tornando essesprofessores, que são representantes da categoria, no símbolo do professor ideal – vale observarque, para o caso analisado aqui, esta identificação nunca ocorre de forma completa, exceto quandoa homenagem recai sobre o presidente da associação, Sólon Borges dos Reis. Na medida queestes discursos apresentam os valores ideias da docência para os associados do CPP, possibilitama identificação de elementos relevantes quanto ao habitus professoral, permitindo vislumbrar asformas pelas quais estes profissionais conferem sentido ao seu trabalho cotidiano e, emconseqüência, dão forma a suas práticas associativas.

OS LÍDERES DO PROFESSORADO PRIMÁRIOO primeiro “Professor do Ano” (em 1970) foi o presidente do CPP, Sólon Borges

dos Reis, o qual ocupava o cargo desde 1958 por meio de reeleições sucessivas. Sua imagem,freqüentemente apresentada no periódico do CPP, constituía um paradigma com relação àsqualidades que um professor deveria apresentar em termos intelectuais, morais e profissionais.Assim sendo, era lógico que o presidente da entidade fosse o primeiro homenageado, estabelecendoos padrões que a premiação deveria seguir – as qualidades de sua atuação como líder do magistérioforam ressaltadas na justificativa que acompanhava o anúncio da homenagem:

“O prof. Sólon Borges dos Reis foi distinguido principalmente comoexpressão dos educadores no país e no campo internacional, atravésde uma atuação exponencial na abordagem dos problemas daeducação, seja do ponto de vista técnico, filosófico ou social, etambém por cultivar e promover no CPP o trabalho em equipe comoa melhor maneira de atuação da entidade que deve ter, porpreocupações básicas, segundo entende, a organização e a uniãoda classe, para a promoção de seus legítimos interesses em benefícioda infância e da juventude, através do ensino”. (O Professor, n. (16)22 fev./71 p. 12)

Os “Professores do Ano” que se seguiram a Sólon Borges dos Reis poderiam serdivididos em duas categorias que representam, de modo geral, as principais qualidadesapresentadas como ideais para o magistério, no periódico. A primeira categoria é a dos professoresque participam das atividades de direção do CPP ou que se encontram muito próximos destes:são elogiados por seu “espírito de luta”, por suas qualidades de liderança ou ainda por suassempre admiráveis contribuições intelectuais. Desse modo, temos:

Em 1971, Antonio d’Ávila, cuja biografia, que incluía a autoria de diversas obrasdidáticas, justificou a nomeação. Os valores intelectuais são ressaltados nesta homenagem, dadoque este conselheiro do CPP foi colaborador assíduo do periódico da associação desde seu primeiroano até 1989, com seções regulares, tais como “Escola Pitoresca” (contendo crônicas escolares)e “Galeria de Patronos de Escola” (biografias de educadores destacados), além de um grandenúmero de artigos esparsos sobre os mais diversos temas relativos à educação.

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Em 1974, Oguiomar Ruggeri, conselheiro do CPP a partir de 1960. Escolhido emhomenagem aos seus cinqüenta anos dedicados ao ensino, o “Leão da 3ª” [Delegacia de Ensino]é longamente elogiado:

“Sobejamente conhecido por seu dinamismo, atitudes firmes edesassombradas, idealismo e companheirismo, eficiência no serviço,disciplinado e disciplinador, é um líder que goza de prestígio comopoucos têm no seio da classe onde é muito estimado” (O Professor,n. 78, out/74, p. 3).

Em 1976 - Luiz Damasco Penna, sócio fundador do CPP em 1930. Aos 80 anos deidade, traduzia o Tratado das Ciências Pedagógicas para o português, merecendo destaque emsua biografia a atuação como delegado de ensino no litoral paulista:

“De pequenina estatura física, palmilhou naquela época os piorescaminhos do litoral paulista, do Sul e do Norte, para não deixar seminspecionar e orientar professores ilhados nos mais remotos núcleosescolares daquela época, como um pequeno gigante com suas botasde 7 léguas (...) Exemplar como educador, rigoroso e exigente comoadministrador o professor Penna é conhecido em todo o magistériopaulista pelo senso de responsabilidade com que sempre cumpriuos seus deveres. Enérgico como autoridade no ensino, fez escolano magistério porque sempre soube conciliar com calor humano ointeresse público, que defendeu intransigentemente, com anecessidade de estimular os colegas de trabalho, tratando comdignidade os companheiros e subordinados no serviço.”. (Jornal dosProfessores, n.117, out/76, p. 1)

Em 1983, Loretana Paolieri Pancera, à época 3ª vice-presidente do CPP. As razõespara sua escolha foram também relativas à liderança no CPP, sendo ela descrita como

“uma das líderes mais atuantes na luta pelos direitos dos professores,participando ativamente de todas as campanhas pela melhoria doensino e atendimento das reivindicações do magistério” (Jornal dosProfessores, n. 195, p. 2)

O discurso de agradecimento da Profa. Loretana Paolieri Pancera, também transcritona íntegra, confirmava a imagem de líder dinâmica e atuante, retomando na comemoração o tomreivindicatório que vinha marcando, desde 1977, os pronunciamentos do CPP no Dia do Professor:

“Após tantos anos de magistério, ao receber o título de ‘Professorado Ano’, se disser que não me sinto realizada não estou mentindo.Esse reconhecimento me honra muito, mas, apesar da festa, dessaalegria, da presença de entes queridos e amigos, o momento, arealidade é triste, pois a luta do professor é árdua, não pelo trabalhodesgastante, mas pela falta de compreensão e reconhecimento doshomens públicos. O professor vive de esperanças, de promessas esó não esmorece porque tem o espírito forte e porque ‘como osacerdote que se curva diante do cálice sagrado’, ele se curva diantedo educando, esquecendo-se de si mesmo. Mas isto não justificaque ele seja esquecido.” (Jornal dos Professores, n. 196, out/83, p.3).

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O elogio destes Professores do Ano, que é também a justificativa para sua escolha,os aproxima da imagem do líder ideal (a de Sólon Borges dos Reis). Todos têm em comum alonga experiência nos quadros do ensino, demonstrada de modo simples pela relação dos cargosocupados desde o início de suas carreiras que acompanha a notícia da homenagem no periódicodo CPP. A partir dessa base comum, as qualidades enumeradas convergem na maior parte dasvezes para características como o dinamismo, a energia, disciplina, rigor e a dedicação idealistaao bem comum, em especial sob a forma do trabalho na associação (cujos resultados beneficiama todos os professores, e não só aos associados, como é freqüentemente lembrado). Taiscaracterísticas descrevem um padrão identificado ao modo masculino de comando, que reflete asituação existente no sistema de ensino durante boa parte da existência do CPP, qual seja, abaixa presença feminina nos níveis hierárquicos mais altos da rede escolar. Vale lembrar que amaioria dos conselheiros do CPP exerce ou exerceu cargos administrativos. Nesse sentido, aProfa. Loretana Paolieri Pancera destaca-se duplamente: nunca deixou de lecionar como ProfessoraI, aposentando-se nessa condição, segundo contou em sua entrevista e além disso é a figurafeminina que surge com maior destaque dentre as ocupantes de cargos na diretoria. Os adjetivosutilizados para descrever sua atuação são os mesmos utilizados para os demais conselheiroshomenageados: líder atuante, ativa, dedicada ao bem comum, nas lutas cotidianas da entidadepelo magistério; a única particularidade que poderia ser associada mais diretamente com umadescrição tradicionalmente feminina, qual seja, o trabalho caritativo da professora pelosdesfavorecidos, pode também ser incluída na categoria “dedicação ao bem comum”.2

Para que fosse perceptível, de modo eficaz, um padrão de excelência que garantissea legitimidade aos líderes do CPP, não bastaria, evidentemente, essa comemoração anual, quealém disso, nem sempre tinha por objeto um dos conselheiros. Um trabalho mais constante deexplicitação e perpetuação dos fatores que garantiam a autoridade moral era feito por meio deseções regulares tanto em O Professor, com “Nossos Conselheiros”, como no Jornal dosProfessores, sob o título menos explícito de “Figuras do Magistério”. Repetem-se, nestas seções,o elogio às qualidades de liderança já assinaladas, sendo possível a um olhar atento perceber asdiferenças de ênfase que separam os mais dos menos influentes. De qualquer modo, estas seçõessublinham fortemente a condição de funcionário público dos professores, no sentido de que estesse dedicam ao bem comum por meio do magistério. Também vinculada a essa condição defuncionário, encontra-se em todos os perfis analisados a afirmação de honestidade e de competênciaque o ingresso e a promoção por concurso representam – tais provas pretendiam selecionar osmais aptos segundo um conhecimento específico do campo que os agentes deveriam possuir.

AS PROFESSORAS HEROÍNAS

O segundo gênero de “Professores do Ano” não pertence ao Conselho Superior esua escolha se dava inicialmente por razões de caráter moral, como se vê nos perfis eleitos até oano de 1977. A partir desse ano, pode-se perceber, para além dos elementos moralizantes, o

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caráter exemplar das histórias dessas professoras com respeito às reivindicações do CPP, o queleva a homenagem a retratar os diversos estágios da carreira docente e seus desafios. Após 1981,como se verá, o prêmio perde expressão no periódico do CPP, tendo o seu espaço diminuídoconsideravelmente, reduzindo-se de uma página inteira a uma nota numa coluna.

Algumas das “Professoras do Ano” (esta segunda categoria de homenageada éconstituída exclusivamente por mulheres) são protagonistas de histórias comoventes, que fazemressaltar suas qualidades morais no confronto com a adversidade. Assim é que, em 1972, AdarcyMonteiro Bardin Cesar, foi escolhida pelo heroísmo demonstrado ao salvar seus alunos. O relatopormenorizado do feito acompanha a notícia desta homenagem prestada à professora do 4º anoprimário, que retirou seus alunos da sala de aula minutos antes que o teto da mesma desabasse.No ano seguinte, novamente uma professora envolvida numa catástrofe recebeu o título deProfessora do Ano. O Professor ressaltou o heroísmo de Maria Aparecida Vargas, bem como suasolidariedade para com as vítimas da chuva:

“a jovem professora demonstrou bravura pessoal e amor aos seusalunos, quando os conduziu do bairro de Vila Albertina ao GrupoEscolar de Vila Jaguaribe logo que se iniciava o deslizamento demorro que resultou numa catástrofe.” (n. 57, out/73, p. 1).

