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ALEXANDRI NO, José de Mel o. Direitos Funda menta is: Intr oduçã o Gera l . Parede: Princípia, 2007.  INTRODUÇÃO Antes dos séculos XVI/XVII, não se podia, no plano jurídico, tratar de direitos fundamentais, porque inexistente a figura do próprio Estado, o que inviabilizaria a contraposição essencial à própria figura (Estado X indivíduo). Com o con st it uci ona lis mo, aqu il o que , até então, li mit ava -se à co nsi deração de “di rei tos do homem” vi u-s e tra nsf ormado em “direitos fu nda me nta is” . Nesse desenvolvi mento, é possível citar a existênc ia de dois paradigmas: francês (em que se vislumbra um corte significativo com o passado) e o norte-americano (afirmação constitucional das garantias  fortes, com mecanismos específicos de proteção). Com essa transformação, os valores jurídicos também foram afetados. A partir de ent ão, os di rei tos fu nda men ta is pas sar am a ser vis to s como gar ant ia s ju ríd icas concretas, positivadas na Constituição, dotadas de vinculatividade plena e protegidas  por vários mecanismos de tutela. Com a chegada do Estado Constitucional (sucessor do Estado absoluto e Estado pré- constituc ional), surgem quatro linhas de internaci onalização da defesa dos direitos da  pessoa humana: a) posi tiv ação d e tai s direi tos n a Constit uiçã o;  b) reco nhec imen to de novo s tip os de dire itos ; c) transformação quali tativa do Est ado (Liberal, Democrático de Dire ito, So cial); d) ape rfe oament o dos mecanismos de st ina dos à tut ela ef eti va dos direitos fundamentais; De acordo com Prof. Vieira de Andrade, a nova realidade assume as ideias de acumulação (novos direitos são agregados), variedade (direitos vão-se diferenciando  progressivame nte) e abertura (à admissão de outros direitos). Direi tos fund amen tais prestam-se a prot eger poderes e esferas de libe rdade dos ind ivíduos, sobret udo em su as rel açõ es com o Est ado (ou pod eres púb licos do

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ALEXANDRINO, José de Melo. Direitos Fundamentais: Introdução Geral.

Parede: Princípia, 2007.

 

INTRODUÇÃO

Antes dos séculos XVI/XVII, não se podia, no plano jurídico, tratar de direitos

fundamentais, porque inexistente a figura do próprio Estado, o que inviabilizaria a

contraposição essencial à própria figura (Estado X indivíduo).

Com o constitucionalismo, aquilo que, até então, limitava-se à consideração de

“direitos do homem” viu-se transformado em “direitos fundamentais”. Nesse

desenvolvimento, é possível citar a existência de dois paradigmas: francês (em que se

vislumbra um corte significativo com o passado) e o norte-americano (afirmação

constitucional das garantias fortes, com mecanismos específicos de proteção).

Com essa transformação, os valores jurídicos também foram afetados. A partir de

então, os direitos fundamentais passaram a ser vistos como garantias jurídicas

concretas, positivadas na Constituição, dotadas de vinculatividade plena e protegidas

 por vários mecanismos de tutela.

Com a chegada do Estado Constitucional (sucessor do Estado absoluto e Estado pré-

constitucional), surgem quatro linhas de internacionalização da defesa dos direitos da

 pessoa humana:

a) positivação de tais direitos na Constituição;

 b) reconhecimento de novos tipos de direitos;

c) transformação qualitativa do Estado (Liberal, Democrático de Direito, Social);

d) aperfeiçoamento dos mecanismos destinados à tutela efetiva dos direitos

fundamentais;

De acordo com Prof. Vieira de Andrade, a nova realidade assume as ideias de

acumulação (novos direitos são agregados), variedade (direitos vão-se diferenciando

 progressivamente) e abertura (à admissão de outros direitos).

Direitos fundamentais prestam-se a proteger poderes e esferas de liberdade dosindivíduos, sobretudo em suas relações com o Estado (ou poderes públicos do

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Estado). Contudo, não se pode esquecer que tais direitos não se limitam nessa

“dimensão negativa” (não interferência do Estado). Há direitos fundamentais que

 pressupõem uma ação positiva estatal.

Tais direitos são, portanto: a) fundamentais – desenham respostas a necessidades

fundamentais, relativamente às esferas de existência, autonomia e poder; b) universais

 – direitos de todas as pessoas; c) permanentes – não podem ser ou deixar de ser; d)

  pessoais (estritamente ligados às pessoas); e) não patrimoniais (insuscetíveis de

avaliação pecuniária); f) indisponíveis (inalienáveis).

Tais características diferenciam os direitos fundamentais dos direitos patrimoniais

 privados e dos direitos derivados a prestações.

PARTE II

Terminologia utilizada pela Constituição de Portugal:

a) direitos fundamentais: situações jurídicas fundamentais das pessoas

reconhecidas nos artigos 24 a 79 da Constituição ou que sejam admitidos

como tais pela própria norma constitucional (artigos 161 e 172);

 b) direitos, liberdades e garantias – expressão dos direitos previstos entre os

artigos 24 a 57 da Constituição. São, ainda, divididos em pessoais, de

 participação política e dos trabalhadores;

c) direitos econômicos, sociais e culturais – expressão dos direitos previstos entre

os artigos 58 a 79 da Constituição, também designados como direitos sociais

ou direitos fundamentais sociais;

d) direitos fundamentais de natureza análoga – direitos fundamentais que, não

expressos nos artigos 24 a 57, merecem tratamento análogo ao dos direitos,

liberdades e garantias. Em princípio, são formalmente constitucionais, mas

1 Artigo 16.º(Âmbito e sentido dos direitos fundamentais)1. Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes dasleis e das regras aplicáveis de direito internacional.2. Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados eintegrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.2 Artigo 17.º(Regime dos direitos, liberdades e garantias)

O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitosfundamentais de natureza análoga.

