Fungos - Aula transcrita

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FUNGOS Na prática, doença fúngica é uma doença de indivíduos imunocomprometidos (pessoas com AIDS, em tratamento para câncer ou transplantados). Porém, mesmo em indivíduos imunologicamente preservados, pode ocorrer doença fúngica, se, por exemplo, uma grande quantidade de fungos for inspirada. Diagnóstico: Cultura em placa de Petri = micoses superficiais Exame histopatológico (biópsia) = fungos sistêmicos Exame histopatológico Diagnóstico através da morfologia dos fungos nos tecidos: hifas, pseudohifas, levedura, esferolada ou grão. Hifa: elemento fúngico único comprido, que pode ter ramificação ou não. Pode ser septada ou não. Hifas com ramificação em 45° = Aspergillus. Pseudo-hifa: elemento fúngico comprido, porém decorrente da reunião de vários pequenos esporos. Levedura: forma arredondada. Pode dar brotamento ou não, sendo que os brotamentos podem ser únicos ou múltiplos. Exemplos: Histoplasma capsulatum, Paracocciodiose braziliensis ou Cryptococcus neoformans. Esferola (raro): são elementos grandes e redondos que aparecem em HE (não necessitam de impregnação pela prata). Esses fungos não se reproduzem por brotamento, como é o caso das leveduras, e sim por endósporos (elementos dentro da esferola). Os endósporos se reproduzem e rompem a cápsula da esferola para serem liberados. Grãos: fungos tão grandes que são vistos a olho nu. Podem ser brancos, pretos ou vermelhos. Geralmente se exteriorizam através de uma fístula. Para ver os fungos no tecido, é utilizada coloração de impregnação pela prata, conferindo ao fungo tonalidade preta. A investigação para doença fúngica (e também para micobactéria) se faz necessária em todo indivíduo com inflamação crônica granulomatosa. Os fungos são microorganismos de difícil eliminação, que sustentam uma resposta imunológica predominantemente por macrófagos, que se diferenciam em epitelióides, formando o granuloma. Note que são microorganismos

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FUNGOS

Na prática, doença fúngica é uma doença de indivíduos imunocomprometidos (pessoas com AIDS, em tratamento para câncer ou transplantados). Porém, mesmo em indivíduos imunologicamente preservados, pode ocorrer doença fúngica, se, por exemplo, uma grande quantidade de fungos for inspirada.

Diagnóstico:

Cultura em placa de Petri = micoses superficiais Exame histopatológico (biópsia) = fungos sistêmicos

Exame histopatológico

Diagnóstico através da morfologia dos fungos nos tecidos: hifas, pseudohifas, levedura, esferolada ou grão.

Hifa: elemento fúngico único comprido, que pode ter ramificação ou não. Pode ser septada ou não. Hifas com ramificação em 45° = Aspergillus.

Pseudo-hifa: elemento fúngico comprido, porém decorrente da reunião de vários pequenos esporos.

Levedura: forma arredondada. Pode dar brotamento ou não, sendo que os brotamentos podem ser únicos ou múltiplos. Exemplos: Histoplasma capsulatum, Paracocciodiose braziliensis ou Cryptococcus neoformans.

Esferola (raro): são elementos grandes e redondos que aparecem em HE (não necessitam de impregnação pela prata). Esses fungos não se reproduzem por brotamento, como é o caso das leveduras, e sim por endósporos (elementos dentro da esferola). Os endósporos se reproduzem e rompem a cápsula da esferola para serem liberados.

Grãos: fungos tão grandes que são vistos a olho nu. Podem ser brancos, pretos ou vermelhos. Geralmente se exteriorizam através de uma fístula.

Para ver os fungos no tecido, é utilizada coloração de impregnação pela prata, conferindo ao fungo tonalidade preta.

A investigação para doença fúngica (e também para micobactéria) se faz necessária em todo indivíduo com inflamação crônica granulomatosa. Os fungos são microorganismos de difícil eliminação, que sustentam uma resposta imunológica predominantemente por macrófagos, que se diferenciam em epitelióides, formando o granuloma. Note que são microorganismos que se reproduzem dentro da célula. Também podem liberar antígenos e induzir uma resposta por neutrófilos.

Classificação das micoses

Micoses superficiais ou cutâneas: acometem exclusivamente a epiderme (ex: pano branco).

