IBRE - O Complexo Desafio Da Produtividade No Brasil

4

Click here to load reader

description

Discussões sobre o complexo desafio da produtividade no Brasil

Transcript of IBRE - O Complexo Desafio Da Produtividade No Brasil

O complexo desafio da produtividade no Brasil

Vol. 68 n 04ABRIL 2014

Conjuntura Econmica|Carta do IBRE

O crescimento mdio do PIB brasileiro caiu de 3,9% no perodo de 2003 a 2010, do governo Lula, para 1,9% de 2011 a 2013, com Dilma Rousseff na presidncia. Muito se tem debatido sobre essa queda do ritmo, e sobre at que ponto ela deriva de fatores externos, como um ambiente internacional menos favorvel, ou internos, como uma alegada piora da poltica econmica. H dvidas tambm sobre quanto da desacelerao estrutural e quanto conjuntural, quanto transitria e quanto reflete uma queda mais prolongada do produto potencial.Uma anlise simples da queda do crescimento entre os dois ltimos presidentes revela que a perda de crescimento foi fortemente influenciada pela desacelerao da produtividade total dos fatores (PTF). Dos dois pontos percentuais (pp) de reduo do crescimento mdio entre Lula e Dilma, a expanso mais lenta da PTF explica 1,3 pp da queda. Adicionalmente, uma desacelerao drstica do crescimento das horas trabalhadas (1,8% de crescimento ao ano no governo Lula, e, apenas, 0,1% com Dilma) responsvel por uma diminuio de 0,9 pp no ritmo do PIB entre os dois perodos.Se fosse apenas pelo pior desempenho da PTF e das horas trabalhadas, Dilma teria obtido um crescimento mdio anual do produto 2,2 pp inferior ao de Lula, ou de somente 1,7%. Mas o fraco desempenho daquelas duas variveis foi ligeiramente contrabalanado por uma expanso mais rpida do capital em uso, cuja contribuio para o crescimento do produto foi de 1,4 pp com Lula e de 1,6 pp no governo Dilma at 2013 uma diferena positiva de 0,2 pp para a presidente, que fez com que o crescimento mdio no seu governo chegasse a 1,9%.Colocando uma lupa no que ocorreu com a PTF, chama a ateno que sua queda entre os governos de Lula e Dilma derive mais da produtividade do capital do que da produtividade do trabalho. Esta ltima, na verdade, desacelerou pouco entre os dois perodos: de 2,1% para 1,8%. J a produtividade do capital cresceu a 0,9% ao ano entre 2003 e 2010 e caiu a um ritmo mdio anual de 1,6% de 2011 a 2013.A populao ocupada (PO), que cresceu taxa mdia de 2,1% ao ano de 2003 a 2010, aumentou apenas 0,7% ao ano no governo Dilma. O fator dominante do recuo da PO foi a queda de 1,2% ao ano, em mdia, da proporo entre a populao ativa (PEA) e a populao em idade de trabalhar (PIA). Tambm conhecida como taxa de atividade, essa relao cresceu 0,4% ao ano durante o governo Lula.Produtividade freadaEm sntese, a queda de crescimento econmico de Lula para Dilma se deveu, basicamente, a dois fatores: perda de eficincia do capital, refletida na forte freada da sua produtividade; e no menor uso relativo do trabalho, que se v no recuo da taxa de atividade (PEA/PIA).Explicar o mau desempenho da produtividade do capital no tarefa simples. Uma linha de intepretao a de que uma srie de mudanas na poltica econmica, j iniciadas no governo Lula mas reforadas e cristalizadas na gesto de Dilma poderia ter prejudicado a qualidade do investimento e contribudo para diminuir a produtividade do capital. A razo para isso seria a pior alocao do capital, influenciada por decises administrativas do governo em detrimento dos sinais do setor privado, e uma piora na organizao da economia com aumento do intervencionismo e do microgerenciamento.Na lista de polticas geralmente mencionadas pelos que acreditam nessa explicao, consta o novo marco regulatrio do setor do petrleo, o controle de preos administrados, a renovao antecipada das concesses de energia eltrica (com judicializao e desorganizao, frutos da ao estatal), a dificuldade e a relutncia em colocar em prtica a agenda de concesses, o uso dos bancos pblicos para forar a queda do spread bancrio, a perda de previsibilidade da poltica macroeconmica, a alta da inflao e a forte elevao da intermediao do investimento liderada pelo setor pblico, como na atuao do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES)*.H duas linhas de crtica que se podem fazer interpretao acima. A primeira de que algumas dessas polticas no foram erros. Uma viso alternativa diria que o uso dos bancos pblicos para baixar os spreads foi uma medida saudvel para romper uma tendncia oligopolista no setor, que mantm os spreads artificialmente elevados, e que a renovao antecipada das concesses energticas estava na letra da lei e se constituiu apenas numa ao do governo para fazer valer seus legtimos direitos.Da mesma forma, parte do agigantamento do BNDES deveu-se ao financiamento subsidiado de concesses, transferindo do consumidor para o contribuinte a conta do investimento em infraestrutura. Isto ocorreu, por sua vez