Festejo do Livramento em Caracaraí - Capítulo I - Autores Maria Medianeira e Ismar Lima.

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25 Planejamento Urbano Municipal e Turismo Religioso: o Caso do Festejo de Nossa Senhora do Livramento em Caracaraí, Roraima Maria Medianeira Nogueira Ismar Borges de Lima

Transcript of Festejo do Livramento em Caracaraí - Capítulo I - Autores Maria Medianeira e Ismar Lima.

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    Planejamento Urbano Municipal e Turismo

    Religioso: o Caso do Festejo de Nossa Senhora do

    Livramento em Caracara, Roraima

    Maria Medianeira Nogueira

    Ismar Borges de Lima

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    Como citar este Captulo: NOGUEIRA, M. M.; LIMA, I. B. de. Planejamento Urbano Municipal e Turismo Religioso: O Caso do Festejo de Nossa Senhora do Livramento em Caracara, Roraima. In: LIMA, I. B. de. Abordagens Tursticas na Amaznia: Compndio Monogrfico sobre o Turismo em Roraima, Caracara/Boa Vista: Universidade Estadual de Roraima/MultiAmazon, 2014, p. 25-96.

    Planejamento Urbano Municipal e Turismo Religioso: o Caso do Festejo de Nossa Senhora do Livramento

    em Caracara, Roraima

    Maria Medianeira Nogueira Email: [email protected]

    Ismar Borges de Lima

    Email: [email protected]

    1.0 Introduo

    O Festejo de Nossa Senhora do Livramento tem sido um evento importante para o municpio de Caracara, um atrativo turstico significativo para o desenvolvimento local, e isso demanda maior ateno do poder pblico em termos de reestruturao e reorganizao do espao urbano de modo que os visitantes e turistas possam melhor ser acolhidos e, tambm, para se oferecer a eles um atendimento de qualidade. Essas mudanas e intervenes no espao urbano podem ser implementadas por meio de aes do poder pblico junto igreja e aos coordenadores do evento. Para tanto, deve-se verificar a existncia de programas, projetos, e aes que poderiam contribuir para melhorar e promover a festa religiosa de Nossa Senhora do Livramento. Nesse sentido, o papel do poder pblico um ponto-chave nas questes de planejamento dos atrativos do municpio.

    Desta forma, busca-se saber qual a contribuio do poder pblico municipal para a consolidao de uma Festa Popular Catlica no espao urbano do Festejo de Nossa Senhora do Livramento. O questionamento feito levando-se em conta a necessidade de interveno do poder pblico municipal no ordenamento de uma festa religiosa para se mitigar os impactos negativos decorrentes da visitao concentrada, preservando, e fortalecendo o espao urbano como atrativo religioso. Ou seja, existe uma preocupao com a capacidade de carga urbana devido grande concentrao humana

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    em reas especficas da cidade e em um dado perodo de tempo, da as implicaes a respeito da temporalidade e espacialidade no contexto do Festejo.

    Entre as aes que podem ser realizadas pelo poder pblico em Caracara esto a criao e manuteno de espaos de lazer e de convivncia social, a pavimentao de ruas, a sinalizao em pontos estratgicos com informaes sobre as reas e atrativos tursticos da cidade e do municpio e, at mesmo, a inaugurao do Centro de Informaes Tursticas, C.I.T., que j possui uma estrutura predial recm-construda (em maio de 2013), mas que ainda no foi inaugurado pela Secretaria Municipal de Turismo e Meio Ambiente. Todos esses aspectos devem ser levados em conta para se melhorar a estrutura e infraestrutura urbanas existentes, criando-se as condies mnimas para o bem-estar da populao, dos turistas, e dos visitantes, bem como contribuir para a valorizao dos atrativos cultural-religiosos tangveis e intangveis locais.

    Equipar a cidade para o turismo por meio da urbanizao e do urbanismo significativo. Igualmente importante buscar uma proposta de planejamento turstico urbano que atenda s reais necessidades dos indivduos afetados direta ou indiretamente, pelos eventos em nvel municipal, entre eles, os participantes do Festejo do Livramento. Da que o planejamento turstico fundamental.

    Para Beni (2006), trs etapas compem o processo de planejamento turstico:

    a) estudo preliminar (inventrio): identifica e descreve a regio objeto de estudo, inventrio dos recursos existentes, descrio e identificao do estgio em se encontra o turismo na regio; b) diagnstico: analisa os recursos ambientais e seu potencial de utilizao na sustentabilidade do turismo, caracteriza a estrutura social, dimensiona a estrutura econmica e a infraestrutura regional e caracteriza a oferta e demanda; c) prognstico: formula polticas e diretrizes de orientao e programas de ao para assegurar o planejamento estratgico, estabelece metas e projetos especficos, garantindo a integrao da sustentabilidade do desenvolvimento econmico, turstico e social e adota programas que levem ao desenvolvimento sustentvel do produto regional.

    Deve-se considerar um planejamento urbano turstico de base participativa nas tomadas de decises do municpio aumentando-se assim o sentimento de pertencimento aos projetos pblicos de determinados atores sociais e de certas organizaes, em particular,

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    aqueles que lidam mais pontualmente com a realizao e organizao de eventos.

    De acordo com Molina (2005), o modelo sistmico de planejamento vem passando por mudanas significativas em que o tradicional planejamento, cuja tomada de deciso deixa de ficar centrada ou centralizada nas mos apenas do governo e, ou, de alguns poucos atores, dando lugar a um planejamento mais participativo, mais holstico, com orientao mais pluralista e diversificada na busca de propostas e de aes junto aos atores de modo que se d a devida relevncia aos interesses e necessidades regionais e locais.

    Este trabalho sobre o Festejo de Nossa Senhora do Livramento busca, portanto, mostrar a importncia do planejamento urbano para o ordenamento e a valorizao dos espaos urbanos sagrados discutidos no mbito temtico e conceitual da espacialidade e da temporalidade nas manifestaes do catolicismo, sendo que na anlise aqui proposta, o primeiro se refere a um determinado espao urbano e o segundo refere-se ao conjunto de prticas realizadas em um dado perodo de tempo.

    Em relao ao Festejo mais precisamente, levanta-se a hiptese de que o planejamento urbano turstico mais adequado deve ser aquele calcado nas demandas por aes que surjam ou existam nas inter-relaes entre a espacialidade (o espao fsico pblico ou pblico-privado) e a temporalidade (o momento) do evento. Logicamente que, em termos de planejamento urbano, o que est sendo proposto aqui no se limita apenas a uma espacialidade e temporalidade de um circuito de procisso religiosa nem a uns poucos espaos de uso coletivo com fins religiosos. O planejamento turstico proposto envolve todo o urbano em nvel municipal, envolve todos os setores produtivos, e a cadeia turstica.

    Devido orientao heterognea deste estudo focado em gesto urbana municipal dos espaos urbanos, os conceitos que permeiam as discusses so tambm diversificados para dar uma base terica necessria para a compreenso do que deva ser um urbanismo turstico que considere tambm os Festejos Religiosos e os vrios grupos frequentadores deles. Por essa razo, os conceitos a serem utilizados no arcabouo terico-conceitual devem contribuir para um entendimento holstico acerca da riqueza do tema.

    Este estudo de caso centrado na Festejo do Livramento no ficaria completo se no fossem includos os conceitos, catolicismo popular, turismo religioso, turismo de peregrinao, patrimnio histrico-cultural, e desenvolvimento e planejamento urbano como elementos intrnsecos na formao e constituio do espao urbano sagrado.

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    Com quase um sculo de existncia, o Festejo Religioso de Nossa Senhora do Livramento tem atrado muitos devotos a Caracara no ms de setembro, e tem se tornado um atrativo turstico religioso de grande apelo. Por isso pretende-se t-lo como objeto de estudo devido a este forte apelo em relao aos turistas e aos romeiros partcipes do evento, em particular, pela f, devoo e, ou, interesses na histria local do suposto milagre atribudo a Bernardinho personagem principal de intercesso de Nossa Senhora do Livramento.

    Assim, o objetivo principal deste trabalho o de se conhecer exatamente a opinio e percepo dos turistas, romeiros e peregrinos, dos residentes locais, bem como identificar as principais e aes necessrias por parte dos gestores municipais em relao estrutura e infraestrutura para o Festejo. Desse modo, levando-se em considerao a relevncia local e regional do evento, os objetivos especficos dessa investigao so elencados abaixo:

    1.1 Objetivos especficos:

    Colher informaes atualizadas sobre os visitantes e turistas participantes do Festejo da Nossa Senhora do Livramento em Caracara, incluindo o perfil destes;

    Discutir de forma sistemtica os vnculos entre espao urbano, espao urbano sagrado, planejamento turstico municipal e desenvolvimento local, e turismo religioso;

    Identificar as principais demandas em termos de estrutura e infraestrutura dos visitantes e turistas que vm para Caracara para participarem do Festejo;

    Identificar as falhas de infraestrutura e de estrutura presentes nos espaos urbanos pblicos, utilizados pelos fiis durante o Festejo;

    Disponibilizar esta pesquisa para consultas pblicas de modo que sirva de base para aes pontuais e polticas pblicas por parte do poder pblico e dos organizadores do evento a fim de se melhorar as prximas edies do Festejo;

    Estabelecer indicadores e critrios que venham a ajudar na categorizao e avaliao dos principais elementos que devam ser ateno do poder pblico e dos organizadores do Festejo a fim de promover melhorias necessrias.

    O Festejo de Nossa Senhora do Livramento um marco importante para o municpio; um atrativo turstico significativo para o desenvolvimento local, assim por meio do poder pblico deve-se buscar uma reestruturao e reorganizao do espao urbano no

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    intuito de melhor acolher os visitantes e, tambm, oferecer a eles um atendimento qualificado.

    Essas mudanas e intervenes no espao urbano podem ser implementadas por meio de aes junto igreja e aos coordenadores do evento. Para tanto condiz verificar a existncia de programas que fazem parte ou que poderiam ser essenciais na iniciativa de promover a festa religiosa.

    O papel do poder pblico um ponto-chave nas questes de planejamento dos atrativos do municpio, e assim busca-se tambm saber: i) qual a contribuio do poder pblico municipal para a consolidao de uma Festa Popular Catlica no espao urbano do festejo de Nossa Senhora do Livramento? ii) quais so as principais demandas estruturais e de infraestrutura por parte dos visitantes e turistas participantes do Festejo do Livramento? iii) em quais aspectos o poder pblico de Caracara pode, em termos de planejamento, gesto, promover melhorias nos espaos urbanos e nos espaos urbanos sagrados?

    O pressuposto de que uma interveno orquestrada pelo poder pblico municipal no ordenamento de uma festa religiosa possa contribuir significativamente para mitigar os impactos negativos decorrentes da grande visitao, fortalecendo o espao urbano como atrativo religioso.

    O poder pblico investe na recriao de espaos de lazer, pavimentao de ruas, sinalizao em pontos estratgicos com informaes de alguns dos pontos tursticos da cidade e at mesmo em fase de finalizao, o Centro de Informaes Tursticas, C.I.T. (Fig. 1.0), na tentativa de se melhorar a imagem da cidade e o bem-estar da populao e dos visitantes, obviamente sem se negligenciar com a valorizao dos atrativos culturais.

