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    INTRODUO

    N a maioria dos pases do mundo, a opinio pblica e os eleitorestm expressado mal-estar e descrdito com os sistemas polti-cos em geral e com o representativo em particular. Nos pases de de-mocracia recente ou redemocratizados, atribui-se ao sistema polticoe aos seus representantes a responsabilidade pela incapacidade de seresponder s expectativas geradas pela democracia. Ademais, vemganhando espao a viso de que os legisladores buscam apenas a ma-ximizao de seus auto-interesses, o que geraria polticas pouco uni-versalistas, fisiologismo e clientelismo.

    Paralelamente a esse ceticismo, o mainstream acadmico passou a

    questionar a capacidade explicativa das macroteorias sobre o funcio-

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    * Este trabalho resultado do Projeto Integrado de Pesquisa Demandas Regionais eLocais no Processo Decisrio Nacional, realizado com o apoio do Conselho Nacionalde Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico CNPq. Agradeo Mrcia Blumm, aAndr Borges e aos bolsistas de Iniciao Cientfica Alex Bruno F. Santos e CassandraCostaPinto,peloempenhoededicaoaolongodapesquisa,eaMarkSetzler,aVicen-te Palermo, ao Grupo de Poltica do Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento CEBRAP e aos pareceristas annimos de Dados, pelos excelentes comentrios e suges-tes.

    DADOS Revista de Cincias Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 46, no 2, 2003, pp. 345 a 384.

    Federalismo e Conflitos Distributivos: Disputados Estados por Recursos Oramentrios

    Federais*

    Celina Souza

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    namento dos sistemas polticos. Assim, diferentes disciplinas dascincias sociais passaram a privilegiar, sob o rtulo abrangente deneo-institucionalismo (NI), o estudo do papel das instituies e dos

    processos de institucionalizao na intermediao de interesses e nosprocessos de ao coletiva. O NI recorre, sempre, a um nvel interme-dirio(oumeso)deanliseparaentendereexplicarosprocessospol-ticos e decisrios.

    Apesar de caminhos e escopos diferentes, o NI busca respostas paraduas questes fundamentais anlise institucional: qual a relao en-treinstituiesecomportamentodosatoresecomoexplicaroproces-sopormeiodoqualasinstituiesnascemesetransformam.Atenta-

    tiva de responder primeira indagao o objetivo deste trabalho,que procura aprofundar as discusses sobre a relao entre o federa-lismo como instituio e o comportamento dos atores as bancadasestaduais , mediante a investigao e a compreenso de como essasbancadasprocessamenegociamasemendasaooramentofederalnombito da Comisso Mista de Planos, Oramentos Pblicos e Fiscali-zao,maisconhecidacomoComissoMistadeOramentoCMO.Apesquisa feita por via da anlise das emendas ao oramento, pro-postas pelos parlamentares de trs estados da Federao Bahia, Cea-

    r e Paran no perodo 1995-1999.

    Desde a redemocratizao e a promulgao da Constituio de 1988,o Brasil passou a ser um dos pases mais descentralizados do mundoemdesenvolvimentonoquesereferedistribuioderecursostribu-trios e de poder poltico. No entanto, apesar da descentralizao fi-nanceira, estados e municpios continuam pressionando o governofederal por mais aes financiadas por tributos federais, tendo, inclu-sive, federalizado inmeras vezes parte de suas dvidas.

    Argumentou-se anteriormente, com base em dados secundrios, queexiste no Brasil uma diviso dos recursos nacionais/federais que fun-ciona de forma a manter o equilbrio federativo do pas e a acomodardemandasconflitantesemumpascomaltograudeheterogeneidaderegional. Alegou-se, tambm, que as desigualdades regionais foramhistoricamente acomodadas pelo Executivo e pelo governo federal,que administram os desequilbrios (regionais) promovendo uma di-viso dos recursos pblicos nacionais mediante regras formais e in-

    formais(Souza,1997;1998)1.Issoporqueofederalismobrasileironas-ceu sob a gide da acomodao das desigualdades regionais pela via

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    danegociaoderecursosfederaisbaseadaemregrasformaiscons-titucionaiselegaisquepoucocontribuemparaapromoodaequa-lizao fiscal entre estados e regies, deixando amplo espao para a

    adoo de regras informais2

    .

    Negociaes baseadas em regras informais tornaram-se mais com-plexas com a redemocratizao porque as lideranas subnacionaisaumentaram seu poder de barganha, tornando os conflitos federati-vosmaisintricados.Conseguirmaisrecursosfederaisparaosestadostambm ficou mais difcil devido poltica de ajuste fiscal. Alm domais, a Federao brasileira no s no mais se caracteriza como sen-do dominada por alguns poucos estados, como no passado no to

    distante, mas por um sistema complexo de dependncia poltica e fi-nanceira entre as diferentes esferas de governo, embora com poderesdesiguais, como tem sido marcada por fortes desigualdades regionaise por escassos mecanismos de equalizao fiscal que compensem ashistricas assimetrias econmicas e sociais entre as regies.

    nesse cenrio que recebe impactos da redemocratizao, da polticadeajustefiscaledeumaFederaomarcadapordesequilbriosregio-nais que a disputa por recursos federais se desenrola. O entendimen-

    todadivisodosaportesfederaisporviadaanlisedasemendasdosparlamentares apresentadas CMO e dos resultados de algumas po-lticas pblicas, como o Sistema nico de Sade SUS e a seguridadesocial, permite aprofundar nosso conhecimento sobre como so aco-modadas as tenses que ocorrem na Federao.

    NoBrasil,hpoucostrabalhosqueinvestigamoCongressocomoalo-cador de recursos pblicos3. O longo perodo de regime militar, emqueopapeldoCongresso,dosgovernadoresedosprefeitosnadefini-

    o e negociao de polticas era secundrio, embora os mesmos te-nham contribudo para a legitimao do regime (ver Medeiros, 1986), parcialmente responsvel pela falta de estudos nessa rea, que, afi-nal, comeam a ser retomados4.

    Este trabalho busca ampliar o entendimento do comportamento dasbancadas estaduais na questo oramentria5. Na verdade, persiste anecessidade de anlises mais especficas, em especial da tica do fe-deralismo,quetomemosestadosindividualecomparativamente,so-

    bretudo na esfera em que a disputa por recursos federais mais vis-vel, ou seja, na CMO.

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    Bahia, Cear e Paran foramselecionados para testar tanto os referen-ciais tericos sobre os quais a pesquisa se apia como a hiptese detrabalhoadiantemencionada.Essesestadosforamescolhidosporque

    so territrios que partilham vrias caractersticas comuns. Primeiro,suas lideranas polticas tm conseguido manter, at recentemente,grandecontrolesobreasinstituieseosprocessosdecisriosestadu-ais, o que poderia indicar um comportamento razoavelmente homo-gneo das representaes estaduais na disputa por recursos federais,na linha do argumento de que os governadores exercem influnciasobresuasbancadasnoCongressoNacional.Segundo,ostrsestadosrepresentam uma amostra, embora restrita, de duas regies, Nordes-te e Sul, que vm buscando, nos ltimos anos, elevar sua posio nas

    esferas poltica e econmica nacionais vis--vis o Sudeste, dado queso estados que conseguiram, nas ltimas dcadas, importante cres-cimento relativo de seus PIBs comparativamente a outros estados, damesma forma que so considerados os mais ativos protagonistas dachamada guerra fiscal. Ao mesmo tempo, ao selecionar dois estadosdo Nordeste e um do Sul, a amostra captura a extrema diversidade re-gionaldoBrasil.Apesardeaamostraapontarparamaissemelhanasdoquediferenasentreostrsestadosdopontodevistapoltico,den-tro do Congresso e no interior da CMO seus representantes tiveram

    agendas e estratgias diferenciadas, como se ver adiante6.

    O trabalho parte da constatao de que desde a redemocratizao e apromulgao da Constituio de 1988, o Brasil passou a ter um siste-ma poltico-tributrio bastante descentralizado, inclusive para os pa-dres internacionais. No entanto, estados e municpios continuampressionandoogovernofederalpormaisrecursos,sendoasemendasao oramento federal uma das janelas de oportunidade para a ob-

    teno dos mesmos. Apesar de a disputa por recursos escassos serguiada por regras definidas pela CMO, os resultados alcanados pe-los estados em questo no so semelhantes. Baseado nessa constata-o, o artigo busca resposta para trs questes centrais:

    a) por que o federalismo influencia a negociao de recursos federaispelas bancadas estaduais que se realiza na CMO;

    b) como as representaes estaduais negociam suas demandas naCMO e quais seus resultados; e

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    c) de que maneira so administradas as tenses decorrentes de umaFederao que conta com mecanismos insuficientes de equaliza-o fiscal.

    O federalismo aqui tomado, ao mesmo tempo, como uma varivelindependente, que influencia o comportamento dos parlamentares, ecomo uma varivel dependente, que condiciona a forma de distribui-o dos recursos oramentrios.

    Otrabalhoquestionaduashiptesespreexistentes:umasobreopapeldas emendas ao oramento federal e a outra sobre a distribuio regio-nal dos recursos federais. A primeira que as emendas apresentam

    to-somente resultados negativos por bloquearem as possibilidadesde aes universais e nacionais, fortalecendo as tendncias ao fisiolo-gismo, ao clientelismo e aos interesses individuais dos parlamenta-res. A segunda que as regies economicamente menos desenvolvi-das so mais beneficiadas pelos recursos oramentrios federais ten-do em vista sua sobre-representao no Congresso Nacional.

    Ahipteseaseraquitestadaadequeodesenhodofederalismobra-sileiro no incorporou, desde a sua origem, a busca por uma maior

    equalizao fiscal entre as unidades federativas, razo pela qual exis-tem incentivos para os congressistas montarem estratgias capazesde aumentar a cota de recursos nacionais para seus estados. Isso por-que na distribuio da receita nacional convivem regras distributivasformais (constitucionais) e informais (negociadas caso a caso) comouma das formas de a Federao brasileira manter a unidade de seusentes constitutivos. As regras formais e as informais, estas ltimaspodendo ser encontradas em vrias decises legislativas e governa-mentais, inclusive nas emendas ao oramento, incentivam os parla-

    mentares, at mesmo de estados mais bem posicionados economica-mente,aproporemtaisemendas,noapenasparasereelegeremouseelegerem para os Executivos subnacionais, mas tambm para conse-guiremmaisrecursosfederaisdiantedapoucaeficciadasregrasfor-mais de equalizao fiscal.

