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    PROSPECTIVA E PLANEAMENTO, Vol. 152 0 0 8

    Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relaes Internacionais

    FORMA URBANA E SUSTENTABILIDADE

    Algumas Notas sobre o Modelo de Cidade Compacta

    Graa Ponte da Silva1

    Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relaes Internacionais

    1. URBANIZAO E SUSTENTABILIDADE

    1.1. As Cidades no Centro dos Desafios da Sustentab ilidade

    Ao longo dos tempos, a evoluo da humanidade e o seu progresso tm sido largamente

    condicionados pelo desenvolvimento urbano. Contudo, a situao actual no tem paralelo

    noutra poca na Histria.

    Pela primeira vez, face ao rpido crescimento da urbanizao registado globalmente, as

    cidades e seus subrbios tornaram-se o principal hab i t a t da humanidade, sendoa principal fonte de empregos e progresso econmico e social. Segundo as Naes

    Unidas, entre 1950 e 2005 a populao urbana mais do que quadruplicou. Em 2005, uma

    parcela de cerca de 49% da populao mundial vivia em zonas urbanas, ultrapassando

    os 50% no decurso de 2008.

    A urbanizao, um processo que tinha particular expresso no mundo mais desenvolvido,

    estendeu-se escala global. Nos ltimos anos, tem sido na sia (particularmente na

    China) e em frica que as cidades tm crescido mais rapidamente, esperando-se que a

    populao urbana nestas zonas duplique at 20302. Simultaneamente, a urbanizao

    abrandou nas zonas do mundo como a Europa e Amrica do Norte onde em meados do

    [email protected] Worldwatch Institute, Vital Signs 2007-2008, Washington, 2007.

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    sculo passado uma parcela significativa da populao vivia j em aglomerados

    urbanos3.

    Estando inexoravelmente ligadas ao crescimento econmico e progresso social,paradoxalmente, dada a sua recente evoluo, as cidades tornaram-se a principal

    fonte de degradao ambiental.

    A dimenso das cidades, em termos do espao fsico por elas ocupado e da populao

    que concentram, atingiu uma escala indita: no s se verificou uma exploso da

    populao urbana, como se multiplicou o nmero de cidades com mais de um milho de

    habitantes e de megacidades4.

    No mundo em desenvolvimento, em trs dcadas (1975-2005), mais de 200

    aglomeraes ultrapassaram o milho de habitantes das quais, em 2005, quinze eram

    megacidades (com mais de 10 milhes de habitantes) e representavam cerca de 9% da

    populao urbana5.

    Contudo, a evoluo verificada ultrapassa largamente o aumento da taxa de

    urbanizao, tendo-se verificado alteraes radicais ao nvel do modo de

    funcionamento e do prprio conceito de cidade. O impacto das cidades no equilbrio

    global do planeta o resultado do seu peso demogrfico, dos padres de consumo e de

    mobilidade que lhe esto associados (e que cada vez mais tendem a estender-se s

    populaes no urbanas) assim como das profundas transformaes que introduz nos

    espaos circundantes.

    As cidades contemporneas sofrem as consequncias de um conjunto de evolues nos

    domnios econmico, social e ambiental para as quais, simultaneamente, tm contribudoem larga escala. Paradoxalmente, muitos dos problemas associados expanso da

    populao urbana, resultam do sucesso das cidades como habitat para a espcie humana

    e, consequentemente, do progresso e da melhoria de condies de vida das populaes.

    Embora os padres de vida das populaes sejam condicionados pelo espao em que

    habitam e diferentes comunidades tenham diferentes necessidades e aspiraes, os

    grandes objectivos perseguidos so sempre os mesmos: basicamente o acesso a

    3 Na Amrica Latina, com taxas de urbanizao j muito elevadas (77%), verificou-se umabrandamento do crescimento das megacidades, contudo, face aos elevados nveis de desigualdade

    econmica e social, continuou a registar-se o crescimento de largas faixas da populao emsubrbios degradados, bairros de lata ou favelas.4 No incio do sculo XIX, Londres era a nica cidade que atingia a populao de um milho dehabitantes.5 Worldwatch Institute, Vital Signs 2007-2008, Washington, 2007.

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    emprego, habitao, servios e equipamentos pblicos, em ltima instncia um elevado

    grau de bem-estar econmico e social.

    Ao mesmo tempo que a humanidade enfrenta o desafio de um mundo em mutaoacelerada em termos demogrficos, sociais, econmicos, tecnolgicos e ambientais a migrao para as cidades cria um processo que se auto-alimenta: medida queexpande a sua dimenso, criam-se novas oportunidades de emprego que, por sua vez,atraem novas populaes, num processo potenciado pela expanso dos sistemas detransportes e de comunicaes.

    As cidades crescem e prosperam se tiverem capacidade para atrair e reter pessoas eactividades, mas a sua influncia ultrapassa largamente os seus limites fsicos e dasreas circunvizinhas, estendendo-se larga maioria das populaes (urbanas e rurais) aaspirao a padres de vida e nveis de consumo comuns.

    Esta evoluo escala mundial est intimamente associada ao crescente consumo de

    recursos, visto que, comparativamente s populaes rurais, os padres de consumourbano so significativamente mais elevados. Os estilos de vida urbanacorrespondem a aumentos drsticos do consumo pe r cap i t a de combustveisfsseis, metais, madeira, alimentos, produtos industr iais.

    Se as cidades e o seu modo de vida ocupam a maioria da terra, ento elas tero que serfulcrais no debate sobre o futuro do planeta, que o Relatrio Brundtland centrou noconceito de desenvolvimento sustentvel.

    Coloca-se ento a questo de saber em que medida as cidades podem contribuir para aconstruo de um novo paradigma de desenvolvimento econmico e social que cumpraos requisitos da sustentabilidade.

    A matria no simples, comeando por se questionar a prpria definio do que umacidade, em que medida se identifica ou distingue do conceito mais lato de aglomeraourbana6. Mesmo no aprofundando este aspecto, e usando os dois conceitos comosinnimos, a resposta questo da sustentabilidade complexa e exige um conjunto derespostas que, muito simplificadamente, se pode sintetizar:

    Qual o contributo das cidades para a insustentabilidade do actual modelo decrescimento e como devero elas contribuir para o desiderato da sustentabilidade?