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não se excluir a possibilidade de serem materialmente;

e) direitos fundamentais dispersos – consagrados na Constituição, porém fora da

Parte I. Revestem-se da qualidade de direitos de natureza análoga;

f) direitos fundamentais extravagantes – direitos fundamentais recebidos pela

cláusula do artigo 16/1, da Constituição.

Direitos fundamentais não se confundem com direitos de personalidade. Estes

correspondem a situações jurídicas básicas do homem reconhecidas pela lei civil.

Assim, ainda que os direitos fundamentais possam incidir sobre os mesmos objetos,

não se confundem com aqueles, sobretudo porque os direitos de personalidade não

têm projeção especial frente ao Estado.

Outra diferenciação envolve os direitos fundamentais e os direitos do homem. Estes

resultam da natureza ou condição do homem, reconhecidos pelo direito internacional.

Assim, a diferenciação não vai residir na fundamentalidade ou finalidade, porque, em

tais aspectos, eles se aproximam. Contudo, enquanto os direitos do homem podem

não estar positivados, os fundamentais, necessariamente, devem estar previstos em

uma constituição. A vinculatividade dos direitos do homem é mais abrangente, posto

que universal; já a dos direitos fundamentais vincula, sobretudo, o Estado. Enquanto

os direitos do homem possam ser tidos como fins ou programas morais de reforma ou

ação política, os direitos fundamentais impõem a existência de mecanismos de

garantia jurisdicional.

Os interesses difusos não se confundem com os direitos fundamentais, por lhes faltar 

o caráter fundamental e pessoal, na medida em que se referem a necessidades comuns

de conjuntos de pessoas que são satisfeitas comunitariamente.

§ 2º

A Constituição Portuguesa de 1976 não recorre a cláusulas gerais no tocante aos

direitos fundamentais. O legislador optou por positivá-los, de forma detalhada. Com

isso, retirou-se do aplicador a maior autonomia que seria decorrente da utilização de

uma fórmula geral. Os direitos fundamentais são, portanto, barreiras para seuintérprete e aplicador, bem delimitados e definidos no texto constitucional.

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 Na análise do texto constitucional, verifica-se uma divisão dos direitos fundamentais

em: direitos, liberdades e garantias e direitos econômicos, sociais e culturais. As

divisões entre essas “categorias” não se limitam à sistematização feita pelo legislador 

constituinte. “(...) os direitos, liberdades e garantias articulam-se de forma

 privilegiada com os princípios da liberdade, da igualdade formal e do Estado de

  Direito, ao passo que os direitos econômicos, sociais e culturais se articulam

 preferencialmente com os princípios da solidariedade, da igualdade material e do

 Estado social.” (p. 41)

A proteção dos direitos, liberdades e garantias, diferentemente dos direitos

econômicos, sociais e culturais, está associada ao caráter de direitos subjetivos

(demandando, apenas, uma concretização interpretativa) e, como tal, demandam uma

atuação constante do Estado (permanente, irrecusável e incondicionada). Já os direitos

econômicos, sociais e culturais são vistos como deveres do legislador, vinculados,

 portanto, à uma concretização política da Constituição e, consequentemente, a fatores

materiais (“reserva do possível”).

A vinculatividade de cada uma das categorias é, portanto, diferenciada, sobretudo

frente à possibilidade do legislador definir a sistemática de alocação de recursos no

que se refere aos direitos econômicos, sociais e culturais.

Contudo, a despeito das diferenças existentes, o artigo 17 3, da CR, assegura a

comunicação entre eles, ainda que limitada; isso porque, uma vez colocada em risco a

efetividade dos direitos, liberdades e garantias pelos direitos econômicos, sociais e

culturais, prevalecem os primeiros.

O próprio artigo 17 – já referido e transcrito – trata dos direitos fundamentais de

natureza análoga. Evidenciam eles um compromisso constitucional entre diversas

forças políticas para “conferir maior efetividade jurídica a uma série (limitada) de

direitos ou posições de direitos fundamentais.” 

A previsão dos mencionados direitos sinaliza o princípio da diversidade dos direitos

fundamentais.

3 Artigo 17.º

(Regime dos direitos, liberdades e garantias)O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitosfundamentais de natureza análoga.

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Como exemplo de tais direitos de natureza análoga, tem-se os artigos 204, 215, 226,

entre outros.

A natureza análoga de um direito é determinada: a) por seu nível significativo de

fundamentalidade material (expressão de “igual dignidade” de todas as pessoas); b)

  por sua determinabilidade constitucional do conteúdo (o direito é imediatamente

extraído da interpretação das normas constitucionais que o reconheçam).

Os direitos análogos sujeitam-se ao regime dos direitos, liberdades e garantias,

cabendo a ressalva quanto à possibilidade da fundamentalidade alcançar somente uma

das dimensões do direito.

O legislador constitucional português adotou, no artigo 16/17, uma cláusula aberta dos

direitos fundamentais, ao admitir outros que não aqueles previstos na própria

Constituição. São considerados pela doutrina como direitos fundamentais

extraconstitucionais ou extravagantes. Contudo, a despeito da abertura trazida pelo

dispositivo aludido, vislumbram-se dificuldades em sua aplicação. Isso porque a

  própria ideia de direitos fundamentais – decorrente da positivação pelo texto

constitucional – conflita com a possibilidade de sua previsão em normas ordinárias.