Um dos mais longos perfis de “Professora do Ano” foi o de 1975, quando a históriadas dificuldades superadas por Zaida Regina Rossler Pereira ocupou grande espaço no periódico.Esta professora, paralítica desde a 5ª série, conseguiu formar-se com dificuldade e trabalhavacomo substituta efetiva, tendo que complementar o orçamento doméstico com uma série deoutras atividades: aulas particulares de alfabetização, francês e reforço para o primeiro grau,trabalhos manuais (crochê) e venda de cosméticos. Com relação à necessidade de múltiplasatividades para garantir um certo nível de rendimentos, Zaida não se distanciava da rotina a queestavam submetidas as demais substitutas, o que a tornava, além de um exemplo decomportamento, um exemplo de como o CPP beneficiava seus associados, dado que em 1975 oCPP esteve empenhado numa campanha para conseguir direitos trabalhistas mínimos para osprofessores substitutos.

“Como substituta efetiva, ela encarna bem o espírito indômito daprofessora que não se deixa vencer pelas dificuldades.” (O Profes-sor, n.95, p.3)

De fato, a Diretoria da entidade tomou conhecimento da existência de Zaida e desuas dificuldades por meio de uma comovida carta que esta enviou à presidência do CPP,agradecendo a campanha pelos direitos trabalhistas mínimos para as substitutas:

“Tomara que Deus leve em conta meu esforço; e eu, na verdade,tenho oferecido todas as horas que passo na cadeira de rodas, osdias em que, debaixo de chuva, saio e vou rodando para chegar aoGrupo, assinar o ponto e, depois de lá passar duas horas ou mais,volto para casa, muitas vezes, sabendo que durante o mês todo nãorodou a escala de substituições e eu nada tenho para receber. (...)Mas, quem nasce para professor, vem para lutar. E, diga-se depassagem, entramos na luta certos de sairmos triunfantes”. (Idem,p.3)

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O tom comovido dessa carta, reafirmando as qualidades de persistência, corageme idealismo necessárias a quem abraça o magistério, ecoa apoteoticamente na exposição dasrazões pelas quais a Professora do Ano foi escolhida:

“Pelo que Zaida é, pelo que ela sente, pensa e faz, firmando na suacadeira de rodas o primado do espírito sobre a precariedade damatéria e a vitória do ideal sobre as dificuldades da vida, o Centro doProfessorado Paulista aponta-a como a “Professora do Ano” de 1975.Ela é uma educadora que , pelas suas virtudes profissionais, moraise cívicas, e especialmente em decorrência de sua atuação, mereceesse título. Ela é bem um símbolo das virtudes da classe”. (Idem,p.1)

Em 1977, o vínculo da Professora do Ano, Maria Paulina Nunes Pagotto, com asreivindicações do CPP tomou o primeiro plano:

“Ao escolhê-la, o Centro do Professorado Paulista quis também porem evidência as dificuldades por que passa um professor, quandose candidata a cargo efetivo no magistério, trabalhando semestabilidade durante muito tempo e tendo que passar por umaverdadeira gincana de estudos, estágios, cursos e concursos, atéconseguir a efetivação”. (O Professor, n.137, p.1)

A história da Professora do Ano de 77 é exemplar, segundo o CPP, pois elaclassificou-se em 1° lugar no concurso de títulos e provas para ingresso no magistério públicoestadual realizado em 1971 e somente no segundo semestre de 1977 conseguiu tomar posse docargo para o qual prestara concurso. O periódico descreve o longo processo de efetivação dessaprofessora, semelhante ao de todos os que prestaram esse concurso, que só chegou a termo em1977, com a intervenção do CPP, por meio de Sólon Borges dos Reis, que conseguiu a aprovação,na Assembléia, de uma lei que dispensava de exame médico os professores que exercessem afunção há mais de cinco anos.

Em 1978 Therezinha Nilda Machado foi a Professora do Ano do CPP, sendo que amesma havia sido escolhida anteriormente professora do ano na cidade de Piracicaba, pela SedeRegional. Tendo exercido o magistério em zona rural durante toda sua carreira, suas qualidadescomo docente eram exaltadas ao lado de sua atuação na assistência social, simbolizando assima “persistência no trabalho”, segundo o CPP. Cabe observar que a Sede Regional de Piracicabavinha elegendo sua própria Professora do Ano desde 1973, o que, se por um lado leva a supor quenem todos os associados se identificavam com as escolhas da diretoria, por outro evidencia asenormes semelhanças existentes quanto aos ideais profissionais, de vez que a escolha regionalse pautava pelos mesmos critérios, (o que equivale a dizer que procurava exaltar as mesmascaracterísticas), da Sede Central.

Em 1979, a escolha recaiu excepcionalmente sobre uma professora III (atuante nosegundo grau), Odila Marina Wingeter, que simbolizava os esforços dos professores para ascenderna carreira por meio do estudo e que enfrentavam toda sorte de dificuldades.

“Uma das razões que contribuíram para a votação em Odila, (...)além de suas virtudes morais, profissionais e cívicas, foi sua atuação

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como professora concursada para o cargo de Diretor de Escola,desenvolvendo um trabalho intenso e objetivo pelo aproveitamentode todos os aprovados, nas vagas decorrentes do concurso deremoção cuja realização este ano foi conseguida pelo CPP.” (p. 1, n.163)

Em 1980 novamente a Professora do Ano tem grande destaque nas páginas doJornal dos Professores, sendo a história de Josely de Castro, professora de deficientes visuaisnuma escola estadual de 1° grau, contada em tom emocionado. O jornal exalta o modo comoessa professora superou as dificuldades da falta de estrutura e material de trabalho para educar osjovens deficientes, bem como sua extraordinária dedicação:

“Além de trabalhar com sua própria classe, atendia com a maior boavontade alunos de outras escolas com problemas de visão (...) semesperar por isso nenhuma recompensa financeira” (n. 173, p.4)

No ano seguinte o relato não conservou nem o espaço nem o tom emocionado, sóconstando a observação de que Nakaoka Ioshie foi eleita em homenagem ao Ano Internacional doDeficiente e solidariedade às APAEs. A última homenagem a Professor do Ano que se fazacompanhar de justificativa no período estudado é a de 1984, que revela claramente o desgastedessa fórmula consagradora de exemplos: o CPP anunciou que todos os professores do estadohaviam sido considerados merecedores do título, “pela mobilização total e vitoriosa do magistério,com sua vigorosa afirmação coletiva perante a opinião pública e os poderes do Estado” (Jornaldos Professores, n. 203, out/84)

As qualidades evidenciadas por meio desses “professores-símbolo” referem-se todasao trabalho cotidiano em sala de aula e às dificuldades, também cotidianas, com o Estado. Essasdificuldades constantes, os obstáculos quase intransponíveis, representam um papel central nessashistórias exemplares, pois o heroísmo, a coragem, o amor pelos alunos, a persistência no trabalhobem intencionado, o “espírito indômito” e a dedicação, levam, na maior parte dos casos, ao“triunfo”, à “vitória do ideal sobre as dificuldades”. O CPP apresenta-se de duas formas nessespequenos épicos magisteriais: quando se trata da relação que a professora-heroína estabelececom seus alunos, de sua dedicação extraordinária e desinteressada à missão educativa, o papelda entidade é recompensar a mestra simbolicamente por meio da homenagem; por outro lado,quando o episódio se refere ao obstáculo representado pela burocracia e pelo caos administrativoda Secretaria da Educação, o CPP é apresentado como a instância que providencia a solução, avitória da justiça, o prêmio ao trabalho honesto e bem intencionado das professoras.

A CELEBRAÇÃO COTIDIANA

Da mesma forma que as representações a respeito dos líderes da entidade, asrepresentações sobre a profissão docente e sobre as formas associativas adequadas àscaracterísticas desta não se limitam a essas celebrações anuais, aparecendo em todos os númerosdo periódico oficial da entidade. As imagens ideais não se encontram numa seção específica,

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antes permeiam todo o texto do periódico, explicitando-se em determinadas seções, como porexemplo, o “Suplemento Lítero-Pedagógico”, presente em 5 edições de O Professor (n.8 ao 12).Esta seção destinava-se, como seu nome indica, a conter a produção literária (poesias e contos)dos associados. Os elementos idealizados já apontados com relação ao Professor do Ano colocam-se aqui mais claramente como atributos pessoais, decorrentes de uma vocação do indivíduo,como pode-se ver em “Nasce-se professor, não se faz”, transcrição de trechos do livro “A EscolaSecundária Moderna”, de Lauro de Oliveira, leitura recomendada pelos editores:

“a escola foi instituída para o aluno aprender, e não para o professorganhar dinheiro. Magistério não é bico; não é meio de vida. Magistérioé luta, é desprendimento, é sacrifício, é dedicação, é apostolado.(...) Quando bons mestres, os traços de seus edificantesensinamentos ficam gravados profundamente em seus discípulos.Suas aulas continuam vivas; sua lembrança provoca saudade. E,como a gratidão é a memória do coração, confia-se em que Deuslhes dê a recompensa prometida. Sem terem sido calculistas,multiplicaram entre os alunos talentos de que nos falam osEvangelhos.” (Suplemento Lítero-Pedagógico, n.1, out/65, O Pro-fessor, n. 8)

