Geografia Introdução a Ciencia Geográfica_Livro

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Auro de Jesus Rodrigues

GEOGRAFIA Introdução a Ciência Geográfica

AVERGAMP E D I T O R A

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Rodrigues, Auro de Jesus, 1966 -Geografia: introdução à ciência geográfica / Auro de Jesus Rodrigues. - São Paulo: Avercamp, 2008.

Inclui bibliografia. ISBN 978-85-89311-53-3

1. Geografia - História. I. Título.

07-3270 CDD-910.01 CDU-910.1

As minhas irmãs: Tânia e Eliane

Sumário

1 GEOGRAFIA: CIÊNCIA, MÉTODO E OBJETO 09 1.1 A Ciência Geográf ica 09

1.2 Método Científico e Geograf ia 16

1.3 O Objeto da Geograf ia 29

2 GEOGRAFIA NA ANTIGÜIDADE 35

3 GEOGRAFIA NA IDADE MÉDIA 49

4 GEOGRAFIA MODERNA 57

4.1 A Sistematização da Geograf ia : Humboldt e Ritter 66

4 .2 O Determinismo na Geograf ia: Friedrich Ratzel 73

4 .3 O Possibilismo na Geograf ia: Vidal de La Blache 79

4 .4 Elisée Reclus e Piotr Kropotkin e a Geograf ia 88

4 .5 Alfred Hettner e Richard Hartshorne e a Geograf ia 93

5 GEOGRAFIA CONTEMPORÂNEA 97 5.1 Geograf ia Teórico-Quantitativa 106

5.2 Geograf ia da Percepção e do Comportamento 1 1 2

5.3 Geograf ia Ecológica 116

5 .4 Geograf ia Crítica ou Radical 121

6 GEOGRAFIA: SOCIEDADE-NATUREZA 129

REFERÊNCIAS 139

Geografia: Ciência, Método e Objeto

C A P Í T U L O u m

1.1 A Ciência Geográfica

Há milhares de anos, o homem vem se utilizando

da natureza no intuito de atender a suas necessidades.

E, na relação com a natureza, ele elaborou um conjun­

to de instrumentais e de conhecimentos que vem pas­

sando de geração em geração, por meio da oralidade,

da imagem ou símbolo, da escrita etc.

É importante destacar que cada produto do tra­

balho foi elaborado por meio de determinada técnica

e do conhecimento transmitido e integrado ao patri­

mônio humano, possibilitando ao homem preservar a

vida e desfrutá-la. É da relação que o homem tem com

o mundo — o constante questionar e indagar — que

surgem a consciência e o conhecimento da realidade.

Se o homem não tivesse a capacidade de conhecer e de

compreender, viveria submetido às leis da natureza,

como os demais animais.

Pode-se dizer que o conhecimento é uma relação entre o sujeito

e o objeto. É a necessidade que o homem tem de desvelar o objeto.

Este objeto pode ser um elemento físico, biológico, humano etc.

Por meio do conhecimento, o homem busca a explicação e a

compreensão da realidade; porém, para que possa compreendê-

la, ele utiliza recursos variados, como métodos e técnicas, que lhe

possibilitam analisar os fenômenos e elucidar a lógica, tornando a

realidade inteligível.

Ao longo dos séculos, o homem procura conhecer o mundo que

o rodeia e os objetos. A história humana tem sido a história de

conhecer e compreender a natureza. E a história de apropriação e

transformação da natureza.

Pela observação, o ser humano adquire grande quantidade de

conhecimento. Utilizando-se dos sentidos, recebe informações do

mundo exterior. Olha para o céu e observa a formação de nuvens

cinzentas. Percebe que vai chover. A observação é uma importante

fonte de conhecimento. Ao nascer, o ser humano depara-se com

um conjunto de conhecimentos relativos a crenças que lhe falam

acerca da existência de Deus. Para muitos, as crenças religiosas são

fonte de conhecimento. Há muitos séculos, os filósofos proporcio­

nam importantes explicações para a compreensão do mundo por

meio de procedimentos racional-especulativos. Todavia, a partir da

necessidade de obtenção de conhecimentos mais seguros do que os

fornecidos por outros meios, desenvolveu-se a ciência, um dos mais

importantes componentes intelectuais do mundo contemporâneo

(GIL, 1999, p. 19-20).

Nesse sentido, na relação com a natureza, o homem pode se

utilizar de diversos tipos de conhecimento, por exemplo: vulgar,

filosófico, teológico e científico, e cada um conforme suas neces­

sidades.

O conhecimento vulgar ou popular (senso comum) é obtido ao

acaso, de modo espontâneo, a partir da vida cotidiana. E resultado

de experiências repetidas e casuais que foram transmitidas, de ge­

ração em geração, ao indivíduo e ao grupo social.

Já o teológico é um conhecimento que apresenta um conjunto

de verdades aceitas pelos homens a partir da revelação divina, e o

que se revela é a vontade do deus em que o crente confia e cujos

desígnios ele deve cumprir. O homem busca respostas na entidade

divina para questões que nem sempre o conhecimento filosófico,

vulgar ou científico consegue responder.

O conhecimento filosófico trabalha com idéias, relações concep-

tuais coerentes não redutíveis a realidades materiais. Procura com­

preender a realidade em um contexto universal que possa ser per­

cebido pelo homem. Propõe fornecer conteúdos reflexivos e lógicos

de mudança e transformação da realidade. Indaga sobre o homem

e as coisas da vida.

O conhecimento científico é aquele que é produzido pela in­

vestigação científica, por meio de métodos e de técnicas. A ciência

contemporânea tem sido principalmente operativa, buscando co­

nhecer a realidade para poder intervir na natureza.

De acordo com Cervo e Bervian (1996 , p. 9) , a ciência, como

se apresenta hoje, é um conhecimento recente. Contudo, desde o

início da humanidade já se encontravam os primeiros elementos

rudimentares de conhecimentos e técnicas que constituiriam a

futura ciência. As descobertas ocasionais e empíricas de técnicas

e conhecimentos referentes à natureza e ao homem - existentes

desde os antigos babilônios e egípcios — passam pela contribuição

dos gregos sintetizadas e ampliadas por Aristóteles, até as inven­

ções feitas na época das conquistas. Elas prepararam o surgimento

do método científico e o espírito de objetividade que vai caracteri­

zar a ciência a partir do século XVI. Assim, a revolução científica

ocorrida no século XVI e XVII, com Copérnico, Galileu, Bacon e

seu método experimental, contribuíram significativamente para a

ciência que temos hoje.

Ainda segundo os autores, aos poucos o método experimental foi

sendo aperfeiçoado e aplicado em novos setores. No século XVIII,

desenvolveu-se o estudo da Química e da Biologia, e surgiu um

conhecimento mais objetivo e sistemático da estrutura e das funções

dos organismos vivos. No século seguinte, houve uma modificação

geral nas atividades científicas e industriais. Surgiram novos dados

e explicações relativas à evolução, ao átomo, à luz, à eletricidade, ao

magnetismo, à energia etc. Enfim no século XX, a ciência, com seus

métodos, desenvolveu a pesquisa em todas as frentes do mundo físico

e humano, proporcionando um grau de precisão surpreendente em

diversas áreas, a exemplo da navegação espacial e dos transplantes.

Em decorrência da complexidade do mundo e da diversidade

de fenômenos, aliada à necessidade humana de estudá-los e enten­

dê-los, a ciência foi dividida em várias outras ciências, ou, melhor

dizendo, em vários campos de conhecimento especializado. Tal fato

decorre da dificuldade de um único indivíduo conseguir estudar a

ciência na totalidade, pois o mundo fica cada vez mais complexo.

Também, devido à influência do Positivismo, no século XIX, aten­

dendo à expansão do capitalismo, aparece a necessidade de indiví­

duos especializados, com entendimento mais profundo em deter­

minado campo de conhecimento.

Nesse contexto, considerando os diversos campos de conheci­

mento, as ciências podem ser assim classificadas:

a) Ciências formais — trabalham com elementos abstratos, que

não existem na realidade. Exemplos: a Lógica e a Matemática.

b) Ciências factuais — trabalham com os fenômenos que existem

na realidade (fenômenos naturais e sociais). Exemplos: a Biolo­

gia, a História, a Sociologia, o Direito, a Química, a Economia,

a Antropologia, a Medicina.

No caso da Geografia, objeto de nosso enfoque, ela é considerada uma

ciência factual. Todavia, as ciências factuais têm sido classificadas em:

a) Ciências naturais — exemplos: Física, Química, Biologia.

b) Ciências sociais - exemplos: Antropologia, Direito, Economia,

Sociologia.

A Geografia é considerada uma ciência social, mas trabalha

com fenômenos naturais (clima, rios, vegetação, solo etc.) e so­

ciais (cidade, transporte, indústria, população e t c ) . O estudo do

conjunto desses fenômenos causou mui ta discussão na história do

pensamento geográfico, gerando uma divisão em: Geografia Físi­

ca e Geografia Humana. Muitos geógrafos se especializavam ora

no campo da Geografia Física (estudo de fenômenos naturais) ,

ora no campo da Geografia Humana (estudo dos fenômenos so­

ciais), levando à fragmentação da Geografia. Mas essa separação

tem sido contestada e considerada ultrapassada; a Geografia é

hoje definida como uma ciência única, que trabalha no contexto

da relação sociedade-natureza.

A Geografia é um dos conhecimentos mais antigos que existem;

desde os povos primitivos já se fazia Geografia. Ela se estabeleceu,

inicialmente, como um conhecimento prático para resolver proble­

mas imediatos. Somente com o desenvolvimento dos povos, das so­

ciedades em estágios mais adiantados, é que esse conhecimento passa

a ser designado "científico", no sentido da ciência moderna. Isso só

ocorreu a partir do século XIX, com a contribuição de dois estudio­

sos germânicos, Alexander von Humboldt (1769-1859) e Karl Ritter

(1779-1859), que fizeram importantes estudos no campo da Geo­

grafia. Assim, na Pré-História, na Antigüidade e na Idade Média, o

homem já aplicava a Geografia como um conhecimento elaborado e

praticado pelo juízo vulgar (senso comum), filosófico e teológico. É na

Idade Moderna que a Geografia será considerada ciência.

A ciência geográfica apresenta quatro campos gerais de estudo:

• Geografia Regional;

• Geografia Geral;

0 Geografia Humana;

° Geografia Física.

Andrade (1998 , p. 22) esclarece que a divisão da Geografia

em Sistemática ou Geral e Geografia Regional é mais para efei­

to didático, e muitos autores consideram que tal divisão seja o

resultado apenas de escala adotada. Assim, o geral se refere a

grandes áreas: continentes ou países; e o regional a pequenas

áreas: as regiões. Mas , para o autor, na verdade faz-se Geografia

Sistemática quando se toma um elemento do âmbito geográfico,

como a vegetação, o clima, o solo, a agricultura, a população

e t c , estudando-o isoladamente para toda a superfície terrestre.

Já a Geografia Regional é feita quando se seguem os modelos

de Vidal de La Blache, utilizando uma área determinada, e se

procura obter uma visão de conjunto, observando tanto os ele­

mentos naturais — relevo, clima, vegetação — como os humanos

— população, agricultura, pecuária, indústria, comércio por meio

de ação integrada.

Ampliando ainda mais a explicação, Ferreira e Simões (1986 ,

p. 22 -23) esclarecem que, na Geografia Regional, busca-se "estu­

dar a região como um fenômeno único, cujas combinações não se

repetem, não se podendo encontrar leis a aplicar em áreas ainda

não estudadas". Nesse caso, a Geografia é considerada essencial­

mente ideográfica. As ciências ideográficas "são as que fazem a

descrição dos factos particulares ou singulares. Estão na base das

ciências do espírito que se dedicam ao estudo de fenômenos úni­

cos e não pretendem formular leis de aplicação universal" ( idem).

Já a Geografia Sistemática "procura o método científico como o

único possível em investigação, na tentativa de descobrir as leis

que regem os fenômenos geográficos" (idem). Assim, a Geogra­

fia é essencialmente nomotética. Ciências nomotéticas "são as que

procuram leis gerais de aplicação universal. As ciências naturais"

(idem). A Geografia Sistemática fica mais complexa quando se

consideram os dois ramos: a Geografia Física e a Geografia Hu­

mana, pois a Geografia Física utiliza muitos conceitos e métodos

das ciências naturais (Biologia, Geologia etc.) enquanto a Geo­

grafia Humana utiliza conceitos e métodos de ciências humanas

(Sociologia, Economia e t c ) .

Pode-se dizer que a questão da divisão da Geografia em Siste­

mática ou Geral e Regional não se estende apenas às definições e

explicações dos autores. Na verdade é um problema que existe na

Geografia, desde o processo de formação como ciência, e envolve

embates ideológicos, teóricos e metodológicos. E uma questão que,

ainda hoje, se encontra em discussão se for considerada em uma

análise mais profunda da ciência geográfica.

Também é bom lembrar que, tendo em vista o fato de a Geo­

grafia trabalhar com a relação homem-natureza, ela tem sido

considerada uma ciência charneira; ciência ponte; uma ciência

de síntese entre o homem e a natureza. Contudo, ainda muitos

trabalhos em Geografia são elaborados ora no contexto da Geo­

grafia Física, ora no contexto da Geografia Humana, expressan­

do dicotomia.

Todavia, considerando-se a integração entre a Geografia Física

e a Geografia Humana, e o fato de que a Geografia t rabalha no

contexto da relação sociedade-natureza, os geógrafos mantêm

contato e se uti l izam de conhecimentos das mais variadas ciên­

cias que contribuem para o estudo de fenômenos de interesse

geográfico.

Daí a necessidade, pelos que fazem Geografia, de recorrer a ou­

tras áreas, como as ciências sociais: História, Economia, Sociologia,

Psicologia, Antropologia, Política; as ciências da natureza: Biolo­

gia, Geologia, Pedologia, Mineralogia, Hidrologia, Meteorologia,

Astronomia, Oceanografia; e, também, as ciências exatas e tecno­

lógicas: Cartografia, Estatística, Computação.

Em contato com essas ciências, surgiram campos intermediá­

rios de conhecimento, e muitos deles se tornaram parte da ciência

geográfica, por exemplo: Hidrografia, que estuda as águas nos con­

tinentes e oceanos (Geografia, Hidrologia, Oceanografia); Geomor-

fologia, que estuda o relevo terrestre (Geografia e Geologia); Biogeo-

grafia, que estuda a vida animal e vegetal (Geografia e Biologia);

Climatologia, que estuda o clima (Geografia e Meteorologia).

Assim, a interdisciplinaridade é um fato comum a todas as

ciências, sejam elas naturais ou sociais. Também não pode ser

aceita a idéia de que a Geografia é uma ciência que estuda o

homem e a natureza separadamente, pois ela é essencialmente

enriquecida pela aproximação com as outras ciências. Tal apro­

ximação resulta não só no seu desenvolvimento, como no das

demais ciências (ANDRADE, 1989, p. 2 1 - 2 4 ) .

A Geografia, portanto, é considerada uma ciência que estuda o

espaço. Dentro do espaço geográfico, são trabalhadas categorias

como: paisagem, lugar, região, território, fundamentais para a

análise geográfica. Todavia, o espaço é a categoria mais abrangen­

te da Geografia. Ele é estudado no contexto da relação sociedade-

natureza.

1.2 Método Científico e Geografia

Pode-se dizer que o método científico consiste em um conjunto de

atividades racionais e sistemáticas que possibilita alcançar determi­

nado objetivo. É um caminho planejado que se segue na investiga­

ção científica.

O método científico é de grande importância, pois, organizando

o esforço mental, ele proporciona a segurança do fazer, do agir e do

pensar. Sobretudo, na pesquisa científica, possibilita economia de

tempo e ordenamento das etapas de investigação.

Métodos e técnicas não são a mesma coisa, pois:

a) o método estabelece o que fazer — é o orientador geral da ativi­

dade;

b) a técnica é o como fazer — é a tática da ação.

O método consiste na orientação geral para chegar a determina­

do fim. A forma de aplicação do método é a técnica.

Lakatos e Marconi (1991 , p- 83) afirmam que o método cien­

tífico corresponde ao conjunto das atividades racionais e sistemá­

ticas que, com maior segurança e economia, possibilita chegar ao

objetivo, viabilizando o caminho a ser seguido, localizando erros e

orientando as decisões do cientista.

No caso da Geografia, segundo Andrade (1998, p. 25-26) , des­

de o século XIX até os primeiros anos do século XX, consolidou-se

a idéia de que o método geográfico se baseava nos cinco princípios

enunciados por ilustres mestres, como Alexander von Humboldt,

Karl Ritter, Friedrich Ratzel e Jean Brunhes. Assim, em um traba­

lho geográfico, devia o estudioso aplicar os seguintes princípios:

a) da extensão, enunciado por Friedrich Ratzel, segundo o qual

o geógrafo, ao estudar um dos fatores geográficos ou uma

área, deveria, inicialmente, procurar localizar e estabelecer os

limites, usando os mapas disponíveis e o conhecimento direto

da área;

b) da geografia geral ou da analogia, enunciado por Karl Ritter, se­

gundo o qual, delimitada e observada uma área em estudo, ela

deveria ser comparada com o que se observa em outras áreas,

estabelecendo semelhanças e diferenças existentes;

c) da causalidade, enunciado por Alexander von Humboldt,

segundo o qual, observados os fatos, devem-se procurar as

causas que os determinaram, estabelecendo relação de causa

e efeito;

d) da conexidade, enunciado por Jean Brunhes, que chamava a

atenção para o fato de que fatores físicos e humanos, ao elabo-

rarem as paisagens, não agiram separada e independentemen­

te, havendo interpenetração na ação dos vários fatores físicos

entre si, e ainda dos dois grandes grupos de fatores. Na elabo­

ração das paisagens, nenhum dos fatores físicos e humanos age

isoladamente; a ação é sempre feita de forma integrada com

outros fatores;

e) da atividade, também enunciado por Jean Brunhes, no qual o

mestre francês assinala o caráter dinâmico do fato geográfico,

já que o espaço está em perpétua reorganização, em constante

transformação, graças à ação ininterrupta dos vários fatores

(ANDRADE, 1998, p. 25-26).

Esses princípios foram elaborados no processo de formação da

ciência geográfica e tidos como verdadeiros e inquestionáveis.

Eles seriam conhecimentos definitivos sobre o universo de aná­

lise, e o geógrafo deveria utilizá-los nos estudos. Atuavam como

regras de procedimentos, possibilitando a unidade para a Geo­

grafia (MORAES, 1987, p. 25) .

Foram desenvolvidos no contexto da Geografia Tradicional, que

estava assentada sobre as bases do Positivismo. E nessa concepção filo­

sófica e metodológica que, segundo Moraes (1987, p. 21), os geógra­

fos vão buscar orientações gerais. Os fundamentos do Positivismo vão

formar as bases ou os princípios norteadores sobre os quais se ergue o

pensamento geográfico tradicional, proporcionando-lhe unidade.

Lõwy (1994, p. 17) afirma que o "Positivismo — em sua figuração

'ideal-típica' — está fundamentado num certo número de premissas

que estruturam um 'sistema' coerente e operacional":

1. A sociedade é regida por leis naturais, isto é, leis invariáveis,

independentes da vontade e da ação humana; na vida social,

reina uma harmonia natural.

2. A sociedade pode, portanto, ser epistemologicamente assimi­

lada pela natureza (o que classificaremos como "naturalismo

positivista") e ser estudada pelos mesmos métodos, {...] e pro­

cessos empregados pelas ciências da natureza.

3. Ás ciências da sociedade, assim como as da natureza, devem

limitar-se à observação e à explicação causai cios fenômenos,

de forma objetiva, neutra, livre de julgamento de valor ou

ideologias, descartando previamente todas as prenoções e pre­

conceitos (LÒWY 1994, p. 17).

Ainda, o autor esclarece que o Positivismo surge, em fins do

século XVIII e início do século XIX, como um conjunto de idéias

revolucionárias da "burguesia antiabsolutista, para tornar-se, no

decorrer do século XIX, até os nossos dias, uma ideologia conserva­

dora identificada com a ordem (industrial/burguesa) estabelecida".

A questão da neutralidade nas ciências sociais conduz o Positivis­

mo a negar o condicionamento histórico-social do conhecimento

(LÒWX 1994, p. 18).

E quanto ao naturalismo nas ciências sociais, especificamente na

Geografia, escreveu Santos (2002, p. 43) :

Os fundadores da Geografia, cheios de zelo no objetivo de dar-

lhe um status científico definitivo, estiveram, então, equivoca­

dos no momento em que acreditaram que o melhor caminho

para atingir a sua meta era construir a teoria de uma ciência

do homem sobre uma base analógica estabelecida nas ciências

naturais. [...} é igualmente absurdo querer "edificar as ciên­

cias do espírito sobre os fundamentos das ciências da natureza,

com a pretensão de fazê-las ciências exatas".

Os postulados positivistas vão influenciar os diversos campos

científicos do século XIX, especialmente nas ciências sociais e, den­

tre estas, a Geografia. A concepção filosófica e metodológica do

Positivismo vai ser assimilada e adotada pelos teóricos da Geografia

Tradicional. E, a partir dos fundamentos filosóficos e metodológi-

cos positivistas, a Geografia pode manter a unidade e se separar da

Filosofia e dos demais campos científicos aos quais estava associada.

No século XVIII, a maioria das ciências ainda se encontrava ligada

à Filosofia e, também, existia uma miscelânea entre elas, não fican­

do nítido o campo de atuação de cada uma. Por exemplo, no caso

da Geografia, existia geógrafo que atuava, também, como filósofo,

botânico, geólogo, astrônomo etc.

A partir do século XIX, com o desenvolvimento do capitalismo

e a propagação e aceitação dos fundamentos filosóficos e metodo­

lógicos do Positivismo nos diversos campos científicos, ocorreu a

especialização das ciências, adquirindo, cada uma delas, autonomia

ou campo de estudo específico. E nesse contexto que a Geografia

se tornou uma ciência específica, tendo se separado da Filosofia,

da Geologia, da Astronomia e de outros campos de conhecimento,

utilizando-se de fundamentos positivistas.

Moraes (1987, p. 21-25) apresenta, na obra renomada e de grande

divulgação Geografia: pequena história crítica, a influência positivista

na Geografia Tradicional, a partir das seguintes máximas:

• "A Geografia é uma ciência empírica, pautada na observação"

— ocorre a redução da realidade ao mundo dos sentidos; os

trabalhos científicos são realizados circunscritos ao domínio

da aparência dos fenômenos; os procedimentos de análise dos

fenômenos devem ser realizados por meio da indução e redu­

zidos ao empirismo, fundamentado na descrição, enumeração

e classificação dos fatos referentes ao espaço geográfico.

• "A Geografia é uma ciência de contato entre o domínio da na­

tureza e da humanidade" — aceitando-se a existência de um

único método de interpretação para todas as ciências, não con­

siderando a diferença de qualidade entre o domínio das ciências

humanas e das ciências naturais, a Geografia trabalha com os

fenômenos físicos e humanos.

° "A Geografia é uma ciência de síntese" — seria uma disciplina

que relacionaria e ordenaria os conhecimentos das outras ciên­

cias, considerando a Geografia uma ciência de síntese que uni­

ficaria os estudos sistemáticos realizados pelas demais ciências.

O autor afirma ainda que as máximas e os princípios atuaram

como um receituário de pesquisa, definindo regras e procedimentos

gerais no trato com o objeto; eles definiam os traços que faziam

um estudo ser considerado como de Geografia. Pode-se dizer que

eles são os responsáveis pela unidade e continuidade da Geogra­

fia. A generalidade dos princípios possibilitou que posicionamen­

tos metodológicos contrários convivessem em aparente unidade.

As máximas e os princípios foram aceitos na Geografia de forma

não-crítica. E foram considerados afirmações verdadeiras sem ser

questionados. Aceitos para evitar que se rompessem a autoridade e

a unidade da Geografia, acabaram por constituir um temário geral,

facilitando a tarefa de definir esta disciplina, pois fornecem uma

indicação genérica do campo científico tratado por ela (MORAES,

1987, p. 26-29) .

E importante ressaltar que a concepção empirista que se desta­

ca no século XIX considera a ciência um conhecimento que busca

a explicação dos fatos a partir de observações e experimentos que

permitam estabelecer induções, oferecendo a definição do obje­

to, propriedades e leis de funcionamento. Assim, a construção da

teoria científica resulta de observações e experimentos, de manei­

ra que a experiência não tem simplesmente o papel de verificar

e confirmar conceitos, e sim a função de produzi-los (CHAUÍ,

1995, p . 252 -253) .

A influência empirista e indutiva do Positivismo nas ciências so­

ciais direcionou para a idéia de leis naturais na vida social, conduzin­

do a utilização dos mesmos procedimentos metodológicos das ciên­

cias naturais também nas ciências sociais. A aceitação de um modelo

científico natural de objetividade e neutralidade nas ciências sociais

não levou em consideração, segundo Lõwy (1994, p. 202):

1) o caráter histórico dos fenômenos sociais e culturais produzi­

dos, reproduzidos e transformados pela ação dos homens (con­

trariamente, é claro, às leis da natureza). {...} Marx citaria em

0 capital: a principal diferença entre a natureza e a história é

que fizemos a segunda e não a primeira;

2) a identidade parcial {...} entre o sujeito e o objeto do conhe­

cimento, enquanto "seres sociais". O observador é, de uma

maneira ou de outra, parte da, ou implicado pela, realidade

social que ele estuda, e não tem, portanto, esta distância, esta

separação que caracteriza a relação de objetividade do cientis­

ta natural com o mundo "exterior";

3) os problemas sociais são o palco de objetivos antagônicos das

diferentes classes e grupos sociais. Cada classe considera e in­

terpreta o passado e o presente, as relações de produção e as

instituições políticas, os conflitos socioeconômicos e as crises

culturais em função de sua experiência, de sua vivência, de sua

situação social, de seus interesses, aspirações, temores e desejos;

4) o conhecimento da verdade pode ter conseqüências profundas

(diretas ou indiretas) sobre o comportamento das classes so­

ciais, sobre a sua relação de força, e, portanto, sobre o resulta­

do de seus confrontos. Revelar ou ocultar a realidade objetiva

é uma arma poderosa no campo da luta de classes;

5) os cientistas — como os intelectuais em geral — tendem inevi­

tavelmente, qualquer que seja sua autonomia relativa {...] ou

sua "flutuação", a se vincular a uma das visões de mundo em

que se reparte o universo cultural de uma época determinada

[...}.

Nesse sentido, Lõwy considera que o método das ciências so­

ciais se dist ingue do método das ciências naturais não somente

no aspecto dos modelos teóricos, das técnicas de pesquisa (expe­

rimentação, observação etc.) ou procedimentos de análise, como,

também, do domínio da relação com as classes sociais. As visões

de mundo e as ideologias das classes sociais a tuam de manei­

ra decisiva (direta ou indiretamente, consciente ou inconscien­

temente, explicita ou implici tamente) no processo de conheci­

mento da sociedade em termos distintos dos termos das ciências

naturais (1994 , p . 203) .

Vê-se, assim, que a neutralidade científica, herdada do Posi­

tivismo, define a ciência como autônoma e ela deve estar isolada

dos conflitos sociais. Seu princípio básico é de que a sociedade

humana funciona a partir de leis naturais invariáveis. Funda­

mentados nesse princípio, os estudos sobre os fenômenos devem,

pois, ocorrer de forma neutra, isto é, os conflitos de classes, as

posições políticas, os valores morais e as visões de mundo são

empecilhos à objetividade científica, e o pesquisador deve ser in­

diferente a tais influências na realização de sua pesquisa, ou seja,

deve ser neutro.

Assim, afirma Soffiati (2002, p. 24):

Para alcançar a transparência do objeto, o sujeito do conhe­

cimento devia despir-se de todo preconceito, de todo aprio-

rismo, de toda convicção religiosa, de toda ideologia política

para esvaziar-se e tornar-se neutro. Nessa condição, estaria

apto a apreender o objeto em sua totalidade, puro, cristalino,

falando que realmente ele é. O sujeito era isto: fiel tradutor

da realidade, sem opinar acerca dela, sem acrescentar-lhe ne­

nhum adereço.

A ciência não está isolada do mundo, o cientista faz ciência, mas

a faz dentro do mundo; por isso, ele não é autônomo, isento de po­

sições morais e políticas. Esses valores estarão presentes no pesqui­

sador o tempo todo, durante o desenvolvimento de sua pesquisa.

Nesse sentido, deve-se admitir que o conhecimento científico,

situado em determinado contexto histórico, social e espacial, sofre

influência de interesses individuais e de grupos que o produzem e

da sociedade que o aplica e utiliza.

