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08/09/2020 1 FERNANDO PESSOA CÓDIGO DE CONDUTA: FERNANDO PESSOA escreveu este código de conduta quando tinha 17 anos de idade, veja quais são: 1- Nunca deixar ou retrair-se do propósito de fazer o bem à humanidade. 2- Nunca escrever coisas sensuais ou de outro tipo, más que possam ser causa de dano e ofensa aos que as lerem. 3- Nunca esquecer, ao atacar a religião em nome da verdade, que a religião só é substituída com dificuldade e que o pobre ser humano chora nas trevas. 4- Nunca esquecer os sofrimentos e as doenças dos homens. (Fernando Pessoa) Avesso ao sentimentalismo; Emoções pensadas; Não possui uma filosofia nítida; A poesia Histórico Nacionalista; Devido à educação recebida em Durban, África do Sul com ênfase na língua inglesa, e a leitura de Byron, Shelley, Keats, Poe e, sobretudo, Shakespeare; os primeiros poemas de Fernando Pessoa, como não podia deixar de ser, foram escritos em Inglês. Fernando Pessoa (1888-1935) ORTÔNIMO: ANÁLISE MAR PORTUGUÊS Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu. (Fernando Pessoa) O Sal é amargo no sabor e as lágrimas são amargas não só no sabor, mas também no que elas traduzem de sofrimento e dor. Símbolo do sofrimento, de tantas tragédias provocadas pelo mar. A confirmar esse sofrimento aparecem as mães, os filhos, as noivas três elementos importantes da família Sugere que foi no plano do amor familiar que os malefícios do mar mais se fizeram sentir. Pergunta se valeu a pena suportar tais desgraças, respondendo ele próprio que tudo vale a pena ao ser humano dotado de uma alma de aspirações infinitas. É que toda a vitória implica passar além da dor e, se Deus fez do mar, o local de todos os perigos e medos, a verdade, é que, conquistado, é ele o espelho do esplendor do céu. As grandes dores são o preço das grandes glória. NAVEGAR É PRECISO Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: "Navegar é preciso; viver não é preciso". Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para a casar como eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar. Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo. [...] Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade. É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça. (Fernando Pessoa) ANÁLISE Nesse caso, navegar é preciso no sentido de ser uma atividade, uma ciência precisa; viver não é preciso no sentido de que a vida envolve não somente o lado racional, como também o emocional e o espiritual – viver não é nem nunca será, portanto, uma atividade precisa. Viver é deliciosamente ou terrivelmente impreciso, dependendo dos olhos de quem vê. HETERÔNIMOS

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FERNANDO PESSOACÓDIGO DE CONDUTA:

FERNANDO PESSOA escreveu este código de conduta quando tinha 17 anos de

idade, veja quais são:

1- Nunca deixar ou retrair-se do propósito de fazer o bem à humanidade.

2- Nunca escrever coisas sensuais ou de outro tipo, más que possam ser causa de

dano e ofensa aos que as lerem.

3- Nunca esquecer, ao atacar a religião em nome da verdade, que a religião só é

substituída com dificuldade e que o pobre ser humano chora nas trevas.

4- Nunca esquecer os sofrimentos e as doenças dos homens.

(Fernando Pessoa)

Avesso ao sentimentalismo; Emoções pensadas; Não possui uma filosofia nítida; A poesia Histórico Nacionalista; Devido à educação recebida em Durban, África do Sul

com ênfase na língua inglesa, e a leitura de Byron,Shelley, Keats, Poe e, sobretudo, Shakespeare; osprimeiros poemas de Fernando Pessoa, como não podiadeixar de ser, foram escritos em Inglês.

Fernando Pessoa (1888-1935) ORTÔNIMO: ANÁLISEMAR PORTUGUÊS

Ó mar salgado, quanto do teu salSão lágrimas de Portugal!Por te cruzarmos, quantas mães choraram,Quantos filhos em vão rezaram!Quantas noivas ficaram por casarPara que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a penaSe a alma não é pequena.Quem quer passar além do BojadorTem que passar além da dor.Deus ao mar o perigo e o abismo deu,Mas nele é que espelhou o céu.(Fernando Pessoa)

O Sal é amargo no sabor e as lágrimas sãoamargas não só no sabor, mas também no queelas traduzem de sofrimento e dor. ⇒ Símbolodo sofrimento, de tantas tragédias provocadaspelo mar. A confirmar esse sofrimentoaparecem as mães, os filhos, as noivas ⇔ trêselementos importantes da família ⇒ Sugere quefoi no plano do amor familiar que os malefíciosdo mar mais se fizeram sentir.