A influência de aspectos religiosos sobre a caracterização do magistério se encontramuitas outras vezes no periódico do CPP, inclusive a partir da menção a Cristo, que teria sido “omaior dos mestres”. Vincula-se inegavelmente a esse exemplo religioso a “mística do sacrifício”que cerca a docência com a garantia de pureza e de desinteresse. Os lucros simbólicos prometidos(haja vista a falta de outros) são, dessa forma, enormes e incontestáveis – vão desde a “saudade”nos corações dos alunos (que, afinal, só chegam a ser “algo na vida” graças aos professores) àrecompensa impalpável, mas assim mesmo tentadora, garantida por Deus. Entrelaçam-se, nessediscurso, os aspectos psicológicos da profissão docente, geralmente identificados na relaçãoprofessor-aluno, a sua função social (contribuir para o progresso do país) e o caráter simbólico dafunção docente, numa formulação muito complexa, que evidencia os efeitos potencializadores da“vocação” sobre os elementos mais propriamente técnicos da profissão:

“O conhecimento da matéria por si só é insuficiente para o bomdesempenho da função docente. É necessário que o professorpossua também preparação didático-pedagógica; é preciso que gostede ensinar e saiba despertar o interesse do aluno pela aprendizagem.(...) por causa dos maus concursos seletivos e das nomeações feitaspela politicalha, havemos de tolerar os pseudo-educadores, didatasde cultura latitudinal, mestres-escolas fossilizados que caminhamde costas.” (Suplemento Lítero-Pedagógico, n.1, out/65, O Profes-sor, n. 8)

Inúmeras vezes são exaltadas as virtudes do trabalho contínuo e devotado, sempreretomando uma figura idealizada de professora que supera todos os obstáculos para conseguir oaprendizado de seus alunos, como aparece por exemplo em “Sublime Revelação”, de Darci Barioni(Suplemento Lítero-Pedagógico, n.12, ago/66, p.1). Nesse conto, o narrador conversa com “umasenhora idosa, traços nobres, um olhar luminoso inteiramente despido de malícia ou maldade”

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enquanto viajam numa jardineira, de uma cidade a outra do interior paulista. Esta senhora revela-se professora primária e comenta:

“ainda há quem diga que a vida de professor é boa. Há momentosem que sentimos vontade de abandonar tudo e dedicar nossaspreocupações exclusivamente aos nossos filhos. Sim, porque nósnos preocupamos com nossos alunos. Não nos limitamos a ensiná-los a ler e a escrever. Temos que compreendê-los como crianças,ajudá-los nos seus problemas”.

Fala ainda do cansaço que sente por seus longos anos de árduo trabalho, ao que onarrador pergunta:

“-Que faria a senhora se pudesse começar tudo outra vez?Ela me encarou atônita como se a pergunta representasse algo novopara si. Demorou-se a responder e quando o fez, um sorriso dedesculpa brincava nos seus lábios.-Bem... acho que... acho que seria professora primária mesmo.”

Mesmo os artigos que se pretendem mais “técnicos”, com recomendações a respeitoda prática em sala de aula incorporam essas formulações, como pode-se ver em “Expulsão dealuno da sala de aula é contraproducente”, de Nelson de Sousa, associado de Atibaia:

“Não importa que ele esteja cheio de problemas particulares, queseu ordenado não corresponda, que o número de aulas seja grandee o cansaço o atinja. Tudo isso, de maneira alguma, deverá influir nasua maneira de educar. (...) Que se mantenha na verdadeira posiçãode professor: um verdadeiro professor não se rebela, procura antesconstruir um bom cidadão, um bom pai de família, tentando recuperaro aluno indisciplinado”. (Suplemento Lítero-Pedagógico, n.1, out/65, O Professor, n. 8)

Pode-se dizer, com Pereira (1963), que essa concepção tem um importante papelna socialização de novos professores, na medida que dá sentido a uma escolha profissional que,em termos objetivos, se afigura menos atraente a cada dia desde a década de 60. Ao mesmotempo em que dota a opção profissional dos novos mestres de sentido, esse discurso parececontribuir para os investimentos contínuos em direção à melhor qualidade da prática em sala deaula, de vez que esta é fruto do devotamento do professor, de sua responsabilidade, como se lêem “Autonomia Didática”, de Antônio de Almeida Rosa, associado de Tatuí:

“O professor deverá ensinar como achar melhor, dentro das normastécnicas modernas, respeitando os ensinamentos da PsicologiaInfantil, obedecendo às leis da Pedagogia aceitas como verdadesincontestáveis e como seguras bases para um ensino eficaz. (...)Não podemos esquecer, ainda, que a responsabilidade pelo trabalhoem classe cabe ao professor, e o mestre deve ter liberdade de açãopara poder responder por seu trabalho e por esta responsabilidade.

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Dando maior ênfase, reafirmamos que o professor é o únicoresponsável pelo resultado de seu trabalho educativo”. (SuplementoLítero-Pedagógico, n.1, out/65, O Professor, n. 8)

Como pode-se ver, os elementos relativos a um domínio técnico de um campo dosaber, a “pedagogia”, articulam-se nestes escritos à imagem clássica do sacerdócio, compondoum modelo que retrata bem um momento em que aqueles a ocuparem os cargos mais altos nahierarquia do ensino primário ainda não eram necessariamente os “especialistas” em educação,embora fossem profissionais do ensino. Algumas modificações aparecerão neste discurso sobre aprofissão à medida que as características do sistema de ensino forem se alterando, com aproletarização do magistério, a criação do primeiro grau de 8 anos e as conseqüências da lei5.692 para a estrutura administrativa do ensino. Isso já é visível em 1973, quando surge umaconcepção mais realista do cotidiano docente, utilizada para a constituição de um discurso emdefesa dos associados:

“A preocupação fundamental do CPP é o professor, aquele que dáaulas, que não pode interromper seu trabalho para fumar um cigarro,manter uma prosa, enfim, fazer uma pausa para descansar. Aqueleque, enfrentando classes numerosas e heterogêneas, com criançasou jovens irrequietos, de condições sociais, econômicas e mentaisas mais diversas, precisa manter a disciplina, ensinar, educar,preencher modelos impressos, preparar lições, corrigir cadernos eultimamente ouvir exortações, com elogios sem atendimento, críticasaos seus métodos de trabalho, sem qualquer sugestão de outrométodo melhor, obrigado a ler pela enésima vez a mesma repetidalegislação, para cuja aplicação prática nem sempre lhe dãocondições”.(Jornal dos Professores, junho/73, n.49, p.1)

Esses argumentos aparecem reiteradamente na publicação, justificando os pedidosde aumento salarial, compreendido não como retribuição pelo trabalho realizado, mas comoreconhecimento social da importância da função docente, reconhecimento que se afigura comoainda mais justo quando as dificuldades do cotidiano são consideradas:

“O professor não pode sequer interromper o trabalho na sala deaula, encher tempo ou ir tomar café, pois a natureza da funçãodocente não permite. Classes numerosas e heterogêneas, comdezenas de crianças na idade mais difícil, consomem-lhe energiasfísicas e o sistema nervoso, o que explica o enorme número deprofessores primários extenuados pela docência, procurando clínicase o Departamento Médico do Serviço Civil do Estado.” (O Professor,n.25, mai/71, p. 12)

Ressalta-se, além disso, o trabalho extra a que o professor é obrigado fora da salade aula, com o preparo das lições e a correção das mesmas

“O único obrigado a comprar as próprias ferramentas de trabalho,além de material para as crianças, contribuindo para a Caixa Esco-lar e, às vezes, para as despesas da própria escola, quando não asda Delegacia de Ensino, é também o professor primário o únicoobrigado a ir à repartição e a trabalhar nos feriados, como fez aindaagora, no dia 21 de abril”. (O Professor, n.25, mai/71, p. 12)

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Permanece, apesar das mudanças observadas, o discurso que considera todos osprofessores como iguais, independentemente das diferenças hierárquicas entre os associados,num discurso marcadamente corporativista. Esse aspecto também contribui para eludir asdiferenças de gênero, pois raríssimas vezes questões atinentes à condição feminina aparecem noperiódico do CPP. Em um período de aproximadamente 30 anos, localizei apenas três ocasiõesem que se tratou especificamente das mulheres professoras. Em primeiro lugar, temos umaseção especialmente dedicada às professoras - a “Feminina” (presente do n.46 ao 53) cujosobjetivos assim se expressaram: “Professora sempre atarefada com o preparo das aulas, correçãode provas, enfim, com todos os problemas inerentes ao exercício do magistério. A partir destenúmero procuraremos levar até vocês um pouco de descontração, e também de quitutes gostosos.”.A “descontração”, além das receitas, são modelos de roupas, que a professora poderia confeccionarela mesma utilizando os “moldes Singer” – tudo indica que a seção tenha sido fruto de um acordopublicitário com a fábrica de máquinas de costura. Na seção de correspondência, temos duascartas, aparentemente não vinculadas entre si, de associadas que sugeriam ao presidente doCPP que encetasse campanha por creches nas escolas, para os filhos das professoras que nãotinham quem cuidasse deles enquanto trabalhavam.

O DIA DO PROFESSOR NA VISÃO DO CPP

Também contribui para formar uma imagem mais clara das alterações do discursodo CPP a respeito da profissão docente os pronunciamentos da entidade no Dia do Professor apartir do ano de 1977. Esta comemoração sempre teve grande destaque no noticiário da entidade,sendo muitas vezes a ocasião em que o Estado acenava com aumentos ou com medidas quebeneficiariam o magistério; no que tange à entidade, esse dia representou sempre uma trégua eum momento de festa. No entanto, a partir de 1980 os pronunciamentos do CPP passam areclamar todas as vezes a valorização do magistério, fundamental para a solução dos problemasdo ensino.

