Forum de Acção 56 - Parte 1

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 FORUM DE ACÇÃO n.° 56 – Junho 2011 Sumário Recursos naturais e segurança nacional p. 1 Mudanças climáticas, políticas e soberania alimentar, está tudo ligado  p. 6 Os subsídios ocidentais para o algodão colocam os agricultores africanos em perigo p. 10 Preços em vez de licenças p. 13 A jazida de gás Logbaba, em Duala, e as preocupações dos residentes locais p. 16 Um movimento de afastamento da privatização da água na África subsaariana p. 18 Recursos naturais e segurança nacional No século XXI, a segurança das nações dependerá cada vez mais da disponibilidade de recursos naturais e do acesso a eles. Os países necessitam de recursos naturais para responder às necessidades crescentes da sua população, em acréscimo, e às exigências de crescimento da economia neoliberal. Quando os recursos principais não se encontram no próprio país, e têm de ser importados, a primeira preocupação será a de assegurar o «acesso» a eles. Na corrida para obter a parte de leão desses recursos, o respeito das populações dos lugares onde eles se encontram, a durabilidade desses recursos, o meio ambiente e as necessidades das gerações futuras são raramente tidos em conta. No entanto, estes são aspectos essenciais para uma exploração equitativa e durável dos recursos naturais, em que o conceito de segurança deve incluir quer os países produtores como os países consumidores, bem como as respectivas populações. Para responder ao «apetite» pelo crescimento económico são necessárias sempre maiores quantidades de recursos. Novas tecnologias aumentam a produção, esgotando os recursos a uma velocidade antes desconhecida. Tud o isto exerce uma forte pressão sobre o planeta, fav orecendo a degeneraç ão ecológica, a perda da biodiversidade e influencia mudanças climát icas, o que, por sua vez, constitui uma ame aça par a a seg ura nça dos paí se s onde se encontram esses recursos, mas também das suas populações. 1. Se gurança e acesso aos recursos A segurança dos recursos naturais tornou-se uma das questões mais importante de hoje, porque muitos recursos naturais são essenciais à tecnologia moderna e à vida das populações do mundo. Os recursos naturais podem promover o desenvolvimento, mas também atrair a cupidez (ambição) de grupos, 1

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Sobre o mundo atual

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  • FORUM DE ACOn. 56 Junho 2011

    Sumrio

    Recursos naturais e segurana nacional p. 1Mudanas climticas, polticas e soberania alimentar, est tudo ligado p. 6Os subsdios ocidentais para o algodo colocam os agricultores africanos em perigo p. 10Preos em vez de licenas p. 13A jazida de gs Logbaba, em Duala, e as preocupaes dos residentes locais p. 16Um movimento de afastamento da privatizao da gua na frica subsaariana p. 18

    Recursos naturais e segurana nacional

    No sculo XXI, a segurana das naes depender cada vez mais da disponibilidade de recursos naturais e do acesso a eles. Os pases necessitam de recursos naturais para responder s necessidades crescentes da sua populao, em acrscimo, e s exigncias de crescimento da economia neoliberal. Quando os recursos principais no se encontram no prprio pas, e tm de ser importados, a primeira preocupao ser a de assegurar o acesso a eles. Na corrida para obter a parte de leo desses recursos, o respeito das populaes dos lugares onde eles se encontram, a durabilidade desses recursos, o meio ambiente e as necessidades das geraes futuras so raramente tidos em conta. No entanto, estes so aspectos essenciais para uma explorao equitativa e durvel dos recursos naturais, em que o conceito de segurana deve incluir quer os pases produtores como os pases consumidores, bem como as respectivas populaes.

    Para responder ao apetite pelo crescimento econmico so necessrias sempre maiores quantidades de recursos. Novas tecnologias aumentam a produo, esgotando os recursos a uma velocidade antes desconhecida. Tudo isto exerce uma forte presso sobre o planeta, favorecendo a degenerao ecolgica, a perda da biodiversidade e influencia mudanas climticas, o que, por sua vez, constitui uma ameaa para a segurana dos pases onde se encontram esses recursos, mas tambm das suas populaes.

