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http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 GEOPROCESSAMENTO NA BUSCA DE PARÂMETROS INSTITUCIONAIS DE CONSERVAÇÃO FLORESTAL: O CASO DOS TERRITÓRIOS AYAHUASQUEIROS EM RONDÔNIA-BR Julien Marius Reis Thevenin Universidade Estadual Paulista- UNESP [email protected] Edson Luís Piroli Universidade Estadual Paulista- UNESP [email protected] INTRODUÇÃO Alguns cientistas no campo dos estudos religiosos responsabilizam o monoteísmo cristão surgido em regiões semiáridas por parte do afastamento da sociedade ocidental da natureza, que associado ao modo de produção capitalista tem contribuído para radicais mudanças na cobertura da terra. Salatino (2001) nos mostra, que antigas tradições religiosas que se originaram e desenvolveram em regiões semiáridas em meio a uma natureza hostil contribuíram para que não se desenvolvesse o sentimento de veneração de animais e plantas, que é tão comum em outras tradições. Não só as características biofísicas exerceram influências, mas também concepções dualistas como o antropocentrismo ou o teocentrismo, monoteísmo ou politeísmo contribuíram antagonicamente para a postura de indivíduos e grupos humanos perante a natureza (GUILHARDI; CHADDAD, 2010; SALATINO, 2001). Características da paisagem como a inexistência de vida, pela ausência de árvores, jardins, pássaros etc. expressam a atitude antinatural presente em grande porção de territórios religiosos na atualidade. No entanto, em tradições religiosas e comunidades tradicionais que apresentaram atitudes de sacralização da natureza, a presença de plantas e 3301

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GEOPROCESSAMENTO NA BUSCA DEPARÂMETROS INSTITUCIONAIS DE

CONSERVAÇÃO FLORESTAL: O CASO DOSTERRITÓRIOS AYAHUASQUEIROS EM

RONDÔNIA-BR

Julien Marius Reis Thevenin

Universidade Estadual Paulista- UNESP

[email protected]

Edson Luís Piroli

Universidade Estadual Paulista- UNESP

[email protected]

INTRODUÇÃO

Alguns cientistas no campo dos estudos religiosos responsabilizam o

monoteísmo cristão surgido em regiões semiáridas por parte do afastamento da sociedade

ocidental da natureza, que associado ao modo de produção capitalista tem contribuído para

radicais mudanças na cobertura da terra. Salatino (2001) nos mostra, que antigas tradições

religiosas que se originaram e desenvolveram em regiões semiáridas em meio a uma

natureza hostil contribuíram para que não se desenvolvesse o sentimento de veneração de

animais e plantas, que é tão comum em outras tradições. Não só as características biofísicas

exerceram influências, mas também concepções dualistas como o antropocentrismo ou o

teocentrismo, monoteísmo ou politeísmo contribuíram antagonicamente para a postura de

indivíduos e grupos humanos perante a natureza (GUILHARDI; CHADDAD, 2010; SALATINO,

2001).

Características da paisagem como a inexistência de vida, pela ausência de

árvores, jardins, pássaros etc. expressam a atitude antinatural presente em grande porção

de territórios religiosos na atualidade. No entanto, em tradições religiosas e comunidades

tradicionais que apresentaram atitudes de sacralização da natureza, a presença de plantas e

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animais sempre foram uma constante em seus territórios, como afirma Salatino (2001) ao

analisar algumas religiões orientais.

Nos estudos de mudança florestal, cada vez mais arranjos institucionais tem

merecido uma atenção especial, pois instituições efetivas de posse da terra têm o potencial

tanto para limitar a exploração florestal como para encorajá-la, sendo amplamente

reconhecidas como fundamentais para eficiente gestão florestal (TUCKER; SOUTHWORTH,

2009). Nessa perspectiva, vê-se que instituições poderosas como as religiões têm

importante papel, pois possuem grande potencial tanto para afastar o homem da natureza,

com posturas antinaturais, quanto para aproximá-lo com a sacralização da natureza

(SALATINO, 2001).

Assim, tendo em vista os problemas ligados às mudanças no uso e cobertura da

terra, em especial, ao desflorestamento da Amazônia no estado de Rondônia, foram

analisados, neste estudo, os territórios religiosos de instituições que tem por prática o uso

do chá Ayahuasca1 em seus rituais. Surgidos a partir das primeiras décadas do século XX, em

meio à floresta Amazônica brasileira, esses movimentos religiosos cristãos, que foram

liderados por seringueiros e atualmente se expandem pelo Brasil e pelo mundo,

apresentam novos paradigmas a serem desvendados pela ciência.

A necessidade que essas religiões têm de plantar o cipó Banisteriopsis caapi,

popularmente chamado de jagube ou mariri e da folha Psychotria viridis, popularmente

chamada de rainha ou chacrona para o autoconsumo do chá Ayahuasca, e a necessidade

reconhecida por essas instituições de que essas espécies precisam do ambiente florestal

para um melhor desenvolvimento é o foco principal desse estudo. Nesse sentido, o presente

trabalho analisou o uso e a cobertura da terra em 14 propriedades rurais de religiões

ayahuasqueiras no estado de Rondônia-BR (Figura 1). Estima-se, a partir das pesquisas de

campo desenvolvidas, que a área total dessas propriedades equivale atualmente a cerca de

70% de todo território ayahuasqueiro no estado de Rondônia.