    Este trabalho sobre o Festejo tem como objetivo apresentar ao poder pblico e parquia local, assim como a toda comunidade local, a importncia de se estabelecer no mnimo nveis de interlocuo institucional a fim de se promover mudanas em sua gesto.

    A elaborao de perguntas-pesquisa um dos procedimentos norteadores do trabalho e visam a garantir o foco do pesquisado no objeto principal a ser investigado. Alm dos objetivos supramencionados, a pergunta-pesquisa principal norteadora da investigao :

    Quais so os principais elementos espaciais, temporais, tangveis e intangveis nos espaos urbanos utilizados no Festejo de Nossa Senhora do Livramento, em Caracara, que demandam ateno do poder pblico e dos organizadores do evento em termos de planejamento e melhorias para a sua consolidao como atrativo religioso regional?

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    Figura 1.0 Centro de Informaes Tursticas, C.I.T., de Caracara. Apesar de pronto em maio de 2013, ainda permanece sem inaugurao oficial. No Prdio

    fuciona a Secretria do Meio Ambiente e Turismo. A foto foi tirada em dezembro 2013.

    1.2 Planejamento e Desenvolvimento turstico

    O planejamento fundamentalmente uma ferramenta de gesto e de interveno com o propsito de prever aes futuras de uma determinada situao atual. Para Petrocchi (1998, p.19), a definio de um futuro desejado e de todas as providncias necessrias sua materializao.

    No turismo, o planejamento consiste em estimular o crescimento da atividade, fazendo com que se torne um espao ordenado em todo seu sistema, desde seus atrativos, servios, equipamentos, infraestrutura, bem como preservao do meio ambiente natural e urbano, possibilitando nveis de controle das aes para o seu desenvolvimento (Petrocchi, 1998, p. 72).

    Por se tratar de uma atividade causadora de impactos negativos e positivos, o turismo requer planejamento. Deste modo, Hall (2004) discorre sobre o planejamento turstico em longo prazo que vise a minimizar impactos negativos, der retorno financeiro e estimule a comunidade envolvida no processo receptivo demanda.

    Desta forma, o planejamento turstico consiste em garantir maior controle nas construes nas quais se desenvolvem a ao do homem sobre o territrio e visa a direcionar a construo de equipamentos e facilidades de forma adequada evitando os efeitos negativos que reduzem sua atratividade (Ruschmann, 2006).

    O planejamento turstico no plano de governo no Brasil conforme Noia, Jnior e kushano (2007) foi institucionalizado com o Decreto de 1966, que instituiu o Conselho Nacional de Turismo e criou a Empresa Brasileira de Turismom, EMBRATUR, decises primordiais para que se pudesse mais tarde propor o Plano Nacional de Turismo, PNT, 2003-2007.

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    Foram passos relevantes no processo histrico de construo das bases para o planejamento turstico. Com o lanamento do PNT, houve uma dinamizao no desenvolvimento da atividade com a regionalizao do turismo, criando-se uma nova configurao e contexto para o turismo em nvel regional nas cidades brasileiras, pois as diretrizes e aes do governo eram pensadas e centradas em polticas e aes para os problemas de ordem estrutural em nvel nacional que muitas vezes distoavam enormemente de uma realidade local. A mudana de uma perspectiva nacional-centralizada para uma perspectiva regional-descentralizada e mais participativa em suas bases. O foco ficou sendo a problemtica localizada e segmentada do turismo, tal como enfrentada pelos atores locais. Por serem conhecedores de uma realidade local, esto melhor posicionados para uma tomada de deciso com propostas de solues e de aes realmente exequveis em termos de planos desenvolvimentistas em nvel municipal e estadual.

    Mais recentemente o governo decidiu finalmente pela criao do Ministrio do Turismo, em 23 de maio de 2003, que restabeleceu o ordenamento das polticas no turismo, utilizando-se de sua autarquia a Embratur, e com ele veio o Instituto Brasileiro de Turismo, e a Lei Geral do Turismo n11.771, de 17 de setembro de 2008 que visa promoo e fomento do turismo no pas. O Brasil, aos poucos vai institucionalizando o Turismo ao criar legislao prpria e um rgo de gesto mxima em mbito federal para coordenar a estrutura e as formulaes polticas com programas para o desenvolvimento do setor. E nesse contexto descentralizado do planejamento do turismo que recai a situao do Festejo do Livramento, pois espera-se tambm a institucionalizao do mesmo em nvel regional.

    Essa institucionalizao se materializaria com a criao de um Conselho Municipal de Turismo, com Plano Municipal de Turismo, e com um Fundo Municipal de Turismo para se fomentar programas e projetos, etc. Em Caracara e nos demais municpios do Estado, essas figuras institucionais ainda no existem.

    De acordo com Petrocchi (1998, p.134), a insero do Plano Diretor Urbano, PDU no municpio uma preocupao, pois se tal localidade pensa em desenvolver o turismo, o PDU um instrumento balizador da promoo do turismo em todo seu sistema. No municpio de Caracara constatou-se a inexistncia do PDU.

    Em entrevista com o representante da Secretaria de Educao e Cultura do Municpio de Caracara, professor Jos Nilson, em relao contribuio do poder pblico para planejamento do festejo de Nossa Senhora do Livramento, ele relatou que:

    O festejo de Nossa Senhora do Livramento dentro da questo cultural do municpio um evento de grande demanda do nosso Estado de Roraima e precisamente o poder publico assume um papel de suma importncia, ou seja, quando na elaborao do Plano Municipal de

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    Cultura, em processo de elaborao, uma das metas que foi contemplada foi a do Festejo de Nossa Senhora do Livramento onde o poder pblico dar uma grande contribuio para realizao deste ao evento, mesmo o Estado sendo laico, mas a demanda religiosa do municpio se configura atravs dessa festa religiosa. Portanto o poder pblico tem a obrigao de elaborar leis que venham a propiciar a realizar o festejo (Entrevista realizada em Caracara no dia 21/11/12).

    Sabe-se que o planejamento turstico promove o

    desenvolvimento em diferentes nveis regionais, e pode envolver os setores pblicos e, ou, privados para a atividade (Ansarah, 2000). O planejamento turstico pode obter graus de detalhamento especfico do lugar para que se possa conhec-lo atravs de levantamento de dados onde a demanda, a oferta, e a comunidade so elementos bsicos para o turismo. Quando feita a anlise, pode-se verificar a aceitao, o poder de atrao dos recursos e atrativos gerando informaes que podem levar ao crescimento e fortalecimento da cadeia produtiva turstica.

    A partir do planejamento turstico, as estratgias de ordenamento territorial so essenciais para a (re)definio do espao do turismo nos locais de sua apropriao, pois a eficincia do seu desenvolvimento se deve ao bom desempenho da gesto pela qual realizado.

    No que tange ao desenvolvimento turstico, faz-se necessrio esclarecer a diferena entre crescimento econmico versus desenvolvimento. Na dcada de 40, os estudiosos avaliaram a diferena que ocorre diante do crescimento econmico, este diz respeito ao fator quantitativo na estrutura material da produo dos pases tendo o desenvolvimento como um fator qualitativo na estrutura econmica e social (Cruz, 2009 p.99). Reforando que nem sempre existe um vnculo automtico de que crescimento econmico resulte em desenvolvimento, ou seja, o primeiro no consequncia lgica do segundo; um no leva ao outro per se apenas.

    Conforme Coriolano (2012), os modelos tradicionalmente utilizados para avaliar o desenvolvimento de um lugar baseiam-se em indicadores predominantemente econmicos, como o Produto Interno Bruto (PIB), que no mensura o desenvolvimento. O desenvolvimento concorre com a qualidade de vida da populao e de suas expectativas de realizao pessoal; o que algo subjetivo de se mensurar. Mas h outros parmetros para se aferir o nvel de desenvolvimento humano.

    Por exemplo, tendo como base os ndices de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-m) do Relatrio de Desenvolvimento Humano, outros componentes de avaliao podem ser considerados a fim de contribuir na avaliao, entre eles: o ndice de alfabetizao, o padro de vida entre outros, etc. A avaliao do desenvolvimento humano

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    bastante complexa, mas essencial e indispensvel como balizadores para se identificar regies que precisam de maior ateno dos governos para que as populaes ali residentes tenham uma melhoria na qualidade de vida.

    O crescimento econmico deve acompanhar o desenvolvimento para que as estruturas bsicas da necessidade do homem sejam vistas como importante. Atingir uma escala humana significativa possibilitando o desenvolvimento dos setores em prol da melhoraria das condies de vida para sua sobrevivncia. De acordo com Oliveira (2002, p. 40),

    ...o desenvolvimento deve ser encarado como um processo complexo de mudanas e transformaes de ordem econmica, poltica e, principalmente humana e social. Desenvolvimento nada mais que o crescimento (...) transformado para satisfazer as mais diversificadas necessidades do ser humano, tais como: sade, educao, habitao, transporte, alimentao, lazer, entre outras.

    O Relatrio do Meio Ambiente e Desenvolvimento, da

    Comisso Brundtland, da ONU, de 1987, acerca do assunto j definiam a ruptura entre os termos fazendo surgir um novo conceito: o desenvolvimento sustentvel tratando s questes do desenvolvimento humano social e, sobretudo o equilbrio ambiental s avessas do crescimento econmico.

    Para Cruz (2009, p.101), o desenvolvimento sustentvel vai contra o modelo de crescimento econmico vigente e de desenvolvimento econmico que compromete a vida no planeta com os efeitos negativos nefastos de uma globalizao que tem se materializado desde o final do sculo XX com uma funo servial s demandas e interesses das grandes corporaes, do capital especulativo e de governos dos pases desenvolvidos. uma globalizao travestida de interesses outros que no o bem-estar social. Isso no a prioridade daqueles que promovem a globalizao visando a consolidao dos grandes grupos econmicos.

    Na viso de Santos (2000), o aumento do desemprego, da pobreza, da disseminao do HIV, e de outras patologias, e da falta da tica e moral na gesto pblica, por exemplo, pela existncia epidmica da corrupo no setor pblico, pode ser considerado o grande mal social em escala global, e, problemas de ordem social e econmico que desafiam os governantes e a sociedade como um todo.

    Assim, pensar a sustentabilidade deve ter como estratgia a reduo das diferenas sociais, a melhoria da distribuio e da gerao de renda, da muitos crditos despendidos ao turismo como uma ferramenta de enorme potencial para um desenvolvimento sustentvel devido a suas atividades causarem in situ um impacto em menor escala.

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    Nesse sentido, existem na literatura muitos crditos dados ao ecoturismo que, se praticado com um vis de fato ecolgico, pode contribuir para se ter na prtica alguns aspectos da to almejada sustentabilidade. Mas as opinies divergem, e se sabe que o Turismo uma atividade tambm impactante, e no pode ser considerado uma panaceia para os problemas histricos e conjunturais de ordem econmica, social e ambiental que so muito mais extensos do que o diminuto universo do ecoturismo. O ecoturismo pode ser um dos vetores para o desenvolvimento local, mas jamais ser uma frmula mgica a preencher todas as falhas e lacunas institucionais.