    Para a construo do modelo hipottico de anlise, tomou-se comoreferncia a proposta de Weaver e Rockman (1993). Estes autores exa-minamaspolticaspblicaspelaticadoimpactodasinstituiespo-

    lticas nacionais na estruturao das relaes entre parlamentares,grupos de interesse, eleitorado e Judicirio. Nessa concepo, o siste-

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    ma federativo tomado como uma instncia de veto exgena s rela-es entre Executivo e Legislativo, podendo resultar em polticas in-coerentes. Essa abordagem, aqui adotada como guia para analisar o

    comportamento das bancadas estaduais na CMO, traz subjacente, noentanto,umavisodasinstituiescomoumconjuntodensinterco-nectados, por meio dos quais aes podem ser bloqueadas. Com issono se quer dizer que o entendimento sobre as instncias de veto nacadeia decisria (Immergut, 1996) e sobre os veto players (Tsebelis,1995) no seja perseguido, mas sim que, ao se desprezar os aspectosespecficos que informam e conformam a constelao de incentivos econstrangimentos que moldam as estratgias dos atores polticos,algo importante talvez se perca na anlise.

    Tomando por base a proposta de Weaver e Rockman (1993), ligeira-mentemodificadaparaadapt-laaoentendimentodocomportamen-to dos congressistas, a hiptese de trabalho resumida na Figura 1,que baliza a anlise da trajetria das demandas estaduais na CMO.

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    Figura 1

    Determinantes do Processo Decisrio no Outputdas Emendas Oramentrias

    desenham as

    que influenciam a capacidade dosparlamentares de fazerem

    escolhas sobre onde alocar recursos federais

    Fatores/Constrangimentos Institucionais

    caractersticas dos processos decisrios

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    O fator/constrangimento institucional considerado o desenho dofederalismo brasileiro, em particular do federalismo fiscal, que cons-truiu mecanismos insuficientes de equalizao fiscal entre estados e

    regies. Uma das principais conseqncias dessa caracterstica queos conflitos distributivos so sempre mais agudos. Ademais, com apoltica federal de ajuste fiscal, passaram a existir menos recursos na-cionais a serem distribudos para o amortecimento das tenses regio-nais.Comoresultado,osconflitosnointeriordaCMOtambmsetor-nam mais complexos.

    A tarefa analtica , pois, identificar as ligaes entre o federalismocomo instituio e o comportamento das bancadas estaduais na

    CMO. Busca-se, assim, conhecer melhor de que forma as demandasestaduais relativas implementao de aes que se daro nos seusterritrios ganham salincia no oramento federal. Alm do mais,procura-se entender como os parlamentares estabelecem redes de li-gaes na CMO para a defesa de projetos de seu interesse. Essas redesso geradoras de relaes extraparlamentares e, algumas vezes, ex-trapartidrias estas ltimas no porque os partidos no contam,massimpelasregrasdaCMO,quepassaramaestimularacooperaoentre membros de partidos diferentes que representam seus estados e

    at mesmo entre parlamentares eleitos por outros estados.

    Dessaforma,esteartigoaumentaofocodeobservaosobreapartici-pao dos interesses estaduais no mbito do Legislativo nacional,examinando, principalmente, como tenses, conflitos e contradiesentre interesses divergentes do ponto de vista territorial so proces-sados, negociados e decididos no mbito da CMO.

    Para realizar a tarefa de desvendar as regras do jogo7 que intervmno comportamento poltico dos atores, optou-se pela utilizao deum referencial terico que valoriza o papel das escolhas institucionaisfeitas anteriormente no desenvolvimento e no resultado das decisespolticas, as quais, ao final, tambm influenciam o funcionamentodos sistemas polticos. Entre as escolhas institucionais que deixamsua marca no sistema poltico e no processo decisrio est o federalis-mo. Assim, escolhas iniciais, estruturais e normativas tero efeito so-bre as decises polticas subseqentes, tais como o papel das emen-

    das e da CMO na modelagem das disputas federativas e na acomoda-o de conflitos distributivos.

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    Aqui, sustenta-se, a partir da discusso da hiptese acima referida,que as emendas ao oramento refletem as disputas territoriais por re-cursos federais em um pas marcado por desigualdades regionais,

    que moldam tambm a forma como essas disputas so negociadas.Tal premissa questiona as duas hipteses anteriormente menciona-das e est baseada nas seguintes constataes: primeiro, emendas co-letivas(debancadaeasoriundasdasrelatoriasdaCMO)estosubsti-tuindo as emendas individuais dos parlamentares, por fora de mu-danas nas regras da CMO. Este argumento contesta a hiptese deque as emendas promovem apenas o fisiologismo, o clientelismo eservem exclusivamente ao auto-interesse de cada parlamentar. Istoporque aes cooperativas passaram a ser incentivadas pelas novas

    regras da CMO, vindo a prevalecer sobre as individuais. bom lem-brar que essas normas foram introduzidas pelos prprios parlamen-tares, promovendo, portanto, o self-binding.Segundo,nosoosesta-dos economicamente mais desenvolvidos nem os menos desenvolvi-dos que tm sido os principais beneficirios dos recursos orament-riosemtermos percapita,massimosdasregiesCentro-OesteeNorteem decorrncia de decises tomadas pela Constituio de 1988, queadiante sero discutidas.

    OtrabalhoanalisaasemendasaoOramentodaUnio,nosexercciosde 1995-1999, propostas pelos congressistas dos trs estados selecio-nados, que juntos tiveram 6.107 emendas aprovadas no perodo, re-presentando R$ 1,961 bilho. O total de recursos efetivamente repas-sado a esses estados, na mesma quadra, foi de R$ 17,634 bilhes, ouseja, as emendas representam 11% do total dos recursos repassados.As emendas foram agregadas por funo, por parlamentar e por par-tido, desagregando-se as apresentadas pelas bancadas dos estadosdaquelas apresentadas individualmente8.

    O artigo est dividido em quatro partes: a primeira explica o funcio-namento da CMO; a segunda analisa o contedo das demandas porrecursos do oramento federal dos trs estados selecionados no pe-rodo 1995-99; a terceira discute os resultados encontrados, confron-tando-os com as hipteses acima mencionadas; a quarta apresenta al-gumas concluses.

    A COMISSO MISTA DE ORAMENTO

    Com a promulgao da Constituio de 1988, o Congresso readquiriua prerrogativa de propor emendas ao projeto de lei oramentria en-

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    caminhado pelo Executivo, tornando-se o locus ideal para testar a hi-ptese acima referida. No entanto, esse poder tem sido motivo de cr-ticas, tanto na literatura como na mdia.

    Na literatura derivada da teoria da escolha racional, as emendas dosparlamentares recebem o rtulo de pork barrel, que definido porShepsle e Bonchek (1997:204) como a apropriao de recursos fede-rais para projetos ineficientes que beneficiam os distritos especficosdos congressistas mas que pouco favorecem a nao como um todo.Osautoresafirmamqueoincentivoparaumparlamentaroperarumapolticade porkbarrel estnaoportunidadequeelepassaaterparaco-brarvotosnaprximaeleio.Nalgicadateoriadaescolharacional,

    o pork barrel gera o paradoxo da cooperao, j que prov unicamentea rea ou regio que recebe esses recursos, a expensas de todos os con-tribuintes. Na verdade, os congressistas lucrariam se no houvessepork9. Apesar de cada parlamentar ter um forte incentivo para conti-nuaraquererprotegerseudistrito,elessabemquetodossebeneficia-riamigualmentesemo pork, mas mesmo assim continuam insistindo.Nesse caso, o dividendo cooperativo resultante da ausncia depork, em que um distrito perde seu projeto mas recompensado porno ter que financiar projetos em outros, no estvel porque os pol-

    ticos continuam a ter incentivos para viabilizar iniciativas para seusestados e distritos.

    No entanto, essa viso sobre as conseqncias perversas do porkno unnime na literatura. Muitos cientistas polticos, a exemplo deElwood e Patashnik (1993), ressaltam o outro lado do pork, mos-trando seu papel de facilitador das negociaes entre Executivo e Le-gislativonosEUAesuasvantagensparaoprpriooramentopblicopor no criar despesas que geram direitos e se transformam em ativi-

    dades permanentes (entitlements). Outros trabalhos mostram aindaque, nos EUA, a eficcia do pork para a reeleio dos congressistas mais modesta do que interpretado pela mdia (Bickers e Stein, 1996).Ademais, no caso brasileiro, emendas individuais foram, ao longo dotempo, sendo substitudas por coletivas, como se ver adiante.

    ACMOum locus privilegiadoparatestarospostuladosdofederalis-mocomoinstituio.AotrazerparaombitodoLegislativoadecisosobreaalocaodepartedosrecursosfederaisemumpasdedimen-

    so continental e marcado por clivagens e heterogeneidades regionais,o sistema poltico brasileiro encontrou, no perodo ps-redemocrati-

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    zao, uma forma de amortecimento dessas clivagens pela oportuni-dade que d aos parlamentares de tentar minimizar as desvantagensfinanceiras dos diversos territrios que os elegeram. Tal mecanismo

    tambmcompensaoCongressodorelativoesvaziamentodasuafun-o legislativa pelo uso, at h pouco tempo considerado excessivo,por parte do Executivo, de Medidas Provisrias MPs. Assim, se oExecutivo federal parece ter um papel legislativo exacerbado, por viadas MPs, tambm o Congresso Nacional constantemente acusadode exercer funes executivas pelos recursos que consegue alocar,por meio das emendas ao oramento, em aes que se realizam nasbases estaduais e locais de sustentao dos parlamentares.

    A CMO tem sua origem na Constituio de 1988 (artigo 166) e sua re-gulamentao, incluindo regras de funcionamento, organizao eparticipao dos parlamentares, foi sendo profundamente modifica-da a partir de 1995, atravs da Resoluo no 2, como um dos resulta-dos da Comisso Parlamentar de Inqurito CPI do Oramento.

