FENOMENOLOGIA NA PRÁXIS ARTÍSTICA À TRANS-FORMAÇÃO · 2015-11-01 · em disciplinas de...

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ISSN 2176-1396 FENOMENOLOGIA NA PRÁXIS ARTÍSTICA À TRANS-FORMAÇÃO Lucicleide Araújo de Sousa Alves 1 - UCB Paulo Corrêa Mendes 2 - UCB Grupo de Trabalho Educação, Arte e Movimento Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo À luz da fenomenologia, este artigo socializa a vivência em práxis artística para a trans- formação humana, compreendendo o que se mostra (fenômeno) mediante a relação constituída entre o sujeito autoral e o objeto de sua produção em pintura sobre telas. A pintura é uma das mais antigas e ainda atuais formas de expressão humana e de compreensão da realidade, na qual, o sujeito - criativo e/ou observador, interliga-se ao objeto, desvelando-o enquanto igualmente se transforma. Um processo dialogal que se dá entre sujeito e objeto, por meio de circularidade, recursividade, interações e retroações, permitindo o retorno do sujeito em relação a si mesmo, oportunizado pela reflexão da obra em diálogos entre os mundos exteriores e interiores, os saberes objetivos e subjetivos, a partir do que já se sabe com o que ainda há de ser conhecido, entre o saber consciente e o saber a se revelar para a consciência. Para o alcance dos objetivos realizou-se uma pesquisa qualitativa apoiada numa concepção filosófica construtivista social visando compreender o mundo em que os sujeitos vivem e trabalham, cujo problema foi tratado a partir das interações entre os indivíduos. O desejo por fazer um diálogo entre Fenomenologia e Arte emerge a partir dos estudos do autor e autora do artigo cursistas de programas de pós graduação da Universidade Católica de Brasília UCB, em disciplinas de Mestrado em Educação e Doutorado em Psicologia. Nesse processo 1 Pedagoga pelo Centro Universitário do Distrito Federal (1993). Doutoranda em Psicologia (2014), Mestre em Educação (2010) pela Universidade Católica de Brasília. Especialista em Administração Escolar pela UNIVERSO (1995), Tecnologias em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC_RIO) e Design Instrucional (2015) pelo SENAC. Educadora na Secretaria de Estado de Educação(SEE/DF) desde 1989. Atua em programas de Educação a Distância como tutora em ambientes virtuais de aprendizagem pela UAB/UNB e CEAD/UNB. Atualmente atua em Educação Superior e coordena projetos junto à Coordenação de Mídias Educacionais e formadores dos Núcleos de Tecnologia Educacional, promovendo formação de professores, gestores e estudantes para o uso de Tecnologias na Educação, da SEE-DF. Consultora da Rede Pedagógica da TV Escola - MEC. Atua principalmente nos seguintes temas: Formação de professores, Didática Transdisciplinar, Complexidade e transdisciplinaridade, Tecnologias na Educação, Projetos e Educação a Distância. Pesquisadora do grupo Por ser menina e do grupo Ensino, Aprendizagem e Formação de Professores. Autora dos livros: Didática Transdisciplinar: a teoria (Livro 1) e Estratégias Didático- Transdisciplinares: a prática e a teorização (Livro 2). 2 Docente de Design e Artes Plásticas no IMAD, DF. Mestrando em Educação UCB, DF. Licenciatura Plena - Formação Pedagógica de Jovens e Adultos UNISUL. Graduado em Ciências Econômicas UCB, DF. Membro do grupo de pesquisa ECOTRANSD/CNPq: ecologia dos saberes, transdisciplinaridade e educação. Especialista em Design Editorial e Gráfico pelo Instituto Europeu de Design e IESB. Docente de cursos de Educação Profissional no SENAC DF. Atuou como coordenador, supervisor e docente na área de Design no SENAI-DF de 1989 a 2012. Sócio idealizador do Instituto de Meta-ArteDesign IMAD.

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ISSN 2176-1396

FENOMENOLOGIA NA PRÁXIS ARTÍSTICA À TRANS-FORMAÇÃO

Lucicleide Araújo de Sousa Alves1 - UCB

Paulo Corrêa Mendes2 - UCB

Grupo de Trabalho – Educação, Arte e Movimento

Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

À luz da fenomenologia, este artigo socializa a vivência em práxis artística para a trans-

formação humana, compreendendo o que se mostra (fenômeno) mediante a relação

constituída entre o sujeito autoral e o objeto de sua produção em pintura sobre telas. A pintura

é uma das mais antigas e ainda atuais formas de expressão humana e de compreensão da

realidade, na qual, o sujeito - criativo e/ou observador, interliga-se ao objeto, desvelando-o

enquanto igualmente se transforma. Um processo dialogal que se dá entre sujeito e objeto, por

meio de circularidade, recursividade, interações e retroações, permitindo o retorno do sujeito

em relação a si mesmo, oportunizado pela reflexão da obra em diálogos entre os mundos

exteriores e interiores, os saberes objetivos e subjetivos, a partir do que já se sabe com o que

ainda há de ser conhecido, entre o saber consciente e o saber a se revelar para a consciência.