conforme se viu, de forma emblemtica, nas manifestaes de rua de junho de 2013 pela baixa disposio da populao em pagar mais caro por servios pblicos de baixa qualidade.Esta Carta, porm, no o espao adequado para discutir em detalhes tantas questes especficas. Mesmo se admitindo que algumas das polticas mencionadas acima possam ser criticadas, justa ou injustamente, h certo consenso de que a poltica econmica dos ltimos anos foi acidentada e, possivelmente, ineficaz em suas tentativas de reavivar a economia. sobre esse ponto que se pode fazer a segunda crtica aos que consideram que possa ter havido uma perda de crescimento potencial em funo de erros de poltica econmica. A ideia que existe uma defasagem entre polticas e seus efeitos estruturais. Este precisamente o argumento, alis, dos que veem a herana do governo Fernando Henrique Cardoso como um dos fatores do sucesso posterior de Lula, embora ao tempo da prpria gesto tucana os impactos positivos tenham sido menores. Da mesma forma, se houve equvocos durante os primeiros anos do governo Dilma, possvel imaginar que seus impactos estruturais na produtividade e no crescimento potencial venham a ocorrer com alguma defasagem, e no que tivessem efeito em curto prazo.Produtividade do trabalhoOlhando o futuro, independentemente dos fatores que levaram desacelerao do PIB ocorrida especificamente entre os governos de Lula e Dilma, aumentar a produtividade do trabalho permanece como o principal desafio para que o Brasil tente voltar a crescer em torno de 4% ao ano. Este seria o ritmo necessrio para o pas dobrar a renda per capita em 20 anos. Na verdade, trata-se de um desafio fundamental, j que o Brasil ainda um pas de renda baixa em relao ao mundo desenvolvido.Uma dificuldade adicional que, nas prximas dcadas, a relao de dependncia (inativos/ativos) aumentar. Essa mudana significa que o aumento da produtividade do trabalho necessrio para elevar o PIB per capita para os nveis dos pases desenvolvidos ser ainda maior do que o necessrio hoje.As fontes de aumento da produtividade so tema de grandes e interminveis debates em economia. Segundo modelos usuais de crescimento, a produtividade do trabalho aumenta de acordo com a qualificao do trabalho (medida por anos de estudo) e o volume de capital por trabalhador (mais mquinas e infraestrutura por trabalhador).Ao longo das ltimas dcadas, o governo brasileiro vem empreendendo esforos de expanso na educao. H resultados positivos como a quase universalizao do ensino fundamental, a expanso do ensino profissional e o grande aumento da populao universitria. O Brasil tambm se destacou em termos de melhora no Pisa, o exame internacional da educao bsica, embora ainda permanea em nvel baixo. Porm, para que o gasto pblico per capita com educao continue se expandindo sem pressionar o dficit e a dvida pblica, necessrio reduzir o ritmo de crescimento de outras despesas do governo. Como nos ltimos anos os itens que aumentaram mais foram as transferncias de renda, a concluso inevitvel para 2015-18 que, para que determinados gastos sociais aumentem mais (sade, educao etc), ser necessrio que outros gastos sociais aumentem menos (Previdncia, abono salarial, seguro-desemprego etc.).O aumento do investimento em capital fsico, por sua vez, depender de maior atratividade e previsibilidade da taxa de retorno sobre o capital. Nos ltimos anos, o governo empreendeu medidas para impulsionar o investimento em infraestrutura. No entanto, algumas das polticas propostas acabaram, por diferentes motivos, reduzindo o incentivo ao investimento. Uma correo de rumos nessa rea, portanto, um passo importantssimo para relanar a expanso da produtividade.Alm de mais capital fsico e educacional, o aumento da produtividade do trabalho no Brasil tambm depende do prprio crescimento do PIB, devido a economias de escala e mudanas estruturais na composio da produo. Quando a economia cresce mais rpido, a produtividade acompanha esse movimento por causa da reduo do custo fixo por unidade produzida, do chamado learning by doing e do aumento do investimento em inovao.A acelerao do crescimento do Brasil depende, portanto, de aes que estimulem o investimento em capital fsico e humano. Isso resultar num aumento da relao capital/trabalho e do produto por trabalhador. Nesse sentido, a agenda fundamental do pas hoje de, simultaneamente, recuperar o investimento em capital fsico e continuar aumentando o investimento em capital humano. Permitindo, assim, que o Brasil volte a crescer num ritmo compatvel com o status de economia emergente e com os justos anseios da sociedade por aumento de renda e por melhorias mais abrangentes do padro de vida.

______________

*Existem outras explicaes que justificariam a queda da produtividade do fator capital. Em linhas gerais, tais entendimentos derivariam de mudanas na composio setorial do PIB ocorrida nos anos recentes.