    A Constituio estabelece que as emendas dos parlamentares seroapresentadas na CMO, que sobre elas emitir parecer, e apreciadaspelo plenrio do Congresso. As emendas ao projeto de lei do ora-

    mento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem seraprovadas caso: a) sejam compatveis com o plano plurianual e com alei de diretrizes oramentrias; b) indiquem os recursos necessrios,admitidos apenas os provenientes de anulao de despesas, exclu-das as que incidam sobre dotaes para pessoal e seus encargos, ser-vio da dvida e transferncias tributrias constitucionais para esta-dos, municpios e o Distrito Federal.

    De acordo com as regras da CMO, as emendas ao oramento podem

    ser propostas por: a) parlamentares individualmente, que podemapresentar at vinte emendas no valor de R$ 1,5 milho cada, impor-tncia aumentada, em 2000, para R$ 2 milhes; b) comisses perma-nentes do Senado e da Cmara, em nmero mximo de cinco; c) ban-cadas estaduais, que requeriam a assinatura de 3/4 dos deputados esenadores, depois alterada para 2/3, no mximo de vinte; d) banca-das regionais, no mximo de duas por votao da maioria absolutados deputados e senadores que compem a regio; e) relatores dasreas temticas determinadas pelo regimento, chamadas de emendas

    de relatoria, que visam corrigir erros ou omisses de ordem tcnicaou legal e/ou agregar proposies de vrias emendas, no podendo,

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    entretanto,acrescentarvaloresedotaesconstantesnoprojetodeleioramentria10.

    As regras sobre o funcionamento da CMO e sobre a apresentao deemendas podem ser mudadas a cada ano, tendo sido profundamentealteradas em 1995 como reao aos escndalos desvendados pela CPIdo Oramento. At 1995, permitia-se a apresentao de 25 emendasindividuaisporparlamentareapartirdaqueleanoelasforamreduzi-das para vinte. Outras mudanas foram a exigncia de reunies debancada, a instituio de audincias pblicas e o incentivo rotativi-dade de seus membros para evitar a captura de determinados indiv-duos ou grupos11.Em1997,definiu-sequeasemendasdebancadate-

    riam prioridade sobre as individuais e que cada estado poderia apre-sentar at dez, sendo este nmero modificado posteriormente paravinte. Em 1999, introduziu-se um valor mximo para cada emenda. ACMO dividia-se em sete relatorias setoriais, aumentadas para dez em2000.

    Evidentemente, a CMO no a nica forma de negociao entre Exe-cutivo, Legislativo, governadores e prefeitos. Outras, to ou mais im-portantes, se sobressaem, tais como: a) nomeaes para cargos na bu-

    rocracia federal e agncias estatais e paraestatais, como os fundos depenso; b) aprovao de pedidos de financiamento de estados e mu-nicpios a ser autorizada pelo Senado; c) renegociao de dvidas dosestadosedegrandesmunicpioscomaUnio;d)incluso,aotrminodo exerccio financeiro, de emendas de parlamentares ligados ao go-verno que dizem respeito a crditos suplementares encaminhadospelo Executivo ao Congresso; e) apoio financeiro federal, por inter-mdio de incentivos, subvenes e financiamentos a juros subsidia-dos, oferecido por organismos federais como Caixa Econmica Fede-

    ral CEF, Banco do Brasil BB, bancos federais de desenvolvimentoregional e Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social BNDES; e f) vantagens financeiras para estados e regies em outrascomisses do Congresso, de que exemplo a lei de incentivos fiscaispara a instalao de montadoras no Norte, Nordeste e Centro-Oestepromulgada em 1997 e reeditada em 1999.

    A CMO funciona como uma fase intermediria a da apresentaodas emendas entre dois momentos: o da negociao entre os parla-

    mentares, governadores e prefeitos com o governo federal para a in-cluso de suas demandas no projeto de lei oramentria e o da libera-

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    odosrecursos,afasemaisimportantedopontodevistadoresulta-do final das emendas.

    A possibilidade de emendar o projeto de oramento encaminhadoanualmente pelo Executivo ao Legislativo representa uma das maisimportantes prerrogativas conquistadas pelo Legislativo com a rede-mocratizao12. Outro fator de relevncia diz respeito capacidadedo presidente da Repblica de vetar emendas, direito raramenteexercido13. Por qu? Vetar emendas pode ser um desgaste antecipadopara o presidente, j que o oramento uma pea indicativa e nocompulsria de gasto, o que desloca para a esfera do governo federalo prximo estgio da negociao, o da liberao das verbas.

    A prerrogativa acima mencionada gerou um paradoxo: foi o prprioCongresso, durante a Constituinte, que descentralizou recursos tri-butrios em favor das esferas subnacionais, em resposta ao clima ge-ral contrrio centralizao instituda pelos militares. Assim, ao pro-mover uma relativa reduo dos recursos federais, os prprios parla-mentares diminuram suas possibilidades de alocar recursos paraseus estados e municpios.

    Se nos primeiros momentos da redemocratizao os parlamentaresda CMO tinham mais estmulos para agir individualmente, mudan-as nas regras da Comisso, a partir de 1995, fizeram com que elespassassem a atuar mais coletivamente, como se ver adiante. Essasre-gras, que incentivam a cooperao, se impuseram lgica do sistemaeleitoral, que, segundo se afirma, estimula os parlamentares a operarmais individualmente do que cooperativamente e a ter pouca disci-plina partidria14. No entanto, conseguir recursos federais para suasbases eleitorais continua sendo crucial para a sobrevivncia dos par-lamentares,especialmenteparaaquelesquefazemoposioaogrupopoltico que est no controle do governo do estado15.

    A CMO composta de 84 parlamentares 21 senadores e 63 deputa-dos. A indicao dos participantes feita pelos partidos, tal como nasdemais comisses. No perodo analisado, o PFL e o PMDB, por seremos partidos majoritrios, detinham as representaes mais numero-sas, embora todos os partidos (ou blocos partidrios) tenham direito representao. A participao dos parlamentares da Bahia, Cear eParan na CMO apresentada no Quadro 1.

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    Quadro 1

    Nmero de Parlamentares da Bahia, Cear e Paran

    na CMO 1996-1999

    Ano Bahia Cear Paran

    1996 3 4 4

    1997 3 3 5

    1998 5 3 4

    1999 6 4 3

    Fonte: Diversas listagens da CMO.

    Como so os partidos que indicam seus representantes e no existemcritrios que restrinjam o tamanho da bancada estadual, possvelque estados com bancadas menores tenham na CMO maior nmerodedelegados,comoocorreuem1996e1997,quandooParaneoCea-r, que possuem bancadas menos numerosas do que a Bahia, estive-ram mais representados, situao que se equilibra em 1999.

    A DISPUTA POR RECURSOS ORAMENTRIOS NOS ESTADOSSELECIONADOS

    Os trs estados selecionados tiveram, no perodo analisado, alto ndi-cedesucessoquandocomparadosomontantederecursosaprovadosno oramento e os empenhos liquidados, que podem ser considera-dos como liberados (ver Tabela 1). Como se sabe, a aprovao de pro-jetos no oramento no garante a sua liberao.

    No decorrer do processo oramentrio, o papel dos parlamentares naCMO foi mudando. Nos anos iniciais da pesquisa, os congressistas in-dividualmente tinham funo protagnica. Posteriormente, contu-do,soasbancadasqueassumemopapelmaisimportantenointerior

    da CMO. Na fase de discusso do oramento dentro da Comisso, adisputa por recursos ocorre entre parlamentares e/ou bancadas, re-presentando os interesses de seus eleitores, financiadores e lideran-as estaduais/locais. No entanto, aps a aprovao do oramento, olocus da disputa desloca-se para os ministrios do governo federal esuas estatais, principalmente a CEF.

    Pela Tabela 1 pode-se verificar que o governo federal tem cumpridoseus acordos com os estados, por via das emendas propostas pelos

    parlamentares, assim como por intermdio de acordos com governa-dores e prefeitos, ou seja, os recursos destinados aos estados foram,

    Federalismo e Conflitos Distributivos: Disputa dos Estados por Recursos...

    357

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    358 Tabela 1

    Oramento da Unio

    Dotao Inicial e Empenhos Liquidados para Bahi

    (1994-1999)

    AnoBahia Cear

    Dotao Liquidado % Dotao Liquidado

    1994(*)(**) 758.874 603.678 80 459.303 371.723

    1995 1.038.155 995.877 96 763.937 666.446

    1996(***) 1.031.354 1.004.792 97 763.937 736.897

    1997 1.326.923 1.254.511 95 1.109.184 1.070.290

    1998 (**) 1.516.839 1.376.121 91 1.176.994 1.049.106

    1999 1.314.616 1.410.874 107 998.511 984.031

    Fonte: Diversos relatrios do Servio de Apoio Tcnico da Consultoria de Oramentos, Fiscalizao e (*)Embora tenhamsido pesquisados os dados oramentrios de 1994, os mesmosno foram analcio devido s medidas adotadas pelo Plano Real, no tendo recebido emendas.

    (**) Eleies para cargos executivos e para os Legislativos nacional e estaduais.(***) Eleies municipais.

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    emgrandeparte,liberados.Constata-sealitambmqueoParantemconseguido mais verbas oramentrias do que os outros dois estados,tanto em termos absolutos como relativos (ver Tabela 2). Ademais, a

    mdia da taxa de sucesso do Paran foi de 106%, enquanto a da Ba-hia foi de 94% e a do Cear de 91%.

    Tabela 2

    Oramento da Unio

    Recursos Federais per capita Bahia, Cear e Paran

    (1994-1999) (em R$ mil)

    AnoBahia Cear Paran

    Liquidado per capita Liquidado per capita Liquidado per capita

    1994 603.678 48,73 371.723 54,45 554.214 62,051995 995.877 79,63 666.446 96,15 1.095.905 121,23

    1996 1.004.792 79,60 736.897 104,75 1.376.399 150,45

    1997 1.254.511 98,48 1.070.290 149,95 1.481.853 160,09

    1998 1.376.121 107,05 1.049.106 144,90 1.522.889 162,63

    1999 1.410.874 108,77 984.031 134,01 1.586.917 167,54

    Fonte: Diversos relatrios do Servio de Apoio Tcnico da Consultoria de Oramentos, Fiscaliza-o e Controle do Senado Federal.