Micoses subcutâneas: acometem a derme

Essas são transmitidas por contato direto ou inoculação através de ferimentos, de um pedaço de madeira, espinho ou traumatismo.

Micoses sistêmicas ou viscerais

Têm como porta de entrada caracteristicamente o sistema respiratório. É sempre preciso inalar os esporos e daí ocorre a disseminação para outros órgãos, inclusive a pele. Uma

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micose sistêmica pode cursar com manifestação cutânea, mas necessariamente a sua porta de entrada foi inalação.

Indivíduos portadores de micoses sistêmicas mas que não apresentam comprometimento pulmonar curaram o foco pulmonar da doença.

Patogenicidade

Um fungo só é patogênico quando é capaz de causar doença. Um mecanismo é a inibição da resposta inflamatória (ex: alguns fungos produzem substâncias semelhantes a corticoesteróides, que diminuem a migração leucocitária e a especialização da resposta imune). Outros fungos impedem a formação de fagolisossomos ou até inativam enzimas lisossomais.

A patogenicidade também depende da intensidade da exposição de determinado indivíduo àquele fungo. Acredita-se que indivíduos com imunidade preservada só desenvolvam doenças graves causada por fungo quando a exposição é maciça.

O fator mais importante na doença fúngica é a imunidade. Por mais patológico que um fungo seja, um indivíduo com a imunidade preservada tem que sofrer hiperexposição para desenvolver a doença ou outras condições favoráveis. Por exemplo, a Candida é um fungo existente na mucosa vaginal de qualquer mulher sadia, mas só provoca corrimento e prurido quando se prolifera exageradamente devido a existência de condições ideais tais como diabetes e vida sexual promíscua, que levam a repetidas infecções bacterianas vaginais.

Características patogênicas de fungos:

Aderência: exibir certas moléculas de adesão na membrana com afinidade, por exemplo, por um antígeno do epitélio pavimentoso alveolar.

Invasão: capacidade de produzir substâncias enzimáticas que permitam a destruição do tecido em que está localizado.

Disseminação: capacidade de se multiplicar nos tecidos. Há alguns artifícios para isso: mutação antigênica (escape da resposta imune), capacidade de se adaptar ao corpo, etc.

Uma vez que penetrou nos tecidos, o fungo precisa de alguns fatores que garantam sua sobrevivência:

Capacidade de se adaptar à temperatura do corpo humano Capacidade de secretar enzimas que atuem contra células do hospedeiro Secreção de substâncias semelhantes a corticoesteróides que inibem e atenuam a

resposta imunológica Alteração da cápsula com mascaramento antigênico Indução de imunotolerância através da liberação maciça de antígenos Produção de substâncias que inibem a proliferação de linfócitos T

Micoses viscerais ou sistêmicas

São as que realmente causam doenças graves.

Mais importantes no nosso meio: Histoplasma capsulatum, Paracoccidiose braziliensis, e Cryptococcus neoformans.

Cryptococcus neoformans

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Indivíduo inala esporos e acontece infecção pulmonar, podendo se manifestar ou não. Se houver curso benigno na infecção, a tendência é que haja cura. Nesses casos uma intradermorreação dará positiva. Outra possibilidade é a de um curso benigno sem cura, mas que a infecção fica restrita a um foco quiescente (microorganismos estão viáveis, porém limitados por uma reação inflamatória granulomatosa). Esse foco quiescente pode servir de fonte de disseminação em época de imunodeficiência, podendo resultar em doença grave.

A evolução maligna pode ocorrer logo no início da infecção se o indivíduo for portador de imunodeficiência ou se houver inspiração maciça de esporo. Nesse caso, o paciente cursa com manifestação pneumônica (febre, mal estar, fadiga, dispnéia), além de poder ocorrer disseminação para outros órgãos.

Alguns fungos possuem tropismo por determinados órgãos. No entanto, um fungo pode acometer mais de um órgão. Por exemplo, se examinado um material de paciente com AIDS, pode-se observar criptococose em supra-renais, intestino, pele, fígado e outros órgãos diversos. Porém, a grande maioria dos casos de infecção por Cryptococcus acomete SNC, sob a forma de meningite (menigeia, dor de cabeça e rigidez de nuca), que é mais comum, ou hipertensão intracraniana (aspecto tumoral intracerebral de natureza não-neoplásica de natureza infecciosa), ou ambos. O Cryptococcus possui uma cápsula de mucopolissacarídeo, que na meninge assume um aspecto de catarro mucóide. Na microscopia observa-se meninges alargadas e com aspecto espumoso (macrófagos não estimulados).

