História da Cirurgia Cardíaca

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329 Caminhos da Cardiologia Coordenador - Luiz V. Décourt CAMINHOS DA CARDIOLOGIA O artigo de Braile e Godoy focaliza uma história im- pressionante. É sabido que a cirurgia do tórax manteve longo perí- odo de ausência por condições peculiares das vísceras lo- cais. Ainda em 1941, na tradução inglesa da grande Histó- ria da Medicina, de Castiglioni, foi ressaltado o fato de que, “com exceção da drenagem de empiema e de abcesso pul- monar, a cirurgia torácica encontra-se muito atrasada em relação à de outras zonas do corpo”. E a situação se agravava quando se cogitava de inter- venções sobre o coração, seja por dificuldades técnicas, seja pela significação do órgão como estrutura intocável na constituição físico-espiritual do corpo. Deve ser lembrado que o Prof. Theodor Bilroth (1829-1894), citado no traba- lho atual como crítico implacável de intervenções sobre o coração, era grande cirurgião, fundador da Escola de Cirur- gia de Viena e, seguramente, um dois pioneiros na moder- na cirurgia do abdome. Tratava-se, portanto, de categorizado intérprete das idéias médicas do fim do século passado. Ulteriormente, em pouco mais de quatro décadas, ocorreu uma evolução requintada, fruto de sonhos e tam- bém de tenacidade e de perseverança inabaláveis. Houve, em todo o período, a atitude correta dos pesquisadores. Não ocorreram aventuras criticáveis, improvisações injustifi- cadas, ousadias inaceitáveis, mas atitudes sensatas basea- das em uma dupla orientação: a busca constante de bases experimentais sempre instrutivas e a obediência e raciocí- nios clínico-funcionais seguros. E este comportamento não foi comprometido por insucessos iniciais (Bailey) e mesmo por grave doença de um pesquisador (Lillehei). Acompanhei de perto essa extraordinária evolução pelo trabalho fraterno de minha Clínica com a equipe do Prof. Zerbini. E pude observar a transformação do tabu de ontem na alta rotina corretiva de hoje. No presente trabalho, os professores Braile e Godoy nos trazem ampla e minuciosa visão de conjunto, com pormeno- res elucidativos sobre fases de insucessos, de expectativas e de vitórias até a grande posição atual. E sua leitura nos fornece uma imagem da própria Medicina de nossa época, pelo que ela representa de luta persistente, conscienciosa e fecunda. Domingo Marcolino Braile, Moacir Ferandes de Godoy São José do Rio Prêto, SP HISTÓRIA DA CIRURGIA CARDÍACA “Nenhum outro corretivo é mais eficaz para os homens que o conhecimento do passado”. Políbios, 140 a.C. 1 A História, para que mereça tal nome, exige de quem queira desenvolvê-la, não apenas cultura geral como tam- bém amplos e fundamentados conhecimentos especiais que passam pela Heurística, Bibliografia, Crítica e Metodologia Históricas e por outras ciências auxiliares como Paleografia, Diplomática, Cronologia, Síntese e Exposição Históricas 2 . Não temos a pretensão, obviamente, de possuir cada uma das qualidades ideais exigidas para esse mister, mas o contato direto que tivemos com o assunto neste último quar- to de século e o relativo baixo tempo de existência da cirur- gia cardíaca em uso corrente, amenizam nossa deficiência e facilitam esta apresentação. É fato conhecido que no Brasil, até fins do século XIX, não eram realizados procedimentos cirúrgicos, a não ser aqueles mais simples, os quais ficavam a cargo do “barbei- ro”, “barbeiro-sangrador” ou “cirurgião-barbeiro”, que praticava sangrias e escarificações, aplicava ventosas, san- guessugas e clisteres, lancetava abscessos, fazia curativos, Correspondência: Domingo Marcolino Braile Av. Juscelino Kubitschek, 3101 - 15091-450 - São José do Rio Prêto, SP

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329Caminhos da Cardiologia

Coordenador - Luiz V. Décourt

CAMINHOS DA CARDIOLOGIA

O artigo de Braile e Godoy focaliza uma história im-pressionante.

É sabido que a cirurgia do tórax manteve longo perí-odo de ausência por condições peculiares das vísceras lo-cais. Ainda em 1941, na tradução inglesa da grande Histó-ria da Medicina, de Castiglioni, foi ressaltado o fato de que,“com exceção da drenagem de empiema e de abcesso pul-monar, a cirurgia torácica encontra-se muito atrasada emrelação à de outras zonas do corpo”.

E a situação se agravava quando se cogitava de inter-venções sobre o coração, seja por dificuldades técnicas, sejapela significação do órgão como estrutura intocável naconstituição físico-espiritual do corpo. Deve ser lembradoque o Prof. Theodor Bilroth (1829-1894), citado no traba-lho atual como crítico implacável de intervenções sobre ocoração, era grande cirurgião, fundador da Escola de Cirur-gia de Viena e, seguramente, um dois pioneiros na moder-na cirurgia do abdome. Tratava-se, portanto, decategorizado intérprete das idéias médicas do fim do séculopassado.

Ulteriormente, em pouco mais de quatro décadas,ocorreu uma evolução requintada, fruto de sonhos e tam-bém de tenacidade e de perseverança inabaláveis. Houve,em todo o período, a atitude correta dos pesquisadores. Nãoocorreram aventuras criticáveis, improvisações injustifi-cadas, ousadias inaceitáveis, mas atitudes sensatas basea-das em uma dupla orientação: a busca constante de basesexperimentais sempre instrutivas e a obediência e raciocí-nios clínico-funcionais seguros. E este comportamento nãofoi comprometido por insucessos iniciais (Bailey) e mesmopor grave doença de um pesquisador (Lillehei).

Acompanhei de perto essa extraordinária evoluçãopelo trabalho fraterno de minha Clínica com a equipe doProf. Zerbini. E pude observar a transformação do tabu deontem na alta rotina corretiva de hoje.

No presente trabalho, os professores Braile e Godoy nostrazem ampla e minuciosa visão de conjunto, com pormeno-res elucidativos sobre fases de insucessos, de expectativas e devitórias até a grande posição atual. E sua leitura nos forneceuma imagem da própria Medicina de nossa época, pelo queela representa de luta persistente, conscienciosa e fecunda.

Domingo Marcolino Braile, Moacir Ferandes de Godoy

São José do Rio Prêto, SP

HISTÓRIA DA CIRURGIA CARDÍACA

“Nenhum outro corretivo é mais eficaz paraos homens que o conhecimento do passado”.

Políbios, 140 a.C. 1

A História, para que mereça tal nome, exige de quemqueira desenvolvê-la, não apenas cultura geral como tam-bém amplos e fundamentados conhecimentos especiais quepassam pela Heurística, Bibliografia, Crítica e Metodologia

Históricas e por outras ciências auxiliares comoPaleografia, Diplomática, Cronologia, Síntese e ExposiçãoHistóricas 2.