    1. Segurana e acesso aos recursos

    A segurana dos recursos naturais tornou-se uma das questes mais importante de hoje, porque muitos recursos naturais so essenciais tecnologia moderna e vida das populaes do mundo. Os recursos naturais podem promover o desenvolvimento, mas tambm atrair a cupidez (ambio) de grupos,

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  • empresas e mesmo pases, que procuram um acesso fcil e barato a esses recursos, pare deles tirar proveito, mesmo alimentando a insegurana e os conflitos.

    Muitos dos grandes actores neste cenrio parecem beneficiar das situaes de insegurana em algumas regies ricas em recursos naturais. Isto questiona o entendimento de que uma situao estvel e pacfica essencial quer para quem procura como para os fornecedores.

    Bens comuns mundiais

    Os recursos naturais indispensveis vida, como a gua, a terra, o ar, a biodiversidade, etc., deveriam ser considerados como bens comuns mundiais, que no podem ser explorados e comercializados como um produto qualquer. Urge que sejam reconhecidos e protegidos por acordos internacionais vinculativos, e geridos colectivamente pela comunidade das naes (e no unicamente pelo Estado) de modo a servir as necessidades de todos.

    Segurana dos recursos quer para exportadores como para importadores

    O livre acesso aos recursos naturais acessveis (baratos) faz parte da segurana nacional e dos interesses polticos estrangeiros. A segurana dos recursos refere-se segurana de acesso aos recursos para o pas ou empresa estrangeira que o deseje. No entanto, a segurana do pas onde se encontram os recursos, bem como da sua respectiva populao, no tida em conta. A distribuio dos recursos no mundo leva a vulnerabilidades importantes. Curiosamente, estas vulnerabilidades no afectam unicamente os pases que no possuem esses recursos, mas e sobretudo aqueles onde eles se encontram.

    Para facilitar o acesso aos recursos, aqueles que deles necessitam assinam acordos internacionais e cartas com aqueles que os possuem. Os problemas aparecem quando os dois signatrios no se encontram em p de igualdade. O partner forte tentar obter esses recursos ao preo mais baixo possvel, para maximizar os benefcios e minimizar os custos, sem se preocupar minimamente com as necessidades do pas que possui os recursos, nem com a sua populao.

    Factores que afectam a segurana dos recursos

    A segurana ligada aos recursos naturais depende da abundncia ou escassez de determinado bem, da procura e do seu preo. Como a segurana dos recursos vista do lado da procura, os aumentos de preo e as barreiras ao acesso do produto so considerados como ameaas. As sociedades/empresas podem pressionar os seus governos para agir politicamente, a fim de facilitar o seu acesso aos recursos naturais a bom preo.

    Os pases ocidentais consideram como uma ameaa, a acrescida concorrncia da China, da ndia e do Brasil pelas matrias-primas africanas. Vem tambm como uma ameaa segurana, a recente restrio das exportaes chinesas de terras raras1.

    A agitao poltica e social, a guerra, o terrorismo, as catstrofes naturais, mas tambm a concorrncia pelas fontes de matrias-primas e a manipulao dos preos, so algumas das ameaas segurana desses recursos. A falta de transparncia na compra e venda dos bens contribui para a insegurana. Minar os meios de subsistncia das populaes pode levar agitao social e poltica.

    1 As terras raras so uma sequncia de 17 elementos utilizados em produtos, desde os imans poderosos e a refinao de petrleo at s lmpadas economizadoras de energia, os telemveis, os ecrs e equipamento militar moderno. Este recurso natural to importante relativamente abundante, mas encontra-se disperso e raro encontr-lo em formas concentradas, e economicamente explorveis. O Ocidente ficaria feliz em autorizar a sua extrao pela China, na medida em que uma matria-prima muito poluente.