Histologicamente o Cryptococcus neoformans é uma levedura (medindo aproximadamente 10 µm) com brotamento único. Em coloração de “mursi carmim” a sua cápsula cora em vermelho por ser rica em muco.

Uma forma rápida de diagnóstico de infecção por Cryptococcus é o exame do líquor em gota de nanquim, onde se vê a imagem negativa do fungo.

O Cryptococcus também pode causar lesão cutânea, porém certamente a porta de entrada é inalatória, ainda que não apresente lesões em outras partes do corpo. O que acontece é que as manifestações de outros sistemas desapareceram, pois a única via de entrada para Cryptococcus é a respiratória.

Paracoccidiose braziliensis

Causa blasmocitose, doença muito importante no Brasil, principalmente na zona rural. É uma micose sistêmica, mas geralmente acomete pele e mucosas, e pode cursar com infarto ganglionar, lesão da língua, comprometimento do palato e até apresentar forma pseudotumoral em epiglote, causando insuficiência respiratória grave.

Determina, como qualquer fungo, inflamação granulomatosa.

Histologicamente é uma levedura de brotamento múltiplo.

Histoplasma capsulatum

É uma micose endêmica em Salvador, muito importante na morbi-mortalidade em pacientes com AIDS. É um fungo sistêmico e apresenta como peculiaridade a queda súbita do estado geral junto com insuficiência supra-renal.

Outra peculariedade do Histoplasma é a determinação de necrose caseosa, se apresentando igual à tuberculose em histologia por HE.

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ATENÇÃO! EM CASOS DE GRANULOMAS COM NECROSE CASEOSA DEVE-SE PROCEDER INVESTIGAÇÃO TANTO PARA HISTOPLASMA QUANTO PARA MICOBACTÉRIA!

O Histoplasma é um fungo álcool-ácido resistente e se cora pelo Ziehl-Neelsen. É uma levedura pequena com brotamento único.

Micoses subcutâneas

Acometem a derme, tendo como porta de entrada a inoculação e não a via inalatória (diferente de micose sistêmica de manifestação cutânea).

Uma característica é a de determinar hiperplasia da epiderme, devido à liberação de fatores de inflamação crônica, entre eles os fatores de indução da proliferação de epitélio. Então, muitas vezes a micoses subcutâneas se apresentam sob a forma tumoral. Acomete principalmente extremidades (mais sujeitas a traumas).

Cromoblasmocitose

Causada por uma levedura que se multiplica por divisão binária. O nome da doença (cromo = cor) se deve ao seu pigmento acastanhado, enxergado sem impregnação pela prata.

Esporotricose

Tem aspecto de nódulos saltatórios, como se seguisse um caminho (disseminação linfática). Causado por uma levedura.

Ocorre a liberação maciça de antígenos, formando complexos antígeno-anticorpo, chamados de corpos asteróides (similares a um sol). A deposição destes atrai polimorfonucleares, além de macrófagos.

Micetomas

São fungos sob a forma de grãos que constituem um emaranhado de hifas. Podem ser de vários tipos, apresentando cores vermelha, branca e preta.

Acomete extremidades e seus grãos geralmente medem 0,5 cm. São vistos a olho nu através de pequenas fístulas. Pode evoluir para doença grave e culminar em amputação.

Deflagra resposta imune geralmente neutrofílica.

Micoses superficiais

Os fungos dermatófitos não causam doenças importantes e suas implicações clínicas são mais estéticas. As micoses superficiais, as dermatomicoses, são comuns em indivíduos de baixa condição socioeconômica. É transmitida por contato direto, geralmente em aglomerados.

A inflamação causada por fungos é exclusivamente granulomatosa?

Não. Muitos fungos são piogênicos. Geralmente o que determina o tipo de inflamação é a quantidade de antígenos liberados.

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Candida

Saprófita (toda mulher possui) e só causa doença em condições que favorecem a proliferação do fungo (baixa imunidade, diabetes, infecções ginecológicas repetidas, etc.). A candidíase em estado de imunodeficiência muito severo pode penetrar na epiderme e evoluir para candidíase sistêmica (micose sistêmica que pode ocorrer diretamente e não por via inalatória).

Onicomicose

É uma micose ocupacional. Acomete a unha de indivíduos que lida com trabalhos manuais umedecidos, e pode levar à perda da unha.