    No que diz respeito ao desenvolvimento sustentvel no turismo, a Organizao Mundial do Turismo, OMT, o define como o ato de gerir os recursos em seu aspecto econmico, cultural, assim como na conservao da paisagem e na preservao da vida ambiental. A construo deste conceito se refere ao ato de gerir com responsabilidade os recursos existentes tendo em vista garantir a conservao dos mesmos para as necessidades das populaes atuais e futuras.

    De acordo com Coriolano (2012), o turismo com sustentabilidade se desenvolve na medida em que a comunidade local receptora organiza seu modo de produo, seja por meio de associao, seja por outros modos produtivos na atividade turstica por grupos promotores da cadeia produtiva local, como os artesos, agricultores e pescadores.

    importante ressaltar que os resultados obtidos na implantao da sustentabilidade vm por de meio de uma organizao que permite a gerao de trabalho e o alavancar da economia local. Com isso o desenvolvimento local prima pelo poder endgeno de deciso que uma localidade pode assumir. Ou seja, com poder adquirido, seja por meio de uma descentralizao, seja por transferncia ou por reconhecimento institucional, uma determinada comunidade ganha nveis de autonomia criando os meios e mecanismos para decidir sobre seu prprio futuro e destino, elegendo elas mesmas as prioridades e os caminhos para o seu desenvolvimento. (Ribeiro, 2009; Maia, 2004).

    Barbosa (2005, p. 5) explica o desenvolvimento local dentro de uma perspectiva econmica regional; ele aborda o assunto centrado na importncia economicista do localismo e do regionalismo,

    O turismo de base local ou regional constitui numa mediao possvel de dar algum dinamismo econmico aos lugares, representada pela possibilidade de gerao local ou regional de ocupao e renda, que por sua vez, constitui o brao economicista da ideologia do localismo/regionalismo. O desenvolvimento local alavanca a possibilidade de equalizar cinco objetivos: preservao e conservao ambiental; identidade cultural; gerao de ocupaes produtivas e de renda; desenvolvimento participativo e qualidade de vida.

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    Portanto, a atividade turstica - se bem utilizada - pode ser uma

    ferramenta de desenvolvimento nas regies que queiram fazer do turismo um meio de vida, um empreendimento individual ou coumunitrio, para reduzir os ndices de desemprego, e, consequentemente, promover uma melhoria da qualidade de vida. Obviamente, o turismo no uma panaceia para todos os problemas existentes como j mencionado.

    As comunidades receptoras sabedoras de um conhecimento local, tanto geogrfico, espacial, qunato paisagstico, e uma vez conscientes de que o turismo pode assumir um papel importante na gerao de renda, se tornam atores-chave na inventariao dos potenciais naturais e culturais, colocando em evidncia um conjunto de atrativos, agregando valor turstico localidade, e, consequentemente, contribuindo para as propostas de desenvolvimento local. Um dos desafios para o turismo de base local obter nveis de conscientizao e de cooperao dos membros da comunidade, bem como encontrar um modelo operacional de gesto que promova a equidade na distribuio de recursos, de carter inclusivo, e amplamente democrtico.

    No entanto, sabe-se que a denominao turismo comunitrio uma generalizao, pois torna-se operacionalmente impossvel incluir todos os membros da comunidade em um projeto de (eco)turismo. No h espao de atuao para todos. Alm disso, no so todos membros de uma comunidade apoiam na ntegra a implementao da atividade turstica. A unanimidade na aprovao algo raro. Acrescenta-se tambm que nem todos os membros desejam atuar diretamente na atividade turstica.

    Um aspecto terico-conceitual e histrico a ser discutido de relativa importncia para este estudo o fenmeno dos deslocamentos humanos (mobilidade humana) cujas motivaes sejam a f e a religiosidade; assim, as peregrinaes possuem grande impacto positivo para o turismo em nvel global. Em nvel local, diga-se, Caracara com as peregrinaes do Livramento que so chamadas de romarias catlicas podem vir a se expandir ainda mais, se consolidando como um evento religioso de notoriedade no calendrio estadual roraimense. Esses aspectos conceituais e histricos de f, peregrinao e mobilidade humana so debatidos na Seo a seguir.

    1.3 O Contexto do Festejo de Nossa Senhora do Livramento A cidade de Caracara, no sudoeste do Estado de Roraima,

    distante 134 km da capital Boa Vista, foi fundada em 1955, conhecida como cidade-porto devido a sua posio geogrfico-fluvial estratgica. A cidade tem em seu calendrio de eventos o Festejo de Nossa Senhora do Livramento, uma tradicional celebrao religiosa que atrai fiis da capital, e dos demais municpios roraimenses, e, tambm, de outros Estados, principalmente do Amazonas.

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    A Fig. 2.0 uma imagem de satlite obtida no aplicativo Google Earth, e permite visualizar toda a extenso de Caracara com uma populao urbana aproximada de 10.000 habitantes, e municipal de cerca de 19.000 pessoas (IBGE, 2010). A cidade e seu entorno esto situados em uma mancha de lavrado - a savana amaznica - composta por matas de transio e trechos de campinaranas, reas alagadias de vegetao rasteira. A cidade cortada pela BR-174 que liga Caracara a Boa Vista e a Manaus, e foi construda s margens do Rio Branco.

    Caracara palco do Festejo do Livramento, um dos principais atrativos religiosos de Roraima, e a razo da mobilidade de uma significativa massa humana, romeiros e peregrinos, bem como da participao de centenas de residentes de Caracara. Arraigado na histria local e, de inquestionvel importncia no calendrio de eventos, alguns lugares urbanos ganham um relativo status sacro, havendo assim (res)significao destes determinados locais, por exemplo, uma praa que recebe o nome de Memorial do Milagre, onde se encontram diversos painis que, simbolicamente, relatam a histria e a relevncia do Festejo.

    Esses painis ficam na parte central da cidade, na Orla Rio Branco, construdos para demarcar uma rea que, durante o evento, serve para reverncia, reflexo e oraes; so painis e esculturas que antes e depois do Festejo do Livramento possuem uma funo de resguardar a f, a referenda, e uma identidade local.

    O milagre do vaqueiro Bernadino encontra-se descrito em documentos da Parquia So Jos Operrio, e, tambm nos painis no espao do Memorial (ver Fig. 1.1), e relata o seguinte:

    O dia 24 de Agosto de 1917 trouxe a Caracara mais um carregamento de gado destinado para Boa Vista. Ao som de berros e dos gritos dos vaqueiros, o gado desembarcado. um trabalho rduo e perigoso. Em dado momento, um touro investe contra os vaqueiros. Um deles era eu, Bernardino Jos dos Santos, atingido pelos chifres do animal, cai por terra com os intestinos mostra. O ferimento era grave muito grave. O animal rasgando a terra com os cascos, soltando um sinistro bufado pelas ventas, vendo sua vitima indefesa, aguarda o momento para o golpe final [...]. No desespero do momento, senti no corao crescer a confiana na Me dos aflitos e, movido pela f gritei: Valha-me Nossa Senhora do Livramento. No mesmo momento, o touro que estava prestes a investir novamente contra mim, olhou de um lado para o outro, como se estivesse a escutar um chamado; balana a cabea e, lentamente se afasta indo se reunir ao restante do rebanho. Neste momento, tive a certeza de que meu pedido fora acolhido por Nossa Senhora. Fui socorrido por meus companheiros, que cuidaram dos ferimentos da maneira que puderam e, aps vrios dias, sem que houvesse surgido qualquer sinal de infeco, fui levado via fluvial a Manaus, onde me submeti a uma difcil operao e recebe

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    tratamentos mdicos. J recuperado, voltei para Caracara para cumprir a promessa. Construir uma Capela [a do Livramento]. Continuei o meu trabalho de vaqueiro, sempre falando a todos de, como a Virgem Maria Santssima havia operado um milagre, salvando-me dos chifres de um touro bravo.

    Para fins de esclarecimento, o termo romeiro equivale neste estudo ao termo visitante-romeiro, ou apenas palavra visitante de forma indistinta. Esta observao pertinente haja vista que a anlise do Festejo proposta aqui feita sob a tica do turismo de eventos. O romeiro em Caracara , maiormente, o visitante que demanda melhorias na estrutura e na infraestrutura municipal.

    Fonte: Maria Nogueira & Ismar Lima. Foto tirada em novembro de 2013.

    Figura 1.1 Vaqueiro Bernardino sendo atacado pelo touro.

    A Igreja de Nossa Senhora do Livramento tem suas origens na histria do vaqueiro Bernardino; ela fora mudada de seu local para se construir as instalaes da Petrobrs. So poucos os registros da primeira igreja que, na verdade, era de menor porte; uma capela de taipa feita pelas mos do prprio vaqueiro Bernardino; um modelo de construo que reproduzia o aspecto arquitetnico da cultura local de

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    sua terra natal na Paraba. A nova Igreja do Livramento foi construda em uma rea prxima e inaugurada em 1978, onde se encontra at o momento presente no Bairro do Livramento. O Festejo alusivo a Nossa Senhora do Livramento datado desde 1918, e realizado nas instalaes edificadas da segunda construo.

    A Igreja do Livramento localiza-se no bairro que leva seu nome - sendo o maior da cidade. O terreno da Igreja mede 162,42m de frente x 100m de lateral, um espao amplo. Este possui um campo de futebol, um barraco com uma estrutura metlica recentemente erguida, banheiros, um pequeno jardim. Essa estrutura na rea externa da igreja faz parte do terreno paroquial, e durante o Festejo onde se instalam as atraes sociais, de convivncia e de recreao, entre elas: um parquinho de diverso e as barracas de alimentao. As barracas pertencem a terceiros, em grande parte so fiis da Igreja que pagam para t-las instaladas durante o evento. no terreno paroquial, um espao pblico-privado edificado e no edificado (aberto), que se realizam as festividades da Santa, tais como novenas e missas.

    A rea tambm o local onde so realizadas as atividades que no possuem uma conotao exclusivamente religiosa, mas que do sustentao Festa, e atraem um grande pblico, tornando-se cruciais para a viabilidade financeira do evento por gerar renda para os locais e para a Igreja - a principal organizadora do evento. Os rodeios, o desempenho de bandas musicais locais, as atividades ldicas, e as peas teatrais so algumas dessas atividades de significativa importncia econmica. Em termos de amenidades e facilidades, a Igreja tem em seu salo oito centrais de ar, uma sacristia, trs banheiros internos e dois externos.

    Apesar de a rea externa da Igreja ser ampla e acomodar todos que buscam o local, a rea coberta restrita, o que, em caso de chuva, no suficiente para a proteo adequada dos fiis. Por outro lado, notrio que existem limitaes estruturais e de espao na Igreja para o recebimento do contingente humano numeroso durante o evento, isso - logicamente exige uma ateno especial, talvez com a realizao de missa externa diante a Igreja, ou a instalao de um Telo para aqueles que ficaram do lado de fora possam acompanhar a celebrao da missa. O Telo pode ser comprado ou tomado emprestado temporariamente por meio de parceria com a Prefeitura.