Não temos a pretensão, obviamente, de possuir cadauma das qualidades ideais exigidas para esse mister, mas ocontato direto que tivemos com o assunto neste último quar-to de século e o relativo baixo tempo de existência da cirur-gia cardíaca em uso corrente, amenizam nossa deficiênciae facilitam esta apresentação.

É fato conhecido que no Brasil, até fins do século XIX,não eram realizados procedimentos cirúrgicos, a não seraqueles mais simples, os quais ficavam a cargo do “barbei-ro”, “barbeiro-sangrador” ou “cirurgião-barbeiro”, quepraticava sangrias e escarificações, aplicava ventosas, san-guessugas e clisteres, lancetava abscessos, fazia curativos,

Correspondência: Domingo Marcolino BraileAv. Juscelino Kubitschek, 3101 - 15091-450 - São José do Rio Prêto, SP

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Braile e colHistória da cirurgia cardíaca

excisava prepúcios, tratava as mordeduras de cobras, arran-cava dentes, etc. A grande maioria era constituída de leigos,incultos e de humilde classe social 3. Mesmo na Europa, acirurgia era, de forma geral, incipiente nessa época e, emtermos de abordagem cardíaca, totalmente inexistente. Em1882, Theodor Billroth comentou que a realização de peri-cardiectomia equivaleria a um ato de prostituição em cirur-gia ou frivolidade cirúrgica, afirmando no ano seguinte quetodo cirurgião que tentasse suturar uma ferida cardíaca de-veria perder o respeito de seus colegas. Não demorou po-rém, para que Ludwig Rehn, em 1896, obtivesse êxito aosuturar um ferimento de ventrículo direito 4. Ainda com re-lação à abordagem do coração, foi no mínimo curiosa a ob-servação de Sherman, em 1902, no Journal of TheAmerican Medical Association 4, quando comentou que adistância para se atingir aquele órgão não é maior que umapolegada, mas foram precisos 2.400 anos para que a cirur-gia pudesse percorrer esse caminho.

Na verdade, foi somente há pouco mais que quatrodécadas que a cirurgia cardíaca, nos moldes como a conhe-cemos hoje, começou a se delinear e, desde então, o progres-so tem sido vertiginoso. O avanço científico do século XXdesmistificou o coração como sede da alma, colocando-oem um patamar hierárquico não muito distante dos demaisórgãos do corpo. Iniciou-se assim, a história da cirurgia car-díaca!

O termo história deriva do grego historía com signi-ficado original de busca, investigação ou pesquisa 5. É nessesentido que será dado o enfoque básico deste trabalho, ouseja, a pesquisa sistemática da literatura disponível sobreo assunto, procurando ainda apresentá-la na forma de tópi-cos por assuntos correlatos e não apenas obedecendo a or-dem cronológica, facilitando assim a percepção do aspec-to evolutivo da questão.

Serão abordados os fatos relacionados com as opera-ções cardíacas a céu fechado e com aquelas sob visão dire-ta ou a céu aberto. Ao final serão feitos alguns comentári-os específicos sobre a cirurgia cardíaca no Brasil.

Operações cardíacas a céu fechado

Dentre as operações cardíacas a céu fechado, serãodestacadas as referentes às cardiopatias congênitas, àsvalvopatias mitral e aórtica do tipo estenose e à insuficiên-cia coronária.

Cirurgia das cardiopatias congênitas - Entre ascardiopatias congênitas passíveis de correção total ou pa-liativa, já nos primeiros tempos da cirurgia cardíaca, des-tacaram-se a persistência do canal arterial, a tetralogia deFallot, a coarctação da aorta e a estenose valvar pulmonar.

Conhecido desde épocas remotas (foi descoberto e des-crito por Galeno, no século II), o conduto arterioso ou ca-nal arterial só passou a receber maior atenção clínica noinício do século XX. Até então vários trabalhos forampublicados mas em geral com preocupação puramente

anatômica. Munro, em 6/5/1907, com base em estudos pos-mortem, descreveu e propôs, perante a Academia de Medi-cina da Filadélfia, a ligadura do canal arterial 6. A primei-ra tentativa conhecida de se realizar uma operação foi fei-ta em Londres, por O’Shaughnessy, e aparece citada porGóbich em 1945 6. O procedimento não chegou a ser con-cretizado pois se tratava de um erro diagnóstico. Na verda-de o paciente era portador de uma estenose da artéria pul-monar e o canal arterial já estava transformado em liga-mento.

A 2ª intervenção com o mesmo fim, foi publicada porGraybiel e col, de Boston, em 1938 (apud Góbich, 1945) 6.Tratava-se de um caso complicado, com endocardite bacte-riana, onde houve muita dificuldade técnica de dissecção docanal, sendo realizada apenas uma série de plicaturas quenão chegaram a produzir oclusão completa, tendo a paci-ente falecido quatro dias após. Por fim, a primeira correçãoda persistência de canal arterial com sucesso, deu-se a 26/8/1938, e foi realizada pelo Dr. Robert E. Gross, então re-sidente-chefe e na época, com 33 anos de idade. A pacien-te foi uma menina de sete anos, o canal tinha 7mm de diâ-metro e, segundo relato do próprio Gross, foi fechado comligadura simples, de fio de seda trançado, nº 8. Vale a penaressaltar que essa primeira cirurgia foi feita,deliberadamente, sem o conhecimento e na ausência do ci-rurgião-chefe do Brigham and Boston Children’s Hospital,Dr. William Ladd, uma vez que o Dr. Gross acreditava quenunca obteria permissão superior para a realização daqui-lo que chamou de uma “extravagante aventura” 7 . Desdeentão, a correção cirúrgica do canal arterial persistente tor-nou-se fato corriqueiro já tendo sido realizada milhares devezes em todo o mundo, inclusive em recém-natos, combaixíssimas taxas de morbidade e mortalidade.

A realização da cirurgia paliativa da tetralogia deFallot, através da criação de uma anastomose entre a arté-ria subclávia e a artéria pulmonar, deveu-se única e exclu-sivamente à tenacidade da Dra. Helen Taussig. Ela haviaobservado piora clínica das crianças portadoras da referi-da cardiopatia cianogênica, tão logo ocorria o fechamentoespontâneo do canal arterial, e isto a alertou para a possi-bilidade de criar cirurgicamente uma comunicaçãosistêmico-pulmonar. Chegou a viajar até Boston em buscada ajuda do Dr. Robert Gross, mas este lhe disse que “fecha-va ductos e não construía novos” 8. Somente com a chega-da do Dr. Alfred Blalock no Johns Hopkins e pelo fato dessecirurgião já ter experiência pregressa com a realização deanastomoses entre a subclávia e a artéria pulmonar na ten-tativa de produção experimental de hipertensão pulmonar,foi possível a abordagem paliativa da tetralogia de Fallot.A 1ª cirurgia foi realizada em 29/11/1944 em uma meninade 15 meses de idade, com apenas 10 libras de peso e crisesde hipóxia. O pós-operatório foi tormentoso e a criança fa-leceu após seis meses de evolução. A 2ª operação só foi re-alizada no dia 3/2/1945, em uma menina de 11 anos de ida-de e que evoluiu bem. Até 1949, 1.000 destas cirurgias jáhaviam sido realizadas no Johns Hopkins! 8.