Para Moraes e Costa (1999, p. 29-33) , uma opção clara quanto

ao método é importante para aquele que deseja avançar no proces­

so de construção de uma Geografia nova. A explicitação da posição

assumida revela o controle lógico e a consciência que o pesquisador

tem dos instrumentos de trabalho. O método não deve ser visto

como algo estático, pois possui dinamismo interno de aprimora­

mento e renovação. É com os instrumentos fornecidos pelo método

que a questão do objeto geográfico deve ser trabalhada. Sendo os

métodos variados, não é possível chegar-se a uma definição consen­

sual do objeto, pois esta variará em função dos métodos. A crença

na possibilidade de uma definição de consenso, não considerando a

diversidade metodológica, foi um equívoco da Geografia Tradicio­

nal. Portanto, os autores afirmam que existirão tantas definições do

objeto geográfico quantas forem as abordagens metodológicas que

possibilitem explicar o temário dessa disciplina.

Podem-se reunir os métodos em dois grandes grupos, de acor­

do com níveis claramente distintos no que se refere à inspiração

filosófica, grau de abstração, finalidade mais ou menos explicativa,

ação nas etapas mais ou menos concretas da investigação. Os dois

grandes grupos são: métodos de abordagem e métodos de procedimentos

(LAKATOS; MARCONI, 1991 , p. 106).

Os métodos de abordagem tratam da linha de raciocínio lógico

adotada no desenvolvimento da pesquisa, constituindo-se em proce­

dimentos gerais. São fundamentados em princípios lógicos, permi­

tindo sua utilização em várias ciências. Geralmente, são exclusivos

entre si, ou seja, é utilizado um único método em cada pesquisa.

Os principais métodos de abordagem são: indutivo, dedutivo,

hipotético-dedutivo, dialético e fenomenológico. Cada um deles

vincula-se a uma das correntes filosóficas que se propõem a explicar

como se processa o conhecimento da realidade. O método dedutivo

relaciona-se ao racionalismo; o indutivo, ao empirismo; o hipotéti-

co-dedutivo, ao neopositivismo; o dialético, ao materialismo dialé­

tico; e o fenomenológico, à fenomenologia (GIL, 1999, p. 27).

Alguns desses métodos foram e ainda são utilizados nas pes­

quisas geográficas. São eles, em a lgumas de suas características

(RODRIGUES, 2 0 0 6 , p . 136 -148 ) :

a) Indutivo - É aquele pelo qual urna lei geral é estabelecida a

partir da observação e da repetição de regularidades em casos

particulares. Por meio de observações particulares, chega-se à

afirmação de um princípio geral. É o raciocínio lógico que vai

do particular para o geral.

b) Dedutivo - E um processo de raciocínio lógico que, a partir

de princípios e proposições gerais ou universais, chega a con­

clusões menos universais ou particulares. A razão é capaz de

levar ao conhecimento verdadeiro. O conhecimento se realiza

pela dedução. E o raciocínio lógico que sai do geral para o

particular.

c) Hipotético-dedutívo - Consiste na formulação da noção de

falseabilidade como critério fundamental para a explicação das

teorias científicas, garantindo a idéia de progresso científico.

O conhecimento é, portanto, conjectural, sendo impossível a

certeza definitiva. Os procedimentos para a investigação cien­

tífica são: 1. problema; 2. conjecturas; 3- dedução de conse­

qüências observadas; 4. tentativa de falseamento; 5. corrobo-

ração (verdade provisória).

d) Dialético — Procura contestar uma realidade posta, enfatizando

as contradições. Para toda tese existe uma antítese que, quando

contraposta, tende a formar uma síntese. E o método de inves­

tigação das contradições da realidade que se apresenta.

e) Fetiomenoiógico - É o estudo dos fenômenos em si mes­

mos, apreendendo sua essência, a estrutura de sua significação.

Pode-se dizer que é uma "volta às coisas mesmas", isto é, aos

fenômenos, aquilo que aparece à consciência, que se dá como

objeto intencional. Trata de descrever, compreender e interpre­

tar os fenômenos que se apresentam à percepção.

Os métodos de procedimentos conduzem às etapas mais concre­

tas da investigação científica, com objetivo mais restrito em termos

de explicação geral dos fenômenos e abordagem menos abstrata

(LAKATOS; MARCONI, 1991 , p. 106). Não são exclusivos entre

si, mas é necessário que se adaptem a cada área de pesquisa. No

estudo de um fenômeno, o pesquisador pode utilizar um, dois ou

mais métodos de procedimento.

Exemplos de alguns métodos de procedimentos que foram e

ainda são utilizados na pesquisa geográfica são: o estatístico, o

comparativo, o tipológico, o histórico, o funcionalista e o estru-

turalista. Algumas de suas características são (RODRIGUES,

2006 , p . 136-148) :

a) Estatístico - Fundamenta-se na utilização da estatística para

a investigação do objeto de estudo. Este método contribui

para a coleta, a organização, a descrição, a análise e a inter­

pretação de dados, e para a utilização desses dados na tomada

de decisões.

b) Comparativo - Conduz à investigação por meio da análise

de dois ou mais fatos ou fenômenos, procurando ressaltar as

diferenças e similaridades entre eles. O método comparativo

pode ser utilizado em todas as fases e níveis de investigação:

estudos descritivos, tipológicos, explicativos.

c) Tipológico - Consiste na elaboração de modelos ideais que

servem para analisar ou avaliar uma realidade concreta. E uma

construção teórica, idealizada, hipotética.

d) Histórico — Conduz à investigação a partir do estudo dos

acontecimentos, dos processos e das instituições do passado,

considerando que as atuais formas de vida social, as institui­

ções e os costumes têm origem no passado. E necessário pes­

quisar suas raízes para compreender sua natureza.

e) Funcionalista - Estabelece uma analogia entre a sociedade e

o organismo. Estuda os fenômenos sociais a partir de suas fun­

ções, analisando as partes inter-relacionadas e interdependentes

para compreender o funcionamento do todo, isto é, o sistema

social total (PARRA FILHO; SANTOS, 1998, p. 93).

f) Estruturalista - E utilizado para o estudo de culturas, lingua­

gens etc, como um sistema em que os elementos constituintes

mantêm, entre si, relações estruturais. Pode-se dizer que há, no

fenômeno, uma estrutura comum, invariável, que pode ser re­

velada, e que pode ser construído um modelo que a represente.

A questão sobre o método científico e a Geografia é complexa e

necessita, do leitor, uma pesquisa mais profunda sobre a temática

em outras obras, pois os tipos e explicações dos métodos apresen­

tados, anteriormente, foram bastante resumidos. E importante es­

clarecer que o método pode ser considerado instrumento mediador

entre o homem, que quer conhecer, e o objeto a ser desvelado, obje­

to que faz parte do real a ser investigado. O método não é estático,

tendo em vista a dinâmica da sociedade e da natureza. Lembrando

que, pelo que se tem verificado na história, o homem é um ser

que busca apropriar-se da natureza, preservar a vida e desfrutá-la,

também faz questionamentos existenciais e tem de interpretar a si

e ao mundo em que vive. Nessa relação com o mundo, o homem

se utiliza de métodos, técnicas e instrumentos necessários para agir

sobre a natureza.

Neste ponto, podemos concluir que o método, seja ele hipo-

tético-dedutivo, fenomenológico ou dialético, contém suas

leis, suas base ideológica, suas categorias para a elaboração

dos vários conceitos e teorias que nos permitirão realizar nossa

leitura científica do mundo (SPOSITO, 2004, p. 65).

Portanto, em relação ao método, os caminhos estão abertos e há

vários a serem trilhados; e cabe ao pesquisador geógrafo escolher

qual seguir, que método utilizará, sabendo que, nesses caminhos,

ocorrerão dificuldades, erros e acertos e que, se o método pode con­

tribuir para explicar o mundo, também pode ajudar a transformá-

lo num mundo mais solidário.

Os geógrafos têm realizado diversos tipos de pesquisa utili­

zando-se dos métodos, técnicas e instrumentais disponíveis. As

pesquisas se estendem desde orientações para que pessoas com

necessidades especiais possam guiar-se em complexas áreas ur­

banas; estudos de distribuição espacial de doenças, para que os

cuidados médicos sejam realizados de maneira mais adequada;

passando pelo planejamento de novas regiões ou áreas agrícolas,

ou pela avaliação de colheitas por meio de imagens de satélite; até

chegar às pesquisas que procuram contribuir para a solução dos

problemas de redes urbanas. E, ainda, no planejamento regional,

urbano, de transporte, turismo etc. Atualmente, grandes obras,

como estradas, pontes, aterros sanitários e instalações de fábricas,

requerem um Relatório de Impacto Ambiental (RIA), em que os

geógrafos podem atuar ( M A R T I N I , 2 0 0 7 ) .

A elaboração de laudos técnicos, diagnósticos ambientais, recu­

peração de áreas degradadas, principalmente nas unidades de ba­

cias hidrográficas, tem se constituído numa frente de trabalho para

os geógrafos ( M E N D O N Ç A , 2 0 0 5 , p . 66) .

As pesquisas são diversas e se estendem, também, ao setor edu­

cacional, tratando de problemas sociais e do meio ambiente. O pro­

fessor de Geografia não é somente um educador, é, também, um

pesquisador.

A partir do que foi exposto, pode-se perceber a importância do

método científico para a ciência geográfica. Em capítulos posterio­

res, serão apresentados conteúdos sobre a trajetória do pensamento

geográfico e a utilização do método científico pelas "escolas nacio­

nais" e "correntes" geográficas.

1.3 O Objeto da Geografia

A produção acadêmica em torno da discussão sobre o objeto da

Geografia é bastante ampla. Muito já se escreveu sobre "o que é

Geografia?" Desde a Antigüidade, a temática era abordada e ainda

hoje permanecem as discussões. Em diferentes momentos da histó­

ria do pensamento geográfico podem ser encontradas reflexões ou

definições sobre o objeto de estudo da Geografia.

N o s sucessivos momentos históricos, os estudos, os debates e

as reflexões produziram um conjunto de definições sobre o objeto

da Geografia; muitos deles foram aceitos ou rejeitados pelos que

fazem Geografia. Todavia, mesmo aquelas definições que foram

aceitas, ainda continuam a ser debatidas.

Para Moraes (1987 , p. 13-20) , há u m a intensa controvérsia so­

bre a matéria tratada pela Geografia. Isso se deve à indefinição do

objeto desta ciência, ou melhor, às diversas definições que lhe são

atribuídas. Resumidamente, pode-se citar:

a) E s t u d o da super f íc ie te r res t re : definição que se apoia no

significado etimológico do termo geo (terra) e grafos (escrever):

Geografia — descrição da terra —, por descrever todos os fenô­

menos manifestados na superfície do planeta. E considerada

u m a espécie de síntese de todas as ciências. Assim, coloca a

Geografia como uma ciência sintética e descritiva.

b) E s t u d o da p a i s a g e m : mantém-se a concepção de ciência

de síntese. A Geograf ia estuda os aspectos visíveis do real,

vistos pelo observador. A pa i sagem é objeto específico da

Geograf ia . Possui duas variantes: a morfológica, que é des­

critiva, enumerando os elementos presentes e discussão das

formas visíveis pelo observador na pa i s agem; e a fisiológica,

que estuda a relação entre os elementos e a dinâmica destes

no funcionamento da pa i sagem. N e s s a perspectiva, seria a

idéia de organismo com funções vitais e elementos que inte­

ragem na pa i sagem.

c ) E s t u d o da i n d i v i d u a l i d a d e d o s l u g a r e s : busca compreender

o caráter singular de cada porção do planeta, pela descrição

exaustiva dos elementos ou pela visão ecológica, buscando, a

partir do inter-relacionamento, um elemento de singulariza-

ção. Propõe-se o estudo de u m a unidade espacial passível de

ser individualizada. A Geografia estuda a região.

d) E s t u d o da d i f e r enc i ação de á r ea s : busca individualizar as

áreas e compará-las com outras, considerando as regularida-

des da distribuição e das inter-relações dos fenômenos na su­

perfície da terra.

e) E s t u d o da s re lações ent re o h o m e m e a na tureza : pode ser:

o estudo das influências da natureza sobre o homem; o estudo

das influências do homem sobre a natureza; e o estudo das re­

lações homem-natureza. Neste último caso, os dois têm o mes­

mo peso, trabalhando-se com fenômenos naturais e humanos.

Este conjunto de definições, apresentadas pelo autor, sobre o

objeto da Geografia restringe-se às formulações gerais, não especi­

ficando autores e propostas.

É possível apresentar algumas definições mais específicas sobre o

que é Geografia. Por exemplo:

A Geografia é uma ciência como qualquer outra e interessa

sobremaneira ao filósofo. Ela se ocupa do estudo ou descrição

da Terra (ESTRABÃO, século I a .C) .

O propósito da Geografia é oferecer uma "visão de conjun­

to" da Terra, localizando e mapeando os lugares ou regiões

(PTOLOMEU, século 150 d.C),

A Geografia é uma ciência sintetizadora que conecta o geral

com o especial através do levantamento, do mapeamento e da

ênfase no regional. Ela se ocupa da influência que o meio físico

exerce sobre o homem e procura interligar o estudo da natureza

física com o estudo da natureza morai, para chegar a uma visão

harmonizante (HUMBOLDT, Alexander von, século XIX).

A Geografia deve ser, em primeiro lugar, um estudo das leis

que modificam a superfície terrestre: as leis que determinam

o crescimento e a desaparição dos continentes, suas configura­

ções passadas e presentes (KROPOTKIN, Piotr, 1885).

A Geografia tem como missão investigar como as leis físicas ou

biológicas que regem o Globo se combinam e se modificam ao

aplicarem-se às diversas partes da superfície terrestre. A Terra

é o domínio do Homem (LA BLACHE, Vidal de, 1913).

{...} a ciência que estuda a distribuição dos fenômenos físicos,

biológicos e humanos pela superfície da Terra (MARTONNE,

1950, p. 15).

A Geografia é uma ciência humana. O espaço terrestre é obje­

to de estudo geográfico na medida em que é, sob uma forma

qualquer, um meio de vida ou uma fonte de vida, ou uma

indispensável passagem para ascender a um meio de vida ou a

uma fonte de vida (GEORGE, Pierre, 1964).

{...} ciência que estuda as relações entre a sociedade e a natu­

reza {...} (ANDRADE, 1987, p. 14).

A Geografia estuda o espaço onde vive a humanidade. E, por­

tanto, uma ciência humana, isto é, que estuda o ser humano

e que se ocupa, principalmente, daquela porção do espaço

que interessa à sociedade humana. O espaço com as dimen­

sões que ele consegue alcançar: a casa, a rua, o bairro, a ci­

dade, até mesmo toda a superfície terrestre, que se encontra

hoje dividida em países e nação. {. . .] . A Geografia estuda

tanto os elementos da natureza quanto os elementos huma­

nos (VESENTINI; VLACH, 2002, p. 11).

O que é Geografia? A questão é bastante complexa e atravessa

séculos de discussão e reflexão. É claro que seria importante uma

definição. Mas será que ela seria consensual para todos os que fazem

Geografia? Será que, ao estabelecer uma definição, não se correria

o risco de tornar estático o objeto da Geografia? N ã o seria fechar a

reflexão e o avanço do conhecimento geográfico, já que as ciências

são dinâmicas e constantemente se estão renovando com pesquisa

e novos conhecimentos?

Ass im, já afirmava o renomado geógrafo Milton Santos

( 1 9 8 8 , p . 133) , "a busca de um enfeudamento em conceitos

cediços, somente por questão de fidelidade ao já escrito, ameaça

de est iolamento seja qual for a disciplina do saber".

Isso significa que os conceitos — tornados postulados e até

mesmo dogmas! — pelo transcurso do tempo, têm que ser

constantemente renovados. E assim, também, que as ciên­

cias se renovam. Essa renovação somente pode ser obti­

da quando se encontra ou descobre a significação do real

do presente, através das coisas que estão diante dos nossos

olhos e são um desafio à nossa capacidade de entendimento

e de crítica (SANTOS, 1988, p. 136-137).

N o s diversos momentos históricos foram possíveis as defini­

ções do objeto da Geografia, mesmo com controvérsia e declínio

de definições, já que estas e os objetos das ciências não são está-

ticos, sofrem transformações com as mudanças que ocorrem na

sociedade-natureza.

Lembre-se do que já foi afirmado, anteriormente, por Moraes e

Costa (1999 , p. 33), que consideram que o objeto está, também,

em um contexto metodológico. E que é difícil uma definição con­

sensual do objeto geográfico, pois esta variará em função dos méto­

dos assumidos. Para os autores, existirão tantas definições do objeto

geográfico quantas forem as perspectivas metodológicas capazes de

abordar o temário dessa ciência.

Santos (2004) escreve:

São possíveis muitas definições; quer dizer, a Geografia muda

de definição ao longo do tempo e creio que pode haver várias

definições num dado momento da vida da disciplina. A minha

própria resulta de um confronto crítico com relação às outras

definições, aquelas que eu aprendi e que ensinei, e está em con­

formidade com a praticabilidade da disciplina, no sentido de sua

relação com a produção do saber, isto é, na sua relação com a

chamada realidade e com a possibilidade, que é o desejo de toda

ciência social, de produzir um discurso intelectual que possa ser

base de um discurso político. Ao longo de minha vida, quando

abandonei, a simples repetição do que me ensinavam os mestres

e assumi um pouco de liberdade para propor, propus várias de­

finições até chegar a essa que tenho agora (p. 20).

Em nosso caso particular isto impõe o reconhecimento de um

objeto próprio ao estudo geográfico, mas isso não basta. A

identificação do objeto será de pouca significação se não for­

mos capazes de definir-lhe as categorias fundamentais. Sem

nenhuma dúvida, as categorias sob um ângulo puramen­

te nominal mudam de significação com a história, mas elas

também constituem uma base permanente e, por isso mesmo,

um guia permanente para a teorização. Se quisermos alcançar

bons resultados nesse exercício indispensável, devemos cen­

tralizar nossas preocupações em torno da categoria — espaço

- tal qual ele se apresenta, como um produto histórico. São os

fatos referentes às gêneses, ao funcionamento e à evolução do

espaço que nos interessam em primeiro lugar (p. 147).

Na verdade, pode-se dizer que a realidade contemporânea

aguarda , ainda, mui ta discussão sobre a questão do objeto da

Geograf ia .

Nos capítulos posteriores, serão apresentados conteúdos sobre o

tema do objeto da Geografia na história do pensamento geográfico,

o que possibilitará, ao leitor, reflexão mais profunda e posiciona­

mento sobre o assunto.

Geografia na Antigüidade

C A P Í T U L O d o i s

O conhecimento geográfico surge nos primórdios da

humanidade, desde o momento em que, vivendo em

pequenos grupos, o homem se deslocava em busca de

meios de subsistência, em atividades de caça, pesca e co­

leta e, também, para reconhecimento, defesa e conquis­

ta de território. Era importante conservar informações

sobre os caminhos percorridos, os locais de suprimentos

de alimentos e os territórios de domínio, necessários à so­

brevivência. Assim, era um conhecimento, inicialmente,

produto de experiências vividas e repassadas de geração a

geração entre indivíduos e povos. Muitos conhecimentos

geográficos eram transmitidos oralmente.

Andrade (1987 , p. 21) afirma que os povos primi­

tivos "conheciam o mecanismo das estações, fazen­

do migrações, às vezes de longos percursos, a fim de

acompanharem os animais silvestres que utilizavam

como alimentos, ou para colherem frutos de determi­

nadas áreas, na ocasião da 'safra'".

Foi a partir dessas experiências que o homem passou a esboçar,

em diversos materiais, os primeiros mapas sobre os inúmeros ele­

mentos que se encontravam em seu meio ambiente.

Por meio das pesquisas de fósseis e artefatos, os cientistas têm

afirmado que as primeiras espécies humanas surgiram na Terra,

aproximadamente, há 3 milhões de anos. Consideram que a Pré-

História pode ser dividida em três períodos: Idade da Pedra Las­

cada, ou período Pakolítico, nome de origem grega que quer dizer

"pedra antiga" ipako = antigo e lithos = pedra) - este período

durou até, aproximadamente, 10 .000 anos atrás; Idade da Pedra

Polida, ou Neolítico (do grego neo — nova e lithos = pedra) — apro­

ximadamente, entre 10 .000 e 6 .000 anos atrás; Idade dos Metais

- 6 .000 anos atrás.

No Pakolítico, o ser humano era nômade. A divisão do trabalho

era por sexo. Praticavam-se a coleta, a caça e a pesca. No Neolítico,

ocorreu a sedentarização da espécie humana. Praticavam-se a agri­

cultura e a criação de animais. Surgiram os primeiros aldeamentos,

e a divisão do trabalho também era por sexo. Já na Idade dos Metais

ocorreu o domínio das técnicas de fundição de metais, a produção

de artefatos de bronze e ferro. Os instrumentos de trabalho e as ar­

mas ficaram mais resistentes. As armas passaram a ser empregadas

em guerras pela conquista de territórios. Os instrumentos de traba­

lho possibilitaram o aumento da produção agrícola, proporcionan­

do uma produção extra, ou seja, um excedente agrícola que podia ser

vendido a outros povos, desenvolvendo-se o comércio. Surgiram as

cidades, as classes sociais, a divisão do trabalho por profissões, os

exércitos, os primeiros Estados e os grandes impérios.

Ass im, comumente , os cientistas consideram as sociedades

em que não havia a escrita pertencentes à Pré-História (inicia­

da aproximadamente há 3 milhões de anos). E, para facilitar o

estudo da história humana, a partir do aparecimento da escrita

(aproximadamente 3 .000 a . C ) . A história humana t ambém foi

dividida em Idade Ant iga ou Ant igüidade; Idade Média; Idade

Moderna; e Idade Contemporânea.

A queda do Império Romano, no ano de 4 7 6 d . C , marcou a

divisão entre Antigüidade e Idade Média; a tomada da cidade de

Constantinopla, pelos turcos, em 1453 d . C , marcou a divisão entre

Idade Média e Idade Moderna; já a Revolução Francesa, em 1789

d . C , separou a Idade Moderna da Contemporânea.

Na Antigüidade, a Geografia era um conhecimento utilizado,

principalmente, para desenhar roteiros a ser percorridos e para

informar os recursos a ser explorados em determinado lugar, es­

tando bastante relacionada à Cartografia e à Astronomia. O co­

nhecimento geográfico e sua aplicação se foram desenvolvendo à

medida que a sociedade aumentava o domínio e transformava a

natureza para usufruir dos recursos nela disponíveis ( A N D R A D E ,

1987, p . 11-12) .

Ass im sendo, o homem " [ . . . } com sua própria ação, impul­

siona, regula e controla seu intercâmbio material com a nature­

za . [ . . . } . Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços

e pernas, cabeça e mãos , a fim de apropriar-se dos recursos da

natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana" ( M A R X ,

1982 , p . 202) .

No decorrer de milhares de anos, florestas foram substituídas por

campos de cultivo ou cidades, estradas foram construídas, rios fo­

ram desviados do curso, o homem foi transformando a natureza e,

também, sofrendo sua ação. Ao modificar a natureza por meio do

trabalho, o homem começou a produzir alimentos, ferramentas, ha­

bitações, estradas e t c , ou melhor, o homem começou a produzir o

espaço geográfico. Esse espaço se apresenta como uma segunda natu­

reza, uma natureza social, humanizada. Assim, há a primeira natureza,

aquela que foi e é criada sem a ação humana (rios, florestas, monta­

nhas e tc ) , e a segunda natureza, aquela produzida pela ação do homem

(cidades, agricultura, estradas, instrumentos de trabalho e t c ) .

É provável que, inicialmente, o homem primitivo tivesse um

conhecimento de mundo geográfico limitado e conseguia sobrevi­

ver sem a elaboração de mapas, já que era tão pouco o que precisava

saber, ou seja, onde morar, onde pescar, onde caçar etc. Na memó­

ria, guardava mapas mentais. Mas, a partir do desenvolvimento dos

grupos humanos, os mapas mentais foram sendo substituídos por

anotações gráficas esculpidas em diversos materiais, como pedra,

madeira, pedaços de ossos etc.

Mapas primitivos foram encontrados em pedras, papiros, me­

tais, varas de bambu, madeira, tecido de algodão, fibras de palmei­

ra, conchas e peles de animais, representando o meio ambiente, os

lugares percorridos e conhecidos à época; eram mapas elaborados

de forma rudimentar.

O mapa mais antigo que se tem conhecimento está no Museu

Semítico da Universidade de Harvard, em Cambridge, Estados

Unidos. Foi encontrado por meio das escavações feitas na cidade de

Ga-Sur, ao norte da Babilônia, e data de 2 .500 a.C. Corresponde a

uma pequena placa de argila, representando o vale de um rio, pro­

vavelmente o Eufrates, cercado por montanhas e desaguando por

um delta de três braços. O Norte, o Leste e o Oeste estão indicados

com círculos com inscrições (FERREIRA; S IMÕES, 1986, p. 31).

Todavia, não se pode afirmar que outros mapas não tenham sido

feitos em a lguma data anterior.

Os mapas elaborados pelos povos da Antigüidade tinham fun­

ção principalmente prática, como delimitação de fronteiras; loca­

lização de água e terras férteis; localização de lugares e rotas de

comércio etc. Inicialmente, a concepção que existia era que a Terra

se apresentava sob a forma de um disco e com massa continental

que flutuava na água.

As primeiras civilizações da Antigüidade desenvolveram ativi­

dades muito relacionadas com o espaço natural que ocupavam,

ou seja, as atividades econômicas dependiam em grande parte das

condições naturais. Por exemplo, no vale dos grandes rios, como o

Nilo, o Tigre e o Eufrates, a economia se baseava principalmente

na agricultura. Já as civilizações situadas junto ao mar se dedicaram

principalmente à pesca, à navegação e ao comércio marítimo.

Nesse sentido, os povos da Antigüidade Oriental - egípcios,

mesopotâmicos, fenícios, hebreus e persas — desenvolveram-se, em

geral, às margens dos grandes rios. Essas civilizações ocuparam o

espaço do Oriente Médio, marcado por planaltos e montanhas, cli­

ma seco e desértico, permeado por planícies férteis, como no Egito

e na Mesopotâmia, onde desenvolveram a agricultura, e nas faixas

costeiras do Mediterrâneo, em que desenvolveram as atividades

marítimo-comerciais.

A expansão política, comercial e marítima dos povos do Medi­

terrâneo levou à elaboração de mapas marítimos, com a descrição

de lugares e de povos. As descrições foram denominadas de périplos

(navegar em redor) (FERREIRA; S IMÕES, 1986, p. 32).

A partir da contribuição dos gregos , o conhecimento geográ­

fico recebeu grande impulso na Ant igüidade. Tais contribuições

decorrem do posicionamento geográfico da Grécia, que possibi­

litou, aos gregos , a navegação, o comércio e o domínio sobre os

povos do Mediterrâneo, pois era necessário obter informações e

registros dos territórios sob seu domínio e dos lugares conhecidos;

e t ambém devido ao grande desenvolvimento social, econômico,

político e cultural.

De acordo com Andrade (1987 , p . 23):

A contribuição dos gregos à civilização ocidental é da maior

importância, quer do ponto de vista quantitativo, quer do

ponto de vista qualitativo. Essa importância decorre tanto

do grande desenvolvimento que teve a cultura grega, como

do fato de serem numerosas as obras que não foram destruí­

das e que chegaram até nós.

Os gregos realizaram estudos sobre sistemas agrícolas, siste­

mas de montanhas, técnicas de uso do solo, os rios com varia­

dos regimes, a distribuição das chuvas, a sucessão das estações

do ano, o relacionamento entre a cidade e o campo, as relações

entre classes sociais e entre o poder e o povo etc. (idem, p. 24) .

E ainda elaboraram mapas dos territórios sob seu domínio e dos

conhecidos à época.

Os estudos foram realizados por navegadores, militares, comer­

ciantes e, também, por matemáticos, astrônomos, cartógrafos, his­

toriadores, filósofos, entre outros. O conhecimento geográfico era

produzido pelo conhecimento vulgar (senso comum) e filosófico;

este último abarcava os diversos conhecimentos científicos, pois era

possível, a um filósofo que era também astrônomo e matemático,

realizar estudos de cunho geográfico.

Em face do exposto, seguem-se alguns dos filósofos que, nos

estudos, contribuíram para o desenvolvimento do conhecimento

geográfico. Eram estudos, principalmente, descritivos e de localiza­

ção, atrelados à Cartografia e à Astronomia.

Tales de Mileto (640-558 a.C.) era um deles; além de ser filóso­

fo, era considerado matemático, astrônomo, físico e realizou estu­

dos de interesse geográfico. Tales concebia a Terra como um disco

boiando sobre a água, no oceano. Realizou estudos sobre os eclipses

do Sol e da Lua, o movimento dos astros para orientar a navegação

e sobre os solstícios, a fim de elaborar um calendário astronômico

que tivesse informações meteorológicas.

Ele foi considerado o primeiro astrônomo a explicar o eclipse do

Sol, ao verificar que a Lua é iluminada por esse astro. Sabe-se que

previu um eclipse ocorrido em 585 a.C. e também fez estudos para

explicar as inundações do Nilo.

Tales é considerado o "pai da filosofia grega". Do seu pensa­

mento, só restam interpretações formuladas por outros filóso­

fos, pois nada deixou escrito. Tornou-se conhecido por intermé-

dio de Diógenes Laércio, Heródoto e Aristóteles ( J A P I A S S Ú ;

M A R C O N D E S , 1996, p . 257) .