    6 No extremo, as reas urbanas negam o prprio conceito de cidade: elas tornam-se fenmenos

    ps-urbanos, muito distantes da tradicional imagem da cidade pr-industrial e mesmo da do sculoXIX. ... a cidade oferece densidade e variedade; a combinao eficiente de funes econmicas esociais, economizadora de energia e tempo; a oportunidade de restaurar a rica arquitectura herdadado passado. As reas urbanas so um conceito estatstico. As cidades so projectos para um novoestilo de vida e trabalho. (Comisso das Comunidades Europeias, Green Paper on the UrbanEnvironment, COM (90) 218.

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    Como definir a cidade sustentvel? Ser a forma determinante? Isto , existeum modelo nico e generalizadamente aplicvel de cidade sustentvel ou uma

    multiplicidade de caminhos possveis para um mesmo objectivo?

    Admitindo que possvel responder s questes anteriores, como passar dostermos conceptuais para o nvel da concretizao? Qual o papel dos poderes

    pblicos e, em particular, do planeamento urbano?

    1.2. O Modelo Extensivo de Urbanizao e a Sustentab ilidade

    Como definir a cidade sustentvel? Como traduzir para o contexto do desenvolvimento

    urbano, os princpios gerais de equidade inter-geracional, nos planos social econmico e

    ambiental, que esto associados ao conceito de desenvolvimento sustentvel?

    Para alguns autores, este conceito encerra uma contradio insanvel, considerando que,

    por definio, uma cidade nunca foi nem pode ser sustentvel. Contudo, o conceito podeser encarado num sentido mais lato, referido ao contributo das cidades para o

    desenvolvimento sustentvel. Nesse sentido (e em termos gerais, que no especifiquem

    caractersticas que podero partida indicar a opo por um dado modelo), uma

    resposta a esta interrogao poder ser:

    Uma cidade sustentvel est organizada de modo a que todos os seus

    habitantes possam satisfazer as necessidades bsicas e aumentar o seu

    bem-estar sem danificar o mundo natural ou pr em risco as condies de

    vida de outros, agora e no futuro7.

    Uma forma alternativa de apresentar a relao desenvolvimentosustentvel/desenvolvimento urbano, ser:

    Para que o desenvolvimento do uso do solo, dos padres do solo

    artificializado e das infra-estruturas numa rea sejam considerados

    sustentveis, ele tem de satisfazer as necessidades vitais dos habitantes

    dessa rea de uma forma sustentada para o futuro, e no pode estar em

    conflito com o desenvolvimento sustentvel a um nvel global8.

    Actualmente, os modelos de estruturao e de funcionamento das cidades e, por

    extenso o modelo de funcionamento da sociedade tomada globalmente, esto longe de

    se enquadrar nestes princpios.

    7 Girardet, H., Creating Sustainable Cities, Schumacher Briefings, Green Books, 1999.8 Naess, P., 'Urban planning and sustainable development', European Planning Studies, vol. 9, no. 4,2001.

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    A procura de energia um dos elementos definidores das cidades modernas

    cujo funcionamento assenta fortemente no consumo de combustveis fsseis9.

    De facto, as cidades actuais s puderam desenvolver-se custa das novas tecnologias

    de transportes que emergiram nos fins do sculo XIX e princpios do sculo XX, na basedas quais, para os mesmos tempos de viagem, aumentaram consideravelmente as

    distncias percorridas. Ao mesmo tempo que se consomem recursos em larga escala,

    so gerados enormes montantes de desperdcios e emisses de gases, nomeadamente

    com efeito de estufa e de outros poluentes.

    Nas ltimas dcadas, designadamente depois da Segunda Guerra Mundial, prevaleceu

    um modelo de urbanizao fundamentado nos princpios da Carta de Atenas (1933)10:

    separao de funes em zonas distintas; economias de escala em zonas ultra-densas;

    amplas praas; complexos urbansticos uniformes. Estes conceitos esto na base de um

    modelo urbanstico desintegrado, com componentes que no interagem ou que o fazem

    com custos muito elevados.

    Assim, o planeamento urbano fomentou o desenvolvimento de estruturas amorfas,

    extremamente consumidoras de tempo e energia, onde as estradas determinam a

    geometria urbana: um crescimento dendrtico, com os edifcios ligados estrada mas

    no interligados. Esta urbanizao dispersa afecta muitos dos aglomerados urbanos de

    mdia e grande dimenso.

    Desenvolvendo-se radialmente, em torno do permetro das cidades, e l inearmente, ao

    longo das grandes vias de comunicao, o seu espao fsico estendeu-se de forma

    significativa com base no transporte motorizado.

    O transporte motorizado rodovirio e ferrovirio e a generalizao do transporteindividual, permitiram as deslocaes dirias de grandes massas de populao, e o

    fornecimento dos recursos necessrios a partir de localizaes cada vez mais distantes.

    A maior facilidade das deslocaes e de comunicao distncia esto na base da

    alterao do conceito de cidade e do uso do solo que lhe est associado, aumentando o

    seu hinterland e, simultaneamente, reduzindo a sua dependncia relativamente ao

    9 O seu consumo aumentou cerca de cinco vezes desde meados do sculo XX, em boa parte devidoao uso generalizado e sistemtico de automveis particulares.

    10 A Carta de Atenas resultou do Congresso Internacional de Arquitectura Moderna que teve lugar em1933. A Conferncia e o documento dela resultante, publicado por Le Corbusier em 1942,concentravam-se no conceito de cidade funcional, fundamentado na criao de zonasindependentes para as quatro funes: habitao, trabalho, lazer e circulao. Estes conceitos foramaplicados reconstruo de cidades europeias aps a Segunda Guerra Mundial. O exemplo maisparadigmtico da aplicao estrita do conceito a construo de Braslia.

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    Contudo, em certos estratos populacionais, tem-se vindo a verificar o crescimento de

    uma tendncia contrria procura de residncia em localizaes perifricas, de retorno a

    lugares mais centrais, caractersticos ou histricos, por exemplo, o que coloca a questo

    da sua requalificao e renovao.