    OsdadosdaTabela3mostramqueovolumederecursosdisposiodos parlamentares pequeno a mdia de 11% quando compara-do ao volume total alocado nos estados.

    As Tabelas 1, 2 e 3 contestam, assim, a hiptese de que os estados me-nos desenvolvidos economicamente seriam os maiores beneficiriosdos recursos adicionais extrados do oramento federal. O Paran ob-teve maior volume de verbas na lei oramentria, na sua execuo eem termos da relao entre os valores alocados versus populao do

    estado. Apesar de os parlamentares da Bahia e Cear conseguiremaprovar mais emendas em termos quantitativos do que os do Paran,os recursos totais e per capita para este ltimo, assim como sua taxade sucesso, estiveram frente dos dois outros estados. Ou seja, paraque Bahia e Cear granjeiem mais recursos do oramento, seus parla-mentaresnecessitamfazermaisemendasdoqueosdoParan(verTa-bela 2).

    A Tabela 4 mostra que, alm das emendas individuais e de bancada,

    passaram a ter valor aquelas apresentadas pelas relatorias da CMO.No entanto, como mencionado acima, as propostas dos relatores de

    Federalismo e Conflitos Distributivos: Disputa dos Estados por Recursos...

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    reas temticas no podem aditar valores, apenas corrigir erros ouagregar proposies16. No que diz respeito s emendas encaminha-das pelas relatorias e em termos absolutos, Bahia e Cear tiveram de-sempenhomuitomaisfavorveldoqueoParan,comexceodoanode 1996.

    Tabela 4

    Recursos Oramentrios para Bahia, Cear e Paran em Relao s

    Emendas Propostas pelas Relatorias da CMO

    (1995-1999)

    (em R$ mil)

    Ano

    Bahia Cear Paran

    Recursos Emendasdas

    Relatorias

    % Recursos Emendasdas

    Relatorias

    % Recursos Emendasdas

    Relatorias

    %

    1995 1.038.155 0 0 763.937 0 0 995.688 0 0

    1996 1.031.354 28.969 3 763.937 3.325 0,4 1.157.915 73.915 6

    1997 1.326.923 51.963 4 1.109.184 39.639 4 1.518.755 42.424 3

    1998 1.516.839 45.972 3 1.176.994 29.276 2,5 1.566.193 17.441 1

    1999 1.314.616 135.815 10 998.511 29.399 3 1.355.299 13.900 1

    Fonte: Diversos relatrios do Servio de Apoio Tcnico da Consultoria de Oramentos, Fiscaliza-o e Controle do Senado Federal.

    Nas sees seguintes analisa-se o desempenho dos estados seleciona-dos.

    Celina Souza

    360

    Tabela 3

    Recursos Oramentrios para Bahia, Cear e Paran em Relao aos

    Propostos pelos Parlamentares via Emendas, Excludas as das Relatorias da CMO

    (1995-1999)(em R$ mil)

    AnoBahia Cear Paran

    Recursos* Emendas % Recursos Emendas % Recursos Emendas %

    1995 1.038.155 219.804 21 763.937 153.415 20 995.688 105.470 11

    1996 1.031.354 141.255 14 763.937 70.824 9 1.157.915 37.546 3

    1997 1 .326.923 152.046 11 1.109.184 134.730 12 1.518.755 96.345 6

    1998 1.516.839 157.192 10 1.176.994 116.365 10 1.566.193 128.224 8

    1999 1.314.616 163.440 12 998.511 163.680 16 1.355.299 121.250 9

    Fonte: Diversos relatrios do Servio de Apoio Tcnico da Consultoria de Oramentos, Fiscaliza-o e Controle do Senado Federal.

    * Inclui recursos do projeto de lei enviado ao Congresso pelo Executivo mais o valor dasemendas individuais e de bancada, excludas as das relatorias da CMO.

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    O Desempenho da Bahia

    A Bahia tem uma bancada de 39 deputados federais, cuja filiao par-

    tidria na legislatura sob anlise (1995-1998) era a seguinte:

    Quadro 2

    Bahia: Deputados Federais por Partido

    1995-1998

    Partido No de Parlamentares

    PFL 18

    PMDB 3

    PSDB 5

    PT 4

    PDT 3

    PTB 1

    PPB 1

    PSB 1

    PL 1PPS 1

    PC do B 1

    Fonte: Cmara dos Deputados, Lista de Presena.

    O PFL fez trs senadores. Nas eleies de 1994 e de 1998, ele coli-gou-se com o PTB, PPB e PL, dando ao partido confortvel maioria.No entanto, se no mbito da bancada estadual o PFL um grupo ma-

    joritrio,naCMOomesmonoocorre,jqueopartidodisputoucomoPMDBeoPSDBaliderananumricadaCMO.Naverdade,oequi-lbrio entre o PFL e os partidos de oposio, presente no incio do pe-rodo em tela, desfez-se, com o PFL assumindo a hegemonia dos inte-resses da Bahia dentro da CMO.

    Em 1995, a Bahia apresentou apenas quatro emendas ao oramento,todas de parlamentares do PFL17. No houve, naquele ano, emendasde bancada. Os autores eram parlamentares de pouca visibilidade e

    todos pertenciam ao grupo liderado por Antnio Carlos Magalhes ACM.AquelesdemaiorexpressividadeecomacessoaoExecutivofe-

    Federalismo e Conflitos Distributivos: Disputa dos Estados por Recursos...

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    deral certamente encontravam outras formas de atender s suas de-mandas, no precisando lutar por recursos escassos e de valor relati-vamente pequeno, como o caso das emendas.

    Em 1996, ano de eleies municipais, diferentemente do ano anterior,todos os parlamentares apresentaram emendas ao oramento e, talcomo no ano anterior, constata-se o pouco interesse dos congressistasde maior visibilidade pelas emendas ao oramento18.Noquesereferes emendas por partido, apesar de o PMDB e o PFL concentrarem omaior nmero delas, todas as legendas representadas na Bahia conse-guiram aprovar seus pleitos, inclusive as minoritrias PT, PSB e PCdo B. Mesmo o PV, partido sem representao no estado, apresentouemendas, por intermdio do deputado Fernando Gabeira (RJ). Res-salte-se ainda que, apesar da hegemonia do PFL na bancada da Bahiano Congresso, o PMDB assegurou um pouco mais de recursos (39%)doqueoPFL(34%).Em1996,antesdasmudanasnasregrasdaCMOincentivando as emendas de bancada, promulgadas em 1997, estas jsuperavam as individuais. Tal situao acabou gerando um parado-xo:setodososdeputadosconcorrementresinassuasbaseseleitoraislocaiseseasemendassocruciaisparasuasreeleies,comoexplicar

    a predominncia das emendas de bancada? Dado que as emendas in-dividuais ainda no tinham prevalncia sobre as de bancada, a hip-tese mais provvel para explicar esse fato estaria na fora do PFL.

    No ano de 1997, a distribuio das emendas por partido confirma ahegemonia do PFL e a perda de espao do PMDB, mostrando que,quanto mais a fora poltica do grupo do ex-senador ACM se consoli-dava, maior sua repercusso no interior da CMO19. Mais uma vez,parlamentares eleitos por outros estados (Fernando Gabeira e Linde-

    berg Farias (PC do B/RJ) aprovaram emendas para a Bahia. As emen-dasdebancadarepresentaram60%dototal,demonstrandoainflun-ciadasmudanasnasregrasdaCMO,acoesodabancadaeocontro-le do principal partido no estado, o PFL, sobre as emendas.

    Em 1998, ano de eleies estaduais e nacionais, a hegemonia do PFLno interior da CMO diminui, com o partido aprovando 51% do totaldas emendas individuais, enquanto o PMDB e o PSDB aprovaram

    12% deste; j as emendas de bancada representaram 60% do total dasmesmas, mantendo-se a estratgia da cooperao.

    Celina Souza

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    O ano de 1999 no traz mudanas no que se refere ao tipo de parla-mentar que apresenta emendas, ou seja, mantm-se a tendncia depropor emendas para aqueles parlamentares com menor visibilida-

    de. As emendas por partido confirmam a supremacia do PFL, queaprovou metade delas, seguido de longe pelo PSDB, com 12%, e peloPMDB, com 7%. A cooperao, incentivada pelo regimento da CMO,e a preponderncia do PFL fizeram com que as emendas de bancadarepresentassem, em 1999, 62% dos recursos totais.

    Resumindo, nos anos analisados, a cooperao dominou o desem-penhodosparlamentaresdaBahia;consolidou-seopoderdoPFLnoestado e na CMO; manteve-se o perfil de parlamentares com pouca

    visibilidade como os que aprovam mais recursos via emendas indi-viduais20.

    O Desempenho do Cear

    O Cear tem uma bancada de 22 deputados federais, cuja filiao em1998 era a seguinte:

    Quadro 3

    Cear: Deputados Federais por Partido

    1998

    Partido No de Parlamentares

    PSDB

    PMDB

    PPS

    PFLPPB

    PC do B

    PT

    9

    4

    3

    22

    1

    1

    Fonte:CmaradosDeputados,ListadePresena.

    Seus trs senadores eram do PSDB. Estes, somados aos nove deputa-dos do partido, formavam 55% da bancada estadual. Assim como na

    Bahia, ressalta no Cear o controle do grupo exercido por Tasso Jereis-sati, do PSDB.

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    Os recursos liberados para o Cear em 1994 cumpriram 81% da dota-o prevista (Tabela 1), pouco acima dos 80% liberados para a Bahia edistantedaquelesautorizadosparaoParan.ApesardeoPSDBfazer

    parte da coalizo de apoio ao presidente Itamar Franco, os recursosefetivamente recebidos pelo Cear foramabaixodos do Paran, entogovernado pelo mesmo partido do presidente. Uma hiptese paraessa defasagem a de que o Cear pode ter recebido recursos de ou-trasfontes;umaoutraqueaslegendastmpesoefetivonoquesere -fere disputa por parcelas do oramento federal, j que so os parti-dos que indicam os membros da CMO. No entanto, talvez a melhorexplicao possa ser encontrada em um outro aspecto. Como se veradiante, no Cear, as emendas individuais prevaleceram sobre as de

    bancada na maior parte do perodo analisado, mostrando que ano-cooperao predominou na bancada cearense, diminuindo, por-tanto, as possibilidades de acordos capazes de garantir mais recursosoramentrios para o estado.