Para o alcance dos objetivos realizou-se uma pesquisa qualitativa apoiada numa concepção

filosófica construtivista social visando compreender o mundo em que os sujeitos vivem e

trabalham, cujo problema foi tratado a partir das interações entre os indivíduos. O desejo por

fazer um diálogo entre Fenomenologia e Arte emerge a partir dos estudos do autor e autora do

artigo cursistas de programas de pós graduação da Universidade Católica de Brasília – UCB,

em disciplinas de Mestrado em Educação e Doutorado em Psicologia. Nesse processo

1Pedagoga pelo Centro Universitário do Distrito Federal (1993). Doutoranda em Psicologia (2014), Mestre em

Educação (2010) pela Universidade Católica de Brasília. Especialista em Administração Escolar pela

UNIVERSO (1995), Tecnologias em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

(PUC_RIO) e Design Instrucional (2015) pelo SENAC. Educadora na Secretaria de Estado de

Educação(SEE/DF) desde 1989. Atua em programas de Educação a Distância como tutora em ambientes virtuais

de aprendizagem pela UAB/UNB e CEAD/UNB. Atualmente atua em Educação Superior e coordena projetos

junto à Coordenação de Mídias Educacionais e formadores dos Núcleos de Tecnologia Educacional,

promovendo formação de professores, gestores e estudantes para o uso de Tecnologias na Educação, da SEE-DF.

Consultora da Rede Pedagógica da TV Escola - MEC. Atua principalmente nos seguintes temas: Formação de

professores, Didática Transdisciplinar, Complexidade e transdisciplinaridade, Tecnologias na Educação, Projetos

e Educação a Distância. Pesquisadora do grupo Por ser menina e do grupo Ensino, Aprendizagem e Formação de

Professores. Autora dos livros: Didática Transdisciplinar: a teoria (Livro 1) e Estratégias Didático-

Transdisciplinares: a prática e a teorização (Livro 2). 2Docente de Design e Artes Plásticas no IMAD, DF. Mestrando em Educação – UCB, DF. Licenciatura Plena -

Formação Pedagógica de Jovens e Adultos – UNISUL. Graduado em Ciências Econômicas – UCB, DF. Membro

do grupo de pesquisa ECOTRANSD/CNPq: ecologia dos saberes, transdisciplinaridade e educação. Especialista

em Design Editorial e Gráfico pelo Instituto Europeu de Design e IESB. Docente de cursos de Educação

Profissional no SENAC DF. Atuou como coordenador, supervisor e docente na área de Design no SENAI-DF de

1989 a 2012. Sócio idealizador do Instituto de Meta-ArteDesign – IMAD.

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apresentamos a arte como linguagem expressiva, simbólica, como meio de acesso ao mundo

de possibilidades, cujo conhecimento manifesta-se e é compreendido para além de processos

puramente cognitivos e sob visão tipicamente racionalista.

Palavras-chave: Educação. Autoformação. Práxis Artística Fenomenológica.

Introdução

Os seres humanos tem evoluído desde os primórdios até os dias atuais alicerçados pelo

lampejo do intelecto e pela capacidade de encontrarem soluções inteligentes e inusitadas

associadas a processos psíquicos complexos. Concernente à educação, a cada dia mais

pesquisadores empenham-se em desvelar novos caminhos criativos à antropoformação. Neste

contexto, uma das possíveis vias que se apresenta é a fenomenologia artística trans-

formadora, nas dimensões auto-hetero-eco-formadora e nas suas articulações

antropoformadoras (PAUL, 2013).

Para tal, insurge revisitar a definição do que é arte e sua significância na historicidade

da formação humana. Prolificamente, a arte e sua respectiva funcionalidade têm oportunizado

à compreensão humana na linha do tempo, que podemos observar em vários ensaios e, na sua

maioria, com polêmicos enfoques ideológicos, religiosos, culturais, epistêmicos entre outros.

Três abordagens de linhas de pensamentos são comumente evidentes: a arte que se revela e

reinventa por meio da beleza; a arte capaz de propiciar sentimentos do bem e; a arte capaz de

modificabilidade humana por meio de reflexões sobre a condição humana e sua relação com

às coisas do mundo. É nesta última perspectiva que focaremos este estudo, compreendendo a

arte como uma das mais antigas formas de expressividade subjetiva sobre a realidade e de

comunicação da experiência humana para além da objetividade.

Desde os tempos mais remotos, o homem cria técnicas para comunicar-se, entrar em

contato com o universo e, assim, participar ativamente na produção do colorido da vida. É

pela relação do homem com a sua complexa e primeira grande obra de arte (a vida), em pleno

processo de construção e inacabamento, que este vê o mundo à medida que se põe a caminhar

em sua direção e ao entrar em contato com a própria realidade, percebê-la e presentificá-la.

Ao se perceber como uma entre as várias cores que se misturam nesta complexa obra

constituída de relações, onde tudo está em constante movimento e transformação e nada está

separado, o sujeito vai tecendo seu projeto de vida na convivência com o outro, com as coisas,

para que a sua existência possa ser traduzida mediante suas experiências vividas no decurso

de sua caminhada. Esse envolvimento do sujeito nesse mundo complexo de relações, por

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pensamentos e ações imbricados, por cores diversas que se misturam possibilita mudanças e

transformações no olhar do sujeito em relação à vida e constantes aprendizados.

Assim, vida e aprendizagem não se separam, mas entrelaçam-se em um processo

dinâmico, circular, espiralado, ascendente e evolutivo, que conduz o sujeito às incessantes

buscas pelo desconhecido e por um constante movimento de pensar sobre o próprio

pensamento, pela ação e reflexão. Esse processo compreendido por Maturana e Varela (2001)

como meio de conhecer sobre o próprio processo de conhecimento, pelo ato de se voltar para

si mesmo e reconhecer as próprias cegueiras e as outras pessoas como co-partícipes neste

processo construtivo de conhecer sobre o conhecimento, de refletir sobre o irrefletido e assim

ascender para outros níveis de percepção e conhecimento em relação ao mundo.