O filósofo grego Anaximandro de Mileto (610-547 a . C ) , conside­

rado, também, geógrafo, matemático, astrônomo, engenheiro e polí­

tico, discípulo de Tales de Mileto, percorreu o mundo e escreveu rela­

tos das viagens. Atribui-se a Anaximandro a confecção de um mapa

do mundo habitado, gravado em pedra, e a introdução do uso do gnõ-

mon (relógio de sol) na Grécia, construído, basicamente, de uma haste

fincada na vertical, de pedra ou madeira. Conforme o comprimento

da sombra da haste, a pessoa tinha uma idéia do tempo.

Anaximandro elaborou mapas astronômicos e geográficos e

realizou estudos geométricos e matemáticos com o objetivo de

mapear o céu. Desenvolveu tratados sobre Geografia, Astrono­

mia e Cosmologia .

Outro g rego importante para a Geografia foi Anaxímenes de

Mileto ( 5 8 8 - 5 2 4 a . C ) , f i lósofo e meteorologista. N a s c e u em Mi­

leto, colônia g rega na Ásia Menor. Era discípulo de Anaximan­

dro, conterrâneo deste e de Tales de Mileto, com os quais formou

o trio de pensadores tradicionalmente considerados os primeiros

fi lósofos do mundo ocidental. Anaxímenes contribuiu na distinção

de planetas e estrelas e nas primeiras formulações sobre os prin­

cípios do geocentr ismo. Dedicou-se especialmente à meteorolo­

gia . Só se tem conhecimento de seus tratados devido às citações

em obras de outros filósofos.

Hecateu de Mileto ( 5 6 0 - 4 8 0 a . C ) , f i lósofo considerado, tam­

bém, historiador e geógrafo, escreveu a obra Descrição da Terra,

ilustrada por um m a p a em que a Terra estava representada por

um disco. Sua concepção da Terra era de um plano circular rodea­

do por um oceano contínuo. A Grécia ficava no centro do mapa .

Já Hipócrates ( 4 6 0 - 3 5 0 a . C ) , na obra Dos ares, das águas e dos

lugares, apresentava explicações sobre a influência do meio am­

biente no homem. Para ele, era necessário localizar e conhecer

cada lugar para fazer u m a correta avaliação dos hábitos, costu­

mes e aspectos físicos dos povos . Ele t a m b é m apresentava expli­

cações sobre a influência dos fatores ambientais no surg imento

das doenças, analisando a influência dos ventos, água , solo e

localização das cidades em relação ao sol, na ocorrência da en­

fermidade.

Hipócrates estabeleceu a diferença entre os habitantes das

montanhas e os das planícies. Os povos das montanhas , por in­

fluência das terras altas, úmidas , bat idas pelos ventos, seriam de

estatura alta e de temperamento suave. Já os povos das planícies,

influenciados pelas formas leves, descobertas, com grandes varia­

ções de temperaturas, seriam secos, nervosos, arrogantes e mais

louros do que morenos ( S O D R E , 1989 , p . 15). Há u m a carga

ambientalista e, de certo modo , determinista em sua obra.

A esfericidade da Terra foi concebida somente depois do século

V a.C. e surgiu, inicialmente, da reflexão filosófica sobre a forma

ideal dos corpos, e não da observação: a esfera é a mais perfeita de

todas as formas. Idéia de Parmênides (544-450 a . C ) , foi apoiada

por Platão (427-348 a.C.) (FERREIRA; S IMÕES, 1986, p. 34).

Parmênides concebe a esfericidade da Terra e o interior ígneo.

O Universo teria a Terra como centro. Todavia, as provas da esfe­

ricidade da Terra só surgiram depois, com Aristóteles, que baseou

os argumentos em duas observações:

1) A sombra da Terra na Lua, na ocorrência dos eclipses, era re­

donda.

2) A altura dos astros em relação ao horizonte apresentava va­

riação quando um viajante se deslocava de norte para sul

(FERREIRA; S I M Õ E S , 1986, p . 35) .

Aristóteles ( 3 8 4 - 3 2 2 a . C ) , discípulo de Platão, nasceu em

Estagi ra , Macedônia . Considerado escritor, matemát ico , biólo­

go e filósofo g rego , explicou os eclipses e era a favor da idéia de

esfericidade da Terra, já que a sombra da Terra na Lua, durante

um eclipse lunar, era sempre arredondada. Escreveu vas ta obra,

dedicando-se, principalmente, aos estudos da natureza. Abor­

dou todos os ramos do saber: Lógica, Física, Filosofia, Botânica ,

Zoologia , Metafísica etc.

Apesar de ser considerado historiador, Heródoto (485-425 a.C.)

contribuiu bastante para o desenvolvimento do conhecimento geo­

gráfico, tanto que é considerado, também, geógrafo. Ele percorreu

a maior parte do mundo habitado e produziu uma obra sobre as

regiões que conheceu, denominada História.

Foi o primeiro a fazer um elo entre Geografia e História. A par­

tir de seus relatos, acredita-se que tenha conhecido a Líbia, Assíria,

Egito, Rússia, Turquia, Babilônia, Macedônia, Pérsia, Mesopotâmia

e vários outros lugares da Europa e da África. Ao longo das viagens,

Heródoto coletou informações sobre cultura, mitos e histórias dos

diversos povos. Estudou as populações e suas características, o con­

texto espacial e a organização política desses lugares. Ele procurava

conhecer os locais e então escrevia sobre eles.

Para Ferreira e Simões (1986 , p. 35) , tais informações eram im­

portantes aos gregos, que pretendiam dominar politicamente os

bárbaros dos territórios vizinhos.

Heródoto é considerado o "Pai da História". A palavra que utili­

zou para conseguir o epíteto, história, inicialmente significava "pes­

quisa" e tomou a conotação atual de História.

No século iy Dicearco construiu um mapa utilizando dois eixos

perpendiculares: um alongado no sentido leste-oeste, o diafragma,

passando pelas Colunas de Hércules e por Rodes, e o outro,perpendi­

cular, passando por Rodes (FERREIRA; S IMÕES, 1986, p. 36). Seus

estudos estão na área da Política, História Literária e Geografia.

O heliocentrismo, teoria que sustenta ser o Sol o centro do uni­

verso, foi provavelmente apresentado pela primeira vez pelo grego

Aristarco de Samos ( 3 1 0 - 2 3 0 a . C ) . A hipótese do heliocentrismo

foi retomada, posteriormente, por Nicolau Copérnico ( JAPIASSÚ;

M A R C O N D E S , 1996 , p . 16).

Filósofo e astrônomo, Aristarco, a partir de estimativas geo­

métricas do tamanho e distâncias relativas entre a Terra, a Lua e

o Sol, levantou a hipótese de que o sistema solar fosse heliocên-

trico. Todavia, aderiu ao geocentrismo. Infelizmente, quase todos

os trabalhos de Aristarco foram destruídos no grande incêndio da

Biblioteca de Alexandria.

E importante ressaltar que a idéia de que a Terra se inclui num

sistema que tem o Sol como corpo central não era novidade e já

era discutida entre os gregos, tendo sido proposta por astrônomos

como Heráclides de Ponto (século IV a . C ) , Seleuco de Seleucia

(século II a . C ) e Aristarco de Samos, muito antes de Copérnico

(século X V I ) .

Eratóstenes (276-196 a . C ) foi diretor da Biblioteca de Alexan­

dria, matemático, astrônomo e geógrafo, aperfeiçoou o mapa de

Dicearco. Primeiro, traçou uma linha imaginária entre a Ilha de

Rodes e as Colunas de Hércules (Estreito de Gibraltar); depois,

uma linha perpendicular à primeira, t ambém atravessando Rodes.

Definiu então outras linhas paralelas a cada u m a das duas primei­

ras, formando uma grade de retângulos de diferentes tamanhos que

corresponde a um sistema primitivo de coordenadas. Apesar dos

avanços obtidos, o mapa de Eratóstenes apresentava ainda muitos

erros. O tamanho da maioria das regiões estava fora de escala e a

concepção de um oceano circular que envolvia toda a massa de ter­

ra não fora abandonada.

A mais conhecida contribuição de Eratóstenes à Geografia e à

Ciência foi a medida da circunferência da Terra. N o s estudos, teve

conhecimento da existência, em Siena (Assuão), de um poço em que

o Sol incidia verticalmente, num único dia do ano: no solstício de

verão. Verificou, também, que no mesmo dia do ano, em Alexan­

dria, os objetos tinham sombras. Utilizando-se de um instrumento

muito simples, o gnômon, que permitia medir a altura do Sol, ele

calculou a medida do arco de circunferência que separava Alexan­

dria de Siena, no Egito (FERREIRA; S IMÕES, 1986, p. 36).

A medida por ele calculada foi de 1/50 da circunferência (cujo

valor de 360° ainda não era utilizado pelos gregos). O comprimento

do arco era de 5.000 estádios, distância que separava Alexandria de

Siena. A partir dessa medida, foi calculado o perímetro da Terra: 50

x 5.000 = 250 .000 estádios. Este resultado é, aproximadamente,

igual a 4 6 . 2 5 0 km (1 estádio mede 168 m) e o comprimento real

do meridiano terrestre é de 4 0 . 0 0 0 quilômetros, portanto, muito

aproximado (FERREIRA; S IMÕES, 1986, p . 36-37) .

Posteriormente, o astrônomo Hiparco (190-125 a.C.) aperfei­

çoou o quadriculado criado por Eratóstenes. Ele utilizou a divisão

da circunferência em 360° e construiu também uma rede de parale­

los e meridianos, projetados e igualmente distanciados. Também foi

ele quem elaborou a concepção das zonas climáticas, tendo previsto

a existência de zonas demasiadamente quentes e demasiadamente

frias (FERREIRA; S IMÕES, 1986, p. 38-39) .

Hiparco compilou um catálogo de estrelas, classificando-as por

grandezas (magnitudes), em função da intensidade do brilho. Tam­

bém, acredita-se que calculou a distância entre a Terra e a Lua a

partir das observações de um eclipse solar que ocorreu em Cirene e

em Alexandria.

Estrabão (64 a .C.-21 d . C ) , filósofo, geógrafo e historiador, era

um grego que viveu em Roma. Após ter viajado pela Europa,

Ásia e África, voltou a Roma e escreveu um importante trabalho

de dezessete volumes intitulado Geographia (Geografia), com a

história e a descrição dos lugares e dos povos de todo o mundo

que lhe era conhecido, resultado dos fatos observados durante as

viagens e de informações recolhidas nas obras gregas . Segundo

Andrade (1987 , p. 24) , cabe a Estrabão o mérito de ter utilizado,

pela primeira vez, o termo Geografia.

Conhece-se pouco da biografia de Estrabão, que viveu durante o

período romano. As poucas informações são retiradas da própria obra.

N ã o se sabe ao certo quando escreveu Geographia, que apresenta con­

teúdos de história, religião, costumes locais e as instituições dos dife­

rentes povos, os quais estão misturados às descrições geográficas.

Cláudio Ptolomeu (90-168 d . C ) , astrônomo e matemático gre­

go , viveu em Alexandria, Egito, e era cidadão romano. Pouco se

sabe sobre sua vida pessoal. Foi considerado o último dos grandes

sábios gregos e procurou sintetizar os trabalhos dos predecessores.

Sua obra mais importante foi Sintaxis, traduzida e divulgada pelos

árabes com o nome de Almagesto. Na obra, ele propunha o sistema

geocêntrico, que descrevia a Terra no centro do universo, com o Sol,

os planetas e as estrelas circulando ao redor.

O trabalho de Ptolomeu influenciou o pensamento astronômico

durante mais de 1.500 anos, até ser substituído pela teoria helio-

cêntrica de Copérnico. Para a Geografia, sua mais importante obra

é Geografia, na qual faz mapeamentos do mundo conhecido na épo­

ca, listando latitudes e longitudes de locais importantes, acompa­

nhadas de mapas e uma descrição de técnicas de mapeamento.

O sistema geocêntrico de Ptolomeu também foi adotado pelos

teólogos medievais, que rejeitavam qualquer teoria que não colo­

casse a Terra em lugar privilegiado.

Pôde-se verificar que os gregos deixaram grandes contribuições

para a Ciência e para o desenvolvimento da Geografia:

a) estabelecem o fato de que a Terra é redonda e avaliam sua cir­

cunferência;

b) desenvolvem a cartografia, com a elaboração de cartas e ma­

pas, produto dos conhecimentos da Geometria, da Astronomia

e das observações empíricas realizadas em campo;

c) elaboram conteúdos "enciclopédicos", no sentido de tentar

abranger todos os domínios de conhecimento mais ou menos

organizado: comércio, povoamento, agricultura, características

das cidades, atividades econômicas, clima, cultura, política etc.

Os romanos dominaram a Grécia no século II e I a .C. e absor­

veram a cultura grega. Muito pragmáticos, procuraram desenvol­

ver a organização do império. Assim, deram maior importância à

Geografia Descritiva e menos à Geografia Matemática, deixada aos

sábios gregos ( A N D R A D E , 1987, p . 26-27) .

O fato de os romanos não terem as mesmas preocupações filosófi­

cas que os gregos fez com que eles não dessem a importância devida

aos trabalhos desenvolvidos por estes. Os romanos necessitavam de

mapas simples, práticos e, assim, voltaram a utilizar os antigos ma­

pas em forma de disco (FERREIRA; SIMÕES, 1986, p. 42) .

E importante ressaltar que, a partir das contribuições dos gre­

gos, foram desenvolvidas duas tendências de estudos geográficos:

1) Geogra f i a M a t e m á t i c a — ligada à Astronomia e à Geome­

tria.

2) Geogra f i a Desc r i t iva — resultante da descrição do mundo

conhecido (FERREIRA; S IMÕES, 1986, p. 38).

Enquanto havia "geógrafos" preocupados com conhecimentos

de Geometria e Astronomia para localizar e medir as distâncias

entre os "lugares" e analisar os fenômenos, além de demarcar os

limites dos "territórios" com a elaboração de mapas, havia outros

cujas preocupações eram os estudos de descrição de "lugares" por

onde viajavam aos quais observavam.

Os povos orientais não só desenvolveram o conhecimento em­

pírico da Geografia, como também realizaram observações

e estabeleceram estudos matemáticos que deram origem ao

conhecimento sistemático do mundo. Podemos dizer que as

idéias geográficas, em coexistência com as de outras ciências,

se desenvolveram a partir dos conhecimentos práticos de ex-

ploração da Terra e das observações dos viajantes, ao lado da

sistematização de pensadores, filósofos e matemáticos. {...}

Os conhecimentos acumulados pelos povos orientais seriam

depois utilizados pelos gregos, quando se tornaram um povo

dominante, de conquistadores, para elaborarem os conheci­

mentos básicos que deram à ciência moderna (ANDRADE,

1987, 22-23).

Na Antigüidade não existia uma ciência geográfica no sentido

moderno de ciência. Existiam filósofos, historiadores, astrônomos,

matemáticos, cartógrafos, entre outros que se denominavam geó­

grafos ou eram considerados geógrafos; eles tratavam de conteúdos

geográficos e não da construção de uma ciência geográfica.

A Geografia aparecia, antes de definir o campo, os métodos, as

técnicas, como conhecimento subordinado a outras áreas de conhe­

cimento científico ou não. Estava, ainda, carregada de lendas, mi­

tos e deformações ( S O D R É , 1989, p. 19).

Geografia na Idade Média

C A P Í T U L O t r ê s

É comum considerar que a Idade Média, na Euro­

pa Ocidental, começou quando o Império Romano do

Ocidente deixou de existir no ano 476 d.C. (século V).

Data em que o último imperador romano do Ocidente

foi deposto. Várias tribos bárbaras, tais como ostrogo-

dos, visigodos, suevos, alamanos, saxões e vândalos, já

haviam realizado uma série de invasões por toda a Euro­

pa, rompendo a estabilidade política da região.

Na Europa Ocidental, os bárbaros levaram para lá

hábitos, costumes e leis. No longo período entre o sé­

culo V e o XV, o comércio, já decadente desde a crise

do Império Romano do Ocidente, declina ainda mais.

As cidades desaparecem ou reduzem as atividades, e

as práticas agrárias ganham destaque.

Com a queda do Império Romano do Ocidente e a

difusão do cristianismo, iniciou-se um período conside­

rado de regressão no conhecimento científico e, tam­

bém, no conhecimento geográfico.

O esfacelamento do Império Romano do Ocidente e as invasões

bárbaras, em diversas regiões da Europa, favoreceram sensivelmen­

te as mudanças econômicas e sociais que vão sendo introduzidas,

principalmente, na Europa Ocidental, e que alteram o sistema de

propriedade e de produção, característicos da Antigüidade. As mu­

danças acabaram por revelar um novo sistema econômico, político

e social que veio a se chamar Feudalismo, ou melhor, o Modo de

Produção Feudal.

Descrevendo tais mudanças, Ferreira e Simões (1986 , p. 44 -45)

esclarecem que:

A Europa que surge após este período de invasões é, pois, uma

Europa dividida numa série imensa de pequenas áreas politica­

mente diferenciadas, deixando de existir uma política uniforme

sobre todo o território. {...]. Para além disto, a desarticulação

dos sistemas de comunicação e o fato de a Europa se encontrar

relativamente despovoada dificultam a troca de pessoas, bens

e idéias entre diferentes áreas européias. {...]. O sistema feudal

que se vai instaurar é essencialmente um sistema isolacionista,

que tenta resolver os problemas a partir da auto-subsistência

do próprio feudo. Assim, deixa de existir a mobilidade que se

verificava na Antigüidade e o desconhecimento de outras áreas,

que não o feudo, torna-se cada vez maior.

Este novo modo de produção que surge na Idade Média tinha,

por base, a economia agrária de escassa circulação monetária. A

propriedade feudal pertencia a u m a camada privilegiada, com­

posta por senhores feudais e representantes da Igreja (o clero).

A principal unidade econômica de produção era o feudo, di­

vidido em três partes distintas: a propriedade privada do senhor

feudal, chamada manso senhorial ou domínio, no interior da qual

se erguia um castelo fortificado; o manso servil, que correspondia

à porção de terras arrendadas (cedidas) aos camponeses, dividida

em lotes (parcelas); e ainda o manso comunal, constituído por terras

coletivas, como pastos e bosques, usadas tanto pelo senhor feudal

quanto pelos servos.

Foi no ambiente feudal, com forte poder da Igreja, que as res­

postas às questões colocadas passam a ser dadas a partir de inter­

pretações bíblicas: referências cosmológicas e geográficas.

Mas, segundo Ferreira e Simões (1986, p. 45) :

O fato de ser a Igreja a dar as respostas que antes eram encon­

tradas através da ciência deve-se não só ao poder que a religião

detinha, mas também ao fato de o imobilismo populacional

ter provocado o desaparecimento das viagens e, com isso, o

desconhecimento do mundo real.

As autoras esclarecem, ainda, que a utilização dos conheci­

mentos geográficos bíblicos se tornou explícito na cartografia. Fo­

ram elaborados mapas circulares romanos, nos quais se introdu­

ziram elementos teológicos e não geográficos. Ass im, Jerusa lém,

considerada Cidade Santa, ocupava o centro do mapa . Também

foi esquecido que a Terra era esférica e reapareceu o conceito de

Terra plana: um disco circundado de água (FERREIRA; S I M Õ E S ,

1986 , p . 4 5 - 4 6 ) .

Nesse sentido, "a idéia de que a Terra era um disco se generali­

zou e tornou-se, para a Igreja de então, uma verdade que não po­

dia ser contraditada, conforme os ensinamentos de sábios e santos"

( A N D R A D E , 1987, p . 34).

Enquanto há um declínio da ciência no mundo ocidental, "no

mundo árabe, com o estabelecimento do Império Muçulmano, de­

pois do ano 800 d . C , passou a se verificar um desenvolvimento

científico", decorrente de estudos e viagens que eram feitas pelos

árabes (FERREIRA; S IMÕES, 1986, p . 47) .

No caso da Geografia, ocorreu, também, um novo avanço. Entre

os árabes, destacam-se Al-Biruni (973-1048) , Al-Idrisi (1100-1166)

e Ibn Battuta (1304-1368) , que elaboraram estudos sobre os lugares

por onde viajaram.

Al-Biruni foi astrônomo, matemático, físico, médico, geógrafo,

geólogo e historiador. Suas grandes contribuições, nos mais varia­

dos campos, deram-lhe o título de "al-Ustadh": Mestre ou Professor

por excelência. N o s estudos, ele descobriu técnicas matemáticas

para determinar com exatidão o início das estações do ano. Escre­

veu sobre o Sol, seus movimentos e eclipses.

No campo da Geologia e da Geografia, Al-Biruni contribuiu

para o conhecimento das erupções geológicas e da metalurgia, para

a medição das longitudes e das latitudes. Explicou o funcionamen­

to das nascentes naturais e dos poços artesianos.

Já Al-Idrissi se ocupou de muitas ciências, entre as quais a B o ­

tânica e a Farmacologia; porém, seu reconhecimento se deve espe­

cialmente aos trabalhos de Geografia e de Cartografia. Al-Idrissi

escreveu a grande obra geográfica Nuzhat Al Muchtak Fi Ikhtirak

Al Afak ("passatempo de quem está possuído do desejo de abrir

horizontes"), a qual contém valiosas informações sobre os países

cristãos da época. Ele se tornou famoso na Europa, e vários de seus

livros foram traduzidos para o latim.

As viagens marítimas de Ibn Bat tu ta e suas referências à na­

vegação revelavam que os mulçumanos dominavam as atividades

marítimas no Mar Vermelho, no Mar Arábico, no Oceano Indico e

em águas chinesas. E grande a contribuição de Ibn Bat tuta para a

Geografia, apesar de seus relatos não serem muito acessíveis, exceto

para especialistas.

Os muçulmanos desenvolveram as ciências e as artes. Tradu­

ziram para o árabe a obra de Ptolomeu. Desenvolveram a Geo ­

grafia, a Geometr ia , a Astronomia, a Astrologia e a Matemát ica .

Mas , apesar disso, o conhecimento e as descrições geográficas

produzidas foram muito imprecisas e as localizações pouco ri­

gorosas . Os árabes não se serviam da lati tude e da longitude

para localizar os lugares na elaboração de mapas (FERREIRA;

S I M Õ E S , 1986 , p . 4 8 - 4 9 ) .

Os conhecimentos geográficos também se desenvolveram na

China, a partir da Cartografia. "Depois da invenção do papel (100

d . C ) , do processo de impressão e da bússola, fizeram-se numerosos

mapas locais por todo o Império Chinês" (FERREIRA; S IMÕES,

1986, p . 50-51) .

A partir do século X I , na Europa, há o renascimento do comércio

e das cidades e o aumento da circulação monetária. E, com as Cruza­

das realizadas pelo Ocidente, esboça-se uma abertura para o mundo,

quebrando-se o isolamento do feudo. Com o restabelecimento do co­

mércio com o Oriente, começam a ser minadas as bases da organiza­

ção feudal, à medida que aumentava a demanda de produtos agríco­

las para o abastecimento da população urbana. Ao mesmo tempo, a

expansão do comércio e da futura indústria cria novas oportunidades

de trabalho, atraindo os camponeses para as cidades.

Segundo Andrade (1987, p . 37):

Nos fins da Idade Média, século XIII e XIV' o comércio al­

cançaria maior desenvolvimento; os burgueses que viviam nas

cidades e faziam oposição à prepotência dos senhores feudais

passaram a ter influência política junto aos reis absolutos, que

enfrentavam estes senhores, e a receber cargos e títulos, for­

mando uma nobreza de funções, que se contrapunha e dispu­

tava influência e poder à nobreza de sangue. O aumento de

influência da burguesia permitiria o crescimento das cidades

com funções comerciais, daria maior importância ao dinhei­

ro, em relação à propriedade da terra, e desagregaria a vida

feudal, fazendo com que servos libertos passassem à condi­

ção de assalariados, na indústria manufatureira nascente. { . . .} .

A sede de riqueza e a intensificação do intercâmbio entre o

Ocidente e o Oriente provocaram o desenvolvimento cultural

e a difusão de instrumentos que teriam grande importância

nas transformações econômicas e sociais que seriam feitas nos

séculos XV, XVI e XVII, nos chamados Tempos Modernos,

e que abalariam as estruturas políticas e sociais nos séculos

XVIII e XIX.

No final da Idade Média, as Cruzadas, as peregrinações aos luga­

res santos, o renascimento do comércio entre a Europa e o Oriente,

o renascimento das cidades e a ascensão da burguesia iriam contri­

buir para uma nova etapa para a Geografia.

No fim da Idade Média, reapareceram os itinerários de viagens,

as obras que descreviam as terras visitadas. Também pode-se desta­

car o papel de Marco Pólo: vindo de uma família de comerciantes

venezianos, ele realizou uma longa viagem pelo interior da Ásia até

a China e escreveu 0 livro das maravilhas. Todavia, a obra não pode

ser considerada de caráter geográfico, pois o conjunto de informações

colhidas sobre as regiões visitadas abrange vários aspectos (lendas,

por exemplo). No entanto, no livro existem informações de interesse

geográfico (FERREIRA; SIMÕES, 1986, p. 51). .

Marco Pólo "viajou em companhia do pai até a China e aí se co­

locou a serviço do soberano, administrando províncias e executando

missões de alta confiança do mesmo, regressando à Itália após mais

de 20 anos. Sua viagem se realizou de 1271 a 1295" ( A N D R A D E ,

1987, p. 33).

E importante ressaltar que "os árabes trouxeram para o Ocidente

a bússola, que era utilizada pelos chineses na navegação. No século

XIV, a sua utilização veio revolucionar o processo de construção dos

mapas para a navegação" (FERREIRA; S IMÕES, 1986, p. 52).

A cartografia antiga foi reformulada e, com as grandes nave­

gações, passaram a ser produzidos os postulanos, ou mapas que

descreviam as rotas marí t imas, detalhando as saliências existen­

tes na costa. Os relatos de grandes viagens terrestres, que iam

desde o Mediterrâneo até o Extremo Oriente, traziam, também,

informações sobre montanhas, rios, lagos, planícies, desertos e a

descrição de como os povos viviam nessas regiões ( A N D R A D E ,

1987, p . 34) .

De acordo com Ferreira e Simões (1986 , p. 51-52) , "com o de­

senvolvimento da navegação houve necessidade de voltar a uma

cartografia realista, utilitária, útil: os postulanos, onde eram assina­

lados com notável exatidão os acidentes costeiros, e a cartografia

religiosa foi abandonada".

O século XV é o século das grandes viagens marítimas e da

descoberta de novos mundos. Ao mesmo tempo que se vão

trazendo as descrições das novas regiões descobertas, que ma­

ravilharam os europeus pelos seus climas, vegetação, animais,

gentes e hábitos, vão-se aperfeiçoando os mapas utilizados

nas grandes viagens, em que se navega em pleno alto mar,

através da construção de mapas cada vez mais exatos. A con­

cepção geográfica do mundo mudou mais rapidamente no

primeiro quartel do século XVI do que em qualquer outra

época (FERREIRA; SIMÕES, 1986, p. 53).

Pode-se dizer que o conhecimento geográfico na Idade Média

sofreu descontinuidade em relação à Idade Antiga devido ao perío­

do de guerras, invasões, à queda do Império Romano do Ocidente,

ao imobilismo da população, à desarticulação do comércio e das

viagens, ao surgimento do Modo de Produção Feudal e ao conhe­

cimento científico sob influência e domínio da Igreja. Mas, no final

da Idade Média, inicia-se uma nova fase para o conhecimento cien­

tífico, especificamente o conhecimento geográfico, com as mudan­

ças vindas dos Tempos Modernos.

Geografia Moderna

C A P Í T U L O q u a t r o

O conjunto de novos acontecimentos surgidos

entre os séculos XV e X V I I I irá contribuir para o

processo de sis tematização do conhecimento geo ­

gráfico, que somente tornar-se-á ciência no século

X I X .

Comumente , é aceito o início da Idade Moderna

com a tomada de Constantinopla pelos turcos oto-

manos em 1453 d.C. e o término com a Revolução

Francesa, em 1789 d .C.

Para Moraes ( 1 9 8 7 , p. 34) , a Geografia, como

conhecimento autônomo, particular, demandava

um conjunto de condições históricas. Tais condições,

ou melhor, pressupostos históricos da sistematização

geográfica, ocorreram no processo de avanço e do­

mínio das relações capitalistas de produção.

Nesse sentido, o autor apresenta quatro conjun­

tos importantes de pressupostos que contribuíram

para o processo de sistematização da Geografia:

1) o conhecimento efetivo da extensão real do planeta;

2) a existência de um repositório de informações;

3) o aprimoramento das técnicas cartográficas;

4) as mudanças filosóficas e científicas.

Era necessário o conhecimento efetivo da extensão real do planeta

para o processo de sistematização da Geografia. Com as "grandes

navegações" e as descobertas efetuadas pelos europeus, especial­

mente a América, foi possível pensar e estudar a Terra no conjun­

to, de forma unitária. Essa condição de formação de um espaço

mundial estará constituída em f ins do século X I X (MORAES,

1987 , p . 34 -35 ) .