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  • 2. Segurana ambiental

    A segurana ambiental considera que os factores ambientais contribuem para a tenso social e poltica, ou ao conflito, e tem em vista o impacto do conflito e das relaes internacionais sobre o ambiente. Para um desenvolvimento durvel, torna-se um factor essencial ocupar-se do papel da segurana ambiental.

    As presses sobre o ambiente destabilizam a maneira como as pessoas ganham a vida. Uma competio crescente pelos recursos naturais raros, necessrios vida como a gua, o direito pesca, a terra e a biodiversidade , pode suscitar conflitos, a instabilidades sociopoltica e vagas de refugiados ambientais. Certos conflitos recentes, que tm a ver com o meio ambiente, confirmam esta assero: os fogos florestais na Indonsia; o conflito entre o Canad e a Espanha a propsito do direito de pesca raia, e o conflito pela terra no Ruanda.

    3. Conflitos pelos recursos naturais

    Desde os tempos antigos que a procura de recursos naturais estimulou as conquistas e guerras. Portanto, os conflitos pelas matrias-primas so to velhos como a humanidade. A colonizao era motivada pela procura de novas rotas comerciais e novas matrias-primas. Os bens, estratgias e mtodos podem ter mudado, mas a motivao sempre a mesma: a sede do lucro, graas aos recursos naturais onde quer que eles se encontrem (pases, oceanos, desertos, rtico, Lua, universo), e manifestando pouca preocupao pelas populaes e pela natureza. Sociedades multinacionais, ajudadas pelos seus governos, percorrem o planeta procura de novas reservas, numa competio pelo controlo de recursos altamente lucrativos.

    Os recursos naturais, sobretudo o petrleo e os minerais rochosos ouro, coltan, volfrmio, diamantes , mas tambm madeira e gua, tm um papel importante para provocar, prolongar e financiar conflitos. O conflito pode emergir acerca da maneira como uma matria-prima utilizada, concessionada ou explorada, e sobre as pessoas que dela beneficiam. Diferentes actores alimentam o conflito como meio para acederem riqueza natural e control-la. A pobreza e um nvel de vida em declnio podem causar distrbios internos ou terminar numa guerra, causando insegurana. As manifestaes da primavera rabe, atiadas pelos elevados preos dos bens alimentares, mostram o impacto a longo termo dos recursos naturais sobre os mercados.

    Os recursos influenciam a insegurana pelo efeito sobre um pas: a economia ao pagar baixos preos e repatriando todos os benefcios; os governos enfraquecendo-os, corrompendo-os e deixando de render-lhes contas; as pessoas atravs das condies injustas de trabalho; a natureza pelo esgotamento e destruio do ambiente; e os movimentos rebeldes financiando-os.

    Para assegurar o acesso aos recursos naturais, os governos estrangeiros esto dispostos a usar todos os meios: apoiar e financiar ditadores; tomar partido por grupos rebeldes; fazer uso de armas, espionagem, diplomacia, etc. A ocupao do Iraque pela NATO, o bombardeamento da Lbia e a interveno francesa na Costa do marfim so exemplos bem recentes disso mesmo. Os perdedores, em toda esta situao, so as populaes do pas onde se encontram esses recursos naturais e as economias menos desenvolvidas.

    Os recursos naturais nunca so a nica fonte de um conflito. Qualquer conflito causado por um conjunto complexo de acontecimentos. A pobreza, as injustias, os descontentamentos tnicos ou religiosos e os governos instveis, tudo isso tem um papel importante. Mas as matrias-primas intensificam o perigo da exploso de uma guerra civil.

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  • A maldio dos recursos naturais e a segurana em frica

    No decurso dos ltimos decnios, a fome das matrias-primas africanas minerais, reservas de potencial hidroelctrico e o petrleo provocou nove conflitos pelos recursos naturais. A relao entre matrias-primas e conflitos de tal maneira forte no continente que os riqussimos recursos naturais africanos so por vezes descritos como uma maldio, pois contriburam ao uso da violncia e a violaes massivas dos direitos humanos.