“A valorização do professor depende do próprio professor, na medidaem que dele se deve esperar um esforço pessoal e coletivo de auto-superação, a fim de que o processo de proletarização a que vemsendo submetido não lhe apague a dignidade na personalidadeprofissional. A fim de que a insensibilidade oficial pelas suasdificuldades não afogue, na sua conduta de mestre, o sentido sociale a preocupação humana”. (Jornal dos Professores, n. 173, out/80,p.1)

Em seguida os efeitos da “auto-superação” do magistério são relativizados: “Masnão se deve esquecer que o professor vive inserido num contexto sócio-econômico que ele nãoinventou e ao qual não pode escapar.”. Desse modo, a valorização do professor depende emgrande parte

“dos responsáveis pela situação conflitiva a que está relegada uma

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classe, adulada mas não ajudada e que, exaltada pela tarefa socialfora de série que desempenha, como criadora de condições para oprogresso de todos, não tem para si mesma nem as condições devida e de trabalho que merece, precisa e vem reivindicando, semresultado”. (idem)

No ano seguinte, o Dia do Professor foi marcado pelo protesto da entidade contra oarrocho salarial, sendo que a sua declaração oficial, lida durante a comemoração na Sede Central,tratou das péssimas condições de trabalho impostas ao professor: precariedade das escolas,insegurança, falta de material e de funcionários, falhas essas que comprometem o resultado dotrabalho escolar.

Em 1983, a manifestação do CPP referia-se diretamente à questão salarial, de vezque o governo não levou em consideração as sugestões das entidades do magistério na preparaçãoda proposta orçamentária para o ano seguinte: “Jamais o salário do professor foi tão aviltante (...)Os professores estão alarmados, desencantados, revoltados”. No ano seguinte, o pronunciamentodo CPP a propósito do Dia do Professor enfatizou a necessidade de um maior investimento estatalna área da educação – “é preciso gastar mais no ensino e gastar melhor aquilo que já se gasta”(Jornal dos Professores, n. 203, out/84) e tornou a reafirmar a necessidade da união do magistériopara a obtenção de melhores condições educacionais.

As mudanças observadas nas representações a respeito da profissão docentepresentes no jornal do CPP permitem indicar um declínio, a partir de 1977, quando a idealizaçãodos professores perde espaço. A partir desse momento não se observam mais os “pequenosépicos magisteriais” divulgados nas homenagens às Professoras do Ano. Pode-se assinalar comocausa dessa mudança uma variedade de fatores, que atuaram em conjunto para produzir umanova configuração do campo educacional: as dificuldades econômicas crescentes do grupoprofissional, evidenciadas por greves quase que anuais durante a década de 80; as precáriascondições de trabalho das escolas estaduais, o predomínio de uma concepção sobre a docênciano campo educacional que identificava professores a trabalhadores, ou seja, a atuação na escolasignificava apenas a venda da força de trabalho (para um sistema desigual que se reproduzia a simesmo). Além disso, pode-se apontar o caráter subalterno que as trajetórias de formação calcadasna experiência adquiriram face à progressiva complexidade do conhecimento pedagógico de basecientífica.

O periódico do CPP constitui o veículo de representações sobre a profissão docentecoletivamente construídas, as quais provavelmente funcionaram, entre outras coisas, como modelosem direção aos quais algumas práticas docentes são orientadas. Diferentes “tradições de trabalho”podem ser entrevistas na ambígua valorização do modelo do sacerdócio, que se confunde àsvezes com uma idéia de profissão liberal – imagens essas que parecem ser suplantadas tantopelas novas tecnologias científicas educacionais como pela idéia da educação como engajamentopolítico, que toma o lugar da “vocação”. O periódico então registra o desejo frustrado de fazerouvir aquilo que os professores (ou melhor, seus líderes) têm a dizer sobre o sistema de ensino,

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ou seja, suas condições de trabalho, expressando discordâncias cotidianas que poucas vezesaparecem nos estudos sobre ensino – especialmente por serem discordâncias identificadas amodelos “superados”, ou politicamente “desengajados”.

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NOTA1 Ainda hoje o CPP congrega um número expressivo de sócios– o número total, conforme dados de 1997, é de 112.886, dos quais 42.056 são aposentados e os restantes 70 mil em sua maioriapertencem ao magistério das 4 primeiras séries do ensino fundamental. Deve-se considerar que o número total de professores públicosem São Paulo, em 1997, era de 105.682.2 Segundo dados extraídos do expediente do jornal do CPP, o número de mulheres na diretoria da entidade durante o período estudadosempre foi baixo, mantendo-se em torno de 5% do total de diretores, até o início da década de 70, quando começou a crescer, de formainconstante, oscilando entre 20 e 30% na década de 80 e chegando a quase 50% no final do período.

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TRABALHO DOCENTE NA ESCOLA PÚBLICAPAULISTA E PROLETARIZAÇÃO

CAÇÃO, Maria Izaura - Faculdade de Filosofia e Ciências -UNESP - Campus de Marília

Trata-se de investigação sobre a constituição da jornada de trabalho docente doProfessor III, denominação dada ao antigo professor de ensino secundário e normal, visandoresgatar a construção histórica do processo de organização do trabalho docente na escola públicado Estado de São Paulo.

Para alcançar os objetivos propostos, reconstituiu-se o processo de organização dotrabalho na escola pública estadual de ensino fundamental e médio, de constituição das diferentesjornadas de trabalho docente (JTD) e a atuação das entidades representativas do magistério paulista:Centro do Professorado Paulista – CPP - e Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estadode São Paulo – APEOESP, desde as primeiras formulações legais da carreira (década de 1930),percorrendo as décadas seguintes, marcadas pela expansão da rede de ensino e acompanhadaspelo aumento do limite máximo de aulas permitido ao docente ministrar. Enfocaram-se os embatesentre a categoria do magistério e o governo, mormente nos anos 1970, o autoritarismo, oachatamento salarial sem precedentes e a reestruturação da APEOESP em bases democráticas.Analisou-se o processo de redemocratização do país e seus reflexos nas instituições educacionaise na organização do trabalho docente, durante a década de 1980 até 1990.

Buscou-se contemplar, como objetivos: resgatar o processo de organização dotrabalho docente do magistério público paulista no período de 1933 – instituição do Código deEducação do Estado de São Paulo – até 1990, data da sindicalização da APEOESP; verificar emque medida a atuação das entidades do magistério paulista exerceu influência sobre as políticasorganizativas do trabalho docente e a elaboração das JTD e, finalmente, analisar o processo deorganização do trabalho docente na escola pública paulista à luz da literatura referente aodesenvolvimento do conceito de proletarização do magistério.

Mediante a consecução destes objetivos pretendeu-se contemplar a seguinteproblemática: como constituiu-se, ao longo do tempo, a configuração atual das jornadas de trabalhodocente do professorado das escolas públicas estaduais do estado de São Paulo? Quando e comoocorreu o processo de dissociação entre JTD e local de trabalho? É possível configurar esteprocesso como de proletarização da categoria docente?

Nessa perspectiva e com base em certas especificidades relativas à organizaçãodo processo de trabalho docente no ensino público paulista: trabalho pautado pela atribuição deaulas a serem ministradas e não pelo posto de trabalho; contratação mediante regras próprias,fora dos ditames da CLT e pela não delimitação e não unificação do local de trabalho, o queimpede a reunião dos docentes em uma única escola, distanciando esse processo do modo comoo mesmo se configura em outros estados da federação, a resposta a essas questões conduziria à

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possível solução do desafio teórico-conceitual constitutivo do problema central em estudo: poder-se-ia caracterizar a construção histórica da categoria do magistério público estadual paulista comoum processo acabado de proletarização do professorado, tendo em vista a organização do trabalhodocente no interior da escola?

A hipótese norteadora da pesquisa foi a de que, historicamente, a categoria deprofessorado lutou pela ampliação de sua jornada de trabalho, num movimento oposto ao encetadopelas demais categorias de trabalhadores na sociedade capitalista, o que poderia levar à tese deque a organização do processo de trabalho dessa categoria encontra-se em um estágio pré-capitalista, partilhando de análise de Silva Junior (1993), ainda que se considere que o local detrabalho não se constitui na condição única e imprescindível para a questão da organização dotrabalho docente.

Dessa maneira, utilizaram-se como procedimentos metodológicos: o mapeamentodo processo organizador do trabalho docente na escola pública paulista, no período considerado,levantamento e análise da legislação norteadora da questão, bem como da atuação das entidadesrepresentativas do professorado no que se referiu à organização do trabalho na escola e, finalizando,procedeu-se à análise desse processo de organização do trabalho docente tendo como pressupostoo referencial teórico relativo ao processo de proletarização pelo qual passaria o magistério.

Além da consulta à legislação trabalhista e educacional, foram de relevanteimportância documentos que revelassem o contexto sócio-político e econômico dos momentosenfocados, sem desconsiderar os atores: os próprios docentes. Assim, a atuação do CPP e daAPEOESP, no que tange à temática, configurou-se em foco privilegiado de análise. Por estarazão, optou-se pelo corte histórico no ano de 1990, data em que a APEOESP obtém registro deentidade sindical, no Ministério do Trabalho.

Desde as primeiras formulações legais da carreira do magistério no Estado de SãoPaulo em 1933, até a década de 1950, não ocorreram grandes alterações quanto à formaorganizadora dos ginásios e escolas normais, assim como no que se refere à organização dotrabalho docente e ao número máximo de aulas permitidas ao professor ministrar.

Obedecendo à mesma concepção de instituição escolar, a organização dos ginásiosdo Estado pautava-se pela estrutura do ensino superior. Organizavam-se por cadeiras (cátedras) eaulas, ambas constituídas pelas disciplinas fundamentais do currículo, em número de onze eduas, respectivamente. Compunham seu corpo docente professores catedráticos e de aulas,nomeados por concurso, por um período de três anos, ao final dos quais poderiam ser efetivados,desde que o processo de efetivação fosse aprovado por dois terços da Congregação. No que tangeà carga horária semanal, o tempo de trabalho obrigatório dos professores catedráticos era de dozeaulas, enquanto para os professores de aulas, o máximo permitido era de dezoito aulas.