N a s grandes navegações, o destaque foi a utilização da carave­

la, embarcação marítima desenvolvida pelos portugueses. Era um

navio de estrutura leve, movido pelo vento, com a vela em forma­

to triangular. Foram importantes as grandes navegações realizadas

por Pedro Alvares Cabral (descobriu o Brasil, em 1500); Cristóvão

Colombo-(descobriu a América, em 1492); Vasco da G a m a (des­

cobriu um novo caminho para o Oriente, atingindo a cidade de

Calicute, na índia, em 1498); Fernão de Magalhães (iniciou a pri­

meira viagem de circunavegação da Terra, em 1519); e J a m e s Cook

(descobriu a Austrália, em 1770) .

Outra condição que contribuiu para o processo de sistematiza­

ção da Geografia foi a existência de um repositório de informações, com

dados referentes aos diversos lugares da superfície, armazenados

em alguns grandes arquivos, possibilitando uma base empírica

para a comparação. Os Estados europeus vão incentivar o inventá­

rio dos recursos naturais presentes nas colônias, gerando informa­

ções mais sistemáticas e observações mais científicas. O interesse

dos Estados levou ainda à fundação das Sociedades Geográficas e

dos escritórios coloniais, que passaram a agrupar o material reco­

lhido (MORAES, 1987, p . 35-36) .

Pode-se destacar a fundação das seguintes escolas de navega­

ções: Escola de Sagres, em 1415 (Portugal), e a Escola de Sevilha,

em 1503 (Espanha). As escolas reuniam astrônomos, geógrafos,

cartógrafos, matemáticos, pilotos e construtores de instrumentos

de navegação. E importante ainda a fundação das Sociedades de

Geografia: Paris (1821) , Berlim (1828) e Londres (1830) , que de­

senvolveriam estudos geográficos.

O aprimoramento das técnicas cartográficas possibilitou a represen­

tação dos fenômenos observados, da localização dos lugares e a

delimitação dos territórios. A representação gráfica, padronizada e

precisa era necessária para os estudos geográficos. Era importante,

para a navegação, poder calcular as rotas, saber a orientação das

correntes e dos ventos e a localização correta dos portos. As técni­

cas de impressão difundiram as cartas e os atlas (MORAES, 1987,

p . 36 -37) .

Em 1450, o alemão Johann Gutenberg desenvolveu o processo

de impressão com tipos móveis de metal, barateando os custos das

edições e popularizando a leitura. Ocorreu a confecção e impressão

de cartas e mapas geográficos. O surgimento do cronômetro e do

relógio, e a utilização da bússola - inventada pelos chineses e intro­

duzida na Europa pelos árabes —, foram essenciais para a realização

das grandes navegações dos tempos modernos.

As mudanças filosóficas e científicas propuseram explicações

abrangentes do mundo. A finalidade geral de todas as esco­

las, nesse período, era a afirmação da possibil idade de a razão

humana explicar a realidade; a aceitação da existência de u m a

ordem na manifestação de todos os fenômenos, passível de ser

apreendida pelo conhecimento humano. Tal postura se insere no

movimento de refutação dos resquícios da ordem feudal, que se

apoiava numa explicação teológica do mundo . Propor a explica­

ção racional do mundo implicava romper com a visão religiosa

( M O R A E S , 1987 , p . 3 7 - 3 8 ) .

A partir do Renascimento, séculos XV e XVI, os pensadores

começaram a estudar o próprio homem como um ser racional e

superior às demais criaturas. A nova concepção do ser humano foi

chamada Humanismo. A crítica às rígidas concepções de mundo,

baseada na ordem religiosa e sobrenatural, foi responsável pela re­

novação científica do Renascimento.

A moderna ciência da natureza, fundamentada na experiên­

cia, revolucionou o conhecimento científico humano. Na física, os

maiores avanços deram-se no campo da Ótica, com o estudo das

lentes. Os primeiros óculos, telescópios e microscópios surgiram

durante o Renascimento. Nicolau Copérnico (1473-1543) formu­

lou a teoria sobre a esfericidade da Terra e várias leis sobre o sistema

solar. Galileu Galilei (1564-1642) definiu o cientista como o ho­

mem que devia sempre comprovar, na prática, as idéias, afirmando

que "o livro da Natureza é escrito em l inguagem matemática". Ele

formulou a teoria da rotatividade da Terra e de sua órbita em volta

do Sol. Com o uso do telescópio em observações astronômicas, deu

nova base para a comprovação das hipóteses de Copérnico. Nesse

período, era utilizado o Sistema Heliocêntrico de Nicolau Copérnico

(o Sol como centro do Universo), em oposição ao Sistema Geocêntrico

de Ptolomeu (a Terra como centro do Universo).

As mudanças científicas e filosóficas são explicitadas em Moreira

(2006, p. 55-56) :

A base da passagem da teoria geocêntrica para a teoria helio-

cêntrica, e da passagem desta para o âmbito do nascimento

da ciência moderna, é a criação do método experimental por

Francis Bacon (1561-1626), e Galileu Galilei (1564-1642).

Por meio do método experimental, os fenômenos se tornam

objeto do conhecimento mediante a investigação metódica,

ganhando o conhecimento dos fenômenos um extraordinário

poder de rigor e objetividade. {...}. Mas é com. Isaac Newton

(1642-1727), no século XVII, que o processo se completa,

uma vez que a unidade físico-matemática de mundo agora

se explicita, por intermédio do conteúdo de uma lei única re­

gendo todos os corpos em todo o universo: a lei da gravida­

de. [ . . . ] . A visão gravitacional significa a dessacralização da

natureza. [ . . . ] . A natureza deixa de ser a morada de Deus e

passa a ser concebida como tudo que se expresse por conteú­

do físico-matemático. {...]. Uma grande reviravolta então se

deu. O mundo-corpo-divino do espaço sagrado é substituído

pelo mundo-corpo-físico-matemático do espaço geométrico.

O mundo-dos-acidentes-naturais com os quais Deus interferia

no destino dos homens dá vez ao mundo-das-leis-físicas-regi-

das-pela-matemática.

Também ocorreram as mudanças filosóficas e científicas do sécu­

lo XVIII, com o surgimento do Iluminismo, conhecido ainda como

Esclarecimento, Ilustração ou Século das Luzes (da razão), movi­

mento intelectual em defesa das liberdades sociais, econômicas e

políticas, da ciência e da racionalidade, e crítica aos conhecimentos

aceitos pela fé e pelos dogmas da Igreja.

Nesse período, havia discussões filosóficas e científicas específi­

cas que tratavam de temas geográficos. E vários são os filósofos e

cientistas que contribuíram, direta ou indiretamente, para o pro­

cesso de sistematização da Geografia.

Immanuel Kant (1724-1804) nasceu na Prússia, foi professor

de Filosofia e ensinou, também, Geografia, na Universidade de

Kõnigsberg. É importante sua contribuição visando separar a Geo­

grafia da História, já que ambas, há vários séculos, andavam juntas.

Em seus estudos, Kant explica que a Geografia descreve a natureza

no espaço, já a História descreve a evolução do homem ao longo do

tempo. Enquanto a Geografia tem dimensão espacial, a História

tem dimensão temporal.

{...] para Kant, à Geografia cabe descrever e à História narrar

os fenômenos que formam o mundo: a Geografia, na ordem da

distribuição das coisas na extensão que nos cerca, e a História,

na ordem da sucessão em que se movem estas coisas no passa­

do, no presente e no futuro. {...] Kant relaciona a Geografia,

portanto, à percepção espacial dos fenômenos. E por isto a clas­

sifica como ciência da natureza. Entende-se por natureza, nos,

tempos de Kant, algo diferente do entendimento atual. Natu­

reza é todo o mundo da percepção sensível, o mundo objetivo

— diz-se, à época, físico — das coisas que nos rodeiam (distin-

guindo-se do mundo metafísico, o mundo que não alcançamos

por meio da ciência [ . . . ] . (MOREIRA, 2006, p. 19).

Segundo Moraes (1987, p. 14), Kant coloca a Geografia como

uma ciência sintética (que trabalha com dados de outras ciências),

descritiva (que enumera os fenômenos observados) cujo objetivo

é obter uma visão de conjunto do planeta. A Geografia tem uma

visão corológica (visão espacial, em oposição à cronológica).

Thomas Robert Malthus (1766-1834) tratou de assuntos econô­

micos e populacionais. Na obra Ensaio sobre o princípio da população,

conclui que a produção de alimentos cresce em progressão aritmé­

tica, enquanto a população aumenta em progressão geométrica, o

que acarretaria pobreza e fome generalizada. Afirmou, então, que

o crescimento da população é maior em proporção ao crescimento

da produção.

Para Malthus, quando a desproporção chega a extremos,

as pestes, epidemias e mesmo as guerras encarregam-se

de reequilibrar (temporariamente) a situação. A única

forma de evitar essas catástrofes seria negar toda e qual­

quer assistência às populações pobres e aconselhar-lhes a

abstinência sexual, com o fim de diminuir a natalidade.

Os assalariados deveriam ter consciência de que, "com o

número de trabalhadores crescendo acima da proporção

do aumento da oferta de trabalho no mercado, o preço do

trabalho tende a cair, ao mesmo tempo que o preço dos ali­

mentos tenderá a elevar-se" (SANDRONI, 1985, p. 253).

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) discutiu a relação entre

gestão do Estado, formas de representação e extensão do território

de uma sociedade. Já Charles-Louis de Secondat, Barão de Mon-

tesquieu (1689-1755) , na obra 0 espírito das leis, dedica um capí­

tulo à discussão sobre a influência do meio no caráter dos povos

(MORAES, 1987, p. 39) .

Charles Robert Darwin (1809-1882) , naturalista inglês, na obra

A origem das espécies - uma teoria da evolução dos seres vivos - , ex­

plica que as espécies evoluíram conforme a capacidade de adapta­

ção ao meio natural e de vencer na luta pela vida. As teorias evolu-

cionistas influenciaram no início da formação da ciência geográfica,

mas é importante esclarecer que:

' {...} Darwin demonstrou o que até então não tinha expli­

cação, ou seja, que a evolução das espécies é um fenômeno

natural. Isso trouxe um grande alento para o imaginário ra-

cionalista-iluminista do século XIX, que via, na natureza li­

vre das paixões, das subjetividades e ideologias, a fonte onde

devíamos buscar os fundamentos para uma ordem huma­

na evidentemente justa porque natural. [...} ao partir para

a sua viagem de pesquisa pela América no navio "Beagle",

Darwin leva consigo o livro Ensaio sobre os princípios da popu­

lação, do pastor Thomas R. Malthus. Como é amplamente

sabido, Malthus afirmou que havia uma tendência para o

crescimento da população maior que a do crescimento da

disponibilidade de alimentos. E concluía que a escassez de

alimentos, por sua vez, acabava por provocar epidemias que

dizimavam o excedente populacional, repondo o equilíbrio.

{...}. Esta idéia se constituirá num dos pilares da teoria dar-

winiana da seleção das espécies. Diga-se de passagem que,

quando Malthus formulou o seu princípio da população, ele

tinha em mente combater a "Lei dos Pobres" (Poor Law), que

destinava boa parte dos impostos ingleses ao atendimento

dos necessitados. Dizia Malthus que tais leis eram contrárias

à ordem natural (ou divina) das coisas; constituíam uma in­

terferência indevida do Estado e, assim, deviam ser abolidas

(GONÇALVES, 1996, p. 80).

Auguste Comte (1798-1857) nasceu em Montpelier, na França,

e foi o formulador do Positivismo — o termo refere-se aos fun­

damentos filosóficos e metodológicos, segundo os quais somente

o conhecimento científico é válido, opondo-se ao conhecimento

metafísico, mítico e teológico. O Positivismo não aceita outra rea­

lidade que não seja decorrente dos fatos (empirismo), e tem dois

pressupostos fundamentais:

1) a realidade existe;

2) por meio de um método adequado, será possível explicar a

realidade (APPOLINÁRIO, 2004, p. 158).

O ideal positivista não aceita a separação entre as ciências da na­

tureza e as ciências do homem, devendo-se, em ambas, utilizarem-

se os mesmos métodos, ou seja, o método das ciências naturais.

Com Comte, o conhecimento humano deve ser direcionado para as

leis físico-matemáticas.

Assim, pode-se afirmar que os pressupostos ou as condições esta­

belecidas entre os séculos XV-XVIII possibilitaram a sistematização

da Geografia. Mas só serão efetivadas no decorrer do surgimento e do

desenvolvimento do Modo de Produção Capitalista.

A expansão comercial do final da Idade Média exigia metais

preciosos, sobretudo ouro e prata. A descoberta de minas de ouro

c de prata, na Europa Central e na América, foi decisiva para o

desenvolvimento comercial. O capitalismo comercial aproveitou

i expansão ultramarina e trouxe para a Europa novos produtos e

icortunidades de investimento na produção de mercadorias.

A presença de mais moeda circulante e a acumulação dos lu­

cros do grande comércio geraram o capitalismo comercial. Surgi­

ram grandes bancos que financiavam, junto com os burgueses, as

7. irquias nacionalistas da Europa. Dá-se, assim, a formação dos

Estados Nacionais e seu fortalecimento, ainda mais com a formação

zt Impérios Coloniais Ultramarinos.

E o surgimento do modo de produção capitalista, com o pro­

cesso da passagem do artesanato para a manufatura e, desta últi­

ma, para a indústria. Assim, na metade do século XVIII, acontece

Í Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra e, no século XIX e

r rc io do século XX, ampliada para outros países: Bélgica, França,

Alemanha, Itália, Rússia, Estados Unidos e Japão.

No início do século XIX, o conjunto de pressupostos históricos

- ;istematização da Geografia já havia ocorrido: a Terra estava

: : c a conhecida; a Europa articulava um espaço de relações eco-

— ;:as mundial; havia informações dos lugares mais variados da

superfície terrestre, bem como representações do Globo, devido ao

-j : :ada vez maior de mapas; a fé na razão humana, colocada pela

Filosofia e pela Ciência, possibilitava a explicação racional para os

- • ' nenos da realidade; e as ciências naturais já tinham elaborado

:: njunto de conceitos e teorias, do qual a Geografia se utilizaria

para formular seu método (MORAES, 1987, p. 40-41) .

Esclarece Mendonça (2005, p. 22):

As descrições feitas {...} deste período pautaram-se pelo deta­

lhamento das características físicas dos lugares, mensurando e

catalogando-as, ao mesmo tempo em que procurando expli­

cações para suas dinâmicas e o estabelecimento de leis numa

tentativa de sistematização dos conhecimentos apreendidos.

O empirismo bastante forte, desenvolvido através dos traba­

lhos de campo, foi caracterizado, nos primórdios da Geogra­

fia, pelas expedições científicas de europeus na própria Europa

e em outros continentes.

Neste contexto, pode-se dizer que a Geografia surge, como

ciência, no século XIX na Alemanha. Os autores considerados os

"pais" da Geografia são os alemães Alexander von Humboldt e

Karl Ritter. E, também, nesse país que aparecem as primeiras cá­

tedras dedicadas à disciplina, as primeiras propostas metodológicas

e a formação das primeiras correntes de pensamento na Geografia

(MORAES, 1987, p. 42 ) .

4.1 A Sistematização da Geografia: Humboldt e Ritter

A Geografia, ao fim do século XVIII, já apresentava as condi­

ções necessárias para se emancipar, tornar-se ciência no sentido

moderno. Podia compor seus elementos, que estavam espalhados

nos mais diversos campos do conhecimento, e sistematizá-los. Os

conhecimentos, muitos deles pertencentes a outras ciências, se­

riam tratados pela Geografia de forma particular, depois de asso­

ciados de maneira diferente. Criaram-se, dessa forma, as condições

para uma descrição com base mais científica da superfície terrestre

(SODRÉ, 1989, p. 29) .

Segundo Ferreira e Simões (1986, p. 59), no século XIX, a Terra

já estava toda conhecida. A questão que começa a preocupar os

geógrafos a partir de então é: "O que existe em tal lugar?" Assim,

eles passaram a se dedicar a dois problemas: o estudo da diferenciação

de espaços e o estudo das relações homem-meio.

A Geografia do século XIX desenvolve-se, inicialmente, como

já citado, com as grandes contribuições de dois cientistas alemães:

Alexander von Humboldt (1769-1859) e Karl Ritter (1779-1859) .

Ambos serão considerando os fundadoresda Geografia, devido ao

caráter sistemático e metodológico que lhe dão, permitindo que

seja considerada uma ciência moderna.

Alexander von Humholdt nasceu em 14 de setembro de 1769,

na cidade de Berlim, na Prúcia e morreu em 1859. Foi um gran­

de estudioso das ciências naturais. Estudou Botânica, Engenha­

ria de Minas, Geologia, Meteorologia, Física e Filosofia. Realizou

inúmeras viagens: percorreu a Europa. Equador, Peru, Venezue­

la, Colômbia, América Central, México, Estados Unidos e Rússia,

observando e estudando os grandes fenômenos físicos e biológicos.

Descreveu as características naturais da fauna, flora, atmosfera,

formações aquáticas e terrestres e. também, as populações que

habitavam esses lugares. Nas viagens, acumulou grande quan­

tidade de conhecimento que lhe possibilitou elaborar e publicar

diversos trabalhos, mas suas duas grandes obras são: Quadros da

natureza (1808) e Cosmos (1845-1859) . Após percorrer o mundo,

ele voltou à Europa e estimulou a organização de sociedades e de

reuniões científica. Na velhice, retornou a Berlim, dedicou-se ao

magistério e se tornou conselheiro do rei da Prússia. Os trabalhos

desenvolvidos e publicados por Humboldt são todos de natureza

científica. Elerealizava seus estudos considerando a unidade da

natureza, e as pesquisas eram soltadas à descoberta da conexão

causai dos fenômenos

Humboldt, tanto em cosmos c o m o em Quadros da natureza, fez a

descrição dos fenômenos naturais e humanos, ou melhor, do con­

junto dos fenômenos do universo, desde as nebulosas planetárias, a

Geografia Físicaf estados dr Geologia. Geomorfologia, Mineralogia

etc.) até a Geografia das Plantas e dos Animais (sua distribuição,

fisionomia e t c ) , terminados pelas etnias dos homens. Analisou os

fenômenos geológicas, climáticos e botânicos na distribuição e in-

ter-relação na superfície terrestre.

Seu principal objetivo era a busca de uma ciência integradora,

por meio da qual se pudesse demonstrar a harmonia e a inter-re-

lação dos diversos fenômenos da natureza. A paisagem, para ele,

era resultado da interação de vários fenômenos. Das investigações

dos fenômenos feitas em escala regional, continental ou mundial,

resultou uma sistematização de conhecimentos geográficos, consi­

derando que o mesmo fenômeno pode ser analisado tanto no âm­

bito regional como mundial. Assim, ele estudava diversos assuntos;

por exemplo, o clima, o relevo, a vegetação, levando em conta as

várias escalas, região, continente e o mundo. Com Humboldt, a

Geografia passou a ser considerada uma ciência sistemática. Ou

seja, Humboldt comparava sistematicamente as paisagens (os fenô­

menos) da área que estudava com outras áreas da superfície terres­

tre. Utilizava, para o estudo dos fenômenos, o método empírico e

indutivo, partindo de casos particulares para os gerais, objetivando

obter uma lei geral, válida também para os casos não-observados

(FERREIRA; SIMÕES, 1986, p. 61-64) .

Com Humboldt, a Geografia seria uma disciplina sintética,

preocupada com a conexão entre os elementos e buscando, atra­

vés destas conexões, a relação de causalidade existente na natureza.

Humboldt concebia a Geografia como o estudo da parte terrestre

da ciência do cosmos, uma espécie de síntese de todos os conheci­

mentos relativos à Terra (MORAES, 1987, p. 47-48) .

Humboldt não analisava apenas um fato isolado, e sim procura­

va estabelecer relações de causa e efeito entre eles, surgindo daí o

Princípio de Causalidade.

Além desse, ele também buscou aplicar o chamado Princí­

pio de Geografia Geral, ou seja, nenhum lugar da Terra pode ser

estudado sem o conhecimento do conjunto; sendo que um fe­

nômeno, verificado em determinada região, pode ser genera­

lizado para todas as outras áreas do globo com características

semelhantes, isto é, busca-se, a part ir da comparação, verificar

semelhanças e diferenças entre os fenômenos e os lugares na

superfície terrestre. Segundo Humboldt :

{...] quando fixa sua atenção num problema geológico, bio­

lógico ou humano, esse grande espírito não se absorve na

contemplação do fato local: volta o seu olhar para as outras

regiões onde se absorvam fatos análogos {...}. Nenhum pon­

to lhe parece independente do conhecimento do conjunto do

globo (apud MARTONE, 1953, p. 13).

Já Karl Ritter nasceu a 7 de agosto de 1779, na Saxônia, e mor­

reu em 1859- Foi amigo pessoal de Humboldt, estudou Filosofia,

História, Matemática e Ciências Naturais. Foi professor de uma

família de banqueiros e professores de História e Geografia no Gi­

násio de Frankfurt. Em 1820, tornou-se o primeiro docente da re-

cém-criada cátedra de Geografia da Universidade de Berlim, na

qual passou grande parte da vida. É importante destacar que, se

Immanuel Kant foi o primeiro a ensinar a disciplina de Geografia

sob a forma de curso mão regalar, na universidade de Kõnigsberg,

Ritter foi o primeiro a lecionar Geografia num curso regular uni­

versitário, em Berlim. É bom esclarecer que:

Por mais amadurecida ciência geográfica estivesse, ape­

nas começou a dar fracos no momento em que lançou raízes

no solo universitários em íntimo contato com aquelas ciências

a cujo desenvolvimento deve andar associada. E tal é demons­

trado à sociedade pelo avanço considerável da Alemanha, onde

o ensino geográfico universitário foi organizado mais cedo do

que em qualquer outro país (MARTONNE, 1953, p. 17).

Ao contrário de Humboldt, Karl Ritter foi considerado um

"geógrafo de gab ine te ' , pois não foi um grande viajante; baseava

grande parte dos estilos em leituras de trabalhos já existentes.

Suas publicações apresentam metodológico e normativo.

Concentrou as pesquisas nos vários sistemas de organização espa­

cial, comparando povos, culturas, instituições e os fenômenos natu­

rais. Foi o precursor do método comparativo em Geografia.

Ritter reitera o princípio corológico e aperfeiçoa o método

comparativo, estabelecendo o perfil e o rigor científico que

ainda faltavam à Geografia. O método comparativo consiste,

segundo Ritter, em "ir da observação à observação" {...}. O

objetivo da Geografia comparativa é a constituição da "indivi­

dualidade regional" (MOREIRA, 2006, p. 21).

Moraes (1987, p. 48-49) esclarece que, na principal obra de Ritter,

Geografia comparada, há o objetivo de propor a constituição de uma

ciência geográfica, sendo um livro normativo. Ritter propõe o con­

ceito de "sistema natural" à Geografia, ou seja, uma área delimitada

que apresenta uma individualidade própria. A Geografia deveria se

preocupar em estudar esses arranjos individuais e compará-los. Cada

arranjo era composto de um conjunto de elementos inter-relaciona-

dos, representando uma totalidade em que o homem seria o principal

elemento. Assim, a Geografia de Ritter é direcionada, principalmen­

te, para o estudo dos lugares. A proposta é considerada antropocên-

trica (o homem é o sujeito da natureza) e regional (direcionada para

o estudo de individualidade), valorizando a relação homem-natureza.

Em termos de método, ele considera a análise empírica, da observa­

ção à observação, para a explicação dos fenômenos.

Na obra, Ritter descreve diversas áreas do mundo, buscando as­

sociar os fenômenos naturais com os humanos. As descrições são de

áreas individualizadas a partir da inter-relação dos fenômenos nela

existentes, considerando a Geografia como uma ciência de síntese

e empírica. A metodologia deve basear-se na observação direta dos

fenômenos, em vez de partir de hipóteses teóricas.

Ritter procurou aplicar o princípio da Geografia Geral ou Analo­

gia, em que, delimitada uma área em estudo, ela deveria ser com-

parada com o que se observa em outras áreas, encontrando, assim,

diferenças e semelhanças entre elas. Também era possível, a partir

de estudos particulares, estabelecer-se a formulação de leis, utili­

zando-se do método indutivo.

Todavia, ao tentar propor leis gerais que pudessem explicar

os fatos humanos, ele percebeu uma grande dificuldade, uma

vez que os fatos humanos não são uniformes como as leis físico-

naturais (ANDRADE, 1987, p. 53) . Desenvolveu seus trabalhos

sobre estudos regionais.

A partir de Humboldt e Ritter, ficou estabelecida a Geografia

como ciência descritiva, empírica, indutiva e de síntese, pautada na

observação. As contribuições de ambos foram de grande relevância

para conferir caráter científico à Geografia e a inserção acadêmica.

Nos trabalhos, eles utilizaram a observação da paisagem com o

objetivo de fazer um estudo de síntese a partir da inter-relação dos

elementos observados.

As obras dos autores são de grande importância e compõem a

base da Geografia Moderna Tradicional. Todos os trabalhos pos­

teriores vão se reportar às formulações de Humboldt e Ritter, seja

para aceitá-las, seja para contestá-las. A Geografia de Ritter pode

ser considerada regional e antropocêntrica; já a de Humboldt visa

abarcar todo o Globo, toda a superfície terrestre, sem privilegiar o

homem (MORAES, 1987, p. 48-49) .

Esclarece Moreira (2006, p. 22) :

Tanto Ritter quanto Humboldt são holistas em suas con­

cepções de Geografia. Enquanto Ritter vai do todo — a superfí­

cie terrestre — à parte - o recorte da individualidade regional

-, de modo a daí voltar ao todo para vê-lo como um todo

diferenciado em áreas, Humboldt vai do recorte — a formação

vegetal — ao todo — o planeta Terra {...} ambos se valendo do

método comparativo {...}.

Estes autores criaram uma linha de continuidade no pensamento

geográfico que não existia. Entretanto, apesar da relevância de ambos

para a Geografia, eles não deixaram discípulos diretos. Isto é, não

chegaram a formar uma "escola geográfica". Proporcionaram um

conjunto de estudos de grande influência para todas as "escolas" da

Geografia Tradicional (MORAES, 1987, p. 50).

Karl Ritter {...]. Dedicou-se por muitos anos ao ensino na Uni­

versidade de Berlim, tendo sido um grande professor. Apesar

de ter ensinado aos maiores geógrafos dos fins do século XIX,

como Friedrich Ratzel, Élisée Reclus e Vidal de la Brache, não

fez escola. Estes, porém, tinham grande entusiasmo por ele

{...]. (ANDRADE, 1987, p. 52).

E importante ressaltar que Humboldt foi um grande incentivador

das chamadas Sociedades de Geografia, que organizavam expedições

e pesquisas científicas em diversas partes do mundo; e esses estudos

foram de muito interesse para o domínio dos grandes impérios co­

loniais europeus. Outro fato é que não há, da parte de Humboldt,

um estudo específico voltado somente à Geografia. Mas também de

Botânica, Geologia, Hidrologia, Astronomia, Física, Mineralogia,

Meteorologia, entre outras.

Humboldt, inicialmente, não obteve prestígio entre os geógra­

fos. Sua obra foi muito mais difundida entre os estudiosos das ciên­

cias naturais. Ritter, por sua vez, exerceu influência nos geógrafos

da Alemanha e também nos da França. Há, da parte de Ritter, um

desejo em fazer da Geografia uma disciplina do currículo universi­

tário, uma ciência acadêmica. Na obra, existe grande preocupação

pedagógica e normativa.

Os estudos de Humboldt e Ritter foram decisivos para conferir à

Geografia o verdadeiro caráter científico. Com a institucionalização

da Geografia, surgem as escolas nacionais, ou seja, as "escolas geo­

gráficas", que serão descritas nos próximos capítulos.

4.2 O Determinismo na Geografia: Friedrich Ratzel

Podem-se destacar três condições vivenciadas pela Alemanha no

início do século XIX: primeira, um território fragmentado em de­

zenas de pequenos feudos (reinos, principados, ducados e cidades

livres); segunda, o desejo de unificação; terceira, os ideais expansio-

nistas imperialistas, articulados ao capitalismo industrial.

A Alemanha vivia então uma situação singular:

a) inexistência de um Estado Nacional;

b) inexistência de uma monarquia absoluta, forma de governo

própria do período de transição na Europa;

c) poder nas mãos dos proprietários de terras (os junkers), numa

estrutura feudal;

d) falta de um centro econômico forte e organizador do território;

e) disputas de fronteiras, entre os feudos e com países vizinhos

não-germânicos;

f) atraso econômico de inúmeros "Estados" alemães.

Tais condições dificultavam a organização e a integração territo­

rial e, conseqüentemente, um fortalecimento da nação alemã. Para

resolver a situação, surge, nas classes dominantes, a idéia de unifi­

cação nacional.

