FASCÍCULO 1 da História de Belém

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    FASCÍCULO 1

    Fascículo encartado em O LIBERAL.Não pode ser vendido separadamente.Esta publicação é editada por RM Graph Ltda.CNPJ (MF) 03.547.690/001-91. Nire 15.2.007.1152-3Inscrição estadual: 158.028-9Avenida Romulo Maiorana, 2473 / Marco - Belém - ParáTelefone: (91) 3216-1004

    Diretor Responsável: João Pojucam de MoraesCoord. de Projetos Especiais: Luciana SarmanhoConsultoria histórica: Stela Pojuci de MoraisEditor responsável: Felipe Melo (SRTE-PA 1769)Editor de Arte: Filipe Sanches (SRTE-PA 2196)Textos: Moisés SarrafTratamento de Imagem: Alexsandro Santos

    APOIOREALIZAÇÃO PRODUÇÃO

    FASCÍCULO 1

    O nascimentode uma cidadeIntrodução- Antes de tudo, uma nação.P. 2Contexto Internacional- A França Equinocial.P. 4Luta pelo poder - A tomada de S. Luís do Maranhão.P. 6A chegada - A jornada de Castello Branco.P. 8Fascínio - Um sonho ao Norte?P.11Conflitos - Primeira Guerra na Amazônia.P. 12Fortificação - Mairy.P. 15Persona - Castello Branco.P. 16

    DE 1616 a 2016

    COLEÇÃO

    F U N D A Ç

    Ã O D E B E L É M ( T H E O D O R O B R A G A ) / R E P R O D U Ç

    Ã O O S W A L D O F O R T E

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    DE 1616 a 2016COLEÇÃO

    Antes de tudo,

    uma naçãouito antes deuma extensarede de igarapésse tornar umemaranhado de

    canais em con-creto armado, sob as chuvase o calor da floresta, maslonge dos corredores demangueiras; numa terraonde ninguém sabia quemera Jesus Cristo e Virgem

    Maria, séculos antes de umaprocissão fazer mais de doismilhões de pessoas cami-nharem entre duas igrejas;antes do tecnobrega, antes do

    Bar do Parque, antes da Esta-ção das Docas, antes até domercado do Ver-o-Peso, doEstado do Grão-Pará e Mara-nhão, e antes mesmo do idio-ma português, antes de tudoisso – e muito mais –, antes

    da própria ideia de cidade, ha-via uma região às margens dabaía do Guajará e, nele, viviauma nação. Uma populaçãoque estremeceu os primeiros

    a se aventurar longe de suasnações, os primeiros que fo-ram além do mar, os primei-ros que se autodenomina-ram Conquistadores.

    Os visitantes portuguesespartiram, já no Brasil, do que

    Colonizadores portugueses encontraram um povo genuíno na Amazônia

    As naus são embarcaçõesde grande porte que faziamtransporte de navegantese cargas pesadas por grandes

    extensões. Esses veículos tiverampapel importante na época dodescobrimento do Novo Mundo.

    INTRODUÇÃO

    M

    hoje se chama de Estado daBahia, ao Sul e ao Norte, en-tão, no início do século XVI,à medida que outras naçõescomeçaram a singrar lon-

    gos, largos e profundos rios àprocura do que aquela terrapudesse dar, sobretudo embusca de dois ativos de gran-de valor na corrida colonia-lista rumo ao Novo Mundo:ouro e almas.

    1.

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    FASCÍCULO 1

    A EXPULSÃO DOS FRANCESESNA BATALHA DE GUAXENDUBAGuaxenduba já não existe, deu lugar à atual cidade de Icatu,no Estado do Maranhão, mas foi onde ocorreu, em 19 denovembro de 1614, um confronto militar europeu-indígenaque definiu o futuro de São Luís: portugueses e tabajarasde um lado, franceses e tupinambá, do outro. Foi a vitóriana batalha de Guaxenduba o mais importante passo lusopara a expulsão dos franceses do Maranhão, consolidadano dia 4 de novembro de 1615. Foi a partir da fixação por-tuguesa em São Luís que a União Ibérica conseguiu partirrumo à ocupação da Amazônia. Uma cruz chegou a sererguida no local para celebrar o feito dos Conquistadores.

