Historia educação
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Revista O Teatro Transcende do Departamento de Artes CCE da FURB ISSN 2236-6644 Blumenau, v. 16, n. 2, p. 03-14, 2011.
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SOBRE REQUISITOS DE FORMAO SUPERIOR EM ARTES CNICAS:
O ARTISTA COMO EMPREENDEDOR
Prof. Dr. Glucio Machado Santos1
Doutor em Artes Cnicas
PPGAC-UFBA
Neste trabalho, congrego e consolido observaes j esboadas nas comunicaes Um
certo olhar sobre a pr-encenao e O diretor teatral como empreendedor: perspectiva
histrica e sugestes de formao apresentadas respectivamente no VI Congresso da
Associao Brasileira de Pesquisa e Ps-Graduao em Artes Cnicas (ABRACE) e na VI
Reunio Cientfica da mesma entidade. Desta forma, o presente artigo apresenta-se como
resultado final das atividades do projeto de pesquisa intitulado Encenao: prticas de ensino
e caminhos para a sustentabilidade ligado ao Grupo de Pesquisa em Encenao
Contempornea (G-PEC) registrado no CNPq.
Pretendo contribuir para um incio de reflexo acerca de novos contedos
transdisciplinares na formao dos artistas cnicos no Brasil. A necessidade de tal incremento
nasce de minha experincia como docente em nvel superior na rea e tem como inspirao as
consideraes das professoras Edinice Mei Silva e Lessandra Scherer Severo, constantes no
resumo do artigo Sistema Stanislavski: o processo criativo nas organizaes, da rea de
Cincias da Administrao:
Grande parte dos problemas enfrentados pelas organizaes, no atual quadro
econmico e comercial, j no aceita solues anteriormente utilizadas. Isso impe
sociedade a necessidade de desenvolver a criatividade na busca de diferenciao
profissional e organizacional. Dito isto, o presente artigo busca, atravs de pesquisa
terica, explorar de forma interdisciplinar a interao de duas reas: Artes Cnicas e
Cincias da Administrao. (SEVERO e SILVA, 2006:s/p)
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A constatao das professoras indica uma possibilidade de interao que, em minha
pesquisa, serve de base para um raciocnio em outro sentido. Se, por um lado, h um
esgotamento de solues detectado dentro das organizaes, por outro, h uma sria carncia
de recursos de gesto no mbito da criao e manuteno de espetculos teatrais no Brasil por
parte dos iniciantes na rea. Tal insuficincia fruto de uma formao que afasta o artista da
intimidade com trmites administrativos.
Da mesma forma que as docentes percebem a interao dessas duas reas como fonte
criativa para questes em Cincias da Administrao, acredito que essa mesma interao
oferece preciosos contedos para a construo da noo de empreendedorismo nas Artes
Cnicas, encaminhando assim reais oportunidades de sustentabilidade para as realizaes de
artistas recm formados. Enfatizo que a intimidade com a gesto no estranha tradio de
criao nessa rea. Para demonstrar esses laos, inicio uma reviso sobre o passado do Teatro.
Comeo minhas consideraes histricas a partir da sugesto de nio Carvalho, ao
acenar para uma proto-histria de nossa arte cnica, por volta de 3.000 a.C., segundo a qual:
As manifestaes religiosas do antigo Egito j conotavam a possibilidade de uma
continuidade cnica, em que um ser desencarnado poderia readquirir vida atravs de
um ser vivo. Assim, as representaes dos mistrios, como dramas litrgicos, nas
cerimnias funerrias do culto do deus Osris prenunciavam os rituais dionisacos,
que seriam os precursores do teatro grego [...] Tanto a anunciao das personagens
quanto suas evolues cnicas estariam previamente escritas para que os
espectadores pudessem distinguir os locais designados na sucesso das cenas.
(CARVALHO, 1989, p.14)
Sobre tais manifestaes, Nelson de Arajo salientava igualmente as descobertas com relao
organizao de representaes litrgicas no Egito Antigo:
Descobertas relativamente recentes, a que se associaram os nomes dos
pesquisadores Etienne Drioton, Kurt Sethe e outros mais prximos, deram conta da
existncia de representaes litrgicas no Egito antigo, confirmando assim
indicaes do historiador grego Herdoto. (ARAJO, 1991,p.69)
Quanto a isso, Margot Berthold destaca que os estgios do destino de Osris
constituem as estaes do grande mistrio de Abidos. Os sacerdotes organizavam a pea e
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atuavam nela. O clero percebia quo vastas possibilidades de sugesto das massas o mistrio
oferecia (BERTHOLD, 2001, p.11). J no Egito Antigo, constata-se uma inquietao quanto
ao comportamento do pblico em face da cena religiosa. A ateno do sacerdote egpcio
objetivava levantar elementos para aperfeioar o desempenho do conjunto e com isso criar um
espetculo cuja recepo disseminasse no povo a vontade e a verdade do fara. Conforme
indica Lon Moussinac, tais encenaes tinham um cunho assumidamente poltico: Podemos
mesmo pensar, segundo as indicaes que possumos, que ele [o teatro egpcio antigo] teria,
por vezes, um sentido poltico, que se afirmava, sobretudo fora do templo (MOUSSINAC,
1957, p.35).
