HMB_2004_apostila11

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  • Apostila do cursoHistria da Msica BrasileiraInstituto de Artes da UNESP 11

    A MSICA URBANA DE SALO NO SCULO XIX

    Paulo Castagna

    1. Introduo

    No perodo aproximadamente compreendido no II Imprio (1841-1889), opanorama musical brasileiro sofreu grandes modificaes em relao s primeirasdcadas do sc. XIX, impulsionadas no exatamente pelos novos rumos que adquiria amonarquia no Brasil, mas pelo prprio avano do processo de urbanizao e deinternacionalizao da cultura das elites brasileiras do perodo. Com o centro cultural noRio de Janeiro, o interesse pela pera era cada vez maior, enquanto a msica religiosaentrava em um lento processo de decadncia, que atingiu seu apogeu com a tendnciade depurao do funesto influxo que sobre a arte sacra exerce a arte profana eteatral, regulamentada no Motu Proprio do Papa Pio X (1903).1

    Paralelamente, desenvolvia-se a prtica de canes - modinhas e lundus - desde1834 impressas em grande quantidade no Rio de Janeiro e em outras cidades brasileiras(especificamente destinadas a ambientes domsticos) e a prtica de danas de saloimportadas da Europa para execuo em bailes sofisticados e grandes eventos sociais,sendo as principais a quadrilha, a polca, a valsa, a redowa, a schottisch e a mazurca.

    Essas danas, introduzidas no Brasil desde o final da primeira metade do sc.XIX, tornaram-se to comuns nas diverses da elite brasileira da segunda metade dessesculo que contaram com a contribuio da grande maioria dos autores que atuaram ato final do perodo monrquico, mesmo quando preferencialmente dedicados pera ou msica religiosa. Eram principalmente executadas ao piano - instrumento j comumnas casas ricas a partir da dcada de 1830 - ou em pequenos conjuntos instrumentais quemesclavam cordas e sopros.

    O primeiro lbum de danas de salo impresso no Brasil foi o Rio de Janeiro:lbum pitoresco-musical (1856),2 no qual 7 danas de salo com nomes de regies daProvncia do Rio de Janeiro (a maioria da cidade do Rio) so precedidas de litogravurasdo referido bairro por Alfred Martinet, obra de grande interesse histrico tanto pelocontedo musical quanto pelo iconogrfico:

    1. Demtrio Rivero - Botafogo (quadrilha)2. Eduardo [Medina] Ribas - Gloria (polca)3. Salvador Fabregas - Jardim Botnico (valsa)4. Geraldo Horta - Boa viagem (redowa)5. Quintino dos Santos - So Cristvo (schottisch)6. J. J. Goyanno - Tijuca (polca-mazurca)7. A. Campos - Petrpolis (quadrilha)

    1 Ver, entre outros, a edio em portugus do Motu Proprio de Pio X em: Lyra Sacra: Canticos a Nossa Senhora:parte IV: Ladainhas. Braga: S. Fiel, 1904. p. 7-12.2 Rio de Janeiro: lbum pitoresco-musical publicado pelos Suc.es de P. Laforge e desenhado peloSnr. Alf. Martinet. Rio de Janeiro: P. Laforge e sucess, [1856]. 24 p. + 7 litogr.

  • PAULO CASTAGNA. A msica urbana de salo no sculo XIX (HMB - Apostila 11) 2

    A partir de ento, centenas de danas foram compostas, principalmente ao redordesses 6 tipos bsicos, conhecendo-se, atualmente, inmeros exemplares impressos emanuscritos do sc. XIX. A partir do final do sc. XIX, entretanto, essas danascomearam a sofrer profundas alteraes, mesclando-se com gneros brasileiros dedana (como o lundu e o maxixe), gerando pelo menos duas correntes musicais: aprimeira ainda urbana, porm desnivelada para camadas mdias da sociedade, com aprtica de danas j nacionalizadas; a segunda mais tpica de ambientes rurais, nosquais essas danas foram folclorizadas, transformando-se em dezenas de gneros dedanas de expresso local, tanto na msica quanto na coreografia.

    Os itens que se seguem esto destinados no exatamente a fornecer umpanorama estritamente histrico da evoluo das danas de salo no II Imprio - umavez que no existem estudos suficientes a respeito - mas a apresentar as principaiscaractersticas de cada uma dessas danas no perodo, extradas das poucas fontesdisponveis sobre o assunto.