    As sociedades, os pases, grupos e indivduos esforaram-se por aproveitar os vastos recursos naturais de frica, exercendo um papel obscuro e tumultuoso na regio, quer motivando, quer alimentando conflitos armados com o nico objectivo de controlar as jazidas de petrleo e de minerais, s custas do enorme sofrimento das populaes. Inmeros actores influenciam tambm os conflitos: comerciantes obscuros, contrabandistas, funcionrios locais corruptos, traficantes de armas, operadores de transportes, grupos rebeldes e bandos de mercenrios. As guerras de Angola, Libria, Serra Leoa fizeram-se graas venda de diamantes. No leste da RD do Congo, a explorao das minas tem um papel importante no conflito.

    A frica no conseguiu transformar o seu enorme potencial e a sua riqueza em benefcio e desenvolvimento para as populaes. O controlo dos recursos naturais e os benefcios da sua comercializao permanecem nas mos de uma pequena elite. Os lucros da explorao dos recursos so, frequentemente, utilizados para enriquecimento pessoal e para construir um apoio poltico.

    4. Os principais actores externos: AFRICOM e UE

    A responsabilidade e o papel levado a cabo nos conflitos por actores internos governos, grupos rebeldes, fornecedores e beneficirios da explorao dos recursos naturais so bem conhecidos. Apenas consideraremos os actores externos.

    AFRICOM, o novo comando militar para a frica, declara suster e reforar a segurana regional e melhorar os esforos humanitrios, mas visto por muitos como um instrumento dos Estados Unidos para impor a sua agenda colectiva, tendo em vista aceder aos vastos recursos naturais de frica. Os Estados Unidos apoiaram a entrada e avano das tropas ruandesas no leste do Congo, para abrir a suas vastas riquezas minerais a sociedades mineiras sediadas na Amrica do Norte2. Milhes de dlars americanos para a AFRICOM vo para empresrios militares, para eles treinem a fora de manuteno da ordem da Unio Africana, e lhe forneam a logstica militar. A misso inaugural da AFRICOM na Lbia reforou a convico dos Africanos de que a AFRICOM promove os interesses estratgicos dos Estados Unidos.

    A Unio Europeia (UE) ainda no tem uma poltica externa, se bem que o novo Servio de Aco Europeia Externa tenha em vista aumentar a influncia da UE no mundo. Pases da UE intervieram em diferentes conflitos africanos. A recente interveno francesa na Costa do Marfim mais um exemplo. Eles participam tambm de forma activa em aces da NATO no Iraque e na Lbia.

    A UE sente-se ameaada pela concorrncia da China, da ndia e do Brasil no continente africano, em busca de recursos naturais. A UE utiliza vrios meios para manter a sua influncia em frica.

    Para uma segurana dos recursos naturais para todos

    2 Tmoignage de Madsen devont le congrs des Etats-Unis en 2001

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  • So necessrios diversas abordagens para promover a segurana dos recursos naturais para todos.

    A curto prazo: transparncia a todos os nveis (sociedades e governos); cooperao internacional, atravs de acordos multilaterais3 equitativos; restrio dos produtos, devido aos conflitos; governao justa dos governos nacionais; incluso de factores externos sociais e ecolgicos nos clculos econmicos. Melhores polticas ajudaro a dirigir a riqueza das matrias-primas para o desenvolvimento e a reduo da pobreza. Chegou o tempo dos accionistas nacionais e internacionais decidirem transformar os recursos naturais africanos em bnos para os seus Estados e populaes.

    A mdio prazo so necessrias novas relaes com a natureza, a recuperao pelos Estados da sua soberania sobre os seus prprios recursos naturais e o fim da cedncia da sua explorao a privados. Este equilbrio necessita no apenas de vontade poltica da parte de todos os partners, mas sobretudo de uma mudana do sistema internacional.