    Em 1995, o Cear apresentou cinco emendas ao oramento. Assimcomo na Bahia, os parlamentares autores das mesmas tinham poucavisibilidade e no eram diretamente formuladores dos rumos da pol-tica. Naquele ano, o Cear no negociou emendas de bancada, sendo

    todas elas apresentadas individualmente.

    O ano de 1996 registrou para o Cear um percentual abaixo do da Ba-hia e, principalmente, da taxa do Paran no que se refere ao valor dasemendas vis--vis o valor total dos recursos do oramento federalpara o estado (ver Tabela 1). Assim como os da Bahia, todos os parla-mentares do Cear apresentaram emendas; e tal como ocorreu na Ba-hia,parlamentareseleitosporoutrosestados(JosAugustoeArlindoChinaglia, ambos do PT/SP) incluram emendas para municpios do

    Cear, o que se explica pela necessidade de prover recursos extraspara municpios governados pelo PT, que administrava em oposioao governo do estado. Apesar de o PSDB ser a fora poltica mais im-portante no Cear, no interior da CMO as disputas entre este e oPMDB eram visveis, da porque as emendas individuais, com 52%dosrecursostotaisdasemendas,prevaleceramsobreasdebancada.

    AdisputaentreoPSDBeoPMDBtambmeraperceptvelnoquetan-ge aos recursos para Fortaleza, governada, no perodo analisado,

    pelo PMDB, em oposio ao PSDB. Dos trs estados, somente no Cea-r a capital conseguiu altos percentuais de transferncias federais:

    Celina Souza

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    20% dos recursos totais em 1996 e cerca de 12% nos demais anos; Sal-vador obteve 12% em 1996, em funo da estratgia da prefeita(Blumm, 1999); e Curitiba nunca ultrapassou 1%.

    Em 1997, a participao dos parlamentares reproduz o mesmo pa-dro: os principais proponentes so parlamentares com pouca visibi-lidade e menos de 1% das emendas foi de bancada, reforando o argu-mento da ausncia de cooperao no Cear em virtude da polariza-o, no interior da CMO, entre o PMDB e o PSDB.

    No ano de 1998, confirmou-se a hegemonia do PSDB, cujos integran-tes conseguem aprovar 53% das emendas contra 19% do PMDB. Na-quele ano, todavia, ocorre pela primeira vez a situao em que as

    emendas de bancada (67%) superam as individuais, mostrando que aatuao do partido majoritrio no estado, o PSDB, possibilitou a ne-gociaodesuasprefernciascomseuprincipaladversrio,oPMDB,e que, finalmente, os parlamentares do Cear consideraram racionaladerir cooperao por via das emendas coletivas, submetendo-se snovas regras da CMO. Trs deputados federais do PT/SP (EduardoJorge, Telma de Souza e Marta Suplicy) aprovaram quatro emendaspara o Cear.

    Em1999,oPSDBmantmsuahegemonia,masreduzsuaparticipaono total das emendas individuais, passando a controlar 47% delas,ainda muito acima do seu principal adversrio, o PMDB, que conse-guiuaprovar19%.Novamente,asemendasdebancada(78%)supera-ram as individuais, acima, inclusive, do percentual registrado pelaBahia. O deputado Alexandre Cardoso (PSB/RJ) aprovou uma emen-da para o Cear.

    Resumindo, o Cear s conseguiu viabilizar emendas de bancada em

    1998 e em 1999, apesar de o PSDB deter o controle da poltica do esta-do. O poder no Cear, visto pelo desempenho de seus parlamentaresna CMO, apresenta-se polarizado entre o PSDB e o PMDB. Essa dis-putaaparecemaisclaramentenoesforodoPMDBparaconseguirre-cursos para Fortaleza, que esteve, no perodo analisado, sob o seu go-verno21.

    O Desempenho do Paran

    OParancontacomumabancadadetrintadeputadosfederais,comaseguinte filiao em 1998:

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    Quadro 4

    Paran: Deputados Federais por Partido

    1998

    Partido No de Parlamentares

    PFL

    PSDB

    PPB

    PMDB

    PT

    PTB

    PC do B

    8

    6

    6

    4

    3

    2

    1

    Fonte: Cmara dos Deputados, Lista de Presena.

    Dos senadores, um era do PMDB, outro do PTB e o terceiro trocou opartido pelo qual foi eleito pelo PSDB. Diferentemente da Bahia e doCear, a representao partidria do Paran mais pulverizada, nose concentrando majoritariamente em um nico partido, como na Ba-hia, ou na polarizao entre dois partidos, como no Cear.

    OsrecursosfederaisliberadosparaoParanem1994alcanaram95%

    dadotaoprevista(Tabela1),valoracimadoregistradoparaoCeare a Bahia. A existncia de um maior volume de recursos orament-rios para o Paran, assim como as altas taxas de sucesso, pode serexplicada pelo seguinte fato: do ponto de vista dos aportes federaisporprogramas,porexemplo,asdespesascomasadesoasquemaisrecebem recursos oramentrios federais, por intermdio do SUS.Como este Sistema remunera por produtividade, estados e municpioscom sistemas de atendimento mais eficientes e mais sofisticados tec-nologicamente so os que mais recebem repasses federais. O SUS es-

    taria, assim, contribuindo para a maior concentrao de verbas fede-rais nos territrios mais desenvolvidos. Voltarei a este ponto maisadiante.

    Em 1995, o Paran apresentou seis emendas, sendo trs do PPB e trsdo PMDB. No houve emendas de bancada em 1995.

    O ano eleitoral de 1996 registrou um significativo aumento no nme-ro de emendas, mas, diferentemente dos outros dois estados, o valor

    empenhado foi superior dotao inicial, assim como o valor dasemendas superou os recursos previstos (ver Tabela 1). O paradoxo

    Celina Souza

    366

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    quesecolocaoseguinte:ogovernodoParanestavasobocomandode Jaime Lerner, ento no PDT; o candidato a governador do PMDBhavia sido derrotado nas eleies de 1994. Como explicar, ento, que

    o volume de recursos para o Paran, em 1996 e demais anos, seja supe-rior ao dos aliados da Bahia e Cear? Parte da resposta parece estarnovamente nos recursos do SUS. Diferentemente do ano anterior, amaior parte dos parlamentares apresentou emendas. No entanto,manteve-se no Paran o mesmo padro da Bahia e do Cear no que serefereaosparlamentaresquepropemasemendas:osmaisativossoaqueles com menor visibilidade. As emendas de bancada dominaramcom 99%, o que explica parcialmente os dados da Tabela 1, que mos-tram a excelente performance do Paran em relao aos dois outros es-

    tados. No ano de 1997, diversamente do ano anterior, as emendas debancada, com 52%, embora ainda superiores s individuais, dimi-nuem de importncia.

    Em 1998, as emendas por partido mostram a prevalncia do PFL, aquedadoPMDBeaascensodoPSDBedoPPB.Verifica-se,portanto,que o poder poltico no Paran bem mais fragmentado na esfera doCongresso Nacional e da CMO do que na Bahia e no Cear. Como nosdemaisestados,todosospartidoscomrepresentaoaliconseguiram

    aprovar suas emendas, embora com predominncia do PFL, com25%, e do PSDB, com 21%. O Paran confirma sua opo pela coopera-o: as emendas de bancada contabilizaram 60% dos recursos.

    Em 1999, as emendas por partido mantiveram o equilbrio entre asfaces partidrias do estado, embora com o predomnio do PFL(25%), seguido de perto pelo PSDB (22%).As emendas de bancada,com 60%, continuaram superando as individuais, agora tambm in-centivadas pelas regras da CMO.

    Em nenhum dos anos pesquisados, parlamentares de outros estadosdaFederaoapresentaramemendasparaoParan,mostrandoqueapulverizao entre os partidos polticos dispensa a atuao de parla-mentares no eleitos pelo estado.

    Sintetizando, no Paran, apesar de as principais foras polticas se-rem mais fragmentadas do que na Bahia e no Cear, a cooperaosempre imperou, mesmo antes dos incentivos da CMO. Por que sem

    um partido hegemnico no Congresso, como nos demais estados, acooperao mais vantajosa para os parlamentares? Parece que,

    Federalismo e Conflitos Distributivos: Disputa dos Estados por Recursos...

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    quandoopodermuitofragmentado,aumentamosincentivosparaaao cooperativa22.

    DEBATENDO ALGUMAS HIPTESES

    Comomencionadoanteriormente,asemendaspropostaspelosparla-mentaresparaaesnosseusterritrioseadisputanoCongressoporrecursosfederaisparaosestadostmsidoobjetodemuitascrticas,asquais geraram duas hipteses que sero aqui debatidas.

    Aprimeirarefere-seafirmaodequeasemendasservemapenasao

    auto-interesse dos parlamentares, que buscam suas eleies para oExecutivo subnacional ou suas reeleies mediante a implementaodapolticado pork barrel.Noentanto,osprpriosparlamentaresdeci-diram limitar seu poder (self-binding) de apresentar emendas, mu-dando as regras da CMO, que estimulam aes mais cooperativas emenosindividualizadas.Assim,comoreaosconclusesdaCPIdoOramento,asemendasdebancadaeasdasrelatoriasdaCMOpassa-ramasesobreporsindividuais,principalmenteaps1997.Essamu-dana mostra que as preferncias dos parlamentares podem ser mo-

    dificadas,mesmoquesejam,emprincpio,contraseuauto-interesse.