O território religioso ayahuasqueiro em Rondônia foi escolhido enquanto recorte

espacial por ser um dos estados que apresenta o maior número de usuários da Ayahuasca

(não-indígenas) atualmente2. Além disso, diferente do estado do Acre, Rondônia é um dos

1 Inúmeras são as denominações utilizadas para designar o chá Ayahuasca, como por exemplo: Hoasca, Daime, Vegetal, Cipó, Mariri, Yagé ou Kamarampi. Segundo Bernadino-Costa e Silva (2011) o termo Ayahuasca tem sido o mais utilizado na bibliografia acadêmica para se referir ao chá e às práticas culturais a ele relacionadas.

2 Na região amazônica apenas o estado do Acre tem um maior número de unidades administrativas (no total das

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estados (inserido na Amazônia legal) que sofreu as maiores taxas de desmatamento ao

longo da história. Dados recentes obtidos pelo INPE (2014) apontam que as taxas de

desmatamento, em Rondônia, que haviam sofrido uma redução entre os anos de 2006 e

2010 (de 2.049 km² para 435 km², respectivamente), voltaram a aumentar no período entre

2010 e 2013 (de 435 km² para 933 km²). Tais taxas só são superadas pelos estados do Pará e

do Mato Grosso, considerando-se o desmatamento da Amazônia legal para esse período de

tempo.

A metodologia do trabalho contou com aplicação de entrevistas e questionários

dirigidos aos responsáveis institucionais de cada propriedade, e o mapeamento da

cobertura da terra nessas propriedades, que foi realizado a partir de técnicas de

geoprocessamento incluindo observações sistemáticas em campo com apoio de aparelho

de posicionamento global (GPS), e que teve como foco principal a classificação da fisionomia

da vegetação. Para o mapeamento foram utilizadas imagens do satélite QuickBird extraídas

do Google Earth através do aplicativo El-Shayal, em resolução espacial de 0,70 m. Usando-se

o aplicativo Envi 5.0 foram realizadas classificações orientadas a objeto, cujo resultado foi

corrigido manualmente no aplicativo ArcGIS 10 com base em fotointerpretação e

observações realizadas em campo.

religiões ayahuasqueiras) do que Rondônia, segundo consta em Labate, Goulart e Araújo (2002), no período desta publicação o Santo Daime (Alto Santo) tinha 600 filiados em toda a instituição, o Centro Espírita e Culto de Oração, Casa de Jesus, Fonte de Luz (Barquinha) 500, o Centro Espírita Beneficente União do Vegetal (UDV) 7.000, e o Santo Daime (CEFLURIS) 3.000. Segundo dados mais atualizados a UDV (maior instituição ayahuasqueira em número de sócios) contava em maio de 2010 com 13.839 sócios, onde aproximadamente 1/6 desses se concentravam em Rondônia, estado onde a religião se originou (BERNADINO-COSTA; SILVA, 2011).

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Figura 1: Localização das 14 propriedades rurais de instituições ayahuasqueiras no estado deRondônia, Brasil.

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A opção por utilizar a classificação orientada a objeto se deu, principalmente,

devido à escala de detalhamento associado ao uso de imagens de alta resolução. A melhoria

da resolução espacial proporcionada pelos avanços tecnológicos ampliou as dificuldades de

aplicação dos classificadores digitais tradicionais (classificadores pixel a pixel), que foram

desenvolvidos baseados em características do pixel como unidade primitiva de informações

a respeito do alvo, voltados, sobretudo, a imagens de baixa resolução espacial (BLÄSCHKE;

STROBL, 2001; LUZ et al., 2010).

A abordagem orientada a objeto surgiu para atender essas novas necessidades

de classificação, baseando-se em objetos compostos pelo agrupamento de pixels a partir da

segmentação da imagem, e ao mesmo tempo permitindo a identificação e separação das

informações contidas na imagem pelos usuários (BAATZ; SCHÄPE, 2000; ALVES et al., 2009;

LUZ et al., 2010). Diversos pesquisadores analisaram a eficiência dessa técnica para o

mapeamento de uso e cobertura da terra e obtiveram como resultado uma exatidão total

superior aos métodos de classificação automáticos tradicionais (MITRI; GITAS, 2004;

ANTUNES, 2003; PINHO, 2005; YAN et al., 2006; ROCHA, 2007; ALVES et al., 2009).

METODOLOGIA

Pesquisa de campo

Em campo foram aplicados 14 questionários acompanhados de entrevistas

semiestruturadas (a partir de um roteiro) aos responsáveis institucionais de cada

propriedade as quais foram gravadas e posteriormente transcritas. Segundo Tucker e

Ostrom (2009, p. 114), “dados coletados localmente também oferecem uma dimensão crítica

para subsidiar análises multiescalares e trans escalares dos fatores institucionais, políticos,

socioeconômicos e ecológicos associados a mudanças em florestas”. A análise das

informações obtidas nos questionários e entrevistas serviram de subsídio para entender a

relação estabelecida entre as áreas delimitadas e as instituições ayahuasqueiras, assim

como, para o reconhecimento dos processos de mudança da cobertura florestal.