    Um patacho, um cara-velão e uma lancha, compouco mais de 150 homens¹,entre portugueses toma-dos pelo espírito lusíada eindígenas recrutados pelocaminho, a cruzar ensea-

    das, baías, furos e grandesrios, trespassando as ilhasda baía do Guajará sob o co-mando de um francês.

    Acouçando e sendo acou-çados, 18 dias depois de par-tir do forte de São Luís doMaranhão, a mais nova con-

    quista da Coroa Portuguesadepois da expulsão dos fran-ceses, deviam tratar “de es-colher sitio acomodado paraforticar-se”², segundo oregimento dado pelo pró-prio Alexandre de Moura,então capitão-mor do Ma-

    ranhão. No dia 12 de janeirode 1616, Antonio de Deus³ foio primeiro português a colo-car os pés na terra até entãodos Tupinambá. Fundaram oprimeiro povoado portuguêsna Amazônia, mas antes dis-so, muito antes, tiveram deentregar suas vidas e suasalmas ao novo projeto por-tuguês, que parecia insani-dade, numa terra vazia dasriquezas esperadas a priori,não fosse o fato de aquelasorestas estarem em dispu-ta por holandeses, inglesese franceses. Era a hora defundar a Feliz Lusitânia.

    ENQUANTOISSO...

    1614A índiaPocahontas, nascida nosEUA, se casa com o comercianteinglês John Rolfe, no dia 5 de abril. Aunião ajudou a estabelecer a pazentre os colonos britânicos deJamestown e a tribo de Powhatan,

    no Estado americano da Virgínia. Em1995, os Estúdios Disney levaram avida da nativa às telas de cinema emum romântico desenho animado.

    1615Em 4 de junho, o exército doxogum Tokugawa Ieyasu cercaa Fortaleza de Osaka, no Japão,dominada pelo clã Toyotomi. Aconquista dá início a uma novaera de poder político e militar nopaís, que culminou com a expul-são dos portugueses em 1633.

    1 . P O R T U G U E S E C A R R A C K S O F F A R O C K Y C O A S T / W I K I C O M M O N S 2 . C L A U D

    E D ’ A B B E V I L L E

    , H I S T O I R E D E L A M I S S I O N ( P A R I S

    , 1 6 1 4 ) / W I K I C O M M O N S / 3

    . W I K I C O M M O N S / 4

    . W I K I C O M M O N S

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    Naquele crepúsculo, já com o au-xílio da luz da fogueira, mais de 60índios se reuniam, num falatóriotupi cessado pelo discurso áspero.O morubixaba4 não pediu silêncio,simplesmente começou sua argu-mentação, apontando para o cen-

    tro da roda com gestos de ódio, opovo todo à volta de uma pilha deobjetos, entre chapéus, garrafase espelhos. Os presentes eram oargumento material que falavamuito sobre os dois anos desdeque o estrangeiro desembarcouno Mairy, mas a noite anterior

    se autoexplicativa. Duas índiasde 14 anos haviam sido captu-radas por um quarteto de sol-dados portugueses à beira doPiry enquanto se banhavam.No local, ainda havia umas pe-gadas arrastadas no mangue eduas cuias; os gritos das meni-

    nas ecoando no rumo do fortimeram a certeza de que se repe-tira o sequestro cada vez maisfrequente entre os barbudos. Aguerra era a gênese da sociedadetupinambá; os portugueses aindanão sabiam que, ao redor do For-te do Presépio, estavam os mes-

    mos bravios da ilha maranhense.A guerra às vésperas, um embatebélico e cultural, que colocou em ris-co a existência de duas sociedadesno Novo Mundo, tanto a indígenaquanto a europeia, era o ápicede um processo anterior, inicia-do havia dois anos, uma década,

    meio século, 100 anos: fazia par-te do ciclo histórico do que ficouconhecido como Conquista.