Ao incluir-se nesta arquitetura, o sujeito faz-se presença não apenas como objeto, mas

também como consciência e força criativa. Neste processo, considerado por Maturana e

Varela (2001) de autopoiese, ou seja, autocriação e autoprodução, o sujeito constrói a

realidade e é por ela reconstruído. Esta possibilidade de transformar a realidade e por ela ser

transformado dá-se sempre por meio da relação do sujeito com seu objeto, de uma

consciência dirigida ao mundo, com capacidades para atuar, agir, no sentido de construir,

desconstruir e reconstruir conhecimento, apreendendo a realidade e ao mesmo tempo,

significando-a. Assim, assegura Ponty (2013) que não há como enquanto humanos

escolhermos entre o mundo e a arte, visto que, entre os ‘nossos sentidos’ e a pintura absoluta:

estão todos entrelaçados.

Este processo de constante circularidade e recursividade entre sujeito e objeto dá-se

sempre de forma relacional. Pensamento e linguagem participando desta mesma pintura, em

um processo de interações e retroações, tanto em meio a momentos de luz quanto em

momentos de sombra, de clareza e escuridão, de noite e de dia, a partir do que já se conhece e

do que ainda há de se conhecer. Visto que, “potencialmente todo sujeito é não apenas ator,

mas autor, capaz de cognição/escolha/decisão”(MORIN, 2008, p. 127), em relação a seu

próprio processo construtivo de conhecimento e vida. Assim, pela participação ativa e

interação uns com os outros, aprende-se vivendo e vive-se para aprender conforme assegura

Maturana e Varela (2001).

Durante o desenrolar deste movimento, a vida se desvela como em uma combinação

de cores, mediante o holomovimento entre o Eu e o Tu (BUBER, 2001), entre o tudo e o nada

(MORIN, 2007), entre o que se faz vida e o que ainda estar por se manifestar (PONTY,

2013), entre o saber objetivo e o saber subjetivo (MATURANA; VARELLA, 2001; PAUL,

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2013), indo-se além do realismo científico para manifestar a essência constituída no

entremeio dessa relação indissociável e complementar entre essas polaridades que são

necessárias e indissociáveis para uma vida criativa e produtiva como assim assegura May

(2009).

Essa capacidade de lidar com esses paradoxos possibilita ao sujeito uma vida

emocional e mais intelectualmente saudável. Visto que, essas polaridades são faces de uma

mesma realidade humana, a de ser e estar no mundo, de ser presença e fazer-se presença, pelo

pensar, dizer e fazer. Este fazer no sentido de agir, pois segundo May (2009, p. 26) “é no

vivenciar essa relação dialética entre sujeito e objeto é que a linguagem humana, a matemática

e outras formas de simbolização nascem e desenvolvem-se”. Acrescenta ainda este autor que

foi entre os dois extremos desse dilema que o homem desenvolveu os símbolos, a arte, a

linguagem e o tipo de ciência que está sempre se expandindo nas suas próprias suposições.

Neste artigo refletiremos sobre a arte da pintura sobre tela como uma das formas de

expressividade da sabedoria humana e de acesso ao mundo e de comunicação que se faz

possível, por meio da relação do sujeito com a arte, pois esta é uma entre as mais diferentes

linguagens capazes de potencializar processos de expressividade humana imaginativa e

criadora. Resultado da vivência do autor e autora durante a produção e desenvolvimento

expresso por meio da linguagem artística sobre a pintura de telas, descrita a partir de 3

“pinceladas”. Na primeira “desenhos” de fundamentos sobre arte e fenomenologia; em

seguida “coloriremos” ao descrever a experiência vivenciada pelos autores na produção

artística a partir da pintura sobre telas entrelaçado pelo seu sentido para o processo de “trans-

formação” sob o olhar da fenomenologia e; por fim, algumas “pinceladas” conclusivas ainda

que provisórias, da vida em eterna “arte-construção”.

Arte e Fenomenologia

Arte, do latin ars, significa técnica ou habilidade humana, manifestadas nas dimensões

estéticas e/ou comunicativas por meio de variados tipos de linguagens, que são classificadas

como artes plásticas, arquitetura, literatura, música, dança, fotografia, cinema, teatro e, na

atualidade, em artes digitais, bem como, nas suas criativas articulações interdisciplinares,

possibilitando variadas novas classificações, que expressam emoções e reflexões na vida à

vida interrelacionadas com às coisas do mundo. Entretanto, muito do que consideramos arte

na atualidade, não era considerado como tal por culturas diferentes da nossa ou pela nossa

própria cultura no passado (BECKETT, 1997).

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A definição do que é arte, demanda um complexo e inconsistente estabelecimento de

parâmetros que acompanha a historicidade e expressa os tempos vividos, culturas e

ideologias, estimulando tanto a consciência do criador da obra e de quem a aprecia, em

diferentes dimensões individuais de percepções, ideias ou emoções. Portanto, por uma

abordagem histórica, uma obra que pode ser considerada como arte numa época em outra

época pode ser considerado como não arte. Enfim, o que aqui apresentamos como relevante é

o ato do fazer artístico capaz do resgate da subjetividade, de abarcar uma oportunidade ao

estudo ontológico do ser que se refere ao ser “em si” e a sua consciência enquanto ser,

refletido nas realidades fenomenológicas que é apresentado ao indivíduo.