    2. Quadrilha

    Para Rafael Coelho Machado, autor do primeiro dicionrio musical impresso noBrasil (Rio de Janeiro, 1842),3 a quadrilha Certo nmero de contradanas,acomodadas aos passos e figuras das danas usadas nos sales; deriva o seu nome donumero dos danadores que ordinariamente composto de quatro pares. A quadrilha,portanto, no uma dana, mas um conjunto indissocivel de 5 danas, tal como foi asute dos sculos XVII e XVIII. Segundo Higino Angls e Joaqun Pena a quadrilhafoi:4

    Especie de contradanza francesa, que se introdujo en Pars aprincpios del s. XIX. Abarca cinco figuras, tituladas pantalon o chainefranaise, t o avant-dex, la poule, la pastourelle y la boulangre, ycomprende dos variedades, la ordinaria y la quadrille de lanciers (encastellano, lanceros). Esta ltima fu inventada en pars por Laborde, en1856, y se caracteriza por ejecutarse formando pequeos grupos de cuatroparejas, que se sitan frente por frente, de dos en dos. A veces concluyecon un galop. Los lanceros fueron importados de Inglaterra. Hay, adems,la quadrille americanine, cuyas figuras estn tomadas en buena parte delcotilln.

    Para Pedro Sinzig5 e Ernesto Vieira, quadrilha o mesmo que contradana.Este ltimo informa que, no sc. XIX, cada um dos nmeros da quadrilha era repetidovrias vezes:6 3 MACHADO, Raphael Coelho. Dicionario musical: Contendo: 1. Todos os vocabulos e phrases daescripturao musical; 2. todos os termos technicos da musica desde a sua maior antiguidade; 3. Umataboa com todas as abreviaturas usadas na escripturao musical; suas palavras correspondentes; 4. Aetymologia dos termos menos vulgares e oss synonimos em geral por [...]; Nova Edio Augmentada peloautor e por Raphael Machado Filho. Rio de Janeiro, B. L. Garnier, Livreiro Editor, 1909. p. 183.4 PENA, Joaqun & ANGLS, Higino. Diccionario de la Msica Labor; iniciado por Joaqun Pena;continuado por Higino Angls; con la colaboracin de Miguel Querol y otros distinguidos musiclogosespaoles e estranjeros. Barcelona, Madrid, Buenos Aires, Rio de Janeiro, Mxico, Montevideo: EditorialLabor, S. A., 1954. v. 2, p. 1816.5 SINZIG, Pedro. Pelo mundo do som; dicionrio musical. 2a. Rio de Janeiro, So Paulo, Porto Alegre,Livraria Kosmos Ed. e Erich Eichner & Cia Ltda., 1959. p. 474.6 VIEIRA, Ernesto. Diccionario musical; contendo Todos os termos technicos, com a etymologia damaior parte delles, grande copia de vocabulos e locues italianas, francezas, allems, latinas e gregas

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    Uma das danas mais usadas atualmente. Compe-se de cinconmeros de msica, todos em compasso binrio, andamento allegretto;cada nmero consta de dois ou trs perodos e repete-se quatro vezes,exceto o n. 5, que se executa oito vezes.

    A contradana usada desde a primeira metade do sculopassado [XVIII], como se depreende de uma obra publicada em 1729, quedescreve as festas do corpo de Deus em Braga: ... dando da mesma sortefim a cada jornada, com os bailes que por novidade davam fim com umaalegre contradana.(Padre Leite da Costa, Desempenho festivo.)

    O nome desta espcie de dana deriva do ingls country-danse,que significa dana campestre.

    Mrio de Andrade apresenta informaes mais ricas em relao funo socialda quadrilha e de sua folclorizao no sc. XX. De acordo com esse autor, aquadrilha foi dana de honra em bailes oficiais:7

    Dana de salo, aos pares, de origem francesa, e que no Brasilpassou a ser danada tambm ao ar livre, nas festas do ms de junho emlouvor a So Joo, santo Antnio e So Pedro. Os participantes obedecems marcas ditadas por um organizador da dana. O acompanhamentotradicional das quadrilhas a sanfona.

    A quadrilha fez furor no Recife por 1840 desbancando tudoquanto era dana do tempo.

    Segundo Pereira da Costa [1908], j vulgarizada no Brasil por1837. [...]

    Ainda nos primeiros governos republicanos era a dana de honracom que se iniciava os bailes oficiais. Nos lugares afastados dos centrospopulosos e progressistas (no sentido da importao das modasestrangeiras) inda a quadrilha surge, espantosamente. Quando viajei Amaznia em 1927, em Iquitos, capital da provncia de Loreto no Peru, ogovernador inda iniciou um baile com a quadrilha, coisa que deixoudesesperadamente inteis algumas das minhas companheiras de viagem.