    No modelo de cidade dispersa, nas reas centrais e perifricas, encontram-se zonas

    valorizadas e atractivas a par com outras desvalorizadas e degradadas. Mas, em

    qualquer destas zonas, a tendncia para a homogeneidade. Mesmo o retorno de parte

    da populao aos centros urbanos est frequentemente associado a uma classe mdia

    com padres culturais e de rendimento relativamente altos e expulso das anteriores

    populaes para zonas menos apetecveis.

    Como se disse, a evoluo para o modelo que actualmente predomina resulta de um

    processo histrico estreitamente associado ao desenvolvimento das tecnologias,

    podendo, simplificadamente, distinguir-se trs grandes perodos de desenvolvimento

    urbano, de acordo com a tecnologia de transporte disponvel.

    Uma primeira fase, que est na base de muitas cidades europeias e dos centros

    histricos de cidades mais antigas, a dimenso relativamente pequena, o ambiente

    urbano denso e a maioria dos destinos encontra-se a uma distncia razovel para

    serem percorridos a p.

    A partir dos finais do sculo XIX, com a difuso dos caminhos-de-ferro e da

    electrificao, seguiu-se um perodo de urbanizao em massa em que as cidades

    comearam a crescer para o exterior, num desenho urbano fortemente marcado pela

    oferta de transporte pblico, que condicionou o nascimento de subcentros de

    caractersticas similares aos anteriores ncleos urbanos.

    Aps os anos 50 do sculo XX, com a difuso do automvel particular, passou a ser

    menos importante a proximidade entre local de trabalho e residncia e foi fortemente

    reduzida a dependncia do transporte pblico. Este facto permitiu a proliferao de

    modelos urbansticos de baixa densidade, com expanso dos ncleos habitacionais,

    centros de comrcio e outras actividades para distncias cada vez maiores, com uma

    separao muito marcada das zonas funcionais.

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    Desenvolvimento Urbano e Tecnologia de Transportes

    Nesta ltima fase, o paradigma muito distinto da anterior na qual, no obstante se

    tivesse verificado uma expanso urbana para distncias considerveis, o padro

    predominante se caracterizava por uma densidade relativamente elevada e pela

    multifuncionalidade.

    A separao do solo em zonas distintas, de acordo com funes especficas, est na

    origem do aumento do nmero e extenso de deslocaes associadas ao trabalho,

    acesso ao comrcio, servios e lazer. Este movimento, registado no mundo desenvolvido

    a partir da Segunda Guerra Mundial, esvaziou grande parte dos centros residenciais das

    cidades e contribuiu para o declnio das zonas tradicionais de comrcio, estando na base

    de inmeros custos econmicos, ambientais e sociais. Simultaneamente fuga de uma

    parte da classe mdia para zonas suburbanas, em busca de espao e maiores nveis de

    qualidade de vida e proximidade da natureza, a preos relativamente acessveis,

    registou-se o incremento de habitao de massa de qualidade relativamente baixa em

    zonas suburbanas com fracos padres urbansticos.

    Alm do desenvolvimento do transporte automvel (particular e colectivo), outros

    factores estiveram na origem do crescimento da urbanizao extensiva, nomeadamente:

    polticas de generalizao do acesso ao crdito para compra de habitao que

    Ambientedenso de relativamentepequena dimenso

    Todos os destinos a uma distncia razovel para serem percorridosa p

    Expansopara fora (20/30km)

    Desenho urbano fortemente marcado pela oferta de transportepblico

    Subcentros em torno das estaes ferrovirias, com caractersticassemelhantes aos anteriores ncleos urbanos

    Expanso para maiores distncias com fim da necessidade deproximidade do local de trabalho e/ou transportepblico

    Transportepblicomais flexvel (autocarro)

    Possibilidadede diviso das cidades em zonas funcionais

    Desenvolvimentode formasdispersas de urbanizao

    FaseIMuitascidades

    europeias ecentros decidadesantigas

    Perodo deurbanizaoem massa

    Difuso do automvel(dominante aps II Guerra )

    Desenvolvimento de caminho-de-ferroe elctricos

    ( a partir de fins do sc.XIX)

    FaseII

    FaseIIINovas cidades

    de baixadensidade;

    expanso decidadesantigas

    segundo novomodelo com

    esvaziamentodos centros

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    implicitamente desencorajaram a renovao do parque habitacional existente;

    investimento pblico em estradas e auto-estradas; prevalncia de abordagens

    funcionais do desenvolvimento urbano, com consequncias a nvel da legislao e

    regulamentao, promotoras da separao entre zonas residenciais e restantes usos dossolos.

    2. A CIDADE COMPACTA

    2.1. Um Caminho para a Sustentabilidade?

    O processo de urbanizao da populao, o crescimento das cidades simultaneamente

    os principais espaos para a actividade humana e os principais consumidores de recursos

    envolve em si consequncias paradoxais. As cidades esto na origem de progresso

    e crescimento econmico, gerando economias de aglomerao para

    consumidores e produtores mas, simultaneamente, so geradoras de grandes

    externalidades negativas.

    Ao desenvolvimento das aglomeraes urbanas e respectivos modos de ocupao do solo

    so apontados importantes tipos de impactos negativos, econmicos, sociais e

    ambientais: congestionamento de trfego, elevados consumos energticos, degradao

    da qualidade do ar, rudo, impermeabilizao dos solos, custos elevados em infra-

    estruturas, ineficincia no fornecimento de servios, custos econmicos associados ao

    esvaziamento dos centros urbanos, perca de solo produtivo, segregao socioeconmica,

    perca de sentido de comunidade e excluso social.

    Em particular, pela sua relao com a mobilidade das populaes, as cidades esto na

    origem de crescente concentrao de gases, nomeadamente com efeito de estufa.Contudo, todo o estilo de vida urbano actual (e no apenas a mobilidade) muito

    consumidor de energia: directamente, na construo e manuteno das diversas infra-

    estruturas e edifcios, na preparao e conservao de alimentos, iluminao,

    climatizao, transportes, produo de bens, e indirectamente nos alimentos e outras

    mercadorias importadas. extenso indefinida e sem coerncia dos seus limites fsicos

    associam-se fenmenos de ruptura social e o declnio de vastas zonas urbanas, a falta de

    coordenao com o espao envolvente, e graves problemas ambientais decorrentes.

