4. FPessoa Ortónimo - Carateristicas
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Síntese das características da poesia de Fernando Pessoa (ortónimo)
Motivos poéticos
• tensão sinceridade/fingimento, consciência/inconsciência, sentir/pensar;
• intelectualização das emoções;
• fingimento artístico;
• nostalgia da infância, símbolo da felicidade perdida;
• refúgio no sonho;
• fragmentação do eu;
• sofrimento proveniente da dor de pensar;
• consciência do absurdo da existência;
• expressão de estados de alma - tédio, egotismo, ceticismo, solidão interior, angústia,
cansaço, náusea, saudade, etc.
Estilo e linguagem
• vocabulário simples;
• associações inesperadas e, por vezes, desvios sintáticos;
• uso frequente de frases nominais;
• pontuação expressiva - exclamação, interrogação, reticências, etc.;
• recurso a adjetivação expressiva, comparações, metáforas, paralelismos e repetições,
oxímoros, etc.;
• grande sentido de musicalidade - eufonia (sons agradáveis), transporte, aliteração;
• versificação regular e tradicional, reminiscência da lírica popular - repetições, métrica curta
(redondilha menor e maior), estrofes curtas (recurso frequente à quadra).
Características da poesia de Pessoa ortónimo
Uma das características de Pessoa ortónimo é a dor de pensar que o persegue desde sempre e que
manifesta em vários poemas. Como tal são frequentes as tensões ou dicotomias que espelham a sua
complexidade interior.
Quanto à dicotomia sinceridade/fingimento, o poeta questiona-se sobre a sinceridade poética e
conclui que «fingir é conhecer-se», daí a despersonalização do poeta fingidor que fala e se identifica
com a própria criação poética, como impõe o modernismo. Lugares de destaque ocupam os poemas
“Isto” e “Autopsicografia” (onde teoriza a criação artística), em que se definem claramente os lugares
da inteligência e do coração (as sensações), na criação artística. É assim que este poeta, possuidor de
uma grande capacidade de despersonalização (sem todavia deixar de ser um), procura, através da
fragmentação do eu (“Continuamente me estranho”, “Não sei quantas almas tenho”), atingir a
finalidade da arte, servindo-se da intelectualização do sentimento que fundamenta o poeta fingidor.
O poeta debate-se frequentemente com as dialéticas sentir/pensar e consciência/inconsciência,
tentando encontrar um ponto de equilíbrio, o que não consegue. Em “Ela canta pobre ceifeira”, o
poeta vive intensamente estas dicotomias: deseja ser a ceifeira que canta inconscientemente, («Ter a
tua alegre inconsciência»), e simultaneamente («ter a consciência disso»). Enquanto ela se julga feliz
por apenas sentir, o sujeito poético está infeliz porque pensa, racionaliza em excesso. Na mesma
linha, cita-se o poema “Gato que brincas na rua”, no qual o sujeito poético reforça a ideia da
felicidade de não pensar, («És feliz porque és assim/Que tens instintos gerais/E sentes só o que
sentes»).
Em “Leve, breve, suave”, Pessoa manifesta o seu desalento, a sua frustração quando o “eu”
consciente do poeta intervém (Escuto, e passou…/Parece que só porque escutei/ Que parou.”). A
frustração é resultante de uma incapacidade de atingir plenamente a satisfação, a felicidade.
A luta incessante entre as várias dialéticas origina a dor de pensar e a angústia existencial que bem
caracterizam este poeta, e se verificam no poema “Tudo o que faço ou medito”.
Pessoa ortónimo é o poeta da desilusão, tem uma visão negativa do mundo e da vida, como o
manifesta no poema “Abdicação”, onde se entrega à «noite eterna” (morte) como se fosse a sua
própria mãe.
Outra temática abordada pelo poeta é a desagregação do tempo. Para o poeta, o tempo é um fator
de desagregação porque tudo é breve, efémero. Esta fugacidade da vida fá-lo desejar ser criança de
novo, visto que a infância lhe surge como o único momento possível de paz e felicidade, como
documentam os poemas “Quando era criança” e “Quando as crianças brincam”.
Coexistem duas vertentes na produção poética de Pessoa ortónimo: uma de carácter tradicionalista e
outra de carácter modernista. A primeira oferece poemas de métrica curta, manifestando
preferência pela quadra e a quintilha. A segunda oferece poemas que iniciam o processo de rutura
com esta corrente.
in Português B, Maria José Peixoto e Célia Sousa, Asa, 2001 (adaptado)