Além disso, um direito previsto em lei pode ser, obviamente, modificado ou extirpado

4 Artigo 20.º(Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva)1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesseslegalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e afazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável emediante processo equitativo.5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil

contra ameaças ou violações desses direitos.5 Artigo 21.º(Direito de resistência)Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e derepelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.6 Artigo 22.º(Responsabilidade das entidades públicas)O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com ostitulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício dassuas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.7 Artigo 16.º

(Âmbito e sentido dos direitos fundamentais)1. Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes dasleis e das regras aplicáveis de direito internacional.

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 por outra lei, o que o torna bastante “fraco” quando comparado ao regime mais forte

trazido pela Constituição.

Diante de tais considerações, existem doutrinadores que defendem que a referida

cláusula aberta deve ser vista como uma “instrução dada ao intérprete” para que o

silêncio do texto constitucional não seja vista como um impedimento ao

reconhecimento e proteção de novos direitos. É, portanto, uma regra de interpretação,

com funções proscritora – pois impede qualquer interpretação que venha a negar tais

direitos - e prescritiva, na medida em que constitui uma presunção de

fundamentalidade para o novo direito reconhecido.

Há, ainda, que se apontar a diferenciação decorrente do referido dispositivo. Ao tratar 

de direitos extraconstitucionais, é possível vislumbrar a existência de um critério de

fundamentalidade material. Assim, os direitos previstos na própria Constituição, além

de formalmente fundamentais, devem ser, também, materialmente. Se o texto

constitucional prevê a possibilidade de direitos “externos” a ele serem considerados

fundamentais, pode-se concluir que aqueles nele previstos devem apresentar essa

fundamentalidade material. Desta forma, o mencionado artigo 16/1 “vem assim a

exigir que todos os direitos fundamentais (sejam-no formalmente ou apenas

materialmente) tenham obrigatoriamente de satisfazer o critério da

 fundamentalidade material.” Com isso, só são direitos fundamentais aqueles que

 preencherem o requisito da fundamentalidade material, ainda que previstos na própria

Constituição.

Diante dessa conclusão, convém apontar os critérios que determinam a aludida

fundamentalidade:

a) direitos que envolvem uma relação qualificada entre o indivíduo e o Estado;

 b) existem distintos graus de fundamentalidade, na medida em que não se trata de

uma grandeza fixa;

c) situados no esquema arquitetônico da Constituição, de forma que devem,

necessariamente, garantir um bem, valor ou interesse envolvido na

combinação dos princípios da dignidade da pessoa humana (ou do Estado de

Direito) com os princípios da liberdade e igualdade (ou da solidariedade);

d) expressão da igual dignidade das pessoas;

Quando se trata dos direitos extraconstitucionais, há que se pautar, ainda, naradicação comunitária, de forma que o direito discutido esteja na consciência jurídica

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coletiva como elemento fundamental do ordenamento.

Como exemplo desta cláusula aberta, o próprio item 2 do artigo 16 da Constituição

Portuguesa estabelece: “Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos

 fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração

Universal dos Direitos do Homem.”

Tem-se aí mais uma instrução dirigida ao intérprete, o reconhecimento da

 possibilidade de apoio nas normas da DUDH, de forma que não haja conflito entre os

direitos fundamentais positivados e os princípios da declaração. Havendo conflito, o

 prof. Canotilho defende a utilização das regras da concordância prática.

Entende-se por sistema de direitos fundamentais a organização dos direitos desenhada

na Constituição. Nele se vislumbram os elementos estruturantes, que podem ser 

materiais8 (ligados às ideias básicas colhidas da sociedade e incorporadas ao texto

constitucional – chaves-mestras do sistema) e instrumentais (ligação com outros

elementos formais ou funcionais, como a organização do Estado). No campo dos

direitos, liberdades e garantias, os elementos estruturantes materiais são a liberdade e

a igualdade formal; já nos direitos econômicos, sociais e culturais são a igualdade

material e solidariedade.

A dignidade da pessoa humana – base da ordem constitucional portuguesa9 - deve ser 

entendida como um conceito aberto, mínimo e relativo. É, portanto, dotada de elevado

grau de generalidade e abstração. “(...) é suscetível de ser apercebida

designadamente como valor ético, como valor social, como valor constitucional,

como princípio constitucional e como regra constitucional.” (p. 61) Estando

vinculada a diversos princípios e regras, sua violação é apurada em função da afronta

a qualquer um desses.

§ 3º

8 Tem como requisitos de identificação: i) suporte no texto constitucional; ii) índole matricial (matrizde vários direitos fundamentais); iii) ligação à norma base (principio da dignidade da pessoa humana);iv) identificação com o núcleo da constituição material.9 Artigo 1.º

(República Portuguesa)Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular eempenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

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A Constituição Portuguesa reconhece, no tocante aos direitos fundamentais, a regra da

universalidade10, alcançando todo aquele (pessoa) que se encontre em relação com o

Estado. Em uma análise valorativa (axiológica), o princípio da universalidade revela-

se como corolário natural da igual dignidade. Mais uma vez, está-se diante de uma

regra de interpretação: “na dúvida sobre a atribuição ou titularidade de certo direito

  fundamental, o intérprete deve presumir que o mesmo foi constitucionalmente

atribuído a todas as pessoas”. (p. 67)

A universalidade aludida alcança, inclusive, estrangeiros residentes em Portugal

(regra de equiparação do artigo 1511 que também deve ser vista como interpretativa).

 No tocante às pessoas coletivas, aplica-se o princípio da especialidade, de forma que

os direitos fundamentais só lhe serão aplicados de forma residual e analógica. Há, na

verdade, uma cláusula de limitação (prof. Jorge Miranda) que estende certos efeitos

de proteção e não a titularidade do direito fundamental.