    Os preparativos do evento so feitos por meio de reunies com os grupos que frequentam a parquia. So esses grupos que se mobilizam para angariar fundos e patrocnio do comrcio local e do poder pblico. Os organizadores usam os meios de comunicao tais como a rdio local, jornais, outdoors, e afixam cartazes em pontos estratgicos na prpria cidade e tambm na capital Boa Vista para a divulgao do Festejo. Os missionrios levam materiais de divulgao para as vilas prximas e para as mais afastadas, como no caso do

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    Baixo Rio Branco, cujos principais e nicos meios de acesso so os barcos, sendo que algumas comunidades ribeirinhas ficam at 10 horas de barco de Caracara.

    O Festejo acontece em data fixa no calendrio regional, no perodo de 15 a 24 de setembro; entretanto, anteriormente a data era no ms de agosto conforme a colheita do arroz. Com o passar do tempo, devido o ms de agosto ser o ms do temporal, chuvas torrenciais, optou-se por transferir o Festejo para o ms de setembro. No primeiro dia da Festa, h queima de fogos de artifcio para anunciar o incio das festividades, e a isso se segue umaa novena, depois a missa, e em seguida o Arraial nos moldes e estilo das festas juninas.

    A vida na cidade, durante o Festejo, foge s rotinas em razo das atividades e dos atrativos sazonais que so oferecidos. Nesse sentido, a Igreja tem um papel ampliado que vai alm do religioso, pois busca proporcionar recreao, atividades ldicas, culturais, teatrais, e musicais aos moradores, romeiros, peregrinos, visitantes e turistas que se misturam aproveitando para degustar churrasquinhos, guloseimas, refeies e bebidas no alcolicas nas barracas de alimentao, alm de terem como opo de lazer o parquinho, e rodeio.

    Algumas barracas de artesanato so montadas no terreno da Igreja, o terreno paroquial, e os fiis interessados podem adquirir objetos e artefatos temticos, maiormente destinados ornamentao e lembrana do evento. O comrcio sazonal ajuda a Igreja a ter alguma arrecadao, que apesar de modesta tendo em vista os gastos com os preparativos do evento, indispensvel para custear projetos emergenciais.

    O pice do Festejo acontece nos dois ltimos dias com uma grande concentrao de pblico. No nono dia, a imagem de Nossa Senhora do Livramento vai para a Igreja de Santa Luzia para que possa passar pelas trs comunidades catlicas de Caracara, a de So Jos Operrio, a do Bairro do So Francisco e a do Bairro do Livramento, cumprindo um itinerrio e ritual que antecede a romaria a ser feita no dia seguinte (Ver Fig. 3.0).

    Uma particularidade do evento que todos os anos participam da procisso carros, bicicletas, motos, pois seus proprietrios buscam receber bnos nesses veculos contra acidentes, etc. No ltimo dia, a romaria sai da igreja de Santa Luzia por volta das 17 horas, e a procisso circunda a praa central onde fica a Prefeitura, e segue caminho percorrendo a Avenida Doutor Zanny, uma das principais que corta quase toda a cidade e fica contgua ao rio Branco (Ver Fig. 3.0). Durante todo o percurso, os devotos rezam, cantam, pedem benos, e fogos de artifcios so lanados evidenciando uma alegria e uma devoo coletiva de religiosidade e f. Entre os grupos que mais se destacam na romaria esto os pagadores de promessa e os fiis da Legio de Maria, a maioria vinda da capital Boa Vista.

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    A romaria no contnua, possui um intervalo em seu trajeto para dar lugar a uma missa campal de quase duas horas sempre realizada no Memorial do Milagre, local onde aconteceu o milagre atribudo ao vaqueiro Bernadino. A missa campal no Memorial do Milagre geralmente presidida pelo Bispo de Roraima, e aps a missa a romaria percorre mais algumas quadras at a sede atual da Igreja do Livramento, local onde feita uma beno final. Ao anoitecer, o Festejo marcado por um gesto coletivo praticado por quase todos os fiis; eles depositam velas em um memorial que se assemelha a uma fonte na parte externa da Igreja, e essa queima de velas feita em meio a cnticos, oraes, pedidos, e agradecimentos. As centenas de chamas das velas acesas ao anoitecer formam uma cena memorvel.

    Os turistas, peregrinos, romeiros, e moradores locais aproveitam para tirar fotos da imagem e levar de lembranas as rosas naturais com as quais a santa enfeitada. Essas ocorrncias e fatos relatados se repetem, ano aps ano, e fazem parte de um ritual e contexto de uma rica manifestao do Catolicismo em Roraima. Na Fig. 2.0 foi feito o traado do percurso da procisso do Livramento que tem aproximadamente 2,0 km, e foram colocados tambm os principais referenciais religiosos urbanos.

    Aps o trmino da celebrao encenado o milagre do vaqueiro Bernardino. Um grande contingente toma conta do espao externo da igreja onde se pode observar a concentrao de pessoas e tumulto diante as barracas de alimentao, bem como lotao nos banheiros. No espao coberto onde o bingo realizado, todas as mesas e cadeiras so ocupadas, pois o bingo muito esperado pelos devotos e visitantes. Apesar de no ter vis religioso, o bingo torna-se uma das atividades que geram recursos para a Igreja, alm de ser um momento de socializao entre os fiis.

    A tradio do Festejo para a cidade de Caracara tem sua relevncia socioeconmica, alm de contribuir para a valorizao cultural local nas vrias atividades que so apresentadas durante o evento, entre elas: os festivais de msicas, os desfiles de bonecas vivas, a oferta do artesanato local, bem como a comida tpica, a culinria regional roraimense sempre acompanhada da farinha de mandioca. Os dias de festa avivam o sentimento de pertencimento dos diversos grupos participantes, bem como o valor histrico que a cidade tem. Pode-se afirmar que as festas religiosas so ao mesmo tempo um momento de (con)vivncia social e (re)afirmao de f combinados com eventos propulsores da economia local.

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    Fonte: Imagem do Google Earth e IBGE-CidadeSat/Google, com inseres e adaptaes dos autores, 2013.

    Fig. 2 - Vista Area de Caracara com a apresentao do Trajeto da Procisso do Livramento e os Pontos de Referncia Urbanos do Evento.

    No entanto, a comunidade ainda no est plenamente sensibilizada de que planejar e organizar uma ao estratgica capaz de promover grandes mudanas positivas com o fortalecimento da estrutura da festa contribuindo para preservar sua identidade.

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    Fonte: SESC, 2013. Figura Imagem adaptada por Ismar Lima.

    Fig. 3 - O Percurso Urbano de quase 2,0 km da Procisso do Livramento em Caracara, Roraima.

    Fonte: Maria Nogueira & Ismar Lima, 2013.

    Figura 4 Procisso do Livramento: sada da Igreja de Santa Luzia.

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    Fonte: Maria Nogueira & Ismar Lima, 2013.

    Figura 5 Fiis ocupam a Praa do Memorial do Milagre para assistir Missa Campal do Festejo na Orla.

    2.0 A F Catlica, Peregrinaes e o Fenmeno dos Deslocamentos Humanos

    De acordo com Souza (2012), a religio catlica uma das religies do cristianismo com maior nmero de adeptos. As estatsticas recentes mostram que h cerca de um bilho de catlicos no mundo, e os pases com nmeros expressivos de fiis so o Brasil e o Mxico. A religio catlica representada por meio de muitos smbolos que fazem referncia Santssima Trindade, aos santos, sacramentos, e figura de Jesus e Maria, alm de outros personagens bblicos. Tem sua origem, segundo o ensinamento catlico, com o nascimento de Jesus Cristo.

    No Brasil, a religio catlica foi introduzida com a vinda de missionrios para a nova terra dos trpicos durante a colonizao no sculo XVI, e tornou-se um dos legados de Portugal para seus colonizados (Cmara Neto, 2003). Os povos africanos e ndios muito contriburam para a formao do catolicismo brasileiro atravs de suas crendices, rituais, feitiarias, e supersties, assim constituindo tambm o chamado catolicismo popular.

    O catolicismo popular surge no modo de vida de um povo e no se restringe apenas doutrina clerical per se; assim, Cmera Neto (2003) informa que o catolicismo popular aquele em que a constelao devocional e protetora prima sobre as constelaes

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    sacramentais e evanglicas (p. 5). O autor faz referncia manifestao dos religiosos para com os santos de sua devoo sem interferncia e mediaes dos clrigos da igreja. Voltadas venerao, tais manifestaes religiosas populares esto intimamente ligadas a um modo ritualstico devocional fundamentado no simples ensejo da f, tendo como expoentes suas rezas, cantos e ladainhas, etc. O Festejo de Nossa Senhora do Livramento rene todas essas caractersticas seja pela reza do tero, cnticos, seja a caminhada dos fiis at a santa em uma peregrinao para se prestarem homenagens, cumprirem votos, e demonstrarem sentimentos de admirao.

    Conforme Carvalho (2004), a peregrinao o deslocamento de pessoas que vo visitar lugares sagrados para cumprir promessas em devoo a algum santo e por ter alcanado ou para alcanar alguma graa. Como descrito por Carvalho (2004), esse deslocamento parte do momento em que o peregrino deixa o seu local habitual ao encontro do sagrado com o objetivo particular para com o santo.

    A peregrinao religiosa passou a ser motivo de busca por lugares considerados importantes para a espiritualidade. Com o tempo as viagens percorridas tinham carter histrico e momentos importantes de festas crists. Andrade (1995 apud Nascimento 2008 p.33) explica essa ocorrncia histrica que tem se repetido ao longo dos sculos,

    A partir dos sculos III e IV da era crist, os fiis comearam a ter o hbito de viajar com propsitos religiosos a vrios lugares como aos mosteiros e conventos da Sria, do Egito e de Belm, para encontrarem os servos de Deus, para rogar-lhes por meio de oraes sabedorias, conselhos, bnos e curas. Neste tempo muitas foram as viagens as igrejas e santurios onde os restos mortais de santos, mrtires e o local onde Cristo e seus apstolos viveram e morreram.

    A peregrinao tem cunho social, espiritual e penitencial que

    ajuda na psique humana, estimula a contribuio social, e integra atividades ldicas a estes grupos. A religio comporta caractersticas prprias e com especificidades para quem pratica viagens religiosas aos lugares considerados religiosos como romeiro, peregrinos e penitentes. Na interpretao de Cypriano e Lima (2008, p.6),

    Quando algum, por livre disposio e sem pretender recompensas materiais ou espirituais, viaja a lugares sagrados, o conjunto de atividades se denomina romaria. Quando algum visita lugares sagrados para cumprir promessas ou votos anteriormente feitos a divindades ou a espritos bem-aventurados, o conjunto de atividade chama-se peregrinao. Quando algum, empenhado de remir-se de suas culpas ou de seus pecados, de forma livre e espontnea ou por conselho ou disposio de

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    lderes religiosos, se dirige a lugares sagrados, ou outros lugares sagrados, ou a outros lugares, em esprito de arrependimento e compuno, o conjunto de atividades designado como viagem de penitncia ou viagem de reparao.