    A longo prazo, uma melhor segurana para todos exige uma nova ordem mundial justa e uma mudana nos comportamentos individuais. Isto significa uma nova abordagem das relaes entre seres humanos, mas tambm que a sua relao com a natureza fonte de toda a vida passe da explorao desenfreada ao respeito. A nova ordem necessita de quadros internacionais para a administrao dos recursos e a gesto colectiva dos bens comuns mundiais, de modo a coloc-los disposio de todos. A nova ordem exige: servir a vida de todas as pessoas no planeta Terra; responder s necessidades dos pases em vias de desenvolvimento; tornar as populaes dos pases em que se encontram as matrias-primas, os principais beneficirios da sua explorao; prever a proteco do meio ambiente e impedir a degradao dos recursos naturais. Simultaneamente s mudanas polticas e estruturais, exige-se uma transformao dos comportamentos individuais para viver de maneira mais austera, o que essencial para diminuir o consumo. Isto no significa o fim do crescimento econmico, mas uma transformao no modo de produo dos bens e servios.

    Outras orientaes possveis seriam: deter a especulao com os bens alimentares; regular a produo dos agrocombustveis, para que respeitem a biodiversidade; conservar a qualidade do solo e da gua; apoiar a agricultura familiar; adoptar medidas para limitar o aumento da temperatura da Terra a 1 oC (sculo XXI); instaurar um controlo pblico sobre o petrleo e os minerais, graas a um Cdigo internacional de explorao.

    Begoa Iarra

    3 Nas relaes internacionais, multilateral refere-se aos mltiplos pases que trabalham conjuntamente sobre um determinado problema. Organizaes internacionais, tais como a Organizao das Naes Unidas (ONU) e a Organizao Mundial do Comrcio (OMC), so multilaterais por natureza.

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  • Mudanas climticas, polticas e soberania alimentar: tudo est relacionado

    Os Africanos j sofrem os efeitos do aquecimento climtico global sobre a agricultura, a pesca e os recursos florestais. Porm, uma poltica climtica que no ponha em causa as demais polticas seria um absurdo.

    Com efeito, a frica muito vulnervel s mudanas climticas e variabilidade do clima, no s por causa das terras ridas e semi-ridas, mas tambm por causa de factores econmicos e polticos tais como a pobreza endmica, a fragilidade das instituies, as realidades complexas dos conflitos e, evidentemente, as orientaes polticas relativas gesto da gua, o sector agrcola, a pesca, o meio ambiente, a energia e o comrcio. As orientaes polticas e as escolhas de investimentos so, por isso, cruciais. Elas tm graves consequncias para muitos pobres.

    Lancemos um olhar sobre alguns factores de produo alimentar, sobre os quais o aquecimento climtico exerce intensas presses e para os quais algumas escolhas polticas devem ser revistas.

    1. O impacto sobre a gua

    O sector agrcola o mais afectado pela diminuio da gua disponvel. Nicholas Stern4 prev que um aumento de 3-6 oC, em frica austral, traria consigo uma diminuio da disponibilidade de gua em 30 a 50%, nos prximos anos! O acrscimo da evaporao, o aumento da frequncia e da intensidade das inundaes e secas, e a diminuio das chuvas e do dbito dos rios5, bem como o encurtamento das estaes, ameaam a produtividade das culturas e das espcies cultivveis.

    Uma melhor gesto da gua e uma utilizao mais eficaz da mesma so, portanto, primordiais, no apenas ao nvel dos cidados, mas tambm e sobretudo dos governantes africanos. A promoo de prticas agrcolas que consumam pouca gua, que reduzam a evaporao e que sejam adaptadas s condies locais essencial. O apoio tcnico e financeiro ao meios de gesto da gua, como por exemplo a construo de cisternas subterrneas para conservar a gua por mais tempo, necessrio.