Fenomenologia significa o estudo (logos) ou a ciência do fenômeno. Ciência que

requer por parte do sujeito um constante exercício de reflexividade sobre os fenômenos que

se mostram a consciência, tendo como um de seus principais pressupostos a tarefa de

estudar a significação das vivências intencionais da consciência para então perceber o sentido

do fenômeno. Fenômeno, no sentido designado por Husserl, “como tudo que

intencionalmente está presente à consciência, sendo para esta uma significação” (ZILLES,

2002, p. 6). Ou seja, “tudo o que aparece, que se manifesta ou se revela” no mundo físico

(Ibidem, p. 11). Ainda, “tudo aquilo de que podemos ter consciência, de qualquer modo que

seja” (Ibidem, p. 12). “É o que aparece à percepção” (GOMES; CASTRO, 2010), o que se

pode perceber.

Segundo Ponty (2011, p. 3), a fenomenologia estuda a essência da percepção, da

consciência, buscando situá-la na existência, mediante as interações constituídas entre sujeito

e objeto em constante relação. É uma filosofia transcendental que coloca em suspenso, em

epoché, qualquer tipo de julgamento, para uma compreensão das essências das coisas para

além do que se mostra, do aparentemente visível. Enquanto revelação do mistério do

mundo e da razão, a fenomenologia não está preocupada em explicar ou analisar os fatos,

mas de descrever a experiência humana da vida. Descrição esta no sentido de saber falar da

impressão que o sujeito teve ao interagir com o fenômeno, buscando o desvelar de sua

essência no exato momento em que sujeito e objeto entram em relação. Ou seja, a partir do

movimento constituído por uma consciência que vai em direção ao mundo, ao encontro com a

essência das coisas mesmas em relação e movida sempre por uma intencionalidade. “Buscar a

essência da percepção é declarar que a percepção é não presumida verdadeira, mas definida

por nós como acesso à verdade” (PONTY, 2011, p. 14). Até porque, o mundo não é o que

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o sujeito pensa, mas o vivido e por ser inesgotável é impossível possuí-lo. E esta percepção

será sempre a vista de um ponto a partir do qual é possível perceber outros objetos.

Sujeito e objeto nesta relação estão completamente imbricados, atuando ora

como produto, ora como produtores. Ambos são interdependentes e um não existe sem o

outro. Como diz Ponty (Ibidem, p. 4), “o homem está no mundo, é no mundo que ele se

conhece” enquanto parte desse todo indivisível projeta algumas sombras que só existe pela

presença da luz. O mundo fenomenológico não é a explicação de um ser prévio, mas a

fundação do ser; a filosofia não é o reflexo de uma verdade prévia mas, assim como a arte, é

a realização de uma verdade (PONTY, 2011, p. 19). Visto que, “a fenomenologia refere à

subjetividade, que é o sujeito cognoscente, com o objetivo de saber como o sujeito exerce a

capacitação para o conhecimento” (GOMES; CASTRO, 2010, p. 82).

Neste sentido, um dos feitos da fenomenologia foi unir o extremo da subjetividade

ao extremo objetivismo em sua noção do mundo ou da racionalidade:

o mundo fenomenológico é não o ser puro, mas o sentido que transparece na

intersecção de minhas experiências, e na intersecção de minhas experiências

com aquelas do outro, pela engrenagem de umas nas outras; ele é portanto

inseparável da subjetividade e da intersubjetividade que formam sua unidade pela

retomada de minhas experiências passadas em minhas experiências presentes, da

experiência do outro na minha (PONTY, 2011, p. 18).

Neste processo, a reflexão é fundamental. Reflexão esta no sentido de colocar todos

os apriori entre parênteses para ver brotar as transcendências, o inusitado, o novo, aquilo que

se faz presença no exato momento em que o sujeito entrega-se e desprende-se de

quaisquer julgamentos para contemplá-lo, apreendendo o mundo à medida que caminha em

sua direção. E por meio da linguagem fazer as essências presentes nesta relação existirem,

tomando-se consciência dela, pela busca daquilo que de fato são para nós antes de qualquer

conceito já em nós impregnado, antes de qualquer retorno sobre nós mesmos. Mas apresentar

o mundo tal como o é para nós, tal como o percebemos.

A fenomenologia enquanto filosofia ensina a reaprender a ver o mundo sob novas

óticas mediante a atitude de espanto e admiração. Nesse sentido, pela postura

fenomenológica é possível entrar em movimento pela contemplação de uma obra de arte

ou mesmo durante o estado de sua criação. Visto que uma pintura pode significar o mundo

em profundidade, pode ser instrumento da expressividade humana.

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Práxis artística fenomenológica

A vivência da práxis artística utilizou a técnica mista, combinando colagens e pinturas

com tintas acrílica e óleo sobre tela. Técnica oportunizada durante realização de uma

Formação em Docência Transdisciplinar, cujos autores foram partícipes, atuando como

discente e docente. O desenvolvimento do programa de formação e esta pesquisa-ação

investigativa foi realizada nas dependências do futuro Instituto de Meta-ArteDesign – IMAD,

no Distrito Federal, que teve início no ano de 2014, em contínuo. Caracteriza-se como uma

vivência práxis em artes e ao mesmo tempo como uma formação continuada em didáticas

transdisciplinares de ensino e aprendizagem, cujos encontros docentes se dão uma vez por

semana, nas tardes dos sábados. Relevante salientar que todos os docentes participantes são,

por vezes, discentes e aprendentes.