    Conforme a histria dos deslocamentos humanos, as motivaes religiosas para a realizao de viagens so antigas em que os indivduos, ou grupos de indivduos, rompem com a comodidade de residncia fixa, do lar, para se encontrarem e se interagirem com o mundo sagrado. As tradies religiosas mostram a importncia dessas viagens. Afirma Ortega (1994, p.246) que,

    [...] religio judaica, segundo se l no antigo testamento, os fiis peregrinam cidade de Jerusalm vrias vezes ao ano devido, suas festas religiosas, e l cantavam salmos chamados A Peregrinao. E um dos mandamentos da religio muulmana a peregrinao Meca. Todos os fiis devem ir a Meca ao menos uma vez na sua vida. E na religio crist temos notcia que houve nos primeiros anos e nos primeiros sculos homens e mulheres que peregrinavam ao sepulcro de Jesus em Jerusalm, assim como o sepulcro dos apstolos Pedro e Paulo em Roma [...]. Com o decorrer dos sculos, como parte da Igreja Catlica, surgiram os santurios Marianos, repartidos pelo mundo motivados s vezes pelas aparies da Virgem Maria e pela f e devoo popular.

    A partir do sculo XX, os deslocamentos humanos em razo desses santurios marianos fizeram surgir novas religiosidades no mundo ocidental contemporneo; assim, as romarias e as peregrinaes foram intensificadas como novas descobertas do sagrado envolvendo msticos, espiritualistas e esotricos. Os destinos religiosos passaram ento a multiplicar-se de maneira global.

    Em tempos remotos, as peregrinaes ajudaram a configurar os lugares em nveis de atrao para pessoas no mundo todo, pois as peregrinaes alm do vis religioso, experincias e vivncias de f - embutem tambm a aquisio de conhecimentos diversos, ampliao dos contatos sociais, divertimento, e nveis de lazer. Tornando muitos lugares ncleos receptores, tais como: Meca, Santurio de Lourdes na Frana, Ftima, a Via-Crucis de Jesus em Jerusalm, Roma, Belm, Aparecida do Norte, Juazeiro de Padre Ccero, a cidade cenogrfica de Nova Jerusalm em Pernambuco, o Mosteiro de Einsiedeln, na Suia, e, em Roraima, alm do Festejo do Livramento, realizado todos os anos o Festejo da Paixo de Cristo que ocorre paralelamente Semana da Cultura em Mucaja.

    Das rotas internacionais de peregrinao consideradas importantes para o Catolicismo e para o turismo religioso, h aquelas tradicionais, tais como: o famoso Caminho de Santiago de Compostela,

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    na Espanha, bem como as motivaes religiosas para as visitaes e peregrinaes a Roma e a Jerusalm. So diversas as nacionalidades que buscam fazer o caminho de Compostela percorrendo o territrio europeu, um circuito turstico religioso de reconhecida relevncia econmica, cultural, e social, que d relativo status aos que dele participam. Existe, nessas peregrinaes ou roteiros, a busca de vivncias que denotam o aspecto temporal e espacial das manifestaes do Catolicismo, pois o peregrino ou visitante revive na contemporaneidade um dado momento religioso e em uma mesma localidade.

    Assim, a temporalidade e a espacialidade so elementos inerentes na manifestao da f, por exemplo, por aqueles que buscam reviver a Via-Crcis com cnticos, oraes, ou mesmo, em reprodues mentais do sofrimento de Jesus Cristo, nos corredores apertados de Jerusalm. De grande apelo religioso e de elevado atrativo para peregrinos, so lugares-chave onde Cristo supostamente foi crucificado, bem como a tumba onde Jesus foi sepultado, e tambm de sua biblicamente testemunhada ressurreio, ambos em Jerusalm antiga; um lugar inquestionavelmente sacro que rene em poucos quilmetros quadrados, as trs principais matrizes religiosas monotestas do mundo: o cristianismo, o judasmo, o islamismo. Bem prximo a Jerusalm, encontra-se a cidade de Belm, na regio da Palestina, prxima a Jerusalm, que outra cidade de visitaes e peregrinaes religiosas crists em virtude da Igreja do Nascimento estar ali, e foi edificada no lugar onde supostamente Cristo nasceu. So lugares de apelo religioso e turstico onde foram erguidas igrejas e santurios como marcos para a reverncia e f.

    Tal vivncia torna-se uma volta ao passado, pois o visitante ou devoto acaba estando no mesmo lugar de uma ocorrncia histrica marcante do Catolicismo; sendo mais exato, do Cristianismo. Esse fenmeno da espacialidade e temporalidade no reviver da f catlica observado mundo afora nas datas festivas como na Pscoa, com a crucificao de Cristo, em que teatros e encenaes diversos so realizados.

    Portanto, o turismo religioso - tendo como motivaes a crena e a f - congrega elementos imateriais (intangveis) em vrios nveis, em termos de rituais, de dogmas, de celebraes, de valores, de cnticos, de testemunhos, de narrativas consagradas, e a vivncia de passagens histricas e bblicas; o que permite uma abordagem sobre o resgate do que pode ser chamado de uma cultura religiosa relativa manifestao da f e da manuteno da essncia do evento de cunho religioso (Maio, 2004). As indumentrias, a cruz, a imagem de Nossa Senhora tudo isso faz parte de um patrimnio histrico-cultural tangvel que contribui para a afirmao do turismo religioso de peregrinao (Ver Figs. 6 e 7), e Caracara faz parte deste contexto, apelo, e atratividade.

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    Fonte: Maria Nogueira & Ismar Lima, 2013.

    Figura 6 A Procisso: Elementos Simblicos e o Espao Urbano.

    Fonte: Maria Nogueira & Ismar Lima, 2013.

    Figura 7 A Procisso, os Elementos Simblicos (a Cruz Peregrina) e as Vias Pblicas Utilizadas pelos Participantes e Visitantes do Festejo do Livramento uma (Re)Significao dos Espaos Urbanos de Caracara durante o Festejo.

    3.0 Patrimnio Histrico-Religioso

    O conceito de patrimnio cultural surgiu na Frana aproximadamente na dcada de 1980, e, segundo Calvo (1995) moldando o sentido de folclore, cultura popular e cultura tradicional. O patrimnio cultural representa os smbolos incorporados por grupos

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    humanos de modo que possa estabelecer uma relao dos emblemas fortalecendo suas representaes na dinmica social destes (Cruces, 1998).

    Segundo Perez (2009), o patrimnio cultural um trip entre cultura, patrimnio, e patrimnio cultural. Essa distino se baseia no fato de que o patrimnio cultural assume um papel pblico, comunitrio e de identificao coletiva. Enquanto que o patrimnio absorve um sentido mais restrito, familiar, e individual ao contexto privado e particular. A cultura se relaciona com o patrimnio cultural, porm na cultura nem tudo pode ser patrimonializado, nem tudo pode ser conservado; o que leva o patrimnio cultural a ser uma representao simblica da cultura em consonncia com o processo de seleo de elementos e significados.

    Para Ballart (1997), um objeto ou conjunto de objetos, incluindo aqueles tidos como intangveis, tomado ou apropriado por um grupo ou grupo de indivduos fazendo surgir um sentimento de propriedade, constituindo o que se denomina de patrimnio cultural. importante observar que a escolha fundamental para esses grupos humanos diante dos valores sociais, suas memrias e sua identidade.

    De acordo com Barreto (2004, p.9), descreve que at a metade deste sculo, praticamente, patrimnio cultural foi sinnimo de obras monumentais, obras de arte consagradas, propriedades de grande luxo, associadas s classes dominantes, pertencentes sociedade poltica e civil. Essa configurao da imagem do patrimnio condizia com os interesses desses grupos humanos em avaliar o bem material conforme o contexto social dessas classes predominando a riqueza e a opulncia que as representava.

    Atualmente a configurao de patrimnio tem se modificado passando a se diversificar de modo muito particular reunindo um conjunto de smbolos que passam a ter valores de conservao para o meio social.

    A patrimonializao , hoje, um recurso recorrente para a conservao de smbolos e signos culturais, sejam eles monumentos ou objetos aparentemente banais, cidades, stios histricos, paisagens naturais, festas, ritmos, crenas, modos de fazer, o savoir faire, seja um artesanato, um prato tpico ou uma tcnica construtiva (Paes, 2008, p. 162).

    Ainda sobre o conceito de patrimnio cultural, Cavalcanti e Fonseca (2008, p.7) fazem uma anlise na perspectiva do tombamento patrimonial: tombam-se objetos, edificaes, e stios fsicos (patrimnio material); registram-se saberes, rituais, formas de expresso e os espaos onde essas prticas se desenvolvem (patrimnio imaterial) [...]. A existncia de elementos intangveis, tanto

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    quanto os bens tangveis, tm sido relevante para a sociedade, pois por meio deles se resgata e mantm uma diversidade cultural imprescindvel para a construo e afirmao de uma identidade local; elementos que alm de congregrar interesses religiosos se despontam como atrativos e motivaes para o turismo.

    Para se instruir a gesto e o reconhecimento do patrimnio, foram criados documentos por rgos internacionais e nacionais que correspondem s normas de preservao e de conservao do patrimnio cultural dos pases. Conforme Megale (2007, p.17), no que diz respeito Constituio da Repblica Federativa do Brasil promulgada em 05 de outubro de 1988 em seu artigo 216, entende como patrimnio cultural brasileiro:

    Os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referncia identidade, ao, memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I. as formas de expresso; II. os modos de criar, fazer e viver; III. as criaes cientficas, artsticas e tecnolgicas; IV. As obras, objetos, documentos, edificaes e demais espaos destinados s manifestaes artsticoculturais; V. os conjuntos urbanos e stios de valor histrico, paisagstico, artstico, arqueolgico, paleontolgico, ecolgico e cientfico.

    Ainda conforme Megale (2007, p. 22), quanto ao patrimnio imaterial este passou a ser reconhecido no Brasil somente em 04 de agosto de 2000, por meio do Decreto n 3.551/2000 para vincular aes de polticas pblicas a fim de identificar, inventariar e valorizar este acervo. Denominados os quatro Livros dos Saberes:

    Livro de registro dos saberes: para o registro de conhecimentos e modos de fazer;

    Livro das celebraes: para as festas, os rituais e os folguedos;

    Livro das formas de expresso: para a inscrio de manifestaes literrias, musicais, plsticas, cnicas e ldicas;

    Livro dos lugares: destinado inscrio de espaos onde se concentram e reproduzem prticas culturais coletivas.

    E, ao se considerar a dinmica dessas manifestaes, e com o objetivo de acompanhar suas transformaes, prev-se que o registro seja refeito, no mnimo, a cada dez anos, a fim de realizar atualizaes que venham a contribuir para uma informao mais recente e fidedigna acerca dos bens tangveis e intangveis.

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    Para o Ministrio do Turismo, Mtur, (2006), os bens do patrimnio constituem valores que devem fortalecer a interao entre comunidades e turistas no intuito de se manterem a memria, os smbolos e a identidades dos locais que permitem a boa convivncia aos residentes e visitantes, alm de propiciar uma rica experincia cultural.