Nos Institutos de Educação a similitude com o ensino superior estava mais presentee sua estrutura organizacional previa uma Escola Secundária e uma Primária. Seu corpo docentecompunha-se por professores catedráticos, professores assistentes e auxiliares de ensino, havendoum professor catedrático para cada um das cadeiras. O limite máximo de aulas permitido a cadaum dos professores, somando-se às aulas obrigatórias semanais – dezoito – mais seis por cadeira,

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mediante gratificação, não poderia ultrapassar vinte e quatro horas. Número que será mantido,com poucas alterações, até o início da década de 1960.

Garantia-se, desse modo, sobretudo aos professores catedráticos, de aulas eassistentes, além de uma jornada semanal de vinte e quatro horas, um único local de trabalho,ainda que estes não se apercebessem como trabalhadores, pois, até a Constituição de 1967, oprofessor efetivo concursado era catedrático, dono de uma cadeira, com as mesmas prerrogativasdos magistrados, de vitaliciedade e inamobilidade, dentre outras.

Entretanto, já em 1950, amplia-se para trinta e seis o limite total do número deaulas semanais permitido aos docentes ministrarem. Além das vinte e quatro – doze obrigatóriasmais doze extraordinárias -, poderiam, facultativamente, ministrar mais doze aulas extraordinárias.

Com a expansão do ensino secundário estadual, deflagrada a partir de 1954, alteram-se as regras de trabalho para o professor. Na tentativa de conciliar os legítimos interesses dascamadas sociais emergentes e os interesses eleitorais, esta ocorreu, entre aspectos paradoxais,imediatistas e clientelistas, ignorando a problemática de ausência de infra-estrutura, sem anecessária dotação orçamentária, não se configurando como resultado de uma política educacionalplanejada. (Cação, 2001)

Quando os movimentos populares pressionam o Estado, ao reivindicar mais escolas,extingue-se a distinção entre aulas ordinárias (diurnas) e aulas extraordinárias (noturnas) de quaisquerdisciplinas, permanecendo, contudo, a diferenciação na forma de pagamento entre ambas.

No bojo desse processo de expansão ocorre o aumento progressivo do númeromáximo de aulas permitido aos docentes ministrarem: de dezoito, chega-se ao limite de quarentae quatro, somando-se horas-aula e horas-atividade, na década de 1970.

Frente à acelerada deterioração das condições de trabalho, dos salários e da situaçãofuncional da maioria dos professores da rede pública de ensino paulista, denominados precários –ACTs: Admitidos em Caráter Temporário -, os docentes reagem através do movimento organizadoe obtém ganhos considerados insuficientes. Com a redemocratização do país e a ascensão daoposição no Estado São Paulo, as reivindicações do magistério público, por redução da jornada detrabalho, respeito aos direitos trabalhistas e salários dignos não se concretizam.

Extinta a cadeira, a lotação de cargo transforma-se em mera função na rede deensino, não mais ocorrendo a subsunção do cargo a uma determinada escola, porém às aulas quecompõem a jornada de trabalho, na qual o docente é incluído, o que apenas fez aumentar ainstabilidade profissional, inclusive entre os professore efetivos.

Apesar dos avanços obtidos pelo Estatuto do Magistério (L. C. nº 444/1985), medianteo estabelecimento da carreira do magistério, da redução das JTD, certa valorização salarial edemocratização das relações de trabalho no interior da escola pública, a década de 1990 iniciou-se sob forte mobilização do magistério, que não veria atendidas, àquela década, suas reivindicaçõeshistóricas por jornada único e salário compatível.

Ao longo do processo de tecnoburocratização por que passou o sistema estadualde ensino, no bojo do processo maior de industrialização, urbanização e constituição do Estadointervencionista, no Brasil, o docente, detentor de certa autonomia didático-pedagógica, exercendo

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controle sobre a concepção e execução do trabalho, através de uma profissão merecedora dereconhecimento e prestígio social, foi-se tornando um assalariado mais barato, sua força de trabalhopassa a ser vendida por menor preço.

Progressivamente, o docente foi sendo expropriado do controle e da autonomiasobre o processo de trabalho, que se torna cada vez mais fragmentado. Vai-se, de acordo com osenso comum, proletarizando, graças, entre outros fatores, à queda dos seus níveis salariais,cada vez mais aviltados, e à progressiva perda de prestígio ocupacional.

Diante dessas constatações, não consensuais, mas polêmicas e controversas, cabeo questionamento: É o professor um trabalhador? Pode ser caracterizado como integrante daclasse trabalhadora? Como proletário?

A polêmica instaura-se na literatura recente e perpassa a produção teórica sobre otrabalho docente e sua organização. Assim, às perguntas anteriores, Hypolito (1991), por exemplo,responde sim, pelo fato de os docentes estarem “submetidos a um processo de proletarizaçãoque, se não perfeitamente configurado, está em pleno desenvolvimento” (p. 12), e não, considerandoque apenas o assalariamento não caracteriza um membro da classe trabalhadora.

Por ora, considera-se esta uma possível resposta, tendo em vista a não existênciade um conceito unívoco para classe trabalhadora, mas ser esta a expressão “para um processosocial em curso” (Braverman 1987, p.31).

Hypolito (1991) e Enguita (1990) acreditam que uma possível resposta à indagaçãoinicial deve considerar a situação contraditória entre o profissionalismo e a proletarização, pelaqual passa o professorado. Consideram que um grupo profissional é um grupo de pessoas, auto-regulado, que trabalha diretamente para o mercado, oferecendo determinado tipo de bens ouserviços, exercendo controle sobre o seu trabalho, tendo seu campo de trabalho e conhecimentoregulamentados por lei. Mesmo assalariado, conserva um certo grau de poder sobre seu trabalhoe sobre a formação da profissão, gozando de certo prestígio social.

Já a proletarização caracteriza-se como o oposto ao profissionalismo. O trabalhador,além de vender sua força de trabalho, não exerce qualquer controle sobre os meios de produção,sobre o produto e o próprio processo de trabalho. Constitui-se em um trabalhador coletivo, nãoporque o trabalho se socializou, mas porque, ao perder o controle sobre o mesmo, perdeu suaautonomia. Com a apropriação do seu saber pelo capital e incorporação do mesmo ao processo deprodução, o trabalhador passa por um processo de desqualificação.

Não é a natureza dos bens ou serviços oferecidos por um grupo ocupacional nem amaior ou menor complexidade envolvida no processo de sua produção que o tornam profissionalou integrante do operariado, mas a decomposição desse processo por meio da divisão do trabalhoe da mecanização.

Ora, no Estado de São Paulo, o professorado apresenta alguns traços que podemsituá-lo mais como classe trabalhadora, do que uma categoria profissional, apesar da ambivalênciaapontada. Trabalha em condições materiais precárias; na maioria das vezes, é um trabalhadorhorista; não tem o local de trabalho delimitado; recebe salários aviltados e luta contra a fragmentaçãodo seu processo de trabalho e contra a perda de prestígio, o que o distancia do profissionalismo.

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Para o CPP, em posição assumida na década de 1970, a proletarização da categoriaresumia-se ao rebaixamento salarial, não a identificando com o processo de expropriação do processode trabalho pelo qual o professor já estaria passando, segundo alguns autores, ou de fragmentaçãodo processo pedagógico, já em curso, via educação tecnicista, e dos quais o aviltamento salarial éum dos reflexos.

Às reivindicações concretas apresentadas pelo professorado, de dedicação plena,mas não exclusiva, de contratação docente pelo regime da CLT e por melhores salários, o Estadorespondeu, dentre outros mecanismos, com o aumento do número de aulas semanais permitido,o que, de certa forma, parece ter sido incorporado pela categoria, ao propiciar aumento de salários.Porém, ao não aceitar a ingerência do Estado patrão sobre o tempo livre do professor, a entidadedefende a liberdade que o trabalhador teoricamente possui, no capitalismo, de vender sua força detrabalho a quem e quando quiser. Àquele momento, contrariando as tendências apresentadas pelomovimento do conjunto dos trabalhadores, os professores do ensino secundário e normal do Estadode São Paulo lutavam para poder ministrar quarenta e quatro aulas e pela possibilidade de trabalharem mais de um local. Isto, no entender da categoria, significava aumento salarial, em curto prazo.Estavam, pois, estabelecendo-se as condições para que o profissional da educação, nas décadasseguintes, fosse constituindo-se num trabalhador horista. Condições que se aprofundariam nasdécadas de 1980 - 1990.

Entretanto, essa situação o faz caminhar no processo de unificação da categoria ede regulamentação da profissão, através do Estatuto do Magistério, de um plano de carreira, queprevê a qualificação para o exercício profissional e de algumas conquistas funcionais e salariais.

Esse caminho dá-se por lutas sucessivas do sindicato. No entanto, a APEOESP,apesar de estar organizada segundo os moldes dos sindicatos de trabalhadores, de estar filiada àConfederação Nacional dos Trabalhadores em Educação - CNTE - e à Central Única dosTrabalhadores - CUT, guarda, ainda, à semelhança dos outros sindicatos, características corporativaspróprias das categorias profissionais.

No momento em que há o predomínio da influência tecnicista, ao ver-se emcondições muito próximas do conjunto da classe trabalhadora, as entidades representativas doprofessorado passam a assumir um caráter mais nitidamente sindical, espelhando-se nos sindicatosrepresentativos dos trabalhadores da produção material.

Mediante a ambivalência apontada, é possível avaliar que o magistério paulistarealmente estar-se-ia constituindo em parte da classe trabalhadora ao considerar-se que aconstituição de uma classe social se forja na própria luta de classes, no embate entre elas.