A experiência logo abaixo relatada aconteceu em três encontros vivenciais. O

primeiro ocorreu no último sábado do mês de Março de 2015 e nos dois sábados

subseqüentes do mês de Abril de 2015. O desejo por fazer um diálogo entre Fenomenologia e

Arte emerge a partir dos estudos dos autores do artigo cursistas de programas de pós

graduação da Universidade Católica de Brasília – UCB, em disciplinas de Mestrado em

Educação e Doutorado em Psicologia; bem como, das seguintes perguntas mobilizadoras: O

fazer artístico à luz da Fenomenologia oportuniza uma trans-formação do ser? Quais

ponderações emergem das interrelações do sujeito (o artista) com o objeto (sua obra de arte)?

Para o alcance dos objetivos realizou-se uma pesquisa qualitativa apoiada numa

concepção filosófica construtivista social visando compreender o mundo em que os sujeitos

vivem e trabalham, cujo problema foi tratado a partir das interações entre os indivíduos. Visto

que quando imersos na própria cultura os sujeitos estão inevitavelmente aprendendo o tempo

todo, a partir das experiências e ideias que compartilham e vivenciam com os seus pares.

A pesquisa caracterizou-se como uma pesquisa prática – Pesquisa-Ação participativa

ou cooperativa, que segundo os autores: Hernández Sampieri, Fernández Collado e Baptista

Lucio (2013) tem por finalidade resolver problemas cotidianos e imediatos e melhorar

práticas concretas, onde os membros do grupo, organização ou comunidade atuam como

copesquisadores. Assim, nesta Pesquisa-Ação, os pesquisadores e ao mesmo tempo os

participantes interagiram numa dinâmica de interação, que retroalimentou e reformulou

constan temente, tentando superar visões estanques, onde a participação dos sujeitos foram

consideradas como um dos elementos do próprio fazer científico, integrando teoria e prática

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por meio da coprodução de conhecimentos entre os participantes-pesquisadores por meio de

processos comunicativos e colaborativos.

Percursos, resultados e discussões da práxis artística fenomenológica

Para o desenvolvimento da primeira etapa de produção artística foram utilizados

pinceis, espátula, tinta em cores variadas, revistas, cola, tesoura, régua (Figura 1). Sob a

orientação do professor/mediador, primeiro a discente pintou duas telas na cor cinza

para preparação da base da tela, necessário para garantir durabilidade da obra e facilitar os

processos da pintura. Enquanto as telas secavam a discente foi orientada a folhear revistas,

para escolher gravuras que achasse interessante para fazer parte da composição visual da obra,

visto que a técnica utilizada é a técnica mista, que une pintura e imagens impressas ao mesmo

tempo.

No início, foi difícil escolher as imagens impressas. Porém, sob a orientação do

professor, dando dicas quanto a imagens fortes e de boa qualidade compositiva, legibilidade,

força conceitual, ampliou-se o olhar e finalmente as imagens impressas foram selecionadas e

destacadas das revistas. Dica também do professor para escolher muitas imagens, sem ainda

tentar achar um conceito temático. Algumas delas acabariam estimulando a mensagem

criativa que o artista quer expressar. Na oportunidade alertou que na utilização compositiva

muitas seriam deixadas para outras obras, conforme a temática escolhida pela aluna. Assim,

após escolha do conceito a ser trabalhado na obra artística, muitas imagens foram descartadas

para serem utilizadas em outros momentos criativos.

Figura 1 – Materiais utilizados: telas, tinta, tesoura, régua, caneta, revista.

Fonte: Paulo Mendes

Nesse processo “Entre a razão lógica e as pulsões inconscientes cada ser humano se

defronta com escolhas. A pertinência das escolhas, paradoxalmente, não é necessariamente

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associada à parcialidade da lógica em desfavor das pulsões” (PAUL, 2013, p. 91). Visto que,

a realidade é sempre dialógica e os resultados de nossas escolhas, dos nossos

comportamentos são fruto de negociações muito mais entre opostos do que da anulação do

inconsciente em favor do consciente. Até porque isso significaria sufocar o gênio criador

que habita cada ser humano e com ele suas potências vitais. Saber abraçar a sombra

(insegurança, medo) que nos habita de modo a entendê-la e a transcendê-la, saber lidar com

a unidualidade humana (consciência/inconsciência) presente em cada ser, reconhecendo-a a

partir da escuta sensível das limitações do próprio corpo é processo desafiador em cursos de

formação, pois muitas das vezes os sujeitos envolvidos nessas práxis não se autoreconhecem,

não permitem revelar as próprias sombras.

Segundo Chopra (2010, p. 12) “a sombra é um campo fértil a ser cultivado” e

contrário ao que pensamos “é nossa luz e não nossa sombra que mais nos amedronta” (Ibid,

p. 232), pois quanto mais conhecemos mais ascenderemos em níveis de consciência e mais

serão as possibilidades para provocarmos transformações em outros que nos rodeiam, pois

“quanto mais forte for a luz, maior a sombra” (Ibid, p. 79), maiores serão os desafios, e assim

melhores nos tornamos enquanto humanos, possivelmente. A sombra diz respeito a tudo

aquilo que nos impede de transcender, de nos humanizar, de resistência ao novo, de

rompimento com nossas próprias cegueiras epistemológicas tendo em vista a busca por um

conhecimento mais integrado.