Para fins de delimitação das propriedades foram obtidas as coordenadas de

seus vértices com o aparelho Trimble Recon GPS edição XB. O receptor desse GPS permite

uma precisão confiável de 2 a 5 metros, e foi especificamente desenvolvido para determinar

posições em ambientes hostis, como debaixo de copas de árvore ou em construções (de

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acordo com suas especificações técnicas). Também foram registrados 207 pontos de

coordenada no GPS, apoiadas de registro fotográfico, e descrição detalhada da paisagem

para as diferentes classes de cobertura da terra. Nesse procedimento houve uma especial

atenção à descrição fitofisionômica da paisagem, tendo em vista a necessidade de classificar

a vegetação em três diferentes estágios sucessionais: inicial, intermediário ou avançado.

Sensoriamento Remoto e Sistema de Informações Geográficas

Através do aplicativo livre El-Shayal Smart Web On Line foram extraídas imagens

georreferenciadas do aplicativo Google Earth (satélite Quickbird), com resolução espacial de

70 cm, para cada uma das propriedades da área de estudo. Ao extrair as imagens desse

modo perde-se a princípio a possibilidade de manipulação das bandas do satélite, porém

em nenhuma delas foi identificada cobertura de nuvens. Estas imagens já tratadas, datadas

entre 2008 e 2014, junto às coordenadas dos vértices registrados em campo foram

utilizadas na delimitação das propriedades, por meio do aplicativo ArcGIS 10. Concluído o

processo de vetorização das propriedades foi calculada a área de cada uma em metros

quadrados e em hectares, assim como a área total do conjunto de propriedades.

No aplicativo Envi 5.0 foi realizada a classificação orientada a objeto para cada

imagem recortada pelos limites das propriedades analisadas. Os parâmetros da

segmentação multirresolução foram os seguintes: o algoritmo de segmento configurado foi

o de borda (Edge), com o nível de escala variando entre 40 e 50; em configurações de

mesclagem o algoritmo escolhido foi o padrão (Full Lambda Shedule), em níveis de fusão

variando entre 97 a 99, os níveis foram escolhidos de acordo com o delineamento mais

adequado para cada propriedade. Os níveis médios configurados no algoritmo de segmento

evitaram excesso de segmentação e/ou ausência das mesmas, na busca de atingir limites

equivalentes aos limites das classes de cobertura da terra definidas a seguir. Já as

configurações de mesclagem buscaram fundir o máximo de pequenos segmentos dentro de

áreas maiores, onde o excesso de segmentação pudesse ser um problema. O tamanho da

textura Kernel foi para todos 15, pois embora as áreas fossem pequenas não havia uma

grande variância de textura entre as classes.

Após a segmentação as classes foram definidas no painel de regras de

classificação, onde foi selecionado o atributo pertinente a cada classe de acordo com as

características específicas dessas áreas, sendo as mesmas: sucessão secundária (inicial,

intermediária, ou avançada), área sem vegetação (solo exposto, área construída), massa

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d’agua. As áreas de vegetação em diferentes estágios sucessionais foram definidas de

acordo com Mausel et. al. (1993), considerando três níveis: estágio inicial (SS1), no qual

ocorre vegetação graminóide dispersa entre vegetação de porte arbórea em crescimento;

estágio intermediário (SS2), caracterizado pela presença de árvores entre 8 e 12 m de altura,

com uma estratificação vertical relativamente evidente; e, finalmente, o estágio avançado

(SS3), no qual o dossel apresenta uma estratificação vertical mais evidente do que em SS2 e

com árvores normalmente excedendo 20 m de altura.

Devido ao grau de intervenção antrópica dessas áreas não foi considerada uma

classe específica para floresta primária, pois na maioria dos casos as florestas sofreram

corte seletivo (antes da aquisição da propriedade pelas instituições analisadas) ou efeito de

borda, principalmente por força do elevado número de pastagens no entorno das áreas de

estudo. As áreas de pastagem e de cultura agrícola, apesar de existirem de modo reduzido

nas propriedades, encontram-se na maioria em desuso, por isso foram consideradas como

estágio inicial de vegetação secundária. Já o plantio das espécies Banisteriopsis caapi e

Psychotria viridis ocorre em áreas específicas das propriedades, sob vegetação em estágio

avançado ou intermediário de regeneração.

Após a classificação orientada a objeto, foi realizada uma edição vetorial

manualmente no ArcGIS 10 com o objetivo de corrigir os erros da mesma em todas as

propriedades. Segundo Pratt (2007) uma análise realizada pelos olhos humanos continua

sendo a fonte mais robusta e experiente para avaliação de técnicas de segmentação. As

imagens classificadas foram transformadas em mapas de cobertura da terra, em escala

compatível ao nível de detalhamento das imagens (1:3.000). Cada classe teve sua área de

abrangência calculada, sendo em seguida tabulada e transformada em gráficos, utilizando o

aplicativo Microsoft Office Excel.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Cobertura da terra dos imóveis rurais a luz da legislação ambiental

O território ayahuasqueiro analisado somou no total das 14 propriedades rurais

277,36 hectares distribuídos pelo estado de Rondônia, conforme mostrado na Tabela 1.

