Fichamento3.Norbertobobbio.vinicius

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO VINÍCIUS SOARES CARVALHO FICHAMENTO Nº 3 Salvador 2015

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trabalho acadêmico

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIAFACULDADE DE DIREITOPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DIREITO

VINCIUS SOARES CARVALHO

FICHAMENTO N 3

Salvador2015

VINCIUS SOARES CARVALHO

Fichamento textual do livro do professor da Universidade de Turim NORBERTO BOBBIO, intitulado TEORIA GERAL DO DIREITO, fracionado em suas duas partes, TEORIA DA NORMA JURDICA e TEORIA DO ORDENAMENTO JURDICO.Atividade proposta pelo docente como requisito avaliativo para a disciplina Teoria Geral do Direito, PPGD/UFBa, no semestre letivo de 2015.1

Salvador2015

Bobbio, Norberto, 1909 2004. Teoria Geral do Direito; traduo Denise Agostinette; reviso da traduo Silvana Cobucci Leite. 3 ed. So Paulo: Martins Martins Fontes, 2010. (Justia e direito).Pgs.

16PRIMEIRA PARTE: TEORIA DA NORMA JURDICA

I. O DIREITO COMO REGRA DE CONDUTA

1. Um mundo de normas

(...) Podemos dizer desde j, mesmo em termos ainda genricos, que o direito constitui uma parte notvel, e talvez tambm a parte mais visvel, da nossa experincia normativa. E por isso um dos primeiros resultados do estudo do direito o de nos tornar conscientes da importncia do normativo em nossa existncia individual e social.

(...) Estudar uma civilizao do ponto de vista normativo significa, no final das contas, perguntar-se quais aes foram proibidas naquela determinada sociedade, quais foram comandadas, quais foram permitidas; significa, em outras palavras, descobrir a direo ou as direes fundamentais em que se orientava a vida de cada indivduo.

182. Variedade e multiciplidade das normas

O nmero de regras que encontramos diariamente em nosso caminho de seres que agem em direo a fins incalculvel, ou seja, tal que o trabalho de enumer-las to desnecessrio quanto o de contar os gros de areia numa praia. (...)

213. O direito instituio?

(...) v-se que para Romano os elementos constitutivos do conceito do direito so trs: a sociedade como base de fato em que o direito passa a existir, a ordem como fim a que tende o direito, e a organizao como meio para realizar a ordem. (...)

224. O pluralismo jurdico

(...) para a teoria da instituio at uma associao para delinquir, uma vez organizada com o objetivo de estabelecer a ordem entre os seus membros, um ordenamento jurdico. E, de resto, historicamente no existiram Estados que, pela violncia e pela fraude com que se conduziram em relao aos seus cidados e aos cidados dos outros Estados, podem ser comparados a associaes para delinquir? (...)

(...) Santo Agostinho no chamava os Estados de magna latrocinia? E acaso por isso eram menos Estados, ou seja, menos ordenamentos jurdicos, do que aqueles Estados que porventura se conduziram segundo a justia?

23(...) A mxima conscincia terica desse processo a filosofia do direito de Hegel, em que o Estado considerado o Deus terreno, ou seja, o sujeito ltimo da histria, que no reconhece nem acima nem abaixo de si nenhum outro sujeito, e ao qual os indivduos e os grupos devem incondicionada obedincia.

24(...) Uma aplicao ao caso especfico da relao entre ordenamento cavalheiresco e ordenamento estatal foi feita com incomparvel acuidade por Piero Calamandrei (ver o ensaio Regole cavalleresche e processo (Regras cavalheirescas e processo, de 1929, in Studi sul processo civile, III, pp. 155-170).

285. Observaes crticas

(...) O autor observa [M. S. Giannini] que pode haver normatizao sem organizao: por exemplo, a classe social, mesmo no sendo um grupo organizado, produz regras de conduta (normas sociais) para os seus componentes; mas no pode haver organizao sem normatizao. Em outras palavras, se verdade que uma produo de normas quaisquer no suficiente para criar uma instituio, tambm verdade que no possvel criar uma instituio sem uma produo de regras. Assim, a produo de regras sempre fenmeno originrio, ainda que no exclusivo, para a constituio de uma instituio.

296. O direito relao intersubjetiva?

(...) Deve-se notar que a teoria da instituio surgiu criticando no apenas a teoria normativa, como mostramos at aqui, mas tambm a teoria da relao intersubjetiva. Segundo os defensores da instituio (sobretudo franceses), uma pura e simples relao entre dois sujeitos no pode constituir direito; para que surja o direito, necessrio que essa relao esteja inserida numa srie mais ampla e complexa de relaes constituintes, isto , a instituio. Duas pessoas isoladas que se encontram apenas para estabelecer entre elas a regulamentao de certos interesses mtuos no constituem ainda direito; o direito s nascer quando essa regulamentao se tornar de um certo modo estvel e der origem a uma organizao permanente da atividade dos dois indivduos.

(...) a doutrina da instituio inspira-se nas correntes sociolgicas mais modernas, que taxaram de utopismo e de racionalismo abstrato o individualismo jusnaturalista e afirmam a realidade do grupo social como realidade distinta daquela dos indivduos que a compem. Partindo, ento, desse pressuposto, consideram o direito como um produto no do indivduo ou dos indivduos, mas da sociedade no seu todo.

30(...) Para Kant, h quatro tipos possveis de relao de um sujeito com outros sujeitos: 1) a relao de um sujeito que tem direitos e deveres com um sujeito que tem apenas direitos e no deveres (Deus); 2) a relao de um sujeito que tem direitos e deveres com um sujeito que tem apenas deveres e no direitos (o escravo); 3) a relao de um sujeito que tem direitos e deveres com um sujeito que no tem nem direitos nem deveres (o animal, as coisas inanimadas); 4) a relao de um sujeito que tem direitos e deveres com um sujeito que tem direitos e deveres (o homem). Dessas quatro relaes, somente a ltima relao jurdica.