    No caso das manifestaes de cunho religioso, como o Festejo de Livramento, a afirmao da f, da crena, e a continuidade de dogmas e rituais so, indubitavelmente, o acervo vivo (realizado pelas pessoas) de elementos intangveis que se consagraram ao longo da histria da humanidade.

    Portanto, o Festejo do Livramento mais uma ocorrncia de f no Brasil que mantm viva uma histria permeada pela religiosidade. A mobilidade humana e as peregrinaes so um fato de irrefutvel relevncia para o setor turstico, assim a prxima seo discutir os principais aspectos conceituais do turismo religioso.

    O turismo religioso leva muitos turistas a se deslocarem a templos, igrejas, sinagogas, e mesquitas pela devoo, a maioria impulsionada na crena em um ser superior com poderes divinos. Conforme a OMT (Organizao Mundial do Turismo), o segmento um dos principais motivos de viagens depois do turismo de frias e do turismo de negcios, todos em crescimento.

    O Brasil majoritariamente um pas catlico, atrai em suas festas religiosas milhares de fiis. Os destinos mais visitados so a Baslica de Nossa Senhora Aparecida em So Paulo (Padroeira do Brasil), anualmente 9,5 milhes de fiis visitam a cidade, Juazeiro do Norte no Cear tem atrado por volta de dois milhes de pessoas a cada ano e o Crio de Nazar em Belm, uma das festas religiosas mais populares, envolve 1,5 em seu local.

    Segundo o IBGE (2010), a religiosidade no Brasil sofreu uma mudana em nmero de seguidores. O catolicismo sofreu reduo enquanto os evanglicos de vrias congregaes tiveram crescimento de 15% no ano de 2000 para 22% em no ano de 2010. A pesquisa tambm destacou o crescimento dos que se declaram sem religio e do crescimento do Espiritismo. O fato que o catolicismo, mesmo com essa diminuio de seus fiis, ainda detm o maior nmero de adeptos.

    O Ministrio do Turismo, Brasil (2010) conceitua o turismo religioso como um turismo ligado pluralidade de religies institucionalizadas,

    O Turismo Religioso configura-se pelas atividades tursticas decorrentes da busca espiritual e da prtica religiosa em espaos e eventos relacionados s religies institucionalizadas. O Brasil um pas considerado laico h uma diversidade de religies institucionalizadas, tais

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    como as de origem oriental, afro-brasileiras, espritas, protestantes, catlica, compostas de doutrinas, hierarquias, estruturas, templos, rituais e sacerdcio.

    Conforme pode ser confirmado na Tabela abaixo, o turismo religioso est entre as razes mais procuradas (motivaes) para deslocamento e mobilidade humano (Dias e Silveira, 2003, p. 14).

    4.0 Os Elementos Constituintes do Espao Urbano Sagrado (Sacro ou Sacralizado)

    Um dos aspectos que fazem parte da discusso terica deste trabalho a abordagem acerca do conceito de espao urbano sagrado, haja vista que na literatura poucas so as menes e debates sobre o tema; essa abordagem torna-se, portanto, uma das contribuies conceituais mais significativas da pesquisa.

    O espao urbano sagrado , tambm podendo ser chamado de sacro ou sacralizado, ganha uma dimenso acadmica tanto no aspecto emprico quanto prtico j que tal espao especfico quando avaliado dentro do contexto de uma festa religiosa, ganha um valor religioso agregado, demandando nveis de prioridade em termos de planejamento e de aes pontuais, por exemplo, se comparado a outros espaos urbanos de uso menos rotineiro em contraste aos espaos de maior ocupao e visitao.

    O espao urbano sagrado , portanto, reas ou espaos citadinos os quais ganham - em certos perodos do ano - um status quo em virtude do carter religioso a que esto ligados. So nesses espaos que ocorrem as manifestaes religiosas, e por possurem uma concentrao humana elevada, ali se concentram tambm o comrcio e as atividades diversas (encenaes, missas, teatros, apresentaes culturais, musicais, etc.), tornando-se, portanto, um permetro urbano com valor agregado se comparado aos demais espaos urbanos municipais. Os espaos sagrados podem ser as vias pblicas, as praas, as reas com edificaes, uma orla, terrenos baldios, e, ou, os espaos abertos pblicos ou privados, etc. (ver Fig. 12).

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    Fonte: Maria Nogueira e Ismar Lima, 2013.

    Figura 8 Um dos Espaos Urbanos Sagrados de Caracara, o Memorial do Milagre. Local da Missa Campal do Festejo.

    No que tange ao aspecto conceitual, a noo de espao urbano sagrado leva a uma discusso acerca de alguns elementos que direta ou indiretamente, explcita ou intrinsecamente - acabam sendo constituintes desses espaos, que, como afirmado anteriormente, no esto dissociados da visitao, da f catlica, populao local (residentes), populao flutuante, e turismo. Assim, tais elementos conceituais a serem discutidos so: catolicismo popular e peregrinao, turismo religioso, turismo de peregrinao, patrimnio histrico-cultural, e desenvolvimento e planejamento urbano.

    A (res)significao do espao urbano em que os ambientes quotidianos ganham um novo significado para os locais e para os visitantes tornando-se espao urbano sacro, havendo neles a reafirmao da f Catlica e outras manifestaes de f e crena. Conforme Costa (2009), o espao sagrado constitui-se de representao social e predominante do catolicismo brasileiro onde a simbologia dos santos e lugares sacros so impregnados de significados. Na interpretao de Rosendahl (1999, p.233), a definio para espao sagrado , um campo de foras e de valores que eleva o homem religioso acima de si mesmo, que o transporta para um meio distinto daquele no qual transcorre sua existncia. Neste espao sacro o homem transcende sua religiosidade em busca do contato com o divino.

    Pode-se afirmar que a cidade de Caracara devido histria do milagre atribudo ao vaqueiro Bernardino tornou o lugar dos acontecimentos dotados de sacralidade aonde muitos vm para estar

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    em contato com o mundo espiritual reforando a tradio local reunindo em seu espao muitos fieis que buscam firmar a f e a prtica de sua religio.

    Fonte: Maria Nogueira & Ismar Lima, 2013.

    Figura 9 Espao Urbano Utilizado pelos Ambulantes e pela Igreja no Memorial do Milagre na Orla de Caracara.

    Entretanto, os lugares sagrados (sacros ou sacralizados) so reas ou locais permeados por uma dualidade contraditria ao se situarem entre o sagrado e o profano, haja vista que ali podem ser encontrados comerciantes de souvenires de conotao religiosa, como as santinhas e os crucifixos, como pode haver nesses mesmos lugares - vendedores de cerveja.

    De acordo com Pereira e Oliveira (2009), o sagrado est na existncia cultural fundamentada na f e na religio, enquanto que o profano est no entorno do sagrado. Para Castro (2005, p. 3276) a dualidade pode ser notada conforme o comportamento da dinmica local,

    A cidade de Bom Jesus da Lapa desenvolve o crescimento do espao urbano sagrado pelo movimento dos romeiros, mesmo que estes sejam temporrios na visitao do santurio e o seu entorno. O santurio o ponto de convergncia dos agentes sociais que interagem com intenes diferentes. Para os comerciantes e empresrios um meio de negocio ter um atrativo religioso e em contramo torna-se sagrado para os fieis do lugar. No local sagrado, vivenciados por esses moradores, so percebidas de forma diferentes o sacro e

    profano que a cidade incorpora.

    Os espaos urbanos sagrados, entretanto, devem ser visto como um elo espacial entre seus fiis, principalmente romeiros e

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    peregrinos e a comunidade que celebra a devoo e sentimentos manifestados nesses lugares.

    Fonte: Maria Nogueira & Ismar Lima, 2013

    Figura 10 Vendedores Ambulantes e Policiamento diante a Missa Campal do Festejo na Orla de Caracara.

    Fonte: Maria Nogueira & Ismar Lima, 2013.

    Figura 11 Circuito Urbano da Procisso: A Legio de Maria no Festejo.

    5.0 Espacialidade , Temporalidade, Tangibilidade e Intangibilidade nas Manifestaes do Catolicismo

    A leitura crtica acerca da Temporalidade e da Espacialidade nas manifestaes religiosas do Catolicismo deve ser

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    feita em escala e com uma inter-relao dos diversos elementos e aspectos tangveis e intangveis que constituem, caracterizam e denotam as expresses, interaes e devoes religiosas individuais e, ou, coletivas. Esta parte do artigo busca avanar nas discusses conceituais dando uma nfase prtica e funcional a eles, ao se identificar e classificar de forma acadmico-cientfica os aspectos temporais, espaciais, materiais, imateriais, e simblicos das manifestaes do catolicismo e da profisso da f crist.

    A espacialidade refere-se a um determinado espao, local, lugar, localidade, onde marcos religiosos esto presentes e, tambm, onde eventos e ocorrncias religiosas so realizados, e manifestaes de f e crena praticadas. Na viso de Ramos (2002, p.68), sociabilidade no est dissociada da f,

    Assim, uma espacialidade uma forma de organizao geral do espao social que apresenta caractersticas predominantes que a qualificam e a diferenciam historicamente das outras. Por sua vez, sociabilidade est vinculada idia de um determinado modo de vida, ou seja, uma organizao geral das relaes sociais entre os indivduos e entre os grupos num determinado momento.

    De acordo com Milton Santos, a espacialidade pode ser explicada "a partir da noo de espao como um conjunto indissocivel de sistemas de objetos e sistemas de aes podemos reconhecer suas categorias analticas internas" (2009, p.22), e esses espaos referem-se configurao e diviso territorial, o espao produzido, e o espao das manifestaes sociais, culturais e religiosas, por exemplo.

    Para Santos (2009), os recortes espaciais podem ser feitos em consonncia com a problemtica existente em escalas em um referido lugar. J Saquet (2005), afirma que no existe uma homogeneidade no espao nem no territrio, mas uma heterogeneidade de tempos, desigualdades e diferenas. No caso deste artigo, os espaos e a heterogeneidade presente nesses espaos esto relacionados ao Festejo do Livramento.

    A espacialidade discutida neste artigo de mbito municipal no contexto das atividades do Festejo do Livramento. E de uma forma descritiva, espacialidade pode ser categorizado como um espao que pode ser aberto (ao ar livre), semi-aberto (tendas), ou fechado (restrito ao interior de edificaes, tais como igrejas, residncias, etc.).

    O espao pode ainda ser situado em trs dimenses para anlise: i) o espao urbano sagrado onde se concentram a maior parte das manifestaes e dos atrativos religiosos, bem como de aglomerao humana (romeiros, visitantes, residentes, etc.) participantes de uma determinada ocorrncia ou evento religioso, e os espaos urbanos sagrados podem ser avenidas, ruas, praas, orlas, trechos de rios (em caso de batismo e, ou, procisses fluviais); certas partes de uma praia, memoriais; monumentos e, ou, painis, e seu

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    entorno, etc.; ii) o espao urbano em si possui relativa importncia para a realizao de eventos religiosos, pois onde se encontram o comrcio em geral, os hotis, os restaurantes, etc.; e iii) o espao no-urbano localiza-se nas reas peri-urbanas ou rurais, e podem ser reas de uma fazenda, chcra, stio, e, ou, reas naturais como matas, florestas, rios, etc.