Ainda com ateno sobre esse momento, a professora Robyn Gillam (2006) organiza
uma pesquisa visando discutir a performance realizada poca. Por intermdio de seu
trabalho, pude perceber tambm que a elaborao de cortejos pblicos em Abidos tem ntima
ligao com a necessidade de disseminao da ideologia que sustenta a credibilidade do fara
perante o povo. A partir da, cria-se uma rede de interesses para que essa representao
acontea. Assim sendo, j nos primrdios da elaborao de cenas teatrais, consolida-se a
necessidade de negociar e arregimentar recursos fsicos para a efetivao da obra.
Richard Schechner indica que Via Creta e outras rotas mediterrneas os gregos
tiraram muito dos egpcios incluindo-se a ideia de que o teatro um festival: algo que
acontece num momento especial e em um lugar especial2 (SCHECHNER, 1973, p.21). No
se pode ignorar o fato de o Egito ter sido colnia da Grcia. Haja vista a proximidade
geogrfica veicularam-se inmeros intercmbios por pelo menos mil anos desde as
manifestaes religiosas de Abidos at as Grandes Dionisacas.
Considero como um aprimoramento da ateno do sacerdote-diretor egpcio a
consciente perspiccia do tragedigrafo e do corus didascalus grego ao encarar o espetculo
teatral per si como um meio especial de comunicao com o povo, como ressalta Moussinac:
A epopia e a religio nunca deixaram de secundar esse teatro, de tal forma que Plutarco se
permitir qualificar a tragdia pr-esquiliana de instrumento de educao dos Gregos
(MOUSSINAC, 1957, p.38).
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Com isso, a relao do dramaturgo grego com o corega, seu financiador, est imersa
numa rede de interesses que opera no nvel poltico-social e cujos princpios podem ser
identificados j no Antigo Egito. Dessa forma, aquele que organiza a cena, ou que constri o
espetculo, tem a responsabilidade de estar frente de um empreendimento com srios
impactos. Essa conscincia se estabelece da mesma maneira e ao mesmo tempo em que a
primeiras convenes da cena so construdas. Alis, tal capacidade de gesto e negociao
pode ser vista como uma conveno extra palco.
Michel Pruner (2005) salienta igualmente a complexidade da fbrica teatral e todos
os elementos que interferem na sua realizao desde os primrdios dessa atividade.
Propositadamente, esse autor utiliza o termo fbrica para qualificar o seu objeto de estudo
devido aos intricados desdobramentos ligados ao ato de elaborar um espetculo. A produo
de peas, ou a organizao da cena mais especificamente, aprimorou-se em funo de sua
relao direta com as variadas realidades sociais onde o teatro se desenvolvia. As ntidas
diferenas de temperamento das sociedades na Grcia e em Roma determinaram mudanas
profundas na estrutura das apresentaes. Ainda segundo o autor constata-se a relao direta
da transformao do espao teatral com essas condies. As modificaes observadas pelo
autor refletem as palavras de Jean Duvignaud quando observa que as artes cnicas se
constituem como uma arte 'enraizada', a mais engajada de todas as artes na trama viva da
experincia coletiva, a mais sensvel s convulses que abalam uma vida social em estado
permanente de revoluo (DUVIGNAUD apud SOARES DOS SANTOS, 1994, p.71).
Os caracteres da sociedade romana vo ditar um novo ambiente dentro do qual os
artistas cnicos tero que desenvolver as suas habilidades como empreendedores. O termo
dominus gregis aplicava-se para designar o diretor teatral, enquanto que o curule aediles era o
responsvel pela fiscalizao e realizao das mais variadas obras pblicas, incluindo-se o
pagamento de subsdios aos grupos teatrais. Lcio Ambivius Trpio dirigiu peas de Terncio
em sua companhia. Segundo Margot Berthold: A troupe de Trpio tinha boa reputao junto
ao curule aediles e como dominus gregis sabia de que maneira conduzir ao sucesso as
comdias por ele recomendadas (BERTHOLD, 2001, p.48). Nota-se, dessa forma, uma
contribuio dos conhecimentos de organizao cnica para a boa recepo de um evento
teatral. Uma vez que os textos eram compartilhados, essa conduo e a capacidade de
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negociao dos diretores distinguiam as trupes. Cabia ao dominus gregis dominar a estrutura
de construo do espetculo, inclusive no mbito dos recursos financeiros e materiais, com o
intuito de levar a sua encenao ao sucesso de pblico. Esse domnio inclua a capacidade de
negociao com o curule aediles de modo a obter o financiamento e as autorizaes
necessrias para suas as apresentaes.