31(...) Para Del Vecchio, o mesmo princpio tico pode ser traduzido numa dupla ordem de valoraes: 1) em relao ao prprio sujeito que realiza a ao (que pode escolher a ao obrigatria e repelir aquela proibida); 2) em relao aos sujeitos a quem se dirige a ao (que podem escolher entre deixar que eu realize a ao ou impedir-me de realiz-la). A primeira ordem de valoraes constitui a valorao moral; a segunda, a valorao jurdica.

UNILATERALIDADE DA NORMA MORAL E A BILATERALIDADE DA NORMA JURDICA

COORDENAO OBJETIVA DO AGIR [direito]

317. Exame de uma teoria

A mais recente teoria do direito como relao jurdica a exposta na Teoria generale del diritto, de Alessandro Levi (Pdua, Cedam, 2 ed., 1953).(...)

(...) Fala do conceito de relao jurdica como daquele em que se concretiza o universal jurdico, ou seja, o momento jurdico do esprito humano (...)

33(...) ele se refere, como qualquer adepto da teoria normativa, regra que define a relao e no relao regulada. [Levi] Essa suspeita se agrava quando, ao ter de indicar os atributos constitutivos da relao jurdica (...), ele diz que so a tutela, a sano, a pretenso e a prestao: mais esses atributos no so caractersticos da relao intersubjetiva considerada por si s (...), e sim deduzidos do fato de que essa relao regulada por uma norma que prev uma sano em caso de ruptura da prpria relao, em suma, pelo fato de ser regulada por uma norma jurdica. (...)

348. Observaes crticas (...) Em resumo, o direito nada mais que o reflexo subjetivo de uma norma autorizadora; e o dever nada mais do que o reflexo subjetivo de uma norma imperativa (positiva ou negativa). (...)

NOTA: Bobbio defende que mesmo aqueles que definem o direito a partir de uma relao interpessoal, em verdade, remetem-se a normas anteriores.

36(...) Cada uma delas evidencia um aspecto da multiforme experincia jurdica: a teoria da relao, o aspecto da intersubjetividade; a teoria da instituio, o da organizao social; a teoria normativa, o aspecto da regularidade. (...)

(...) De resto, dos trs aspectos complementares, o fundamental continua a ser o aspecto normativo. A intersubjetividade e a organizao so condies necessrias para a formao de uma ordem jurdica; o aspecto normativo a condio necessria e suficiente.

37II. JUSTIA, VALIDADE E EFICCIA

9. Trs critrios de valorao

(...) Diante de uma norma jurdica qualquer, podemos efetivamente nos colocar uma trplice ordem de problemas: 1) se ela justa ou injusta; 2) se ela vlida ou invlida; 3) se ela eficaz ou ineficaz. Trata-se dos trs problemas distintos da justia, da validade e da eficcia de uma norma jurdica.

38(...) Colocar-se o problema da justia ou no de uma norma equivale a se colocar o problema da correspondncia entre o que real e o que ideal. Por isso costuma-se chamar o problema da justia de problema deontolgico do direito.

39(...) Trata-se, caso queira adotar uma terminologia familiar entre os filsofos do direito, do problema ontolgico do direito [validade].

40 - 43(...) pode-se dizer que o problema da eficcia das regras jurdicas o problema fenomenolgico do direito.

10. Os trs critrios so independentes

1. Uma norma pode ser justa sem ser vlida. Para dar um exemplo clssico, os tericos do direito natural formulavam em seus tratados um sistema de normas extradas de princpios jurdicos universais. Quem formulava estas normas, as julgava justas, por consider-las correspondentes a princpios universais de justia. Mas essas normas, por serem apenas escritas num tratado de direito natural, no eram vlidas. S se tornavam vlidas na medida em que eram acolhidas em um sistema de direito positivo. O direito natural pretende ser o direito justo por excelncia, mas apenas pelo fato de ser justo no significa que tambm seja vlido.;

2. Uma norma pode ser vlida sem ser justa. Nesse caso no preciso ir to longe para buscar exemplos. Nenhum ordenamento jurdico perfeito: entre o ideal de justia e a realidade do direito h sempre uma distncia, mais ou menos grande, conforme os regimes. Sem dvida, o direito que em todos os regimes de um certo perodo histrico e em alguns regimes atuais que consideramos culturalmente atrasados admitia a escravido no era justo, mas nem por isso deixava de ser vlido. At pouco tempo atrs vigoravam leis raciais que nenhuma pessoa de bom senso se dispe a considerar justas: todavia elas eram vlidas. Um socialista dificilmente reconhecer como justo um ordenamento que reconhece e protege a propriedade individual; assim como um reacionrio dificilmente reconhecer como justa uma norma que considere lcita a greve. No entanto, nem o socialista nem o reacionrio tero dvidas sobre o fato de que, num ordenamento positivo como o italiano, tanto as normas que regulam a propriedade individual quanto as que reconhecem o direito de greve so vlidas;

3. Uma norma pode ser vlida sem ser eficaz. O caso mais clamoroso continua a ser o das leis sobre proibio das bebidas alcolicas nos Estados Unidos, que vigoraram por cerca de vinte anos no perodo entre duas guerras. Constatou-se que o consumo de bebidas alcolicas durante o regime proibicionista no era inferior ao consumo do perodo imediatamente posterior, quando a proibio foi suprimida. Sem dvida, tratava-se de leis "vlidas", no sentido de que haviam sido emanadas pelos rgos competentes emanar normas jurdicas, mas no eram eficazes. Sem retroceder demais no tempo, muitos artigos da Constituio Italiana at agora foram aplicados. O que significa a to frequentemente deplorada desaplicao da Constituio? Significa que estamos diante de normas jurdicas que, embora vlidas, ou seja, existentes enquanto normas, no so eficazes;