Pergunta se valeu a pena suportar tais desgraças,respondendo ele próprio que tudo vale a penaao ser humano dotado de uma alma deaspirações infinitas. → É que toda a vitóriaimplica passar além da dor e, se Deus fez do mar,o local de todos os perigos e medos, a verdade, éque, conquistado, é ele o espelho do esplendordo céu. As grandes dores são o preço dasgrandes glória.

NAVEGAR É PRECISO

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:

"Navegar é preciso; viver não é preciso".

Quero para mim o espírito desta frase,

transformada a forma para a casar como eu sou:

Viver não é necessário; o que é necessário é criar.

Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.

Só quero torná-la grande,

ainda que para isso tenha de ser o meu corpo

e a (minha alma) a lenha desse fogo.

[...]

Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue

o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir

para a evolução da humanidade.

É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.

(Fernando Pessoa)

ANÁLISE Nesse caso, navegar épreciso no sentido de seruma atividade, umaciência precisa; Já vivernão é preciso no sentidode que a vida envolve nãosomente o lado racional,como também oemocional e o espiritual –viver não é nem nuncaserá, portanto, umaatividade precisa. Viver édeliciosamente outerrivelmente impreciso,dependendo dos olhos dequem vê.

HETERÔNIMOS

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O ponto central da minha personalidade como artista é que sou um poeta dramático; tenho,continuamente, em tudo quanto escrevo, a exaltação íntima do poeta e a despersonalização dodramaturgo. Voo outro – eis tudo. Do ponto de vista humano (…) sou um histero-neurasténico com apredominância do elemento histérico na emoção e do elemento neurasténico na inteligência e navontade (minuciosidade de uma, tibieza de outra). Desde que o crítico fixe, porém, que souessencialmente poeta dramático, tem a chave da minha personalidade (…). Munido desta chave, elepode abrir lentamente todas as fechaduras da minha expressão.Sabe que, … como poeta, sinto; que como poeta dramático, sinto despegando-me de mim, que,como dramático (sem poeta), transmudo automaticamente o que sinto para uma expressão alheiaao que senti, construindo na emoção uma pessoa inexistente que a sentisse verdadeiramente, e porisso sentisse, em derivação, outras emoções que eu, puramente eu, me esqueci de sentir. (InCorrespondência: 1923-1935. Ed. Manuela Parreira da Silva. Lisboa: Assírio & Alvim, 1999. p. 254.)

Excertos de Carta a João Gaspar Simões (11 de Dezembro de 1931) Excerto de Carta a Adolfo Casais Monteiro (20 de Janeiro de 1935)

O que sou essencialmente – por trás das máscaras involuntárias do poeta, doraciocinador e do que mais haja – é dramaturgo.

O fenómeno da minha despersonalização instintiva, a que aludi em minha cartaanterior, para explicação da existência dos heterónimos, conduz naturalmente a essadefinição.

Sendo assim, não evoluo: VIAJO. (Por um lapso da tecla das maiúsculas, saiu-mesem que eu quisesse essa palavra em letra grande. Está certo, e assim deixo ficar.)

Vou mudando de personalidade, vou (aqui é que pode haver evolução)enriquecendo-me na capacidade de criar personalidades novas, novos tipos de fingir quecompreendo o mundo, ou, antes, de fingir que se pode compreendê-lo.