    Por exemplo, em termos de espacialidade, na Fig. 12 foram citados os itens imagens, painis, e monumentos, e esses devem ser para efeito de anlise - considerados como integrantes de uma rea, ou local, mais extenso, e a anlise desses elementos deve incluir o entorno espacial (reas adjacentes) onde se encontram instalados. O item parques diz respeito aos parques urbanos onde geralmente so realizados ou celebrados eventos/atos religiosos.

    Outra ressalva a respeito da Fig. 12 de que os espaos no-urbanos tambm podem possuir determinadas reas ou locais com um status sacro haja vista a importncia adquirida ou atribuda a eles. Por exemplo, um memorial erguido em uma rea de fazenda ou trechos do rio onde so depositadas imagens e, ou, onde flores ungidas so jogadas pelos fieis em uma procisso fluvial. J as rodovias so citadas, pois so o palco onde se realizam romarias e procisses, alm de elas terem muitas vezes painis religiosos temticos, cruzes, altares, entre outros marcos religiosos catlicos. O mesmo ocorre com o item estrada, que entendido aqui como uma via vicinal e, ou, rural, secundria, mas onde tais ocorrncias so tambm observadas.

    A temporalidade outro aspecto da anlise. Martins (1992), por exemplo, usa o termo temporalidade para estabelecer uma coexistncia de tempos datados em um processo histrico. Marques (2008) explica as razes do termo temporalidade que vai alm do aspecto cronolgico per se, vai alm da quantificao temporal.

    Encontramos as razes da percepo terica e abstrata da temporalidade no apenas no plano intelectual, mas, tambm, a partir da realidade cotidiana, a partir do processo, bastante lento, da quantificao temporal que surge progressivamente a partir do sculo XIV com a inveno dos primeiros relgios mecnicos e a valorizao da contagem do tempo no cotidiano. Sendo assim, poderemos verificar que h um movimento paralelo entre a complexidade crescente desta contagem, que se faz progressivamente atravs dos sculos pela medio de minutos e segundos com a sofisticao dos aparelhos cronogrficos, e a sofisticao do conceito abstrato de tempo, refletido tanto no pensamento filosfico quanto na fsica... A cronologia se preocupou exclusivamente com o estabelecimento de sistemas de contagem e sistematizao de perodos e eventos, como no caso da contagem dos anos atravs do calendrio olmpico, elaborada por Timeu (c. 356 260 a.C.) (p. 47).

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    De acordo com o dicionrio Houaiss, a palavra temporalidade tem origem no latim temporaltas(tis), e refere-se ao que temporal, o que ocorre em espao de tempo limitado'; sendo que o ano de 1446 a data provvel para o aparecimento e uso da expresso 'bens temporais'. Assim, temporalidade indica a qualidade, estado ou condio do que temporal; provisrio, temporrio; um estado de interinidade.

    Marques (2008) refora a noo da linha do tempo, ou a ocorrncia da temporalidade na histria, sendo que essa pode pertencer a um passado, presente, ou ao futuro; tambm enfatizado que a temporalidade pode ter caractersticas cclicas e de linearidade em se tratando de fatos histricos. No caso deste artigo, a temporalidade analisada no contexto das ocorrncias do Festejo do Livramento, e entendida como sendo um perodo de tempo especfico de uma ocorrncia, podendo ser diurna e, ou, noturna; e para efeitos de anlise, a temporalidade foi tambm subdivida em contnua e sazonal/fixa.

    A temporalidade contnua refere-se s manifestaes e expresses de religiosidade e de f por indivduos ou grupos de indivduos que podem ocorrer em qualquer poca do ano, sem estar previamente estabelecida em um calendrio de eventos. Por exemplo, uma famlia que decide visitar um santurio ou um memorial, e ali fazer oraes, cantarem, e acenderem velas, etc. J a temporalidade fixa/sazonal diz respeito s manifestaes e eventos j predeterminados em datas ou perodos fixos (permanentes) do calendrio de eventos em uma dada localidade (municpio, estado, etc.), e so, maiormente, as Festas, os Festejos, as Encenaes, as Romarias, as Folias de Reis, etc.; os eventos religiosos tradicionais, no contnuos, temporrios (sazonal), e sempre aguardados pela populao (Ver Fig. 12).

    Ao se analisar a Fig. 12, pode-se observar que existe uma correlao direta, uma interface com pontos em comum entre temporalidade e espacialidade. Por exemplo, os elementos temporais religiosos so os eventos que ocupam um determinado perodo de tempo (uma missa dura cerca de 60 minutos; uma procisso pode durar entre 1 e 3 horas; um Festejo pode durar uma semana),e so nesses eventos tais como as missas, as encenaes, procisses, festejos, etc., que as manifestaes do catolicismo ocorrem.

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    Fig. 12 - Temporalidade e Espacialidade nas Manifestaes do Catolicismo.

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    Tais eventos so realizados respectivamente em um determinado local, lugar, ou localidade, da a espacialidade religiosa. A missa pode ser celebrada em uma igreja (edificao), em uma praa, ou em uma praia, tal como aconteceu durante a visita do Papa Francisco ao Brasil, em 27 de julho de 2013, em que uma mega missa foi celebrada na praia de Copacabana reunindo aproximadamente trs milhes de fiis.

    Assim, pode-se deduzir que a atribuio ou no de um valor sacro e, ou, do registro ou da existncia de um determinado espao urbano sagrado, ocorre em funo das interfaces e das inter-relaes em escala entre temporalidade e espacialidade de uma manifestao religiosa catlica, levando-se em considerao todos os elementos tangveis e intangveis que existentes em tais ocorrncias.

    6.0 Tangibilidade e Intangibilidade nos Dogmas e Rituais do Catolicismo

    No que se refere tangibilidade e intangibilidade nas manifestaes do Catolicismo, os elementos simblicos e dogmticos dessas manifestaes so citados e esto inter-relacionados, havendo entre eles uma dualidade complementar necessria para a afirmao da f e religiosidade crist.

    Alguns dos principais elementos religiosos tangveis so: as imagens (esttuas, gravuras, e pinturas representando santos, santas, Jesus Cristo, etc.); os altares; a bblia, o livro sagrado dos cristos; o po e vinho simbolizando o corpo e o sangue de Cristo, e a hstia com o mesmo significado; a cruz; os teros dos fiis; os crucifixos; as esculturas; as oferendas; o dzimo, como elemento monetrio importante para a manuteno das igrejas, etc.; as indumentrias de fieis, das freiras, dos coroinhas, do padre, bispo, etc.; o crio e as velas; e os folhetos litrgicos.

    J os elementos intangveis so: a crena; o louvor; a f; as ladainhas; a liturgia; a comunho; as penitncias; os cnticos; a infalibilidade; a beatificao; a canonizao; as benos e unes; a confisso; os textos narrados; o sermo; a evangelizao; o celibato; os sacramentos; e as rezas (oraes). A Figura 13 ajuda a visualizar a inter-relao entre tais elementos tangveis e intangveis pertencentes ao Catolicismo.

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    Fig. 13 - Elementos Religiosos Tangveis e Intangveis do Catolicismo.

    As Tabelas 2.0 e 3.0 apresentam os principais aspectos e elementos temporais, espaciais, tangveis e intangveis de vis religioso, e, ou, social, presentes e, ou, praticados na Igreja de Santa Luzia, na Igreja do Livramento e no Memorial do Milagre. As Tabelas ajudam a situar de forma segmentada e sistemtica, os aspectos conceituais j discutidos, bem como contribui para a identificao dos principais elementos que fazem parte dos dogmas e rituais das manifestaes do catolicismo.

    importante ressaltar que a Avenida Dr. Zanny, apesar de no estar citada na Tabela, a principal via do percurso da Procisso do Livramento tambm palco de vrias expresses e manifestaes religiosas tangveis e intangveis.

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    Tabela 2.0 Detalhamento do Contexto Religioso do Festejo do Livramento em relao aos Aspectos Espaciais, Temporais, Tangveis e Intangveis do Espao Urbano Sagrado.

    DESCRIO CONTEXTUAL

    Igreja de Santa Luzia (1)

    Memorial do Milagre(2)

    Igreja do Livramento & Terreno paroquial (3)

    Temporalidade

    - Perodo do Festejo - Fixo/Permanente - Diurno/noturno

    -Perodo do Festejo e durante todo o ano. -Fixo/Sazonal/ Contnuo - Diurno/noturno.

    - Perodo do Festejo - Fixo/Permanente - Diurno/noturno

    Espacialidade

    - Fechado - Espao Sacro

    - Aberto (ao ar livre) - Urbano Sagrado

    Igreja (edificao) - Fechado - Espao Sacro

    Terreno paroquial - Aberto/Semi- aberto - Espao de recreao e socializao - Espao para atividades culturais, teatrais e musicais.

    Tangibilidade (Objetos smbolos e artefatos dos dogmas e rituais do Catolicismo)

    - Imagens - Esttuas/ esculturas - Cruz/Teros/ Crucifixo - Bblia/folheto litrgico - Hstia - Dzimo/ oferendas - Indumentrias, - Objetos da sacristia, etc.

    - Painis pintados - Mini santurio - Imagens - Cruz - Esttua/Escultura - Altar e objetos da sacristia (MissaCampal)

    Igreja (edificao) - Imagens - Esttuas/ esculturas - Cruz/Teros/ Crucifixo - Bblia/folheto litrgico - Hstia - Dzimo/oferendas - Indumentrias. - Objetos da sacristia, etc.

    Terreno paroquial - Imagens - Cruz/Teros/ Crucifixo - Indumentrias

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    Intangibilidade (Dogmas e rituais do Catolicismo)

    - Missa - Oraes/Reza - Textos Narrados - Evangelizao - Reflexo - Devoo/f/ crena

    - Missa Campal - Oraes/Rezas/ Cnticos - Textos Narrados - Evangelizao - Reflexo - Devoo/f/crena

    Igreja (edificao) - Missa - Oraes/Reza - Textos Narrados - Evangelizao - Reflexo - Devoo/f/ crena

    Terreno paroquial - Encenaes/ Apresentaes: teatrais, musicais, etc. - Socializao - Recreao - Hedonismo - Interao

    Fonte: Maria Nogueira & Ismar Lima, 2013.

    7.0 Tangibilidade e o Valor Material: A Qualidade da Infraestrutura, Estrutura e dos Equipamentos do Turismo Religioso em Nvel Municipal.

    Esta Seo apresenta anlise que estabelece os vnculos entre os elementos tangveis do espao urbano e o turismo., pois o desenvolvimento de um espao urbano sacro, local onde se manifestam a f, as atividades artstico-culturais, e o espao catalisador da atividade turstica e comercial do evento; requrendo, assim, o planejamento por parte do poder pblico em termos de aes estratgicas. A anlise comea com a distino, as interrelaes, e as reflexes sobre valor imaterial (intangvel) e sobre valor material (tangvel) no contexto do turismo, mas precisamente em referncia infraestrutura, estrutura e aos equipamentos tursticos.