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A caracterização dos fungos das dermatofitoses não pode ser feita pela patologia, pois não possuem morfologia característica. Por isso se torna necessária a realização de cultura.

Fungos e imunodeficiência

Tipos de imunodeficiência:

Relacionada a células B Relacionada a células T Atividade fagocitária ineficiente Outros problemas do sistema imune

O risco relativo de alguns agentes infecciosos pode ser determinado por imunodeficiência. Exemplos:

Deficiência de células fagocitárias: agende infeccioso mais comum é bacteriano Deficiência de células T: comum infecção por Pneumociste carinni (fungo) e outros

agentes infecciosos oportunistas. Deficiência do complemento: infecção por bactérias e agentes virais oportunistas

Com relação à AIDS a predisposição a agentes infecciosos não favorece nenhum, pois qualquer agente pode acometer indivíduos aidéticos.

Histoplasma capsulatum

O fungo que mais acomete pacientes com AIDS é Salvador é o Histoplasma capsulatum. O quadro típico é pápula ou mancha eritematosa disseminada acompanhada às vezes de lesão atípica perianal.

Indivíduos com AIDS podem apresentar reação granulomatosa mas, de maneira geral, quando a imunidade está muito comprometida, o que se observa é uma derme de aspecto praticamente normal. Por isso, toda vez que realizada biópsia de um aidético, faz-se impregnação pela prata.

Nível normal de células TCD4+: 12.000 células CD4+/cm³

AIDS crítica, que cursa com infecção oportunista: 500 células CD4+/cm³

Indivíduos com AIDS são definidos por infecção pelo HIV + infecção oportunista

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O fígado é o órgão mais acometido em pacientes infectados por esse tipo de fungo, além do baço. Por isso, podem cursar com hepatoesplenomegalia.

Pneumociste carinni

Acomete basicamente pulmão, mas também pode atingir outros órgãos, como fígado e cérebro. Causa dispnéia grave decorrente de pneumonia exsudativa, sem leucócitos nos alvéolos. Interessante que casos extrapulmonares ocorrem geralmente quando o indivíduo tem um segundo ciclo de infecção, pós-tratamento ineficiente, após o qual o paciente foi considerado curado. Fica um foco quiescente que pode se disseminar à distância, causando hepatite, adrenalite, etc.

É um fungo interessante, pois tem ciclo de protozoário e responde à sulfa. Por muito tempo se pensou que fosse um protozoário.

Histologicamente observa-se na impregnação pela prata estruturas arredondadas, com forma de meia lua e sem brotamento.

Cryptococcus neoformans

Acomete basicamente o SNC.

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Uma causa de infecção fúngica em não-imunodeficientes pode acontecer em indivíduos que tiveram tuberculose grave, com infecção do parênquima pulmonar sem regeneração do pulmão. Quando não acontece a regeneração, ocorre fibrose ou formação de uma cavidade (caverna) no pulmão. A caverna é uma seqüela típica de destruição prévia por infecção bacteriana e caso se comunique com o brônquio, pode ser local que favorece proliferação fúngica. A aglomeração de fungos no interior de uma cavidade pulmonar é chamada de bola fúngica, normalmente causada por Aspergillus. Atentar para o fato de que se a caverna não possuir comunicação com o brônquio não ocorre infecção fúngica. A irritação da superfície interna da cavidade forma tecido de granulação. O paciente cursa com tosse e freqüentemente hemoptise, devido ao rompimento de vasos sanguíneos na cavidade. Essa hemoptise pode ser tão grave que às vezes o paciente tem de ser submetido a uma cirurgia torácica para retirada de lobo pulmonar para evitar choque hipovolêmico.

Sinais e sintomas de pacientes com histoplasmose e micobacteriose são muito parecidos. Ambos acometem pulmão e supra renal e ambos cursam com hepatoesplenomegalia, febre e fosfatase alcalina elevada. Como histoplasmose e tuberculose são muito comuns em Salvador, do ponto de vista clínico e laboratorial é muito difícil o diagnóstico, sendo necessária realização de biópsia.

A tuberculose também pode causar o mesmo aspecto tumoral visto na infecção por Cryptococcus neoformans (é o chamado tuberculoma). Indivíduos com AIDS que apresentam hipertensão intracraniana e meningite devem ser investigados tanto para criptococose quanto para tuberculose. As duas cursam com mengéia encefálica tumoral ou meningoencefálica (?)