A unificação da Alemanha foi liderada pela Prússia, incentivada,

sobretudo, pela necessidade de construir um Estado alemão rico e

desenvolvido, para poder competir com as grandes nações euro­

péias, especialmente França e Inglaterra. Nesse contexto, a Geo­

grafia irá contribuir para o processo de unificação e atender aos in­

teresses políticos e econômicos da aristocracia prussiana (os grandes

proprietários de terra).

A formação do Estado nacional alemão precisou de estímulos,

o que fez com que o discurso geográfico assumisse um sentimento

de pátria, por meio da identidade territorial. O desejo alemão de

nacionalismo apresentou-se como decisivo para a consolidação da

ciência geográfica e para transformá-la num instrumento de difu­

são dos ideais de nacionalismo e integração territorial.

É mister saber que, na partilha do mundo, a Alemanha che­

gou "atrasada", pois as grandes potências da época, principalmente

França e Inglaterra, dividiram, entre si, boa parte dos países da

África e da Asia.

Até a primeira metade do século XIX, a Alemanha não existia

como país. O que havia era um conjunto de "Estados" independen­

tes. Em 1815, com o fim das guerras napoleônicas e pelas deter­

minações do Congresso de Viena, os "Estados" foram reunidos na

condição de Confederação Germânica, sob a hegemonia da Áustria

e da Prússia. A partir de 1834, por influência da Prússia, foi estabe­

lecida uma união aduaneira na Confederação. As revoluções popu­

lares de 1848, marcadas pelo nacionalismo e por aspirações liberais

que se propagavam na Europa, levaram à formação, na Confedera­

ção, do primeiro Parlamento Germânico.

Em 1862, o rei prussiano Guilherme I nomeou como primeiro-mi­

nistro Otto von Bismarck, chanceler da Prússia. Bismarck introduziu

um programa de desenvolvimento industrial e modernização do Exér­

cito prussiano e, pela força ou por acordos diplomáticos, coordenou

o processo de unificação da Alemanha, que envolveu, ainda, guerras

contra a Dinamarca (1864), Áustria (1866) e França (1870). No caso

da França, ocorre a tomada, pela Prússia, dos territórios franceses da

Alsácia e da Lorena, ricas em minério de ferro e carvão.

É o reino da Prússia que inicia o processo de unificação alemã. Para

Bismarck, "a unificação será feita a ferro e sangue". No seu entender,

a unificação só poderia ser feita pela eliminação da influência política

da Áustria e de países que viessem a interferir no processo.

Em 1871, finalmente se legitima a unificação, e Guilherme I foi

proclamado imperador da Alemanha. Porém, os problemas relativos

ao espaço ainda não haviam sido solucionados. Havia a necessidade de

manter a unidade da nação por meio de uma ideologia que conferisse

identidade germânica, e o crescimento da produção industrial exigia

a ampliação de mercados consumidores. Isso levou a Alemanha a dis­

putar regiões dominadas por Inglaterra e França.

Para justificar a unificação, o nacionalismo e o expansionismo,

foram as idéias de Ratzel um instrumento poderoso de legitima­

ção e expansionismo do Estado alemão recém-constituído, como

afirma Andrade (1987, p. 54): "Friedrich Ratzel [ . . . ] . Vivendo na

Alemanha e tendo assistido a sua unificação sob a égide da Prússia,

formulou uma concepção geográfica que correspondia aos anseios

expansionistas do novo Império".

Friedrich Ratzel (1844-1904) foi professor de Geografia na Uni­

versidade de Leipzig, na Saxônia (Alemanha). Seu principal livro,

publicado em 1882, denomina-se Antropogeografia: fundamentos da

aplicação da Geografia à História. Em decorrência da obra, é consi­

derado o fundador da Geografia Humana, tendo em vista o grande

enfoque que dá ao homem. Mas é mister saber que esse enfoque

está relacionado à influência que o homem sofre em conseqüência

do meio em que vive. Ratzel estuda o desenvolvimento dos povos

sob a influência do meio natural.

Ratzel realizou viagens pela Europa e América, observando a

migração dos animais e dos seres humanos, a concentração das

populações em determinadas áreas da Terra, o que lhe possibilitou

concluir sobre a influência do meio natural no homem. A influên­

cia pode, por exemplo, direcionar, impedir, favorecer, acelerar,

desordenar as ações dos homens sobre o meio natural. Tal fato de­

corre das condições naturais diferenciadas da superfície terrestre.

E importante ressaltar que as concepções geográficas de Ratzel

foram influenciadas pelo Positivismo, seguindo um procedimento

que buscava as "leis" que explicariam o comportamento dos ho­

mens na Terra; e pelas idéias evolucionistas de Charles Darwin,

com A evolução das espécies; e de Ernst Haeckel, aceitando que, na

luta pela vida, venceriam sempre os mais fortes, e que a vitória dos

mais fortes, dos mais aptos sobre os mais fracos, era o resultado

lógico da luta pela vida.

Assim, são selecionados para a sobrevivência os povos mais ca­

pazes a se adaptar ao meio natural. Daí a idéia da superioridade dos

europeus, como uma civilização mais dinâmica em relação aos po­

vos colonizados, considerados, portanto, selvagens e pertencentes a

civilizações estagnadas (ANDRADE, 1987, p. 54).

Ratzel definiu o objeto geográfico como o estudo da influência das

condições naturais sobre a humanidade. Compara a sociedade a um

organismo que mantém fortes relações com o solo, para atender a sua

necessidade de sobrevivência. Quando a sociedade se organiza para a

defesa do solo, ou melhor, de seu território, ela transforma-se em Es­

tado. O território é condição de trabalho e existência de uma sociedade.

Sua perda conduz à decadência de uma sociedade. Já o progresso im­

plicaria o aumento de território, a conquista de novas áreas. A partir

dessas idéias, Ratzel elabora o conceito de "espaço vital", que consiste

no equilíbrio entre a população e os recursos disponíveis para a sobre­

vivência. Há, assim, uma vinculação entre as formulações das idéias

de Ratzel e o projeto imperial alemão, que se expressa na justificativa

do expansionismo como fator natural (MORAES, 1987, p. 56).

O homem está sempre relacionado ao meio natural. A histó­

ria humana seria a história natural da luta dos povos pelo "espaço

vital", uma luta pela adaptação, pela sobrevivência e pela defesa

ou conquista de territórios. O conceito de Estado passou a estar

relacionado a uma sociedade organizada sobre as bases de um ter­

ritório. O território pode expandir-se ou retrair-se, conforme a luta

pela sobrevivência de uma determinada sociedade. Assim, justifi­

cam-se as guerras entre os povos. A concepção de defesa, expansão

e domínio de território fora incorporada pelos militares e dirigentes

do Estado alemão, de forma preponderante, desde as formulações

de Ratzel: "Exatamente porque não é possível conceber um Estado

sem território e sem fronteiras é que vem se desenvolvendo rapi­

damente a Geografia Política [ . . .] uma teoria do Estado que fizesse

abstração do território não poderia, jamais, contudo, ter qualquer

fundamento seguro" (RATZEL, 1990, p. 73) .

[...} os homens agrupam-se em Sociedade, a Sociedade é o

Estado, o Estado é um organismo. A Sociedade e o Estado são

o fruto orgânico do determinismo do meio. O Estado é um

organismo em parte humano e em parte terrestre. É a íorma

concreta que adquire em cada canto a relação homem-meio,

poder-se-ia dizer. A própria síntese. O Estado é assim porque

possui uma relação necessária com a natureza: do espaço é

que retira sua existência e desenvolvimento. Os Estados ne­

cessitam de espaço, como as espécies. A subsistência, energia,

vitalidade e o crescimento dos Estados têm por motor a busca

e conquista de novos espaços. Troquemos "Estado" por "impe­

rialismo" e entenderemos Ratzel (MOREIRA, 1992, p. 33).

Em Ratzel, a Geografia é uma ciência de síntese, descritiva,

empírica e que trabalha com a observação e a coleta de informa­

ções em campo, buscando a relação entre os fenômenos, relações

de causalidade numa perspectiva indutiva, aceitando a concepção

positivista. Isto é, a utilização na Geografia dos mesmos métodos

aplicados pelas ciências naturais.

Ratzel deixa discípulos que seguem suas propostas. Todavia, es­

tes vão buscar evidências empíricas para comprovar a influência do

meio natural sobre a humanidade. Dessa forma, Ratzel e seus discí­

pulos foram rotulados de deterministas, ou melhor, formadores de

uma "Escola Determinista na Geografia", considerando "o homem

como produto do meio natural".

A concepção determinista vai ser desenvolvida principalmente pe­

los discípulos Ellem Semple, uma geógrafa americana que estudou na

Alemanha com Ratzel, e pelo geógrafo inglês Elsworth Huntington.

Ellen Semple (1863-1932) , no livro As influências do meio geográfico,

apresenta um estudo mostrando a dependência dos povos em rela­

ção ao meio natural. Por exemplo: regiões planas, predomínio de

religiões monoteístas; regiões acidentadas, predomínio de religiões

politeístas. Os Estados com territórios pequenos apresentam socie­

dades mais conflituosas e com tendências expansionistas. Semple

foi aluna de Ratzel e uma grande divulgadora das teses do mestre

nos Estados Unidos.

Já o inglês Ellsworth Huntington (1889-1975) , na obra Clima

e sociedade, utiliza-se de um determinismo invertido, isto é, as con­

dições naturais mais hostis seriam as que possibilitariam o maior

desenvolvimento das sociedades. Assim, por exemplo, os rigores do

inverno explicariam, pelas necessidades impostas (abrigo, estoca-

gem de comida), o que provocou o desenvolvimento das sociedades

européias (MORAES, 1987, p. 58).

Pode-se, ainda, destacar Wil l iam Morris Davis (1850-1934) ,

com estudos voltados para a Geografia Física. Sua contribuição re­

levante se encontra na Geomorfologia: a teoria do "ciclo de erosão",

em que as formas do relevo evoluem e passam, sucessivamente,

pelo estado de juventude, maturidade e velhice. Em Davis, a Geo­

grafia deve estudar as características naturais da superfície da Terra

e o efeito sobre os povos (FERREIRA; SIMÕES, 1986, p. 71) .

Além da corrente determinista, as propostas de Ratzel permi­

tiram mais dois desdobramentos, destacados por Moraes (1987 ,

p . 59-60) :

1) a geopolítica - corrente dedicada ao estudo da dominação de

territórios, levando-se em consideração as colocações rat-

zelianas referentes à ação do Estado sobre o espaço. Seus

estudiosos e defensores desenvolveram teorias e técnicas

que possibilitavam legitimar o imperialismo (defesa, ma­

nutenção e conquistas de territórios). São considerados os

principais representantes dessa corrente: Rudolf Kjéllen

(1864-1922), Halford J. Mackinder (1861-1947) e Karl

Haushofer (1869-1946);

2) o ambientalismo - foi chamada de escola ambientalista, ape­

sar de não ser considerada uma filiação direta da Antropogeo-

grafia. Todavia, foi Ratzel o formulador de suas bases. Esta

corrente propõe o estudo do homem em relação ao seu meio

natural. O ambientalismo propõe um determinismo atenua­

do, sem uma visão fatalista. A natureza é colocada como su­

porte da vida humana.

A obra de Ratzel, apresentada nos seus dois livros mais famo­

sos, Antropogeografia e Geografia Política, teve grande influência no

desenvolvimento da ciência geográfica, destacando o estudo do ho­

mem sob a influência do meio natural, a importância do território e

a sua relação com a sociedade, o Estado e o poder. Fica, portanto,

clara a importância da Geografia como ciência e como instrumental

estratégico, político e de dominação dos povos pelos Estados impe-

rialistas e pelo capitalismo.

4.3 O Possibilismo na Geografia: Vidal de La Blache

Antes de apresentar as propostas de Vidal de La Blache, e para

melhor compreensão do pensamento geográfico na França, é neces­

sário esboçar alguns traços gerais deste país no século XIX.

Em 1804, Napoleão Bonaparte é coroado imperador da Fran­

ça, sob o nome de Napoleão I. O Império Napoleônico promove

uma política expansionista: domina a Itália, a Holanda e parte da

Alemanha; estabelece aliança com a Rússia e declara bloqueio con­

tinental à Inglaterra, em 1806. Em 1814, um poderoso exército,

formado por ingleses, austríacos, russos e prussianos, invade Paris

e destitui Napoleão do poder. Ele é exilado na Ilha de Elba e, em

menos de um ano, consegue fugir e retornar à França, reconquis­

tando o poder. Inicia-se o Governo dos Cem Dias. Mas a coligação

militar internacional rapidamente se reorganiza e marcha contra a

França. Napoleão e suas tropas foram definitivamente derrotados

na Batalha de Waterloo, em 18 de junho de 1815.

Com a derrota, em 1815, os representantes das potências eu­

ropéias se reuniram no Congresso de Viena para redefinir o mapa

político da Europa e do mundo. Sob a liderança da Inglaterra,

Áustria, Prússia e Rússia, os territórios do Império Napoleônico

são redistribuídos entre os países vencedores, restaurando as dinas­

tias e as fronteiras alteradas pelas guerras napoleônicas.

Entre 1830 e 1832, ocorreram movimentos de caráter liberal e

burguês, que se iniciaram na França e se espalharam pela Europa,

ficando conhecidos como Revoluções Liberais. Na França, surgiram

revoltas populares depois que o rei Carlos X (dinastia dos Bourbon)

suspendeu a liberdade de imprensa e dissolveu a Câmara. Mas as

forças liberais burguesas deflagraram uma revolução e depuseram

Carlos X, levando ao trono da França o rei Luís Felipe I. A derrubada

dos Bourbon estimulou o surgimento de várias outras insurreições na

Europa. Entre 1830 e 1831, manifestações nacionalistas eclodiram

na Polônia, porém foram abafadas pelos russos. Em 1832, começa­

ram as agitações em várias partes da Alemanha e da Itália.

Em 1848, as crises econômicas e a falta de liberdade civil acen­

tuaram a oposição à monarquia na França, iniciando a onda revo­

lucionária de 1848. Os revoltosos proclamaram a II República e

instalaram um governo provisório de maioria burguesa. Apesar da

conquista da liberdade democrática, as condições de vida dos traba­

lhadores pouco mudaram. A onda revolucionária atingiu também

outras nações européias.

Em 1870, aconteceu a Guerra Franco-Prussiana, que marcou

o fim da hegemonia francesa na Europa. Reagindo à ambição de

Napoleão III de conquistar a Prússia, o chanceler prussiano Otto

von Bismarck derrotou o exército francês, em 1870, e anexou

à Alemanha os territórios da Alsácia e de Lorena, pertencentes

à França. Em 1871 , Bismarck efetivou a unificação alemã, in­

tegrando os Estados germânicos, e Guilherme I foi proclamado

imperador da Alemanha.

Em 1871, os termos de paz impostos à França, derrotada na

Guerra Franco-Prussiana, e as diversas crises internas (econômicas,

políticas e sociais) provocaram uma revolta popular liderada pelo

socialista Louis Blanc e pelo anarquista Joseph Proudhon. E im­

plantado, então, um governo revolucionário - a Comuna de Paris

— que instituiu o fim dos privilégios e distinções de classe, o ensino

gratuito e obrigatório, o controle de preço dos alimentos e a distri­

buição da renda em sistema cooperativo. Após 72 dias de poder, em

Paris, a Comuna é derrotada por tropas conservadoras francesas e

estrangeiras. Mais de 20.000 revolucionários são executados.

Segundo Andrade (1987, p. 69), a derrota da França para a Ale­

manha, em 1870, foi considerada, por muitos como devida ao ensi­

no ministrado no país, que era considerado de qualidade inferior ao

que era ministrado na Alemanha. Diziam que a guerra havia sido

ganha pelo mestre-escola alemão. E fundamental ressaltar que a

França foi derrotada, humilhada, ficou com uma grande dívida de

guerra e teve, ainda, os territórios da Alsácia e de Lorena perdidos

para a Alemanha. Assim, o governo republicano procurou recupe­

rar-se, e um dos setores que muito o preocupou foi a educação. Daí

a necessidade de reorganização do ensino, dando maior ênfase às

disciplinas de Geografia e História no nível secundário.

As rivalidades existentes há muito tempo entre França e Ale­

manha aumentaram com a perda da Alsácia e de Lorena durante

a guerra franco-prussiana. Esse fato impulsionou o desenvolvi­

mento da Geografia na França, já que a perda da guerra pela

França foi atribuída não ao exército alemão, e sim à Geografia,

como ela era ensinada e aplicada.

Vidal de La Blache (1845-1918) é considerado o fundador da escola

regional francesa. Sua formação era de historiador, mas se interessava

por assuntos de Geografia. Assim, fez um doutoramento em Geogra­

fia e conseguiu, para ela, a independência acadêmica (universitária)

em relação a História (FERREIRA; SIMÕES, 1986, p. 73).

Quando criada a cadeira de Geografia na Universidade de Nancy,

ela foi confiada a Vidal de La Blache. Posteriormente, de Nancy, Vi­

dal foi transferido para a Universidade de Sorbonne.

Entre as principais obras, destaca-se Tableau de la géographie de la

France. Foi o fundador da revista Annales de Géographie e também

fundou a Escola Francesa de Geografia, denominada "Escola Possi-

bilista", termo utilizado e divulgado por Lucien Febvre. Formou dis­

cípulos que passaram a ocupar as cátedras dessa disciplina nas várias

universidades francesas e a atuar em diversos países do mundo.

Com Vidal de La Blache, o centro das principais discussões so­

bre a ciência geográfica foi transferido para a França. Ele criticou

o discurso político, dentro da ciência geográfica, ressaltando a ne­

cessidade da neutralidade científica. Mas suas teorias não deixaram

de ser politizadas e respondiam aos interesses da elite dominante

francesa da época; o discurso político e ideológico era disfarçado.

Vidal criticou a Geografia alemã nas formulações naturalistas

de Ratzel (submissão do homem ao meio natural, ou um homem,

"produto do meio") e defendeu a variabilidade de decisões humanas

diante das possibilidades oferecidas pela natureza.

Nesse sentido, defendeu a capacidade criativa contida na ação

humana em sua história. No entanto, apesar de destacar a im­

portância do estudo do elemento humano na Geografia, Vidal

não rompeu totalmente com a visão naturalista, já que afirmava

explicitamente: "a Geografia é uma ciência dos lugares, não dos

homens". Assim, o importante na análise seria o resultado da

ação humana na paisagem, e não esta em si mesma (MORAES,

1987, p . 6 6 - 6 7 ) .

Segundo Moraes (1987, p. 68) , em seus estudos, La Blache vai

conceber o objeto da Geografia como a relação homem-natureza na

perspectiva da paisagem; sendo o homem um ser ativo, ele sofre a

influência do meio natural, mas, também, atua sobre este, trans­

formando-o. No processo, o homem cria formas sobre a superfície

terrestre. Assim, com Vidal, a natureza passou a ser vista como

possibilidade para a ação humana.

Assim sendo, o homem, agora, é um agente geográfico que

atua sobre o meio natural conforme a necessidade. O meio na­

tural passou a ser um elemento relativo sobre o homem. Mas é

importante ressaltar que, com Vidal, não se descartou a influência

do meio natural sobre o homem, só que agora o homem pode

criar possibilidades para sobreviver, agir sobre este meio natural,

transformando-o conforme a necessidade. O homem, pelo enfo­

que histórico, passa a ser um agente com liberdade de escolha e

que acumulou um conjunto de hábitos, costumes e técnicas na

relação com o meio natural.

Vidal considerou o homem como hóspede antigo das várias partes

da superfície terrestre. No relacionamento histórico com o meio na­

tural, o homem criou um acervo de técnicas, hábitos e costumes. A

esse conjunto, construído e transmitido socialmente, Vidal denomi­

nou "gênero de vida", o qual corresponde a uma relação de equilíbrio

entre a população e os recursos (MORAES, 1987, p. 68-69).

Assim, pode-se perceber em suas palavras em Tableau de la g é o ­

graphie de la France:

As relações entre o solo e o homem são marcadas, na Fran­

ça, por um caráter original de antigüidade, de continuidade.

Desde o começo, os estabelecimentos humanos parecem ha­

ver adquirido aí a permanência; o homem se deteve aí porque

encontrou, com os meios de subsistência, os materiais de suas

construções (LA BLACHE, 1994, p. 15).

À área, englobando várias comunidades com um "gênero de

vida" comum, Vidal denominou "domínio de civilização". Qual­

quer tentativa de não respeitar tal "domínio de civilização" signifi­

caria uma agressão (MORAES, 1987, p. 70) .

Pode-se dizer que a Alemanha ou qualquer outro Estado deve­

ria respeitar os "domínios de civilização", ou melhor, respeitar o

domínio da França sobre as colônias, domínio que foi construído

historicamente, consistindo num "domínio de civilização" francês.

Nesse sentido, busca-se impedir o expansionismo alemão sobre as

colônias francesas.

Outra importante proposta de Vidal de La Blache refere-se ao

estudo da região, que é concebida como um espaço síntese da rela­

ção homem e meio natural; esse espaço exibe uma homogeneidade

que difere de outros espaços.

A região seria, portanto, uma unidade espacial que apresenta

uma individualidade específica, diferente em relação às áreas l i­

mítrofes. Pela observação, seria possível delimitá-la e localizá-la

(MORAES, 1987, p. 75) .

Em seus estudos, Vidal enfatiza a importância da Geografia

no estudo da superfície terrestre a partir das diversas divisões, a

"região", considerando a inter-relação dos fenômenos naturais e

humanos. A partir da inter-relação desses fenômenos, era possí­

vel delimitar as várias regiões do globo terrestre. Era necessário

procurar saber, por exemplo, a combinação entre o relevo, o solo, a

vegetação, o clima, a agricultura, a população e a indústria, para a

delimitação da região.

Vidal vê a região como resultante do estudo da paisagem. A re­

gião é uma realidade objetiva que pode ser observada e delimitada

pelo observador.

A região é então a forma matricial da organização do espaço

terrestre e cuja característica básica é a demarcação territorial

de limites rigorosamente precisos. O que os geógrafos viam

na paisagem era a forma geral e de longa duração, e passaram

a concebê-la como uma porção de espaço cuja unidade é dada

por uma forma singular de síntese dos fenômenos físicos e hu­

manos que a diferencia e demarca dos demais espaços regio­

nais na superfície terrestre justamente por sua singularidade.

Pouco importava se o dito e o visto não coincidissem exata­

mente (MOREIRA, 2006, p. 158).

Com Vidal, há um grande enfoque no estudo da Geografia Re­

gional, que irá propagar-se com seus discípulos. Até os dias atuais,

realizam-se estudos de Geografia Regional. Essa forma de estudo,

pelos geógrafos, busca um conhecimento cada vez mais profundo

de determinada área.

La Blache planejou uma obra coletiva, a Geografia universal, que

cobria um estudo das áreas em todo o mundo, na qual cada dis­

cípulo ficou responsável por uma porção determinada do planeta.

No trabalho, ficou marcado um conceito utilizado por esse geó­

grafo — o de região — que posteriormente se tornou o balizador da

Geografia francesa (MORAES, 1987, p. 75) .

Outro elemento importante em Vidal de La Blache é a orien­

tação empírica à Geografia, pois ele enfoca a importância dos tra­

balhos geográficos ser realizados, principalmente, pela observação

direta da realidade, a necessidade das excursões geográficas como

trabalhos pedagógicos, ou seja: a escola ao ar livre deve guiar o

espírito geográfico. A realidade existia, independente do observa­

dor, e era preciso achá-la no campo, dando ênfase à observação da

paisagem para delimitação e estudo da região.

Nesse sentido, ele trabalha com uma abordagem descritiva, mé­

todo empírico-indutivo, necessidade dos trabalhos de campo, obser­

vação da paisagem na inter-relação do homem com o meio natural e o

estudo da região, considerando a integração do físico com o humano.

Vidal deixou vários discípulos que divulgaram ou desenvolve­

ram idéias com enfoque possibilista. Eles elaboraram monografias

regionais nos vários países europeus. "O método de estudo de uma

região passou a ter uma estrutura própria: primeiro, a análise do

meio físico, depois, as formas de ocupação e atividades humanas e,

por fim, o processo de integração do homem com o meio ambiente"

(FERREIRA; SIMÕES, 1986, p. 75) .

Na Geografia Regional, ele divide o estudo geográfico em qua­

dros físicos, humanos e econômicos. Assim, tem-se, por exemplo,

nos trabalhos monográficos e regionais: a localização da área, por

meio de projeções cartográficas; o quadro físico; como relevo, solo,

hidrografia, clima, vegetação e t c ; a formação histórica de ocupação

humana do território; a estrutura agrária; a estrutura urbana; a estru­

tura industrial etc. Finalmente, apresenta-se uma conclusão, com

um conjunto de cartas, objetivando demonstrar uma relação entre

os elementos humanos e naturais da região.

Segundo Sodré (1989 , p. 86 -87) , nos Annales de Géographie,

que La Blache fundou e dirigiu, no volume de 1913, no artigo

"Dês caracteres distinctifs de la Géographie", buscou estabele­

cer os princípios básicos em que a Geografia deveria assentar-se,

considerando: a unidade dos fenômenos terrestres; a combinação

variável desses fenômenos; o reconhecimento da relação do meio

com o homem; a necessidade de um método científico para o

estudo dos fenômenos; a importância do homem na modelagem

do meio geográfico. Esses princípios, a seu ver, levam a uma de­

finição melhor da função da Geografia no conjunto das ciências.

Vidal procurou mostrar como o homem, considerando o fator his­

tórico, soube tirar proveito do meio natural.

Vidal de La Blache vinculou os estudos à Geografia Humana. Po­

rém, esta foi concebida como um estudo da paisagem. A Geografia

de Vidal fala de população, nunca de sociedade; de estabelecimentos

humanos, não de relações sociais; estuda a relação homem-natureza,

mas não aborda as relações entre os homens. Uma Geografia Hu­

mana não uma ciência social (MORAES, 1987, p. 72-82) .

Seguindo a Geografia francesa, surgiram autores como: Ema­

nuel de Martonne, Jean Brunhes, Camille Valloux, André Chollay

e Max Sorre.

Emanuel de Martonne (1873-1955) foi diretor do Instituto de Geo­

grafia da Universidade de Paris, em 1927, e presidente de honra da

União Geográfica Internacional, em 1949. Publicou vários livros sobre

Morfologia, referentes à erosão das geleiras e à evolução das formas dos

relevos. Também deixou produção científica nos Annales de Géographie.

Para Martonne, a Geografia deveria estudar a distribuição dos

fenômenos físicos, biológicos e humanos na superfície terrestre

(ANDRADE, 1998, p. 13).

Já J ean Brunhes ( 1 8 6 9 - 1 9 3 0 ) foi professor da Universidade

de Friburgo e publicou La géographie humaine, em que classificou

os fatos de ocupação do espaço em três grupos: de ocupação im­

produtiva do solo, como casas e caminhos; de conquista vegetal

e animal, como lavouras e criação; de economia destrutiva, como

devastações vegetais e animais (SODRE, 1989, p. 9 4 ) .

Camille Vallaux (1870-1945) publicou diversas obras, entre

elas, detacam-se: Les sciences géographiques, La géographie de 1'histoire

e Géographie générale des mers. Preocupou-se em estudar assuntos re­

lacionados à Geografia e à História, aos oceanos, à política e às

fronteiras geográficas.

A Combinação de Complexo, elaborada por André Cholley, deve­

ria ser objeto de estudo geográfico, pois ela expressaria a realida­

de geográfica na convergência dos fenômenos físicos, biológicos e

humanos. Assim, a Geografia seria uma "ciência de complexos"

(MORAES, 1987, p. 75) .

Conforme Andrade (1998, p. 74), Cholley retoma os estudos de

caracterização das regiões geográficas, destacando a importância do

homem como organizador e produtor das regiões.

Max Sorre (1880-1962) desenvolveu o conceito de habitat, sen­

do este considerado uma porção do planeta organizado pela co­

munidade que o habita. Considera o habitat como uma constru­

ção humana que expressa as múltiplas relações entre o homem e o

ambiente que o envolve. Cabe à Geografia estudar as formas pelas

quais os homens organizam o meio (MORAES, 1987, p. 79-80) .

Destacam-se, ainda, as contribuições de Albert Demangeon,

pelas publicações e estudos geográficos; Roger Dion, que desen­

volveu estudos de Geografia Humana; Lucien Gallois, que foi

professor na Sorbonne e trabalhou na organização da Géogra­

phie universelle, que viria substituir a Nouvelle géographie universelle

— La terre et lês hommes, de Elisée Reclus; e Murice le Lannou, com

estudos de Geografia Regional.

A Escola Francesa de Geografia não formava uma única ver­

tente. Pode-se admitir que havia divergência entre os principais

mestres, mas , de forma geral , eles estavam voltados ao estudo da

região e da paisagem e a dar continuidade às propostas de Vidal

de La Blache.

Para Andrade (1987, p. 74), os principais mestres da Geogra­

fia francesa caracterizavam-se, especialmente, por uma orientação

ideográfica, apresentando uma posição política conservadora, en­

coberta por neutralidade científica. Foi dada grande importância

à descrição, todavia, sem menosprezar a explicação. Eles estavam

muito ligados à universidade e à formação cultural.