O princípio da igualdade12 é considerado o principal eixo estruturante de direitos

fundamentais13. Ainda que reúna dimensões que foram se acumulando ao longo de

10 Artigo 12.º

(Princípio da universalidade)1. Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição.2. As pessoas colectivas gozam dos direito sua natureza.11 Artigo 15.º(Estrangeiros, apátridas, cidadãos europeus)1. Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estãosujeitos aos deveres do cidadão português.2. Exceptuam-se do disposto no número anterior os direitos políticos, o exercício das funções públicasque não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pelaConstituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses.3. Aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal sãoreconhecidos, nos termos da lei e em condições de reciprocidade, direitos não conferidos aestrangeiros, salvo o acesso aos cargos de Presidente da República, Presidente da Assembleia daRepública, Primeiro-Ministro, Presidentes dos tribunais supremos e o serviço nas Forças Armadas e nacarreira diplomática.4. A lei pode atribuir a estrangeiros residentes no território nacional, em condições de reciprocidade,capacidade eleitoral activa e passiva para a eleição dos titulares de órgãos de autarquias locais .5. A lei pode ainda atribuir, em condições de reciprocidade, aos cidadãos dos Estados- membros daUnião Europeia residentes em Portugal o direito de elegerem e serem eleitos Deputados ao ParlamentoEuropeu.12 Artigo 13.º(Princípio da igualdade)1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento dequalquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções

 políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.13 O Tribunal Constitucional o qualifica como princípio estruturante, valor supremo do ordenamento(mais uma vez visto como critério de interpretação).

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sua evolução, o princípio aludido abre-se a novas utilizações, tornando-se um

 princípio aberto.

A igualdade assegurada é tanto na aplicação do Direito, quanto em sua criação.

Contudo, não se tem mais a ideia de que a igualdade afaste qualquer distinção; com a

superação do Estado liberal, essa igualdade passa a ser entendida como um tratamento

igual aos iguais e desigual aos desiguais. Reside aí a dimensão material da igualdade

(articulada com os direitos econômicos, sociais e culturais).

E, justamente em razão dessa materialidade, o princípio da igualdade é antes um

dever e, depois, um direito (diferentemente da liberdade). Refere-se às ações do

Estado, sem que resulte um direito imediato aos indivíduos.

O mencionado princípio não afasta, portanto, que diferenciações sejam feitas, desde

que justificadas. O que se repele são as discriminações infundadas14  (unfair 

discrimination). Veja-se, assim, que a não discriminação é norma geral que cede

espaço frente à regra especial (desde que devidamente justificável). Proíbe-se, assim,

arbítrio, a criação de situações de discriminação sem fundamento material bastante.

O princípio da igualdade apresenta uma vertente objetiva (deve ser considerada como

um dever do Estado, um princípio constitucional estruturante e um critério de

interpretação e controle de intervenção estatal), subjetiva (trata-se de um direito

fundamental que reside na base da própria fundamentalidade material). Tem, ainda,

uma dimensão negativa (vincula-se ao princípio da legalidade e, portanto, à projeção

temporal do Direito) e positiva (introdução de compensações que minimizem as

desigualdades).

O princípio da proporcionalidade pode ser visto como um critério inafastável. Ainda

que a previsão do artigo 18/215  trate de sua aplicação aos direitos, liberdades e

garantias, sua extensão aos direitos econômicos, sociais e culturais tem encontrado

guarida.

Em conjunto com os princípios já elencados, pode-se citar o princípio da proteção da

confiança como um dos componentes materiais essenciais do Estado de Direito

(garantia contra o arbítrio e o poder ilimitado estatal), porquanto parte integrante da

14 A listagem trazida no item 2 do artigo 13 é exemplificativa.15

2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos naConstituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ouinteresses constitucionalmente protegidos.

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segurança jurídica. Neste, encontram-se incluídas as ideias de previsibilidade da

atuação estatal, clareza e precisão das regras jurídicas, publicidade e transparência dos

atos públicos. Contudo, a proteção da confiança não é ilimitada, ela encontra suas

fronteiras na margem de conformação do legislador, na relação entre tempo e rigidez

regulativa e no postulado da flexibilidade (possibilita as revisões políticas da

comunidade).

O quinto princípio do regime geral dos direitos fundamentais é o do acesso ao direito

e aos tribunais16 (“direito geral à proteção jurídica”). Esse princípio apresenta

múltiplas dimensões, estando uma delas especificada em seu item 4 que assegura a

decisão judicial em prazo razoável e mediante processo equitativo (com raízes

oriundas do due processo of law). Em seu item 5, o mesmo artigo prevê celeridade e

  prioridade para questões atinentes à defesa dos direitos, liberdades e garantias

 pessoais.

Como pontuado até aqui, os direitos fundamentais estão enraizados na consciência

histórico-cultural da humanidade. Assim, o ordenamento jurídico de uma comunidade

está a serviço de sua tutela.

Há, para tanto, mecanismos judiciais, extrajudiciais e internacionais de defesa dos

direitos fundamentais.

 No ordenamento jurídico português, estão a serviço dessa tutela, o direito de petição17,

16 Artigo 20.º(Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva)1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesseslegalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e afazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.

3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável emediante processo equitativo.5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útilcontra ameaças ou violações desses direitos.17 Artigo 52.º(Direito de petição e direito de acção popular)1. Todos os cidadãos têm o direito de apresentar, individual ou colectivamente, aos órgãos desoberania, aos órgãos de governo próprio das regiões autónomas ou a quaisquer autoridades petições,representações, reclamações ou queixas para defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou dointeresse geral e, bem assim, o direito de serem informados, em prazo razoável, sobre o resultado darespectiva apreciação.

2. A lei fixa as condições em que as petições apresentadas colectivamente à Assembleia da República eàs Assembleias Legislativas das regiões autónomas são apreciadas em reunião plenária.3. É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o

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a queixa ao Provedor de Justiça18.