    Em junho de 1518, Luterofoi processado pela Igrejapor causa de suas 95 teses

    A França

    EquinocialConflitos de pensamentos e a necessidade de conquistar

    CONTEXTO INTERNACIONALPRÓLOGO

    écadas depoisde a Igreja ga-nhar um exí-mio teólogo,

    veio o baque de um rachano Catolicismo. O alemãoMartinho Lutero, de mongeagostiniano e professor daTeologia Cristã, tornou-se oexpoente de uma nova dou-trina a percorrer a Europa,que sacudiu os conchaves

    das casas reais até chegarao Vaticano. Um dos resul-tados mais profundos foi aprofusão de novas denomi-nações religiosas a orescernas principais nações euro-peias, sempre inuencia-das por fatores econômicos,

    políticos e socioculturaisregionais: anglicanismona Inglaterra, luteranismona Alemanha e calvinismona Suíça. Tudo isso bem noinício do século XVI. Consi-derado inicialmente comouma monumental heresia,o movimento de Lutero foimaior do que previa a CúriaRomana. Começava, de fato,

    a Reforma Protestante.Lutero passou a denun-

    ciar publicamente as inú-meras contradições que

    infestavam o clero, che-gando à própria críticados dogmas da doutrinacatólica. A venda das in-dulgências para nanciara construção da Basílicade São Pedro, em Roma,foi mais um alvo do teólo-

    go. “Blasfêmia!”, se diziapelos corredores do Vati-cano. Depois de xar suas

    95 teses na porta da Cate-dral de Wittemburg, naAlemanha, onde morava– sem a devida atenção do

    Papa Leão X –, Lutero man-teve seus posicionamentospor três anos, apesar dea Santa Sé ordenar que oagostiniano se retratasse.Mesmo excomungado daIgreja de Roma, o ex-mon-ge alemão já tinha o apoio

    dos príncipes de seu país,no movimento que reetianão apenas o pensamen-to do próprio monge, masprincipalmente a neces-sidade de transformaçãopela qual passava o Cris-tianismo.

    Na França, os “protes-tantes” eram chamadoshuguenotes, grupo que pas-sou a viver impelido pelasguerras. Sofrendo perse-guições, passaram a buscarnovas regiões onde viver e,com o investimento da co-roa francesa na fundaçãode colônias, a América eraum bom lugar para extra-

    D

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    FASCÍCULO 1

    UM ACORDO DE DIVISÃOO Tratado de Tordesilhas tinha apenas umaresolução: uma linha imaginária que repartia oNovo Mundo. Assinado em 7 de junho de 1494,na povoação castelhana de Tordesilhas, o acordofoi resultado do último grande acontecimento:O conquistador Cristóvão Colombo, um ano emeio antes, havia desembarcado no que viria a

    ser chamado de América, reclamando o territóriooficialmente a Isabel, a rainha católica. Os portu-gueses contestaram tal ”descoberta”. O reino dePortugal e a recém-formada Espanha firmaram,então, o acordo que garantia os territórios aleste daquele meridiano a Portugal e, a oeste, aEspanha. Na reprodução acima, a folha de rostooriginal do Tratado de Tordesilhas.

    Com o catolicismo estremecidopelas ideias do monge alemão,

    o Papa Leão X , da linhagem dosMédici, enfrentou um períodoturbulento em seu ponticado

    ENQUANTOISSO...

    1616O livro Núpcias Químicas, de Chris-tian Rozenkreuz, é lançado emEstrasburgo, Alemanha. De conteú-do místico, a obra revela ao mundo aOrdem Rosacruz, uma confraria deiluminados em busca da evolução

    espiritual da Humanidade.

    No dia 22 de abril morre o escri-tor espanhol Miguel de Cervan-tes, autor de“Dom Quixote”, umclássico da literatura universal.

    1617Salvador Correia de Sá, militara serviço da Coroa Portuguesano Brasil, autoriza o filho serta-nista Gonçalo Correia de Sá aabrir caminho para a Marinha norio Paraíba e explorar o sertãonordestino. Nesse período, umacarta régia ordenou aos vassa-

    los que descobrissem prováveisminas no País.

    vasar as tensões políticas euro-peias. O Tratado de Tordesilhas(1494), que repartia o mundoentre Portugal e Espanha, eraapenas um papel: o huguenotebuscaria suas almas no Bra-sil – principalmente ao Norte.As forças francesas iniciam a

    ofensiva com a invasão do Riode Janeiro, em 1555, seguidapela fundação da cidade de SãoLuís, no Maranhão, em 1612,homenageando o rei da Fran-ça, Luís XIII. Estava ncado opilar da França Equinocial. As-sentados ao Norte, com a bacia

    amazônica toda à sua livre na-vegação, somando-se ainda asvisitas inglesas, holandesas eaté irlandesas, a colônia hugue-note forçou a metrópole portu-guesa a tomar uma decisão: erachegada a hora da peleja, com aexpulsão do invasor e início da

    colônia lusa no norte do Brasil.