Para Braverman (1987), a quase totalidade da população havia se transformado emempregada do capital. O autor explora a questão do emprego assalariado e da gama de categoriasintermediárias, que vão das características do trabalhador às da administração, e entre estas,grupamentos intermediários partilhando elementos de ambas. Nos estabelecimentos educacionais,essas gradações se reproduziriam de maneiras “peculiares aos processos de trabalho executados”em cada uma das áreas. (Braverman, 1987, p. 344). Esses grupamentos intermediários ocupariamposição intermediária não por estar fora do processo de acumulação do capital, mas por assumir

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características de ambas.No entanto, críticos a estas idéias trabalham com o pressuposto de que o chamado

processo proletarizador adquire formas específicas no interior dos diversos trabalhos ditosprofissionais, que nem sempre permitem totalmente a assimilação destes atores pela classe operária.É o caso, por exemplo, de Derber (1982); Lawn e Ozga (1991), Saviani (1986); Paro (1987) eJiménez (1991), dentre outros.

Mas, se a atividade docente não pode ser classificada como essencialmentecapitalista, poder-se-ia argumentar que ela vem apresentando, cada vez mais, características doprocesso de trabalho diretamente produtivo. Ou seja, independentemente do fato de o trabalhodocente ser ou não capitalista, ele vem configurando-se com menos autonomia, com maior divisãodo trabalho e maior fragmentação.

Desse modo, embora Apple (1982;1989), Lawn e Ozga (1981), entre outros, numaperspectiva marxista, tenham considerado o professorado como uma categoria profissional emprocesso de proletarização, com tendência a ser assimilada pela classe operária, há controvérsiacom relação à tese.

Considera-se a proletarização técnica quando a perda do controle sobre o processode trabalho em si tornou-se efetiva e quando a direção subordinou os trabalhadores a um planotécnico de produção sem a intervenção dos mesmos. Já na proletarização ideológica, há a perdado controle sobre os fins e os propósitos sociais aos quais se dirige o trabalho.

A distinção entre ambas as formas de proletarização mostra-se relevante para aanálise dos profissionais, uma vez que a forma predominante entre estes tem sido a perda docontrole sobre os fins do seu trabalho. Para os teóricos da proletarização, a racionalização dotrabalho docente conduz à proletarização técnica dos educadores, uma vez que o cerne das análisessitua-se nos efeitos da desqualificação, na separação entre concepção e execução e na perda docontrole sobre o trabalho.

Por sua vez, as transformações das tarefas de ensino obrigam o docente a qualificar-se para a sua realização. Pode-se, então, concluir que a desqualificação sofrida pelos docentesnão é idêntica àquela pelo qual passaram os trabalhadores industriais, sobretudo, às formasavançadas.

O modelo de divisão do trabalho introduzido no ensino é diferente do desenvolvidona produção. Em muitos casos, as especializações criadas no seu interior surgem da criação denovos campos de conhecimento, tais como a Orientação Educacional, e da qualificação de aspectosdo trabalho docente que anteriormente não exigiam habilidades específicas adquiridas em cursopróprio de formação. Contudo, a separação dessa função e sua atribuição aos chamadosespecialistas não impedem que o docente continue realizando orientação individual ao aluno.Enquanto, na produção, a divisão do trabalho conduz à impossibilidade de o operário colocar emação sua força de trabalho de modo independente, este não é o caso do professor, que, mesmoapós o surgimento dos especialistas, pode realizar autonomamente seu trabalho.

No que se refere à relação do docente com as funções conceituais de seu trabalho,é necessário analisar se ele é realmente alijado do planejamento de seu trabalho e de que tipo de

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decisões é excluído de modo irreversível. Por suas características e natureza, o trabalho pedagógicoexige certa autonomia do professor no que se refere à metodologia, conteúdos, materiais. Pornumerosas sejam as normas curriculares, os parâmetros, diretrizes e que as decisões dos docentespouco afetem a adoção e realização de uma política educacional, não é possível, à escola, planejar-se e construir seu projeto político-pedagógico sem a participação efetiva de seus professores. Atarefa do planejamento é uma das competências inalienáveis do docente, mesmo na educaçãotecnocrática. Ainda não lhe foi usurpada a capacidade de pensar de forma relativamente globalsobre o seu trabalho.

A proletarização técnica do docente tem-se submetido a inúmeras limitações e,desse modo, não é possível afirmar que tenha alcançado as formas avançadas sofridas pelosoperários. O próprio processo de constituição da categoria do magistério ocorreu de modocontraditório, não havendo concordância entre os estudiosos. Parte destes opta pela inserção dosprofessores na classe trabalhadora e tornou-se senso comum classificá-los como proletários ouem processo de proletarização. Alguns, entretanto, consideram os professores comosemiprofissionais, o que nada esclarece, e outros, ainda, vêem traços de profissionalismo nacategoria.

Em 1985, Abramo pergunta: ”Quem é o professor [...], particularmente, de SãoPaulo, em termos de estrutura de classes sociais?” (1987, p.77). Historicamente, considera-seque, até meados da década de 1950, 60, o magistério paulista tem como origem de classe ascamadas médias e altas da população, com elas se identificando. Goza de prestígio profissional erecebe reconhecimento social pelo trabalho desenvolvido. Com a expansão da rede pública deensino, ligada, sobretudo, ao processo de expansão do capitalismo, segue o aumento da demandasocial por educação, em que a distribuição das oportunidades educacionais ocorreu mais emvirtude de pressões sociais locais, como uma resposta desordenada do Estado, do que por açãodeliberada deste no bojo de uma política educacional. Assim, com a expansão do ensino funda-mental público, além do novo alunado que adentra as escolas estaduais, crianças e jovens dascamadas populares, cresce a oferta de postos de trabalho nas escolas. O governo, então, utilizaestratégias visando o não aumento substancial da verba destinada à educação e ao pagamento dopessoal docente: a contratação de professores em caráter temporário, para ministrarem aulasconsideradas extraordinárias, cujo valor pago era inferior às aulas ordinárias.

Esses novos professores, devido à própria expansão das oportunidades de estudo,advinham não mais das camadas médias e altas, mas, em grande parte, das camadas populares,pois a profissão passa a ser vista como um canal de ascensão social. Ao se incorporar ao magistériopúblico, identificam-se com os valores hegemônicos das classes médias e não mais com os desua classe de origem. No nível da representação, é essa escola anterior à chamada democratizaçãodo ensino que permanece como modelo ideal de instituição educacional, o que parece impedir quea categoria visualize outras formas de organização e luta.

Diante das contradições apontadas, da impossibilidade de consenso quanto às formasorganizatórias do trabalho docente, da dificuldade de análise que o professorado possui de suascondições de trabalho e do seu significado, da polêmica teórica quanto à situação trabalhista e de

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classe dos professores e reconhecendo que, neste estágio avançado do sistema capitalista, nãose pode fugir ao fato de as instituições serem moldadas pela forma sob a qual se organiza essemodo de produção, postula-se que, na organização do trabalho docente nas escolas públicaspaulistas, há elementos do processo de trabalho de modos de produção diversos à produçãocapitalista, coexistindo com outros específicos desse modo de produção. O fato desse modo deprodução ter-se generalizado, determinando as relações sociais e sendo por elas determinado, noentanto, não significa sua absoluta generalização.

No sentido dessa argumentação, na perspectiva de que ao trabalho docente, porsua natureza e especificidade, não se aplicaria senão de forma limitada o modo de produçãocapitalista, sendo-lhe impossível sofrer completo processo de objetivação, controle e parcelarização,considera-se a subsunção formal do trabalho docente ao capital, no sentido específico que Marxconfere ao conceito, uma categoria profícua de análise. No sentido restrito, importa considerar asituação que o processo de trabalho, mesmo inserido no modo de produção capitalista, conserva,do ponto de vista técnico.

Assim, considerando a forma de organização do trabalho docente nas escolasestaduais, é possível serem encontrados, concomitantemente: 1. elementos tributários ao modode produção capitalista: a) assalariamento; b) certa parcelarização do trabalho; c) aumento deprodutividade via composição de classes superlotadas; d) rotatividade de mão-de-obra - mobilidadedo corpo docente - que resultaria em achatamento salarial; e 2. elementos que a organização dotrabalho ainda guarda de outros modos de produção anteriores: a) propriedade dos meios - saberintelectual, conhecimento; b) autonomia didático-pedagógica e controle sobre o processo ensino-aprendizagem; c) não separação entre concepção e execução; d) a não reunião, a não delimitaçãodo local de trabalho e a não fixação do professor nesse local impede que se desenvolva, nasescolas públicas, um trabalho coletivo; e) os professores ainda são trabalhadores individuais; f)diferentemente da fábrica, na escola reúnem-se e atuam professores de diferentes áreas deformações e ramos do conhecimento, o que também não permite a formação do coletivo que afábrica agrupa.

Além desses aspectos, o fato de o trabalho docente conservar grande parcela deindividualidade, caracterizando-se, muitas vezes, pelo fazer solitário, não demandando a reuniãode um coletivo, e pelo fato de a admissão do professor ocorrer pela atribuição de aulas, no início doano letivo, o que, no limite, torna-o um trabalhador horista, acredita-se que este trabalhador conservaelementos próprios de etapas intermediárias, de transição, ao modo de produção capitalista, oupré-capitalistas, como se denominou.

Quanto à proletarização, não se pode concluir pela inserção da categoria docenteno proletariado apenas sob o ponto de vista econômico, pois apenas o assalariamento e oachatamento salarial são fenômenos que não caracterizam a classe proletária.

Assim, pela situação ambígua e contraditória do professorado público paulista, pelanatureza do processo de produção pedagógica e do papel desempenhado pelo saber neste processo,pela dificuldade de percepção que os próprios docentes possuem de suas condições de trabalho ediante da polêmica teórica quanto à situação trabalhista e de classe dessa categoria, parece

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temerário e inadequado, sem outras investigações sobre a temática, concluir-se pela proletarizaçãodo professorado.

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INTRODUÇÃO

Durante as últimas décadas, o pressuposto de que existiria uma relação muito estreitaentre educação escolar e desenvolvimento econômico-social e entre valorização docente e qualidadedo ensino tornou-se latente nos discursos das agências multilaterias e dos governos nacionais.Isso possibilitou que estes, ora perante a um magistério mobilizado, ora frente a um magistériodesmotivado, passassem a abrir espaços em suas agendas para que o problema da desvalorizaçãodocente fosse discutido, fundamentalmente, do ponto de vista de projetos político-econômicos.