Quanto ao crescimento dessas áreas, esse se concentrou na década de 1990 quando foram

adquiridas 85% dessas terras, visto que na década de 1980 só foram adquiridas 9%, e que

na década de 2000 houve uma drástica redução chegando a 2% do total de aquisições,

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apesar disso na década de 2010 esse percentual volta a crescer chegando ao ano de 2014

com 4%. O conhecimento do tamanho da área dessas propriedades é de suma importância

quando as mesmas são analisadas sob a ótica da legislação ambiental vigente, tendo em

vista que todas possuem menos de 2 módulos fiscais, e que o módulo fiscal no estado de

Rondônia é de 60 hectares como nos mostra Landau et al. (2012). Dessa forma essas

propriedades se encontram amparadas pelo art. 67 da Lei nº 12.651 (novo código florestal),

de 25 de maio de 2012, que instituiu que:

Nos imóveis rurais que detinham, em 22 de julho de 2008, área de até 4 (quatro)

módulos fiscais e que possuam remanescente de vegetação nativa em

percentuais inferiores ao previsto no art. 12, a Reserva Legal será constituída

com a área ocupada com a vegetação nativa existente em 22 de julho de 2008,

vedadas novas conversões para uso alternativo do solo (BRASIL, 2012a).

Tabela 1: Informações sobre as propriedades da área de estudo.

Imóvel rural/informações Município Área (ha)

Data da Imagem de satélite

Ano de aquisição da propriedade

1 Ariquemes 8,381 10/06/2013 1982

2 Ji-Paraná 4,385 29/07/2013 1985

3 Porto Velho 12,373 11/03/2013 1987

4 Itapuã do Oeste 98,903 23/06/2010 1993

5 Seringueiras 6,062 20/06/2010 1993

6 Presidente Médici 2,619 06/04/2014 1994

7 Campo Novo de Rondônia 5,554 11/08/2010 1996

8 Alta Floresta d' Oeste 4,158 19/08/2008 1997

9 Candeias do Jamari 52,067 21/08/2011 1997

10 Candeias do Jamari 67,538 01/07/2010 1997

11 Cacoal 2,293 28/05/2014 2001

12 Buritis 2,280 05/07/2010 2002

13 Porto Velho 6,214 11/03/2013 2012

14 Novo Horizonte do Oeste 4,689 28/07/2010 2012

Vale ressaltar que o art. 12 da Lei nº 12.651/2012 institui que todo imóvel rural

na Amazônia Legal deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva

Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente,

com um percentual mínimo em relação à sua área total de 80 %, excetuados os

proprietários ou possuidores de imóveis rurais que realizaram supressão de vegetação

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nativa respeitando os percentuais de Reserva Legal previstos pela legislação em vigor à

época (BRASIL, 2012a). O novo código florestal permite, conforme foi instituído pela Lei

complementar nº 312, de 6 de maio de 2005, que dispõe sobre Zoneamento

Ecológico-Econômico do estado de Rondônia - ZSEE, a redução, exclusivamente para fins de

regularização, mediante recomposição, regeneração ou compensação da Reserva Legal de

imóveis com área rural consolidada, situados em área de floresta localizada na Amazônia

Legal, para até 50% (cinquenta por cento) da propriedade, excluídas as áreas prioritárias

para conservação da biodiversidade e dos recursos hídricos e os corredores ecológicos

(RONDÔNIA, 2005).

De acordo com os resultados do mapeamento da cobertura da terra mais de

80% das áreas de cada uma das 14 propriedades estão cobertas por vegetação nativa

(Figura 2), nesse ponto entende-se por vegetação nativa a floresta nativa e suas formações

sucessoras (SS1, SS2, SS3) conforme preconiza o novo código florestal. Essa lei não define a

vegetação primária e secundária e suas formações sucessoras no bioma Amazônia para o

estado de Rondônia, conforme algumas resoluções do CONAMA têm feito para a Mata

Atlântica (não há ainda lei desse tipo para a Amazônia).

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Figura 2: Distribuição percentual das classes de cobertura da terra por imóvel rural, com base nasoma da área total dos imóveis, e pela área total de cada imóvel.

Mesmo se considerássemos apenas os estágios de regeneração intermediário

(SS2) e avançado (SS3) como área coberta por vegetação nativa 13 dos 14 imóveis rurais

teriam áreas superiores aos 80% requeridos para fins de reserva legal. A propriedade 5 é a

única que não teria (com 79% de cobertura SS2 e SS3), porém a supressão da vegetação

nativa nesta é anterior à data de 22 de julho de 2008, de acordo com depoimento do

responsável e visualização de imagem de satélite histórica no aplicativo Google Earth, o que

lhe concederia respaldo legal no suposto caso. Ao analisar os 14 imóveis rurais como um

único território obteve-se por resultado que 224,5 ha (81%) se encontram coberto por SS3,

35,34 ha (13%) por SS2, 15,33 ha (5%) por SS1, e apenas 1,83 ha 1% por áreas sem vegetação

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(Tabela 2).

Tabela 2: Distribuição das classes de cobertura da terra por propriedade e área total em hectares.