    1 . L U T E R O P O R L U C

    A S C R A N A C H / W I K I C O M M O N S / 2

    . D E T T A G L I O D I P A P A L E O N E X / R A F A E L S A N Z I O 3 . T R A T A D O D E T O R D E S I L H A S / B I B L I O T E C A N A C I O N A L D E L I S B O A 4 . D O N Q U I J O T E D E L A M A N C H A E S A N C H O P A N Ç A / G U S T A V E D O R É ( 1 8 6 3 ) 5 . R I O P A R A I B A / G E O R G E M A R C G R A F ( 1 6 4 3 )

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    A tomada

    de São Luísdo Maranhão

    LUTA PELO PODER

    á bocca do Amazonas” 5. Ointeresse estrangeiro naregião seguia rmandorelações comerciais com

    os indígenas das mais va-riadas nações, procuran-do instalar suas feitorias,de onde sairiam as basesconcretas para colôniasnas terras daqui.

    O francês foi quemconseguiu se instalar de

    fato logo no início do sé-culo XVII. Mas nas bravaságuas – e suas praias–, regime de marédesconhec ido ,com o vaivém dasondas, diferentese mais ou menos

    intenso nas varia-das épocas doano, não era

    difícil que as naus caíssemem desgraça, como ocorreucom um afortunado Char-les de Vaux6, piloto que se

    tornara a referência com otimão europeu na Amazô-nia. O naufrágio foi semen-te da França Equinocialno Maranhão. Garantida asobrevivência ao acidente,Vaux entrara em contatocom os Tupinambá, apren-

    dendo hábitos e costumes,comendo o que lhe dessem,

    fazendo o que lhe pe-dissem, com uma

    europeu, gra-dativamente,

    conheceu bema Amazônia:a hidrograa

    da região, a relação coma vegetação, seus peixes ecaças. Cada detalhe das jor-nadas virava um tratadosobre determinado aspecto

    do lugar. Um movimento denavegadores que se dea-grou muito antes de a Coroa

    Portuguesa ou mesmo dea Coroa Ibérica começar a

    se preocupar com a exten-síssima faixa de terra queveio a ser um terço do ter-ritório do Brasil moderno.O estrangeiro estava nasartérias amazônicas, tantoque “desde a ultima decadado seculo, inglezes, hollan-

    dezes e francezes começa- vam a reconhecer o littoral,das cercanias das Guyanas

    Senhor de La Ravar-dière, o francês Daniel

    de La Touche possui

    um busto em frente àPrefeitura de São Luís,

    no Maranhão

    Índios batizados com vestimentas francesas no Maranhão

    OO Brasil se defende dos franceses

    1.

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    FASCÍCULO 1

    ENQUANTOISSO...

    1618Em 8 de março, o astrônomo ematemático alemãoJohannes Kepler formula a terceira lei demovimento dos planetas, reforçan-do a teoria de que a Terra gira emtorno do Sol, do polonês Nicolau

    Copérnico, enunciada em 1543.

    Início da Guerra dos Trinta Anos,um conjunto de conflitos entrediversos países da Europa pormotivos variados como riva-lidades religiosas, dinásticas,territoriais e comerciais. Os

    confrontos se encerraram comoa “Paz de Vestfália”, tratadoassinado em 1648.

    1619A Ordem Terceira de São Fran-cisco da Penitência, dos padresfranciscanos, se estabelece no Rio

    de Janeiro, tornando-se referênciano tratamento dos enfermos.

    cordialidade que tinha umobjetivo claro: trazer o nati-

    vo à empresa francesa. Suahabilidade com o timão ga-nhou um título apropriadode Itajubá que, em tupi, temum signicado semelhan-te a “braço de ferro”. Sempresença europeia algumanaquelas terras, já que “Por-

    tugal não existia de fato naAmazônia”, como inicia ohistoriador Arthur CezarFerreira Reis, “se alguémestava a se apropriar de umterritório indígena, esse erao conquistador francês”.

