Fernando Pessoa - Ortónimo

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Sebenta Português 12 Ano LILIANA VIEIRA CONDE 1 Fernando Pessoa- Ortónimo Génio de dois séculos Séculos XIX-XX sociedade industrializada e mecanizada o diferente do povo pobre que vivia em más condições Ultimato Inglês (1891) – os ingleses obrigaram-nos a deixar os territórios africanos de Angola e Moçambique sob ameaça de esses territórios serem invadidos. Isto fez aumentar o descontentamento contra a monarquia e as ideologias republicanas começaram a ganhar força. Regicídio (1908) – assassinato do Rei D. Carlos e do príncipe herdeiro D. Luís Filipe Aumentou a violência, o descontentamento e a humilhação nacionais Implantação da República (1910) – parecia vir estabilizar mas… surgiram outros acontecimentos… Primeira Guerra Mundial (1914-18) Ditadura Militar (1926-1933) Estado Novo (1933-1974) Segunda Guerra Mundial (1939-1945) Criaram uma nova onda de descrença, desânimo e insegurança em relação ao futuro FERNANDO PESSOA VIVEU TUDO ISTO (1888-1935) e isso impregnou as suas obras. Vamos ver para já que impacto teve nas artes Este sentimento de descrença, desânimo e insegurança em relação ao futuro expandiu os seus tentáculos às artes em geral Os regimes sociais e políticos estavam caducos = artes Literatura era importante romper com tudo o que era academicista/tradicional o Manifesto Anti-Dantas de Almada Negreiros foi um desses exemplos ACENSÃO DE SALAZAR DESDE MINISTRO DAS FINANÇAS, PASSANDO POR PRESIDENTE DO CONSELHO DE MINISTROS E TERMINANDO EM CHEFE DITATORIAL DO GOVERNO

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Sebenta Português 12 Ano

LILIANA VIEIRA CONDE 1

Fernando Pessoa - Ortónimo

Génio de dois séculos

Séculos XIX-XX

sociedade industrializada e mecanizada

o diferente do povo pobre que vivia em más condições

Ultimato Inglês (1891) – os ingleses obrigaram-nos a deixar os territórios africanos de

Angola e Moçambique sob ameaça de esses territórios serem invadidos. Isto fez

aumentar o descontentamento contra a monarquia e as ideologias republicanas

começaram a ganhar força.

Regicídio (1908) – assassinato do Rei D. Carlos e do príncipe herdeiro D. Luís Filipe

Aumentou a violência, o descontentamento e a humilhação nacionais

Implantação da República (1910) – parecia vir estabilizar mas… surgiram outros

acontecimentos…

Primeira Guerra Mundial (1914-18)

Ditadura Militar (1926-1933)

Estado Novo (1933-1974)

Segunda Guerra Mundial (1939-1945)

Criaram uma nova onda de descrença, desânimo e insegurança em relação ao futuro

FERNANDO PESSOA VIVEU TUDO ISTO (1888-1935) e isso impregnou as suas obras.

Vamos ver para já que impacto teve nas artes

Este sentimento de descrença, desânimo e insegurança em relação ao futuro expandiu os seus

tentáculos às artes em geral

Os regimes sociais e políticos estavam caducos = artes

Literatura

era importante romper com tudo o que era academicista/tradicional o Manifesto Anti-Dantas

de Almada Negreiros foi um desses exemplos

ACENSÃO DE SALAZAR DESDE MINISTRO DAS

FINANÇAS, PASSANDO POR PRESIDENTE DO

CONSELHO DE MINISTROS E TERMINANDO EM

CHEFE DITATORIAL DO GOVERNO

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era importante surgirem novas ideias

revistas como Orpheu, Presença, Centauro e Águia

começaram a lançar autores como Fernando

Pessoa, Mário de Sá Carneiro, Almada Negreiros e

o heterónimo Álvaro de Campos

chocavam e pretendiam agitar, escandalizar o

ambiente cultural português que estava retrógrada

Esta é a época do :