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Com relação à coarctação aórtica, McNamara eRosenberg 9 fazem uma excelente revisão histórica de ondeextraímos alguns dados de difícil acesso bibliográfico: “Em1761, Morgagni descreveu um caso onde a aorta foi vista“com um surpreendente estreitamento próximo do cora-ção”, mas essa descrição poderia facilmente se ajustar tantoà estenose aórtica supravalvar, como à hipoplasia aórticadifusa ou à coarctação. Em 1791, Paris relatou o 1º caso ine-quívoco de coarctação clássica do istmo da aorta torácica.Le Grand, em 1835, descreveu o 1º caso clínico de obstru-ção da aorta, confirmado pela necropsia. No dia 19/10/1944, Craaford e Nylin, na Suécia, operaram o 1º caso ealguns meses após, Gross e Hufnagel, nos Estados Unidos,operaram o 2º”. Embora a data da operação realizada porCraaford & Nylin (outubro de 1944), tenha sido anterior àda operação realizada por Gross (junho de 1945), o traba-lho deste último foi, na verdade, o coroamento de anos eanos de cuidadosa pesquisa experimental em animais de la-boratório, onde demonstrou a factibilidade da anastomosetémino-terminal da aorta, após ressecção transversal. Des-de então, uma grande variedade de técnicas tem sido rela-tada, inclusive com contribuições nacionais 10. A possibi-lidade de correção da coarctação da aorta através deaortoplastia com balão, reduziu a quantidade de pacientesencaminhados para cirurgia, mas a possibilidade derecoarctação, principalmente em neonatos, faz com que astécnicas cirúrgicas ainda sejam parte do arsenal terapêuticode abordagem daquela afecção. Já com a estenose pulmo-nar, a dilatação com cateter-balão tem proporcionado exce-lentes resultados imediatos e a longo prazo, sem evidênci-as significantes de reestenose. Assim, a realização de cirur-gia, na atualidade, pode ser considerada como sendo deexceção e reservada apenas para os casos de displasia valvarpulmonar. Merecem destaque histórico porém, os trabalhosde Sellors (1948) 11 e de Brock (1948) 12 que relataram osprimeiros resultados cirúrgicos com sucesso em pacientescom estenose pulmonar valvar e arco aórtico normal, uti-lizando-se de valvulótomos por via transventricular.

Cirurgia das valvopatias - Dentre as valvopatias pas-síveis de tratamento cirúrgico a céu fechado, merecem des-taque histórico a estenose valvar aórtica e a estenose valvarmitral, face ao grande número de pacientes operados e àgrande quantidade de pesquisadores que se envolveramcom o assunto.

Estenose valvar aórtica - A primeira tentativa clíni-ca que se conhece para aliviar a obstrução aórtica, foi rea-lizada em 1913, na França, por Tuffier (citado por Marguttie col, 1955) 13, quando dilatou digitalmente a valva atravésde invaginação da parede da aorta.

Em 1950, Brock publicou uma tentativa de dilataçãoda estenose aórtica por meio de um instrumento inseridoatravés da artéria subclávia direita previamente seccionadae ligada distalmente, depois abandonando completamente oprocesso em virtude das dificuldades técnicas encontradas 13.

No mesmo ano, Redondo-Ramirez e Brock descreveram in-dependentemente a abordagem da estenose aórtica por viamitral, pela introdução de um dedo através da aurícula es-querda, técnica esta que chegou a ser conhecida como ma-nobra de Ramirez, sendo porém abandonada face aos peri-gos de rotura do folheto septal da mitral com insuficiênciamitral aguda 13.

Os trabalhos experimentais realizados por HoraceSmith, publicados em 1947, com a finalidade de cooperarcom o tratamento cirúrgico do mal que afligia a ele próprio,não só despertaram a atenção para o problema, como eluci-daram vários fatos. Esse autor realizou em uma série gran-de de cães normais, a valvulotomia e a valvulectomia par-cial da valva aórtica, através da parede da aorta ou por viatransventricular, demonstrando a má tolerância tanto à in-suficiência aórtica aguda que se produzia quanto à agressãoventricular 13.

Bailey e col, em 1950 14, impressionados com a mor-te prematura de Smith e com o sucesso da comissurotomiamitral, e após exaustivos trabalhos experimentais e clíni-cos, chegaram à conclusão que a separação das comissuraspor dilatação instrumental via transventricular baixa pare-cia, na ocasião, ser o melhor processo, passando a empregá-la de rotina.

A 1ª dilatação de estenose aórtica no Brasil, com au-xílio do dilatador de Bailey, foi realizada no dia 16/7/1953,no Hospital São Paulo, Escola Paulista de Medicina, peloDr. Ruy Margutti 13.

Estenose valvar mitral - A correção cirúrgica daestenose valvar mitral reumática remonta a 20/5/1923quando Elliot Carr Cutler e Samuel Levine, utilizando-sede um tenótomo, realizaram com sucesso a comissurotomiamitral por via transventricular, em uma paciente de 12 anosde idade, no Peter Bent Brigham Hospital da Escola Médi-ca de Harvard. A paciente chegou à sala de recuperação 1he 15min após o início da operação, tendo recebido alta hos-pitalar no 12º dia de pós-operatório. Sobreviveu por quatroanos e meio, tendo falecido em conseqüência de uma pneu-monia pneumocócica. Após esse primeiro sucesso, realiza-ram outras sete operações, com novos modelos de valvu-lótomo, visando criar uma insuficiência mitral “controla-da”, mas os resultados não foram bons, fazendo com que oprocedimento fosse abandonado em 1929. A curiosidadehistórica do evento é que a valvulectomia da 1ª paciente deCutler e Levine, foi feita com um tenótomo adaptado, umavez que a situação era de emergência e o dispositivo espe-cialmente desenvolvido, ainda não estava pronto no mo-mento da operação. Em 1925, Henry Souttar, no LondonHospital, fez a abordagem da valva mitral através do apên-dice atrial esquerdo, realizando a comissurotomia com oauxílio do próprio dedo indicador. Apesar do sucesso, ne-nhum outro caso foi por ele operado por absoluta falta deencaminhamento por parte dos cardiologistas britânicos daépoca. O desenvolvimento da cirurgia da valva mitral este-nótica só foi retomado em meados da década de 40 quando

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os doutores Dwight Harken e Charles Bailey,independentemente, passaram a praticar a valvuloplastia emlarga escala 15.