    Desde o início do século

    XVI um nome se entranha-va pelas reentrâncias ma-ranhenses e além rio Ama-zonas. Daniel de La Touche,o senhor de La Ravardière,recebera o título de repre-sentante do rei nas terrasamericanas, “do rio Amazo-

    nas até a ilha da Trindade”,assinado pelo próprio sobe-rano francês Henrique XIII 7.Algumas expedições portu-guesas haviam sido envia-das à Conquista do Mara-nhão 8, sem sucesso, porém.E a isso se soma a hercúlea

    navegação da costa nordes-tina ao Norte, de diculda-des políticas e econômicasaos “ventos contra-alísios”que ninguém domava 9. Foiquando o controle da região,que nunca testemunhara otremular de uma bandeira

    ibérica, se via seriamenteameaçado. O único empeci-lho ao francês era o nativo,

    mas o trato daquela naçãocom os indígenas, inclusive

    os guerreiros tupinambás,ainda ressoaria pelo séculoXVI como exemplo de paz en-tre os soldados de Henrique eos falantes do tupi.

    Foi quando sussurros che-garam aos ouvidos de El-Rey:Portugal e, neste período, a

    Coroa Ibérica, já não manda-va ao norte do Brasil – menosainda que antes.

    Em 1612, deu-se a funda-ção da França Equinocial, anoroeste da ilha de São Luís,homenagem, claro, ao sobera-no francês, com “todas as so-lenidades pertinentes e maisalgum exagero extra para

    bem impressionar o nativo” 10.Nesse entretempo, missio-nários e soldados cuidaramde prometer: novos senhoresaos indígenas, só que justos epromissores; guias espiritu-ais maiores que seus própriospajés; prosperidade, poderes,

    armas, vitórias contra seus ini-migos. Em pouco tempo, surgi-ram os línguas , tradutores do

    tupi. Consolidava-se a histó-ria franco-brasileira.

    Em 19 de novembro de1614, porém, os portu-gueses se forticaram noque podiam até chegar aoseu máximo poderio: 230soldados, 60 marinheiros,cerca de 300 índios Tupi-nambá de Pernambuco

    e da serra da Ibiapaba,além de 300 mulheres ecrianças, em oito navios 11.Uma força extremamenteinferior para quem pre-tendia desaquartelar umexército de 200 soldadosfranceses e 1.500 índios,

    estes já assentados e comcanhões virados para oinimigo12. Os emissáriosbuscaram às pressas Da-niel de La Touche, queexplorava o rio Tocantinsnaquele período. De voltapara comandar a defesa,

    o senhor de La Ravardièrenão teve dúvida de sua su-perioridade e partiu paraa ofensiva: iria dizimar aesquadra portuguesa. Seuotimismo foi o elixir dosertanista pernambucano Jerônimo de Albuquerque,

    capitão-mor do Maranhão,na batalha de Guaxendubaque, no decorrer de um únicodia, estava liquidada, comseus ecos, porém, seguindorio adentro no século XVII.O saldo fora de 115 france-ses e mais de 500 mortos.

    Do lado vitorioso portu-guês, uma dezena de lusose 100 índios aliados13.

    Jerônimo de Albuquerqueera pernambucano e liderouPotugual contra os huguenotes

    1 . I L L U S T R A T I O N S D E H I S T O I R E D E L A M I S S I O N D E S P È R E S C A P U C I N S E N L ’ I S L E D E M A R A G N A N E T T E R R E S C I R C O N V O I S I N E S L . G A U L T I E R 2 . B U S T O D E D A N I E L D E L A T O U C H E / L Y S S U E L C A L V E T 3 . J E R Ô N I M O D E A L B U Q U E R Q U E / R E P R O D U Ç

    Ã O 4 . J O H A N N E S K E P L E R ( 1 6 1 0 ) 5 . G U E R R A T R I N T A A N O

    S

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    A jornada deCastello Brancoma eletricidade

    corria por en-tre as tábuas doconvés de umcaravelão, pelomenos na cabe-

    ça de inexperientes solda-dos, uma fração dos maisde 150 homens a rumar

    por entre águas barrentase azuladas, negras e crista-linas, dependendo de por

    onde passavam. Impossível

    àqueles soldados saber a di-mensão da expedição quefundaria o que por séculosfoi apenas uma vila. Apesarde não terem a menor ideiado que os esperava, aquelessoldados portugueses e al-guns indígenas, armados

    com toneladas de muniçãode boca, vinham inamadospela vitória sobre a França, e

    com um sonho, que havia de

    se concretizar naquela novaterra no extremo Norte.