No Brasil, uma das iniciativas mais marcantes da década de 90 nesse sentido foi acriação do “Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização doMagistério” (FUNDEF) pelo governo federal. Esse Fundo foi sancionado em 1996 pela EmendaConstitucional nº 14 (EC 14) e regulamentado pela lei nº 9.424/96, tendo natureza contábil ecomposição de recursos extraídos de fontes de verbas estaduais -e do Distrito Federal- e municipais,com possível complementação da União nos locais que não alcançassem o mínimo obrigatório deinvestimentos. Ele funcionaria pela redistribuição de seus recursos entre os Estados e seusMunicípios, conforme o número de alunos efetivamente matriculados anualmente nas escolascadastradas das redes estaduais e municipais de ensino. Na prática, de acordo com Callegari eCallegari (1997), esse seu mecanismo redistributivo impulsionou que vários Municípios -inclusiveos do Estado de São Paulo-, na tentativa de reaverem o máximo possível ou até mais das verbasque destinaram ao Fundo, acabassem assumindo alunos estaduais e ou criassem escolasmunicipais, aderindo à política de municipalização do ensino. Foi dessa forma que a implementaçãode uma política de valorização do magistério acabou associando-se a uma política de municipalizaçãodo ensino, para vários professores do país.

Entretanto, ao que tudo indica, os efeitos reais que essa associação trouxe à vidacotidiana de dezena de milhares de docentes, no quesito valorização, ainda não foramsuficientemente discutidos ou questionados nos meios políticos e acadêmicos. Questões triviaiscomo se “a municipalização do ensino é de fato um instrumento positivo para se associar a umapolítica de valorização do magistério?”, se “existem impeditivos advindos da política demunicipalização do ensino para a valorização do professor?”, se “são percebidas lacunas na leifederal de regulamentação do Fundo para sua implementação local?”, se “o FUNDEF, os docentes(ou cada membro do magistério), o Poder Público Municipal e o Poder Público Estadual possuema mesma concepção de valorização do magistério e quais as implicações práticas disso?”, “queefeitos tem a proximidade local para a (des)valorização do professor?” etc, foram deixadas para

VALORIZAÇÃO X IDENTIDADE: UM PARADOXODA QUESTÃO MUNICIPAL NA VALORIZAÇÃO

DOCENTE COM O FUNDEF

RAMOS, Géssica P. (UFSCar)

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trás ou não foram ainda devidamente discutidas, possibilitando o avanço das atuais políticas devalorização docente e financiamento da educação sobre páginas em branco da pesquisa sobre ahistória recente da educação brasileira.

Iniciar o desbravamento dessa temática foi o objetivo da pesquisa “O outro lado davalorização no FUNDEF”, realizada entre os anos de 2001 e 2003, cuja questão central buscavaverificar qual a análise que os professores faziam sobre a associação municipalização do ensino–valorização do magistério, possibilitada pelo FUNDEF, para a valorização docente. Fundada emum estudo de caso com professores do ensino fundamental (1ª à 4ª série) do município de AméricoBrasiliense/SP, ela utilizou-se metodologicamente de análise bibliográfica, de análise documentale de entrevistas semi-estruturadas com professores.

Pela amplitude do tema, a exposição a seguir objetiva apresentar e discutir apenasos resultados dessa pesquisa referentes ao processo de fragmentação da categoria e da identidadedocente, com o FUNDEF, no caso estudado.

OS DIFERENTES VÍNCULOS PROFISSIONAIS

A associação entre valorização do magistério e municipalização do ensino, noMunicípio pesquisado, possibilitou que professores de diferentes vínculos profissionais trabalhassemnas mesmas escolas municipais de 1ª a 4ª série do ensino fundamental da localidade: conviviamem iguais escolas professores contratados pelo Município e professores cedidos pelo Estado aoMunicípio por meio do “Convênio de Parceria de Ação Educacional” paulista. Na prática, o quepoderia ter significado um acréscimo na união e na troca de experiências entre esses profissionais,acabou tornando-se um espaço para a fragmentação da categoria e da identidade docente emdiferentes vivências da municipalização e da “valorização” -do FUNDEF- pelos professores.

As diferenças entre as vivências por esses grupos iniciaram-se desde seus ingressosna referida localidade. Os docentes do Estado já trabalhavam nas escolas estaduais de AméricoBrasiliense e interpretaram a possibilidade de continuidade no Município, após a municipalizaçãodo ensino fundamental de 1ª a 4ª série, como um aspecto positivo permitido pelo Convênio Estado-Município. Caso contrário, a maior parte deles teria que retornar às suas sedes localizadas emMunicípios mais distantes, o que geraria mais gastos com transportes e deslocamentos. Alémdisso, mesmo na hipótese deles serem dispensados pelo Município -por qualquer que fosse omotivo-, eles continuariam vinculados ao Estado e dessa forma se manteriam empregados. Valelembrar que o “Convênio de Parceria de Ação Educacional” havia estipulado que a suspensão oucessação do afastamento desses profissionais dependeria da “solicitação expressa do Chefe doPoder Executivo do Município”, que seria “responsável pela sua reposição, a fim de garantir aexecução das ações do Plano de Trabalho que integra este convênio” (SÃO PAULO, 2002, s/p).Isso na prática implicaria ao Município assumir mais funcionários dentro do quadro municipal,apesar das incertezas de condições financeiras de manutenção do quadro após o término doFUNDEF -previsto para ocorrer em 31 de dezembro de 2006.

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Os professores municipais, diferentemente dos professores estaduais, tinhamingressado na rede de ensino municipal de Américo Brasiliense por intermédio de um concursopúblico realizado na localidade, no final do ano de 1998 e, a partir desse momento, passariam portrês anos de experiência em serviço. Segundo os entrevistados municipais, esse período deexperiência havia sido associado ao reforço constante da idéia de instabilidade profissional dodocente municipal, que estaria sendo constantemente observado. Isso havia ocasionado entreeles a existência do medo constante da perda do emprego e, por conseqüência, teria tornado-osmais vulneráveis à proximidade local.

Assim, as diferentes condições de ingresso que se colocaram para os distintosgrupos de docentes possibilitou que cada qual vivenciasse diferentemente a municipalização doensino, bem como a política de valorização do FUNDEF, implementada na cidade.

OS DESCOMPASSOS ENTRE AS VIVÊNCIAS DA PROXIMIDADE LOCAL

Em razão de estarem vulneráveis à proximidade local, os professores municipaisavaliaram-na negativamente para o objetivo de implementar uma política de valorização domagistério. Foram destacadas por eles questões como a:

- da facilitação da interferência local na prática pedagógica do professor;- da permissão do uso de práticas oficiais punitivas (redução na porcentagem de

participação no “rateio” das verbas do FUNDEF, a baixa classificação na atribuição de aulas, abaixa avaliação de desempenho etc) pelo poder local;

- da possibilitação da supervisão do trabalho docente, sob uma vertente controladora,invasiva e manipuladora;

- da facilitação da pessoalidade nas relações com a proximidade gerada.Vários desses aspectos já haviam sido apontados pela literatura específica sobre

municipalização do ensino (DINON, 1987; NASCIMENTO, 1989; FONSECA, 1995; BORDIGNON,OLIVEIRA, 1989) como sendo alguns de seus riscos. Eles também se constituíam, historicamente,em motivos pelos quais as entidades do magistério paulista colocavam-se contra essa política.Embora os professores estaduais quase não tenham compartilhado dessas mesmas experiênciasassinaladas pelos docentes municipais, eles diziam-se frustrados com a proximidade, pois ela nãotinha gerado um maior diálogo entre os membros da administração educacional local e osprofessores. Além disso, eles também avaliaram que essa política acabou trazendo várias situaçõesnegativas para seu grupo como: a perda do acompanhamento das normatizações realizadas peloEstado e a sobreposição de algumas regras estaduais por regras municipais.

O único fator coincidente na fala dos professores estaduais e dos professoresmunicipais foi o problema do uso da avaliação de desempenho no Município. O professor doEstado dizia que, apesar da avaliação de desempenho realizada na cidade não ser utilizada paracontagem de pontos na carreira do professor estadual -servindo apenas para somatória de pontospara a lista geral de classificação para a atribuição de classe-, ela era negativa, já que dava maisênfase à questão da participação docente nos cursos oferecidos pelo Município e das faltas abonadas

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utilizadas pelos professores estaduais, do que, efetivamente, ao desempenho global docente noexercício de sua profissão. Já na visão do professor municipal, essa avaliação também não erabem vista, pois, conforme eles, ela era utilizada como um instrumento coercitivo do profissional.

Os professores municipais interpretavam ainda que a proximidade local nãopossibilitava o aprimoramento pedagógico docente, já que, conforme eles, ela facilitava o tolhimentode suas práticas educacionais consolidadas e os desmotivavam profissionalmente. Segundo essesprofessores isso era resultado do modo como as relações de poder na área educacional do Municípioeram conduzidas: dava-se grande dimensão àquilo que o docente não tinha conseguido alcançarcom os alunos, em detrimento do que ele havia alcançado. Esse reforço de uma imagem negativasobre o professor municipal e sobre suas ações abalou profundamente sua autocredibilidadeprofissional e pessoal, parecendo anular de suas aspirações o otimismo quanto à possibilidade desua valorização e de sua atuação profissional positiva.

Nesse contexto, somente os entrevistados estaduais destacaram as contribuiçõespedagógicas materiais possibilitadas pela municipalização do ensino (coordenador pedagógicopor escola, aula de inglês para alunos, materiais disponíveis, conservação do prédio escolar etc),o que representaria para eles um acréscimo ao trabalho pedagógico docente. Mediante ao turbilhãode emoções e experiências negativas vividas pelos professores municipais, eles sequer remeteram-se a esse assunto, mesmo aqueles que já haviam trabalhado em escolas estaduais.