4.4 Élisée Reclus e Piotr Kropotkin e a Geografia

Elisée Reclus foi um geógrafo intelectual e anarquista. Nasceu na

França em 1830. Filho de pastor protestante e de família humilde,

aos 13 anos vai para a Alemanha estudar numa escola religiosa, onde

recebe a formação básica que marca sua ampla cultura e trava o pri­

meiro rompimento com a religião, que o levará progressivamente ao

ateísmo. Era simpatizante dos movimentos republicanos e apoiou os

levantes populares de 1848 e da Comuna de Paris em 1871.

A participação nos levantes populares o obrigou ao exílio, para

evitar a prisão, indo para a Irlanda, os Estados Unidos e a Colôm­

bia, e viveu muitos anos na Suíça.

Realizou diversas viagens pelo mundo, durante as quais pode de­

senvolver pesquisas e preparar várias obras. Entre elas, destacam-se: A

terra, em dois volumes, publicada em 1869; a Nova geografia universal,

em dezenove volumes, publicada no período de 1875 a 1892; e O ho­

mem e a terra, em seis volumes, editada no período de 1905 a 1908.

Aborda assuntos como a luta de classes, a educação e as ciências,

as formas de propriedade, o colonialismo e a dominação dos países

desenvolvidos (VESENTINI, 1988, p. 14).

Nos estudos, buscava não fazer separação entre a Geografia Fí­

sica e Humana, ou seja, estudava a inter-relação dos fatores físicos

e humanos.

O estudo da natureza, para ele, deveria facilitar a compreensão

da evolução da humanidade. Os geógrafos deveriam fazer análises,

considerando que a sociedade está dividida em classes sociais, decor­

rentes das formas de apropriação dos meios de produção. As dife­

renças de classes provocam as lutas entre elas: as classes dominadas,

que aspiram a melhores condições de vida, com as dominantes, que

não desejam perder o controle do poder e das riquezas (ANDRADE,

1987, p. 57).

Elisée Reclus elaborou um conjunto de obras de grande relevân­

cia para a Geografia, o que lhe rendeu reconhecimento internacio­

nal. Anistiado em 1879, tornou-se professor de Geografia na Uni­

versidade de Bruxelas, recebeu uma medalha de ouro da Sociedade

Geográfica e faleceu em 1905. É considerado um dos expoentes

intelectuais do anarquismo do século XIX.

Atualmente, com o florescimento de uma perspectiva crítica

nas universidades, constata-se um ressurgimento do interesse pelas

obras de Reclus, o que tem levado à publicação de seus escritos

considerados mais atuais (ANDRADE, 1997, p. 58).

Já Piotr Alexeevich Kropotkin (1842-1921) , grande amigo de

Elisée Reclus, nasceu em Moscou e pertencia a uma família rica,

aristocrata e tradicional da Rússia. Entre 1857 e 1861 , recebeu in­

fluências da nova literatura liberal revolucionária em seu país. Tam­

bém demonstrou grande interesse pelas obras dos enciclopedistas e

pelas condições do campesinato russo.

Estudou em São Petersburgo, onde se interessou pela Geogra­

fia, cujas pesquisas e explorações lhe abriram caminho para uma

destacada carreira científica. Em 1862, foi para o exército, servin­

do como oficial na Sibéria, onde fez levantamentos topográficos e

geográficos. Sua reputação como geógrafo se deu em grande parte

pelas viagens e pelos estudos que realizou na Sibéria.

Posteriormente, para a decepção da família, desligou-se do

exército, tornando-se geógrafo e anarquista, inimigo declarado

de qualquer forma de autoridade e hierarquia. Esta opção de

vida acabou por levá-lo, em 1874, à prisão-fortaleza de Pedro e

Paulo, por promover e participar de revoltas camponesas. Con­

seguiu fugir e foi para países da Europa Ocidental (Suíça, França

e Inglaterra) , nos quais viveu durante mais de quarenta anos,

onde publicou as obras. Sua concepção anarquista e l ibertária fez

com que ele acabasse sendo marginal izado pela Geografia aca­

dêmica, institucionalizada pelo Estado. Pois se pode deduzir que

Geografia e Liberdade são inseparáveis na acepção de Kropotkin.

Sua percepção de ciência é a do sujeito do conhecimento atuando

na libertação dos homens diante das determinações da natureza

e da dominação de alguns sobre os outros (VESENTINI, 1988,

p . 4 - 1 1 ) .

Kropotkin não aceitava o Estado-Nação, as fronteiras políticas

e a glorificação da "pátria". A tarefa da Geografia era mostrar que

a humanidade é uma só, as fronteiras políticas são relíquias de um

passado; e o nacionalismo, as guerras e os preconceitos entre as na­

ções só servem para manter ou reforçar os interesses de grupos ou

classes dominantes (VESENTINI, 1988, p. 3) .

Percebe-se que suas idéias e ações vão de encontro ao próprio

processo de institucionalização da Geografia, isto é, instituída para

servir ao Estado-Nação e ao Capitalismo.

Suas obras mais importantes são: A conquista do pão; Ajuda mú­

tua: um fator de evolução; Memórias de um revolucionário; 0 anarquis-

mo e a ciência moderna; e Campos, fábricas e oficinas.

Na Inglaterra, conviveu com os principais intelectuais da épo­

ca e foi colaborador da Geographical Society. Em alguns livros,

Kropotkin tentou buscar uma base científica para o pensamento

anarquista.

Após a Revolução Socialista, voltou à Rússia, vindo a falecer em

1921.

Chegou a receber uma medalha de ouro da Sociedade Geográfica

Russa pelas investigações sobre os aspectos da Geografia Física da

Sibéria. Até o fim da vida, Kropotkin escreveu sobre o ensino de

Geografia, a relação homem e natureza, entre outros.

Kropotkin era um cientificista que aceitava que as ciências da

natureza e as sociais tivessem o objetivo de descobrir as leis gerais

que regulam os fenômenos e, para ele, a Geografia era uma ciência

da natureza (ANDRADE, 1987, p. 59).

Para Andrade (1987, p. 61-62) , Elisée Reclus e Piotr Kropotkin

foram dois geógrafos libertários (cuja obra foi denominada por este

autor como a Geografia Libertária). Apesar de positivistas, rece­

beram grande influência dialética, citando constantemente Karl

Marx e a categoria "classe social" no estudo da Geografia; escreve­

ram livros e artigos de doutrinação política e livros especificamente

geográficos. Foram excluídos da vida universitária, exilados, presos

e perseguidos, e seus livros não agradavam à maioria dos leitores

ligados às classes mais abastadas econômica e socialmente.

Andrade afirma ainda que:

Elisée Reclus e Pietr Kropotkin foram dois grandes geógrafos

que viveram nos fins do século XIX e início do XX e deram

uma contribuição bem diversa daquela dada pelos geógrafos

anteriormente estudados. Enquanto os primeiros se coloca­

ram de acordo com a classe dominante, ocuparam cátedras

universitárias e assessoraram príncipes e presidentes, os dois

se colocaram contra a estrutura de poder, negaram validade

ao Estado, adotaram idéias de reformas sociais radicais e de­

fenderam as classes menos favorecidas. Embora positivistas

e com posições que se opunham a Marx na militância polí­

tica, eles adotaram algumas categorias marxistas e abriram

perspectivas de uma visão libertária, tanto da sociedade como

da Geografia como ciência. Tiveram origens sociais distintas,

mas lutaram juntos pelos mesmos ideais e colaboraram tanto

em obras de cunho político como científico (1987, p. 56).

E importante esclarecer que o anarquismo é considerado, ge­

ralmente, uma "desordem" ou um "caos", por ser uma doutrina

política que defende a abolição de qualquer tipo de governo formal.

A palavra é formada pelo sufixo arcbon, que, em grego, significa

governante; e an, que significa sem. Ou seja, anarquismo significa,

ao pé da letra, "sem governante". A principal idéia que rege o anar­

quismo é de que o governo é desnecessário, pois a população pode

voluntariamente se organizar e sobreviver em harmonia.

Apesar das diferentes tendências no anarquismo, ele tem uma

mensagem comum: a liberdade e a igualdade só serão conquistadas

com o fim do capitalismo e do Estado que o defende.

Para os defensores do anarquismo, à época, o sistema educacional e

outros recebem o apoio e o controle do Estado para perpetuar os obje­

tivos deste último. Nessas condições, pode-se dizer que a Geografia,

que foi institucionalizada, era um instrumento para a ação do Estado

e do capitalismo. Assim, era necessário abolir o Estado e criar uma

educação libertária; no caso da Geografia, uma Geografia Libertária.

4.5 Alfred Hettner e Richard Hartshorne e a Geografia

Outra escola geográfica surge no início do século XX e foi, por al­

guns autores, denominada de Geografia Racionalista. Ela tem, como

principais representantes: Alfred Hettner (1859-1941) e Richard

Hartshorne (1899-1992). O objetivo era desenvolver uma Geografia

de menor carga empirista e privilegiar o raciocínio dedutivo.

Alfred Hettner foi um geógrafo alemão, professor da Universidade

de Heidelberg, na cidade de mesmo nome, na Alemanha. Publicou

obras entre 1890 e 1910. Segundo Moraes (1987, p. 85), Hettner pro­

põe a Geografia como a ciência que estuda "a diferenciação de áreas",

ou melhor, a ciência que objetiva explicar "por que" e "em que" diferem

as diversas partes da superfície terrestre. Ele considera que o caráter

singular das várias parcelas do espaço decorre da forma particular de

inter-relação dos fenômenos. A Geografia seria, assim, o estudo dessas

formas de inter-relação dos fenômenos na superfície terrestre.

A preocupação fundamental de Hettner era banir o dualismo

da Geografia, o perigo da sua divisão em física e humana, e

consegue-o ao considerar que, na medida em que, ao estudar

simultaneamente, num mesmo espaço, fenômenos físicos e

humanos, a Geografia é ao mesmo tempo uma ciência física e

humana (FERREIRA; SIMÕES, 1986, p. 78).

Para Hettner, a partir dos elementos inter-relacionados, podem-se

reconhecer as diferentes "áreas" da superfície terrestre. A Geografia

deve descrever unidades espaciais e compará-las. As unidades espa­

ciais são caracterizadas pelas associações específicas de fenômenos

que existem nesses lugares (FERREIRA; SIMÕES, 1986, p. 78).

Em Hettner, a Geografia se torna a ciência que estuda a diferen­

ciação de áreas da superfície terrestre. Em La Blache, a Geogra­

fia se transforma numa Geografia Regional (estruturada num

método regional, a região vira o conteúdo temático e o método

da Geografia). [...] Na perspectiva labrachiana, a conexão re­

gional é um dado para dentro. A seqüência das descrições e ins­

crições dos elos vai não só formando a síntese da totalidade dos

fenômenos e seus componentes, como decidindo a referência do

marco dos limites que vão recortar a região no todo da superfície

terrestre e garantindo-lhe seu caso único de identidade. Lacoste

condenou-a como um "poderoso conceito obstáculo" (Lacoste,

1974 e 1988). Na perspectiva hettneriana, a conexão vem do

movimento de diferenciação de um dado todo em recortes (o

clima terrestre em seu movimento de variação na superfície ter­

restre), a seqüência das descrições e elos servindo para flagrar o

movimento em sua diferenciação na superfície, em busca da sua

diversificação paisagística [...} (MOREIRA, 2006, p. 128).

As idéias de Hettner encontraram pouca divulgação em sua épo­

ca. Provavelmente, em função da disputa vigente entre o determi­

nismo e o possibilismo. Somente a partir dos anos 1940, especial­

mente nos Estados Unidos, as idéias de Hettner foram retomadas

e valorizadas, tendo, no centro dessa valorização, um renomado

geógrafo norte-americano: Richard Hartshorne.

Hartshorne lecionou na universidade de Wisconsin, nos Estados

Unidos. Procurou desenvolver reflexões sobre a natureza da Geogra­

fia, como ciência, em dois livros: A natureza da geografia, publicado

em 1939, que trata da evolução do pensamento geográfico; e Questões

sobre a natureza da geografia, publicado em 1959, que revisa posições de

vinte anos antes e apresenta o conteúdo final de sua proposta.

Para Hartshorne, as ciências se definiriam por métodos próprios.

Assim, a Geografia se individualiza como ciência devido à forma

específica de analisar a realidade. O método geográfico decorre do

fato de essa ciência trabalhar com a variação dos fenômenos na

superfície terrestre. A Geografia deveria buscar o estudo das in-

ter-relações entre fenômenos heterogêneos, apresentando-as numa

abordagem sintética. Assim, a partir das inter-relações entre os fe­

nômenos, ela deve explicar a variação das diferentes áreas da su­

perfície da Terra (MORAES, 1987, p. 87) .

A área seria uma unidade da superfície terrestre delimitada pelo

observador. A delimitação é feita segundo a escolha do observador.

Dependendo dos elementos selecionados, a delimitação será dife­

rente. A área é construída subjetivamente pelo pesquisador, com

base nos dados escolhidos; diferente da região vista como realidade

exterior ao observador (La Blache). Assim, a singularidade de cada

área seria dada pela integração de fenômenos inter-relacionados,

conforme a escolha do observador (MORAES, 1987, p. 88) .

A partir das inter-relações entre os fenômenos, Hartshorne apre­

senta duas formas de estudo em Geografia: a particular (a região),

quando se faz a Geografia a qual denominou de Ideográfica; e a ge­

ral, quando se faz a Geografia a que chamou de Nomotética.

Hartshorne articulou a Geografia Geral e a Regional, diferen-

ciando-as pelo nível de profundidade das inter-relações dos elemen­

tos estudados, ou seja, quanto menor o número de elementos inter-

relacionados, maior a possibilidade de generalização; quanto maior

o número de elementos inter-relacionados, mais profunda a análise

efetuada, maior conhecimento da singularidade da "área", maior

possibilidade de estudo regional.

Em Hartshorne, os estudos de Geografia devem analisar as

variações espaciais e as conexões de fenômenos em integração.

Na Geografia Geral, realizam-se "estudos tópicos", como: Geo­

grafia do Petróleo, Geografia da Cana-de-Açúcar, Geografia do

Café, Geografia da Monocultura, Geografia da Policultura, Geo­

grafia da Pesca etc.

Para ele, a região "área" é uma construção intelectual de acordo

com objetivos traçados pelo pesquisador e, como tal, ela pode va­

riar em delimitação conforme esses objetivos.

Moraes (1987, p. 91-92) afirma que as propostas de Richard

Hartshorne, por um lado, e de André Chollay e M. le Lannou, por

outro, encerraram as proposições da Geografia Tradicional. Finaliza­

ram um conjunto de propostas cuja unidade foi dada pela aceitação

de certas máximas (os princípios gerais que deveriam ser utilizados

nos estudos geográficos) consideradas verdadeiras na ciência geográ­

fica: "a Geografia é uma ciência empírica, pautada na observação";

"a Geografia é uma ciência de contato entre o domínio da natureza

e o da humanidade"; "a Geografia é uma ciência de síntese".

O autor afirma ainda que a Geografia Tradicional deixou uma

ciência elaborada, um conjunto de conhecimento sistematizado;

possibilitou a formação de uma ciência autônoma; elaborou um rico

acervo empírico; e, finalmente, a Geografia Tradicional elaborou al­

guns conceitos como: território, região, habitat, paisagem, área e t c ,

que ainda merecem ser rediscutidos (MORAES, 1987, p. 91-92) .

Convém não esquecer que a Geografia Moderna teve seus pri­

meiros grandes mestres na Alemanha e, logo após, na França. Há

grande influência do Positivismo na Geografia Tradicional. A Escola

Alemã de Geografia é marcada pelo caráter determinista, e o prin­

cipal representante foi Friedrich Ratzel. Em oposição ao Determi­

nismo alemão, surgiu, na França, o Possibilismo, corrente que teve

em Vidal de La Blache o maior representante, consolidando a Escola

Francesa de Geografia. Foram estas duas escolas que exerceram a

maior influência no decorrer da Geografia Tradicional.

É muito provável que as doutrinas dessas escolas estivessem a

serviço de interesses políticos e militares dos Estados em que elas se

inseriam e da classe hegemônica dominante desses Estados, a fim

de que a exploração nas colônias fosse justificada.

Geografia Contemporânea

C A P Í T U L O c i n c o

Na metade do século XX, ocorreram várias trans­

formações políticas, econômicas sociais, filosóficas,

científicas e tecnológicas no mundo que atingiram a

ciência geográfica, provocando um processo de reno­

vação e mudanças. A partir da década de 1950, a Geo­

grafia Tradicional entra em declínio e, na década de

1970, encontra-se praticamente extinta. A partir de

então, a Geografia partirá para novos caminhos.

No início do século XX, havia grande rivalidade en­

tre os governos das potências européias, especialmente

França, Inglaterra e Alemanha. Tal animosidade era

decorrente das disputas por mercados consumidores e

de matérias-primas, e das disputas territoriais na Eu­

ropa e nas colônias.

De 1914 a 1918, ocorreu a Primeira Guerra Mun­

dial, envolvendo diversos países, mas o palco princi­

pal de batalha foi o continente europeu. Os combates

provocaram a morte de milhões de pessoas, civis e

militares, quando foram utilizadas novas armas, como a metra­

lhadora, o avião e o submarino.

Encerrado o conflito, grande parte dos países europeus sofreu

com escassez de alimentos, fome, doenças e teve a infra-estrutura

(cidades, portos, estradas) destruída.

O apoio material e financeiro dado pelo governo dos Estados

Unidos foi decisivo para a vitória dos países da Tríplice Entente.

A Primeira Guerra estimulou ainda mais o crescimento industrial

e agrícola dos Estados Unidos, que buscou suprir a escassez de

produtos do mercado europeu e atender aos mercados da Ásia,

América e África. Cada vez mais essa participação, no contexto

mundial, colocava a economia americana em ascensão diante das

antigas potências, principalmente em relação a Inglaterra, França

e Alemanha.

A Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945) foi outro período

sangrento na história da humanidade. Envolveu diversos países e

provocou milhões de mortes, doenças, fome e destruição de inúme­

ras cidades européias.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, ocorreu a ascensão dos

Estados Unidos e da União Soviética. Surgiu uma nova ordem in­

ternacional, caracterizada pelo equilíbrio tenso de forças (Guerra

Fria) entre países capitalistas, liderados pelos Estados Unidos, e paí­

ses socialistas, liderados pela União Soviética. A Guerra Fria, inicia­

da por volta de 1946, caracterizou-se pela rivalidade política, ideo­

lógica, econômica e militar entre Estados Unidos e União Soviética.

Tal rivalidade provocou a corrida armamentista, o desenvolvimento

das armas nucleares, incentivos a pesquisas, especialmente as rela­

cionadas ao conhecimento dos recursos naturais, infra-estrutura e

poder bélico dos países.

As quatro décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mun­

dial foram caracterizadas pela formação de dois blocos inter-

nacionais de poder antagônico: a URSS (socialista) e os EUA

(capitalista), sendo que ambos desenvolveram uma política

econômica de caráter imperialista sobre suas áreas de domi­

nação; a "guerra fria", que tão fortemente marcou este pe­

ríodo, desenvolveu o medo, a insegurança e a crença em um

fim muito próximo da humanidade em função do caráter de

armamentismo bélico e destruições que a mesma encerrou

• (MENDONÇA, 2005, p. 35).

Em 1945, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU),

sediada em Nova Iorque (Estados Unidos), tendo como princípios

básicos, estabelecidos na Carta das Nações Unidas: a manutenção

da paz e da segurança internacional e o estímulo à cooperação en­

tre os países na busca de soluções para problemas internacionais de

caráter econômico, social, cultural e humanitário, promovendo o

respeito aos direitos humanos.

Entre 1940 e 1980, ocorreu o processo de descolonização de vários

países da África, Ásia e da Oceania. Essas nações alcançaram a inde­

pendência via acordos pacíficos ou por meio de rupturas violentas, em

que as guerras causaram a morte de milhares de civis e militares. Ape­

sar de conquistarem a independência, muitas, ainda hoje, mantêm

relações de dependência econômica com os colonizadores. Também,

em muitos casos, no processo de independência, seja de forma pacífi­

ca, seja violenta, houve a participação direta ou indireta dos Estados

Unidos e da União Soviética, pois ambos procuravam firmar influên­

cia política, econômica é militar.

Em 1955, foi realizada, na Indonésia, a Conferência de Ban-

dung, organizada por países do Terceiro Mundo. Os participantes

rejeitaram a divisão do mundo nos blocos socialista e capitalista,

defendendo uma política de não-alinhamento às superpotências,

e condenaram o colonialismo e o neocolonialismo (dominação das

metrópoles sobre as colônias).

No contexto econômico, diversas mudanças aconteceram: a

passagem do capitalismo concorrencial para o monopolista, com a

formação de grandes empresas monopolistas e a integração do ca­

pital industrial e financeiro; os ideais de livre concorrência deram

lugar ao capitalismo monopolista, com a participação do Estado

como patrocinador das economias nacionais; houve o processo de

concentração vertical e horizontal das empresas. A organização

da produção, sob os princípios do taylorismo-fordismo, propor­

cionou grandes vantagens competitivas no mercado mundial aos

países e às organizações que os adotaram. Diversas nações, lide­

radas pelos Estados Unidos, consolidaram posição como líderes

econômicas no planeta graças ao aumento de produtividade obti­

do com o método taylorismo-fordista de produção — Inglaterra,

Alemanha e França em especial.

Os Estados Unidos criaram o chamado american way oflife (modo

de vida americano), caracterizado pelo consumismo (automóveis,

eletrodomésticos e t c ) .

Em 1929, aconteceu a crise da Bolsa de Valores de Nova Ior­

que, decorrente da superprodução mundial . As ações das gran­

des empresas sofreram queda vertiginosa e inúmeras empresas

faliram ou foram forçadas a reduzir o ritmo de produção.

Nos primeiros anos do governo do presidente Franklin Roose-

velt, os Estados Unidos adotaram o New Deal (Novo Acordo), um

conjunto de medidas destinado à superação da crise. Tais medidas

foram inspiradas nas idéias do economista inglês John M. Keynes

(1883-1946) .

A crise na Bolsa de Valores de Nova Iorque fez com que o li­

beralismo econômico fosse contestado. Foi necessária a interven­

ção do Estado na economia, visando à ordenação e regulação da

vida econômica. O planejamento econômico foi usado como uma

arma de intervenção do Estado. O planejamento estatal também

seria um planejamento territorial, ou seja, uma melhor forma de

aproveitamento do espaço geográfico: recursos naturais e humanos

(MORAES, 1987, p. 94-95) .

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, havia muita crise e

instabilidade das moedas no mundo. Diante dessa situação, deze­

nas de países reuniram-se para planejar a estabilidade da economia

mundial. Foi nessa ocasião que surgiu o Fundo Monetário Interna­

cional (FMI) e o Banco Internacional para Reconstrução e Desen­

volvimento (BIRD), conhecido como Banco Mundial. A partir dos

acordos de Bretton Woods, o FMI e o BIRD auxiliariam na estabili­

zação da economia capitalista mundial. Ficou estabelecido também

que o dólar passaria a ser a principal moeda de reserva mundial e

substituiria o ouro como padrão monetário internacional.

Além disso, após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos

elaboraram e executaram o Plano Marshall, que destinou recursos

para a reconstrução dos países capitalistas da Europa Ocidental. O

Plano Marshall havia surgido a partir da Doutrina Truman, lançada

em 1947 pelo presidente norte-americano Harry Truman. Segundo

a doutrina, os Estados Unidos não mediriam esforços para conter o

expansionismo da União Soviética. Por meio do Plano Marshall, os

Estados Unidos tinham, ao menos, dois objetivos: manter o sistema

capitalista nos países da Europa Ocidental, assegurando, à área de

influência, a não-penetração do socialismo; e garantir o mercado

consumidor para produtos e investimentos.

A partir da década de 1950, grandes empresas monopolistas

de países desenvolvidos instalaram filiais em países subdesenvol­

vidos, onde passaram a produzir um elenco cada vez maior de

produtos. Nesse contexto, opera-se uma profunda alteração na di­

visão internacional do trabalho, porquanto muitos países deixam

de ser apenas fornecedores de alimentos e matérias-primas para

o mercado internacional para se tornar produtores e até exporta­

dores de produtos industrializados. Essas empresas, conhecidas

como multinacionais, t inham como principais objetivos a busca

de matérias-primas, mão-de-obra barata e mercado consumidor

nos países do Terceiro Mundo.

Os governos dos países subdesenvolvidos procuravam apresen­

tar um conjunto de condições favoráveis para a instalação das em­

presas, além dos incentivos fiscais. Muitos serão os economistas,

geógrafos, cartógrafos e demais profissionais que irão trabalhar

para órgãos de governos no planejamento da região, do território

nacional, apresentando as condições favoráveis para a alocação das

filiais das empresas multinacionais.

A generalização das políticas de planejamento abria novos ca­

minhos de trabalho para os cientistas sociais, que eram utilizados

no levantamento do diagnóstico e na elaboração do prognósti­

co, indicadores dos caminhos a ser seguidos para que se at ingis­

sem os fins almejados. A realização de trabalhos na área era um

desafio aos geógrafos, que vinham realizando trabalhos sobre a

distribuição espacial da população e das atividades econômicas

(ANDRADE, 1987, p . 9 4 - 9 5 ) .

Era necessário maior conhecimento das transformações no cam­

po, na cidade, na indústria, nos meios de comunicação e t c , que

estavam ocorrendo no contexto mundial.

As paisagens agrárias eram transformadas pelo processo de me­

canização e utilização de insumos. A expulsão do homem do campo

e a migração para a cidade; aliadas à subordinação da agricultura

à indústria e a formação de paisagens homogêneas, como os "cin­

turões" do café, cana-de-açúcar, trigo, milho, algodão; eram uma

realidade que se espalhava pelo mundo e que vinha para ficar. Era

preciso fazer levantamentos de áreas agrícolas e de novas áreas pos­

síveis para a agricultura e organizar ou reordenar os espaços agríco­

las para atender à crescente demanda populacional.

As atividades industriais já não se restringiam aos países euro­

peus, Estados Unidos e Japão, mas se dispersavam pelo mundo,

atuando, também, nos países subdesenvolvidos. Não havia somen-

te pequenas empresas, como também grandes conglomerados in­

dustriais em busca de áreas para atuação, por exemplo, de fontes de

energia: petróleo, ouro, minério de ferro, prata etc. Para a atuação

dessas empresas, era necessário ter um diagnóstico e um prognós­

tico dos territórios.

As cidades, com o avanço do capitalismo, tornaram-se mais

complexas. Há um grande processo de aglomeração humana e de

atividades públicas, comerciais e industriais. Muitas dessas cidades

tomam a forma de metrópoles, outras ultrapassam os limites ter­

ritoriais, conformando-se em megalópoles, processos de cornuba-

ções. Após a Segunda Guerra Mundial, muitas cidades dos países

desenvolvidos foram destruídas e tiveram de ser reconstruídas sob o

viés do planejamento. Elas tinham de atender, também, ao aumen­

to das populações, decorrente do êxodo rural. Já nos países subde­

senvolvidos, o planejamento das cidades foi mais crítico, algumas

criaram espaços planejados, porém, em decorrência do acelerado

êxodo rural, muitas cidades tiveram um crescimento desordenado,

com problemas ou falta de planejamento. Muitos foram os técnicos

e cientistas, dentre eles, os geógrafos, que passaram a trabalhar em

órgãos dos governos no planejamento das cidades.

As transformações ocorridas no campo e nas cidades exigiam um

sistema de transporte e comunicação que viesse a facilitar a locomo­

ção de pessoas, mercadorias e informações entre os lugares. Assim,

foram feitos investimentos para a construção de ferrovias, rodovias,

portos, aeroportos e para a produção de navio, automóvel, avião

etc. Houve a difusão da energia elétrica, do rádio, da televisão.

Com o desenvolvimento dos meios de transporte e de comunica­

ções, as distâncias são "encurtadas" e os lugares se "aproximam".

Todas as transformações políticas, econômicas, sociais, cientí­

ficas e tecnológicas, como vistas anteriormente, provocaram uma

crise na Geografia Tradicional, forçando-a a mudanças, como afir­

ma Moraes (1987, p. 95-96) :

Isto defasou o instrumental de pesquisa da Geografia, im­

plicando uma crise das técnicas tradicionais de análise {...}.

Criadas para explicar situações simples, quadros locais fecha­

dos, não conseguia apreender a complexidade da organização

atual do espaço. O instrumental elaborado para explicar co­

munidades locais não conseguia apreender o espaço da eco­

nomia mundializada. Estabeleceu-se uma crise de linguagem,

de metodologia de pesquisa. O movimento de renovação vai

buscar novas técnicas para a análise geográfica. De um ins­

trumental elaborado na época do levantamento de campo,

vai se tentar passar para o sensoramento remoto, as imagens

de satélite, o computador.