Rompia com o passado

Redescoberta do mundo e do indivíduo através da linguagem estética

O indivíduo surge despersonalizado/quase que desaparece neste mundo complexo

Os heterónimos de Pessoa vão representar esses homens contraditórios do

modernismo referidos por Nuno Júdice na obra Pessoa, etc.:

o Alberto Caeiro – iletrado, filosófico e amante da natureza

o Ricardo Reis – neoclássico, monárquico e pagão

o Álvaro de Campos – futurista, engenheiro (há quem diga que era homossexual)

Pessoa viveu apaixonado por Ofélia e, segundo esta, ele vivia «Sempre nervosos, obcecado com

a sua obra». Aliás, Pessoa dormia com papel e caneta na sua mesa de cabeceira porque

durante a noite sentia necessidade de escrever. Podemos resumi-lo com os seus seguintes

versos:

«Não sei ser triste a valer

Nem alegre deveras»

E esse foi, na verdade, a sua tormenta e a da sua época: a procura por uma felicidade

equilibrada.

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Nostalgia da infância – construção de resposta

Vou ajudar-te a responder corretamente a 2 perguntas e

aproveitamos a viagem para estudar o tema da nostalgia da

infância em Fernando Pessoa.

As perguntas que temos para trabalhar são:

1) Demonstra como o título e o tema vai sendo desenvolvidos ao longo do poema (Nota: vê

também a secção de Métodos de Estudo)

2) Faz o levantamento dos tempos verbais e indica a sua importância para a mensagem

subjacente ao poema.

O tema é então a Nostalgia da infância.

Sabe-se que a sua infância não foi 100%feliz. Entre os 5/6 anos de idade, o seu pai morre e teve

de partir com a sua família para a África do Sul. Estas situações vão marcar para sempre a sua

infância como um estado de felicidade e de conforto, uma ilusão, o único momento possível de

felicidade, uma vez que a vida é para ele uma ilusão fugaz. A vida foi sofrimento.

Na verdade, a infância é a metáfora da inocência, do sentir apenas sem pensar, da suprema

felicidade e conforto.

Quando era criança Quando era criança Vivi, sem saber, Só para hoje ter Aquela lembrança. E hoje que sinto Aquilo que fui. Minha vida flui, Feita do que minto. Mas nesta prisão, Livro único, leio O sorriso alheio De quem fui então.

Em suma: quando era criança … era feliz

Inconsciência dessa condição – tema característico de Fernando Pessoa:

sentir/pensar.

Hoje vive apenas uma lembrança porque não pode voltar a ser criança

Ele revive o passado

Isto é permitido pelo pensamento. A sua vida é uma mentira

Metáfora da vida que oprime

Ele consegue ser feliz, lendo as memórias do que foi na infância

Já não lhe pertence porque é passado

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Vamos às perguntas?

1) Demonstra como o título e o tema vão sendo desenvolvidos ao longo do poema. O

que vamos fazer é basicamente um resumo do poema. Repara!

A nostalgia da infância é um tema peculiar a Fernando Pessoa (introdução opcional). O

sujeito poético começa por recordar o momento em que era criança (“aquela

lembrança”). Na segunda estrofe acrescenta que ao reviver o passado, a sua vida acaba

por se revestir de mentira (“Feita do que minto”). Por fim, na última estrofe, ele define

a sua vida como uma “prisão” e só consegue ser feliz quando recorda as memórias do

que foi. Então, o título e o tema parecem completar-se da seguinte forma: “Quando era

criança”… era feliz!

É importante reparares como estruturei a resposta: ao resumo das ideias principais que

já tínhamos ido buscar à análise estrófica eu fui adicionando exemplos, para reforçar o

que vou dizendo. No final terminei com uma breve conclusão, fechando o assunto do

título.

2) Faz o levantamento dos tempos verbais do poema e indica a sua importância para a

mensagem subjacente ao poema.

No poema coexistem os tempos do Pretérito perfeito, Pretérito imperfeito e presente.

Quando o sujeito poético utiliza o verbo ser no pretérito Imperfeito (“era”) ele está a

evocar a lembrança de um passado que não terminou. Ao utilizar os tempos do pretérito

perfeito (“vivi”, “fui”) há uma referência a tudo o que ele foi e ficou nesse passado.