    A segunda hiptese diz respeito aos gastos federais que beneficia-riam os estados menos desenvolvidos em funo da sua sobre-re-presentao no Congresso. Tal suposio deve ser investigada emdois nveis: comparando-se os gastos federais aplicados nas cincomacrorregies brasileiras, por um lado, e, por outro, esses mesmosgastos nos trs estados selecionados. No que se refere ao primeiro n-

    vel de anlise, dois artigos da Constituio Federal (artigos 165 e 35dos Atos das Disposies Transitrias) determinam que a despesapblica dever evoluir na direo de uma melhor distribuio regio-nal e estadual das aplicaes federais, ou seja, a Constituio fixa quese persiga uma maior equalizao fiscal em um pas com grandes dis-paridadesregionais.Segundooartigo35,emumprazodedezanos,apartir da promulgao da Constituio, uma parcela dos gastos fede-rais deveria convergir para uma distribuio proporcional s popula-es das regies e estados. No entanto, como mostra a Tabela 5, esse

    objetivo no foi atingido, tanto em termos absolutos como relativos,tendo o prazo constitucional se esgotado.

    Celina Souza

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    Tabela 5

    Despesa Federal Total Empenhada por

    (1996-1999)

    Regio 1996 % per capita 1997 % per capita 1998

    Centro-Oeste

    Nordeste

    Norte

    Sudeste

    Sul

    Total

    3.979.666

    6.786.342

    2.398.918

    8.641.104

    3.623.217

    25.431.243

    16

    27

    9

    34

    14

    100

    386

    148

    203

    125

    151

    158

    7.786.342

    8.336.443

    3.078.952

    11.527.576

    4.781.747

    35.513.057

    22

    23

    9

    32

    14

    100

    706

    180

    254

    165

    197

    217

    8.509.1

    9.277.9

    3.087.0

    12.597.4

    4.805.7

    38.279.2

    Fonte: Adaptado de SIAFI/STN, Consultoria de Oramento/PRODASEN e acessado em

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    claro que os gastos federais nas regies so condicionados por v-riosfatores,inclusivepelasgrandesobrasdeinfra-estruturafinancia-das pelo governo federal, mas isso no invalida o argumento de que,

    em termos absolutos, o perodo analisado mostra uma tendncia concentrao dos recursos federais na regio Sudeste, com So Paulo,RiodeJaneiroeMinasGeraisnasprimeirasposies,seguidadoNor-desteat1998,comaBahiafrente,edoCentro-Oeste.OSuleoNorteso as regies que recebem menos recursos federais em termos abso-lutos.Noentanto,osgastos per capita mostram uma realidade bastan-te diferente, com a regio Centro-Oeste na liderana desse tipo degasto,seguidadelongepelaregioNorte.Talfatosedeve,emgrandeparte,decisotomadapelosconstituintesde1988demantersobres-

    ponsabilidade federal muitos dos servios pblicos do Distrito Fede-ral e parte da folha de pessoal dos territrios que se transformaramem estados Rondnia e Amap23. Assim, a eterna disputa entre osparlamentaresdoNordesteedoSudeste,queseacusammutuamentede usurpadores das receitas federais, e que foram os principais pro-tagonistas dos embates travados na Constituinte pela distribuiodos recursos pblicos, encontra pouca justificativa quando a anlisefocaliza a distribuio por habitante24.

    No entanto, quando os gastos federais incorporam os custos da segu-ridade social, a concentrao de recursos passa a ser menos regressi-va. Todavia, persiste a concentrao no Distrito Federal, conformemostra a Tabela 6.

    O segundo nvel de anlise refere-se a uma comparao entre os trsestadosestudados.Nessecaso,osdadosmostramqueexisteumaten-dncia concentrao de recursos no estado economicamente maisdesenvolvido da amostra. A varivel que parece ter maior impacto

    sobre essa tendncia o desenho do SUS. Do ponto de vista da distri-buiodosrecursosfederaisporprograma,asadeassumelugarpri-vilegiado, conforme mostra a Tabela 7.

    A Tabela 8 mostra as transferncias federais do SUS para os trs esta-dossobanlise.Emtermosabsolutos, transfernciasdestinadasBa-hia registraram aumentos muito maiores do que os do Cear e Para-n, ultrapassando, em 1999, os valores destinados ao Paran. A razopara tal crescimento est no aumento do nmero de municpios habi-

    litados pelos estados para a proviso dos servios de sade. Em 1997,83%dosmunicpiosdoParane80%dosdoCearjparticipavamda

    Celina Souza

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    371

    Tabela 6

    Distribuio Regional e Estadual dos Recursos do Orament

    Regio/Estado 1996

    (R$ milhes)

    per capita 1997

    (R$ milhes)

    per capita 19

    (R$ m

    Centro-Oeste

    Distrito Federal

    Nordeste

    Bahia

    Cear

    Norte

    SudesteSo Paulo

    Rio de Janeiro

    Minas Gerais

    Sul

    Paran

    358,3

    89,0

    1.109,1

    193,2

    183,9

    410,4

    996,7311,4

    218,3

    420,1

    349,1

    88,5

    33,13

    47,24

    24,22

    15,31

    26,14

    34,68

    14,488,90

    15,82

    24,58

    14,55

    9,67

    642,6

    231,8

    1.752,8

    267,6

    349,7

    861,1

    1.316,6463,8

    309,3

    461,7

    762,4

    216,0

    58,27

    120,28

    37,86

    21,01

    48,99

    71,11

    18,8813,05

    22,16

    26,69

    31,39

    23,34

    795

    286

    1.782

    303

    320

    778

    1.511471

    281

    660

    770

    235

    Fonte: Clculos a partir de dados do SIAFI/P RODASEN.* Inclui valores liberados at setembro.

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    gesto semiplena ou parcial do SUS, enquanto na Bahia eram apenas42%(Arretche,2000).Em1998,aBahiamudaradicalmentesuapolti-ca, tendo habilitado 370 dos seus 415 municpios, passando a 390 em1999.OParan,quejcontava,em1997,com332municpioshabilita-dos, atinge 399 em 1999, e o Cear, que em 1997 contava com 148 mu-nicpios, alcana 183 em 199925.

    Tabela 8

    Recursos Federais do SUS Aplicados na Bahia, Cear e Paran

    (1997-1999)

    (em R$ 1,00)

    Estado 1997 1998 1999 Recursos Acrescidos

    Bahia 390.822.948 538.694.375 730.156.780 339.333.832

    Cear 295.033.469 362.558.063 482.515.150 187.481.898

    Paran 512.856.252 578.144.703 670.663.245 157.806.993

    Fonte: .Obs.: O Datasus disponibiliza dados a partir de 1997,razo pela qual noconstam da tabela os da-dos de 1996.

    Noentanto,osdadosdepopulao,PIBerenda per capita desses esta-

    dos (Tabela 9) mostram a enorme distncia, em termos socioeconmi-cos, entre Bahia e Cear, de um lado, e Paran, de outro.

    Celina Souza

    372

    Tabela 7

    Execuo Oramentria dos Programas Federais

    (1998-1999)

    (em R$ milhes)Programa 1998 1999

    Sade e Saneamento

    Ensino Fundamental

    Proteo ao Trabalhador

    Assistncia Social

    Ensino Superior

    Defesa (vrios)

    Cincia e TecnologiaTransportes (vrios)

    12.912,5

    7.217,7

    5.647,3

    3.010,4

    1.206,3

    1.242,0

    563,0446,1

    15.059,6

    8.002,6

    5.471,2

    3.775,6

    1.372,1

    1.081,4

    722,0421,9

    Fonte: Cmara dos Deputados, Consultoria de Oramento e Fiscali -zao Financeira.Obs.:Osdadosde1996e1997estodesagregadosporsubprograma.

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    Tabela 9

    Populao, PIB e Renda per capita da Bahia, Cear e Paran

    1998

    Estado Populao PIB

    (R$ milhes)

    Renda per capita

    (R$)

    Bahia 12.855.079 38.739 3.014

    Cear 7.240.232 18.825 2.600

    Paran 9.363.950 56.766 6.062

    Fonte: .

    Dessemodo,asistemticadoSUS,quefinanciaosserviosdeatenobsica que esto sendo cada vez mais prestados pelos municpios ,mas tambm servios de alta complexidade tecnolgica, termina porestimular a concentrao de verbas federais nos estados mais desen-volvidos da Federao. Isto porque, como mostra Nascimento (2001),os critrios adotados pelo SUS para estimar o teto financeiro mximode estados e municpios tomava por base as sries histricas dos seusrespectivos gastos com internaes e atendimento ambulatorial, oque desfavorecia os municpios mais pobres e isolados territorial-mente. Ademais, para cada procedimento era estipulado um valor

    que considerava a srie histrica de produo, o que terminava porprivilegiar as unidades da Federao com maior capacidade instala-da de servios e maior complexidade tecnolgica.

    Dividindo-seosrecursosdoSUSpelapopulaodecadaestado,veri-fica-se, no Quadro 5, uma maior concentrao destes no Paran e,mesmocomastransfernciasparaaBahiatendoquasequeduplicadoem trs anos, o estado mais populoso da amostra ainda permaneceabaixo dos demais em termos per capita. Tal situao parcialmentecompensada pelas emendas dos parlamentares dos Estados da Bahiae do Cear, principalmente os do Cear, que priorizaram as emendaspara a sade. Os recursos para a seguridade social e as transfernciasconstitucionais tambm promovem uma relativa compensao natendncia concentrao de recursos nas regies mais desenvolvidasdo pas. Na verdade, existem mecanismos capazes de injetar mais re-cursos federais nas regies menos desenvolvidas economicamente.Soeles:ummecanismopolticoasemendas;umdepolticapblica seguridade social; e um constitucional as transferncias que com-

    pemoFundodeParticipaodosEstadosedoDistritoFederalFPEe o Fundo de Participao dos Municpios FPM.

    Federalismo e Conflitos Distributivos: Disputa dos Estados por Recursos...

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    Quadro 5

    Gasto per capita do SUS na Bahia, Cear e Paran

    (1997-1999)

    Estado 1997 1998 1999

    Bahia 31 42 56

    Cear 41 50 66

    Paran 55 62 71

    Fonte: Clculos da autora.

    Resumindo, os repasses do SUS so o principal responsvel pela ten-dncia de diminuio do escasso papel redistributivo dos recursosoramentrios federais. Tal situao parcialmente compensada pe-las emendas dos parlamentares da Bahia e do Cear, os quais, comovisto acima, apresentam maior volume de emendas do que os do Pa-ran. No entanto, os gastos com a seguridade social mostram queexistem polticas pblicas capazes de melhor equilibrar a alocao derecursos federais entre as regies.