Cirurgia da insuficiência coronária - A cirurgia dainsuficiência coronária talvez seja uma das que mais mo-dificações sofreu ao longo dos anos. Várias técnicas nãodependentes de circulação extracorpórea já foram propos-tas e utilizadas, embora muitas vezes com resultados incer-tos e duvidosos. Recolhemos nos Anais do IX CongressoInternacional do Colégio Internacional de Cirurgiões rea-lizado em São Paulo-SP (Brasil), entre 26/4 a 2/5/1954, umresumo da apresentação do Dr. Charles P. Bailey 16, que bemdemonstra o estado incipiente do tratamento cirúrgico dainsuficiência coronária naquela época: “muitos métodostêm sido sugeridos para o alívio da angina de peito, mascom exceção das operações de revascularização, eles têmsido essencialmente paliativos. As operações de revascula-rização são de três tipos: 1) revascularização de superfície,conforme realizado por Thompson; 2) implante da artériamamária no miocárdio conforme realizado por Vineberg;3) circulação retrógrada de sangue arterial através do seiocoronário conforme realizado por Beck e outros. Nós rea-lizamos algumas operações de Beck, muitas das quais mo-dificadas de acordo com o método de Kralik. É nossa opi-nião que este é o mais efetivo dos procedimentos derevascularização e temos evidências tanto anatômicasquanto fisiológicas confirmando essa impressão. Os resul-tados clínicos após intervenções com este método têm sidomuito gratificantes.(...)”

O conhecimento que temos nos dias de hoje a respei-to da insuficiência coronária, justifica muito bem que poucopoderia ser feito na época em termos de procedimentos ci-rúrgicos, já que nem mesmo os métodos de diagnósticoadequados haviam ainda sido desenvolvidos. Somente como advento da cineangiocoronariografia, no início da déca-da de 60, foi possível conhecer-se com mais detalhes afisiopatologia do processo, dando-se então início às técni-cas de revascularização com auxílio de circulaçãoextracorpórea.

Cirurgia cardíaca a céu aberto

A cirurgia cardíaca a céu aberto pode ser consideradacomo um dos mais importantes avanços médicos do sécu-lo XX. Para se ter uma idéia da amplitude de sua utilização,basta a informação de que em 1994 realizavam-se, no mun-do, cerca de 2.000 cirurgias por dia, sem grandes dificulda-des e com baixo risco, mesmo nas faixas etárias com mai-or possibilidade de complicações, quais sejam a dosneonatos e octagerianos. É inegável que este fato se reves-te da maior importância mormente em se considerando quea 1ª cirurgia cardíaca a céu aberto, realizada com sucesso,só aconteceu em 2/9/1952, quando o Dr. F. John Lewis cor-rigiu uma comunicação interatrial de 2cm de diâmetro, sobvisão direta, com interrupção do fluxo nas cavas e

hipotermia corporal moderada (26oC), em uma menina de5 anos de idade, no Hospital da Universidade de Minnesota(EUA) 17.

Aliás, a Universidade de Minnesota pode ser conside-rada como sendo o berço da cirurgia cardíaca mundial, poisfoi lá realmente que os grandes fatos aconteceram. Foi látambém que os pioneiros da cirurgia cardíaca brasileira seiniciaram, sob a orientação do Dr. W. Lillehei, com desta-que para os Drs Euryclides de Jesus Zerbini, DelmontBittencourt, André Esteves Lima, Hugo Felipozzi e Domin-gos Junqueira de Moraes, que aqui difundiram conheci-mentos, formaram escolas e fizeram da cirurgia cardíacaum marcador da viabilidade do nosso país.

Voltando à Universidade de Minnesota, as técnicasarrojadas lá desenvolvidas por volta de 1955, transforma-ram aquela escola, em poucos meses, na Meca de cirurgi-ões cardíacos ávidos por aprender e pacientes com esperan-ça de serem curados. Palavras como hipotermia, circulaçãocruzada e oxigenador de bolhas tornaram-se comuns nosmeios cirúrgicos em todo o mundo.

Wilson 18 fornece uma excelente visão de como os fa-tos se desenrolaram naquela época. Parece que tudo come-çou quando o Dr. Owen Wangensteen, em 1/9/1939, ligouo 1º canal arterial naquela Universidade, usando a técnicadesenvolvida pelo Dr. Robert E. Gross, um ano antes, noChildren’s Hospital de Boston. Outro envolvido intensa-mente com cirurgia cardíaca em Minneapolis foi o Dr.Morse J. Shapiro que, sendo clínico, interessou-se pelasdoenças valvares a tal ponto que criou um pavilhão de 40leitos, para tratamento de crianças com febre reumática, noLymanhurst Center for Tuberculous Children, hospital li-gado à Universidade. Examinando crianças com febre reu-mática, também descobriu um grande número delas comcardiopatias congênitas. Embora no início não acreditas-se muito na cirurgia cardíaca, logo se convenceu de que eranecessário operá-las antes que fosse tarde demais. O diag-nóstico de pacientes, principalmente crianças com cardio-patia, aumentava assustadoramente e o número de leitosdisponíveis era muito pequeno.

Em 1944 existia um clube em Minneapolis que con-gregava os donos dos cinemas da área chamado VarietyClub, que se interessaram pelo trabalho desenvolvido peloDr. Shapiro e decidiram, em janeiro de 1945, levantar fun-dos da ordem de 150 mil dólares para construção de umHospital do Coração no campus da Universidade, o primei-ro de que se tem notícia, e, além disso, prover um mínimode 25 mil dólares anuais para o seu funcionamento. Àque-le tempo, o cinema era a principal diversão da população,uma vez que a televisão não havia ainda aparecido. Osmembros do Variety Club, que estavam em direta conexãocom os produtores de filmes, decidiram pedir ao WarnerBrothers Studio um curta metragem que chamasse a aten-ção para a necessidade urgente de um Hospital do Coraçãoem Minneapolis. O artista que conclamava o público a au-xiliar na campanha foi nada menos que Ronald Reagan,mais tarde eleito presidente dos Estados Unidos. O filme foi

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apresentado a milhares de espectadores em centenas de ci-nemas em todo o noroeste da nação.

A campanha foi ajudada pelo sucesso da operação deBlalock Taussig, uma vez que o Hospital do Coração per-mitiria não só diagnosticar como tratar as crianças, do pon-to de vista clínico ou cirúrgico. Dessa forma, foi possívellevantar fundos da ordem de 500 mil dólares, além da con-tribuição do governo federal com mais 600 mil dólares e daUniversidade com outros 400 mil dólares. O hospital ficoupronto em março de 1951 a um custo de mais de 1,5 milhõesde dólares. Tinha quatro andares de frente para o Rio Missi-ssipi, ligado ao Hospital da Universidade por uma ponte noúltimo andar.