Porém, quando ele recorre ao presente (“sinto”, “flui”, “leio”) ele acentua o contraste

com o passado. Isto é, a lembrança feliz do que ele foi, em contraste com a “prisão” e a

mentira em que vive.

Aqui fiz: levantamento dos tempos verbais, expliquei a intenção. No final fiz uma

conclusão para terminar a minha explicação.

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Fernando Pessoa ortónimo – nostalgia da infância – outros cenários de

resposta

Para o poema que vem a seguir proponho-te 3 perguntas. O tema é o mesmo: nostalgia da

infância

1. O que originou a lembrança da infância?

2. Explica de que forma o sujeito poético se define no passado e no futuro.

3. Explica a expressão «Numa onda de alegria»

Ler poema

Quando as crianças brincam

E eu as oiço brincar,

Qualquer coisa em minha alma

Começa a se alegrar.

E toda aquela infância

Que não tive me vem,

Numa onda de alegria

Que não foi de ninguém.

Se quem fui é enigma,

E quem serei visão,

Quem sou ao menos sinta

Isto no coração.

Identificaste-te com alguma coisa do poema? Por exemplo eu identificar-me-ia com o sorriso

das crianças que me lembram sempre como essa fase é boa. Isto seria uma mais valia para

perceber o conteúdo do poema.

Quando as crianças brincam

E eu as oiço brincar,

Qualquer coisa em minha alma

Começa a se alegrar.

Aqui surge logo a resposta à 1 pergunta: começa por ver

e depois ouvir. É o ouvir que o faz recordar-se da sua

infância

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E toda aquela infância

Que não tive me vem,

Numa onda de alegria

Que não foi de ninguém.

Se quem fui é enigma,

E quem serei visão,

Quem sou ao menos sinta

Isto no coração.

Na segunda estrofe está a resposta à 3 pergunta:

E toda aquela infância

Que não tive me vem,

Numa onda de alegria

Que não foi de ninguém.

Neste poema podes ver que ele afirma não ter tido infância, felicidade. Porém, quando as

crianças brincam ele consegue ser feliz. Não te esqueças que a infância tem um caráter

meramente metafórico: permite a felicidade e o conforto. Este poema demonstra como a sua

infância foi duplamente alegre e triste. Ele foi feliz até aos 6 anos, como já vimos, mas depois

teve de imaginar como poderia ter sido feliz o resto da sua infância, uma vez que foi marcada

pela tristeza.

Vejamos como eu responderia:

1. O que originou a lembrança da infância?

A infância, neste poema pessoano, é trazida à mente do sujeito poético pela audição.

Começou por as ver a brincar, depois ouviu-as e isso permitiu que a sua alma fosse invadida

por alegria («Qualquer coisa em minha alma/Começa a se alegrar»).

2. Explica de que forma o sujeito poético se define no passado e no futuro.

O sujeito poético começa por dizer na segunda estrofe que não teve uma infância feliz. O

seu passado é de difícil compreensão («Se quem fui é enigma») e o seu futuro é apenas uma

projeção, tendo apenas uma ideia do que será («E quem serei visão»). Denote-se que o

verbo “ser” surge conjugado nos três tempos (pretérito perfeito, futuro e presente) para

reforçar essa mesma ideia: «fui», «serei» e «sou». Sendo difícil de se definir no passado e

no futuro, é importante sentir aquilo que é e ouve no momento presente («Quem sou ao

menos sinta / isso no coração»). Em suma, ouve as crianças a brincar, o que o alegra, e essa

é a única certeza que tem.

Aqui tens a resposta à 2 pergunta: ele não teve uma infância feliz

Não sabe o que foi; é de difícil compreensão

Tem apenas uma ideia do que será mas não sabe o que é

É também importante referir o presente para justificar esta resposta. Por isso, ele quer sentir o que é, no coração. Quer vivenciar

Repara que a infância não surge em forma de memória

imediata, mas foi construída porque não teve. Por isso

surge em forma de algo grandioso que o invade, uma onda

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3. Explica a expressão «Numa onda de alegria»

A expressão destacada remete para uma memória que não é imediata, uma vez que não a teve.