    De acordo com o Dicionrio Houaiss, a palavra intangvel refere-se quilo que no se pode tanger, tocar, pegar; aquilo que no perceptvel pelo tato, impalpvel, incorpreo; bem como, aquilo que por seu valor deve permanecer intato, inalterado; e, acrescenta ainda que aquilo no suficientemente claro ou definido para ser compreendido, que ilude o entendimento, portanto, de sentido mais abstrato, subjetivo, no-material.

    Em relao ao Festejo do Livramento, os valores imateriais esto relacionados ao valor simblico e religioso latentes no evento, bem como a manuteno e revivificao de tradies, crenas e rituais. J o termo tangvel (tangibilidade) apresenta justamente as caractersticas opostos do apresentado anteriormente.

    O termo tangibilidade est relacionado quilo que pode ser mensurado, e no turismo religioso h vrios elementos que nos permitem compreender a noo de tangibilidade. Por exemplo,

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    Fitzsimmons e Fitzsimmons (2000), explicam isso com base na qualidade dos servios, e tangibilidade est presente justamente no aspecto e nas condies das instalaes fsicas, equipamentos, pessoal e materiais utilizados na realizao de um evento, e isso se aplica ao Festejo do Livramento em relao organizao; a tangibilidade pode ser ainda percebida em relao limpeza das instalaes, limpeza dos sanitrios e identificao visual de desordem e de falta de estrutura das reas urbanas diretamente utilizadas no evento, etc.

    Para Fitzsimmons & Fitzsimmons (2000), o termo tangibilidade est relacionado quilo que pode ser mensurado, e no turismo religioso h vrios elementos que nos permitem compreender a noo de tangibilidade. Parasuraman, Ziethaml & Berry (1998) desenvolveram cinco dimenses ou critrios para a anlise da qualidade em servios, conhecida no campo da administrao e da gesto como SERVQUAL. Os cinco critrios que contribuem para balizar uma anlise da qualidade dos servios so: i) empatia; ii) confiabilidade; iii) responsabilidade; iv) segurana; e, v) os aspectos tangveis.

    Nesse caso, os indicadores tangveis dos servios podem ser mensurados (ou observados) pela limpeza das instalaes, incluindo os sanitrios, e o aspecto visual dos setores da empresa, do lugar de destino, etc. Outros elementos tangveis podem ser utilizados para se avaliar a qualidade dos servios tursticos, entre eles: as condies gerais dos veculos de transportes, da alimentao, da estrutura e facilidade dos hotis, ou seja, se h uma correspondncia ao que se anunciado em marketing e propaganda e aquilo que se oferecido ao visitante. Assim, a tangibilidade do servio aquilo que o visitante sente e v, por exemplo, a aparncia fsica do local, a conservao, a limpeza, a decorao, a sinalizao, entre outros aspectos.

    7.1 A intangibilidade do servio turstico

    A intangibilidade leva a uma percepo relativamente diferenciada se comparada tangibilidade turstica, pois diz respeito a um valor ou a uma noo imaterial de um produto, de um destino, de um servio. Os componentes intangveis podem estar relacionados, por exemplo, amabilidade, cordialidade, e cooperao da equipe que realiza o servio; atitudes que expressam a disposio de servir (Mezomo, 1995), e esto ligados, logicamente, questo da hospitalidade turstica.

    Para Deming (1990, p.23),

    A intangibilidade, aliada necessidade da presena do visitante e simultaneidade da produo das cenas e do consumo do servio, so as principais caractersticas especiais das operaes em

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    servios, que iro definir a avaliao dos resultados e a qualidade dos servios prestados.

    Na opinio de Keane (1997), outro modelo interessante apresentado pela existncia de trs tipos de classificaes para os produtos: produto de escolha, ocorre quando um consumidor vai comprar um produto e os aspectos relacionados qualidade do mesmo podem ser observados antes do processo de compra. J o produto de experincia quando o consumidor pretende verificar a qualidade de um restaurante ou destino, e as caractersticas no podem ser verificadas antes da compra, preciso consumir para ento poder avaliar a qualidade. J o produto de confiana aquele que o consumidor no tem como verificar se o que ele comprou existe realmente. O modelo citado refora a responsabilidade do prestador de servio em relao satisfao do cliente, pois o realizador do servio passa a integrar o produto oferecido.

    Para Fitzsimmons e Fitzsimmons (2000), a qualidade do servio pode ser percebida pelos visitantes por meio de trs dimenses: confiabilidade (capacidade de prestar o servio prometido com confiana e exatido nas senas sacras), responsabilidade (disposio para auxiliar os visitantes e fornecer o espetculo prontamente nos horrios estabelecidos), segurana (conhecimento e cortesias dos anfitries).

    Como pode ser observado na Tabela 3.0 (ver pg. 88), os elementos tangveis que merecem maior ateno, aes e intervenes das autoridades, do poder pblico, e dos organizadores do Festejo de Nossa Senhora do Livramento em termos de melhorias estruturais, infraestruturais, de organizao e dos equipamentos so os itens: 02, 05, 06, 12, 13, 14, 15, 16, 20, 22, 24, e 25. Alguns itens apesar de estarem com um peso mais elevado ainda podem ser objeto de trabalho para que alcancem uma melhor classificao (melhoria e desempenho). Esses itens demandam aes pontuais do poder pblico municipal de modo que o turismo religioso possa ocorrer de forma planejada, contribuindo para o seu fortalecimento e consolidao dando maior visibilidade regional ao municpio de Caracara.

    Essa discusso e anlises centradas em tangibilidade e intangibilidade da infraestrutura, estrutura, dos equipamentos e dos servios relativos ao Turismo so igualmente feitas no Captulo 3 do livro.

    8.0 Os Procedimentos Metodolgicos Adotados e a Triangulao na Coleta de Dados

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    O presente estudo adotou uma metodologia descritiva, em geral procura descrever fenmenos ou estabelecer relaes entre variveis (Dencker, 1998, p. 144). A pesquisa predominantemente quali-quantiativa e faz uso de questionrio cujos resultados so tabulados em percentuais, o que d tambm uma caracterstica quantitativa mesma.

    Conforme o estudo realizado pelo mtodo da triangulao, a Tabela 2.0 foi elaborada com base em determinados critrios sobre espacialidade e temporalidade, ou seja, os elementos tangveis importantes para a avaliao dos aspectos do planejamento urbano municipal em funo da visitao de cunho religioso em Caracara. A Tabela foi elaborada para servir de referncia-base para se sistematizar as demandas do Festejo do Livramento.

    Ainda sobre o mtodo de coleta de dados por triangulao, o mesmo feito pelo cruzamento e a anlise de informaes das entrevistas, dos questionrios, e principalmente da observao participante. De acordo com Dencker, (2001), o mtodo de triangulao usado de modo a cruzar informaes e dados obtidos de fontes variveis por meio da reviso da literatura e coleta de dados in situ, incluindo entrevistas e observao participante.

    A triangulao, por cruzar informaes de diversas fontes, contribui para diminuir provveis inconsistncias metodolgicas, alm de evitar inclinaes nas anlises, ficando estas mais isentas, e tudo isso aumenta a credibilidade e validade acadmica da pesquisa e do pesquisador. A triangulao visa a obter um material descritivo, rico portanto em relatos, aspectos e caractersticas que venham a ajudar a responder s perguntas-pesquisa objeto da investigao. Com base nos dados obtidos por meio da triangulao, os autores desenvolveram algumas estruturas (grficos e tabelas) que ajudaram a sistematizar a anlise do contedo, particularmente em relao temporalidade, espacialidade, tangibilidade, e intangibilidade.

    A triangulao tambm foi til para a elaborao da tabela de aferio das demandas estruturais e infraestruturais em relao ao Festejo do Livramento. Em termos de anlise, a tangibilidade e intangibilidade podem ser abordadas com foco nos smbolos, dogmas e rituais do Catolicismo (A=Anlise de vis religioso) e, ou, com foco na estrutura, infraestrutura, equipamentos tursticos e servios em nvel municipal (B=Anlise de vis turstico) ambas situadas nas interseces existentes da temporalidade e da espacialidade (Ver Fig. 1.0).

    A aplicabilidade dessa metodologia e mtodo de anlise pode ser conferida nas Sees 5.0, 6.0, e 7.0 deste Captulo, e tambm se encontra ilustrada nas Figuras 12 e 13, e nas Tabelas 2 e 3 a seguir. A pesquisa e as anlises dos dados tm sua base na realizao de trs edies consecutivas do Festejo de Nossa Senhora do Livramento, as realizadas em 2010, 2011, e 2012. Em 2013, ocorreu somente a observao participante, pois os problemas apontados nos questionrios se mostraram recorrentes. Ressaltando-se tambm que

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    um dos autores tem sido nos ltimos anos membro da Comisso Organizadora da Igreja do Livramento, e, portanto, soma experincias e vivncias prprias acerca do evento o que refora ainda mais a credibilidade e o valor acadmico da pesquisa em termos de anlises e abordagens aqui oferecidas.

    Em 2010, foram aplicados 100 questionrios com turistas e visitantes estes foram abordados na rua de forma aleatria a fim de saber a potencialidade do atrativo religioso quanto ao seu alcance regional. Constatou-se na poca o que a tabela 2 de 2012 que evidenciou em termos de comparao que o festejo atinge a escala de peso de excelente atratividade para confirmao de turismo religioso. Os entrevistados tinham a faixa etria entre 16 e mais de 65 anos de idade e se mostraram dispostos a responder as perguntas. Devido estes dados serem coletados todos em um s dia no foi possvel entrevistar mais pessoas.

    Em 2011, as entrevistas foram bem maiores, o tempo foi bem mais aproveitado, com um total de 154 entrevistas nas ruas com a chegada dos visitantes tendo o mesmo foco. Com percepo precisa de que o festejo deixara de ser um potencial turstico para produto formatado o questionrio mudara de rumo para verificar o papel social da igreja e poder pblico na sua organizao. Onde eram respondidas as perguntas do questionrio que est em anexo.

    Em 2012 foram entrevistados 100 visitantes no Festejo do Livramento em Caracara buscando a viso do poder pblico nas questes de planejamento do evento religioso para as demandas e pblico em geral que participaram do festejo do Livramento. A estes participantes o evento em si poderia ter melhorias sim na parte de estrutura fsicas quanto ao aspecto da imagem do festejo, mas que no implicaria com a motivao religiosa dos participes. Com isso, a anlise feita nas entrevistas ao corpo da igreja na pessoa do padre Tiago e ao representante da Secretaria de Educao e Cultura causou contradio sob o ponto de vista destes visitantes, pois a igreja ainda no percebe a festa religiosa com turismo religioso.

    Por sua vez, o poder pblico sabe da importncia do atrativo religioso para o turismo, mas o apia muito timidamente precisando ter mais conhecimento do Festejo. As pessoas escolhidas de forma aleatria, com as perguntas abertas e fechadas. Sempre contando com a presena de um pblico de mais de 15 mil pessoas todo ano, encantando e emocionando a todos visitantes da festa sacra. 8.1 Instrumentos de Coleta de Dados

    A tcnica da coleta de dados