Já em 1945, quando o Hospital do Coração estava sen-do planejado, o Dr. O. Wangensteen, chefe da Cirurgia, e oDr. M. Visscher, chefe do Departamento de Fisiologia, in-centivaram o Dr. Clarence Dennis, que era professor asso-ciado de Cirurgia, a desenvolver o aparelho coração-pul-mão artificial que permitisse as operações com o coração acéu aberto. Com o final da guerra e o retorno de muitos jo-vens para a formação acadêmica, a Universidade deMinnesota encontrava-se numa situação privilegiada emtodos os setores.

No campo da cirurgia, o Dr. Wangensteen havia cri-ado uma forma peculiar para a formação dos cirurgiões.Cada membro do departamento era obrigado a desenvolveralguma linha de pesquisa e os residentes tinham queauxiliá-los nessa tarefa. Dr. Wangensteen acreditava que oscirurgiões deviam aprender a operar e praticar outras roti-nas, porém precisavam também ler, pensar e pesquisar. Elesnão podiam ser parasitas intelectuais só usando idéias emétodos desenvolvidos por outros. Na verdade, os residen-tes deveriam contribuir para o “patrimônio” da instituição.Nessa atmosfera em que se uniam fisiologia, cirurgia e pes-quisa foi que o Dr. Clarence Dennis, em 1945, iniciou seustrabalhos com o coração-pulmão artificial. O conceito decoração-pulmão artificial não era novo. Em 1931, o Dr.John Gibbon, trabalhando com o Dr. Edward D. Churchill,vendo um paciente morrer na mesa operatória quando setentava remover um êmbolo maciço da artéria pulmonarimaginou que, se fosse possível manter a circulação e aoxigenação, o paciente poderia ter sido salvo. Seus traba-lhos prosseguiram no Massachusetts General Hospital em1934 e, já em 1937, havia desenvolvido uma máquina ca-paz de manter a respiração e a circulação em pequenos ani-mais, por 30 ou 40min. No mesmo ano, no JeffersonMedical College em Filadélfia, o Dr. Gibbon construiu umanova máquina usando pela primeira vez as bombas derolete, que haviam sido introduzidas pelo Dr. Michael DeBakey, em 1934. Máquina essa suficiente para manter ga-tos em circulação extracorpórea, mas era muito pequenapara cães e muito menos adequada para seres humanos. Oadvento da II Guerra Mundial interrompeu seu trabalho.

Voltando da guerra, o Dr. Gibbon assumiu o cargo deprofessor da Jefferson Medical College e passou a desen-volver uma máquina de circulação extracorpórea maior e

mais eficiente. Em 1946, buscou ajuda de engenheiros e fi-nalmente um deles, da IBM, construiu uma nova máquina,bastante sofisticada e com controles de temperatura, nívele fluxo. Assim, em 1947, o Dr. Gibbon pôde operar algunscães. No início, a mortalidade era de 80%, principalmen-te por embolismo aéreo; ao final de anos de persistentes ten-tativas, foi possível reduzir a mortalidade para 10%.

Ao mesmo tempo, o Dr. Dennis também tentava cons-truir um oxigenador na Universidade de Minnesota, estu-dando o que já havia sido feito em outras escolas. O sangueera passado em tubos de celulose (usados para ensacar lin-güiça), no sentido de oxigená-lo numa atmosfera de oxigê-nio. A oxigenação era muito pobre e o projeto foi abandona-do. Quando injetava oxigênio diretamente no sangue aoxigenação era boa, porém formava-se uma enorme quan-tidade de espuma. Passou a utilizar cilindros verticais emrotação semelhantes aos desenvolvidos pelo Dr. Gibbon.Com isso conseguiu oxigenar o sangue sem produzir mui-tas bolhas, de tal forma que foi possível operar animais.Muitos desenhos de cilindros, funis e associação dos mes-mos foram testados, sempre na tentativa de melhorar aoxigenação e diminuir o traumatismo sangüíneo. Por fimchegou-se a um aparelho complicado, de difícil funciona-mento, esterilização e limpeza. Pior ainda, de 64 cães ope-rados somente 9 sobreviveram. Embora demonstrassem aredução de hemólise, outras mudanças drásticas continu-aram a ocorrer no sangue de cães em experimentação, comoperda de plasma, redução das plaquetas e leucócitos, segui-dos de hemorragia intestinal e morte do animal. Mais tar-de, outro pesquisador, Dr. Russel M. Nelson, mostrou quetais alterações decorriam de contaminação do equipamentopor bactérias.

Durante o ano seguinte, o oxigenador foi novamentemodificado, simplificando-o com a utilização de discos detela, que giravam lentamente e sobre os quais eram jogadosjatos de sangue, segundo um modelo descrito pelo Dr.Viking Bjork. Esse oxigenador era suficiente para mantera circulação e oxigenação de um ser humano. Os trabalhosexperimentais continuaram, sempre com índice de morta-lidade altíssimo dos cães. Mesmo assim, no dia 5/4/1951,o Dr. Dennis e seus colegas usaram o equipamento em umamenina de seis anos, que tinha um grande defeitointeratrial. O que mais o impressionou foi a grande quan-tidade de sangue que continuava a fluir no coração pelo“sistema de Tebesius” (sic), o que os obrigou a aspirá-lo edevolvê-lo para o oxigenador, criando então o método uti-lizado até hoje. A criança faleceu logo após a operação, maso desempenho do oxigenador foi muito bom. O grupo ope-ratório era constituído de 16 pessoas (dois anestesistas,quatro cirurgiões, quatro operadores da máquina coração-pulmão, um responsável pelas amostras sangüíneas, doistécnicos e duas enfermeiras). Esse foi o 1º paciente opera-do com circulação extracorpórea no mundo, infelizmentesem sucesso. Dennis, contudo, não era o único enfrentan-do dificuldades. Em Filadélfia, Gibbon, usando ooxigenador desenvolvido pela IBM e constituído de telas

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fixas sobre as quais se passava um “filme” de sangue numaatmosfera de oxigênio, continuava tendo alta mortalidadenos animais de experimentação. Dos 21 cães operados porperíodos de 20 a 90min, 14 morreram. Porém, em 1951, umdado importante surgia nas apresentações dos grupos deFiladélfia e Minnesota, no congresso da American SurgicalAssociation, os oxigenadores, agora em uso, eram suficien-tes para manter a oxigenação de cães e mesmo seres huma-nos, embora muitos animais continuassem morrendo decausas desconhecidas.

Um ano antes, em 1950, um fato novo havia surgidocom o trabalho experimental de um grupo de Toronto (Ca-nadá), liderado pelo Dr. W. G. Bigelow. Eles mostraramque, baixando a temperatura de um cão anestesiado a 20oC,seu consumo de oxigênio caía a 15% do normal. Isso per-mitia isolar e parar o coração por cerca de 15min para cor-rigir os defeitos intracardíacos. Como muitos coraçõesfibrilavam, desenvolveram desfibriladores e mesmomarcapassos para manter o ritmo. Mesmo assim, a morta-lidade dos animais era muito alta, de causas não determi-nadas.