    A quadrilha caiu no domnio popular de nossa gente e amarcao em francs dos seus passos teve adaptaes adorveis quechegaram a ser transportadas pros sales da burguesia. J por 1853 e 55era to popular que cara no domnio das msicas de barbeiros cariocasque as executavam nas folias do divino, conta Melo Morais Filho. [...]

    [...]

    De acordo com Maria A. C. Giffoni, a quadrilha j era comum no Brasil durantea Regncia (1831-1841):8

    relativas Arte Musical; noticias technicas e historicas sobre o cantocho e sobre a Arte antiga;nomenclatura de todos os instrumentos antigos e modernos, com a descripo desenvolvida dos maisnotaveis e em especial daquelles que so actualmente empregados pela arte europea; referenciasfrequentes, criticas e historicas, ao emprego do vocabulo musical da lingua portugueza; ornado comgravuras e exemplos de musica por Ernesto Vieira. 2. Edico, Lisboa, Typ. Lallemant, 1899. p. 169.7 ANDRADE, Mrio de. Dicionrio musical brasileiro; op. cit., p. 414-415.8 GIFFONI, Maria Amlia Corra. Danas da corte; danas dos sales brasileiros de ontem e de hoje.So Paulo, Depto. de Educao Fsica e Desporos do MEC, 1974. p. 34 (Caderno Cultural, v. 2).

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    Dana de origem francesa, surgiu no Brasil no comeo do sculoXIX, trazida por mestres de orquestras daquela nacionalidade, entre elesMilliet e Cavalier. Muitas das msicas de Musard, considerado o Pai daQuadrilha, foram aqui executadas. Durante a Regncia o sucesso daQuadrilha no Rio de Janeiro foi enorme. Era danada em sua formafrancesa, com cinco partes, em compasso que variava entre 6/8 e 2/4, deacordo com cada parte, terminando com Galope. No baile do Pao de1852, foram executadas vinte Quadrilhas, fato que atesta o quanto eraapreciada. Derivadas da Quadrilha surgiram entre ns inmerasvariaes j apontadas. Vrias danas do Fandango brasileiro empregama marcao da Quadrilha, e no pericn, conhecido no Rio Grande do Sul,a influncia dessa dana enorme. Atualmente, est praticamentedesaparecida, ressurgindo apenas nas festas juninas, com feioacaboclada. Os compositores brasileiros interessaram-se pela Quadrilhae deram-lhe caractersticas nacionais. No final do sculo passado eraconhecida em Minas Gerais a Quadrilha Americana, trazida poreuropeus, interessados na minerao (no Brasil predomina em compasso2/4).

    A Enciclopdia da msica brasileira no acrescenta maiores informaeshistricas sobre a quadrilha, confirmando apenas sua chegada ao Brasil (como nosEUA) no incio do sc. XIX e sua folclorizao em inmeras danas rurais:9

    Dana de salo, popular na Europa e E.U.A., chegada ao Brasilno comeo do sc. XIX e j bastante popular no Rio de Janeiro na pocada Regncia (1831-1840). Em virtude talvez dessa rpida popularizao,a quadrilha ganhou numerosas variantes no pas. No interior de SoPaulo surgiu a quadrilha caipira; na Bahia e em Gois, o baile sifiltico;no Brasil Central, o saru; e em Campos RJ, a mana-chica, talvez a maiscuriosa de todas as variantes. Muitas danas do fandango empregam amarcao da quadrilha, a exemplo do que ocorre no pericn e em outrosbailes gachos da campanha do Rio Grande do Sul. Vale observar aindaque a quadrilha influenciou diretamente as danas em fileiras opostas e ascontradanas em geral.

    A quadrilha utiliza normalmente compasso 2/4, mas algumas de suas partespodem usar o 6/8. Sua estrutura est baseada em frases de 8 compassos, com figuraoem colcheias e semicolcheias, mas sem a utilizao de sncopas.

    3. Polca

    Originada na Bohemia, era uma dana de andamento moderado, cujo nomederivou-se da palavra checa pulka (meio), devido importncia de um passo central emsua coreografia. A primeira polca conhecida foi composta por Fr. Hilma na dcada de1830. Seus principais esquemas rtmicos foram:

    2/4 . | ou

    9 Enciclopdia da msica brasileira: erudita, folclrica e popular. So Paulo: Art Ed., 1977. v. 2, p. 631.

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    2/4 | . | .