Após as telas secas, a discente recebeu informações sobre fundamentos geométricos,

divisão áurea do espaço e subdivisão do todo em partes harmônicas, criando no cruzamento

das linhas pontos de referências de harmonia entre o todo com as partes. Para o traçado foi

utilizado régua e caneta, marcando pontos e ligando-os de um ponto a outro, montando retas

entrelaçadas em forma de uma rede de pontos interconectados (Figura 2). Após os riscos

feitos sobre a tela, a discente passou a escolher a imagem e fazer estudo onde colar as

imagens, ancorando-as nos pontos e linhas obtidas. Após a definição, foi feita a colagem da

imagem sobre a tela, após recorte das imagens impressas próximas que não seriam utilizadas.

No momento de colagens das gravuras, sem formas e sem modelos a seguir, a insegurança e

indecisões emergem.

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Figura 2 – Pintura das telas na cor cinza e traços

Fonte: Paulo Mendes

Notou-se então a importância do papel do professor/mediador como encorajador,

motivador e fortalecedor da autoconfiança, impulsionando a aprendiz (a discente) a seguir em

frente, com palavras de incentivo: “Pode continuar que você gostará do resultado ao final

da produção da tela”. A partir desta frase é possível concluir a importância da presença atenta

do professor nesse processo para o estudante sentir-se seguro e confiante na realização de sua

produção. A seguir em frente sem medo de errar, de ousar, conduzindo a seu próprio modo a

discente a experimentar processos criativos sem limites, ou presos a modelos. Visto que, seu

papel consiste em conduzir olhares para a essência das coisas, sob uma perspectiva diferente,

além do véu que as ofuscam, tendo em vista ir-se além, pela desconstrução de olhares até

então já construído. A arte possibilita atravessar olhares para além do que se mostra. A arte é

porta de acesso ao mundo. Neste sentido, outras perguntas para além das inicialmente

constituídas surgiram: Como ver para além do que se mostra? Como desconstruir o

construído e construir o novo a partir do velho, do já conhecido para reconhecer outro de

modo reconstruído?

Neste processo de encontro entre a experiência vivida e ainda a se viver o sujeito

vai encontrando e construindo as próprias formas de dizer, de se expressar, de materializar o

imaginado, de acordo com suas experiências durante a vida, criando a sua própria forma

criativa de tessitura e de elaboração de conhecimentos mediante a expressividade pela

linguagem simbólica e artística. Neste processo de elaborar que requer do sujeito a tomada

de decisões a todo tempo a partir das suas próprias escolhas, os caminhos vão sendo

construídos e reconstruídos, o que permite dizer que aprender é movimento, é tessitura

reconstrutiva que muitas das vezes os resultados fogem dos inicialmente pensados, pois

a cada ponto de bifurcação, a cada colagem, pincelada, um novo caminho se abre para

novas aventuras neste processo de conhecer pela arte, pelo envolvimento do artista com a

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própria obra, que requer autoria, criatividade. Tudo isso expressa pelas vivências e

aprendizados construídos ao longo da vida. Um constante processo em que o sujeito artista

projeta-se em busca de um horizonte, de um ideal a ser vivenciado em consonância com sua

própria história de vida.

No processo de apreender a realidade baseado na produção artística, o sujeito

necessita integrar os conhecimentos já anteriormente acoplados em seu ser com os ainda a

serem incorporados e assimilados com significância, para dar novos sentidos ao que ainda

não faz sentido. A descrição da realidade na perspectiva da fenomenologia, os autores da

obra também passam por momentos em que seleciona, erra, retorna, compreende o erro e o

reconstrói no sentido de materializar o pensado. Para a arte o erro é apenas mais um processo

para um novo recomeço e uma nova reconstrução. Requer dos sujeitos, por outro lado,

habilidades e competências para apreenderem e materializarem o conhecido de acordo com

os desafios assumidos. É um processo que requer muitas idas e vindas, persistência,

disciplina, envolvimento com a obra de arte. Um encontro da razão com a emoção, da

motivação interna e externa no sentido de estabelecer o encontro com equilíbrio e

materializar o percebido, pelo estabelecimento do encontro entre o saber objetivo (reflexivo)

e o saber subjetivo (pré-reflexivo), do pensamento e da emoção.

A confiança, a espera, a clausura operacional são alguns caminhos possíveis para

interconectar os saberes em prol do prazer e da satisfação de ver o seu objeto sendo

criado e materializado. Criador e criatura nesse processo entram em processo de simbiose,

cuja relação se entrelaça de tal forma que produtor e produto são duplos e ao mesmo tempo

únicos, em que um depende do outro, não vive sem o outro, ambos atuam e convivem em

relação, modificando-se mutuamente.É vida que gera saber e este saber regenera o próprio ser.

Aprender, portanto, nesta perspectiva de interações e retroações requer movimento,

cujo protagonista busque participar de uma rede de significado e significância à medida que

ao ir à busca do conhecimento, o sujeito se envolva, entregue-se, emitindo toda a sua energia,

em profundidade, tendo em vista estabelecer o encontro, concretizar o tão desejado

conhecimento, presentificar o fenômeno. É um eterno movimento em que tanto o olhar do

observador quanto o do observado são importantes, interdependentes e cujo processo tanto

altera a ótica do artista em relação à obra, à vida, ao meio, quanto esta também é

transformada.