O sujeito poético teve de a construir e acabou por ser invadido metaforicamente por uma «onda

de alegria», por algo grandioso. Porém, de uma forma mais profunda, esta expressão denota

sinestesicamente todas as sensações que a brincadeira das crianças lhe provocou, reforçando a

invasão da alegria por todos os sentidos.

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Fingimento artístico / dor de pensar

O fingimento artístico é um dos temas que

parecem sintetizar bem Pessoa: o

fingimento. Pessoa é, de facto, o camaleão

das emoções, pois prefere transformar com

o pensamento tudo o que sente. Aliás, quer

seja nas suas composições poéticas da

ortonímia, como da heteronímia, esta

capacidade de ser múltiplo, de sentir com o

coração, de fingimento pessoal, permite

autoconhecer-se e definir o que ele é: «ser múltiplo sem deixar de ser um».

Os poemas que aparecem logo associados a este tema são a «Autopsicografia» e o «Isto».

Em «Autopsicografia», autocaracteriza-se como um “fingidor”, aquele que consegue criar e

provocar várias “dores diferentes”:

1ª dor: sentida por ele

2ª dor: dor intelectualizada por ele

3ª dor: dor lida pelos leitores

Há uma 4ª dor, defendida apenas por alguns: dor que pertence apenas ao leitor

«E os que leem o que escreve,

Na dor lida sentem bem, - 4ª dor

Não as duas que ele teve, - 1ª e 2ª dores

Mas só a que eles não têm» -3ª dor

O poema «Isto» vem esclarecer que o ato de “fingir” não significa “mentir”, mas é o ato de

manipular intelectualmente tudo o que se sente

«Dizem que finjo ou minto

Tudo o que escrevo. Não.

Eu simplesmente sinto

Com a imaginação.

Não uso o coração.»

Estes dois poemas foram publicados na revista Presença (1932 e 1933). Consegues imaginar o

choque que provocou em algumas mentalidades mais tradicionalistas?

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Vamos passar agora para outro tema: a dor de

pensar, que leva, algumas vezes, a uma fuga da

realidade para o sonho ou para uma tentativa de

inconsciência, pois tudo o que o poeta sente tem

tendência a intelectualizar e isso causa-lhe

sofrimento.

Um dos poemas que sintetiza bem este tema é «Ela

canta, pobre ceifeira». O sujeito poético inveja a

ceifeira por não pensar e por ser alegre por isso. Ao

ouvi-la ele sente uma dupla emoção antitética,

contrária: alegria e tristeza:

«Ouvi-la alegra e entristece». Alegria por ouvir o canto da inconsciência e tristeza porque isso

o leva a pensar mais uma vez.

«O que em mim sente ´stá pensando»

Num ataque de despersonalização, de deixar de ser quem é, ele deseja ser a ceifeira e ter

consciência disso:

«Ah, poder ser tu, sendo eu!

Ter a tua alegre inconsciência

E a consciência disso! […]»

E no final do poema, compreendendo a dor da realidade, causada pelo pensamento constante,

ele deseja a morte do “eu”:

«Entrai por mim dentro! Tornai

Minha alma a vossa sombra leve!

Depois, levando-me, passai!»

Pessoa procura outras vezes a evasão através do sonho. No poema «Viajar! Perder países!» ele

deseja “ser outro constantemente”, sem raízes e viver apenas da contemplação da paisagem.

Deseja captar a realidade apenas com o olhar, sem pensar em nada.

A dor de pensar incomoda-o tanto que vai criar heterónimos que vão refletir características

deste mesmo tema.

Alberto Caeiro, como verás, será o seu mestre, pois consegue ver as coisas como elas são,

recusando o pensamento.

Ricardo Reis aproveita o momento presente sem que o pensamento o incomode.

E, por fim, Álvaro de Campos procura ser “toda a gente e toda a parte” sem que o pensamento

interfira nessa explosão de emoções.

Fernando pessoa é, sem sombra de dúvida um dos maiores génios de todos os tempos.

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Análise do poema «Abdicação»

Agora que já vimos os temas principais de Pessoa ortónimo, proponho uma análise mais

pormenorizada de outro poema e incidindo noutros conteúdos.