Em julho de 1951, o Dr. Dennis tornou-se Prof. de Ci-rurgia na Universidade de New York Downstate MedicalCenter, levando consigo a máquina de circulação extracor-pórea, pela qual a Universidade de Minnesota recebeu 16mil dólares, fundo este empregado para prosseguir as pes-quisas. O Dr. Dennis nunca mais operou um paciente docoração. Por sorte, nessa época, o Dr. C. Walton Lillehei,nomeado Prof. Associado de Cirurgia na Universidade deMinnesota, estava cheio de entusiasmo pela cirurgia cardía-ca.

Em 1946, o Dr. Lillehei, retornando da guerra, fez suaresidência com o Dr. Wangensteen e, no final dela, foi ope-rado de linfossarcoma, que obrigou a realização de esvazi-amento cérvico-torácico amplo; isto porém não o desani-mou, pelo contrário, aumentou sua vontade de viver e ven-cer. Durante a residência, o Dr. Lillehei havia passado doisanos no laboratório de Fisiologia com o Dr. Visscher, o quelhe deu sólidas bases experimentais. Freqüentemente “ope-rava” corações de pacientes que haviam falecido com doen-ças congênitas, tentando corrigir os defeitos. O Dr. Lilleheihavia chegado à conclusão de que se fosse possível atingiro interior do coração, as operações seriam relativamentesimples. Assim, quando o Dr. Wangensteen perguntou-lhequal pesquisa ele desejava desenvolver, não hesitou em res-ponder: “cirurgia cardíaca a céu aberto”, o que foi rapida-mente aceito pelo Dr. Wangensteen.

Do que o Dr. Lillehei conhecia em 1951, os sistemasde circulação extracorpórea não estavam ainda no estágiode uso clínico, eram complicados, difíceis de esterilizar e amortalidade dos animais de experimentação proibitiva.Chegou à conclusão que alguma maneira mais simples ti-nha que ser desenvolvida. Baseado nos trabalhos originaisdos cirurgiões britânicos Dr. Anthony Andersen e Dr.Frank Watson, Dr. Lillehei criou o conceito do “fluxo da

veia ázigos”, que em resumo representa o fato de que seclampeadas as duas cavas, o fluxo da veia ázigos, que é cer-ca de 1/10 do fluxo sistêmico, é suficiente para manter o cé-rebro e os outros órgãos por cerca de 40min. Com isto, de-senvolveu um circuito extracorpóreo simples que utilizavaum lobo do pulmão para oxigenar um fluxo de sangue se-melhante ao da veia ázigos, permitindo operar cães semmortalidade. Como a hipotermia baixa o consumo de oxi-gênio sugeriu que o uso da hipotermia poderia aumentar operíodo de segurança.

À mesma época, os Drs. F. John Lewis e MansurTaufic (brasileiro) começavam, em Minneapolis, o empre-go da hipotermia. Após muita experimentação em cães, ve-rificaram que a fibrilação ventricular irreversível era o re-sultado de embolia aérea das coronárias. Desta forma, con-seguiram operar 10 cães em que haviam previamente fei-to uma comunicação interatrial, fechando-a com“hipotermia”, com a morte de apenas um cão.

No final do verão de 1952, os Drs. Lewis, Varco eTaufic estavam confiantes na sua técnica de hipotermia a talponto que no dia 2/9/1952 operaram uma menina de cincoanos, hipodesenvolvida e portadora de uma comunicaçãointeratrial. A temperatura foi baixada a 26oC, o tórax foiaberto, as cavas clampeadas durante 5,5min para o fechamen-to da comunicação. A criança teve alta no 11º dia de pós-ope-ratório, tendo sido esta a 1ª operação a céu aberto realizada nomundo com sucesso. Cinco minutos de parada circulatóriaque viriam revolucionar a história das cardiopatias.

Pelo ano de 1953, enquanto os Drs. Lewis e Taufic es-tavam realizando operações cardíacas a céu aberto comhipotermia, o Dr. Lillehei e seus assistentes continuavamsuas pesquisas para solucionar o problema de oxigenar osangue durante a circulação extracorpórea completa, semlimite de tempo.

Em 1953, os Drs. Andersen e Watson, na Inglaterra,publicaram seus experimentos de circulação cruzada emcães, por períodos de até 30min. O grupo dos Drs. Lillehei,Warden e Cohen tomaram empreitada de desenvolver a cir-culação cruzada com vistas à aplicação clínica; estudaramas variáveis fisiológicas e verificaram que nenhum dos “do-adores” faleceram na experimentação.

Em março de 1954, o Dr. Lillehei e seu grupo senti-ram-se suficientemente seguros para empregar a circulaçãocruzada em seres humanos.

No Hospital da Universidade de Minnesota, conside-rado muito progressista, havia forte oposição à idéia inova-dora do Dr. Lillehei de realizar a circulação cruzada em se-res humanos. Dr. Wangensteen foi de auxílio inestimável.Quando a 1ª operação planejada estava para ser suspensa nanoite anterior, devido à oposição, o Dr. Lillehei deixou-lheuma nota com os seguintes dizeres: “nossa operação con-tinua em pé amanhã cedo?” Recebeu do Dr. Wangensteena seguinte resposta: “Prezado Walt, de todas as maneiras váem frente”.

Assim, no dia 26/3/1954, o grupo do Dr. Lillehei ope-rou um menino de um ano de idade, que havia passado qua-

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se toda sua vida no hospital, com ataques de pneumonia einsuficiência cardíaca, muito pequeno, pesando apenas6,9kg e que, freqüentemente, apresentava-se cianótico. Ocateterismo mostrava uma ampla comunicaçãointerventricular. Para a circulação cruzada, o pai foi esco-lhido como “suporte”. A circulação durou 13min, duran-te os quais o Dr. Lillehei fechou a comunicaçãointerventricular com sutura contínua. A operação decorreunormal, assim como o pós-operatório, até que a criançadesenvolveu pneumonia com bronquite e faleceu 11 diasapós a operação. A autopsia demonstrou alteração acentu-ada da circulação pulmonar.

Sem hesitar, Dr. Lillehei e seus colegas operaram um2º paciente de quatro anos de idade com circulação cruza-da no dia 20/4/1954, usando também o pai da criança comosuporte circulatório. Este paciente também desenvolveupneumonia mas recuperou-se e teve alta. No fim de agostode 1954, o Dr. Lillehei e seus assistentes haviam realizadooito operações a céu aberto para fechamento de comunica-ções interventriculares, com dois óbitos. A vista da gravi-dade dos casos, o resultado apresentado representou um su-cesso insuperável.