Há, ainda, proteção internacional decorrente de normas ou mecanismos o direito

internacional (Convenção Européia de Direitos do Homem de 1950).

Em conjunto com a análise dos mecanismos de defesa, há que se relembrar que, por 

força do artigo 18/119, os direitos fundamentais são diretamente aplicáveis, ou seja, as

garantias atinentes aos direitos, liberdades e garantias têm execução imediata,

  podendo ser diretamente invocadas pelos beneficiários (não são normas futuras,

 programáticas). Essa aplicabilidade imediata decorre da vinculatividade plena dessas

normas, bem como de sua determinabilidade (seu conteúdo está imediatamente

configurado na Constituição).

Contudo, hipóteses há em que caberá, ao legislador ordinário, editar leis que

disciplinem o exercício dos referidos direitos. Tais situações encontram respaldo no

 próprio texto constitucional20.

Os direitos fundamentais estão intimamente vinculados à relação entre indivíduo e

Estado (por isso conhecidos como trunfos contra o Estado). Essa ideia fica bastante

direito de acção popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o

lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para:a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde pública, osdireitos dos consumidores, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e do património cultural; b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais. 18 Artigo 23.º(Provedor de Justiça)1. Os cidadãos podem apresentar queixas por acções ou omissões dos poderes públicos ao Provedor deJustiça, que as apreciará sem poder decisório, dirigindo aos órgãos competentes as recomendaçõesnecessárias para prevenir e reparar injustiças.2. A actividade do Provedor de Justiça é independente dos meios graciosos e contenciosos previstos naConstituição e nas leis.3. O Provedor de Justiça é um órgão independente, sendo o seu titular designado pela Assembleia daRepública, pelo tempo que a lei determinar.4. Os órgãos e agentes da Administração Pública cooperam com o Provedor de Justiça na realização dasua missão.19 Artigo 18.º(Força jurídica)1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamenteaplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.20 Artigo 26.º(Outros direitos pessoais)2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias àdignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.Artigo 35.º(Utilização da informática)

1. Todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados que lhes digam respeito, podendo exigir a sua rectificação e actualização, e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam,nos termos da lei.

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clara no número 1 do artigo 18: “Os preceitos constitucionais respeitantes aos

direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades

 públicas e privadas.”

 Não somente os órgãos e agentes do Estado21 são destinatários das referidas normas.

O legislador 22 e tribunais23 também são alcançados, porquanto se vinculam aos seus

 preceitos. E tal vinculatividade encontra-se presente mesmo quando em discussão

normas de direito privado.

Do teor do dispositivo transcrito, verifica-se que também as entidades privadas são

destinatárias dos preceitos constitucionais referentes aos direitos, liberdades e

garantias. Contudo, a amplitude desse alcance encontra diversas teorias:

a) eficácia indireta – o alcance aos entes privados se dá, somente, de forma

indireta. Para esta teoria, preponderam os princípios da liberdade, autonomia e

desenvolvimento da personalidade. Entendimento em sentido contrário,

transformaria direitos em deveres, esvaziando-os;

 b) eficácia direta – os preceitos de direitos, liberdades e garantias têm eficácia

geral, vinculando, de forma imediata e direta, as pessoas singulares e coletivas

(físicas e jurídicas), diante da natureza objetiva dos direitos fundamentais;

c) deveres de proteção estatal – os direitos, liberdades e garantias dirigem-se, em

 primeiro lugar, ao Estado que, além de respeitá-los e implementá-los, devem

 protegê-los de quaisquer ameaças, incluindo aquelas oriundas dos particulares

(imperativos de tutela – Canaris).

Para prof. Jose de Melo Alexandrino, a própria Constituição aponta que a vinculação

dos particulares não é direta ou imediata, por entender que tal entendimento afrontaria

a própria liberdade que goza de primazia no próprio texto constitucional. Não

obstante os direitos fundamentais possam ser vistos como um programa que envolve

Estado e sociedade, não se pode ignorar que aquele está total, direta e imediatamente

vinculado aos direitos, liberdades e garantias, enquanto que os particulares gozam da

autonomia da liberdade. Outro entendimento, colocaria em conflito o próprio

21   Não é possível o comprometimento estatal com ações governamentais que atentem contra osdireitos, liberdades e garantias.22  No tocante ao legislador, sua atuação envolve uma dimensão negativa (proibição de atuar emconflito com os direitos, liberdades e garantias), positiva (necessidade de concretizar, desenvolver meios de proteção dos direitos, liberdades e garantias), protetora (dever geral de proteção dos direitos,liberdades e garantias) e institucionalização, organização e processo.23

 Ao Poder Judiciário foi conferida a competência para apreciar a inconstitucionalidade das normas edeterminar sua não aplicação. Ademais, a ele compete aplicar e concretizar as normas atinentes aosdireitos, liberdades e garantias, conferindo-lhes máxima eficácia possível.

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ordenamento constitucional. Com base em tais fundamentos, o prof. adota a teoria da

eficácia indireta, de forma revisitada: “num ordenamento de Estado constitucional,

os direitos fundamentais constituem garantias jurídicas dirigidas contra o Estado ou

 principalmente contra o Estado.” (p. 96) acrescenta, ainda, que “não pode haver um

direito fundamental que tenha como destinatário exclusivo entidades privadas, na

medida em que um direito que tiver como único sujeito passivo entidades privadas,

das duas, uma: ou não é um verdadeiro direito fundamental ou não pode deixar de

ter como destinatário principal o Estado.” (pp. 96-97)

Há situações na Constituição que podem dar a impressão de que tenham como único

destinatário um particular. Contudo, uma detalhada análise apontará que há, ao

menos, um dever de proteção dirigido ao Estado: art. 37/4 – “ A todas as pessoas,

  singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o

direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos

 sofridos.”