Por isso dei essa marcha em mim como comparável, não a uma evolução, mas a umaviagem: não subi de um andar para outro, segui, em planície, de um para outro lugar(“Viajar, perder países”). Fernando Pessoa

FERNANDO PESSOA / HETERÔNIMOS:

tendência orgânica e constante para a despersonalização; começou desde muito cedo a criar em seu redor um mundo fictício, cercando-se de

amigos e conhecidosque nunca existiram;proliferação de máscaras, disfarces, de duplos, de outros eus, que são

simultaneamente o mesmo e o outroPessoa possui uma capacidade genial de criar autores, cada um com a sua

personalidade própria, a sua biografia, a sua estética, o seu estilo e o seu modo depensar.

os EUS criados possuem identidade inconfundível filosofia por vezes antagónica da professada pelo poeta ortónimo.

“Se Deus não tem unidade, como a terei eu?” F. Pessoa

ALBERTO CAIRO RICARDO REIS ÁLVARO DE CAMPOS

ANO DE NASCIMENTO 1889 1887 1890

ANO DA MORTE 1915 - -

LOCAL DE NASCIMENTO

Lisboa Porto Tavira

PROFISSÃO Sem profissão Médico Engenheiro naval

LOCAL ONDE VIVE Campo Brasil Lisboa

CARATERIZAÇÃO Estatura média, frágil

Moreno, baixo e forte Alto (1,75m), magro, entre o branco e o moreno

Fernando Pessoa explicou a “vida” de cada um de seus heterónimos. O mestre de todos,Alberto Caeiro. "Nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Nãoteve profissão, nem educação quase alguma, só instrução primária; morreram-lhe cedoo pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Viviacom uma tia velha, tia avó. Morreu tuberculoso." Pessoa cria uma biografia para Caeiroque se encaixa com perfeição à sua poesia, como podemos observar nos 49 poemas dasérie O Guardador de Rebanhos. Segundo Pessoa, foram escritos na noite de 8 de Marçode 1914, de um só fôlego, sem interrupções. Esse processo criativo espontâneo traduzexactamente a busca fundamental de Alberto Caeiro: completa naturalidade.

“Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é.

Mas porque a amo, e amo-a por isso, Porque quem ama nunca sabe o que ama

Nem por que ama, nem o que é amar...”

ALBERTO CAEIRO (1889-1915) / Biografia:

Arte marcada pela simplicidade formal e vocabular extremas, visto a sua origem simples, opoeta da natureza. Ele enxerga o mundo como um reflexo de si mesmo, ou seja, da próprianatureza e não do pensamento. Talvez por isso, é chamado de poeta camponês. Sua poesiaé o resultado do sensacionismo e não do pensamento, daí e negação completa dametafísica: “Porque pensar é não compreender...”. Desse mondo, resulta de sua obra umrealismo sensorial que o faz negar qualquer metafísica. Caeiro retira os disfarces paradesvendar a realidade de todas as coisas. Apensar de ser contra o pensamento e favorávelàs sensações, costumamos considerá-lo o poeta filósofo, porque, ainda que de formaparadoxal, acabou criando uma antifilosofia, uma filosofia da negação da própria filosofia.Os versos são livres e / ou brancos, marcados por oralidade, coloquialismo, objetividade epelo emprego de um vocabulário simples, limitado, e com isso marcado por repetições. Seuser poético procura o primitivismo mais original, o que permite uma poesia que flui demaneira natural e espontânea, contudo de maneira consciente.

ALBERTO CAEIRO / aspectos importantes:

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Não me importo com as rimas. Raras vezesHá duas árvores iguais, uma ao lado da outra.Penso e escrevo como as flores têm corMas com menos perfeição no meu modo

[de exprimir-mePorque me falta a simplicidade divinaDe ser todo só o meu exterior

Olho e comovo-me,Comovo-me como a água corre quando

[o chão é inclinado,E a minha poesia é natural como o levantar-se vento...(Alberto Caeiro)

O eu lírico reflete sobre aspalavras, ou sobre o seuprocesso composicional. Assimcomo as árvores são diferentes,as palavras precisam secombinar da mesma formaapenas ocasionalmente. Seupensamento e escrita buscamalcançar a naturalidade dascores, embora não o consiga. Ospensamentos o impedem de“ser todo” no seu “exterior”.Para isso, seu interior precisariacalar. Assim, seu ato de olhar ocomove, não os pensamentos,aproximando-o da poesianatural pretendida.