Em 31/8/1954, com a experiência ganha no fecha-mento das comunicações interventriculares e com o treina-mento feito na sala de autopsia, Dr. Lillehei operou o 1º casode tetralogia de Fallot com correção total, em um meninode 11 anos de idade, muito cianótico e hipodesenvolvido,tendo abandonado a escola em virtude da doença. Duran-te a canulação teve uma parada cardíaca, mas o coraçãovoltou a bater quando a circulação cruzada foi estabelecida.A comunicação interventricular foi fechada e a estenosepulmonar aliviada. O paciente teve alta duas semanas de-pois, logo estando apto a jogar beisebol e andar de bicicle-ta.

Em 3/12/1954, um outro paciente com tetralogia deFallot foi operado com a idade de 19 anos, com grave insu-ficiência cardíaca e cianose. Os defeitos foram corrigidose o paciente teve alta curado.

Até fevereiro de 1955, Dr. Lillehei e seu grupo havi-am operado com circulação cruzada 32 pacientes com 25sobreviventes. Nenhum dos sete óbitos decorreu da circu-lação cruzada. Um dos óbitos foi devido ao bloqueio AVtotal.

Com repetição dos casos, a circulação cruzada tornou-se mais simples com a utilização de uma cânula em cadacava e um reservatório venoso. O fluxo mantido era de 30a 40% do débito cardíaco normal em repouso. Para facili-tar a visibilização no interior das câmaras cardíacas, apli-cava-se um torniquete na aorta, que era apertado intermi-tentemente para diminuir o sangue dentro do coração.

Em abril de 1955, Dr. Lillehei apresentou os resulta-dos de nove operações de tetralogia de Fallot com cinco so-breviventes no Congresso da American SurgicalAssociation, em Filadélfia. Os sobreviventes tinham o co-ração praticamente normal!!! Durante a discussão, Dr.Alfred Blalock, do alto da sua importante figura, comentou:

“eu nunca pensei viver o suficiente para ver o dia em queeste tipo de cirurgia pudesse ser realizado; eu parabenizo ogrupo de Minnesota pela sua imaginação, sua coragem esua dedicação”. Contudo, o Dr. Blalock sugeriu que a solu-ção definitiva para suportar a circulação durante a cirurgiaseria o coração-pulmão artificial desenvolvido pelo Dr.Gibbon e não a circulação cruzada.

Dr. Gibbon havia operado o 1º paciente com circula-ção extracorpórea no início de 1953, porém o paciente fa-leceu. Em maio de 1953, Dr. Gibbon operou o 2º paciente,portador de comunicação interatrial, com total sucesso,abrindo o coração do paciente em extracorpórea e o vastocampo da cirurgia cardíaca, embora não tenha tido o devi-do destaque na época, talvez porque com hipotermia taisoperações vinham sendo realizadas como rotina pelos Drs.Lewis e Taufic. Dr. Gibbon nunca conseguiu repetir sua fa-çanha e, após cinco tentativas sem sucesso, ele abandonoua cirurgia cardíaca.

Embora não comentasse na reunião de Filadélfia, o Dr.Lillehei sabia que ele tinha na Universidade de Minnesotaum coração-pulmão mais eficiente, mais seguro e muitomais simples que todas as sofisticadas máquinas desenvol-vidas pelos Drs. Gibbon, Dennis ou outros. Todos estes oxi-genadores baseavam-se no princípio de formar uma finacamada de sangue sobre uma grande superfície inserida ematmosfera de oxigênio. Mas uma outra maneira de criaruma grande interface entre o oxigênio e o sangue podia serconseguida borbulhando oxigênio diretamente dentro dosangue.

Em 1950, o Dr. Leland C. Clark Jr e col, trabalhandono Antioch College em Yellow Springs (Ohio), desenvolve-ram um pequeno oxigenador de bolhas. As tentativas deoutros mostravam que o método de oxigenação de bolhasera muito lento e com grande tendência para formar espu-ma. Dr. Clark conseguiu demonstrar que era possível eli-minar as bolhas passando o sangue por um tubo com varetasou bolinhas de vidro tratadas com DC antifoan A. Este eraum composto de silicone desenvolvido pela Dow CorningCompany usado na fritura de batatas e que continua sendoutilizado até hoje na circulação extracorpórea.

Em 1952, Dr. Clark e col haviam desenvolvido umoxigenador capaz de manter em circulação extracorpóreaanimais de mais de 20kg.

Em 1954, o Dr. Richard A. DeWall, um jovem médi-co, foi inicialmente contratado como responsável pela cir-culação cruzada na Universidade de Minnesota, devendoem seguida ser aceito como residente. Isto não aconteceuem virtude das suas notas não serem suficientes para as exi-gências da Universidade, apesar do desejo dos Drs. Lilleheie Wangensteen. Quando o Dr. DeWall recebeu a notícia, su-geriu ao Dr. Lillehei que o contratasse como técnico de ani-mais de laboratório. Tanto o Dr. Lillehei como o Dr.Wangensteen aceitaram a idéia e o Dr. DeWall continuoucom as mesmas atividades anteriores, com a única diferen-ça que recebia um pagamento um pouco maior que os resi-dentes. Como projeto de pesquisa, que era obrigatório na

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Universidade, Dr. Lillehei sugeriu ao Dr. DeWall que tra-balhasse no oxigenador de bolhas. Pediu-lhe também quenão se preocupasse com as publicações anteriores e quereiniciasse toda a pesquisa, desde o princípio.

Os Drs. DeWall e Lillehei obtiveram tubos de plásti-co (PVC) de uma firma que fazia os tubos para fábricas demaionese. Na fabricação da maionese, a formação de espu-ma era também um grande problema que havia sido solu-cionado untando-se o interior dos tubos com DC antifoanA, o mesmo produto usado muitos anos antes pelo Dr. Clarke col. Sem conhecer o trabalho do Dr. Clark, os Drs. DeWalle Lillehei, pensaram que se o silicone DC antifoan A erabom para a maionese, deveria ser bom também para o san-gue. Mesmo com o antifoan A, algumas bolhas ainda per-sistiam no sangue. Foi quando o Dr. DeWall pensou emcriar uma hélice de tubo de PVC de tal forma que as bolhasseriam “empurradas” para cima, enquanto o sangue sembolhas mais denso iria para o fundo da espiral de PVC.

No inverno de 1954, o Dr. DeWall operou cerca de 70cães usando várias técnicas e desvendando detalhes comoa necessidade de aquecer o sangue, o que ele conseguiumergulhando a espiral de PVC em um recipiente de águaaquecida. As conexões dos tubos, assim como os filtros,foram progressivamente melhorados de tal forma que, emmaio de 1955, os Drs. DeWall e Lillehei acreditavam terpronto um oxigenador para uso humano.