    Para Ernesto Vieira foi10 Dana originria da Bohmia, que se vulgarizouextraordinariamente na Europa desde 1840. Foi neste ano que a polca apareceu pelaprimeira vez em Paris, apresentada no teatro Odeon por um danarino bohemiochamado Rab. A moda apoderou-se ento dela furiosamente e transportou-a para ossales, onde foi por alguns anos a dana favorita. em compasso 2/4, andamentoalegretto, carter alegre, mas gracioso.

    Mrio de Andrade acrescenta algumas informaes, a principal delas em relao sua introduo no Rio de Janeiro em 1846:11

    Dana em compasso binrio, 2/4, andamento alegre, originriada Bomia. Silva Leal [1942], tratando da origem da dana, afirma que apolca, na Polnia, foi conhecida como mazurek, que vem da Mazawia(...). O compasso da mazurek em trs tempos (...) as figuras e passos souma srie de movimentos complicados com certo sistema de volta, commenos rapidez do que a valsa, a cadncia de um motivo em notas picadasem valores desiguais, que requerem grande energia e leveza para boaexecuo. [...]

    A primeira polca foi danada no Rio de Janeiro pela atriz Claradel Mastro, no Carnaval de 1846. Foi ela tambm que introduziu nesseano o baile a fantasia. E a polca fora lanada em Paris s dois anos antespor Musard. [...]

    Em 1847 chamou-se no Rio de polca a uma epidemia quegrassou ento que a polca estava em moda. [...]

    [...]

    At o incio do sc. XX as polcas predominaram entre as danas de salo. Oimportante relato de Floriano de Lemos (1943), registrado por Pedro Sinzig, informasobre a variabilidade das polcas no Brasil na segunda e sua mistura com outros gnerosde danas:12

    Dana rpida em compasso binrio, nascida da antiga escocesa,sendo apenas casual a semelhana do nome com a polaca. At o ano de1903, em que eu tocava muito... as danas cariocas, afora a clssicaquadrilha, eram somente a valsa, a polca e o pas de quatre ou schottisch...Alm desses trs principais tipos de msica de baile, havia os dobrados emarchas militares, dos quais se aproximavam algumas polcas, chamadaspor isso mesmo polcas militares, que se danavam por sinal, fazendoumas continncias engraadssimas... Mas as polcas, quando muitolangorosas, com ritmo especial, recordando um pouco o das danasafricanas, tinham o nome de lundus, no sendo porm bem acolhidas nasociedade em geral... o que caracterizava o lundu era ser uma polca

    10 VIEIRA, Ernesto. Diccionario musical; op. cit., p. 421.11 ANDRADE, Mrio de. Dicionrio musical brasileiro; coordenao Oneyda Alvarenga, 1982-84,Flvia Camargo Toni, 1984-89. Belo Horizonte, Itatiaia; [Braslia], Ministrio da Cultura; So Paulo,Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de So Paulo e Editora da Universidade de So Paulo,1989. [Bibliografia citada nos verbetes, p. 589-633; Bibliografia de Na pancada do ganz, e doDicionrio musical brasileiro (ordenao original de Mrio de Andrade), p. 405 (Coleo Reconquista doBrasil, 2a. srie, v. 162).12 SINZIG, Pedro. Pelo mundo do som; dicionrio musical. op. cit., p. 448.

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    requebrada, com uma melodia agradvel e chorosa e o cantocorrespondente, prprio para modinhas. (Floriano de Lemos: Correio daManh, Rio, 28-11-43).

    As informaes de Maria A. C. Giffoni concordam com os autores acimacitados, porm acrescentam outros gneros derivados da polca ou a ela fundidos no sc.XIX e incio do sc. XX:13

    Originria da Bomia, difundiu-se internacionalmente.Introduzida entre ns, em 1845, foi executada pela primeira vez por Filipee Carolina Caton e pelo par de Vecchi e Farina. O casal Caton abriu,logo em seguida, um curso dessa dana, o qual teve grande sucesso. Em1846 foi fundada a Sociedade Constante de Polca, dana que se tornoupredileta dos brasileiros, fazendo concorrncia Valsa. Por longos anosdanaram-na, com feies nossas, e dela surgiram variaes locais, comoa Polca Sertaneja, mais ritmada e rpida do que a europia e oPuladinho. O prestgio da Polca era tal que a Chimarrita, dana deorigem portuguesa, que assumiu no Brasil caractersticas prprias,passou a ser executada no Paran com feio de Polca e to apreciadaque quando a tocavam todos saam para danar. [...] (compasso binrio,allegretto, havendo exemplos em 4/8).