ANÁLISEXIV - NÃO ME IMPORTO COM AS RIMAS

Creio no mundo como num malmequer, Porque o vejo. Mas não penso nele Porque pensar é não compreender... O Mundo não se fez para pensarmos nele (Pensar é estar doente dos olhos) Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, Mas porque a amo, e amo-a por isso, Porque quem ama nunca sabe o que ama Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência, E a única inocência não pensar... (Alberto Caeiro)

Notamos a primazia do ver, do olhar, dos sentidos,sobre o pensar. A linguagem é simples (segundoPessoa, Alberto Caeiro escrevia "mal", pois tinhaapenas a 4.ª classe). Existem, no poema,repetições, tautologias (repetição própria dalinguagem infantil), frases simples, frasescoordenadas, predomínio de nomes concretos,pouca adjetivação. A sua filosofia é uma não-filosofia, afinal, uma recusa do pensamentoabstrato, considerado como oposto ao"sentir" (com os sentidos, não com o sentimento).Repare-se que sempre que se refere ao pensar,isto é visto como negativo: "é não compreender...". Mesmo falando na Natureza (com maiúscula),representando um conceito "abstrato" (naturezaserá um conjunto de coisas existentes, logoentidade abstrata), seria para ele uma contradição.

ANÁLISEII - CREIO NO MUNDO COMO NUM MALMEQUER

Nasceu em Tavira no dia 15 de Outubro de 1890 à 1.30 datarde. Teve uma educação de Liceu comum qualificada devulgar pelo próprio Fernando Pessoa. Posteriormente foipara a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica, edepois naval. Fernando Pessoa, fez uma biografia para cadaum dos seus heterónimos e declarou assim que Álvaro deCampos : “Era um engenheiro de educação inglesa eorigem portuguesa, mas sempre com a sensação de ser umestrangeiro em qualquer parte do mundo”. Pessoa dissetambém em relação a este heterónimo que: “Eu fingi queestudei engenharia. Vivi na Escócia. Visitei a Irlanda. Meucoração é uma avozinha que anda pedindo esmola àsportas da alegria”.

ÁLVARO DE CAMPOS (1890 – ?) AS FASES

1ª FASE (DECADENTISTA):

O decadentismo tem como principal característica a visão pessimista do mundo. Durante essa fase, os poemasde Álvaro de Campos evidenciaram certo tédio e uma necessidade pungente de novas sensações. Essanecessidade de fuga à monotonia foi marcada por símbolos e imagens, características que aproximaram ospoemas de Álvaro de Campos ao Romantismo e ao Simbolismo.

(...) Esta vida de bordo há-de matar-me.São dias só de febre na cabeça

E, por mais que procure até que adoeça,já não encontro a mola pra adaptar-me.

Em paradoxo e incompetência astralEu vivo a vincos de ouro a minha vida,

2ª FASE (FUTURISMO WHITMANIANO):

Durante essa fase, os poemas de Álvaro de Campos foram influenciados pelo futurismo, estética tambémencontrada na obra dos escritores Walt Whitman e Marinetti (este responsável pelo Manifesto Futurista). Épossível perceber o fascínio pelas máquinas e pelo progresso nos poemas futuristas de Campos, fase quepode ser ilustrada a partir da leitura dos poemas Ode Triunfal e Ode Marítima.

À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábricaTenho febre e escrevo.

Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!

Em fúria fora e dentro de mim,Por todos os meus nervos dissecados fora,

Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,

De vos ouvir demasiadamente de perto,E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso

(Excerto do poema “Ode Triunfal”)

3ª FASE (INTIMISTA):

Nela encontramos um poeta ensimesmado, angustiado e incompreendido. Como temas, destacam-

se a solidão interior, a nostalgia da infância, a frustração e a incapacidade de amar. Ilustra essa fase

o poema Tabacaria, um dos mais importantes e representativos da poética de Álvaro de Campos.

Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada.

À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,

Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é

(E se soubessem quem é, o que saberiam?),

Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,

Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,

Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,

Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,

Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,

Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.(...).

(Excerto do poema “Tabacaria”)

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ANÁLISEAO VOLANTE DO CHEVROLET PELA ESTRADA DE SINTRA

Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra,

Ao luar e ao sonho, na estrada deserta,

Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco

Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça,

Que sigo por outra estrada, por outro sonho, por outro mundo,

Que sigo sem haver Lisboa deixada ou Sintra a que ir ter,

Que sigo, e que mais haverá em seguir senão não

[parar mas seguir?