Optei pelo poema «Abdicação». Este foi escrito a um amigo,

enquanto Fernando Pessoa caminhava pela rua, na iminência de

uma trovoada, coisa que pessoa temia. Porém, a tempestade

acabou por não acontecer e o poema também se revestiu de uma

grande calma.

Comecemos por analisar a estrutura que já conheces.

ABDICAÇÃO – título sugere que o sujeito poético desistiu de algo voluntariamente.

Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços E chama-me teu filho... eu sou um rei que voluntariamente abandonei O meu trono de sonhos e cansaços. Minha espada, pesada a braços lassos, Em mão viris e calmas entreguei; E meu cetro e coroa – eu os deixei Na antecâmara, feitos em pedaços. Minha cota de malha, tão inútil, Minhas esporas de um tinir tão fútil, Deixei-as pela fria escadaria. Despi a realeza, corpo e alma, E regressei à noite antiga e calma Como a paisagem ao morrer do dia

Desenvolvimento do título: ao longo do poema ele vai mostrando que a sua desistência é

voluntária e, por isso, vai-se desfazendo de tudo o que o torna rei… de tudo o que é a sua vida.

Em poesia há muito mais a analisar do que o resumo de conteúdos e em Pessoa não é exceção.

As suas «crises de abundância» produtiva como ele afirma, não o impedem de trabalhar, como

já vimos, com o pensamento, tornando racional as emoções.

A tristeza calma que atravessa todo o poema é enriquecida por alguns recursos estilísticos.

Vamos ver:

Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços

E chama-me teu filho... eu sou um rei – apóstrofe e personificação.

Ele pede à noite, metáfora da morte e da solidão que

o segure nos seus braços, aliviando-o e dando-lhe

conforto.

Assume-se como um rei que desistiu

voluntariamente por não ter forças para continuar

mais.

Abandona tudo o que é importante para um rei:

espada, cetro e a coroa

Liberta-se dos elementos utilizados nas lutas,

enquanto cavaleiro nobre

Diz que se despiu de tudo o que tinha, ficando

apenas com a solidão, o isolamento e a melancolia

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Qual o valor expressivo, para que serve? Dirige-se à noite como se ela fosse uma pessoa e que o

viesse buscar nos seus braços e a ela pertencesse

___ “___

eu sou um rei

que voluntariamente abandonei

O meu trono de sonhos e cansaços – metáfora e dupla adjetivação. Qual o valor expressivo?

Reforça a ideia que ele abdicou da sua vida, que foi cheia de sonhos que fracassaram, que não

deram em nada.

___ “___

A espada pesada entregou-a

Em mão viris e calmas entreguei – dupla adjetivação que tem como função expressiva mostrar a

aceitação de um outro capaz de a carregar

___ “___

A fria escadaria – adjetivo em posição pré-nominal, antes do nome, acentua a ausência da vida no

palácio/vida

___ “___

Despi a realeza, corpo e alma, - gradação que reforça o despir-se de tudo ___ “___

E regressei à noite antiga e calma Como a paisagem ao morrer do dia – comparação e dupla adjetivação – foi desfalecendo gradualmente e calmamente ___ “___

Este poema mostra como a estrutura sintática é bastante simples, embora o seu conteúdo seja nobre e rico. Os tempos verbais utilizados são:

3) Imperativo – “chama-se” / “torna-me” – sugere a ideia de ordem

4) Presente – “sou” – define o que é

5) Pretérito perfeito – “abandonei”, “entreguei”, “deixei”, “despi”, “regressei” – indica o

que já fez

Estes tempos verbais permitem acentuar a mensagem do poema: ele pede à noite que o leve

porque ele é o que abdicou.

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Este é o tema da noite e da solidão, que, aliado aos anteriores, permite reforçar o cansaço da

vida de pessoa e a sua desistência da vida.

Esta atitude de abdicação é comum em Fernando Pessoa, mas espero que não a seja em ti.

Agora que terminámos Fernando Pessoa ortónimo, proponho-te a realização de uma ficha

onde podes aplicar os teus conhecimentos e fazer a tua própria correção.

Espero que tenhas ficado fã de Fernando Pessoa como eu sou.