    Evitar as ms escolhas

    As barragens hidroelctricas ameaam o dbito dos rios, o depsito de aluvies, a agricultura em torno dos rios, a pesca e a disponibilidade em gua domstica (que representa 10% da gua consumida mundialmente). Alm disso, os planificadores no integraram o factor das mudanas climticas para estimar a alimentao e a capacidade destas barragens. A poltica da energia deve promover situaes escala local, que se apoiem sobre as tecnologias adaptadas a essas realidades (por ex.: o fogo solar).

    O Senegal e outros Estados africanos fazem marcha-atrs em relao privatizao da distribuio da gua, na sequncia de algumas ms experincias com multinacionais. Estas tinham exaltado as suas capacidades de gesto junto dos governos em dificuldade para fornecer gua potvel aos seus cidados. A populao urbana em forte acrscimo, necessitava cada vez mais de gua. Por isso, era necessrio ir procur-la mais longe, aumentando assim os custos de transporte, armazenamento, tratamento e

    4 Nicholas Stern redigiu um relatrio econmico, cifrando as consequncias financeiras do aquecimento climtico global e aumentando a necessidade de rever as polticas para reduzir esse aquecimento.

    5 Para a reduo de 10% das chuvas, pode dar-se uma reduo de 50 a 70% do dbito dos rios (50% na frica do Norte e 70% de Orange frica do Sul), segundo o Sr de Wit, climatlogo na Unidersidade do Cabo.

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  • distribuio. As multinacionais, porm, tm por finalidade o lucro e no o servio s populaes nem a gesto durvel da gua, a longo prazo. Nesta perspectiva, os Estados no podem delegar-lhes a sua responsabilidade face aos cidados. Pelo contrrio, devem inscrever nas suas leis o direito ao acesso universal gua potvel e ao saneamento, reconhecido pela ONU em Julho de 2010; depois, tomar as medidas que garantam a sua aplicao.

    2. O impacto sobre as terras agrcolas

    A qualidade e extenso das terras agrcolas esto ameaadas quer pelas consequncias do aquecimento climtico global, quer por certas escolhas polticas e certos investimentos que privam os Africanos da sua terra e dos recursos naturais que ela possui. Tudo isso, num momento em que grande parte da populao africana depende da actividade agrcola. A agricultura contribui para os rendimentos dos Estados africanos. As mudanas climticas ameaam uma parte considervel das terras agrcolas em frica. As colheitas poderiam diminuir de metade, de agora at 2020, em certos pases e a produo agrcola deveria ser abandonada em algumas regies onde era pouco intensiva. No horizonte de 2080, a superfcie de terras ridas ou semi-ridas em frica ser, sem dvida, aumentada de 5 a 8%. As florestas, as pastagens e outros ecossistemas naturais estaro j em transformao, sobretudo na frica austral6.

    Poltica agrcola

    O apoio prioritrio pequena agricultura ser decisivo. Esta envolve cerca de trs quartos dos Africanos. Vrios economistas mostraram que isso contribuiria, positivamente, tambm para o desenvolvimento de outros sectores da economia rural. As grandes plantaes marginalizam inmeros pequenos produtores. Elas exercem uma presso sobre as terras e a gua. Muitas, levadas a cabo por multinacionais, tm em vista os produtos de exportao, em detrimento da soberania alimentar e sem ter em conta o seu impacto socioeconmico e ambiental. Pior ainda, elas contribuem para o aquecimento global e para o desperdcio de gua, devido ao seu modo de produo.

    Infelizmente, a maior parte dos governos africanos acolheram os especuladores e investidores de culturas para os biocombustveis, sem terem previsto um quadro poltico que protegesse os ocupantes e utilizadores da terra, que preservasse os recursos naturais e que garantisse uma mais-valia para a nao (partilha da produo e dos benefcios), que reforasse o direito dos trabalhadores, que obrigasse as empresas a endossar as suas responsabilidades quanto aos impactos negativos que provocam.