    Coloca-se pois com especial premncia as questes da sustentabilidade das diferentes

    formas de aglomerao urbana e da identificao dos principais elementos que para ela

    concorrem.

    Face s preocupaes de sustentabilidade, tem vindo a ganhar predominncia o conceito

    de cidade compacta como novo paradigma de desenvolvimento urbano que pretende

    responder a um conjunto deproblemas associados ao modelo extensivo de cidade, deurbanizao dispersa, mas tambm ao modelo de cidades de densidade excessiva.

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    Frequentemente, as definies do conceito cidade compacta centram-se numacaracterstica fundamental: a densidade. Contudo, no se pode confundir compacidade

    com densidade: a densidade apenas um indicador, um dos elementos caracterizadores

    do modelo de cidade compacta.

    As principais caractersticas da cidade compacta so:

    Densidade que garanta a viabilidade de transportes pblicos frequentes eacessveis e de servios e comrcio de proximidade;

    Continuidade , com uma estrutura monocntrica ou policntrica em funo dadimenso da populao;

    Multifuncionalidade no uso dos solos e diversidade.A continuidade e multifuncionalidade permitem compreender melhor porque no se deve

    confundir compacidade com densidade:

    uma mesma densidade pode ser atingida com diferentes reparties dasdensidades no espao urbano, isto , com diferentes graus de continuidade;

    a multifuncionalidade no uso dos solos (em oposio definio de zonas paracada funo especfica, residencial, comercial) tem consequncias importantes

    na mobilidade, permitindo minimizar as distncias a percorrer e a frequncia das

    comutaes, contribuindo ainda para a revitalizao do conceito de espao pblicoe para a coeso social.

    Oprocesso de compactao do espao urbano supe a actuao a vrios nveis:

    conteno; renovao e revitalizao; transformao da mobilidade urbana.

    A c idade susten tve l

    Uma cidade sustentvel :

    Uma Cidade Justa Uma Cidade Bela Uma Cidade Criativa Uma Cidade Ecolgica Uma Cidade de Fcil Contacto e Mobilidade Uma Cidade Compacta e Policntrica Uma Cidade Diversificada

    Adaptado de Rogers, Richard, Cities for a Small Planet, Faber and Faber, 1998

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    Estas linhas de aco traduzem-se num uso mais eficiente do solo, pela limitao da

    extenso do espao fsico ocupado, pela valorizao e dinamizao do patrimnio e maior

    atractividade das zonas construdas.

    Simultaneamente, supem um modelo de mobilidade alternativo ao transporteparticular, exigindo uma oferta de transportes pblicos coerente com a estrutura urbana,

    conjugado com polticas adequadas de controle de velocidade, volume de trfego e

    estacionamento. Numa rea metropolitana mais alargada, a viabilizao de comunidades

    urbanas sustentveis passa pela rede ferroviria, numa lgica intermodal.

    Compactao: Nveis de Actuao

    2.2. Cidade Compacta: Pr incipais Argumentos e Crticas

    Para a definio de um modelo urbano sustentvel, a minimizao dos impactos

    negativos sobre o ambiente um aspecto fulcral. Como tal, assume especial relevo a

    relao modelo urbano/consumo energtico. Actualmente, predomina a ideia de que o

    modelo extensivo, de cidade dispersa, insustentvel.

    Como alternativa, o conceito de cidade compacta tem vindo a ganhar fora, reflectindo-

    se nas actuaes dos governos e na definio de polticas espaciais, designadamente na

    Europa, o Livro Verde sobre o Ambiente Urbano, publicado pela Comisso

    Europeia em 1990, representou um primeiro passo numa abordagem integrada das

    Conteno

    Transformao

    da mobilidade

    Renovao erevitalizao

    Limitao do processo de expanso

    Preenchimento dos espaos vazios, renovao erequalificao dos espaos degradados

    Maior atractividade das zonas construdas

    Valorizao e dinamizao do patrimnio

    Modelo de mobilidade alternativo ao automvelparticular

    Controle de velocidade, volume de tr fego eestacionamento

    Congruncia entre estrutura urbana e rede detransportes pblicos

    Nas reas metropolitanas, redes de transportespblicos, com base no caminho de ferro mas numalgica intermodal

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    matrias relativas ao ambiente urbano, e da sua relao com a

    sustentabilidade11. Neste documento, so identificados dois elementos de base para

    uma abordagem especificamente europeia desta matria.

    A partir da identificao das fontes de presso e principais causas de degradao doambiente urbano, apresentado um conjunto de orientaes inspiradas nos princpios

    caracterizadores dos modelos de cidade compacta12.

    Os argumentos so vrios, embora a principal justificao seja a promoo de um

    modelo menos intensivo em energia, radicado na alterao do padro de mobilidade.

    De facto, a reduo do consumo de combustveis fsseis uma questo chave no

    processo de promoo do desenvolvimento sustentvel: o transporte motorizado , na

    sua quase totalidade, directa ou indirectamente alimentado por combustveis fsseis,

    contribuindo directamente para a poluio do ar e para as alteraes climticas (e

    indirectamente para a poluio do solo e gua). A emisso de gases com efeito de estufa

    (nomeadamente CO2) , em larga medida, resultado da combusto de derivados de

    petrleo, gs e carvo. Contudo, no so os aspectos ambientais, elevados nveis de

    poluio e perspectivas de alteraes climticas, mais ou menos abruptas e

    imprevisveis, os nicos a determinar a insustentabilidade do modelo actual, fundado no

    consumo em larga escala de recursos no renovveis.

    No parece possvel nem defensvel parar o processo de evoluo econmica que,

    associada ao processo de globalizao e integrao de novas economias no sistema

    mundial de comrcio, tem vindo a elevar o nvel de vida em vastas reas do globo,

    gerando aumentos substanciais do consumo de energia.

    Coloca-se, ento, a questo de compatibilizar o crescimento econmico e o

    desenvolvimento equitativo em termos mundiais com a defesa da sustentabilidade

    ambiental.