    A Enciclopdia da msica brasileira a fonte mais rica em informaes e amais sinttica sobre a polca no Brasil imperial, informando tambm sobre algumasderivaes dessa dana em princpios do sc. XX14

    Originalmente dana rstica da Bomia (parte do imprio ustro-hngaro e atual provncia da Checoslovquia), chegou capital Praga em1837. Nesse ano, editou-se a primeira partitura para piano da dana queiria espalhar-se rapidamente pela Europa. Binria de andamento allegro,a polca apresenta melodia saltitante e configurao rtmica baseada emcolcheias e semicolcheias com pausas no segundo tempo do binrio. NoBrasil foi apresentada pela primeira vez em 3 de julho de 1845, no TeatroSo Pedro, no Rio de Janeiro RJ. Tornou-se mania, a ponto de ocasionara formao da Sociedade Constante Polca, no ano seguinte. Comeandocomo dana de salo, a polca logo ganhou teatros e ruas, tornando-semsica eminentemente popular. Praticaram-na conjuntos de choro egrandes sociedades carnavalescas. Calado, Irineu de Almeida, MiguelEmdio Pestana, Henrique Alves de Mesquita, Anacleto de Medeiros eErnesto Nazar compuseram polcas famosas. Fundindo-se com outrosgneros, chegou a ser polca-lundu, polca-fadinho, polca-militar.Completando o ciclo, ganhou a polca o mundo rural, folclorizando-se.

    4. Valsa

    13 GIFFONI, Maria Amlia Corra. Danas da corte; danas dos sales brasileiros de ontem e de hoje.op. cit., p. 34.14 Enciclopdia da msica brasileira: op. cit, v. 2, p. 619.

  • PAULO CASTAGNA. A msica urbana de salo no sculo XIX (HMB - Apostila 11) 7

    A valsa (originalmente grafada walzer, no Brasil walsa) tornou-se comum nosc. XIX, originada a partir de lndler e tanzlieder germnicos do sc. XVIII.Inicialmente foi dana lenta em compasso ternrio, mas a partir de 1870 ou pouco antessurgiu uma modalidade rpida, popularizada por Josef Lanner e Johann Strauss (pai efilho). Para Rafael Coelho Machado (cuja primeira edio de seu Dicionrio musical: de 1842), a valsa dana que duas pessoas executam volteando sobre si, ao mesmotempo que descrevem um grande crculo no lugar onde danam; o smbolo dosmovimentos que fazem a terra e os planetas: um sobre si mesmo e outro em roda do sol.A valsa oriunda da Alemanha e escreve-se sempre a trs tempos e modernamente comum andamento vivo.15

    O musiclogo portugus Ernesto Vieira, em 1899, no dava muita ateno svalsas de salo, mas aponta algumas tendncias da valsa no final do sc. XIX, sobretudoa utilizao da valsa rpida, gnero preferido nas trs ltimas dcadas do sc. XIX:16

    Este nome deriva do verbo alemo walzen, girar. Na sua formaprimitiva, a valsa uma dana campestre usada na Alemanha do Sul,caracterizada por um movimento gracioso, moderado, em compassoternrio, muito semelhante tirolesa. Mozart, Beethoven, Weber e muitosoutros compositores alemes escreveram grande nmero de valsas destegnero; no deve ele ser confundido com o das valsas modernas, que lhe completamente oposto no carter, na acentuao e no movimento. A valsamoderna, como ela se dana freneticamente nos sales, em andamentomuito vivo, com os trs tempos do compasso sempre acentuados por umacompanhamento to uniforme que se torna montono, embora oscompositores mais hbeis procurem vari-lo, tornando a harmoniainteressante e dando movimento meldico ao baixo. Recentemente tem-seprocurado voltar ao carter gracioso e moderado das valsas antigas,tendo alguns compositores contemporneos apresentado pequenos trechosdesse gnero, os quais denominam valsas lentas.

    Embora intensamente praticada no Brasil no sc. XIX, os autores queescreveram sobre danas de salo no registraram aspectos muito marcantes de suaintroduo e desenvolvimento no pas. Mrio de Andrade apenas transcreveinformaes j publicadas por Renato Almeida e Francisco Augusto Pereira da Costa,segundo os quais a valsa j era praticada no pas durante a Regncia:17

    Dana em compasso ternrio e andamento variado (rpido,moderado ou lento) de ritmo caracterstico: 3/4. Renato Almeida [1942]admitiu a origem francesa da dana, no sculo XVI, e s se tornoucitadina no sc. XVIII, na ustria, a ponto de muitos a dizerem germnica(...) amaneirou-se, no Brasil, onde entrou por volta de 1837, ficou sestrosa,sofreu a influncia das modinhas e adaptou-se ao choro nacional. Seguardou as suas caractersticas fundamentais (...) abrasileirou a suamelodia e se tornou uma forma de cano sentimental, que hoje a maiscomum nos compositores do gnero. [...]