No desejo de ver a obra ser produzida, o sujeito vai fazendo escolhas, traçando os

caminhos com pinceis e tintas que o leve a superar os obstáculos, a transcender para atingir

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os objetivos, ou seja, materializar o vivido ao se mostrar. Sair de um contexto do mundo

imaginário para o mundo real. Neste processo é possível compreender os autores Maturana e

Varela (2001), quando dizem que vivemos para aprender e aprendemos para viver. Ou seja,

vida e aprendizagem não são processos separados, mas completamente imbricados.

Assim, é mister dizer que o autoconhecimento é condição humana necessária a ser

ensinado em contextos formativos para que o educador ao voltar o olhar para dentro de si

mesmo possa se colocar no centro de seu eu, na perspectiva de ascender-se para outros

níveis de realidade e percepção no que diz respeito à vida tanto pessoal quanto

profissional. Tudo isso mediado por processos cognitivos, afetivos e operacionais.

Em relação aos processos construtivos de conhecimentos em ambientes formativos,

os momentos de sombras, de escuridão, de insegurança, de falta de confiança, entrelaçam-

se, se atravessam e se esmaecem a todo o momento entre os caminhos de luz,

constituindo-se realidades intimamente interligadas, partes constitutivas de uma mesma

existência, ou seja, a da condição humana de ser e existir. Por conseguinte, desafiando o

sujeito/aprendiz/educador a fazer escolhas, tomar decisões, a entregar-se, sintonizando-se

com a vida, sem se deixar dominar por um ou outro (luz/sombra). Isso requer de certo

modo reconhecimento de nossa própria condição humana, pelo encontro consigo mesmo,

para melhor percepção sobre nossas capacidades e disposição para irmos além, pois segundo

Morin (2010), é neste ‘além’ que tem lugar a plenitude da humanidade.

Apostar na possibilidade de a condição humana se realizar na sua inteireza é levar em

conta a relação dialógica entre o sapiens e demens (MORIN, 2007), a luz e a sombra

(CHOPRA, 2010). Acreditar que o sim-bólico e o dia-bólico (BOFF, 1998) são facetas da

mesma realidade permite uma compreensão mais intensa e significativa da realidade atual

de formação de professores. Buscar, ainda, uma sinergia que brota da teia da vida, na

qual se entrelaçam a ordem e o caos, é potencializar a vida para que possa ser vivida em

sua plenitude e possa viver o dilema humano, como a capacidade do homem de se perceber

nesse todo ora como parte, ora como todo, ora como objeto, ora como sujeito. Visto que, são

faces necessárias a serem reconhecidas à ciência psicológica, à existência significativa e

podem propiciar o desenvolvimento humano, bem como o aprofundamento e ampliação da

consciência humana.

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Um olhar fenomenológico sobre o olhar que olha...

Com todas as suas cores, texturas, traços, formas, figuras, profundidade, movimento,

a obra de arte finalmente emerge, compondo desta forma a produção artística colocada como

um dos desafios da primeira etapa da formação. No desfecho da obra o sujeito já está

totalmente a vontade com o fenômeno apreendido que já nem mais deseja dissociar-se

da relação fortemente constituída. Por outro lado é grande a alegria e a satisfação de ver a

obra finalizada, de se ter chegado aos objetivos traçados. Durante o processo de

desenvolvimento da obra, alternam-se sentimentos de insegurança, medo, incertezas. Ao

concluir a obra, os sentimentos passam a ser de orgulho por parte do artista por ter sido

capaz de produzir algo até então não pensado em todos os detalhes a priori. Estas emoções

sentidas funcionam como impulsionadores ao sujeito para que este possa perceber o quão o

ser humano é capaz de pensar, produzir e saber dizer sobre a experiência vivida, por meio de

outras linguagens para além da razão.

Assim, no entremeio da relação constituída entre o artista e sua obra de arte (o

fenômeno) a cada novo processo, novas aventuras se instalam, a cada produção um novo

extrapolar de limites. Superar-se é a palavra chave para apreender a realidade e a

presentificá-la por meio da expressividade da produção artística, neste contexto, por meio da

pintura mista em telas.

Por meio desta experiência a discente ficou totalmente motivada para se inserir em

novos desafios. A estabelecer novas relações com outros novos fenômenos a serem

instaurados, novos conhecimentos a serem apreendidos e integrados com os já de antemão

constituídos. É aprendizado, é vida em movimento gerando e regenerando-se o tempo

todo. Um novo ser se transforma e é transformado a cada dia, a cada novo desafio, a cada

vez que se relaciona com a vida, consigo mesmo e com as experiências do outro que são

fundamentais para enriquecer os olhares de outrem a partir de suas experiências também

vividas durante o percurso da vida. A obra concluída é o resultado não apenas dos sujeitos

principais que a produziram (discente e professor mediador), mas de uma inteligência

coletiva, de um desenvolvimento histórico-cultural desde séculos que perpassaram e

perpassam ainda hoje os tempos atuais, fortalecendo e fazendo evoluir a história de

gerações e das gerações desta sociedade contemporânea.

Alguns retoques no que ainda estava faltando (Figura 4) e por fim com o seu toque de

mestre, o professor mediador demonstrou e alertou para o uso possível de linhas e círculos,

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sobre as duas partes da obra, objetivando uma maior integração harmônica entre às partes com

o todo constitutivo da obra fenomenológica (Figura 3).