    11 Neste contexto, dois outros documentos de referncia so a Carta de Aalborg, Carta dasComunidades Europeias para a Sustentabilidade (aprovada pelos participantes na ConfernciaEuropeia sobre Cidades Sustentveis, realizada em Aalborg, Dinamarca, em 1994) e a Carta deLeipzig sobre Cidades Europeias Sustentveis (assinada em Leipzig, em 2007 pelos ministroseuropeus responsveis pelo ordenamento do territrio e urbanismo, numa reunio informal sobredesenvolvimento urbano e coeso territorial organizada pela presidncia alem da UE).12 Muitos destes princpos encontram-se no movimento New Urbanism, surgido nos Estados Unidosno princpio dos anos 80, com traduo europeia no movimento de Renascimento Urbano, Osprincpios globais encontram-se na carta do movimento, ratificada em 1996: We advocate the

    restructuring of public policy and development practices to support the following principles:neighborhoods should be diverse in use and population; communities should be designed for thepedestrian and transit as well as the car; cities and towns should be shaped by physically defined anduniversally accessible public spaces and community institutions; urban places should be framed byarchitecture and landscape design that celebrate local history, climate, ecology, and buildingpractice.

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    O Movimento Urban Renaissance

    A Experincia Inglesa

    Em 1999, foi publicado o relatrio, onde era apresentado um conjunto de recomendaes (105) visandoa definio de uma nova poltica urbana para o Reino Unido. Esse relatrio resultou do trabalho de um

    grupo criado em 1998 pelo Governo britnico (Urban Task Force) e presidido pelo arquitecto Sir RichardRogers, com o objectivo de identificar as causas do declnio urbano e, simultaneamente, definir umanova viso para as cidades, assim como o quadro para a sua implementao.

    A viso definida no relatrio resume-se em:

    a vision of well designed, compact and connected cities supporting a diverse range of uses wherepeople live, work and enjoy leisure time at close quarters in a sustainable urban environment wellintegrated with public transport and adaptable to change.

    Uma das mensagens centrais foi de que os ambientes urbanos deveriam ser locais atractivos para aspopulaes, com base em critrios de qualidade esttica, vitalidade e segurana. Para tal, a qualidadedos espaos pblicos era considerada essencial, constituindo o fundamento da interaco e integraosociais e permitindo o desenvolvimento de um esprito de comunidade.

    Um segundo relatrio, Towards a Strong Urban Renaissance, foi publicado em 2005. Neste relatrio apresentada uma avaliao dos progressos realizados, tendo em conta que muitas das recomendaestinham sido entretanto consideradas. Essas medidas, associadas a um perodo de forte crescimentoeconmico e estabilidade, tiveram um forte impacto nas cidades inglesas, sendo identificado umconjunto de sucessos, dos quais se destacam:

    uma mudana de atitude relativamente s cidades e um empenhamento nacional no renascimentourbano; incio de um movimento de retorno s cidades; uma crescente reutilizao dos solos na construo de habitao, passando a representar 70% dos

    novos empreendimentos, em comparao com 56% em 1997;

    mais eficiente aproveitamento do solo e recursos, atravs do aumento das densidades deconstruo, passando de uma mdia de 25 para 40 habitaes por ha entre 1997 e 2005;

    no que se refere aos aspectos de concepo e execuo, verificou-se um aumento da qualidade equalificaes;

    alguma reduo dos impactos ambientais dos novos edifcios, com base numa novaregulamentao sobre construo sustentvel;

    aumento significativo do investimento em transportes pblicos, tendo em conta critrios desustentabilidade e as necessidades dos pees;

    aumento do investimento privado nas cidades; maior interveno e capacidade de deciso das cidades e comunidades e um volume significativo

    de fundos dedicados implementao do plano.

    O mesmo relatrio identifica ainda os desafios que se colocam para o futuro. A principal concluso deque, no obstante os significativos progressos verificados, persistem muitas reas em que eles serevelaram manifestamente insuficientes.

    Destaca-se a necessidade de melhores resultados no domnio dos impactos ambientais, nomeadamenteno que se refere s alteraes climticas, e no acesso das populaes habitao nas cidades.

    Ao mesmo tempo que uma parte significativa da classe mdia continua a procurar residncias fora doscentros urbanos, fortes desigualdades sociais so potenciadas pelos elevados preos da habitao nascidades e pela reduzida oferta de habitao social, factos que restringem o acesso a populao demenores rendimentos.

    Apesar dos progressos registados, necessria uma maior integrao da oferta de transportes pblicosno processo global de planeamento, assim como uma maior coerncia de aco dos diversos organismosintervenientes. Por outro lado, a qualidade do desenho urbano ainda no suficientemente valorizadacomo elemento central para o sucesso da estratgia.

    Finalmente, mantm-se como grande desafio, a necessidade de compatibilizao da procura dehabitao com a preservao e revitalizao das reas urbanas existentes e o desenvolvimento de novascomunidades que faam o melhor uso do reaproveitamento dos solos e ofeream habitao e espaos

    pblicos e servios de qualidade, bem como uma rede de transportes pblicos eficientes, num quadro desustentabilidade.

    Particularmente evidente no caso de Manchester em cujo centro, em 1990, havia 90 moradores

    tendo passado a 25000 em 2005; no mesmo perodo a populao de Liverpool quadruplicou.

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    Os transportes sero provavelmente o sector onde se revelar mais problemtico

    alcanar uma reduo significativa, requerendo para tal uma forte interveno das

    polticas pblicas.

    Os problemas colocados pelo presente modelo de transportes, nomeadamente no que

    concerne mobilidade urbana, ultrapassam largamente os j significativos efeitos a nvel

    de gases com efeito de estufa. A poluio do ar, o rudo, a substituio de rea edificada

    e do espao pblico por estradas e estacionamentos, a impermeabilizao dos solos, o

    congestionamento de trfego tm srias consequncias econmicas, sociais e sanitrias.

    A definio de medidas que alterem este padro um problema delicado em termos

    polticos, porque interfere com os prprios fundamentos da sociedade actual: vivemos

    numa sociedade cujos elevados nveis de mobilidade se tornaram no apenas uma

    caracterstica mas uma condio para o seu funcionamento, baseado na deslocao

    diria de grandes volumes de populao e mercadorias.