Imóvel rural/Classe (ha) SS3 SS2 SS1 Área sem vegetação Massa d'água

1 7,52 0,04 0,13 0,67

2 1,18 1,31 0,06 0,05

3 6,99 4,04 1,07 0,23 0,02

4 82,33 10,05 6,51

5 2,07 2,75 1,19 0,03

6 2,6 1,68 0,03 0,05

7 3,1 1,46 0,91

8 3,42 0,34 0,36 0,02

9 41,93 9,37 0,55 0,2

10 61,81 2,15 3,29 0,27

11 1,34 0,52 0,22 0,04 0,15

12 0,68 1,35 0,14 0,09

13 4,85 0,28 0,87 0,18

14 4,68

Totais 224,5 35,34 15,33 1,83 0,17

Esses resultados são consideravelmente altos se levarmos em consideração o

cumprimento histórico da reserva legal no Brasil, assim como o desmatamento nas regiões

onde essas propriedades se concentram. Segundo Oliveira e Bacha (2003), no Brasil, desde a

década de 1970, tem sido comum o desrespeito ao cumprimento da reserva legal, sendo o

percentual dos imóveis que declaram tê-la abaixo dos 10%, e mesmo os que a cumprem não

mantém a área mínima definida por lei. Para tal afirmação o autor se baseou em dados do

cadastro de imóveis rurais do INCRA, ressaltando que não há dados sistematizados sobre o

número de imóveis e da proporção deles que mantêm reserva legal. Além disso, as

informações foram prestadas diretamente pelo produtor rural, que segundo o autor não

informaram em um ano base todos os dados da propriedade e excluíram informações que

poderiam comprometê-los.

Em estudo de caso em Minas Gerais, onde a legislação ambiental é menos

rigorosa, Soares et al. (2011) analisa 292 imóveis e chega a conclusão que apenas 41

possuem cobertura florestal em condição de atender a legislação ambiental referente a

demarcação de reserva legal. Já Silva (2008) ao analisar 86 assentamentos em Rondônia

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identifica que 61,4% da área sofreram corte raso da vegetação. Nesse segundo caso,

apresentando também contradições na esfera pública, tendo em vista segundo o autor que

esses assentamentos foram induzidos e financiados pelo governo federal, e estimulados

pelo estado por um modelo de produção baseado na pecuária e na soja.

Dados do INPE (2014) mostram que em 2012 não havia nenhum município (na

área de estudo) que detinha 80% de áreas florestadas (Tabela 3), conforme exige a lei para

imóveis rurais no estado. Porém esses dados incluem áreas que se encontram sob

diferentes regimes jurídicos, como é o caso de áreas urbanas, unidades de conservação e

terras indígenas. Municípios como Ariquemes, Seringueiras, Campo Novo de Rondônia,

Cacoal, Buritis, Presidente Médici e Novo Horizonte do Oeste chegam a ter menos de 50% de

sua área total florestada, e menos de 20% no caso dos dois últimos. Também é importante

levar em consideração as diversas alterações na lei, que durante alguns períodos exigiu

percentuais menores e em outros maiores de áreas coberta por vegetação nas

propriedades (OLIVEIRA; BACHA, 2003; CUNHA; MELLO-THERY, 2010).

Tabela 3: Desflorestamento até 2012 por município do estado de Rondônia, na área de estudo.

Municipio Área (km²) Desflorestamento até 2012 (%)

Ariquemes 4.480 3.186,9 (71,14%)

Ji-Paraná 6.955 2.610,9 (37,54%)

Porto Velho 34.636 8.321,5 (24,03%)

Itapuã do Oeste 4.131 8.92,2 (21,60%)

Seringueiras 2.280 1.155,9 (50,70%)

Presidente Médici 1.774 1.604,5 (90,45%)

Campo Novo de Rondônia 3.491 1.912,1 (54,77%)

Alta Floresta d'Oeste 7.138 2.249,6 (31,52%)

Candeias do Jamari 6.933 1.814,7 (26,17%)

Cacoal 3.820 2.497,1 (65,37%)

Buritis 3.315 2.270,3 (68,49%)

Novo Horizonte do Oeste 852 743,2 (87,23%)

Quanto às Áreas de Preservação Permanente (APP) nas propriedades, não foram

identificadas em pesquisa de campo topos de morros, montes, montanhas e serras, nem

áreas de alta altitude, nem encostas, tendo em vista a baixa altitude e declividade do relevo

nas áreas visitadas. As únicas áreas passíveis de preservação permanente foram faixas

marginais de curso d’água natural, nas quais apenas o imóvel 9 possui área consolidada sem

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vegetação, para fins de ocupação de 820 m² o equivalente à 0,08 hectares. No entanto essa

área consolidada também se encontra respaldada na Lei nº 12.727 de 2012 no trecho 1º do

art. 61-A, já que se encontra afastada a mais de 5 metros da faixa marginal do curso d’água:

Para os imóveis rurais com área de até 1 (um) módulo fiscal que possuam áreas

consolidadas em Áreas de Preservação Permanente ao longo de cursos d’água

naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais em 5

(cinco) metros, contados da borda da calha do leito regular, independente da

largura do curso d’água (BRASIL, 2012b).

Outros dois imóveis (1 e 7), que possuem também menos de um módulo fiscal,

tem pequenos trechos em APP composto com antiga pastagem e plantio de macaxeira com

vegetação em estágio inicial de sucessão, no entanto tais usos do solo também

encontram-se afastados a mais de 5 metros da borda da calha do leito regular do curso

d’água, o que os tornam isentos de recomposição conforme preceitua o artigo da lei citada.

Os demais usos em APP foram consolidados também em período anterior à data 22 de julho

de 2008, sendo os mesmos relacionados ao plantio das espécies Banisteriopsis caapi e

Psychotria viridis sob vegetação nativa em estágio intermediário e avançado de sucessão.

Segundo o art. 61-A da mesma lei “nas Áreas de Preservação Permanente, é autorizada,

exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de

turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008” (BRASIL, 2012b).