4. Uma norma pode ser eficaz sem ser vlida. Existem muitas normas sociais seguidas espontaneamente ou pelo menos habitualmente, ou seja, eficazes, como num determinado crculo de pessoas, as regras da boa educao. Essas regras, pelo simples fato de serem seguidas, no se tornam por isso mesmo regras pertencentes a um sistema jurdico, ou seja, no adquirem validade jurdica. Poder-se-ia objetar que o direito consuetudinrio constitui um exemplo conspcuo de normas que adquirem validade jurdica, ou seja, passam a integrar um sistema normativo somente por meio da sua eficcia. E o que o uso constante, regular, geral, uniforme que se requer de um costume para que se torne jurdico, seno o que chamamos de eficcia? Mas a essa objeo pode-se responder que nenhum costume torna-se jurdico apenas atravs do uso, pois o que o torna jurdico, ou seja. o que o insere num sistema, o fato de ser acolhido e reconhecido pelos rgos competentes, naquele sistema, para produzir normas jurdicas, como o legislador ou o juiz. Enquanto apenas eficaz, uma norma consuetudinria no se torna jurdica. Torna-se jurdica quando os rgos do poder lhe atribuem validade. O que confirma que a eficcia no se transforma diretamente em validade, e, portanto, uma norma pode continuar a ser eficaz sem por isso se tornar jurdica;

5. Uma norma pode ser justa sem ser eficaz. Vimos que uma norma pode ser justa sem ser vlida. No devemos hesitar em acrescentar que pode ser justa sem ser eficaz. Quando a sabedoria popular diz que no h justia neste mundo, refere-se ao fato de que muitos exaltam a justia com palavras, poucos as colocam em prtica. Em geral, para ser eficaz, uma norma tambm deve ser vlida. Se verdade que muitas normas de justia no so vlidas, a maior parte sequer eficaz;

6. Uma norma pode ser eficaz sem ser justa. O fato de uma norma ser universalmente seguida no prova da sua justia, assim como, de resto, o fato de no ser seguida absolutamente no pode ser considerado como prova da sua injustia. A derivao da justia a partir da eficcia poderia ser comparada a um dos argumentos que costumava ser discutido entre os jusnaturalistas, o chamado consensus humani generis, ou mais simplesmente, do consensus omnium. Perguntavam-se os jusnaturalistas: deve-se considerar mxima de direito natural aquela que aceita por todos os povos (alguns diziam por todos os povos civilizados)? A resposta dos jusnaturalistas mais intransigentes era quase sempre negativa. E com razo: o fato de a escravido, por exemplo, ser praticada por todos os povos civilizados num certo perodo histrico no a transformava numa instituio conforme justia. A justia independente da validade, mas tambm independente da eficcia.

4411. Possveis confuses dos trs critrios

Esta tripartio de problemas hoje geralmente reconhecida pelos filsofos do direito, e de resto corresponde em parte distino das trs tarefas da filosofia do direito (tarefa deontolgica, ontolgica e fenomenolgica) que a filosofia do direito italiano adotou desde o incio do sculo XX por obra principalmente de Giorgio Del Vecchio. (...)

46Existe uma teoria que reduz a validade justia, afirmando que uma norma s vlida se justa; em outras palavras, faz com que a norma dependa da justia. O exemplo histrico mais ilustre dessa reduo a doutrina do direito natural.

Uma outra teoria reduz a justia validade, enquanto afirma que uma norma justa simplesmente por ser vlida, ou seja, faz com que a justia dependa da validade. O exemplo histrico dessa teoria dado pela concepo do direito que se contrape quela jusnaturalista, e a concepo positivista (no sentido mais estrito e limitado da palavra). (...)

(...) existe uma teoria que reduz a validade eficcia, enquanto tende a afirmar que o direito real no o que se encontra, por assim dizer, enunciado numa constituio, num cdigo ou num corpo de leis, mas aquele que os homens efetivamente aplicam nas suas relaes cotidianas. (...)

4712. O direito natural

De resto, o fato de na prpria doutrina do direito natural a reduo da validade justia ser mais afirmada que aplicada pode, a meu ver, ser demonstrado com dois argumentos extrados da prpria doutrina jusnaturalista: a) doutrina constante dos jusnaturalistas que os homens, antes de entrar no estado civilizado (regido pelo direito positivo), viviam no estado de natureza, cuja caracterstica fundamental ser um estado em que no vigorem outras leis a no ser as naturais, pois, conforme doutrina aceita, o estado de natureza impossvel e dele necessrio sair (segundo Locke e Hobbes se trata de um clculo utilitrio, segundo Kant, de um dever moral) para fundar o Estado. Isto deve ser interpretado no sentido em que o direito natural no cumpre a funo de direito positivo, onde, se chamamos de "direito" o direito positivo, no podemos considerar "direito" da mesma maneira o direito natural. Kant, perfeitamente consciente desta distino, chamou o direito natural de "provisrio" para distingui-lo do direito positivo que chamou de "peremptrio", dando com isso a entender que somente o direito positivo era direito no sentido pleno na palavra; b) doutrina comum para os jusnaturalistas que o direito positivo em desconformidade com o direito natural seja considerado injusto, mas no obstante deve ser obedecido (a chamada teoria da obedincia). (...)

BOBBIO, Norberto; Teoria do ordenamento jurdico / apresentao Trcio Sampaio Ferraz Jnior, trad. Maria Celeste C. J. Santos; rev. tc. Cludio De Cicco. Braslia: Editora Universidade de Braslia, 6* ed., 1995. 184 pgs.

19I. DA NORMA JURDICA AO ORDENAMENTO JURDICO

1. Novidade do problema do ordenamento

(...) na realidade, as normas jurdicas nunca existem isoladamente, mas sempre em um contexto de normas com relaes particulares entre si (...)

20(...) o ordenamento jurdico era no mximo um conjunto de normas, mas no um objeto autnomo de estudo, com seus problemas particulares e diversos. Para rios exprimirmos com uma metfora, considerava-se a rvore, mas no a floresta.

Creio que os primeiros a chamar a ateno sobre a realidade do ordenamento jurdico foram os tericos da instituio (...)

20 - 21(...) O que ns criticamos na teoria da instituio foi a forma em que foi apresentada, em oposio teoria normativa, isto , como teoria destinada a suplantar a teoria precedente, quando, segundo j observamos, ela representa sua integrao e, portanto, sua continuao. (...)