    Foi a crescente facilidade em viajar regularmente entre distncias cada vez maiores que

    possibilitou o padro de localizao das reas habitacionais e actividades econmicas

    construdo a partir de meados do sculo passado. Por outro lado, a escolha segundo as

    preferncias individuais, nomeadamente da localizao da residncia, est implcita no

    funcionamento das sociedades democrticas, onde a prpria mobilidade (e por extenso

    o automvel particular) assumiu a natureza de um direito cuja limitao coloca srios

    problemas.

    Face interaco uso do solo/ transportes13, estes assumem papel fulcral no

    desenvolvimento das cidades, sendo determinante a repartio modal, a qual,

    actualmente, privilegia os modos motorizados, e em particular o automvel, num modeloque se auto alimenta. A relevncia da relao entre estrutura espacial e mobilidade

    ainda mais evidente quando se consideram os seus efeitos a outros nveis,

    designadamente no bem-estar da populao, pelo tempo e rendimento absorvidos em

    viagens dirias e pelos recursos pblicos destinados construo manuteno de uma

    rede rodoviria dedicada ao escoamento de grandes volumes de trfego.

    A ruptura no fcil: alm do problema tcnico de definio de polticas pblicas

    coordenadas nas reas dos transportes e da ocupao dos solos e das dificuldades

    polticas e sociais na sua implementao, h que ter em conta que a relao entre as

    duas variveis desigual. De facto, uma alterao da poltica de transportes pode

    repercutir-se de modo relativamente rpido nas escolhas individuais de habitao e na

    13 Destacam-se os estudos dos australianos Peter Newman e Jeffrey Kenworthy que, a partir devrios estudos empricos estabelecem uma relao inversa entre consumo de energia e densidadeurbana.

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    localizao das actividades, deste modo influenciando a evoluo da forma urbana;

    contudo a alterao da estrutura urbana, no seu conjunto, um processo demorado e,

    em grande parte, os seus efeitos a nvel dos transportes s sero visveis no longo prazo.

    Se difcil e demorado alterar a cidade j edificada, possvel e desejvel promover

    uma evoluo menos dependente em termos energticos, o que requer a combinao de

    medidas diversas, nomeadamente, portagens, impostos sobre combustvel, incentivos

    utilizao de veculos mais eficientes, melhoria do sistema de transportes pblicos,

    regulamentao de trfego, planeamento espacial.

    Apesar de se manter dominante como paradigma da cidade sustentvel, o modelo de

    cidade compacta est sujeito a crticas crescentes numa dupla perspectiva:

    validade/exequibilidade. De facto, para alm das objeces conceptuais ao modelo,

    vrios estudos empricos tm questionado os resultados das polticas de compactao

    urbana onde ela tem sido aplicada.

    A vida diria implica a realizao de deslocaes. Em cada dia, os indivduos realizam

    uma srie de actividades com diferentes localizaes. Estas actividades destinam-se a

    satisfazer necessidades fsicas (comer, dormir), institucionais (trabalho, educao),

    obrigaes e preferncias pessoais (compras, cuidado dos filhos, lazer). Na sociedade

    moderna, h cada vez mais a promover a separao espacial destas actividades, entre

    eles os modos como as cidades crescem, obrigando a uma mobilidade individual

    crescente.

    Para alguns autores, no esto provadas as vantagens da cidade compacta, dado que

    nenhum estudo decisivo ter avaliado os seus custos (directos e indirectos). De um

    modo geral, pode dizer-se que o processo de compactao urbana contm em siaspectos contraditrios.

    Alguns pem mesmo em causa a relao entre densificao e reduo das deslocaes14.

    Outros factores tero que ser tidos em conta, como por exemplo a relao entre

    habitao e oportunidades de trabalho, sendo necessrio associar a densificao

    redefinio global da repartio de actividades, habitao e oferta de servios pblicos.

    Assim, os comportamentos da populao resultam das suas caractersticas (idade, sexo,

    rendimento, estatuto profissional, estilo de vida, estrutura familiar...) dadas as restries

    e oportunidades associadas s condies estruturais da sociedade, entre as quais se

    encontram (e assumem papel de relevo) as que se relacionam com as estruturas

    urbanas. Nas cidades desenvolvidas, qualquer poltica de actuao a nvel da organizao

    14 Por exemplo, segundo Simmonds e Coombe D. (The transport implications of alternative urbanforms, em Jenks M. et al. Achieving a sustainable urban form , Spon, 2000), na cidade de Bristol, aestratgia de densificao no teve os resultados esperados ao nvel do trfego.

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    do espao urbano tem que responder a uma procura de habitao que resulta, no do

    crescimento demogrfico, mas de profundas alteraes que se tm verificado nas

    preferncias individuais, organizao social e familiar, dimenso das famlias, condies

    econmicas e de acesso ao financiamento.

    Pressupe-se que as escolhas individuais so feitas com base no princpio da

    maximizao do nvel de satisfao, pelo que as variveis relevantes nesta escolha so

    relacionadas com caractersticas individuais e do contexto socioeconmico e com

    caractersticas da viagem (tempo, distncia, qualidade, custo...), dadas as alternativas

    de transportes existentes.

    Independentemente dos argumentos a favor da cidade compacta, um conjunto de

    crticas dirige-se exequibilidade das polticas de compactao.

    Os modos de vida e modelos familiares (com maior ou menor participao feminina no

    mercado de trabalho), muitas vezes na origem da multiplicao de percursosmultidestinos, tambm tero que ser considerados.

    Dado que o modelo disperso tem sido o dominante, poder ser difcil passar para uma

    lgica de compactao que exigiria profundas alteraes na implantao das actividades

    econmicas e na distribuio das populaes. Provavelmente, ser difcil promover o

    retorno a reas degradadas (cuja requalificao envolve elevados custos) e tornar

    aceitvel para as populaes a implementao de uma lgica de compactao

    normalmente associada a menores reas das habitaes, menos espaos verdes e

    carcter mais impessoal.