 Não obstante a igualdade que permeia o texto constitucional, não se pode ignorar a

existência das relações privadas de poder que autorizam um tratamento diferenciado

entre particulares que, em um primeiro momento, pareciam em pé de igualdade. Nas

relações entre iguais, por outro lado, deve ser observada a regra geral de igualdade.

E, por estar intrinsecamente ligado à história da nação, são reversíveis os direitos

fundamentais? Podem eles ser alterados ou mesmo removidos do ordenamento?

O artigo 288 dispõe que: “As leis de revisão constitucional terão de respeitar: d) Os

direitos, liberdades e garantias dos cidadãos;”

Com base em tal dispositivo, alguns doutrinadores defendem a existência de uma

cláusula de irreversibilidade de tais direitos. Outros apontam, aí, a garantia apenas do

sistema de direitos, liberdades e garantias e não de cada um deles. Para o prof.

Alexandrino, a razão está com a segunda corrente, isso porque os limites materiais de

revisão protegem os princípios constitucionais (sua essência) e não cada uma de suas

regras. Entendimento em sentido contrário, aprisionaria as próximas gerações,

deixando-as refém da vontade do legislador constituinte originário. Não se pode

olvidar que as mudanças do texto constitucional prestam-se a adequá-lo à nova

realidade que o cerca, moldando-o às mudanças sociais.

Por tal razão, a cláusula do artigo 288, garante “um determinado quadro (de

 princípios) dos direitos, liberdades e garantias (...) a cláusula tem assim por objeto o

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cerne do sistema de direitos, liberdades e garantias.” (p. 100)

Assim, diretamente, a cláusula protege o conteúdo nuclear de todos os direitos,

liberdades e garantias e o princípio do não retrocesso do quadro de garantias. E,

indiretamente, ela zela pelo conjunto de princípios subjacentes a tais direitos,

liberdades e garantias.

Considerado habitualmente como direito de natureza análoga, o direito de

resistência24 foi, por muito tempo, tido como pedra de toque do regime dos direitos,

liberdades e garantias. A resistência pode ser tanto passiva quanto ativa, valendo para

relações com o Estado e entre particulares, para proteger a generalidade dos direitos,

liberdades e garantias. De qualquer forma, sua utilização deverá ser prudente e em

último caso, quando convencido da gravidade e evidência da ofensa (aplicação da

 proporcionalidade).

A responsabilidade civil das entidades públicas é mais um corolário do princípio do

Estado de Direito, com previsão expressa no texto constitucional25 - o que o diferencia

do princípio da proteção da confiança - e visto, por vasta doutrina, como direito de

natureza análoga. Decorre tanto da ação quanto da omissão e tem como pressupostos

a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.

Ciente dos sistemas de proteção dos direitos, liberdades e garantias, há que se apontar 

as afetações que lhes são possíveis. Afetação, nesse contexto, deve ser entendida

como as “ações que atingem desfavoravelmente a norma, o objeto, o conteúdo ou

outros efeitos de proteção de um direito, liberdade e garantia, sendo que tais ações

tanto podem provir dos poderes públicos como de privados ou dos próprios titulares

dos direitos, liberdades e garantias.” (p. 105) Assim, as afetações26 acarretam uma

24 Artigo 21.º(Direito de resistência)Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e derepelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.25 Artigo 22.º(Responsabilidade das entidades públicas)O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com ostitulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício dassuas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou

 prejuízo para outrem.26  Considerada uma espécie de intervenção (estas podem ser vantajosas, desvantajosas ouindiferentes).

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 perturbação ou prejuízo aos direitos fundamentais.

Deve ser esclarecido que nem toda afetação é inconstitucional. Pode haver afetações

legítimas (não se ignorando a possibilidade de que uma afetação, a princípio legítima,

torne-se inconstitucional).

São legítimas as seguintes afetações (desde que observados seus requisitos): i)

restrições; ii) intervenções restritivas; iii) suspensão de direitos, liberdades e

garantias; iv) renúncia a posições de direitos, liberdades e garantias; v) existência de

relações de estatuto especial; vi) extinção de um direito, liberdade e garantia; vii)

autolimitação de direitos; viii) situações de colisão normativa.

São, por outro lado, inconstitucionais: i) sacrifício; ii) violação de qualquer direito,

liberdade e garantia; iii) renúncia a um direito, liberdade e garantia em abstrato; iv)

extinção, pelo legislador de revisão, de um direito, liberdade e garantia, autônomo e

 primário.

Essa análise das afetações traz à tona o estudo das restrições. E, nesse ponto, tem

relevância o triângulo conceitual “limite, restrição e intervenção restritiva” utilizado

 pelo artigo 18, 2 e 327.

Ao tratar dessa questão, há que se levar em consideração que: 1) os direitos,

liberdades e garantias são diferentes entre si, em suas estruturas, peso axiológico,

formulação jurídica, articulação com outras normas constitucionais e na possibilidade

de afetação (postulado da diferenciação); 2) não há direitos, liberdades e garantias

ilimitados. A própria interatividade entre eles é causa de limitação, na medida em que

inexiste a possibilidade de que todos sejam realizados simultaneamente (postulado da

relatividade); 3) um direito fundamental, seja ele qual for, pode sofrer diversas formas

de compressão e afetação (postulado da mobilidade).

Inúmeras teorias tratam da afetação, dentre elas pode-se citar:

i) teoria externa – a restrição ao direito fundamental decorre de uma ação estatal

(assim, a afetação é de fora para dentro). Neste modelo, não há identidade

entre o âmbito de proteção e o de garantia efetiva do direito. Aqui, o

direito e as restrições que lhe são colocadas são autônomos e

27 2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos naConstituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ouinteresses constitucionalmente protegidos.