(...) Tomando-se, por exemplo, sua obra mais completa e concludente, a Teoria geral do Direito e do Estado, veremos que a anlise da teoria do Direito (aqui prescindimos da teoria do Estado) est dividida em duas partes, chamadas respectivamente Nomosttica e Nomodinmica. (...)

21 / 22(...) No preciso acrescentar que meu livro est ligado diretamente problemtica de Kelsen, da qual constitui ora um comentrio, ora um desenvolvimento.

222. Ordenamento jurdico e definio do Direito

Dissemos que a teoria do ordenamento jurdico constitui uma integrao da teoria da norma jurdica. (...)

(...) uma definio satisfatria do Direito s possvel se nos colocarmos do ponto de vista do ordenamento jurdico. (...)

23 -26No conjunto das tentativas realizadas para caracterizar o Direito atravs de algum elemento da norma jurdica, consideraramos sobretudo quatro critrios: 1. critrio formal; 2. critrio material; 3. critrio do sujeito que pe a norma; 4. critrio do sujeito ao qual a norma se destina.

critrio formal: (...) entendemos aquele pelo qual se acredita poder ser definido o que o Direito atravs de qualquer elemento estrutural das normas que se costuma chamar de jurdicas. Vimos que, com respeito estrutura, as normas podem distinguir-se em: a) positivas ou negativas; b) categricas ou hipotticas; c) gerais (abstratas) ou individuais (concretas). (...)

critrio material: (...) entendemos aquele critrio que se poderia extrair do contedo das normas jurdicas, isto , das aes reguladas. Esse critrio manifestamente inconcludente. Objeto de regulamentao por parte das normas jurdicas so todas as aes possveis do homem, e entendemos por "aes possveis" aquelas que no so nem necessrias nem impossveis. Segue-se, obviamente, que uma norma que comandasse uma ao necessria ou proibisse uma ao impossvel seria intil; de outro lado, uma norma que proibisse uma ao necessria ou ordenasse uma ao impossvel seria inexequvel. (...) - a) aes internas e aes externas; - b) aes subjetivas e aes intersubjetivas.

critrio do sujeito que pe a norma: (...) Que o Direito seja aquele conjunto de regras que se fazem valer ainda que pela fora, isto , um ordenamento normativo de eficcia reforada, a concluso a que julgamos ter chegado no livro precedente. Ora, aquele que est em condies de exercer a fora para tornar eficazes as normas justamente o poder soberano que detm o monoplio do exerccio da fora. Portanto, a teoria do Direito como regra coativa e a teoria do Direito como emanao do poder soberano so convergentes. (...) Poder soberano e ordenamento jurdico so dois conceitos que se referem um ao outro. E, portanto, quando o Direito definido atravs do conceito de soberania, o que vem em primeiro plano no a norma isolada, mas o ordenamento; dizer que norma jurdica a emanada do poder soberano equivale a dizer que norma jurdica aquela que faz parte de um determinado ordenamento. A soberania caracteriza no uma norma, mas um ordenamento; caracteriza a norma apenas enquanto ela considerada como parte do ordenamento.

critrio do sujeito a que a norma destinada: (...) Essa opinio iuris ac necessitatis um ente antes de mais nada misterioso. Que significa? O nico modo de lhe dar um significado este: observar uma norma com a convico da sua obrigatoriedade, quer dizer, com a convico de que, se a violssemos, iramos ao encontro da interveno do poder judicirio e, muito provavelmente, da aplicao de uma sano. O sentimento da obrigatoriedade em ltima instncia o sentimento de que aquela norma singular faz parte de um organismo mais complexo e que da pertinncia a esse organismo que vem seu carter especfico. Mesmo neste caso, portanto, a noo qual nos referimos para definir a juridicidade de uma norma encontra sua explicao natural quando procuramos ver, atravs da norma, o ordenamento que a compreende.

(...) Dir-se- que o juiz aquele ao qual uma norma do ordenamento atribui o poder e o dever de estabelecer quem tem razo e quem no tem, e de tornar assim possvel a execuo de uma sano. Mas, desse modo, uma vez mais somos reconduzidos da norma isolada ao sistema normativo. E percebemos, alm disso, que no apenas procuramos tornar conclusiva uma definio do Direito referida norma, mas somos constrangidos a deixar a norma e abraar o ordenamento.

273. A nossa definio do Direito

(...) norma jurdica como aquela norma cuja execuo garantida por uma sano externa e institucionalizada.

(...) Definir o Direito atravs da noo de sano organizada significa procurar o carter distintivo do Direito no em um elemento da norma mas em um complexo orgnico de normas (...)

28(...) o que comumente chamamos de Direito mais uma caracterstica de certos ordenamentos normativos mais que de certas normas. (...)

(...) S em uma teoria do ordenamento este era o ponto a que importava chegar o fenmeno jurdico encontra sua adequada explicao.

29(...) O problema da validade e da eficcia, que gera dificuldades insuperveis desde que se considere uma norma do sistema (a qual pode ser vlida sem ser eficaz), diminui se nos referirmos ao ordenamento jurdico, no qual a eficcia o prprio fundamento da validade.

(...) O problema da validade e da eficcia, que gera dificuldades insuperveis desde que se considere uma norma do sistema (a qual pode ser vlida sem ser eficaz), diminui se nos referirmos ao ordenamento jurdico, no qual a eficcia o prprio fundamento da validade.

30(...) intil procurar o elemento distintivo de um costume jurdico a respeito da regra do costume na norma consuetudinria em particular. Dever-se- responder, de preferncia, que uma norma consuetudinria torna-se jurdica quando vem a fazer parte de um ordenamento jurdico. (...)

31 / 32(...) O termo direito, na mais comum acepo de Direito objetivo, indica um tipo de sistema normativo, no um tipo de norma.

4. Pluralidade de normas

(...) o ordenamento jurdico (como todo sistema normativo) um conjunto de normas. Essa definio geral de ordenamento pressupe uma nica condio: que na constituio de um ordenamento concorram mais normas (pelo menos duas), e que no haja ordenamento composto de uma norma s.