Vou passar a noite a Sintra por não poder

[passá-la em Lisboa,

Mas, quando chegar a Sintra, terei pena de

[não ter ficado em Lisboa.

Sempre esta inquietação sem propósito, sem nexo,

sem consequência, sempre, sempre, sempre,

Esta angústia excessiva do espírito por coisa nenhuma,

Na estrada de Sintra, ou na estrada do sonho,

[ou na estrada da vida...

Maleável aos meus movimentos subconscientes no volante,

Galga sob mim comigo, o automóvel que me emprestaram.

Sorrio do símbolo, ao pensar nele, e ao virar à direita.

(Álvaro de Campos)

No texto,

percebemosalgumas marcasvisivelmente

associadas aouniverso do

progresso (oveículo e a estrada,

por exemplo),aspectosvinculados à

segunda fase doescritor, momento

de linhagemfuturista. Vale

destacar os verbostransmitindo umvalor semântico de

movimento aolongo do corpo do

texto.

RICARDO REIS (1887 – ?)

Ricardo Reis nasceu a 19/09/1887 na cidade do Porto emPortugal. Educou-se em um colégio de Jesuítas, onde estudoulatim, grego e mitologia.Depois disso, estudou medicina,formando-se médico, profissão essa que não chegou aexercer. Em 1919, devido aos ideais monárquicos quedefendia, exilou-se espontaneamente no Brasil, por nãoconcordar com República que se instaurara em Portugal.Em 1924 colaborou com a publicação do primeiro número darevista Athena. Isso leva a crer que "mantinhacorrespondência com o diretor da Revista, no caso, FernandoPessoa". A data de falecimento de Ricardo Reis édesconhecida.

Recebeu uma forte educação clássica em um colégio de jesuítas, tendo se tornado umlatinista por educação e “um semi-helenista por educação própria”. Formou-se emmedicina e, por ser grande defensor do regime monárquico, no ano de 1919,expatriou-se no Brasil para fugir do regime republicano recém-instalado em Portugal.Suas primeiras obras foram publicadas no ano de 1924 na revista Athena, fundada porseu criador, Fernando Pessoa. Posteriormente, entre os anos de 1927 e 1930, oito odesde sua autoria foram publicadas na revista Presença. Seu espírito clássico greco-latinodefiniu o tom de sua obra, sendo nela predominantes temas como as boas formas deviver, o prazer, a serenidade e o equilíbrio. Influenciado pelo epicurismo, sistemafilosófico definido pelo filósofo Epicuro que prega a procura dos prazeres moderadospara atingir um estado de tranquilidade e de libertação do medo, Ricardo Reisdefendia o preceito grego do “carpe diem” (viver o “aqui e agora”). Além doepicurismo, foi influenciado também pelo estoicismo, escola de filosofia helenísticaque rejeitava as emoções e os sentimentos exacerbados.

Relação entre os 3 heterónimosSER . VIVER . SENTIR

Heterónimo segundo Fernando Pessoa

A. Caeiro Engloba todo o seu poder de despersonalização dramática

Ricardo Reis Tem toda a sua disciplina mental, vestida do ritmo (música) que lhe é própria

Álvaro de Campos Tem toda a emoção que não dá nem a ele nem à vida.

Heterónimo segundo David Mourão Ferreira

A. Caeiro Desejando-se um simples homem da Natureza, inteiramente desligado dos valores da cultura. O pretender SER.

Ricardo Reis O desejar VIVER segundo o ensinamento de todas as culturas, sinteticamente recolhidas numa sabedoria que vem de longe, mas que também é pessoal.

Álvaro de Campos Não é tão radical quanto Caeiro na recusa dos valores culturais, mas contesta-os de modo corrosivo.Esforçou-se por SENTIR, em lúcida histeria, de acordo com os ritmos da vida e mundo modernos.

Assim, nos heterónimos pessoanos, encontramos a síntese da arte……de SER, de SENTIR e de VIVER.