3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitosconstitucionais.

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diferenciados;

ii) teoria interna – os limites aludidos são intrínsecos ao próprio direito (e não

haveria distinção entre o âmbito de proteção e o da própria garantia

(doutrina dos limites imanentes);

iii) teoria ampla da previsão – todas as hipóteses que, em teoria, possam ser 

incluídas na previsão do direito não podem, de imediato, serem excluídas;

iv) teorias restritas – ainda que algumas hipóteses possam ser incluídas na

  previsão do direito, não se pode considerá-las protegidas pelo direito

fundamental em razão de da interpretação restritiva que lhe deva ser 

atribuída;

v) teoria dos direitos fundamentais como princípios – partem de uma nítida

distinção entre princípios e regras, de forma que, se forem regras

(comando definitivos), os direitos nela assegurados não poderão sofrer 

reduções. Contudo, se forem princípios (mandatos de otimização) os

direitos neles assegurados podem ser restritos (lei da ponderação);

vi) teoria dos direitos fundamentais como garantias pontuais – uma vez

delimitados, não podem ser livremente restritos, ainda que em razão de

  ponderação, sob pena de fragilizar a garantia jurídica emprestada aos

direitos fundamentais.

 Não obstante as diversas teorias existentes, o prof. Alexandrino afirma a existência de

limites na Constituição Portuguesa aos direitos fundamentais. E os divide em:

a) fronteiras - âmbitos não incluídos no objeto ou no conteúdo do direito. São

grandezas negativas que podem estar enunciadas na própria norma constitucional ou

em uma disposição legal;

b) fundamento - operações para delimitar o direito ou para posterior restrições. São

grandezas positivas que devem ser protegidas, pois justificam compressões a outras

grandezas constitucionais.

Assim, “os limites dos direitos fundamentais são normas que, de forma duradoura,

excluem diretamente âmbitos ou efeitos de proteção ou que são fundamento

 suscetível de afetar as possibilidades de realização de normas jusfundamentais.” (p.

112)

A restrição decorre de ações normativas que afetam, de forma desfavorável, o

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conteúdo ou efeito protetivo de um direito fundamental. São, portanto, uma das

formas do Estado-legislador intervir em um direito fundamental, modificando-lhe seu

âmbito de proteção. Restrição diferencia-se, nesse sentido, de limite, na medida em

que se trata de uma ação, enquanto esse é uma norma. Os limites se auto-justificam,

enquanto que as restrições colhem sua justificação nos próprios limites. Ademais, os

limites podem tanto preceder as restrições (e, aí, servir-lhes de fundamento), quanto

serem por ela colocados. Por fim, os limites são grandezas normativas, já as restrições

têm como pressupostos (além das próprias normas de limites) outras normas de

competência, processo e forma, sendo, portanto, vistas como “limites dos limites”.

A restrição diferencia-se, ainda, da delimitação do âmbito de proteção. Isso porque

esta se refere à definição dos limites intrínsecos (ou diretamente extraídos) da própria

norma constitucional.

Destaque-se, contudo, que nem toda intervenção estatal nos direitos fundamentais são

restrições. O Estado pode, tão somente, condicionar ou regulamentar um direito, sem

comprimi-lo. Assim, delimitado o âmbito de proteção, deve-se aferir se a medida vai,

de fato, reduzir as faculdades ou efeitos amparados por aquele determinado direito ou,

apenas, implementar condições de tempo, modo e lugar de exercício. Tais situações

são chamadas de limitações, e não restrições. Essa distinção é, contudo, relativa, na

medida em que uma limitação pode transformar-se em restrição.

Já as intervenções restritivas comportam uma atuação agressiva sobre um bem

 protegido por um direito fundamental, através de um ato jurídico incidente em uma

situação concreta. Nessa situação, afeta-se o conteúdo de uma posição individual e

não a norma em abstrato (esta permanece intacta, assim como seus efeitos gerais). De

qualquer forma, essa intervenção restritiva precisa ter apoio em uma norma legal.

Próxima à ideia de restrição de direitos fundamentais, há as situações de colisão e

conflito. Tem-se a colisão de direitos “quando, num caso concreto, a proteção

 jurídica emergente do direito fundamental de alguém colida com a de um direito

 fundamental de terceiro ou com a necessidade de proteger outros bens ou interesses

constitucionais.” (p. 116) Do conceito, verifica-se que, enquanto na restrição se

 procura uma solução prévia (no plano das normas), na colisão, a resolução não cabe

ao legislador, mas aos titulares do direito concretamente afrontado ou, em últimainstância, aos Tribunais. Se não houver como aplicar um escalonamento abstrato dos

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direitos ou disposições legais harmonizadoras, a solução será obtida com as regras da

concordância prática com uma distribuição equilibrada dos custos do conflito

(ponderação e aplicação dos critérios da proporcionalidade).

Pois bem. Assente a possibilidade de restrição aos direitos, liberdade e garantias, e de

que isso só pode ser feito por intermédio de lei, discute-se, então, em quais hipóteses

é cabível. Eis o teor do número 2 do artigo 18: “A lei só pode restringir os direitos,

liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo

as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses

constitucionalmente protegidos.”

Com base na expressão nos casos expressamente previstos na Constituição, discute a

doutrina se a restrição limita-se a tais hipóteses. Uma primeira corrente – relevância

absoluta – defende o princípio da tipicidade das restrições legais aos direitos,

liberdades e garantias. Assim, somente nos casos expressamente previstos no texto

constitucional, seria possível a restrição. Fora dessas situações, eventuais casos de

colisão serão resolvidos pelo aplicador com interpretação dos preceitos. Uma segunda

corrente – relevância relativa – considera que, ao lado das restrições expressamente

autorizadas, há restrições implícitas observadas em uma interpretação sistemática da

Constituição. Já uma terceira corrente – irrelevância jurídica – aponta que a regra

constitucional não levou em consideração que é da natureza dos direitos fundamentais

a colisão.