Ao que tudo indica, no referido caso, a municipalização do ensino parece ter permitidoque os diferentes vínculos de trabalho existentes entre os docentes (estadual e municipal) tomassemo formato de isonomias salariais, de distinções sindicais (o professor do Estado mantinha-sevinculado à APEOESP e o do município não tinha entidade sindical), de diferenciações de carreirae de variações no tratamento do professor. Contudo, mais do que isso, ela possibilitou a ocorrênciade uma grande distinção inclusive entre as auto-imagens e as vivências pessoais e profissionaisda docência pelos diferentes grupos. Essa fragmentação docente era outro medo histórico dasentidades dos professores paulistas em relação à municipalização do ensino, que temiam o próprioesfacelamento da profissão inclusive em termos de cumplicidade nas vivências e lutas docentes.

OS DESCOMPASSOS DAS VIVÊNCIAS DOS ITENS DE VALORIZAÇÃO DOFUNDEF

Apesar das divergentes percepções sobre o contexto da municipalização do ensinoentre os dois grupos, todos os entrevistados acreditavam que no Município pesquisado havia ummovimento da administração educacional local para implementação dos itens da valorização domagistério trazidos pelo FUNDEF. Segundo eles, no tocante à remuneração, era investida partedas verbas do FUNDEF para o pagamento do magistério; sobre o Conselho de Acompanhamentoe Controle Social do FUNDEF, ele já estava em funcionamento na cidade; na questão da capacitação-formação do professor, eram oferecidos freqüentemente cursos para o grupo; sobre o Plano deCarreira e Remuneração do Magistério, ele já estava em processo de elaboração -sendo aprovadosomente no final de 2002. Todavia, novamente, professores de distintos vínculos demonstraram

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vivenciar diferentemente sua implementação, bem como seus efeitos.No que se refere à questão salarial, o salário do professor estadual (cedido à prefeitura)

continuava sendo proveniente do Estado, variando seu valor básico de R$ 597,00 mensais paraum regime de 30 horas semanais de acordo com as gratificações e orientações do Plano deCarreira estadual –embora o Município ressarcisse para o Estado o seu valor. Já o salário doprofessor municipal era de R$ 665,00 mensais para uma jornada de 32 horas, tal como fixado pelalocalidade, não sofrendo variações –salvo pelas horas-extras-, uma vez que a localidade ainda nãopossuía um Plano de Carreira para seu magistério. Por essa razão, ambos os grupos de professores(estadual e municipal) discordavam dessa diferenciação salarial, pois ela ocorria entre profissionaisde igual função, atividade e local de trabalho. Isso ocasionou que cada grupo pesquisado percebesseo outro como financeiramente mais valorizado: o grupo do Estado, com vistas ao fato de que osalário base do professor municipal era mais alto que o deles e o grupo do Município, pautado nofato de que o salário base do professor estadual acrescia-se dos benefícios da evolução na carreira,presentes em seu Plano.

Tanto os docentes cedidos pelo Estado quanto os do Município (e os outrosprofissionais do magistério do ensino fundamental de 1ª a 4ª série de Américo Brasiliense) dividiamno final do ano -conforme a proporção das horas trabalhadas e do cargo/função-, os resíduos dasverbas que sobravam do FUNDEF, sendo esse evento conhecido na cidade como “rateio”. Segundoo professor municipal, essa prática local era negativa para a valorização do profissional do Município,uma vez que ela descaracterizava o caráter salarial de seus pagamentos, não garantindo as verbascomo salário em suas carreiras e contribuindo para o estacionamento de seus valores.Diferentemente disso, para a maioria dos professores estaduais entrevistados, a distribuição dassobras das verbas do Fundo via rateio acabou sendo positiva, já que, conforme eles, ela teria sidoo único meio pelo qual os docentes estaduais (cedidos) acabaram beneficiando-se da política deremuneração no Município, possibilitada pelo FUNDEF.

Apesar dessas diferentes avaliações entre os grupos, todos os entrevistadosressaltaram que a isonomia salarial existente entre eles -associada à prática do “rateio” municipal-contribuiu para o estabelecimento de discórdias entre os grupos, afetando inclusive suas relaçõespessoais e profissionais (até em termos de trocas de experiências pedagógicas), incidindonegativamente para a união e identidade entre os professores.

Na questão da formação-capacitação do professor, ambos os grupos participavamconjuntamente dos cursos oferecidos pelo Município. Entretanto, uma das principais diferenças deanálise entre os entrevistados reflete-se pelo alto grau crítico expresso pelos professores municipais,por conta de suas vivências sobre o processo. Foi destacada por eles a negatividade do caráterimpositivo de suas participações nessas atividades, da cobrança da utilização prática de seusconteúdos, da não participação do professor na escolha dos temas e da tendência desses cursosseguirem modismos educacionais. Esses professores demonstraram também insatisfação quantoao fato de que o Município considerava para a contagem na atribuição de aulas somente os cursosque ele próprio oferecia. Sobre esse assunto, os professores estaduais não fizeram menção. Contudo,eles destacavam sentir-se prejudicados pelo próprio Convênio Estado-Município, em razão de

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Identidades, imagens sociais e organizaçao da categoria docente

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que, com a municipalização do ensino, os cursos oferecidos pelo Município não serviam paraevolução na carreira do Estado, pois não somavam pontos aos seus prontuários estaduais.

Aqui, um aspecto interessante comum aos dois grupos foi o da negatividade doshorários em que os cursos eram oferecidos. De acordo com os professores, os horários dos cursospromovidos pelo Município geralmente não respeitavam os horários de folga do docente,intensificando seus trabalhos.

Em relação à formação inicial, aproximadamente 70% dos docentes municipais deAmérico Brasiliense tinham formação em nível superior. Dos professores estaduais cedidos, os100% possuíam formação em nível superior, tendo em vista o “Programa de Educação Continuada–Formação Universitária” (PEC-Formação Universitária) oferecido pelo Estado, no período de 2001/2002. Cabe lembrar que, com o Convênio Estado- Município, a Secretaria de Educação do Estadodeveria ainda “co-responsabilizar-se pela capacitação do pessoal colocado à disposição do Município,pela Secretaria” (SÃO PAULO, 2002). Assim, os professores estaduais mostraram-se bastantesatisfeitos nesse aspecto. Já no caso dos professores municipais, foi avaliado que o Municípiohavia demorado muito tempo para tocar nesse assunto. Além disso, segundo acreditavam essesentrevistados, o Departamento de Educação apenas realizaria um convênio com uma faculdadeprivada, que cobraria preços mais reduzidos dos docentes que freqüentassem seus cursos, semque fossem considerados aí o aspecto financeiro dos professores e a questão qualitativa doscursos.

No que diz respeito ao tema do Plano de Carreira e Remuneração do Magistério, elefoi um dos itens mais contrastantes entre os diferentes grupos. Os professores estaduais possuíamum Plano de Carreira e Remuneração Estadual, enquanto que os professores municipais aindaestavam com seu Plano em processo de elaboração. Esses fatos ocasionaram que os professoresestaduais se colocassem completamente à margem do processo de elaboração do Plano de Carreiramunicipal. Eles consideravam que essa era uma luta dos docentes municipais, visto que já haviamlutado por seu Plano na esfera estadual. Já os professores municipais, ao contrário, mostravam-sealtamente preocupados com esse tema, despendendo algumas preocupações sobre o referidoitem. Destacaram sentir no Município um movimento contrário à valorização docente por esseveículo durante seu próprio processo de implementação. Conforme eles, os professores haviamsido inicialmente excluídos de sua elaboração e, posteriormente, incluídos nela, mas sem sucessono objetivo de garantir suas aspirações no documento. Tudo isso, para eles, contribuía para queesse item não se efetivasse em sua esfera valorizadora na cidade.

Desse modo, o que se percebe é que apesar do FUNDEF trazer como um de seusprincipais objetivos a valorização do magistério e, mais especificamente, do professor, ele deixouvárias lacunas possíveis para sua implementação local, fundamentalmente, no que se refere àunião e à identidade do grupo, pela possibilidade de existir profissionais em uma mesma rede comdiferentes “pesos” e “medidas” para sua valorização.

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DINON, Luiz Lorenzi. Descentralização e educação nos municípios: potencialidades e limitações.Rio Grande do Sul, 1987. (Dissertação de Mestrado) . Faculdade de Educação da UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul.

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NOTA

Dentro do contexto apresentado, pode se perceber que os professores estaduais pareceram vivenciar a municipalização do ensino e suasadversidades como uma nova condição do professor do Estado, mas com a ciência de seus vínculos estaduais e de suas conquistas.Nesse sentido, ela pareceu ser para eles uma continuidade da realidade estadual, ou seja, uma extensão de suas vivências e relações comEstado –inclusive em suas adversidades e “distâncias”. No caso do professor do Município, o seu vínculo municipal permitiu que elevivenciasse a municipalização do ensino de forma exposta, fragilizada e desprotegida de sua condição profissional.Por essa razão, professores do Estado e professores do Município experimentaram diferentemente a municipalização do ensino, aimplementação dos itens de valorização do FUNDEF e os seus efeitos. Com isso, para além da efetivação de um sentimento de valorizaçãoentre a categoria, reforçou-se entre eles a sensação de um mal-estar generalizado, resultado do desequilíbrio entre suas experiênciasdocentes.Contudo, do que pode se concluir pela pesquisa é que, toda política educacional que se preocupe com a valorização do professor, precisaconsiderar, como aspecto primordial para o seu funcionamento, a questão da unidade e da identidade da categoria docente. A valorizaçãopassa necessariamente pela proteção do professorado enquanto um grupo profissional, em que se é focada e ou construída a identidadeda profissão docente, a partir da cumplicidade na vivência, nos benefícios e na resolução dos mesmos problemas.