    Talvez aparecida no Brasil no 1 quarto do sc. XIX, como danade Salo. Diz Pereira da Costa [1908] que por 1837 inda era muito pouco

    15 MACHADO, Raphael Coelho. Dicionario musical, op. cit., p. 263.16 VIEIRA, Ernesto. Diccionario musical; op. cit., p. 519-520.17 ANDRADE, Mrio de. Dicionrio musical brasileiro; op. cit., p. 548-549.

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    usada em Pernambuco, mas que j por 1842 era muito apreciada e geral.Entre as variantes da valsa d a valsa americana de importao dosianques.

    [...]

    Maria A. C. Giffoni identificou algumas modalidades de valsa, tanto ruraisquanto urbanas, informando sobre a grande voga dessa dana at o sc. XX, quandoadquiriu caractersticas locais:18

    De origem alem segundo uns ou de procedncia francesa, deacordo com outros, entrou no Brasil em 1830 e tornou-se indispensvelnos sales, quer fosse a Valsa comum quer fosse a Valsa Vienense.Durante o Primeiro e Segundo Imprio foi muito executada. Seu prestgioestendeu-se at o sculo XX. Aclimatou-se ao nosso meio, adquiriu feieslocais, sofreu influncias vrias, entre as quais a da Modinha e do Choro.As composies brasileiras no gnero so variadssimas. Influiu em outrasdanas como na chimarrita, que, no Rio Grande do Sul, no sculo XIX,adotou o seu aspecto. Minas Gerais se destacava pelas modalidades devalsa registradas no Estado, entre elas a Valsa Americana, encontrada nofinal daquela centria em Ouro preto; a Valsa Vienense, praticada emAbaet e Mar de Espanha, em 1896; a Valsa Prussiana, Valsa Francesa eValsa Rodada tambm faziam parte dos bailes mineiros. No Estado de SoPaulo encontra-se referncias Valsa Vienense, por aquela poca. ainda muito encontrada em nosso sculo, sobretudo em regies deinfluncia alem e austraca (compasso ternrio).

    A Enciclopdia da msica brasileira antecipa para a dcada de 1810 o uso davalsa no Rio de Janeiro (no caso, na corte joanina), porm salta para o final do sc. XIX,informando sobre a nacionalizao ou aclimatao do gnero:19

    Dana de pares independentes e enlaados, originria da ustria(meados do sc. XVIII). Msica de ritmo ternrio e andamento rpido(vienense) ou moderado (francesa). Teve grande difuso nas capitaiseuropias no fim do sc. XVIII. No Brasil a primeira voga da valsa desalo deu-se com a vinda da famlia real portuguesa ao Brasil. SigismundNeukomm - que viveu no Rio de Janeiro RJ de 1816 a 1821 - deixouanotado no seu catlogo de obras duas Fantasias a grande orquestra,sobre pequenas valsas de S. A. R., o prncipe D. Pedro. A partir de entod-se a popularizao da valsa. Por influncia desta, e para os fins dosculo, a modinha toma ritmo ternrio. Atravs dos conjuntos de choro, avalsa tornou-se no Brasil um gnero seresteiro. Nos sales era gneroobrigatrio para os aprendizes do teclado, e nas composies de ErnestoNazar aclimatou-se ao instrumento, guardando traos j sedimentadosda criao musical brasileira. No incio do sc. XX foi cultivada em salasde diverso e confeitarias. O gnero esteve representado nas primeirasgravaes realizadas no Brasil. Na dcada de 1930 reapareceu nascomposies de autores populares. A valsa chamou a ateno dos

    18 GIFFONI, Maria Amlia Corra. Danas da corte; danas dos sales brasileiros de ontem e de hoje.So Paulo, Depto. de Educao Fsica e Desporos do MEC, 1974. p. 35-36 (Caderno Cultural, v. 2).19 Enciclopdia da msica brasileira: op. cit, v. 2, p. 271.

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    compositores eruditos brasileiros desde Carlos Gomes, que comps valsaspara concerto, at, mais recentemente, Camargo Guarnieri, RadamsGnattali e Francisco Mignone, o qual escreveu para piano as sriesValsas de esquina e Valsas-choro.