(...) inconcebvel um ordenamento que regule todas as aes possveis c om uma nica modalidade normativa, (...) pode-se conceber [concebvel neste caso!] um ordenamento que ordene ou proba uma nica ao. (...)

(...) Assim como uma regra de conduta pode referir-se a todas as aes possveis do homem, e a regulamentao consiste em qualificar uma ao atravs de uma das trs modalidades normativas (ou denticas) do obrigatrio, do proibido e do permitido (...) seno trs possibilidades de conceber um ordenamento composto de uma norma nica: -> 1) tudo permitido (...) -> 2) tudo proibido (...) -> 3) tudo comandado (...)

33(...) Nesse sentido pode-se dizer que mesmo o ordenamento mais simples, o que consiste numa s prescrio de uma ao particular, composto de pelo menos duas normas. (...)

- NEMINEN LAEDERE (ordenamento simples mas que possui ao menos duas normas)- NORMA GERAL EXCLUSIVA (manifestao da duplicidade normativa por contraste a uma nica norma)

(...) Em todo o ordenamento, ao lado das normas de conduta, existe um outro tipo de normas, que costumamos chamar de normas de estrutura ou de competncia. (...)

34(...) Perguntamos: concebvel um ordenamento composto de uma s norma de estrutura? Um ordenamento desse tipo concebvel. Geralmente considera-se tal o ordenamento de uma monarquia absoluta (...)

(...) O fato de existir uma s norma de estrutura tem por conseqncia a extrema variabilidade de normas de conduta no tempo, e no a excluso de sua pluralidade em determinado tempo.

5. Os problemas do ordenamento jurdico

(...) os principais problemas conexos c om a existncia de um ordenamento so os que nascem das relaes das diversas normas entre si.

37II. A UNIDADE DO ORDENAMENTO JURDICO

1. Fontes reconhecidas e fontes delegadas

A dificuldade de rastrear todas as normas que constituem um ordenamento depende do fato de geralmente essas normas no derivarem de uma nica fonte. (...)

(...) Podemos distinguir os ordenamentos jurdicos em simples e complexos, conforme as normas que os compem derivem de uma s fonte ou de mais de uma. (...)

38(...) o poder supremo recorre geralmente a dois expedientes:1) A recepo de normas j feitas, produzidas por ordenamentos diversos e precedentes.2) A delegao do poder de produzir normas jurdicasa poderes ou rgos inferiores.Por essas razes, em cada ordenamento, ao lado da fonte direta temos fontes indiretas que podem ser distinguidas nestas duas classes: fontes reconhecidas e fontes delegadas.

40(...) Conforme se vai subindo na hierarquia das fontes, as normas tornam-se cada vez menos numerosas e mais genricas; descendo, ao contrrio, as normas tornam-se cada vez mais numerosas e mais especficas.

412. Tipos de fontes e formao histrica do ordenamento

Em cada ordenamento o ponto de referncia-ltimo de todas as normas o poder originrio, quer dizer, o poder alm do qual no existe outro pelo qual se possa justificar o ordenamento jurdico. (...)

42O novo ordenamento que surge no elimina nunca completamente as estratificaes normativas que o precederam: parte daquelas regras vm a fazer parte, atravs de um reconhecimento expresso ou tcito, do novo ordenamento, o qual, deste modo, surge limitado pelos ordenamentos precedentes. (...) LIMITE EXTERNO DO PODER SOBERANO

O poder originrio, uma vez constitudo, cria ele mesmo, para satisfazer a necessidade de uma normatizao sempre atualizada, novas centrais de produo jurdica, atribuindo a rgos executivos o poder de estabelecer normas integradoras subordinadas s legislativas (os regulamentos); a entidades territoriais autnomas o poder de estabelecer normas adaptadas s necessidades locais (o poder normativo das regies, das provncias, dos municpios); a cidados particulares o poder de regular os prprios deveres atravs de negcios jurdicos (o poder de negociao). LIMITE INTERNO DO PODER SOBERANO

(...) Chamamos esse poder originrio de fonte das fontes. (...)

453. As fontes do direito

Costuma-se dizer que o ordenamento jurdico regula a prpria produo normativa.

(...) As normas de estrutura podem tambm ser consideradas como as normas para a produo jurdica: quer dizer, como as normas que regulam os procedimentos de regulamentao jurdica. (...) comportamento que elas regulam o de produzir regras.

474. Construo escalonada do ordenamento

Basta-nos ter chamado a ateno sobre esta categoria de normas para a produo de outras normas: a presena e freqncia dessas normas que constituem a complexidade do ordenamento jurdico (...)

(...) devemos colocar, ao lado das imperativas, entendidas como comandos de fazer ou de no fazer, e que poderemos chamar imperativas de primeira instncia, as imperativas de segunda instncia, entendidas como comandos de comandar, etc

47 Podem-se distinguir nove tipos:

1) Normas que mandam ordenar (por exemplo: art.34, 2? da Constituio, onde o constituinte ordena ao legislador ordinrio formular leis que tornem obrigatria a instruo)2) Normas que probem ordenar (art. 27, 4? Da Constituio, onde se probe ao legislador impor a pena de morte).3) Normas que permitem ordenar (em todos os casos em que o constituinte entende no dever intervir a ditar normas sobre certas matrias, pode-se dizer que isso permite ao legislador ordenar. Por exemplo, o art. 32, 2? da Constituio, permite ao legislador ordinrio estabelecer normas relativas ao tratamento sanitrio).4) Normas que mandam proibir (art. 18, 2? Da Constituio: o constituinte impe ao legislador ordinrio emanar normas proibitivas contra as associaes secretas).5) Normas que probem proibir (art. 22 da Constituio: ningum pode ser privado por motivos polticos da capacidade jurdica, da cidadania, do nome).6) Normas que permitem proibir (a propsito do art. 40 da Constituio, que sanciona a liberdade de greve, pode-se observar que nem nele nem em outro se fala em liberdade de suspenso do trabalho; essa lacuna poderia ser interpretada como se o constituinte tivesse desejado deixar ao legislador ordinrio a faculdade de proibi-la).7) Normas que mandam permitir (este caso coincide com o do nmero cinco).8) Normas que probem permitir (este caso coincide com o do nmero quatro).9) Normas que permitem permitir (como a permisso a negao de uma proibio, este o caso de uma lei constitucional que negue a proibio de uma lei constitucional anterior).