Dessa forma, tendo em vista os dados de cobertura da terra apresentados, os

proprietários desses imóveis rurais estão passíveis de benefícios como o de servidão

ambiental, Cota de Reserva Ambiental – CRA e outros instrumentos congêneres previstos

em lei. Pois estão situados na Amazônia Legal e possuem índice de Reserva Legal maior que

50% de cobertura florestal, e não realizaram a supressão da vegetação nos percentuais

previstos pela legislação em vigor à época, o que lhes concede o direito de utilizar a área

excedente de Reserva Legal para esses fins. Para isso é necessário primeiramente que os

mesmos realizem o Cadastro Ambiental Rural – CAR, e instituam instrumento ou termo de

servidão ambiental firmado perante órgão integrante do Sisnama.

.

As plantas sagradas e a gestão do uso da terra

O plantio das espécies Banisteriopsis caapi e Psychotria viridis acontece na área de

estudo em porções restritas das propriedades, e por vezes bastante dispersas sob a

cobertura de porte arbórea, o que dificultou um mapeamento preciso do mesmo.

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Independente do sistema implantado (como será visto a seguir) e da área abrangida, todos

os imóveis estão respaldados na Lei nº 12.651 (já citada) tendo em vista que sua

implantação se deu em data anterior a 22 de julho de 2008, com exceção das propriedades

13 e 14 que foram adquiridas no ano de 2012. A partir do trabalho de campo, imagens de

satélite e a classificação da cobertura da terra verificou-se que as propriedades 13 e 14

implantaram o sistema de plantio por raleamento de vegetação em área excedente aos 80%

destinados a reserva legal. Três sistemas de implantação do plantio dessas espécies foram

observados: a partir do raleamento da vegetação com corte raso do sub-bosque; a partir do

reflorestamento em áreas em estágio inicial de regeneração da vegetação; e, sem corte da

vegetação em áreas com vegetação em estágio intermediário ou avançado.

O sistema de plantio implantado por raleamento da vegetação com corte raso

do sub-bosque foi adotado em porções restritas da maior parte das propriedades (Figura 3).

Segundo entrevistados e Teixeira et al. (2008), o cipó Banisteriopsis caapi necessita de

entrada de luz no dossel em suas fases iniciais até alcançar a copa da árvore hospedeira,

principalmente em solos de baixa fertilidade, por isso a adoção desse sistema. Enquanto

que o arbusto Psychotria viridi tem boa adaptação em áreas com maior sombreamento,

embora também precisem de incidência da luz solar. Esse sistema é semelhante ao que foi

implantado na região cacaueira da Bahia (sistema cabruca), com o diferencial de possuir

mais sombreamento, não ter fins lucrativos, e nos casos analisados utilizar apenas espécies

endêmicas. Com mais de 250 anos de implantação o sistema cabruca baiano abriga uma

elevada diversidade de espécies arbóreas nativas, algumas inclusive atualmente só tem

ocorrência natural nas cabrucas, tendo se tornado fundamental na conservação do bioma

Mata Atlântica (SAMBUICHI, 2006; SAMBUICHI et al., 2008; OLIVEIRA et al., 2011; THÉVENIN;

JORDÃO, 2013).

O segundo sistema de implantação ocorre principalmente em áreas de

vegetação secundária em estágio inicial de regeneração, onde são plantadas espécies

arbóreas nativas e algumas exóticas de uso comercial (na maioria das vezes para

autoconsumo da comunidade ayahuasqueira), as quais servem de suporte e sombra para o

plantio das plantas ritualísticas (Figura 4). Esse tipo de reflorestamento ocorre de forma

espontânea e não por determinação jurídica em todas as 14 propriedades da área de

estudo. A partir dos resultados dos questionários aplicados calcula-se que no total das

propriedades foram plantadas aproximadamente 7.260 árvores entre endêmicas e exóticas.

Levando-se em consideração que a soma do total de áreas de SS1 e sem vegetação 17,16 ha

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tal valor equivale a aproximadas 427 árvores por hectare. No entanto, boa parte dessas

arvores já estão em estágio intermediário ou até mesmo avançado de crescimento.

Figura 3: Sistema de plantio do cipó Banisteriopsis caapi por raleamento da vegetação.

Figura 4: Área de plantio reflorestada, e mudas de espécies arbóreas endêmicas parareflorestamento.

Entre as arvores endêmicas plantadas se destacam principalmente: Ipê roxo ou

Pau D’Arco (Tecoma impetiginosa); Ipê amarelo (Tabebuia serratifolia); Apuí (Ficus fagiflolia);

Samaúma (Ceiba sumaúma); Mulateiro (Calycophyllum Spruceanum); Imburana de Cheiro

ou Cerejeira (Amburana acreana); Castanheira (Bertholletia excelsa); Cumaru ferro (Dipteryx

odorata); Cedro rosa (Swietenia mahagoni); Jatobá (Hymenaea courbril); Maçaranduba

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(Manilkara amazônica); Andiroba (Carapa Guianensis); Peroba (Aspidosperma spruceanum);

Aroeira vermelha (Myracrodruon urundeuva); Carapanaúba (Aspidosperma excelsum); Bréu

(Protium heptaphyllum); Mogno (Swietenia macrophylla); Copaíba (Copaifera multijuga);

Breuzim (Protium Caranauma); Faveira ou Pinho-cuiabano (Schizolobium amazonicum),

Freijó (Cordia goeldiana) e diversas árvores frutíferas. Dentre as espécies exóticas plantadas

se destacam: Eucalipto (Eucaliptus urophylla e E. grandis); Teca (Tectona grandis) e frutíferas

diversas. Os plantios de Eucalipto e Teca se restringem a duas áreas com 800 e 700 árvores

plantadas respectivamente em imóveis diferentes. As árvores frutíferas estão dispersas

próximo às áreas de ocupação da maioria das propriedades.