    5. Redowa

    Dos 6 tipos principais de danas de salo praticadas no II Imprio, a redowa foia menos freqente. Mrio de Andrade informa que esta foi enumerada entre as danasde Pernambuco, no sc. XIX.20 Para Pedro Sinzig foi dana da Bomia, viva, emcompasso ternrio, enquanto para Ernesto Vieira:21 Dana originria da Bohmia,em compasso , estilo gracioso, movimento moderado como o da mazurka com a qualtem semelhana. Comeou a aparecer nos teatros em 1848, sendo danada pelaprimeira vez em Lisboa no Teatro de S. Carlos em 1850. No chegou porm a ser modanas salas como a valsa e a polca.

    A redowa caiu em desuso antes do final do sculo, embora possa ter originadodanas rurais, ainda no estudadas. Seu padro rtmico mais freqente o seguinte:

    | |

    6. Schottisch

    A schottisch foi uma dana de roda em compasso quaternrio, chegada ao Brasilna Regncia, tornando-se comum nos sales da segunda metade do sc. XIX. ErnestoVieira (1899) informa que a schottisch foi Dana de sala, contempornea da mazurcae da polca, mas que j pouco usada. Assemelha-se polca, com a diferena de ter umandamento mais vagaroso.22 A schottisch, em sua verso oitocentista, caiu em desusono incio do sc. XX, mas popularizou-se, a partir de ento, com o nome de chotis,sendo praticada at hoje. Seu esquema rtmico bsico o seguinte:

    4/4 | | | . | .

    Mrio de Andrade o autor que maior quantidade de informaes nos fornecesobre a schottisch:23

    Antiga dana de salo, aos pares, que se movimentamsincronicamente, geralmente em compasso binrio; se aproxima da polca.

    Pelo que informa Pereira da Costa [1908], a Schottisch emPernambuco desapareceu para dar lugar ao Pas-de-Quatre. Em SoPaulo este teve uma apario mais episdica, passou; enquanto aschottisch perdurava com muita vitalidade at ainda na 1 dcada dosculo XX. Foi das danas exticas europias, uma das que mais seadaptou ao gnio brasileiro. A produo de schottisch impressa nos finsdo sc. XIX e princpios deste foi imensa no Brasil, especialmente no Riode Janeiro e em So Paulo. Composies no geral melosas, com nomes

    20 ANDRADE, Mrio de. Dicionrio musical brasileiro; op. cit., p. 433.21 VIEIRA, Ernesto. Diccionario musical; op. cit., p. 441.22 VIEIRA, Ernesto. Diccionario musical; op. cit., p. 456.23 ANDRADE, Mrio de. Dicionrio musical brasileiro; op. cit., p. 466-468.

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    duma doura estapafrdia e meldica bem caracterizadamente nacional.Se adaptou mesmo tanto, que no seu corte rtmico apareceram por aquimuitas modinhas populares.

    Em 1851, deu-se o nome de schottisch no Rio de Janeiro a umaepidemia que grassou ento, quando a schottisch fazia furor. [...]

    Segundo Renato Almeida [1942], Outra dana, que teve moda noBrasil e hoje desapareceu, foi a schottisch (palavra que significa escocs).Primitivamente msica de trs tempos, passou depois a dois. Sobre aschottisch brasileira, escreveu Gallet: Afasta-se inteiramente daestrangeira. Em grande uso, no h muito tempo, no se dana mais agora.Compasso muito regular, acentuaes ntidas e colorido exagerado. Existegrande quantidade de schottisch de carter triste e expressivo.

    [...]

    Maria A. C. Giffoni informa apenas sobre a folclorizao da schottisch nosc. XX:24

    [...] Deu origem a vrias danas brasileiras antigas, como oSerrote e a Jararaca, variaes do chotis no norte do pas, e a Arrepiada.A sua influncia atingiu o sculo XX, no qual so conhecidas modalidadesdessa dana, em Mato Grosso e Rio Grande do Sul. A influncia e adifuso do Chotis foram to grandes que a Chimarrita europia passou aser danada neste Estado, no sculo XIX, por pares enlaados, comaspecto de chotis.

    7. Mazurca

    A mazurca foi uma dana de origem polonesa, em compasso ternrio, pormmais lenta e cavalheiresca que a valsa. Apesar de ser conhecida j desde o sc. XVI,popularizou-se apenas no sc. XIX, caindo em desuso no incio do sc. XX. Para PedroSinzig, a mazurca foi dana nacional dos poloneses, de carter cavalheiresco, emcompasso ternrio com freqente limitao do motivo no 2 tempo do compasso, depoisda subdiviso do 1 compasso.25 Para Maria A. C. Giffoni, de origem polonesa, eraexecutada entre ns no sculo XIX, em sua antiga forma, incluindo as figuras Roda,Troca de pares e Cadeira. Seu esquema rtmico est baseado no seguinte motivo:

    . | .