    CONSIDERAES FINAIS26

    Este artigo analisou uma das vrias formas pelas quais uma Federa-

    o marcada por grandes desequilbrios regionais funciona. Nelaconvivem mltiplos centros de poder e diferentes formas de influen-ciar polticas pblicas e de assegurar recursos federais adicionaisparaosestados.Esseformatoassentaasbasesparaoexercciodedife-rentes prticas nas relaes entre os diversos centros de poder. Tal ca-racterstica promove a constituio de redes verticais entre estados,municpios e governo federal, assim como entre representantes doLegislativo e do Executivo. Essas redes ampliam as relaes intergo-vernamentais tradicionais e reescrevem as tambm tradicionais for-mas federativas de distribuio territorial de poder.

    Esses processos podem ser mais bem entendidos a partir de um enfo-que neo-institucionalista, que toma as decises emanadas da CMO,base emprica desta pesquisa, como influenciadas por fatores e cons-trangimentos institucionais que desenham as caractersticas do pro-cesso decisrio no interior da CMO.

    Neste trabalho foi testada a hiptese de que as instituies polticas

    moldamosprocessosatravsdosquaisasdecisessobrerecursosp-blicos so tomadas e implementadas e que essas decises mantm o

    Celina Souza

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    equilbriofederativoemumpasmuitodesigualdopontodevistafis-cal, econmico e social.

    OscasosdaBahia,CeareParanconfirmamalgunsargumentosaci-ma mencionados e apresentam as seguintes caractersticas comuns.Emprimeirolugar,oestudodostrsestadosmostraqueosparlamen-tares mais ativos na CMO tm pouca visibilidade e no so direta-mente formadores de opinio ou partcipes na formulao de polti-cas, o que sugere a existncia de outras formas de acesso aos recursosfederaisusadasporpolticosmaisinfluentes.NoscasosdaBahiaedoCear, tanto Antnio Carlos Magalhes como Tasso Jereissati possu-am, no perodo analisado, controle extraordinrio sobre suas respec-

    tivas bancadas estaduais, porm no Cear esse poder se confrontavacom um forte adversrio, o PMDB. Essa competio se manifestavatambm na CMO. J no Paran, as foras polticas eram mais pulveri-zadas. Apesar de algumas caractersticas diferenciadas, os parlamen-tares desses estados optaram, em vrios momentos, pela cooperaona disputa por recursos escassos. A fora dessa cooperao, medidapela prevalncia das emendas de bancada sobre as individuais, foimaisintensanoParanenaBahiadoquenoCear.Porqu?Arespos-tapareceestarnofatodeque,quandoopodermaisfragmentadoou

    concentrado,comonoParanenaBahia,hmaioresincentivoscoo-perao do que quando o poder mais polarizado, como no Cear.

    Em segundo lugar, tanto no caso da Bahia como no do Cear, deputa-dos eleitos por outros estados aprovaram emendas para ambos, evi-denciando a cooperao para alm das bancadas estaduais. Tal fatono ocorre no Paran devido maior fragmentao do poder, o quepermite que minorias partidrias no sejam eliminadas.

    Em terceiro lugar, aparece o resultado da contribuio do oramentofederal para o aumento da concentrao de recursos oramentriosnos estados economicamente mais desenvolvidos. Tal efeito provmdas transferncias do SUS, quefaz com queos recursos oramentriospara o Paran sejam sempre superiores aos dos dois outros estadospesquisados, contribuindo, assim, para aumentar os desequilbriosregionaisno que se refere distribuioanual dos recursos federais.

    Em quarto lugar, talvez o mais destacado produto dessa pesquisa no

    queserefereaoseureferencialterico,estaimportnciadosincenti-vos para moldar resultados de polticas pblicas e a estratgia dos

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    atores. Refiro-me s mudanas ocorridas na regulamentao dasemendas. Com a deciso de privilegiar as emendas de bancada sobreas individuais, aquelas assumem relevncia, mesmo nas bancadas

    que a elas reagiam, como a do Cear. Outra modificao nas regras daCMO foi introduzida em 1999, limitando o valor das emendas indivi-duais, sendo ela tambm responsvel pelo incremento das emendasde bancada em detrimento das individuais, forando, assim, a coope-rao entre parlamentares e partidos resistentes mesma27. Todavia,esta cooperao induzida pelos incentivos institucionais pode ter re-duzido a fora dos grupos partidrios minoritrios no estado, comofoi o caso do PMDB do Cear.

    Aqui tambm se procurou questionar algumas hipteses relaciona-das ao processo decisrio da CMO. O que se rotula de fisiologismo eporkbarrel ouoquevistounicamentecomoestratgiaparaasobrevi-vncia eleitoral dos parlamentares foi interpretado no apenas comouma forma de os parlamentares carrearem recursos para territriosondemantmcompromissoscomoeleitoradoecomaselitesdirigen-tes locais, mas tambm como uma maneira de compensar a ineficin-ciadasregrasformaisdeequalizaofiscal.Ademais,comasmudan-asnasregrasdaCMO,oargumentobaseadonapolticado porkbarrel

    reduz ainda mais sua importncia pela prevalncia das emendas debancada28.

    Retornando ao modelo hipottico de anlise, o fator/constrangi-mento institucional considerado foi o federalismo brasileiro, em es-pecial as regras do federalismo fiscal, que acomodam nossas histri-cas desigualdades regionais por via da negociao de recursos fede-rais adicionais para as unidades subnacionais. Uma das sadas paraenfrentar esse constrangimento a possibilidade aberta a parlamen-

    tares, em especial aos de menor visibilidade, de injetar recursos fede-raisnosterritriosqueoselegeram.Essaoportunidadedesenhaalgu-mas caractersticas do processo decisrio dentro da CMO. A primeira a autolimitao do poder individual dos parlamentares, que apro-varam medidas que estimulam a cooperao. Ademais, o processodecisrio dentro da CMO permite absorver demandas dos partidosquenointegramacoalizogovernistaestadual.Esseaspectodaco-operao condiciona a capacidade do governo de fazer escolhas naalocaoderecursospblicos,ouseja,aumentaaschancesdepresso

    sobre a burocracia federal para a liberao dos recursos. A segundacaracterstica resulta de decises polticas anteriormente tomadas,

    Celina Souza

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    isto,aopopormanteradesigualdadeentreregies,queincentivaos parlamentares a uma atuao estratgica, lanando mo de recei-tasfederaisparaminimiz-las,apesardeosrecursosdisposiodos

    parlamentares serem relativamente baixos.A CMO reflete, assim, as regras do jogo do federalismo brasileiro,as quais incentivam os parlamentares a buscarem minimizar a inefi-ccia ou a insuficincia das regras formais de equalizao fiscal. Noentanto, o desenho de algumas polticas pblicas, como o SUS, induz concentrao de recursos em estados/regies economicamentemais desenvolvidos, enquanto o de outras, como o da seguridade so-cial,tendemapromovermaiorequilbriofederativoregionaldosgas-

    tos pblicos.A trajetria da Federao brasileira, moldada na persistncia de pol-ticas que estimulam sua desigualdade, mas que amortecem essasmesmas desigualdades via recursos federais adicionais, permite-nosentendermelhoroqueosparlamentaresbuscammaximizareporqueperseguem certas polticas em lugar de outras. Ou seja, a opo poruma moldura terica que toma objetivos, estratgias e prefernciascomo algo a ser explicado tem a vantagem de situar essas questesdentro de um contexto maior que ultrapassa as formulaes baseadasunicamente no comportamento auto-interessado dos atores. As insti-tuies no so apenas uma outra varivel e no suficiente o reco-nhecimento de que elas contam. Ao tentar entender como as insti-tuies moldam no apenas as estratgias dos atores, mas tambmseus objetivos, e como so mediadas as relaes de cooperao e con-flito, busca-se iluminar os estudos sobre as instituies polticas na-cionais.

    Pode-se concluir, portanto, que as regras do jogo relativas aos con-

    flitosdistributivosemumaFederaomarcadapeladesigualdadere-gional permitem mudanas incrementais que contrabalanam a timi-dez das polticas de equalizao fiscal.

    (Recebido para publicao em dezembro de 2002)(Verso definitiva em julho de 2003)

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    NOTAS

    1. So aqui entendidas como regras formais aquelas que distribuem os recursos p-blicos nacionais por determinao constitucional ou legal, tais como os fundos departicipao dos estados e municpios; e por regras informais aquelas que, emboratambmpromovamdistribuiodasreceitaspblicas,noofazemapartirdecrit-rios determinados para tal fim, tais como as emendas ao oramento.

    2. A maioria das chamadas Federaes maduras, como Alemanha, Austrlia, Ca-nad e Sua, moldou seus sistemas federativos a partir de slidos mecanismos deequalizao fiscal entre seus estados e regies. A exceo so os EUA. Ver, a esserespeito, Bird (1993) e Shah (2000). Assim, a existncia, nos EUA e no Brasil, de re-gras facilitadoras de emendas ao oramento, muito raras nas Federaes madu-ras, talvez se explique mais pelo escasso papel, naquelas Federaes, de mecanis-mos de equalizao fiscal. Ou seja, questes relativas ao federalismo fiscal, e noapenas as relacionadas ao sistema eleitoral ou ao sistema presidencialista, podemtambm explicar por que emendas ao oramento adquirem relevncia nesses pa-ses.

    3. Excees so o trabalho pioneiro de Kugelmas, SallumJr. e Graeff (1989), que anali-sa o papel do Congresso na negociao dasdvidas estaduais na administraoSar-ney; Bezerra (1999), que traa as trajetrias de atuao de parlamentares na libera-o de recursos federais seguindo a tradio dos estudos de antropologia social;Santos et alii (1997), que associam a relao entre Executivo e Legislativo aos concei-tos de governabilidade e governana; Ames (1995) e Samuels (1998), que investi-gamarelaoentreasemendasdosdeputadosfederaiseseufuturopoltico;Perei-

    ra e Renn (2001), que analisam os determinantes da reeleio dos deputados fede-rais; Figueiredo e Limongi (2002), que investigam a participao dos legisladoresno processo oramentrio no perodo 1995-1999; e Santos (2000), sobre a motivaodos parlamentares em relao s suas carreiras polticas.