Entre as espécies endêmicas plantadas há predominância das de uso medicinal,

algumas delas ligadas por uma relação histórica a elementos simbólicos e espirituais a essas

instituições ayahuasqueiras, conforme afirmaram alguns dos entrevistados e comenta

Ricciardi (2008). Existem 21 espécies da flora Amazônica na lista oficial de espécies

ameaçadas de extinção, segundo instrução normativa nº 06, de 23 de setembro de 2008

(BRASIL, 2008). Dessas apenas quatro tem ocorrência no estado de Rondônia, sendo que

três delas são arbóreas (Amburana acreana, Bertholletia excelsa e Swietenia macrophylla) e

estão presentes nos reflorestamentos realizados em 8 das 14 propriedades na seguinte

proporção: Amburana acreana em 7 propriedades; Bertholletia excelsa 6 propriedades;

Swietenia macrophylla 1 propriedade3.

Nos plantios de Banisteriopsis caapi e Psychotria viridis apresentados são

realizados manejos como adubação, roçagem e uso de inseticida. Não há um padrão de

roçagem nessas áreas, sua frequência varia e resulta tanto na manutenção de áreas sem

vegetação de sub-bosque como no crescimento avançado do sub-bosque. A adubação tem

sido realizada apenas em oito propriedades, sendo na maioria de forma esporádica, os que

a praticam dizem fazer uso de adubos orgânicos. Apenas no imóvel 4 é feito uso de

fertilizante químico (NPK), uma única vez ao plantar o cipó ou o arbusto. Apenas foram

registrados dois usos de inseticidas em toda a área dos imóveis, os mesmos de origem

orgânica (calda de fumo com urina de vaca, e produto biológico contra cupim) foram

utilizados para combater pulgões na planta Psychotria viridis e cupins em área de plantio.

Quanto aos herbicidas nenhum uso foi registrado nas áreas de plantio das espécies

ritualísticas, apenas foram utilizados em quatro imóveis em plantios de Ipê, Eucalipto e uma

3Se considerarmos também a ocorrência natural dessas três espécies esses valores aumentam para 10, 13 e 3respectivamente (segundo dados dos questionários).

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única vez numa antiga pastagem.

O terceiro sistema de implantação resume-se ao plantio, principalmente, do

Banisteriopsis caapi em área de vegetação em estágio intermediário e avançado de

sucessão sem corte da vegetação, sem adubação, ou qualquer outro tipo de interferência.

Tal atividade é definida pela Lei nº 12.651/2012 como atividade de baixo impacto ambiental

tendo em vista alínea h, i e j do inciso X do art. 3º, que definem como atividade de baixo

impacto ambiental:

h) coleta de produtos não madeireiros para fins de subsistência e produção de

mudas, como sementes, castanhas e frutos, respeitada a legislação específica de

acesso a recursos genéticos;

i) plantio de espécies nativas produtoras de frutos, sementes, castanhas e outros

produtos vegetais, desde que não implique supressão da vegetação existente

nem prejudique a função ambiental da área;

j) exploração agroflorestal e manejo florestal sustentável, comunitário e familiar,

incluindo a extração de produtos florestais não madeireiros, desde que não

descaracterizem a cobertura vegetal nativa existente nem prejudiquem a função

ambiental da área (BRASIL, 2012a).

Também vale ressaltar o art. 21 da Lei nº 12.651/2012 que torna livre, em áreas

de reserva legal, a coleta de produtos florestais não madeireiros, tais como frutos, cipós,

folhas e sementes (BRASIL, 2012a). Assim, segundo os entrevistados a tendência das práticas

analisadas é de manutenção e expansão tanto de áreas de plantio em SAFs, quanto às

destinadas à conservação florestal. O que pode ser visto no seguinte trecho de entrevista:

[...] o nosso objetivo é plantar mariri e ser autossuficiente [...]. Também aquele

lugar, o plantio, nós usamos como lazer, onde a gente pode levar nossas

famílias, ter uma privacidade, uma tranquilidade em poder estar num lugar que

você se sinta bem. Lá esse plantio nosso é isso é uma extensão do nosso lar,

extensão das nossas casas, chegamos lá e nos sentimos bem, esse é o objetivo

ter aquilo ali para nossos filhos, para nossos netos, e preservar. Preservar a

natureza pra um dia a gente mostrar para nossos netos, nossos filhos como que

é, hoje já está cada vez mais ficando difícil a floresta, então a gente quer ter

aquela floresta lá preservada essa é nossa intenção esse é nosso objetivo.