O apelo do sucesso levou o teatro romano a condies extremas de prticas teatrais. O
deboche, a crueldade, a ousadia, as obscenidades, os excessos tomaram conta das
apresentaes e, ao serem enaltecidos pelo gosto dos romanos, acabaram por determinar uma
modificao total da cena:
Faziam-se apostas nas corridas de cavalos; e os pugilatos, os combates de
gladiadores, as batalhas navais em miniatura, realizadas dentro dos anfiteatros, e
todos os festejos, onde, quase sempre se derramava sangue humano, eram tomados
como uma espcie de droga, cuja dose se tornava indispensvel aumentar em virtude
do hbito. Tais espectculos haviam comeado, em fins da Repblica, com
verdadeiros deboches de mise-en-scne: depressa, porm, o povo exigiu que sangue
verdadeiro corresse e mortes autnticas se dessem. E to bestial realismo destruiu
por completo a virtuosa purificao que a fico, humilhando assim a Arte.
(PIGNARRE, 1979, p.44)
Um dos alvos prediletos desse bestial realismo, os cristos sofreram inmeros
insultos. Com a ascenso da Igreja na Europa, o teatro fica banido dos palcos construdos e
das apresentaes oficiais em retaliao a todo o escrnio e toda a falta de respeito tpicos dos
espetculos latinos. Chega-se a supor que a atividade tenha sido totalmente esquecida. John
Gassner delimita o teatro como trancado a sete chaves do sc. V ao sc. X e indica que a
Igreja conseguira suplantar por completo o templo de Dionisos (GASSNER, 1974, p.157).
No entanto, preciso notar a permanncia da atividade teatral durante toda a Idade Mdia.
Trabalhos como o de Mikhail Bakhtin permitem o reconhecimento de intensa produo
artstica popular no perodo (BAKHTIN, 1987). Carlo Ginzburg, ao comentar os estudos de
Bakhtin, sustenta que:
[...] os protagonistas da cultura popular que ele tentou descrever camponeses, artesos nos falam quase s atravs das palavras de Rabelais. justamente a riqueza das perspectivas de pesquisa indicadas por Bakthin que nos faz desejar, ao
contrrio, uma sondagem direta, sem intermedirios, do mundo popular. Porm,
pelos motivos j levantados, substituir uma estratgia de pesquisa indireta por outra
direta, neste tipo de trabalho, por demais difcil. (GINZBURG, 1987, p.21)
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O prprio Gassner (1974) termina por reconhecer a permanncia da arte cnica da rua,
a arte do vagamundo; porm, a falta de documentao direta, conforme indicada por
Ginzburg, incentivou a percepo de um hiato na produo teatral.
J pelos fins da Idade Mdia, nas regies onde se encontram hoje pases como
Alemanha, Itlia, Frana, Rssia, Hungria e Polnia, mecenas aristocrticos abrigaram em
seus palcios no somente os eventos artsticos como tambm os seus processos de criao. A
arte teatral que sobreviveu na rua foi paulatinamente sendo abrigada no interior dos palcios e
fortificaes.
Catarina de Mdicis tornou-se figura com destaque dentre esses incentivadores devido
ao seu grande apreo pelas apresentaes na corte e sua preocupao em fornecer uma
estrutura que permitisse o melhor desenvolvimento desses espetculos. Ela , inclusive,
apontada como a grande responsvel pela consolidao do bal clssico, principalmente em
funo de suas determinaes quando se tornou monarca na Frana:
O germe daquilo que se converteria no bal foi levado Frana por Catarina de
Mdicis [...] a rainha ento importou da Itlia artistas e cortesos especializados na
preparao de luxuosos espetculos, e lhes encomendou um sem-nmero de
diverses [...] O espetculo era uma combinao de dana, canto e textos falados, e
seu objetivo era claramente social e poltico: um passatempo elegante para o
monarca e sua corte. (FARO, 1986, p. 32)
Em determinados casos, grupos de teatro j formados eram convidados a instalar as
suas atividades e as suas sedes dentro dos castelos. Em outras circunstncias, o prprio nobre
selecionava artista por artista, formando elencos, orquestras e ensembles de bal. Tambm
como exemplo, registro a iniciativa do prncipe Joseph Esterhzy, membro da famlia mais
rica do Imprio Austro-Hngaro. No Castelo de Joseph Esterhaz, havia um teatro com
aproximadamente 180 lugares onde trabalhavam inmeros artistas de diversas reas, dentre
eles Joseph Haydn. No livro sobre a vida do compositor, Pierre Barbaud (1960), menciona o
contrato de trabalho, com catorze pargrafos, dos quais doze eram sobre as obrigaes de
Haydn e apenas dois indicavam a sua remunerao.