    Embora a distncia das residncias aos servios e outros equipamentos tenda a ser

    muito menor nas reas centrais da cidade, traduzindo-se em menores percursos mdios,

    podero surgir mecanismos compensatrios, em sentido oposto. Segundo alguns

    estudos, quando as distncias so curtas, tem-se verificado uma tendncia para

    aumentar o nmero de viagens (lazer, compras, mltiplos empregos, etc.), explicada

    pela maior disponibilidade de tempo. Alguns autores apontam a possibilidade de, numa

    perspectiva ambiental e de emisses de GEE, o facto de as actividades dirias exigirem a

    realizao de percursos curtos poder gerar efeitos perversos pelo incentivo a uma maior

    frequncia de alguns tipos de viagens.

    Contudo, a maioria dos estudos empricos aponta para uma correlao entre a

    localizao do emprego, da residncia e das diversas actividades necessrias vida

    diria e as escolhas em termos de transportes. Mas, por muito determinantes que sejam,

    o tipo e frequncia das viagens no dependem apenas destes factores, sendo, em larga

    medida, afectados por factores econmico-sociais e individuais, resumidos no que

    podemos designar por estilo de vida.

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    QUADRO SNTESE

    Principais argumentos a favor e contra a cidade compacta

    1. Preservao de espaos no urbanizados e economias nos custos deurbanizao

    JUSTIFICAO CONTRA-ARGUMENTOS

    Consumo de menos espao paraa mesma populao

    Proteco dos meios naturais Preservao dos solos cultivveis Maior economia nas redes de gs,

    electricidade, gua, saneamento

    Economias de energia nashabitaes (as habitaesunifamiliares so maisenergvoras

    O mercado promove a repartio ptimados solos

    Quanto maior a densidade maiores so oscustos de construo

    No est provada de forma inequvoca aexistncia de economias na oferta deservios pblicos associadas compactao

    Face a novas tecnologias, comregulamentao adequada possvelequiparar as habitaes unifamiliares scolectivas, em termos de eficinciaenergtica

    2. Relao inversa entre consumo de energia pe r cap i t a e densidade urbana15

    JUSTIFICAO CONTRA-ARGUMENTOS

    Reduo das distncias apercorrer, nmero e frequncia

    das viagens justificada pelaproximidade domiclio/trabalho eacesso a maior nmero de bens eservios num menor permetro

    Maior eficcia dos transportescolectivos

    Modelo urbano desincentivadordo uso do automvel epropiciador de solues demobilidade mais amigas doambiente)

    A utilizao do automvel depende demltiplos factores

    Menor recurso a automvel apenas paradeslocaes regulares om unicidade deorigem e destino

    As escolhas fazem-se na base daspreferncias, sendo a proximidade apenasum dos factores.

    Maior risco de congestionamento, logo demaior consumo de energia e poluio

    A localizao relativa residncia/local detrabalho depende de muitos factores comoa estrutura etria, modelos ecomportamentos familiares, etc.

    15 Curva de Newman e Kenworthy, obtida a partir do estudo emprico de 32 grandes cidades em todoo mundo e confirmada por estudos posteriores.

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    Dado que o padro da densidade dentro da cidade considerado um dos aspectos

    fundamentais para a sua sustentabilidade, coloca-se a questo de saber como

    aumentar a densidade e ao mesmo tempo evitar excessiva aglomerao e

    construo em altura.

    A compactao e a identificao de alternativas sustentveis ao modelo difuso, de cidade

    extensiva exigem a clarificao de conceitos numa dupla perspectiva:

    o padro de distribuio da populao no contexto nacional (centralizao versusdescentralizao);

    o padro caracterizador das reas urbanas (concentrao versus disperso).

    Uma resposta para esta questo o que alguns autores consideram o modelo urbano

    ptimo de concentrao descentralizada:

    ...alta densidade ao longo de corredores de transporte pblico, com a

    criao de ns ou subcentros, os quais concentram fluxos de trfego com

    dimenso suficiente para encorajar a oferta de transportes pblicos

    16

    .

    16 Burton, E. Measuring urban compactness in UK towns and cities Environment and Planning B:Planning and Design, 29(2002).

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    Num modelo de cidade polinucleada, as funes que habitualmente se concentram no

    centro principal dispersam-se por diversos subcentros, dessa forma criando ncleos

    ligados por boas infra-estruturas de transportes pblicos. De acordo com os

    defensores deste modelo, as cidades funcionaro melhor se oferecerem transportespblicos que as liguem a subrbios, caracterizados por uma densidade relativamente

    elevada e com ocupao mista dos solos.

    O desenvolvimento urbano no sentido da compactao de acordo com os princpios

    referidos, supe a adopo de medidas de poltica que promovam uma mais intensa

    ocupao de reas j edificadas, em particular nos centros das cidades. De um modo

    geral, essas edificaes no obedecem aos padres actuais de exigncia, nomeadamente

    no que se refere acessibilidade, conforto trmico, isolamento sonoro, estacionamento,

    etc.. Excluindo certos grupos especficos (determinados escales etrios ou grupos

    restritos que valorizam particularmente a herana cultural e o patrimnio assim como

    um determinado estilo de vida urbano), para a maioria da populao esses so factoresdeterminantes na escolha da residncia. A soluo passa por aces profundas de

    reabilitao, normalmente bastante mais dispendiosas e que oneram significativamente o

    preo das habitaes.

    Os benefcios em termos de equilbrio social, frequentemente associados compactao,

    tambm tm sido questionados, sendo salientado o risco de nobilitao17: a subida de

    preo fundirio associada escassez de espao disponvel no centro e necessidade de

    renovao e requalificao conduz excluso do centro urbano das famlias com

    menores nveis de rendimento. Uma fonte de desequilbrios sociais a crescente

    tendncia para a formao de ncleos residenciais urbanos fechados e homogneos

    (condomnios fechados, guetos, etc.), assim como a expulso do comrcio e servios deproximidade, substitudos por sucursais de grandes cadeias e estabelecimentos de

    franchising, normalmente incapazes de satisfazer as necessidades associadas vida

    quotidiana da comunidade residente. Por isso, muitos autores alertam para o facto de as

    polticas de revitalizao dos centros urbanos, em termos populacionais e comerciais,

    deverem integrar medidas que contrariem a intensificao desta tendncia,

    frequentemente resultantes de interesses imobilirios e comerciais, conjugadas com

    outras que preservem o espao pblico e as zonas verdes.