Para o prof. Alexandrino, “a Constituição não pode ter pretendido, nem pretende,

excluir a existência de eventos verdadeiramente restritivos fora dos casos

explicitamente enunciados.” Isso porque a possibilidade de restrição dos direitos é

requisito próprio de sua essência. Assim, além das restrições expressamente

autorizadas, há aquelas que o foram de forma implícita.

Também no tocante à sistemática das restrições, vê-se implícita a regra da

  proporcionalidade (princípio): “as restrições limitar-se ao necessário para

 salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. Ou seja,

as restrições devem ser necessárias para salvaguardar outros direitos ou interesses e

limitam-se a tanto.

O princípio da proporcionalidade é considerado um superconceito que pode ser decomposto em: i) adequação (ou idoneidade) – as medidas restritivas devem ser 

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aptas para o realizar o fim perseguido (meio e fim); ii) necessidade – deve-se recorrer 

ao meio menos restritivo indispensável para atingir o fim desejado (comparação de

  prejuízos); iii) justa medida (ou proporcionalidade em sentido estrito) – busca

estabelecer equilíbrio entre a importância do fim almejado e a gravidade do sacrifício

imposto (sopesar vantagens e desvantagens). Os três subprincipios podem, portanto,

ser resumidos em: observação empírica, comparação de alternativas e pesagem entre

vantagens e sacrifícios.

Ainda no tocante às restrições aos direitos fundamentais, o artigo 18, seu número 3

impõe: “As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter 

 geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o

alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.” 

Primeiramente, verifica-se que as leis restritivas devem ser geral e abstrata, não

  podem ter efeitos retroativos, resguardado o conteúdo essencial dos preceitos

constitucionais.

O celeuma que se apresenta é: o que é esse conteúdo essencial 28? A doutrina diverge

entre a irrelevância de tal conceito (relativização absoluta) ou a definição de uma

dimensão irrestringível (teoria absoluta) ou como conteúdo resultado de um processo

de ponderação (teoria relativa).

Para o prof. Alexandrino que defende que os direitos fundamentais fazem parte de

uma rede normativa de interações, não haveria como defender uma concepção

absoluta. Assim, a relevância da cláusula do conteúdo essencial projeta-se

 previamente às restrições, sinalizando, ao legislador, que os direitos, liberdades e

garantias são trunfos do indivíduo contra o Estado. Posteriormente, serve, ao julgador,

como garantia de conteúdo essencial que não o deixa perder de vista seus preceitos.

Ainda como espécie de afetação legítima, há a suspensão dos direitos, liberdades e

garantias que se caracteriza por sua temporariedade, em situações especificas

(declaração de estado de sítio ou estado de emergência), atingindo em abstrato certos

efeitos de proteção da norma fundamental. Ela não atinge a norma, o conteúdo do

direito ou seu objeto, mas apenas certos efeitos de proteção (seu exercício).

Há, ainda, a renúncia que, para o prof. Reis Novais, é o “enfraquecimento voluntário28 Luhmann: a essência da essência é desconhecida.

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de um posição jurídica individual protegida por uma norma de direito fundamental,

determinado por uma declaração de vontade do titular dessa posição que o vinculou

 juridicamente a aceitar o correspondente alargamento da margem de atuação da

entidade pública face às pretensões que decorriam daquela posição.” (p. 136)

Trata-se de uma afetação voluntária que pode surgir tanto contra o Estado, quanto

entre particulares e é garantia do princípio da liberdade, na medida em que os direitos,

liberdades e garantias são expressão da liberdade e nela se realizam.

Deve ser esclarecido que, em uma dimensão valorativa, o direito fundamental é

indisponível e inalienável. Assim, qualquer renúncia jamais ocorrerá no plano do

direito fundamental como um todo, mas somente em relação a alguns de seus efeitos.

Da mesma forma, não se pode renunciar à titularidade de um direito fundamental. A

renúncia deverá ser avaliada de acordo com as circunstâncias do caso concreto e em

função e sua finalidade. Esclareça-se, ainda, que a renúncia não pode ser definitiva,

 podendo ser revogada a qualquer tempo.

Ainda no tocante à especialidade das situações, não se pode deixar de citar as relações

de estatuto especial voltado a um determinado círculo de pessoas (diferenciado,

 portanto, do estatuto geral). São pessoas que, por força da Constituição ou da natureza

das coisas, estão sujeitas ou inseridas em relações regidas por estatutos jurídicos

especiais. Ressalte-se que a inserção de indivíduos neste círculo não afeta a

titularidade dos direitos fundamentais, nem implica qualquer renúncia. Tais estatutos

especiais legitimam algumas restrições ou reforços de proteção de certos direitos

fundamentais (tome-se, como exemplo, os militares e as restrições ao exercício dos

direitos de reunião, manifestação, associação).

Os direitos econômicos, sociais e culturais têm como conteúdo principal prestações

materiais fornecidas pelo Estado, contudo não se confundem com os direitos

 prestacionais.

Para o prof. Jorge Miranda e prof. Alexandrino, “não há nem pode haver, em face da

Constituição portuguesa, um regime jurídico unitário para todos os direitos

 fundamentais.” 

Por fim, o prof. Alexandrino defende a possibilidade de retrocesso no tocante aos

direitos econômicos, sociais e culturais, se assim se impuser a realidade sócio-econômica. Para ele, não se sustenta a proibição do não retrocesso.