Os contratados serviam exclusivamente ao seu patro, sobrevivendo apenas s custas
desse. Como consequncia, as edificaes da realeza abrigaram salas de espetculos, muitas
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vezes extremamente bem equipadas, construdas segundo as necessidades profissionais dos
artistas residentes, mas tambm limitadas pelos recursos financeiros e pelos interesses de seus
mantenedores.
J na Gr-Bretanha, poca elisabetana, as trupes teatrais eram convidadas apenas
para realizar representaes dentro dos castelos durante as festas da nobreza. Conforme
Paterson (1961) tais apresentaes ocorriam em sales adaptados, havendo, no mximo, um
depsito de materiais cenogrficos nos palcios sob a responsabilidade do Master of Revels
Office; uma espcie de chefe, produtor, organizador e censor das peas montadas nessas
ocasies. Portanto, todas as construes destinadas aos espetculos de teatro, como The Globe
Theatre, The Swan Theatre ou The Rose Theatre, constituam iniciativas individuais, cujos
elencos e tcnicos eram mantidos graas remunerao obtida pela receita de bilheteria e
pelos cachs recebidos por suas apresentaes encomendadas.
A gerncia do edifcio teatral como negcio obrigatoriamente lucrativo e sustentvel
nasce na Inglaterra j no perodo elisabetano. Ela foi estimulada pela falta de abrigo sob os
auspcios da realeza para as companhias conceberem realizaes teatrais mais permanentes.
Essa conjuntura acabou por incentivar um regime de produo orientado para cada espetculo
como aglutinador momentneo de artistas e tcnicos. Dependendo do sucesso de pblico de
cada pea, a prxima poderia contar com a mesma equipe ou no.
Acredito evidenciar com os recortes e a leitura encaminhada at o momento a ntima
ligao da atividade teatral com habilidades de gesto dentro de ambientes sociais os mais
diversos. Tais habilidades indicam aspectos que podem ser reconhecidos, hoje, na realidade
do mercado teatral brasileiro. A articulao de projetos para editais com diretrizes polticas
como contrapartidas sociais, a capacidade de busca de financiamento, o discurso junto
iniciativa privada, a utilizao de leis de incentivo so exigncias para a insero do artista de
teatro no mercado. Sublinho que a figura do produtor isolado ainda existe, mas cada vez
maior a necessidade de o ator ou o diretor estar frente de seus empreendimentos, num
exerccio prximo ao do teatro elisabetano ou romano.
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Em paralelo a tal constatao, lembro do fato de termos cursos superiores para
interpretao e direo teatral inseridos no mbito universitrio. Essa caracterstica deveria ser
melhor aproveitada na medida em que os alunos tm a oportunidade de aprender tambm no
ambiente das Escolas de Administrao. O trnsito de docentes e discentes poderia suprir
demandas na interseo das reas, enriquecendo os currculos de ambas as partes e
preparando o jovem artista para melhor dialogar com a realidade brasileira de produo
teatral.
Enfatizo que no se trata apenas de treinar o aluno para a gesto ou de obrig-lo a
aceitar a realidade de mercado como uma regra a ser seguida. Trata-se, pois, de prepar-lo
para o dilogo, faz-lo conhecer tambm as necessidades e as solues inerentes ao processo
de criao teatral como empreendimento. Dentro desse aprendizado, o artista desenvolve
argumentos e prticas para interferir na dita realidade, transformando-a como agente
produtivo. Assim sendo, a ideia da arte como ofcio, cujos meios de viabilizao fsico-
financeira so conhecidos pelo artista, inseparvel da tradio do prprio teatro.
De fato, a consolidao das casas de espetculos como espaos de contratao de
artistas e a emergncia dos produtores independentes tanto na Europa quanto nos EUA
sugeriram uma estrutura curricular para o ensino de Artes Cnicas onde o aprendiz
preparado para ser um empregado. No entanto, estabelecer-se como um empregado no a
colocao oferecida pelas oportunidades de trabalho em teatro encontradas na maioria das
cidades brasileiras.