    4. Mais recentemente, pesquisas conduzidas por Figueiredo e Limongi (1999) forampioneiras na reinterpretao do funcionamento do Congresso aps a Constituiode 1988.

    5. Existem ainda poucos trabalhos que analisam o desempenho das bancadas regio-nais/estaduais. Excees so Rego (1984), que aborda o comportamento da banca-

    da do Nordeste no perodo do regime militar, e Ames (1995; 2001), que analisa ocomportamento das bancadas de estados selecionados em algumas votaes noCongresso.

    6. Entreos trabalhosmais recentessobre a trajetria poltica dessesestados, verAmes(2001) sobre a Bahia, Cear e Paran; Borges (2000), Desposato (2001), Oliveira(2000) e Souza (1997) sobre a Bahia; Bonfim (1999), Gondim (1998) e Tendler (1997)sobre o Cear; e Schneider (2001) sobre a Bahia e Paran.

    7. Por regras do jogo entenda-se os constrangimentos (limites) impostos aos atoresem suas escolhas estratgicas.

    8. Foram excludas as emendas propostas pelas comisses especiais e permanentes

    doCongressoemfunodaimpossibilidadedeidentificaodeseusautoresetam-bm as emendas destinadas s funes legislativa e judiciria. As das relatorias da

    Celina Souza

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    CMO receberam tratamento separado porque aumentaram de importncia no pe-rodo analisado, passando a alocar volume maior de recursos.

    9. Por essa lgica, o paradoxo da cooperao mais grave nos EUA do que no Brasil,

    porque l o oramento no apenas uma pea indicativa de despesas, como aqui.Dessa forma, o Executivo norte-americano tem pouco poder na execuo do ora-mento, razo pela qual essa literatura precisa ser utilizada com cuidado.

    10. As relatorias esto organizadas em grandes funes/setores ou reas temticas:Poderes do Estado e Representao; Justia e Defesa; Fazenda e Desenvolvimento;Agricultura e Poltica Fundiria; Infra-estrutura; Educao, Cultura, Cincia e Tec-nologia; Sade; Previdncia e Assistncia Social; Integrao Nacional, Meio Ambi-ente, Desporto e Turismo; Planejamento e Desenvolvimento Urbano.

    11. O ex-deputado Joo Alves, por exemplo, foi presidente e vice-presidente da CMOpor dezesseis anos, tanto durante como aps o regime militar. Essa longevidade foi

    interpretada pelos parlamentares brasileiros como um incentivo corrupo, con-trariamente viso de muitos analistas, em especial os brasilianistas, que apon-tamcomoumdosproblemasdoCongressobrasileiroafaltadeincentivossenio-ridade.

    12. Isto, todavia, no foi suficiente para dar ao pesquisador interessado no tema do or-amento elementos para analis-lo. Somente aps o controle da inflao puderamser realizadas pesquisas a respeito. Um outro problema relacionando inflao e or-amento tinha a ver com o fato de os parlamentares, ao apresentarem suas emen-das, terem de indicar as respectivas fontes de receita. Tal restrio era sistematica-mente burlada, uma vez que os parlamentares apresentavam emendas criando re-

    ceitas adicionais sob a alegao de que o Executivo havia subestimado a arrecada-oderecursos,oquenoeradetodoirracional,considerandoodescontroledain-flao. Segundo estimativas, essa prtica gerava uma receita extra, fictcia, da or-dem de 3% do PIB (Afonso, 1994:75). Sobre o papel da inflao no processo ora-mentrio brasileiro, ver Franco (1993) e Serra (1989), e sobre o impacto da inflaona execuo oramentria, ver Pinheiro (1996).

    13. No perodo e nos estados analisados, somente uma emenda do Paran e outra daBahia foram vetadas pelo presidente.

    14. A to divulgada percepo de que os parlamentares brasileiros tm pouca discipli-na partidria no est sendo confirmada pelos dados empricos analisados por Fi-

    gueiredo e Limongi (1999) e Nicolau (1997). Em trabalho especfico sobre a polticaoramentriabrasileira,FigueiredoeLimongi(2002)tambmquestionamatesedainfluncia da legislao eleitoral sobre o comportamento dos congressistas.

    15. Blumm (1999) mostrou como essa foi uma das estratgias usadas pela prefeita deSalvador, Ldice da Mata, que administrou em oposio ao governo do estado, paraconseguir investimentos para a cidade.

    16. As emendas propostas pelas comisses permanentes do Congresso foram insigni-ficantes no perodo, mostrando que a disputa por recursos oramentrios dentrodo Congresso se d quase que exclusivamente na esfera da CMO.

    17. No Cear e no Paran tambm foram poucos os parlamentares que apresentaram

    emendas em 1995, embora o volume destas tenha sido significativo em compara-o com os demais anos.

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    18. O senador ACM, por exemplo, apresentou uma emenda que representava 1% dototal das que favoreciam o estado.

    19. Em1997,ACMfoieleitopresidentedoSenadoedoCongresso,eseufilho,quefale-ceu em abril de 1998, o deputado Lus Eduardo Magalhes, foi designado lder dogoverno na Cmara.

    20. A pesquisaanalisoudados dasemendas porfuno, mas como estas ltimas no ti-veram relevncia para a construo dos argumentos do trabalho, elas no so aquidetidamenteanalisadas.NocasodaBahia,aprincipalprioridadesetorialnopero-do foi desenvolvimento regional e transportes, com pouca nfase para educao esade.

    21. No que se refere s emendas por funo, os parlamentares do Cear priorizaram,at 1998, as destinadas sade, uma das principais vitrines dos governos do PSDBno estado. Essa tendncia, no entanto, foi interrompida em 1999.

    22. No que se refere s funes, os parlamentares do Paran demonstraramduasclaraspreferncias: transportes e sade/saneamento.

    23. Poucostrabalhosdesagregamessesdadosporhabitanteeincluemoutrasdespesasfederais nos estados, tais como as transferncias constitucionais, os gastos com aseguridade social, que incluem as despesas com aposentadorias e penses, e os in-vestimentos das empresas estatais. At onde tenho conhecimento, apenas um tra-

    balholevantouessasinformaes,masapenasparaooramentode1995,incluindoos gastos federais com as transferncias constitucionais para estados e municpios,que compem o Fundo de Participao dos Estados e do Distrito Federal FPE e oFundo de Participao dos Municpios FPM e que privilegiam os territrios me-

    nos desenvolvidos, e as despesas com a seguridade social. Foram excludas as des-pesas das estatais. De acordo com esses dados, a maior despesa per capita tambmocorreu no Centro-Oeste, com R$ 1.460 por habitante, seguida do Norte, com R$597, Nordeste, R$ 357, Sul, R$ 339, e Sudeste, R$ 283 (Galvo et alii, 1996). Assim,quandoseincluemoutrositensdedespesa,taiscomoastransfernciasconstitucio-nais e a seguridade social, o gasto por habitante torna-se menos regressivo. No en-tanto, permanece inalterada a posio do Distrito Federal.

    24. Sobre o processo decisrio na Constituinte de 1988 relativo distribuio de recur-sos tributrios, ver Souza (2001).

    25. Dados fornecidos pela Secretaria de Assistncia Sade do Ministrio da Sade.

    26. Essa pesquisa d apenas o passo inicial para a compreenso das questes aqui le-vantadas. Sua base de dados, de quatro anos, e seu enfoque, em trs estados, ape-nas comeam a iluminar a compreenso sobre os processos aqui relatados.

    27. A existncia e o fortalecimento dos mecanismos de cooperao no significam, to-davia, a inexistncia de estratgias que buscam aumentar o contedo individuali-zado das emendas, de que exemplo o que se convencionou chamar de bolsas deemendas,quesonegociadasentreosparlamentares.Noentanto,regrascoopera -tivasinexistentesanteriormentenosforamcriadascomovmsendofortalecidasao longo dos ltimos anos.

    28. Um dos pareceristas annimos deste artigo sugeriu que tal fato pode ser passvel

    tambmdeumainterpretaodecontedoschumpeteriano,ouseja,aoimplemen-tar uma estratgia para reeleio ou sobrevivncia eleitoral, os parlamentares aca-

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    bam por realizar compensaes s desigualdades regionais. No entanto, o argu-mento aqui defendido o de que, na ausncia de mecanismos eficazes de equaliza-o fiscal, o parlamentar adota a estratgia de propor emendas e no a de concen-trar esforos em outras formas de atuao.

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    GLOSSRIO

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    PFL Partido da Frente LiberalPL Partido LiberalPMDB Partido do Movimento Democrtico BrasileiroPPB Partido Popular BrasileiroPPS Partido Popular SocialistaPSB Partido Socialista BrasileiroPSDB Partido da Social Democracia BrasileiraPT Partido dos Trabalhadores

    PTB Partido Trabalhista BrasileiroPV Partido Verde

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    ABSTRACTFederalism and Distributive Conflicts: The Struggle among BrazilianStates for Federal Budget Resources

    This article analyzes how State-by-State representation in the BrazilianNational Congress processes and negotiates amendments to the Federal

    budget within the Joint Budget Committee. Amendments submitted from1995 to 1999 by members of Congress from three selected States (Bahia,Cear, and Paran) are analyzed. Several hypotheses concerning the role ofamendments are investigated, arguing that the amendments, like certainFederal policies, facilitate the accommodation of tensions arising in aFederative system marked by regional inequalities.

    Key words: federalism; fiscal federalism; federal budget; budget

    amendments; state representation in the National Congress

    RSUMFdralisme et Conflits de Rpartition: Lutte des tats Brsiliens pour

    des Ressources Budgtaires Accordes par le Gouvernement FdralDans cet article, on examine comment les groupes de dputs des tats

    brsiliens mettent en place et ngocient des amendements au budget fdralau sein de la Commission Mixte du Budget du Congrs. On analyse lesamendementspropossparlesparlementairesdetroistatsBahia,CearetParanpourlapriode1995-1999.Ondiscutedeshypothsessurlerledesamendements tout en montrant que ceux-ci, ainsi que certaines politiquesfdrales, contribuent au relchement des tensions existant dans uneFdration marque par des ingalits rgionales.

    Mots-cl: fdralisme; fdralisme fiscal; budget fdral; amendementsbudgtaires; groupes de dputs des tats

    Celina Souza