    Alm disso, muitos dos representantes polticos corruptos concedem as terras aos investidores e aos especuladores estrangeiros em detrimento das populaes locais e do bem comum. Cedem-lhes grandes extenses de terras agrcolas ou florestais de qualidade e com os seus recursos em gua, mesmo se elas eram j utilizadas. Chegam mesmo a acordar aos recm-chegados um direito de prioridade sobre o uso da gua. Eles permitem-lhes desviar os cursos de gua, sem nenhum respeito pelos outros utilizadores. No os sancionam pela poluio dos rios ou dos lagos, que provocam, nem pelos destroos colaterais. Eles exploram as imprecises legais, deixadas pela coexistncia do direito dos costumes e das leis escritas na Constituio. Enfim, aproveitam a falta de informao dos aldees, tanto sobre a finalidade do contracto como sobre os direitos dos cidados e os deveres das autoridades legais. A maior parte do benefcio entra nos bolsos do aquisitor estrangeiro. Quando se trata de um especulador, o seu investimento no reinvestido na economia local. Tudo isto resulta num deslocamento de comunidades inteiras e na destruio do meio ambiente. Seguem-se os impactos socioeconmicos graves num contexto em que a soberania alimentar j se encontra ameaada pelo impacto negativo do clima sobre os recursos naturais.6 Fonte : FAO : Impact du changement climatique sur les disponibilits en eau pour lagriculture http://www.fao.org/news/story/fr/item/79964/icode/

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  • Algumas iniciativas

    Face a tais abusos de poder e amplitude do fenmeno, a sociedade civil e as organizaes internacionais lanaram um alerta, cada uma com os seus objectivos.

    A sociedade civil africana pde pronunciar-se por ocasio das consultas da FAO, em vista de estabelecer directivas sobre a governao responsvel dos regimes fundirios de terras, pescas e florestas7. Estas distinguem-se de outras iniciativas, porque esto baseadas no direito alimentao e na consulta a todos os continentes, de todos os intervenientes (civis, privados, governamentais, especialistas). As duas primeiras verses foram publicamente submetidas a crticas. O texto final das directivas voluntrias ser submetido ao exame do Comit para a Segurana Alimentar (CSA), no final de 2011. A sociedade civil tem, doravante, um lugar reconhecido no novo CSA, que fora reformado na sequncia da crise alimentar de 2008.

    No cdigo de conduta para a poltica fundiria em frica8, por ela publicado, a Unio Africana revela o valor cultural e espiritual da terra para os Africanos.

    3. O impacto sobre as plantas agrcolas

    Os especialistas da IAASTD9 e de vrios outros estudos mostram que a chave da soberania alimentar reside na diversidade das plantas e das sementes. Quanto mais espcies diferentes existirem numa determinada regio, melhor o potencial de adaptao s mudanas climticas (temperatura, chuvas, durao das estaes) e de resistncia aos insectos e doenas. E, portanto, melhor a produo agrcola. Ora, esta deve aumentar com o acrscimo da populao.

    Conflito de interesses

    No entanto, as multinacionais pressionam os governos a restringir a liberdade de intercmbio, de armazenamento e de multiplicao das sementes e dos materiais vegetais (tubrculos). Actualmente, pedem uma reforma da legislao europeia que teria muitas consequncias para os Africanos, devido aos intercmbios e acordos comerciais.

    Elas esto muito activas ao nvel de governos, universidades e centros de investigao e de vulgarizao em frica. Desde as leis at s orientaes das investigaes e da formao, elas promovem a implantao de produtos e de prticas agrcolas de que tiram proveito, sem sequer se importarem de ir ao encontro das necessidades de soberania alimentar dos Africanos. Elas tambm no tm conta da proteco ambiental e dos ecossistemas, nem da diversidade biolgica, nem da necessidade de reduzir as emisses de gs com efeito de estufa. Elas apenas tm em vista o domnio sobre a totalidade do mercado agrcola (partes de mercado).