    Um outro tipo de crticas viabilidade do modelo de cidade compacta radica em factores

    de ordem econmica e de funcionamento das sociedades democrticas.

    17 Processo de renovao e requalificao urbana, associada ao influxo de residentes de classe mdiaou de altos rendimentos, excluindo os habitantes com menores rendimentos, tambm denominadogentrificao, numa traduo directa do termo ingls gentrification.

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    Coloca-se assim a questo de encontrar uma soluo de equilbrio entre estes doisextremos que compatibilize critrios de sustentabilidade nas suas diversas vertentes,

    econmica, social e ambiental.

    a esta questo que os defensores do modelo de cidade compacta pretendemresponder, pondo em evidncia o papel das autoridades pblicas na definio de polticas

    adequadas: polticas de conteno do alastramento fsico das cidades associada criao

    de cinturas verdes (buffers), promoo de empreendimentos imobilirios com densidade

    suficiente para justificar uma rede de transportes pblicos que minimize o recurso aviatura particular, medidas de valorizao da vida urbana como contraponto s

    caractersticas dos subrbios (comrcio de vizinhana, oferta cultural, empregos, lazer,

    sentido de comunidade...), o que em muitos casos significa uma estrutura viria menos

    amigvel para os automveis para que as ruas e pracetas recuperem o seu papelfundamental na dinamizao da vida pblica nas cidades.

    Como aplicar estes conceitos em cidades j existentes? Promovendo a reconstruo e

    recuperao de edifcios em zonas centrais, muitas vezes em decadncia em termoshabitacionais, aproveitando terrenos devolutos em resultado de processos de

    desindustrializao, impondo critrios de construo que estimulem os percursos

    pedonais e a multifuncionalidade, estimulando o comrcio de proximidade, impondo

    restries de vria ordem (tarifrias, fsicas) aos automveis particulares, desenvolvendouma rede de transportes pblicos adequada, por exemplo.

    Embora se possam tomar medidas para estancar a proliferao de megacidades e o

    declnio do conceito tradicional da cidade e inerente predomnio de uma civilizao

    suburbana, a verdade que elas j existem.

    Como fazer para que elas se aproximem do conceito de cidade sustentvel, caracterizada

    por atributos como a dimenso, forma, densidade e compactao, tipologia das

    habitaes, espaos verdes, distribuio das funes, articulao de diferentesaglomerados urbanos e coerncia da sua distribuio no espao? Ser que existe uma

    resposta nica e inquestionvel para esta questo?

    Durante um largo perodo, o modelo de cidade compacta dominou o debate da

    sustentabilidade e como tal foi introduzido nas polticas pblicas. Os benefcios apontadosso de diversa ordem, nomeadamente: utilizao mais racional do solo, reduo do

    nmero e extenso das deslocaes motorizadas, benefcios econmicos em termos de

    concentrao de negcios e infra-estruturas (economias de aglomerao), benefcios

    sociais resultantes de um espao pblico urbano mais agradvel, maior e melhor vida em

    comunidade.

    Contudo, o debate terico e a experincia revelam que estas vantagens esto longe de

    ser unanimemente aceites. No mnimo, os benefcios no sero to evidentes emarcados como se previa. Designadamente, verificam-se custos que no foram

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    A anlise da relao sustentabilidade/sistema urbano tem conduzido a um vasto leque de

    solues distintas, podendo-se encontrar um ncleo de caractersticas comuns maioria:

    compacidade, nas suas diversas formas; multifuncionalidade; rede viria urbana

    interligada; bom sistema de transportes pblicos; controles ambientais; elevados

    padres de gesto urbana.

    Por outro lado, alm do debate, mais ou menos terico, em termos da sustentabilidade

    dos diversos modelos urbanos, coloca-se a questo da sua praticabilidade. Um dado

    modelo urbano s poder ser considerado sustentvel se puder ser implementado de

    facto, o que implica analisar as implicaes em termos de parque edificado, custos

    econmicos, polticos e grau de aceitao social. A escolha das solues adequadas a

    cada caso depende das caractersticas especficas, designadamente do edificado

    residencial e no residencial, da oferta de infra-estruturas e servios pr-existentes. De

    facto, por mais apelativo que seja um modelo urbano, de um modo geral, ele no poder

    ser construdo a partir do nada. Por outro lado, as decises tomadas vo ter impactos

    significativos nos padres de emprego, mobilidade, condies sociais e ambientais,qualidade de vida, cujo sentido e dimenso nem sempre inequvoco. H que fazer uma

    abordagem complexa e integrada que conjugue as restries fsicas pr-existentes com

    as condies ambientais, econmicas, sociais e culturais, na busca de uma soluo

    adequada a cada situao especfica.

    Tendo em conta que, por mais adaptvel que seja a soluo, impossvel eliminar um

    certo grau de rigidez, exige-se um grande rigor na anlise das variveis e determinao

    de impactos previsveis.

    De qualquer modo, por muito determinante que a forma seja para a sustentabilidade das

    cidades, ela insuficiente: ter que ser conjugada com polticas de transportes,

    econmicas, sociais e ambientais e apoiada em mudanas de atitudes e estilos de vida.

    Finalmente, esta matria est na origem do ressurgir do debate sobre as eficcias

    comparadas do planeamento e do recurso aos mecanismos de mercado e tem traduo

    em duas correntes opostas: uma corrente neo-reformista que defende a necessidade de

    um elevado grau de intervencionismo que contrarie a tendncia espontnea para o

    desenvolvimento extensivo; uma corrente de cariz neo-liberal, oposta a qualquer forma

    de interveno directa, que defende o recurso aos mecanismos de mercado.

    Num quadro democrtico e de liberdade individual, como influenciar a tomada de

    decises? Essas actuaes, mais ou menos directas e normativas, mais ou menos

    apoiadas nos mecanismos de mercado, permitiro atingir os resultados pretendidos? Ou

    a cidade compacta no passar de uma utopia, onde se pretendem replicar

    artificialmente as caractersticas de formas urbanas tradicionais, particularmente na

    Europa, que cresceram organicamente ao longo dos sculos pela interaco dos diversos

    factores econmicos, polticos, sociais?

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