Em 13/5/1955 usaram o oxigenador do Dr. DeWallpela 1ª vez em uma criança de três anos com comunicaçãointerventricular e hipertensão pulmonar; a operação decor-reu bem, porém 18h depois o paciente morreu.

Em agosto de 1955 haviam usado o oxigenador emsete crianças de 19 meses a sete anos de idade, com apenasduas mortes. Todas as sete crianças acordaram imediata-mente após a operação. As duas mortes não foram relacio-nadas à circulação extracorpórea. Os oxigenadores criadospelo Dr. DeWall foram sendo aperfeiçoados com o uso. Jáa circulação cruzada, que havia permitido avançar um pas-so na longa caminhada da cirurgia cardíaca, foi definitiva-mente abolida.

Ao contrário do complexo oxigenador do Dr. Gibbon,com numerosas partes móveis, o oxigenador de bolhas doDr. DeWall era elegantemente simples, sendo construído detubos plásticos usados para indústria alimentícia, era tam-bém barato e descartável, além de esterilizável em autoclave.

Em maio de 1956, o Dr. Lillehei e col atingiam a mar-ca de 80 operações com o oxigenador de bolhas. Nos doisanos seguintes, mais de 350 pacientes haviam sido operados.A introdução do oxigenador de bolhas permitiu a expansãoda cirurgia cardíaca para todo o mundo, onde houvesse umhospital bem equipado e médicos com preparo e vontade defazer da mesma uma realidade. No Brasil, dedicaram-se aodesenvolvimento de oxigenadores e sistemas de circulaçãoextracorpórea os Drs Hugo Felipozzi, Adib Jatene, ValdirJazbik, Domingos Junqueira de Moraes, Marcos Cunha,Hélio Magalhães, Otoni Moreira Gomes e DomingoMarcolino Braile, entre outros.

As tentativas de utilização de sistemas de oxigenação

extracorpórea, culminaram após inúmeros erros e acertos,nos modernos oxigenadores de membrana, permitindo aabordagem de cardiopatias progressivamente mais comple-xas com bons resultados a curto e longo prazos. Dezenas decirurgiões poderiam ainda ser citados, cada um com umasignificante contribuição para o desenvolvimento da cirur-gia cardíaca. Essa enumeração seria tediosa e provavel-mente de difícil retenção na memória do leitor. Cremosporém, que o destaque para o nome da Dra. Nina StarrBraunwald, pode servir como um farol a iluminar essa ex-tensa galeria de notáveis. A Dra. Nina Braunwald nasceuem Nova Iorque, em 1928, tendo sido a primeira mulher arealizar uma cirurgia cardíaca a céu aberto. Além de outrasprimazias, foi também a primeira mulher a ser eleita paraa Associação Americana de Cirurgia Torácica (TheAmerican Association for Thoracic Surgery). No final dadécada de 50 ela desenvolveu uma prótese mitral depoliuretano flexível com cordas tendíneas de teflon, im-plantando-a em cães e, em 1960, liderou uma equipe quepela primeira vez utilizou essa prótese para substituiçãovalvar mitral em humanos. O paciente sobreviveu à cirur-gia e se manteve bem clinicamente por vários meses. A Dra.Braunwald também desenvolveu uma prótese mecânica debola, recoberta, a prótese de Braunwald-Cutter, que chegoua ser implantada em vários pacientes. Ela foi ainda pioneirano uso de técnicas de culturas de tecidos, com a finalidadede criar superfícies não trombogênicas para próteses e dis-positivos de circulação assistida. A Dra. Nina StarrBraunwald faleceu no dia 5/8/1992 19.

No Brasil, muitos dedicaram-se ao campo das prótesesbiológicas e mecânicas, levando o país à auto-suficiência edestaque internacional.

Transplante cardíaco

Tanto a comunidade científica quanto o público emgeral, foram sensivelmente abalados quando, no dia 3/12/1967, o Dr. Christiaan Barnard, na Cidade do Cabo, Áfri-ca do Sul, realizou o que até então se considerava o primeirotransplante cardíaco em humanos. A partir dessa data, umaavalanche de outros casos foram sendo operados, fazendocom que, em uma compilação de Haller e Cerruti, até outu-bro de 1968, já se contassem mais 60 transplantes, em di-ferentes partes do mundo 20.

O 1º transplante cardíaco na América Latina (17º nomundo), foi realizado no Hospital das Clínicas em São Pau-lo, Brasil, pelo Dr. Euryclides de Jesus Zerbini no dia 26/5/1968. O receptor foi um homem de 32 anos, vaqueiro e por-tador de miocardiopatia dilatada, provavelmente de etiolo-gia chagásica. O fato causou grande impacto na época, sen-do motivo de destaque tanto nos meios científicos quanto naimprensa leiga, com vários jornais e revistas ocupando qua-se todo o espaço com o assunto ou abrindo edições extras(Folha de São Paulo, ano 48, nº 14.225, caderno I, 27/5/1968).

O transplante cardíaco é hoje uma realidade, com

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Braile e colHistória da cirurgia cardíaca

mais de 25.000 casos registrados até 1993 21 e tudo indicaque esse número continuará aumentando progressivamen-te. A esse respeito, podem ser consideradas proféticas as pa-lavras de Sir Peter B. Medawar (prêmio Nobel de Medici-na de 1970), no dia 11/9/1968, por ocasião do II Congres-so Internacional da Sociedade de Transplantes em NovaIorque 22: “O transplante de órgãos será assimilado na prá-tica clínica ... e não há necessidade de filosofar a esse res-peito. Isto será realidade pela simples e suficiente razão deque as pessoas são constituídas, de tal forma, que preferemviver do que morrer”. Cremos que não seria exagerado,considerar esta uma justificativa válida para o desenvolvi-mento da cirurgia cardíaca como um todo.

Cirurgia cardíaca no Brasil

A participação brasileira em cada um dos tópicosabordados, já foi devidamente ressaltada. Cabe aqui, po-

rém, um enfoque mais genérico para caracterizar a impor-tância da cirurgia cardíaca em nosso meio. Assim, no anode 1994, foram realizadas no Brasil 35.000 operações car-díacas com circulação extracorpórea, sendo a metade delaspara revascularização miocárdica, com resultados compa-ráveis àqueles da literatura internacional. As operaçõesforam realizadas em 142 centros distribuídos por todo opaís 23, com a participação de 350 cirurgiões associados àSociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular.

É fora de dúvida, que a cirurgia cardíaca no Brasil en-contra-se hoje em nível equivalente ao dos grandes centros,com vários polos de destaque ao longo do território nacio-nal. Seria, portanto, falho ou talvez injusto destacar um ououtro nome que pudesse ser considerado como tendo dadomaior contribuição para o desenvolvimento da cirurgia emnosso meio. Impossível porém deixar de citar o nome do Dr.Adib Jatene por sua contribuição na correção anatômica datransposição completa dos grandes vasos da base.