Ainda segundo o autor, os fundamentos filosóficos, sobre os

quais estava assentada a Geografia Tradicional, ou seja, os funda­

mentos da filosofia positivista, estavam desgastados. O desenvol­

vimento das ciências e do pensamento filosófico ultrapassara os

fundamentos positivistas. Com o declínio dos fundamentos po­

sitivistas, surge uma crise interna na Geografia. Os fundamentos

de sustentação da Geografia Tradicional são criticados. Os pontos

mais visados são: a indefinição do objeto de estudo geográfico; as

dificuldades de explicações genéricas dos fenômenos geográficos; a

falta de formulações de leis na ciência geográfica; e, finalmente as

dualidades: Geografia Física e Geografia Humana; Geografia Ge­

ral e Geografia Regional; Geografia Sintética e Geografia Tópica

(MORAES, 1987, p. 96 -97) .

Andrade (1987, p. 96) enfatiza que os geógrafos, diante do es­

gotamento da Geografia Tradicional, passaram a procurar novos

caminhos, ora pela atualização dos princípios gerais da Geografia

Tradicional, ora pelo rompimento definitivo com ela, criando uma

"Nova Geografia". Eles foram chamados a dar uma contribuição

à reconstrução do pós-guerra e compreenderam que isso não po­

deria ser feito a partir dos métodos e das técnicas utilizados pela

Geografia Tradicional, que se limitava a observar, a descrever e a

explicar a paisagem, utilizando o "olho clínico", não fazendo uso

de técnicas que levassem a ultrapassar a aparência da paisagem, os

elementos "invisíveis" na elaboração da paisagem.

Assim, no pós-guerra, a realidade mundial tornou-se mais com­

plexa. O desenvolvimento do capitalismo afastou-se cada vez mais

da fase concorrencial e penetrou na fase monopolista do grande

capital. A urbanização acentuou-se, e metrópoles e megalópoles

começaram a se constituir. O espaço agrário sofreu modificações

em função da industrialização e da mecanização; as realidades lo­

cais passaram a se articular em redes de escala mundial. Cada lugar

deixou de se explicar por si mesmo, os lugares começaram a se

interligar por meio de sistemas de transportes e comunicações e

passaram a sofrer influência de outros lugares.

A visão, na Geografia Tradicional, de um mundo onde os fatos

aconteciam naturalmente, desprovidos de ideologias e de interes­

ses políticos, da neutralidade científica marcada pelo positivismo,

passou a ser questionada. A Geografia Tradicional, com métodos e

técnicas, não dava mais conta da descrição, representação e expli­

cação dos fenômenos da superfície terrestre.

A partir da metade do século XX, surgem movimentos de re­

novação da Geografia. São movimentos ou correntes que não pos­

suem uma unidade; eles apresentam propostas de renovação da

Geografia, muitas vezes, opostas. Tal fato decorre da diversidade de

métodos de interpretação, que são utilizados para a explicação da

realidade, e de posicionamentos (políticos, ideológicos, filosóficos

etc.) dos autores que compõem as correntes.

A renovação vai provocar a reflexão dos geógrafos sobre a na­

tureza da Geografia, a reformulação de fundamentos científicos e

filosóficos e a busca de novos caminhos.

Podem-se agrupar as correntes geográficas, em termos esque-

máticos, em: Geografia Teórico-Quantitativa, fundamentada no neo-

positivismo; Geografia da Percepção e do Comportamento, com grande

viés para a fenomenologia; Geografia Ecológica, sem viés filosófico

explícito; e Geografia Crítica ou Radical, sob as bases da dialética

materialista.

5.1 Geografia Teórico-Quantitativa

Esta corrente se desenvolve, principalmente, entre a década de

1960 e 70 e se caracteriza pela utilização de modelos matemático-

estatísticos. Ela rompeu com a Geografia Tradicional Moderna e

se apresentou como "Nova Geografia", sem ligações com o pensa­

mento tradicional. Foi contrária ao uso de excursão e das aulas prá­

ticas de campo por achar desnecessária a observação e a descrição

da realidade empírica. Buscou-se, assim, substituir o campo pelo

laboratório, onde seriam feitas as medições matemáticas, os gráfi­

cos e as tabelas sofisticadas, procurando representar os fenômenos

geográficos por meio de desenhos e diagramas. Uma vertente des­

sa corrente se intitulou de Teorética, objetivando romper qualquer

vínculo com os trabalhos empíricos, comprometendo-se com a re­

flexão teórica (ANDRADE, 1987, p. 107).

[...} se ouvia falar freqüentemente em ama "Nova Geogra­

fia" (New Geography) "que se queria caracterizar por ser não

apenas diferente, mas também em oposição e até mesmo

em contradição com a Geografia Tradicional". A escolha da

denominação não foi inocente. Gs defensores dessa nova li­

nha buscavam deixar clara sua distância em relação a uma

Geografia que, para muitos deles, não seria somente uma

Geografia ultrapassada, mas sobretudo uma "não Geografia"

(SANTOS, 2002, p. 60).

Os defensores dessa corrente adotaram os fundamentos do neo-

positivismo e se voltaram para a Matemát ica — especialmente a

estatística — como um modo de provar hipóteses e explicar os

fenômenos geográficos.

Apesar de haver se iniciado nos círculos filosóficos alemães e se

aprofundado no Círculo de Viena, fundado em 1920, o neopositi-

vismo desenvolve-se e ganha adeptos a partir de 1940 nos Estados

Unidos, Grã-Bretanha e Suécia.

Segundo Ferreira e Simões (1986, p. 81-82) , as principais ca­

racterísticas do neopositivismo são:

• o conhecimento assenta-se na experiência;

• o neopositivismo é anti-idealista e exclui problemas metafísi­

cos; l inguagem comum a todas as ciências;

• a investigação científica e os resultados devem apresentar cla­

reza e o uso da l inguagem matemática e da lógica;

• não deve existir dualismo científico entre as ciências naturais e

as ciências sociais.

O neopositivista considera a unidade entre as ciências sociais e as

naturais e, ainda, apresenta conteúdos positivistas, principalmente

no que se refere à formulação de leis. Em ambas as ciências, devem

ser utilizadas na investigação científica e nos resultados os princípios

e a l inguagem matemática. Essa l inguagem, por sua vez, possibilita,

em ambas as ciências, a formulação de teorias com clareza, exatidão

e generalidade. Por isso, muitos autores consideram o neopositivis­

mo como uma renovação ou atualização do positivismo.

O contexto histórico em que surgiu a corrente Teórico-Quanti­

tativa, após a Segunda Guerra Mundial, segundo Ferreira e Simões

(1986, p. 83) é decorrente da:

• necessidade de superar a crise econômica capitalista, o que pro­

voca o aparecimento da econometria e da economia positiva;

• procura de instrumentos de controle social mais eficazes, o

que teve conseqüências na Sociologia e na Psicologia Social;

• exigência de plamficação regional e urbana, originadas quer

pela crise econômica, quer pela necessidade de reconstruir as

áreas devastadas pela guerra, com conseqüências imediatas na

Geografia.

Após a guerra, iniciou-se um processo de intensa urbanização,

industrialização e expansão de capital, gerando modificações pro­

fundas na organização do espaço mundial. As modificações inviabi­

lizaram as explicações a partir dos fundamentos teóricos e técnicos

utilizados pela Geografia Tradicional, propiciando, assim, o surgi­

mento da Nova Geografia, a qual se vai utilizar, freqüentemente,

de técnicas estatísticas e matemáticas, do emprego da geometria

e de modelos normativos. Por essa razão, passou a ser conhecida

como Geografia Quantitativa ou Teorética, ou melhor, Geografia

Teórico-Quantitativa.

Duas obras importantes se destacam no movimento renova­

dor: Exceptionalism in geography, de Fred K. Shaefer, de 1953 , e

Theoreticalgeography, de Wil l iam Bunge, publicada em 1962. Tam­

bém podem ser citados os autores: Brien Barry, Peter Haggett ,

Michael Chisholm e Richard Chorley, que realizaram diversos

trabalhos contribuindo para a difusão da Geografia Teôrico-

Quant i ta t iva.

Schaefer nasceu em Berlim, em 1904, e fez estudos de pós-gra­

duação em Ciência Política e Geografia Política. Sofrendo represá­

lias com a ascensão do nacional-socialismo, refugiou-se nos Esta­

dos Unidos em 1938. Quando o Departamento de Geografia da

Universidade de Iowa foi criado em 1946, tornou-se professor. Em

1947, apresentou à Associação dos Geógrafos Americanos o traba­

lho "Geographical aspects of planning in the USSR". Schaefer fa­

leceu em junho de 1953 e o artigo "Exceptionalism in geography"

foi publicado após sua morte.

Para Moraes (1987, p. 100-101), os autores defensores da Geo­

grafia Teórico-Quantitativa vão propor um estudo voltado para o

planejamento, para uma Geografia Aplicada instrumentalizada.

O objetivo geral é buscar novas técnicas e uma nova l inguagem

que possibilitem dar conta das tarefas postas pelo planejamento

do Estado e do capital. Se, anteriormente, a Geografia Tradicional

contribuiu para um conhecimento que levantava informações para

a expansão das relações capitalistas, agora, com a Geografia Teó­

rico-Quantitativa, busca-se um saber que direciona essa expansão,

fornecendo opções e orientando estratégias de alocação do capital

no espaço geográfico.

O autor considera, ainda, que o pensamento geográfico Teórico-

Quantitativo e o Tradicional possuem, na realidade, uma continui­

dade dada por seu conteúdo de classe, ou seja, pela elaboração de

instrumentos práticos e ideológicos da burguesia. Assim, poderia

chamar-se de renovação conservadora da Geografia, já que, tam­

bém nessa Geografia, ocorre a passagem do positivismo clássico

para o neopositivismo. Portanto, na Geografia Teórico-Quantita­

tiva, troca-se o empirismo da observação direta pelo empirismo

mais abstrato dos dados filtrados pela estatística. Da contagem e

enumeração direta dos elementos da paisagem, para as médias, os

índices e os padrões. Da descrição dos fenômenos em campo para as

correlações matemáticas expressas em índices. A corrente Teórico-

Quantitativa seria uma forma de contemporaneizar a Geografia,

uma atualização técnica e lingüística em relação à Geografia Tradi­

cional (MORAES, 1987, p. 101-102).

, De fato, a expressão "Geografia Quantitativa", utilizada para

exprimir a existência de uma Geografia nova, introduziu um

certo mal-estar e confusão. A expressão "Geografia Matemáti­

ca" ou "Quantitativa" pode, na realidade, aplicar-se a qualquer

dos paradigmas da Geografia, novos ou antigos, mesmo aos

que hoje não são mais válidos para nenhuma escola. A quan­

tificação representa apenas um instrumento ou, no máximo,

o instrumento. O que continua fundamental é a construção

teórica (SANTOS, 2002, p. 73).

Defensores da corrente Teórico-Quantitativa consideram o se­

guinte princípio: se a Matemática é a l inguagem das ciências em ge­

ral, então, ela também deve ser a da Geografia, pois, por intermédio

da Matemática, é possível a formulação de teorias na Geografia e,

também, a utilização de teorias de outras ciências. Portanto, é dada

grande importância à Matemática, especialmente à Estatística, pois

esta pode garantir a exatidão e a confiabilidade dos resultados.

A Geografia Teórico-Quantitativa busca maior rigor na util i­

zação da metodologia científica na pesquisa geográfica. Procura

uma renovação metodológica, com a utilização de novas técnicas

e de nova l inguagem para ser trabalhada no planejamento. Os

estudos geográficos não devem só explicar o existente e o aconte­

cido, como também devem ser capazes de propor predições, um

estudo prospectivo no planejamento do espaço geográfico. E, por

essa razão, o resultado do trabalho geográfico deve ser capaz de

prever o estado futuro dos sistemas de organizações espaciais e

contribuir, de modo efetivo, para alcançar o estado mais condi­

zente para as necessidades humanas.

Vale ressaltar que a falta de teorias, na Geografia Tradicional,

foi criticada por inúmeros geógrafos. Por isso, a Nova Geografia

procurou estimular o desenvolvimento de teorias relacionadas às ca­

racterísticas de distribuição e arranjos dos fenômenos no espaço geo­

gráfico. Ela também buscou a abordagem sistêmica na Geografia. A

aplicação da teoria dos sistemas aos estudos geográficos serviu para

um maior desenvolvimento das pesquisas e para delinear com mais

exatidão o setor de estudo dessa ciência.

Com a utilização da quantificação, de teorias e da abordagem

sistêmica, desenvolveram-se o uso e a construção de modelos na

Nova Geografia. A construção de modelos permitiu estruturar

o funcionamento do sistema, a fim de torná-lo compreensível e

expressar as relações entre os diversos componentes, ou seja, visa­

ram-se representar os fenômenos geográficos por meio de mode­

los e explicar como os fenômenos funcionam.

A Nova Geografia retoma estudos antigos que tinham tenta­

do estabelecer modelos espaciais para as atividades humanas. São

exemplos: o estudo de J. H. von Thünen (1783-1850) , que ela­

borou um modelo de ordenamento teórico do uso do solo, o im­

pacto da distância sobre uma dada produção agrícola: teoria dos

anéis agrários; o estudo de Alfred Weber (1868-1958) sobre a ques­

tão da escolha para a localização industrial: teoria da localização

da indústria; o estudo de Walter Christaller (1893-1969) sobre os

"lugares centrais": teoria dos lugares centrais. A Nova Geografia foi

buscar teorias desenvolvidas em outras ciências, especialmente na

Economia e Sociologia.

O foco é deslocado agora para a relação espaço com a econo­

mia e a sociedade humana, por intermédio das necessidades

da racionalidade locacional das indústrias e das atividades eco­

nômicas a ela relacionadas. Por isto, suas teorizações surgem,

em sua maioria, no âmbito da ciência econômica (MOREIRA,

2006, p. 121).

Moraes (1987, p. 108-109), numa análise sobre a Geografia Teó­

rico-Quantitativa, esclarece que esta corrente propôs uma tecnolo­

gia de intervenção na realidade. Foi uma arma de dominação para

os detentores do Estado. Era constituída de um conjunto de técni­

cas que se transformou em ideologia. Nas sociedades capitalistas,

ela auxiliou na alocação de capital no espaço, gerando informações

para a expansão das relações capitalistas de produção.

Muitas foram, e ainda são, as críticas feitas aos geógrafos que

trabalham no contexto da corrente Teórico-Quantitativa, em de­

corrência da utilização de modelos, da matematização da sociedade

e por considerarem a unicidade metodológica e da l inguagem entre

as ciências sociais e naturais. A Geografia Teórico-Quantitativa so­

brevive, todavia, sem o apogeu da década de 1960 e 70. Atualmen­

te, os geógrafos que trabalham sob essa orientação têm realizado

uma renovação nas abordagens e voltado os estudos, também, para

problemas ambientais e sociais, afastando-se do tecnicismo a servi­

ço do Estado, como foi rotulada.

5.2 Geografia da Percepção e do Comportamento

Corrente de pensamento que também surgiu no fim da década

de 1960 e início da de 1970. Caracteriza-se por realizar estudos

para explicar como o indivíduo tem a percepção do lugar. Objeti­

va compreender a percepção e o comportamento das pessoas em

relação ao lugar. Para cada indivíduo ou grupo humano, o lugar é

aquele em que ele se encontra ambientado. O lugar faz parte de seu

mundo, sentimentos e ações.

A Geografia da Percepção e do Comportamento busca estudar

como os homens percebem o espaço por eles vivenciado, como re­

agem às condições da natureza ambiente e como esse processo se

reflete na ação sobre o espaço. Os seguidores dessa corrente tentam

explicar a valorização subjetiva do território, a consciência do espa­

ço, o comportamento em relação ao meio. As pesquisas abordam

temas como: o comportamento do homem urbano em relação ao

espaço de lazer e as atitudes diante das novas técnicas de plantio,

numa determinada comunidade rural (MORAES, 1987, p. 106).

As idéias defendidas por geógrafos do mundo anglo-saxão, como

David Lowentahal, Yi-Fu Tuan e Anne Buttimer, tiveram repercus­

são em diversos países.

Amorim Filho (1999) esclarece que a atividade geográfica, des­

de as origens mais pretéritas, foi realizada pela percepção ambiental

dos praticantes. A partir do final dos anos 1960, buscou-se um res-

gate e uma nova valorização dessa maneira de explorar os lugares

e paisagens da Terra. Os estudos de percepção foram incluídos em

um grande movimento que recebeu, na década de 1970, o nome de

"Geografia Humanística".

Na Geografia da Percepção e do Comportamento, trabalha-se,

principalmente, com a fenômenologia, a cultura e a psicologia para o

entendimento do lugar, da relação entre o homem e o ambiente.

Ela visa à compreensão do homem no ambiente, experiências de

vida e ações e realizações individuais ou coletivas.

Assim, para um melhor esclarecimento sobre essa corrente, é

necessário entender que:

A fenomenologia husserliana chega à Geografia também nos

anos 1970. Porém não como uma fenomenologia das essên­

cias, mas como uma fenomenologia existencial (Buttimer,

1985; Holzer, 1996; Nogueira, 2004), uma visão da fenome­

nologia mais aperfeiçoada à filosofia de Maurice Merleau-Pon-

ty (1908-1962). Perfilam no seu terreno a Geografia da Per­

cepção (Corrêa, 2001), a Geografia Humanista (Mello, 1990;

Holzer, 1993) e a Geografia Cultural (Corrêa, 1999), além da

Geografia Histórica (McDowell, 1995), quatro versões deriva­

das das matrizes norte-americanas criadas por Sauer, aprofun­

dadas por David Lowenthal nos anos 1960 e dimensionadas

por Yi-Fu Tuan nos anos 1970, com estes últimos chegando

à matriz fenomenológica. Há uma dificuldade na empreitada

de localizar-se em cada uma e no conjunto dos seus entrelaça­

mentos o enfoque husserliano {...}. É a percepção ambiental

- a matéria-prima do espaço vivido - a porta de entrada inicial

dessas correntes de Geografia no universo da fenomenologia

husserliana, numa seqüência que da Geografia da Percepção

vai para a Geografia Humanista e desta para a Geografia Cul­

tural — embora não numa relação linear -, o fundamento fe-

nomenológko vindo a aparecer mais como um projeto que

como um fato efetivado (MOREIRA, 2006, p. 42).

Pode-se dizer que, atualmente, as principais vertentes nesta cor­

rente são: a Geografia da Percepção, a Geografia Humanística e a

Geografia Cultural, estando, principalmente, sob influência ou fun­

damentação da fenomenologia, no estudo do lugar, a partir das expe­

riências vividas. Essas Geografias estão em pleno desenvolvimento,

produzindo diversos trabalhos e buscando cada uma a própria iden­

tidade teórico-metodológica.

Os geógrafos dessas correntes valorizam a percepção, o pensa­

mento, os símbolos, a cultura, os sentimentos e a ação do homem

em seu "mundo vivido". Buscam compreender o homem no am­

biente, a experiência de vida e as realizações individuais ou coleti­

vas. E necessário entender a importância do vivido, do sentido dos

lugares, das representações simbólicas. Assim, o "lugar" representa

as experiências e aspirações dos seres humanos, o que é fundamen­

tal para sua identidade:

A resposta ao meio ambiente pode ser basicamente estética:

em seguida, pode variar do efêmero prazer que se tem de uma

vista, até a sensação de beleza, igualmente fugaz, mas muito

mais intensa, que é subitamente revelada. A resposta pode ser

tátil: o deleite ao sentir o ar, água, terra. Mais permanentes e

mais difíceis de expressar, são os sentimentos que temos para

com um lugar, por ser o lar, o locus de reminiscências e o meio

de se ganhar a vida (TUAN, 1980, p. 107).

Segundo Andrade (1987, p. 114-115), a Geografia da Percepção

e do Comportamento, apesar de apresentar divergências entre os vá­

rios grupos que a compõem, encontra-se em ascensão. Essa corrente

tem grande campo de ação, participando da luta em defesa do meio

ambiente, defendendo a criação de parques e reservas florestais, a pre-

servação de bairros históricos; desenvolvendo-se campanhas de orien­

tação que mostram a importância dessas medidas.

Ainda segundo o autor, essa corrente dedica-se especificamente

ao papel do indivíduo no ambiente "como ser independente, não

com a sociedade na forma como ela se apercebe do espaço. E, assim,

profundamente subjetivista" (ANDRADE, 1987, p. 112).

Nesse sentido, há uma questão sobre a qual se deve refletir:

As bases essenciais de trabalho da chamada Geografia do Com­

portamento são essencialmente duas: a) os comportamentos

individuais são resultados de volições e decisão pessoais, indivi­

duais; b) são os comportamentos pessoais que contribuem para

modelar o espaço. {...] Existe aí uma tentativa de considerar a

liberdade humana como absoluta e não como condicionada.

O que constitui um ideal ou mesmo um objetivo a atingir, o

do homem inteiramente livre em uma sociedade de homens

livres, é tomado como se fosse uma realidade. A Geografia do

Comportamento estabeleceu-se sobre uma confusão entre a

margem, diferente segundo os casos, deixada a cada indivíduo

para escolher entre as formas possíveis de atuar e a possibili­

dade de atuar arbitrariamente, sem levar em conta condições

reais de renda, de posição social, de oportunidades permanen­

tes ou ocasionais, e mesmo de lugar. Em uma palavra, o tato

de que a situação do indivíduo na produção é determinante

não é reconhecido. [...}. Existem práxis sociais. Mas o próprio

nome de "sociedade organizada" supõe a precedência das práxis

coletivas, impostas pelas estruturas da sociedade e às quais se

subordinam as práxis individuais (SANTOS, 2002, p. 95).

Portanto, há um grande enfoque sobre o sujeito, e, muitas vezes,

esquece-se de que as liberdades individuais são influenciadas pela

estrutura social. Todavia, não seria correto afirmar que o indivíduo

seria determinado pela sociedade, num determinismo social.

As novas tendências da Geografia Contemporânea (Geografia

da Percepção, Geografia Humanística, Geografia Cultural), embo­

ra sejam ricas de promessas e já tenham sido elaborados diversos

trabalhos de pesquisas nessas áreas, há a necessidade de uma dis­

cussão profunda sobre suas bases teórico-metodológicas.

Atualmente, muitos são os temas trabalhados por essas novas

orientações geográficas, nas linhas de: qualidade ambiental; pai­

sagens valorizadas; riscos ambientais; representações do mundo;

imagens de lugares distantes; história das paisagens; relações entre

artes, paisagens e lugares; espaços pessoais; construção de mapas

mentais; percepção ambiental e planejamento (AMORIM FILHO,

1999)- E outras, como cultura e paisagem além de religião.

5.3 Geografia Ecológica

O crescimento desordenado e os problemas sociais, decorren­

tes do capitalismo, começaram a preocupar os geógrafos no início

da década de 1970, quando ficou evidenciado que, no contexto

mundial , o avanço do capitalismo não havia beneficiado os países

subdesenvolvidos, não havia resolvido o problema das desigual­

dades sociais e da pobreza. Os programas desenvolvimentistas

e os avanços do capitalismo aumentaram a desigualdade entre

países ricos e pobres, fazendo crescer a pobreza e a miséria, prin­

cipalmente no Terceiro Mundo. A utilização, cada vez maior, de

tecnologias avançadas fazia crescer a renda das grandes empresas

capitalistas e o processo de exploração e destruição do meio am­

biente (ANDRADE, 1987, p. 111).

A realização da primeira Conferência Mundial do Desenvol­

vimento e Meio Ambiente, em 1972, em Estocolmo, consti­

tuiu-se em importantíssimo evento sociopolítico voltado ao

tratamento das questões ambientais; se aquele evento signifi-

cou, por um lado, a primeira tentativa mundial de equaciona-

me rito dos problemas ambientais, por outro, significou tam­

bém a comprovação da elevada degradação em que a biosfera

já se encontrava (MENDONÇA, 2005, p. 46).

Diante desse contexto, os geógrafos passaram, também, a se

preocupar com os problemas do meio ambiente, realizando inú­

meras pesquisas sobre o tema, levando em consideração o im­

pacto provocado pela sociedade no meio ambiente (ANDRADE,

1987, p. 119).

E importante destacar que foi o biólogo alemão Ernst Haeckel

(1834-1919) que criou formalmente a disciplina Ecologia, a qual

estuda a relação dos seres vivos com o meio ambiente.

A Geografia, como campo de conhecimento, sempre teve a

preocupação de compreender a natureza na relação com o ho­

mem. Pode-se dizer que, desde o surgimento como ciência, no

século XIX, até aproximadamente a década de 1970, a Geografia

buscava o estudo da relação homem-natureza; neste caso, a na­

tureza era determinante ou possibilidade às ações do homem. No

contexto do capitalismo, a natureza era vista como um recurso

a ser explorado, não havendo preocupações quanto à escassez.

Já a partir da década de 1970 até os dias atuais, o enfoque do

estudo geográfico tem sido a relação sociedade-natureza (homem-

homem e homem-natureza), considerando-se um processo de in­

teração entre ambas, em que há o discurso da necessidade do de­

senvolvimento sustentável do meio ambiente. E preocupação dos

geógrafos e da sociedade a problemática da degradação do meio

ambiente no contexto do capitalismo.

Na Geografia Ecológica não há uma identidade ideológica entre

os vários geógrafos sobre soluções a ser adotadas em relação aos

impactos destrutivos sobre o meio ambiente, mas, em comum, eles

defendem a preservação da natureza e buscam combater as poli-

ticas desenvolvimentistas, de interesse principalmente capitalista,

que vêm financiando a exploração e a destruição do meio ambiente

de forma indiscriminada (ANDRADE, 1987, p. 121).

A formação ampla dos geógrafos possibilita que apresentem crí­

ticas à política antiecológica dos governos e das empresas capitalis­

tas, colaborando com profissionais de diversas áreas para encontrar

soluções mais racionais para o meio ambiente. E importante res­

saltar que os geógrafos da corrente Ecológica, em muitos pontos,

aproximam-se dos geógrafos da corrente crítica ou radical, enquan­

to, em outros, filiam-se à corrente da Geografia da Percepção e do

Comportamento (ANDRADE, 1987, p. 121).

Assim, a Geografia Ecológica é um movimento em defesa do

meio ambiente. Os geógrafos que seguem essa orientação geral­

mente pertencem a outras correntes da Geografia, por exemplo,

Geografia Crítica, Geografia Humanística, Geografia da Percepção,

Geografia Cultural.

Os geógrafos que militam na corrente Ecológica constituem

um movimento de renovação cuja preocupação é a destruição do

planeta em decorrência do uso indiscriminado de tecnologias que

degradam o meio ambiente e destroem os recursos naturais indis­

pensáveis à sobrevivência dos seres humanos e das espécies.

E possível admitir que a Geografia, com a potencialidade de en­

focar, em conjunto, o estudo dos fenômenos naturais e sociais, pode

oferecer orientações científicas necessárias para os estudos sobre o

meio ambiente. Todavia,

O tratamento da temática ambiental é, por assim dizer, ativi­

dade bastante complexa do ponto de vista teórico e mais ainda

do ponto de vista dapráxis. Somente as ações desenvolvidas do

ponto de vista da holisticidade da temática é que conseguem

apresentar resultados satisfatórios no tocante às tentativas de

recuperação e preservação de ambientes degradados locais, re-

gionais ou planetário — a biosfera. Tal complexidade abarca até

a maneira de como se deve conceber o meio ambiente. Neste

sentido a recente contribuição de Carlos Walter Porto Gonçal­

ves é bastante pertinente na medida em que propõe o abando­

no do termo meio ambiente, principalmente pela necessidade

de se tratar o ambiente integralmente e não somente parte

dele. A proposição do referido geógrafo ganha ainda mais força

quando atentamos para a semântica dos dois termos: meio =

ambiente; ambiente = meio (MENDONÇA, 2005, p. 70).

Na corrente da Geografia Ecológica, é importante destacar al­

guns autores que contribuíram, com estudos e publicações, para

a formação desse movimento renovador na Geografia, como Jean

Tricart, geógrafo francês e um dos reformuladores da Geomorfo-

logia. Ele utilizou a dialética, trabalhou muito no Terceiro Mun­

do e publicou um livro que dá a visão global de uma Geografia

Ecológica - UEcogeographie. Outro autor importante é Paskoff,

com observações em áreas desérticas ou em processo de deser-

tificação; ele publicou um livro de caráter geográfico sobre o

assunto — Géographie de Venvironnement. E o grande geomorfólogo

Aziz Nacib Ab'Sber, após anos de trabalho e pesquisa em todo o

Brasil, passou a militar como cientista e cidadão, publicando no­

tas e artigos em jornais e escrevendo ensaios sobre os problemas

ecológicos (ANDRADE, 1987, p. 119-121).

E importante destacar que grande parte da população do mun­

do ainda vive em condições de pobreza e fome, sem acesso a água

tratada e habitação, especialmente nos países subdesenvolvidos. A

maioria dos governantes e empresários acredita que o crescimento

econômico é a solução para eliminar ou reduzir as desigualdades

entre indivíduos e países. Mas o problema que se tem verificado é

que o crescimento econômico mundial tem sido acompanhado pela

degradação do meio ambiente, fome e pobreza.