49(...) Seu ncleo que as normas de um ordenamento no esto todas no mesmo plano. (...)

A norma fundamental o termo unificador das normas que compem um ordenamento jurdico (...)

(...) Devido presena, num ordenamento jurdico, de normas superiores e inferiores, ele tem uma estrutura hierrquica. As normas de um ordenamento so dispostas em ordem hierrquica.

51(...) Executiva com respeito norma superior, produtiva com respeito norma inferior.

(...) Todas as fases de um ordenamento so, ao mesmo tempo, executivas e produtivas, exceo da fase de grau mais ato e da fase de grau mais baixo. O grau mais baixo constitudo pelos atos executivos: esses atos so meramente executivos e no produtivos. O grau mais alto constitudo pela norma fundamental: essa somente produtiva e no executiva. (...)

(...) Enquanto a produo jurdica a expresso de um poder (originrio ou derivado), a execuo revela o cumprimento de um dever. (...)

51 / 52(...) Chama-se poder, numa das suas mais importantes acepes, a capacidade que o ordenamento jurdico atribui a esta ou aquela pessoa de colocar em prtica obrigaes em relao a outras pessoas; chama-se obrigao a atitude a que submetido aquele que est sujeito ao poder. (...)

52 / 53(...) H ordenamentos nos quais no existe diferena entre leis constitucionais e leis ordinrias: so aqueles ordenamentos nos quais o poder legislativo pode formular, atravs do mesmo procedimento, leis ordinrias e leis constitucionais; e, conseqentemente, no existe uma obrigao do legislador ordinrio em executar as prescries contidas nas leis constitucionais. (...)

(...) No difcil apresentar um exemplo de ordenamentos com um plano a mais: so os estados federais, nos quais, alm do Poder Legislativo do Estado federal, h tambm um Poder Legislativo, a ele subordinado, dos estados-membros.

54 / 555. Limites materiais e formais

O primeiro tipo de limite refere-se ao contedo da norma que o inferior est autorizado a emanar; o segundo refere-se forma, isto , ao modo ou ao processo pelo qual a norma do inferior deve ser emanada. (...)

Os limites de contedo podem ser positivos ou negativos, conforme a constituio imponha ao legislador ordinrio estabelecer normas numa determinada matria (ordem de mandar) ou lhe proba estabelecer normas numa determinada matria (proibio de mandar ou ordem de permitir). (...)

56Enquanto na passagem da Constituio para a lei ordinria vimos que se pode verificar o caso de falta de limites materiais, na passagem da lei ordinria para a deciso do juiz difcil que se verifique esta falha na realidade: deveramos formular a hiptese de um ordenamento no qual a Constituio estabelecesse que em cada caso o juiz deveria julgar segundo a equidade.

Chamam-se "juzos de eqidade" aqueles em que o juiz est autorizado a resolver uma controvrsia sem recorrer a uma norma legal preestabelecida.

O juzo de eqidade pode ser definido como autorizao, ao juiz, de produzir direito fora de cada limite material imposto pelas normas superiores.

596. A norma fundamental

Essa norma nica no pode ser seno aquela que impe obedecer ao poder originrio do qual deriva a Constituio, que d origem s leis ordinrias, que, por sua vez, do origem aos regulamentos, decises judicirias etc. Se no postulssemos uma norma fundamental, no acharamos o ubi consistam, ou seja, o ponto de apoio do sistema. E essa norma ltima no pode ser seno aquela de onde deriva o poder primeiro.

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omnis potestas nisi a Deo dictamem rectae rationis

contrato social

(...) Segundo essa doutrina, o poder constitudo encontra sua legitimidade no mais no fato de derivar de Deus ou da natureza, mas na vontade concorde daqueles que lhe do vida. Aqui a vontade coletiva tem a mesma funo de Deus nas doutrinas teolgicas e da razo nas doutrinas jusnaturalistas: isto , a funo de representar um grau superior alm da norma fundamental de um ordenamento jurdico positivo, aquele grau supremo que permita dar uma resposta pergunta sobre o fundamento do fundamento. Mas essa resposta, apesar das aparncias, no mais realista que as anteriores, e, como elas, desloca o problema da existncia de um ordenamento jurdico para a sua justificao.

NOTA: no ficou clara a distino dada pelo autor entre JUSTIFICAO E FUNDAMENTO. Embora se tenha percebido que a fundamentao normativa e no metanormativa, da o conceito de norma das normas para a NORMA fundamental [e fundamentadora!].

667. Direito e fora

Dizendo que o Direito fundado em ltima instncia sobre o poder e entendendo por poder o poder coercitivo, quer dizer, o poder de fazer respeitar, tambm recorrendo fora, as normas estabelecidas, no dizemos nada de diferente daquilo que temos repetidamente afirmado em relao ao Direito como conjunto de regras com eficcia reforada. Se o Direito um conjunto de regras com eficcia reforada, isso significa que um ordenamento jurdico impensvel sem o exerccio da fora, isto , sem um poder. Colocar o poder como fundamento ltimo de uma ordem jurdica positiva no quer dizer reduzir o Direito fora, mas simplesmente reconhecer que a fora necessria para a realizao do Direito.

67 / 68Existe uma outra maneira de entender as relaes entre o Direito e a fora, que foi defendida recentemente por Ross, mas se apoia sobretudo em Kelsen. Para falarmos em poucas palavras, at agora temos defendido que a fora um instrumento para a realizao do Direito (entendido no sentido amplo como ordem jurdica). A teoria enunciada por Kelsen e defendida por Ross sustenta, ao contrrio, que a fora o objeto da regulamentao jurdica, isto , que por Direito deve-se entender no um conjunto de normas que se tornam vlidas atravs da fora, mas um conjunto de normas que regulam o exerccio da fora numa determinada sociedade. (...)