Por outro lado, os egressos dos cursos Licenciatura em Teatro encontram, sim, uma
rede de escolas, sejam pblicas ou privadas, que proporcionam a sua insero como
empregado. O emprego, no sentido profissional da palavra, existe para o licenciado de modo
totalmente diferente em relao ao bacharel.
Faz-se necessrio mudar o paradigma do ensino de Artes Cnicas nos bacharelados
para uma formao que tambm ressalte a capacidade de obter e lidar com os mais diversos
recursos. Um sintoma ntido de tal carncia o crescente nmero de montagens com poucos
atores e quase ausncia de cenrios. Na maioria dos casos, a opo pela simplicidade e pela
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diminuio dos componentes do elenco no tem sido fruto de uma autenticidade artstica, ou
de uma potica prpria. Ela o resultado da falta de capacidade de obter materiais e lidar com
diferentes agendas de atores, o que leva o aluno a escolher trabalhar com menos pessoas e
dispensar qualquer ambientao cenogrfica mais complexa.
A dificuldade de conciliar horrios e o desafio de levantar subsdios fsico-financeiros
so parte integrante do labor do artista cnico desde os primrdios do seu ofcio. A sua
atividade coletiva e, assim sendo, os problemas advindos dessa qualidade devem ser trazidos
como foco num processo de aprendizado.
medida que melhor soubermos aproveitar a oportunidade de estar dentro de uma
instituio como a universidade, o pensamento sobre a formao do ator e do diretor poder
incorporar o paradigma do empreendedorismo na concepo da grade curricular. O dilogo
com os meios de gesto e financiamento atuais determina contedos basilares na preparao
do jovem artista. Tal incluso seria veiculada ao oferecermos uma leitura do passado da
atividade teatral sob a sua tica produtiva, como uma fbrica, a exemplo do ttulo da obra de
Michel Pruner: La fabrique du thtre.
Um outro sintoma dessa carncia de instrumentos para o artista iniciante se sustentar
com a atividade teatral a crescente migrao de atores e diretores para o eixo Rio-So Paulo.
Se analisarmos os valores para manter-se nas cidades de origem, veremos que seria muito
mais vivel para o artista permanecer; no entanto, ele migra. A razo dessa escolha a falta de
mercado local. Porm, quem constri esse mercado o prprio artista. A gesto dos grupos de
teatro, a capacidade que o grupo tem de manter seus componentes, o circuito de festivais, as
turns, todos esses so contedos que auxiliariam a manuteno de artistas em seus locais de
origem como agentes fomentadores de cultura.
O teatro de grupo no o mote central do presente artigo, mas assunto crucial para a
efetivao da mudana aqui proposta. Como suporte para tal movimento, menciono a tese de
Edinice Mei Silva: A organizao excelente: diretrizes para o grupo teatral, a dissertao de
Flvia Janiaski Vale: Produo e gesto no teatro de grupo como forma de construo de
autonomia, e a atual pesquisa de Doutorado de Karina de Faria, em curso no PPGAC-UFBA,
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a qual pretende descrever estratgias de sustentabilidade de um grupo de circo-teatro
nordestino desde o incio do sculo XX at a dcada de 30. Todas essas investigaes e seus
resultados apontam para solues que visam a autonomia do artista como profissional
produtivo na sociedade.
Por fim, menciono o livro da professora Moema Renart de Brito, Manual de
administrao teatral, que inaugura nossa bibliografia sobre as questes da produo teatral
no Brasil. De modo direto, a professora avisa que talvez parea dissonante ou fora de lugar
recorrer a conceitos de administrao para tentar refletir sobre a produo teatral naquela
poca. Porm, ela avisa o quanto essas noes podem auxiliar o artista na sua labuta. Com a
mesma perspectiva, encerro estas linhas reconhecendo que pode parecer estranho enfatizar
conceitos de gesto como foco de aprendizado em Artes Cnicas.
Fao isso porque, se podemos perceber o teatro por sua qualidade sagrada, sinto-me
estimulado a perceb-lo pelo seu lado mundano, aquele que viabiliza de fato a realizao da
obra.
1 Ator, produtor e encenador. Professor do quadro permanente do PPGAC-UFBA, lotado no Departamento de
Tcnicas do Espetculo da Escola de Teatro da UFBA. Atua nas reas de produo cultural, direo teatral e
processos de ensino em Artes Cnicas.
2 Traduo minha. No original: Via Crete and other Mediterranean stepping-stones the Greeks took much from
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