    O musiclogo portugus Ernesto Vieira, em 1899, informa sobre a existncia deuma polca-mazurca em Paris desde c.1850, dana utilizada por J. J. Goyanno em suacomposio Tijuca, impressa no Rio de Janeiro: lbum pitoresco-musical:26

    Dana tradicional da Polnia, em compasso ternrio, movimentomoderado e carter gracioso.

    Uma imitao simplificada desta dana foi, h cerca de cincoentaanos [portanto em c.1850] admitida nos sales de Paris, com o ttulo de

    24 GIFFONI, Maria Amlia Corra. Danas da corte; danas dos sales brasileiros de ontem e de hoje.So Paulo, Depto. de Educao Fsica e Desporos do MEC, 1974. p. 28 (Caderno Cultural, v. 2).25 SINZIG, Pedro. Pelo mundo do som; dicionrio musical. op. cit., p. 361.26 VIEIRA, Ernesto. Diccionario musical; op. cit., p. 331.

  • PAULO CASTAGNA. A msica urbana de salo no sculo XIX (HMB - Apostila 11) 11

    polca-mazurca ou simplesmente mazurca, vulgarizando-se depois em todosos pases onde as modas parisienses so adotadas.

    As clebres mazurcas de Chopin nada tm de comum com a trivialpolca-mazurca, seno o compasso ternrio; so pequenas e muito livresfantasias, dum gosto especial e delicado, inspiradas nos cantos nacionaisda Polnia

    Mrio de Andrade informa que a mazurca foi introduzida no Rio como dana deespetculos teatrais, difundindo-se posteriormente como dana de salo:27

    Dana popular polonesa, cantada e danada, em compassoternrio.

    Em 1846 a Mazurca j era conhecida no Rio pelo menos comodana teatral. Na relao dos espetculos mais ou menos de feirareligiosa havidos em junho desse ano no Rio, Thomas Ewbank [1856] serefere ao drama Os discpulos de So Ciro em 5 atos: uma Mazurcadanada e a farsa Judas na Aleluia [...]. Parece mesmo que um grandeintrodutor de danas exticas europias, no Brasil, foi o teatro. Pereira daCosta [1908] tambm cita o teatro de Apolo, no Recife, onde reinou o soloingls. E tambm enumera a mazurca entre as danas de salopernambucanas do sculo passado. A mazurca uma dana muito popularentre os gachos (rancheira).

    8. Bibliografia

    ACQUARONE, Francisco. Histria da msica brasileira. Rio de Janeiro: FranciscoAlves [c.1948]. 360p.

    ALMEIDA, Renato. Histria da msica brasileira; segunda edio correta eaumentada; com textos musicais. Rio de Janeiro: F. Briguiet & Comp., 1942. XXXII,529p.

    ANDRADE, Ayres de. Francisco Manuel da Silva e seu tempo: 1808-1865: uma fasedo passado musical do Rio de Janeiro luz de novos documentos. Rio de Janeiro:Edies Tempo Brasileiro Ltda., 1967. 2v.

    APLEBY, David P. The music of Brazil. Austin, University of Texas Press, 1983. 209p.AZEVEDO, Lus Heitor Correia de. 150 anos de msica no Brasil (1800 / 1950). Rio

    de Janeiro: Jos Olympio, 1956. 424 p.CERNICHIARO, Vicenzo. Storia della musica nel Brasile dai tempi coloniali sino ai

    nostri giorni (1549-1925). Milano: Stab. Tip. .Edit. Fratelli Riccioni, 1926. 617 p.KIEFER, Bruno. A modinha e o lund; duas razes da msica popular brasileira. Porto

    Alegre: Movimento / UFRS, 1977. 49 p.KIEFER, Bruno. Histria da msica brasileira; dos primrdios ao incio do sculo XX.

    Porto Alegre: Ed. Movimento / Instituto Estadual do Livro; Braslia, InstitutoNacional do Livro, 1976. 132 p.

    MELLO, Guilherme Theodoro Pereira de. A msica no Brasil desde os tempos coloniaisat o primeiro decnio da Repblica. 2 ed., Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1947.x, 362 p.

    SANTOS, Maria Luiza de Queirs Amncio dos. Origens e evoluo da msica emPortugal e sua influncia no Brasil. Rio de Janeiro: Comisso Brasileira dosCentenrios de Portugal, 1942. 343 p.

    27 ANDRADE, Mrio de. Dicionrio musical brasileiro; op. cit., p. 326.

  • PAULO CASTAGNA. A msica urbana de salo no sculo XIX (HMB - Apostila 11) 12