70(...) O objetivo de todo legislador no organizar a fora, mas organizar a sociedade mediante a fora.As definies de Kelsen e Ross parecem limitativas tambm com respeito ao ordenamento jurdico tomado em seu conjunto, porque confundem a parte com o todo, o instrumento com o fim.

71III. A COERNCIA DO ORDENAMENTO JURDICO1. O ordenamento jurdico como sistema(...) Entendemos por sistema uma totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os quais existe uma certa ordem. Para que se possa falar de uma ordem, necessrio que os entes que a constituem no estejam somente em relacionamento com o todo, mas tambm num relacionamento de coerncia entre si. (...)

72(...) Um exemplo: Hobbes pe como fundamento da sua teoria do Direito e do Estado a mxima Pax est quaerenda (A paz deve ser procurada), e com isso quer entender que o postulado tico fundamental do homem a necessidade de evitar a guerra e procurar a paz; dessa regra fundamental deduz ou pretende deduzir todas as principais regras da conduta humana, que chama de leis naturais. claro ento que todas essas leis formam um sistema, uma vez que so deduzidas da primeira. Uma semelhante construo de um conjunto de normas o que Kelsen chama de sistema esttico. Pode-se dizer, em outras palavras, que num sistema desse gnero as normas esto relacionadas entre si no que se refere ao seu contedo.

Sistema dinmico, por outro lado, aquele no qual as normas que o compem derivam umas das outras atravs de sucessivas delegaes de poder, isto , no atravs do seu contedo, mas atravs da autoridade que as colocou; uma autoridade inferior deriva de uma autoridade superior, at que chega autoridade suprema que no tem nenhuma outra acima de si. Pode-se dizer que a relao entre as vrias normas , nesse tipo de ordenamento normativo, no material, mas formal. (...)

763. Trs significados de sistema

(...) Chama-se interpretao sistemtica aquela forma de interpretao que tira os seus argumentos do pressuposto de que as normas de um ordenamento, ou, mais exatamente, de uma parte do ordenamento (como o Direito privado, o Direito penal) constituam uma totalidade ordenada (mesmo que depois se deixe um pouco no vazio o que se deva entender com essa expresso), e, portanto, seja lcito esclarecer uma norma obscura ou diretamente integrar uma norma deficiente recorrendo ao chamado esprito do sistema, mesmo indo contra aquilo que resultaria de uma interpretao meramente literal. (...)

80 primeira ideia de sistema (de cunho meramente dedutivo, experincia dos jusnaturalistas e o de Leibniz, baseados nas propostas de Euclides geomtrico more demonstratum) segunda ideia de sistema (mtodo indutivo, Savigny)

(...) Nesse terceiro sentido de sistema, o sistema jurdico no um sistema dedutivo, como no primeiro sentido: um sistema num sentido menos incisivo, se se quiser, num sentido negativo, isto , uma ordem que exclui a incompatibilidade das suas partes simples. Duas proposies como: "O quadro negro negro" e "O caf amargo" so compatveis, mas no se encaixam uma na outra. Portanto, no exato falar, como se faz freqentemente, de coerncia do ordenamento jurdico, no seu conjunto; pode-se falar de exigncia de coerncia somente entre suas partes simples. Num sistema dedutivo, se aparecer uma contradio, todo o sistema ruir. Num sistema jurdico, a admisso do princpio que exclui a incompatibilidade tem por conseqncia, em caso de incompatibilidade de duas normas, no mais a queda de todo o sistema, mas somente de uma das duas normas ou no mximo das duas.

81 / 823. As antinomias

(...) O fato de no Direito romano, considerado por longos sculos o Direito por excelncia, no existirem antinomias foi regra constante para os intrpretes, pelo menos enquanto o Direito romano foi o Direito vigente. Uma das finalidades da interpretao jurdica era tambm a de eliminar as antinomias, caso alguma tivesse aparecido, recorrendo aos mais diversos meios hermenuticos (...)

974. Vrios tipos de antinomias

Definimos a antinomia como aquela situao na qual so colocadas em existncia duas normas, das quais uma obriga e a outra probe, ou uma obriga e a outra permite, ou uma probe e a outra permite o mesmo comportamento. Mas a definio no est completa. Para que possa ocorrer antinomia so necessrias duas condies, que, embora bvias, devem ser explicitadas:1) As duas normas devem pertencer ao mesmo ordenamento. (...).2) As duas normas devem ter o mesmo mbito de validade. Distinguem-se quatro mbitos de validade de uma norma: temporal, espacial, pessoal e material. (...)

925. Critrios para a soluo das antinomias

(...) Daqui deriva a necessidade de introduzir uma nova distino no mbito das antinomias prprias, isto , a distino entre as antinomias solveis e as antinomias insolveis. (...)

Chamamos as antinomias solveis de aparentes; chamamos as insolveis de reais. Diremos, portanto, que as antinomias reais so aquelas em que o intrprete abandonado a si mesmo ou pela falta de um critrio ou por conflito entre os critrios dados: (...)As regras fundamentais para a soluo das antinomias so trs:a) o critrio cronolgico;b) o critrio hierrquico;c) o critrio da especialidade.

1006. Insuficincia dos critrios

(...) Digamos ento de uma maneira mais geral que, no caso de conflito entre duas normas, para o qual no valha nem o critrio cronolgico, nem o hierrquico, nem o da especialidade, o intrprete, seja ele o juiz ou o jurista, tem sua frente trs possibilidades:

1) eliminar uma;2) eliminar as duas;3) conservar as duas.

102A terceira soluo - conservar as duas normas incompatveis - talvez aquela qual o intrprete recorre mais freqentemente. Mas como possvel conservar duas normas incompatveis, se por definio duas normas incompatveis no podem coexistir? possvel sob uma condio: demonstrar que no so incompatveis, que a incompatibilidade puramente aparente, que a pressuposta incompatibilidade deriva de uma interpretao ruim, unilateral, incompleta ou errada de uma das duas normas ou de ambas. Aquilo a que tende o intrprete comumente no mais eliminao das normas incompatveis, mas, preferentemente, eliminao da incompatibilidade. (...)