Outro fato a destacar é que, atualmente, vivemos a Terceira Re­

volução Industrial, em que ocorre a redução do tempo de giro da

produção com a diminuição do tempo de vida do produto, o que

leva o produto a ficar mais "descartável". Tal fato poderá acarretar

no aumento da exploração dos recursos naturais.

{...} em seu sentido e tendências mais gerais, o modo de pro­

dução capitalista converteu-se em inimigo da durabilidade dos

produtos; ele deve inclusive desencorajar e mesmo inviabilizar

as práticas produtivas orientadas para a durabilidade, o que leva

a subverter deliberadamente sua qualidade (idem, 548-9). A "qua­

lidade total" torna-se, ela também, a negação da durabilidade

das mercadorias. Quanto mais "qualidade" as mercadorias apa­

rentam (e aqui a aparência faz a diferença), menor tempo de

duração elas devem efetivamente ter. Desperdício e destrutivi-

dade acabam sendo os traços determinantes. {...]. Não falamos

aqui somente dos fast foods (do qual o McDonalds é exemplar),

que despejam toneladas de descartáveis no lixo, após um lanche

produzido sob o ritmo seriado e fordizado, de qualidade mais

que sofrível. Poderíamos lembrar o tempo médio de vida útil

estimado para os automóveis modernos e mundiais, cuja dura­

bilidade é cada vez mais reduzida (ANTUNES, 2002, p. 51).

Junto com a redução do tempo de vida do produto, ocorre o mar­

keting da mercadoria, incentivando o indivíduo, em sua habitação,

ao consumo, isto é, levando o indivíduo ao fetiche da mercadoria.

A cidade tem sido o principal palco das aglomerações e atividades

humanas e, também, o principal palco de consumo de mercadorias

e produção de lixo. Há, portanto, uma grande questão atualmente

nas cidades: como resolver o problema do lixo urbano?

A questão ambiental tem chamado a atenção em todo o mundo.

Reverter a situação da degradação do meio ambiente é o grande

desafio da atualidade que, ainda, está longe de ser resolvido.

5.4 Geografia Crítica ou Radical

Outra corrente geográfica iniciada na década de 1970 está re­

lacionada à Geografia Crítica ou Radical. Ela surge em decorrên­

cia de diversos fatores. Dentre eles, podemos destacar: as mani­

festações nos Estados Unidos contra a Guerra do Vietnã (nos anos

1960); a luta pelos direitos civis (em diversos países); a destruição

do meio ambiente; os problemas da urbanização; a pobreza nos

países subdesenvolvidos; o racismo; os movimentos feministas; os

movimentos estudantis; a desigualdade entre as classes sociais; e a

desigualdade entre países ricos e pobres.

Vários adjetivos são utilizados para caracterizar essa corrente,

tais como: Geografia Crítica, Geografia Radical, Geografia Social,

Geografia Marxista, Geografia Nova.

Os métodos, as técnicas e os fundamentos da Geografia Tradi­

cional e da Geografia Teórico-Quantitativa tornaram-se insuficien­

tes para apreender a complexidade do espaço. A simples descrição

(Geografia Tradicional) e a construção e explicação, por meio de

modelos, utilizando-se de elementos da matemática e da estatística

(Geografia Teórico-Quantitativa), tornaram-se insuficientes para a

explicação de muitos problemas do espaço geográfico. Era preciso

realizar estudos voltados para a análise das ideologias e de novas

questões políticas, econômicas e sociais. Assim, a partir dos anos

1970, sob influência das teorias marxistas, surge uma tendência crí­

tica à Geografia Tradicional e à Geografia Teórico-Quantitativa, cujo

centro dê preocupação passa a ser as relações sociais e de produção

e as relações sociedade-natureza na produção do espaço geográfico,

considerando o objeto de estudo da Geografia o espaço social.

A nova corrente criticou a Geografia Tradicional e a Geografia

Teórico-Quantitativa afirmando que elas estavam a serviço da ação

do Estado e das empresas capitalistas. Assim, propõe uma Geogra­

fia das denúncias e lutas sociais, a Geografia Crítica ou Radical: não

basta explicar o mundo, é preciso transformá-lo. Nesse sentido, a

Geografia ganhou conteúdos políticos que passaram a ser utilizados

para a transformação da sociedade.

Os conteúdos teóricos e metodológicos da Geografia Nova tive­

ram grande influência na produção científica das últimas décadas.

Para o ensino, trouxe uma nova forma de interpretar as categorias

geográficas espaço, território, região, paisagem, lugar e influenciou, a

partir dos anos 1980, uma série de propostas curriculares voltadas

para uma nova abordagem no ensino, nas escolas e universidades.

As propostas foram centradas, principalmente, nas contradições da

produção e reprodução do espaço geográfico sob o capitalismo, evi­

denciando a desigual forma de apropriação e utilização dos recursos

naturais pela sociedade. Elas fundamentam-se, principalmente, no

materialismo histórico e na dialética materialista.

Moraes (1987, p. 117) esclarece que a Geografia Crítica tem

origens na vertente progressista da Geografia Regional francesa.

Foi Jean Dresch um exemplo de afirmação dessa vertente e de um

discurso político crítico (Dresch escreveu as obras na década de

1930 e 1940).

Ainda segundo o autor, a primeira manifestação clara da renova­

ção crítica pode ser constatada na proposta da obra Geografia ativa

(escrita por E George, Y Lacoste, B. Kayser e R. Guglielmo), que

objetivava uma Geografia de denúncia de realidades espaciais con­

traditórias. Buscavam-se explicar as regiões, abordando formas e

funcionalidades e, também, contradições sociais: a miséria, a sub­

nutrição, as favelas etc. (MORAES, 1987, p. 117).

Por meio de pequenos grupos de professores e alunos em di­

versas universidades americanas, a leitura e a análise das obras

de Marx e Engels foram aspectos destacados no movimento da

Geografia Radical, a fim de procurar focalizações para a análise

marxista do espaço. Em 1974, foi fundada a União dos Geógra­

fos Socialistas, com a finalidade de produzir trabalhos voltados

à mudança social. Ela mantém uma revista, participa de movi­

mentos políticos e reivindicatórios, realiza congressos e procura

difundir idéias, visando à renovação do conhecimento geográfi­

co; há centros organizados em Boston e Baltimore, nos Estados

Unidos; e em Montreal, Toronto e Vancouver, no Canadá. Outro

ponto importante na evolução da corrente da Geografia Radical

americana foi a publicação do livro de David Harvey A justiça

social e a cidade, em 1973, objetivando uma análise marxista do

espaço urbano. Nos Estados Unidos, desde 1969, está em circu­

lação a revista Antipode, que é um veículo de divulgação desse

movimento geográfico.

Na França, a corrente da Geografia Crítica foi liderada por Yves

Lacoste, cujo grupo se tornou responsável pela revista Hérodote, que

vem sendo editada desde 1976. Na Inglaterra, diversos trabalhos

significativos foram produzidos no contexto da Geografia Radical.

Andrade (1987, p. 122) afirma que, na Geografia Crítica, en­

contram-se grandes subdivisões, como a corrente de geógrafos não-

marxistas, mas comprometidos com os problemas sociais; geógrafos

com formação anarquista que utilizam os discursos de Elisée Reclus

e Pietr Kropotkin nas críticas à sociedade burguesa; e geógrafos de

formação marxista, dando grande ênfase às formações econômicas

e aos modos de produção.

Já Garcia (1978 apud MAYER, 1988, p. 95), em estudos sobre a

Geografia Radical anglo-saxônica, apresenta quatro tendências.

1) Orientação anarquista, centralizada na Universidade de Si-

mon Fraser e na de Clark, nesta última salientando o trabalho

de Richard Peet. Esta linha remonta as origens aos trabalhos

de Peter Kropotkin e Elisée Reclus.

2) Orientação popular radical, que se caracteriza pelo contato di­

reto dos geógrafos com as populações das áreas e dos bairros

a ser investigados. O geógrafo participa e orienta a população

para solucionar problemas e traçar reivindicações. A obra de

Willian Bringe (1971) é exemplo desse tipo de procedimento.

3) Orientação para o Terceiro Mundo, exemplificada pelos traba­

lhos de J. M. Blaut (1973; 1975; 1976), destinada a propor

análises sobre o desenvolvimento e o imperialismo, entre vá­

rios outros temas.

4) Orientação marxista, que se baseia no estudo das obras de

Marx e Engels, na procura de fundamentos teóricos e na apli­

cação aos problemas socioeconômicos de expressão espacial.

Os trabalhos de David Harvey (1973; 1974; 1975; 1976) são

expressivos como exemplos dessa orientação.

Apesar de comumente se utilizar a expressão "Geografia Crí­

tica ou Radical", Vesentini (2007) esclarece que o termo, na sua

origem, foi criado ou ao menos identificado com a obra A geogra­

fia: isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra (de 1976),

de Yves Lacoste, e com a proposta da revista Hérodote. Alguns

anos antes, surgiu, na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, a cha­

mada "Geografia Radical". Ela diferiu um pouco da Geografia

Crítica, pois esta se desenvolveu de forma um pouco mais aberta

e pluralista, demonstrando restrições ao marxismo ortodoxo. Já o

grande adversário da Geografia Radical era a Geografia Teórico-

Quantitativa. Nesse sentido, ela atuou de forma mais radical do

que a Geografia Crítica.

Yves Lacoste foi considerado o autor que formulou a crítica mais

severa à Geografia Tradicional no livro A geografia: isso serve, em

primeiro lugar, para fazer a guerra. Lacoste argumenta que há uma

"Geografia dos Estados-Maiores", que sempre existiu ligada à práti­

ca do poder, cuja função estratégica é conhecer o espaço para orga­

nizá-lo, a partir e a serviço dos interesses do Estado ou das grandes

empresas capitalistas. E que existe também uma "Geografia dos

Professores", a qual foi denominada de tradicional. Esta repassa para

os alunos, por meio dos conteúdos escolares, um saber inútil que

descreve lugares, enumera informações, sem lhes dar o significado

que realmente têm. O estudo da Geografia na escola, nessa pers­

pectiva, atua mais para obscurecer o valor estratégico de saber pen­

sar o espaço geográfico e para encobrir os interesses da "Geografia

dos Estados-Maiores". A "Geografia dos Professores" contribui para

levantar, de forma camuflada, dados para a "Geografia dos Estados-

Maiores" (MORAES, 1987, p. 114).

Outro autor que recebeu reconhecimento internacional foi Mil­

ton Santos. Preocupado em dar à Geografia Contemporânea um

instrumental teórico-metodológico capaz de realizar uma leitura

crítica do mundo, ele perseguiu, de forma obstinada, a construção

e reconstrução de conceitos e categorias analíticas para a Geografia.

Foi um geógrafo comprometido com uma visão totalizadora e di­

nâmica das transformações da sociedade. Nos trabalhos, apresenta

uma visão crítica da sociedade capitalista.

Na obra Por uma geografia nova, ele expressa uma proposta

geral para o estudo geográfico, sendo, assim, um livro de conteú­

do normativo. Ele tenta responder à questão primordial: o que é

Geografia? e argumenta que é necessário discutir o espaço social e

ver a produção do espaço social como o objeto. O espaço social, objeto

da Geografia, é histórico, obra do trabalho e morada do homem.

Ele é um fato social, um produto da ação humana, que pode

ser explicado pela produção. O espaço social é uma natureza

socializada, resultado de uma acumulação de trabalho, uma in­

corporação de capital na superfície terrestre. Santos afirma que a

organização do espaço geográfico é determinada pela tecnologia,

pela cultura e pela organização social da sociedade. No capita­

lismo, a organização espacial é imposta pelo ritmo da acumula­

ção capitalista, criando espaços geográficos diferenciados, mas

interligados. O Estado e o capital escolhem áreas, estabelecem

uma divisão territorial do trabalho, impõem uma hierarquização

dos lugares, pela dotação diferenciada dos equipamentos. O Es-

tado é o agente de transformação, de difusão e de dotação e, no

contexto atual, obedece à lógica dos interesses do capitalismo

(MORAES, 1987, p. 122-125).

Sposito (2004, p. 88) explica que Milton Santos (1985):

{...} afirma que o espaço deve ser estudado por meio de quatro

categorias: forma é o "aspecto visível de uma coisa", "o arranjo

ordenado de objetos", um padrão; função "sugere uma tarefa

ou atividade esperada de uma forma, pessoa, instituição ou

coisa"; estrutura "implica a inter-relação de todas as partes de

um todo, o modo de organização da construção" eprocesso, que

"pode ser definido como uma ação contínua, desenvolvendo-

se em direção a um resultado qualquer, implicando conceitos

de tempo (continuidade) e mudança".

Nesse sentido, esclarece Santos (1985, p. 52):

Forma, função, estrutura e processo são quatro termos disjun-

tivos, mas associados, a empregar segundo um contexto do

mundo de todo dia. Tomados individualmente representam

apenas realidades parciais, limitadas, do mundo. Considerados

em conjunto, porém, e relacionados entre si, eles constróem

uma base teórica e metodológica a partir da qual podemos

discutir os fenômenos espaciais em. totalidade.

Segundo Gomes (1991, p. 71):

Ao lado de Milton Santos em sua busca epistemológica de cons­

trução de uma "Geografia renovada", que se paute pela "dialética

{.. .}", estão outros geógrafos de vanguarda, tais como Ruy Mo­

reira, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, Antônio Carlos Robert

Morais, Armando Correia da Silva etc, que são unânimes em

colocar como preocupação central a questão da reconstrução da

ciência geográfica, a partir de seu objeto — o espaço social {...}.

São diversas as obras produzidas, relacionadas com a Geografia

Crítica ou Radical. Entre elas, pode-se destacar: Geografia da fome,

de Josué de Castro; Geografia do subdesenvolvimento, de Y Lacoste;

Sociologia e geografia, de P. George; Geografia e dialética, de R. Gu-

glielmo; Geografia e ideologia, de J. Anderson; Marxismo e Geografia,

de Massimo Quaine.

A Geografia Crítica é uma frente que reúne diversos grupos e

orientações, mas todos assumem uma perspectiva de transforma­

ção da ordem social, uma sociedade mais justa e solidária, uma

Geografia Solidária que trabalhe por justiça social, considerando a

sociedade-natureza, tendo como principal fundamentação teórico-

metodológica a Dialética Materialista.

Geografia: Sociedade-Natureza

C A P Í T U L O s e i s

Considerando a Geografia uma ciência que estuda

o espaço, no contexto da relação sociedade-natureza,

sendo este espaço formado por elementos artificiais e

naturais, os que estudam tal campo de conhecimento

sabem da dificuldade de "fazer Geografia" e "ensinar

Geografia", já que é uma ciência que trabalha com

fenômenos naturais e humanos.

Foi dito, em capítulos anteriores, que, no decorrer de

milhares de anos, florestas foram substituídas por cam­

pos de cultivos ou cidades, estradas foram construídas,

rios foram desviados do curso etc, ou seja, o homem

transformando a natureza e também sofrendo a ação

dela. Ao transformar a natureza, por meio do trabalho,

o homem começou a produzir alimentos, ferramentas,

habitações, estradas etc, ou melhor, começou a pro­

duzir o espaço geográfico. Esse espaço produzido pelo

homem apresenta-se como uma segunda natureza, uma

natureza social, humanizada. Assim, há a primeira natu-

reza, aquela que foi e é produzida sem a ação humana (rios, florestas,

montanhas etc); e a segunda natureza, aquela produzida pela ação do ho­

mem (cidades, agricultura, estradas, instrumentos de trabalho etc).

A história da natureza é anterior à história do homem, mas o

homem faz parte da história da natureza, pois ele não deixou de ser

natureza, todavia, buscou transformar a natureza natural em na­

tureza social. Isto é, ao se apropriar da primeira natureza, o homem

tem buscado transformá-la para atender a suas necessidades, numa

segunda natureza. Portanto, pode-se afirmar que "a história da huma­

nidade é a continuação da história da natureza. Essa interação dialé­

tica justifica o aspecto existencial e leva a pensar o homem como um

ser natural, devendo-se, contudo, entendê-lo, primeiramente, como

um ser social" (CASSETI, 1995, p. 13). Os animais conhecem as

coisas; já o homem, além de conhecê-las, investiga suas causas. Os

animais só conhecem por via sensorial; enquanto o homem conhece

e pensa, elabora o material do conhecimento (RUIZ, 1996, p. 90).

É pela apropriação e transformação da natureza que o homem

produz os recursos necessários para a sobrevivência, pois, desde

o surgimento da humanidade, a natureza sempre foi um recurso

para a existência do homem. E o grau de exploração tem acom­

panhado o grau de desenvolvimento da humanidade. Visto que

"quanto mais a sociedade se desenvolve, mais ela transforma o

meio geográfico pelo trabalho produtivo social, acumulando nele

novas propriedades. [...} Assim, o trabalho é visto como media­

dor universal na relação do homem com a natureza" (CASSETI,

1995, p. 13).

Se o espaço geográfico contextualiza-se na relação sociedade-

natureza, é por meio do trabalho que o homem se apropria e trans­

forma a natureza. Também é por intermédio do trabalho que os

homens se relacionam no processo de produção, pois:

As relações de produção são na essência relações estabelecidas

entre os homens no processo de produção social. São, portanto,

relações sociais de produção. Essas relações são a essência do

processo produtivo. Elas são estabelecidas independentemen­

te da vontade individual de cada um no processo de produção.

Os níveis de desenvolvimento dessas relações dependem do

grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais da

sociedade (OLIVEIRA, 1987, p. 59).

A produção do espaço geográfico, sob as relações capitalistas de

produção, tem originado espaços desiguais e inter-relacionados, de­

correntes, principalmente, da ação do Estado e do capital, que cria

espaços com níveis diferenciados de desenvolvimento. É possível

encontrar, no espaço geográfico, países, regiões, lugares com níveis

distintos de desenvolvimento.

É importante ressaltar que o espaço geográfico não é só resulta­

do da produção social, como também da ação da natureza, trans­

formando esse espaço. Assim, tem-se um espaço historicamente

resultante da dialética sociedade-natureza. O espaço geográfico é

construído e reconstruído na relação sociedade-natureza.

Todavia, como a sociedade sob a égide do capitalismo está divi­

dida em classes sociais, a apropriação e a transformação da natu­

reza ocorrem de forma desigual, criando a desigualdade entre os

indivíduos, visto que:

As relações capitalistas de produção são relações baseadas

no processo de separação dos trabalhadores dos meios de

produção, ou seja, os trabalhadores devem aparecer no

mercado como trabalhadores livres de toda a propriedade,

exceto de sua própria força de trabalho. Devem estar livres

de todos os meios de produção. Esse processo, chamado

pela ideologia capitalista de liberdade, assenta no proces­

so de apropriação dos meios de produção dos trabalhado­

res, ocorrido em período histórico imediatamente anterior

(OLIVEIRA, 1987, p. 59-60).

Mas convém destacar que não foi o capitalismo que criou as de­

sigualdades econômicas entre os indivíduos, pois essa condição tem

origem em tempos pretéritos, de modos de produção anteriores ao

capitalismo.

Outro fato a ressaltar, de grande relevância, é que o espaço geo­

gráfico é desigual não só por fatores econômicos, como também

naturais, sociais, culturais e tecnológicos.

Portanto, conforme afirma Andrade (1987, p. 14-15):

[...] no processo de produção e de reprodução do espaço, cada

formação econômico-social procura organizar o espaço à sua

maneira, ao seu modo, de acordo com interesses do grupo do­

minante e de acordo também com as suas disponibilidades

de técnica e capital. Daí uma área territorial com as mesmas

características apresentar formas de utilização do espaço di­

ferentes, se dividida entre países que optaram por sistemas

econômicos diferentes, ou se for dividida por fronteiras que

separam países com elevados desníveis de desenvolvimento.

Na contemporaneidade, o espaço geográfico apresenta-se cada

vez mais complexo, o que pode ser observado no seguinte texto de

Aranha (1996, p. 234-235):

[...] está marcado pela ênfase na ciência e na tecnologia, que

vêm transformando rapidamente os usos e costumes dos habi­

tantes de todo o globo terrestre. Dentre as conquistas tecnoló­

gicas, destacam-se os transportes ultra-rápidos, a automação,

a comunicação eletrônica. Aviões, rádio, televisão, fax, satéli­

tes e a rede cada vez mais expandida da Internet subvertem o

espaço e o tempo do homem contemporâneo, aproximando os

povos e alterando a maneira de pensar e trabalhar.

No âmbito dos negócios, essas facilidades desencadeiam a glo­

balização da economia. O fortalecimento das multinacionais,

por sua vez, paulatinamente enfraquece a capacidade de os

Estados nacionais interferirem na gestão dos negócios.

A explosão dos negócios mundiais, acompanhada pelo avan­

ço tecnológico da crescente robotização e automação das em­

presas, nos faz antever profundas modificações no trabalho e,

conseqüentemente, na educação. Só para antecipar algumas: a

automação e informatização tem provocado o aumento do se­

tor de serviços (terciário), entrando no mundo pós-indústria;

na indústria (setor secundário), a flexibilização do trabalho dis­

tancia a rigidez da linha de montagem do fordismo, porque as

atividades mecânicas e repetitivas vão se tornando função das

máquinas robotizadas. Essas alterações levam à superação da

dicotomia entre as fases de planejamento e execução, ao exigir

um trabalhador polivalente, de maior atividade intelectual,

capacidade de iniciativa e adaptação rápida às mudanças.

Pelo mesmo motivo da automação, há o aumento do desemprego,

a redução do tempo de trabalho e o conseqüente tempo livre.

Outra conseqüência da comunicação eletrônica é a cultura da

informação, com todas as suas vantagens e prejuízos. O volume

de informações veiculado pelos meios de comunicação de massa

amplia os horizontes e até ajuda a superar estereótipos. Por ou­

tro lado pode, negativamente, homogeneizar e descaracterizar

culturas tradicionais, bem como alienar e massificar, quando

predomina o consumo passivo da informação sem crítica.

Além disso, vivemos em uma época que privilegia a imagem,

e os meios audiovisuais nos bombardeiam o tempo todo com

figuras atraentes e fragmentárias. O signo verbal escrito

cede lugar ao simulacro, ou seja, pode-se mesmo dizer que as

imagens espetacularizam a vida, à medida que simulam o real

com formas hiper-reais, convertendo as pessoas em especta­

dores de um shoiv permanente. A universalização da imagem

não se restringe ao mundo do lazer e do entretenimento,

mas dá origem a uma outra forma de pensar, distante do

saber tradicional, em que as informações derivam mais da

transmissão oral ou escrita.

A explosão demográfica e a crescente urbanização são outros

fatores que desencadeiam transformações nos estilos de vida

do homem contemporâneo e alteram suas expectativas de

educação. A grande massa urbana se amontoa para assistir aos

sbows de música, aos jogos esportivos ou ainda às grandes ceri­

mônias religiosas. No extremo oposto dessas aglomerações, os

indivíduos atomizados em suas casas recebem de forma solitá­

ria as informações divulgadas pela mídia.

Os acontecimentos descritos têm deixado o homem contempo­

râneo perplexo a respeito de seus valores e das categorias que

utiliza para compreender o mundo e a si mesmo, alterando-lhe

de forma contundente as maneiras de pensar, sentir e agir.

Texto: A educação no terceiro milênio

Vivemos em um espaço geográfico sempre em mudança, já que

ele é produzido pela dinâmica da sociedade-natureza.

Nas últimas décadas, a internacionalização do capitalismo conti­

nua a se intensificar, contribuindo para o processo da globalização.

E tem provocado a concentração de riqueza, aumentando as dife­

renças entre países ricos e pobres e, no interior de cada um deles,

entre as regiões, os lugares e as classes.

No processo de globalização, a formação de grandes corpora­

ções capitalistas domina a economia mundial sob a ideologia neo-

liberal; na prática, as grandes empresas têm entrado num processo

de fusão, formando grandes corporações e dominando os mercados

mundiais.

A ideologia neoliberal atinge o Estado, forçando-o a reduzir

a intervenção na economia, enxugar os gastos públicos e acabar

com a burocratização. Pode-se perceber, portanto, a redução dos

investimentos em saúde, educação e segurança e a diminuição

de contratação de funcionários públicos na maioria dos países do

mundo. Ocorre, também, a saída do Estado do setor energético,

mineral, telecomunicações etc.

A automatização e robotização industrial têm acelerado o pro­

cesso de fabricação, com o aumento e a diversificação da produção.

Busca-se a produção em pequenos lotes, de acordo com a demanda

do mercado, a redução do tempo de giro na produção e a do tem­

po de vida do produto. Ao mesmo tempo, isso tem provocado o

desemprego, o crescimento do mercado informal, a terceirização e

o surgimento de novas profissões com educação continuada. Neste

caso, a empresa, o Estado ou o próprio trabalhador ficam responsá­

veis pelos custos com a educação.

A contemporaneidade vivência a formação de Grandes Blocos

Econômicos Regionais e a fragmentação de países, com o surgi­

mento de novos Estados. Há o ressurgimento ou a queda de ideo­

logias; o nacionalismo; as guerras locais e o terrorismo.

Há a corrupção econômica e política; a adoração ao corpo e a

ídolos; os sonhos das novelas, filmes e propagandas, dominados

pelos meios de comunicação, que alienam os indivíduos nas habi­

tações. As relações pessoais, as informações, as mercadorias viven-

ciam o efêmero, o fugaz.

Na contemporaneidade ocorre, também, o problema da fome,

do favelamento, dos "bolsões de misérias", do ressurgimento de

antigas doenças e do aparecimento de novas, de epidemias, dos

sem-teto e dos sem-terra, da miséria.

Há o tráfico de seres humanos, de drogas e de armas. A violência

armada é um fato cotidiano em diversos países do mundo, atingin­

do a população civil, principalmente, crianças, mulheres e idosos.

Temos, ainda, problemas ambientais, como: escassez e poluição

das águas; efeito estufa, com o aquecimento global; desertificação;

desmatamento; salinização do solo etc. Os problemas ambientais

ganham abrangência mundial, e governantes, cientistas e socieda­

de buscam soluções para a problemática.

Outro fato é que o ser humano tem deixado de procurar o "ser" e

tem buscado o "ter": as mercadorias valem mais que o ser humano.

Também, novos temas são trabalhados na Geografia, como: re­

des; meio-técnico-científico-internacional; ciberespaço; objetos-in-

tencionalidades etc.

Vemos, então, que, há diversas mudanças no mundo - assuntos

e fenômenos de interesse da ciência geográfica que ocorrem e trans­

formam o espaço geográfico.

Pode-se dizer que aqueles que "fazem Geografia" têm uma mis­

são a realizar: não somente tentar compreender o mundo, como,

também buscar soluções para os diversos problemas, sejam eles so­

ciais, sejam ambientais. É necessário o compromisso do profissional

de Geografia que abraça esse campo do conhecimento.

É preciso lembrar que não há a neutralidade política nem chega­

mos ao fim das ideologias; cabe ao geógrafo, como educador e pes­

quisador, ficar atento e se manter numa postura crítica em relação

ao "saber geográfico", como ele é produzido e para quem vai servir,

o vínculo com as relações de poder e de classes.

Hoje, pode-se dizer que o desenvolvimento da ciência geográfica

passou por diferentes momentos, gerando reflexões distintas acerca

dos objetos e métodos do fazer geográfico. De certa forma, as refle­

xões influenciaram e ainda influenciam o pensamento geográfico

da atualidade.

Verificando-se a história do pensamento geográfico, poderá ser

constatado um conjunto de categorias fundamentais que contri­

buíram para a formação da ciência geográfica e do entendimento

do espaço geográfico, como: lugar, território, região, paisagem e

espaço, sendo esta última a mais abrangente.

Na contemporaneidade, faz-se necessário, então, refletir sobre

como os geógrafos conceberam e, atualmente, concebem as cate-

gorias fundamentais e as utilizam para a compreensão e transfor­

mação do mundo. Cada uma delas recebe maior ou menor impor­

tância ou enfoque, conforme os vários "fazeres geográficos", como:

Geografia Crítica (Dialética Materialista); Geografia da Percepção e

Comportamento, ou melhor, Geografia da Percepção; Geografia Huma-

nística; Geografia Cultural; Geografia Histórica (fundamentando-se,

principalmente, na Fenomenologia); Geografia Teórico-Quantitativa

(Neopositivismo); Geografia Ecológica. E, também, das Geografias

que poderão surgir na nova dinâmica sociedade-natureza da con­

temporaneidade.

Enfim, tentou-se aqui, neste livro, contar uma pequena histó­

ria do pensamento geográfico, enfocando a importância da ciência

geográfica na compreensão da sociedade-natureza, categorias, "es­

colas", "correntes", métodos e objetos.

A Geografia, como os outros campos de conhecimento, é uma

ciência dinâmica; e suas categorias fundamentais são também dinâ­

micas: paisagem, lugar, região, território e espaço.

Muitos trabalhos têm sido elaborados sob novos enfoques no

campo da Geografia, produzindo novos saberes, possibilitando o

avanço da Ciência Geográfica.

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