Cada uma dessas propriedades são frequentadas por associados às instituições,

com comunidades que variaram de 40 à 155 filiados, e que moram predominantemente nas

cidades. A grande maioria tem baixo poder aquisitivo, em média uma ou duas famílias por

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comunidade detém outra propriedade rural particular na qual também reproduz as práticas

de gestão do uso da terra desenvolvidas pelas comunidades ayahuasqueiras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados mostraram que as técnicas de geoprocessamento adotadas foram

eficazes no mapeamento da cobertura da terra na área de estudo, permitindo a

identificação e a representação da fisionomia da vegetação e da distribuição espacial das

propriedades. Assim, técnicas como a de classificação orientada a objeto foi de fundamental

importância na análise de parâmetros institucionais de conservação florestal, o que permitiu

concluir que embora a área total dos 14 imóveis rurais ainda seja relativamente pequena,

94% de todo o território permanece com cobertura arbórea em estágio intermediário ou

avançado de sucessão, mesmo com o forte efeito de borda que sofre em função do grande

número de pastagens no entorno dessas propriedades. Legalmente esses territórios que

desenvolvem atividades de baixo impacto ambiental, também poderão se beneficiar de

instrumentos como o de servidão ambiental, Cota de Reserva Ambiental – CRA e outros

instrumentos congêneres, visto que na maioria dos imóveis suas áreas de reserva legal,

quando declaradas, ultrapassam os limites mínimos estabelecidos por lei.

Não é somente por força da lei que essas instituições têm conduzido suas

práticas de gestão e manejo, a ligação espiritual a algumas plantas e elementos da natureza

se mostram preponderantes nesta relação. Isso pode ser visto também em suas práticas de

reflorestamento, uma vez que junto às espécies nativas conservadas plantam no mínimo

uma das três espécies arbóreas ocorrentes no estado de Rondônia ameaçadas de extinção,

ou seja a Castanheira (Bertholletia excelsa), a Imburana-de-cheiro (Amburana acreana), e o

Mogno (Swietenia macrophylla). Em suma a expansão territorial ayahuasqueira está

relacionada ao crescimento e manutenção de áreas florestadas e/ou destinadas a plantios

das espécies Banisteriopsis caapi e Psychotria viridis, em sistemas agroflorestais com

predomínio da agricultura orgânica, e traz em seu caráter religioso para sociedade urbana,

novos paradigmas na relação homem/natureza.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo –

FAPESP pelo apoio financeiro concedido, na forma de bolsa de doutorado.

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GEOPROCESSAMENTO NA BUSCA DE PARÂMETROS INSTITUCIONAIS DE CONSERVAÇÃO FLORESTAL: O CASO DOS TERRITÓRIOS AYAHUASQUEIROS EM RONDÔNIA-BR

EIXO 6 – Representações cartográficas e geotecnologias nos estudos territoriais e ambientais

RESUMO

Alguns cientistas no campo dos estudos religiosos responsabilizam o monoteísmo cristão surgido

em regiões semiáridas por parte do afastamento da sociedade ocidental da natureza, que

associado ao modo de produção capitalista tem contribuído para radicais mudanças na cobertura

da terra. Desse modo, tendo em vista os problemas ligados às mudanças no uso e cobertura da

terra, em especial, ao desflorestamento da Amazônia no estado de Rondônia, foram analisados,

neste estudo, os territórios religiosos de instituições que tem por prática o uso do chá Ayahuasca

em seus rituais. Surgidos a partir das primeiras décadas do século XX, em meio à floresta

Amazônica brasileira, esses movimentos religiosos cristãos, que foram liderados por seringueiros

e atualmente se expandem pelo Brasil e pelo mundo, apresentam novos paradigmas a serem

desvendados pela ciência. A necessidade que essas religiões têm de plantar as espécies

Banisteriopsis caapi e Psychotria viridis para o autoconsumo do chá Ayahuasca, e a necessidade

reconhecida por essas instituições de que essas espécies precisam do ambiente florestal para um

melhor desenvolvimento é o foco principal desse estudo. A partir dessas observações a presente

pesquisa analisou o uso e a cobertura da terra em 14 propriedades rurais de religiões

ayahuasqueiras no estado de Rondônia-BR. A metodologia do trabalho contou com aplicação de

entrevistas e questionários dirigidos aos responsáveis institucionais de cada propriedade, e o

mapeamento da cobertura da terra nessas propriedades, que foi realizado a partir de técnicas de

geoprocessamento incluindo observações sistemáticas em campo com apoio de aparelho de

posicionamento global (GPS), e teve como foco principal a classificação da fisionomia da

vegetação. Para o mapeamento foram utilizadas imagens do satélite QuickBird extraídas do

Google Earth através do aplicativo El-Shayal, em resolução espacial de 0,70 m. Utilizando-se do

aplicativo Envi 5.0 foram realizadas classificações orientadas a objeto, que posteriormente foram

corrigidas manualmente no aplicativo ArcGIS 10 com base em fotointerpretação e observações

realizadas em campo. Os resultados mostraram que a expansão territorial ayahuasqueira está

relacionada ao crescimento de áreas florestadas e/ou destinadas a plantios das Banisteriopsis

caapi e Psychotria viridis, em sistemas agroflorestais com predomínio da agricultura orgânica.

Embora a área total dos 14 imóveis rurais ainda seja relativamente pequena, 94% de todo o

território permanece com cobertura arbórea em estágio intermediário a avançado de sucessão,

mesmo com o forte efeito de borda que sofre em função do grande número de pastagens no

entorno dessas propriedades. Observou-se ainda a ocorrência de espécies arbóreas ameaçadas

de extinção na maioria das propriedades, as quais mantém áreas destinadas à regeneração

florestal superior às exigidas pelas normas de reserva legal vigentes.

Palavras-chave: geoprocessamento; Ayahuasca; conservação.

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