107 / 1087. Conflito dos critrios

Sendo trs os critrios (A, B, C), os conflitos entre critrios podem ser trs: A c om B, B com C, A com C.

1) Conflito entre o critrio hierrquico e o cronolgico;2) Conflito entre o critrio de especialidade e o cronolgico;3) Conflito entre o critrio hierrquico e o de especialidade.

110 8. O dever da coerncia

Todo o discurso defendido neste captulo pressupe que a incompatibilidade entre duas normas seja um mal a ser eliminado e, portanto, pressupe uma regra de coerncia, que poderia ser formulada assim: Num ordenamento jurdico no devem existir antinomias. (...)

113A coerncia no condio de validade, mas sempre condio para a justia do ordenamento. (...)

(...) evidente que quando duas normas contraditrias so ambas vlidas, e pode haver indiferentemente a aplicao de uma ou de outra, conforme o livre-arbtrio daqueles que so chamados a aplic-las, so violadas duas exigncias fundamentais em que se inspiram ou tendem a inspirar-se os ordenamentos jurdicos: a exigncia da certeza (que corresponde ao valor da paz ou da ordem), e a exigncia da justia (que corresponde ao valor da igualdade). (...)

115 / 116IV. A COMPLETUDE DO ORDENAMENTO JURDICO

1. O problema das lacunas

(...) Por completude entende-se a propriedade pela qual um ordenamento jurdico tem uma norma para regular qualquer caso. (...)

(...) Portanto, o nexo entre coerncia e completude est em que a coerncia significa a excluso de toda a situao na qual pertenam ao sistema ambas as normas que se contradizem; a completude significa a excluso de toda a situao na qual no pertenam ao sistema nenhuma das duas normas que se contradizem. (...)

118Concluindo, a completude uma condio necessria para os ordenamentos em que valem estas duas regras:1) o juiz obrigado a julgar todas as controvrsias que se apresentarem a seu exame; 2) deve julg-las com base em uma norma pertencente ao sistema.

1192. O dogma da completude

O dogma da completude, isto , o princpio de que o ordenamento jurdico seja completo para fornecer ao juiz, em cada caso, uma soluo sem recorrer eqidade, foi dominante, e o em parte at agora, na teoria jurdica europeia de origem romana. Por alguns considerado como um dos aspectos salientes do positivismo jurdico.

120(...) Caso nos fosse permitido resumir com uma frase o carter da jurisprudncia desenvolvida sob o imprio e sombra do Direito romano, diramos que ela desenvolveu o mtodo da extensio em prejuzo do mtodo da eqidade, inspirando-se no princpio de autoridade em vez de no princpio da natureza das coisas.

122Quando, como veremos no prximo pargrafo, comeou a reao ao fetichismo legislativo e, ao mesmo tempo, ao dogma da completude, um dos maiores representantes dessa reao, o jurista alemo Eugen Ehrlich, num livro dedicado ao estudo e crtica da mentalidade do jurista tradicional, A lgica dos juristas (Die juristische Logik, Tbingen, 1925), afirmou que o raciocnio do jurista tradicional, enraizado no dogma da completude, era fundado nestes trs pressupostos:1) a proposio maior de cada raciocnio jurdico deve ser uma norma jurdica;2) essa norma deve ser sempre uma lei do Estado;3) todas essas normas devem formar no seu conjunto uma unidade.

Ehrlich, criticando a mentalidade tradicional do jurista, queria criticar aquela atitude de conformismo diante do estadismo que, justamente, havia gerado e radicado na jurisprudncia o dogma da completude.

122 - 1263. A crtica da completude

O livro de Ehrlich, citado, uma das expresses mais significativas daquela revolta contra o monoplio estatal do Direito, que se desenvolveu, quase ao mesmo tempo, na Frana e na Alemanha no final do sculo passado, e que, mesmo sendo chamada com nomes diferentes, conhecida sobretudo pelo nome de escola do Direito livre. (...)

A literatura crtica do estadismo jurdico imensa. Limitano-nos a lembrar a obra de Geny, Mthode d'interprtation et sources du droit positif, 1899, que contrapunha imitadora exegese dos textos legislativos a livre pesquisa cientfica, atravs da qual o jurista deveria retirar a regra jurdica diretamente do Direito vivo nas relaes sociais. (...)

NOTA: demonstra-se como surgiram as escolas sociolgicas e antiestatistas.

1284. O espao jurdico vazio

O primeiro argumento lanado pelos positivistas de estrita observncia foi aquele que chamaremos, por brevidade, de espao jurdico vazio. Foi enunciado e defendido, contra qualquer renascimento jusnaturalstico, por um dos maiores defensores do positivismo jurdico, Karl Bergbohm, no livro Jurisprudenz und Rechtsphilosphie, de 1892 {Jurisprudncia e filosofia do Direito). Na Itlia foi aceito por Santi Romano, no ensaio Observaes sobre a completude do ordenamento estatal, 1925. (...)

132 / 1335. A norma geral exclusiva

Se no existe um espao jurdico vazio, ento existe somente o espao jurdico pleno. Justamente nessa constatao se baseou a segunda teoria que, na reao contra a escola do Direito livre, procurou colocar criticamente problema da completude. Sinteticamente, a primeira teoria, que examinamos no pargrafo anterior, sustentou que no h lacunas porque, onde falta o ordenamento jurdico, falta o prprio Direito e, portanto, deve-se falar mais propriamente de limites do ordenamento jurdico do que de lacunas. A segunda teoria sustenta que no h lacunas pela razo inversa, isto , pelo fato de que o Direito nunca falta. Esta segunda teoria foi sustentada pela primeira vez pelo jurista alemo E. Zitelmann no ensaio intitulado As lacunas no Direito (Lcken im Recht, 1903), e, com alguma variante, na Itlia, por Donato Donati no importante livro O problema das lacunas do ordenamento jurdico, 1910.

6. As lacunas ideolgicas

7. Vrios tipos de lacunas

8. Heterointegrao e auto-integrao

9. A analogia