Figura 3 - Um toque de mestre!

Fonte: Paulo Mendes

Figura 4 - Aprendendo com o mestre. Concluindo a obra!

Fonte: Paulo Mendes

Figura 5 - Produção artística concluída.

Fonte: Paulo Mendes

Como é uma obra composta por um díptico (Figuras 5 e 6), conforme rotacionamos

cada parte da obra, formas, simetrias, cores análogas, linhas contínuas que transpassam de

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uma tela até a outra tela permitem composições variadas. Abordagens de possibilidades de

ver ou refletir sobre um mesmo fenômeno.

Figura 6 - Mudam-se as telas e um novo quadro surge!

Fonte: Paulo Mendes

A relação entre a obra simbolizada, a linguagem por meio de seu relato e a sua

interpretação aqui expressa neste formato de artigo traduzem a tessitura aparentemente

paradoxal entre o mundo reflexivo e não reflexivo, entre o que se vê e o que se mostra.

“Esses laços fazem aparecer o ‘motivo’, ou seja, o ‘desejo’ da tecelagem (ou do tecido),

nesse caso o próprio sujeito, que se situa sempre no ponto de junção entre o que ele sabe e o

que ignora (entre conhecido e desconhecido, aparente e oculto, entre si mesmo e os outros)”.

(PAUL, 2013, p. 101).

O fazer pedagógico, neste sentido, pode ser comparado ao fazer artístico

compartilhado pois este é, por si mesmo, a expressão, o veículo e a força motriz dos

relacionamentos humanos. O criativo e receptivo, o fazer e o sentir formam um par que vibra

em harmonia, em mútuo relacionamento e mútua interação. Quando está viva, a arte vibra na

mesma freqüência dos corações. A ressonância que sentimos em nós é um sintoma de

identidade com o que soa. Qualidade, beleza, transcendência são alguns conceitos que não

podem ser definidos racionalmente, mas podem ser reconhecidos quando o ser (autor) entra

em ressonância com o objeto (arte). Não importa quantas vezes lê-se, ousa, ou admira-se

uma obra de arte que tanto se ama, ainda assim é possível sentir algo novo nela, porque a

cada dia o sujeito é uma pessoa diferente, mas também porque existe nela uma amplitude

ou multiplicidade de aspectos capazes de entrarem em ressonância com as mutáveis versões

de si mesmo. E toda essa reconstrução depende das inúmeras experiências construídas em

relação à vida sobre o próprio olhar de quem a olha que será sempre único e insubstituível.

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Algumas pinceladas conclusivas

Quanto mais o sujeito conhece, mais experiência acumula durante a vida e maior é o

grau de consciência e amplitude de sua responsabilidade para com a vida em si e de todo o

planeta. Quanto mais se evolui, mais se está em busca de conhecer a existência. Quanto

mais se avança em busca do desconhecido, do transcendente, do utópico, mais consciência

vai se tomando perante a vida e dos processos que os incita à busca pela felicidade, pelo bem

viver, pela plenitude.

Nesse sentido, reconhecer e superar as próprias limitações, assumindo as faces opostas

da complexidade humana, que ao mesmo tempo atuam ora como sujeito ora como objeto,

complementando-se, é experimentar a condição humana de ser sujeito/aprendiz que interage

na luz e sombra. É cuidar da unidade humana que traz em si os princípios de suas múltiplas

diversidades, ou seja, sua diversidade na unidade ou vice-versa. Assim, em contextos de

formação de educadores “é preciso conceber a unidade do múltiplo, a multiplicidade do

uno” (MORIN, 2010, p. 53) em todas as suas esferas mediadas pelo processo do

autoconhecimento (aprender a ser) com vistas ao desfrute da vida em plenitude, com base na

convivencialidade, alimentadas, segundo Morin (2011), pela ética, a esperança, a harmonia, a

solidariedade; o contexto e o global; e, o sentido do amor e do fazer artístico compartilhado.

Assumir uma postura fenomenológica, neste sentido, como proposto por Merleau-

Ponty ajuda o sujeito a encontrar-se com a própria potencialidade manifestada, pelo

exercício de uma escuta sensível, capaz de se autoperceber e perceber o outro. A sensibilizar-

se diante do vivido, a ter consciência sobre o próprio conhecido, a apreender o mundo em

toda sua inteireza, construindo-se e reconstruindo-se com ele numa relação contínua de

interdependência.

Neste sentido, concluímos que a fenomenologia é uma postura filosófica, um recurso

epistemológico rigoroso e efetivo método para conduzir reflexões em curso de formação

sobre o conhecimento manifestado durante o processo de produção artística, bem como

sobre a existência e sobre o mundo. A arte traduz-se como um dos caminhos favoráveis para

inserção do sujeito como autor e abertura para possibilidade de seu resgate enquanto sujeito

que pensa, outorga sentidos e reconstrói-se no caminhar ao longo da vida.

Assim, concluímos a partir da epígrafe abaixo proferida:

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daí a importância de encorajar uma nova ciência, mais ampla e mais interativa,

fenomenológica e hermenêutica, que ao descrever a realidade em vários níveis

articulando consciente e inconsciente nos fizesse compreender que nós próprios nos

descrevemos. Essa ciência favoreceria o elo entre conhecimento e autoconhecimento

ao envolver cada um em um trajeto histórico como cognitivo. (PAUL, 2005, p. 81).

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