    De modo a obviar os impactos do clima e garantir a soberania alimentar dos seus cidados, os governos africanos devem tomar medidas legais para proteger e promover o direito dos agricultores a conservar,

    7 Para mais informao, veja-se: http://www.fao.org/nr/tenure/directives-volontaires/fr/

    8 Leia-se em: http://www.au.int/fr/dp/rea/sites/default/files/Framework%20and%20Guidelines%20on%20Land%20Policy%20in%20Africa.pdf

    9 IAASTD: Relatrio de especialistas mundiais sobre os conhecimentos, as cincias e as tecnologias agrcolas capazes de alimentar o mundo de maneira equitativa e duradoira: http://www.agassessment.org/docs/Global_SDM_050508_French.htm

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  • utilizar, intercambiar e vender as sementes agrcolas10. Compete-lhes, tambm, proteger e difundir os saberes tradicionais.

    A proteco da soberania alimentar e a adaptao ao clima passam pelo apoio pequena agricultura, que integra os elementos do ecossistema. Isto chama-se agro-ecologia. Inmeros Africanos praticam-na j, sem ser reconhecidos e, ainda menos, encorajados, ou at ameaados.

    4. O impacto sobre a pesca

    Faunas e floras aquticas esto ameaadas. Os corais, que esto na base da cadeia alimentar da fauna dos oceanos, so destrudos pelo aumento da temperatura e, ainda, pela rarefaco de certos peixes.

    Os governos africanos devem instaurar polticas a favor das comunidades locais de pesca artesanal, porque elas adaptam-se aos peixes disponveis, sem delapidar as reservas pelgicas. Acima de tudo, elas so um factor de desenvolvimento socioeconmico para as comunidades do litoral. Ao invs, as empresas estrangeiras, com enormes barcos, pescam em funo de consumidores estrangeiros, esgotando as reservas martimas e danificando a cadeia alimentar dos peixes. Com toda a evidncia, no trazem benefcios para as populaes locais.

    Escolhas polticas vitais

    Poderamos citar muitas outras escolhas/decises polticas que tm um impacto directo ou indirecto sobre a vida social e econmica dos Africanos, e que respondem bem ou mal presso do clima. o que os relatrios sobre o clima (GIEC11) e sobre a agricultura (IAASTD8) pem em evidncia. O clima um tema transversal, simultaneamente causa e consequncia de desafios polticos diversos.

    Definitivamente, os governos africanos devem fundamentar o conjunto das suas polticas, das suas decises de investimento e dos acordos com a Unio Europeia e com outros partners sobre o direito alimentao e muitos outros direitos socioeconmicos aos quais esto subscritos. Melhor ainda, devem tomar as medidas apropriadas para que sejam aplicadas. Para isso, devem avaliar antecipadamente os mltiplos impactos das diversas opes. Eles devem tambm reforar a democracia, para permitir aos cidados participarem na governao do seu pas. Finalmente, os Estados africanos devem exigir que os pases industrializados reduzam as suas emisses de gs com efeito de estufa. Devem rejeitar as falsas solues e as armadilhas, como os ditos crditos de carbono, que apenas beneficiam aqueles que os sabem vender ou jogar na bolsa, e que autorizam os poluidores a continuar a aumentar o aquecimento climtico. Por detrs de algumas catstrofes climticas, h escolhas/decises pouco esclarecidas e uma negao do bem comum. Christine Fouarge

    10 Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenticos para a Alimentao e a Agricultura (TIRFAA).

    11 GIEC: Grupo Internacional de Especialistas no Clima.

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    Preos em vez de licenas p. 131. Segurana e acesso aos recursos2. Segurana ambiental3. Conflitos pelos recursos naturais4. Os principais actores externos: AFRICOM e UE