    Apenas um homem sabiao que estava fazendo entreos intermináveis galhosda hidrograa amazônica:Charles de Vaux, hábil pilo-to das reentrâncias mara-

    nhenses, que fora o início daEuropa na Amazônia dadasuas viagens de exploração

    O espírito conquistador trouxe os visitantes até aqui

    A CHEGADA

    U

    da foz do rio Amazonas. Asordens dadas no regimen-to de Alexandre de Moura,

    então capitão-mor do Ma-ranhão, foram cumpridascom o mínimo de acerto.Saindo do porto de São Luís,a esquadra navegou teme-rosamente, sempre com acosta à vista. A primeiraparada fora em Cumá para

    abastecer 14. Os ávidos por-tugueses e seu espírito lu-síada podiam tudo, menosdispensar os indígenas nacampanha de colonização daregião, aproveitando-se dahabilidade de De Vaux, queem seus tempos pelas terras

    tornou-se um “língua”.Com um o e um peso

    pendendo na ponta, mergu-

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    9

    FASCÍCULO 1

    lhado a metros ao fundo, osportugueses podiam medira profundidade para conti-nuar a navegação. Tinhamde ir devagar, sondando ofundo, esperando os bons

    ventos para impulsionaras velas e, claro, tinhamde parar quando não haviabons ventos pela frente. Aochegar ao ponto que futu-ramente fora chamado deSeparará 15, adentraram defato o estuário. Feito isso,

    seguiram até chegar ao rioPará e, então, à baía do Sol,na atual ilha de Mosquei-

    ro, distrito de Belém. Foi apartir dali que FranciscoCaldeira Castello Branco co-meçara a observar um sítio“acomodado para forticar-se”, como dizia o regimentodo dia 23 de dezembro de1615, lembrando que os dias

    – ou semanas – da jornadanão seriam uma viagem pelorio Tejo. Era preciso fazer detudo para que “que indo láalguas nãos inimigas lhe possão damnicar seos na- vios por serem pequenos”.Depois da vitória em São

    Luís, com o assalto estran-geiro em curso e os rumores– agora reais – de que outroseuropeus se assentavamna Amazônia, o exploradorportuguês fora designado aconquistar o Grão-Pará.

    Fosse a viagem feita hoje,

    sairia de São Luís, passandopor Alcântara, até chegar àaltura da praia do Atalaia, já em Salinas, no Pará, aden-trando o rio Guajará-Mirim.A esquadra passaria emfrente à igreja de Pedra deVigia de Nazaré até desem-

    bocar na ilha de Colares se-guindo mais um ou dois dias.Iriam ver as ilhas de Outeiro,Mosqueiro, Cotijuba e o dis-trito de Icoaraci até avistara terra onde construiriam oforte. Ontem, como hoje, te-ria de seguir, como relatou o

    historiador Manoel Barata,em “A Jornada de FranciscoCaldeira Castello Branco”,

    “navegando só de dia, terraà terra, prumo na mão, con-tornando muitas enseadase baías”. Foram 18 dias, re-cheados de tensos contatoscom indígenas de diferen-tes nações e línguas, e ain-da assombrados pelo medo

    de encarar uma esquadraholandesa ou irlandesa –inglesa, quem sabe? –, quepoderia ser muito maiore, facilmente, massacraro caravelão, o patacho e alancha portugueses.

    Foi no 12º dia de janeiro do

    ano de 1616, a segunda terça-feira do mês, que centenas detupinambás disseram: “ma-racatim” (grande embarca-ção), como na chegada doespanhol Francisco Cortezem frente aos templos as-tecas, de seu conterrâneo

    Hernán Pizarro nas mon-tanhas de Machu Picchu, e

    do português Pedro Álva-res Cabral à Bahia. Deu-seo primeiro encontro compares de sua mesma espé-cie, só que quase deuses detão díspares: homens bran-cos, ardilosos, barbados,vestidos e armados. Sob as

    chuvas de janeiro, desem-barcou Castello Branco,rodeado pelos tupinambás,onde hoje se encontram osresquícios do forte que osportugueses chamaramPresépio em homenagemao homem cuja morte esta-

    va estampada no peito por-tuguês em forma de cru-cixo, lembrando o dia departida de São Luís: 25 dedezembro. À cidade, cha-maram Feliz Lusitânia: ex-puseram o patriotismo deuma terra que se encontra-

    va sob domínio do rei da Es-panha, Felipe II, no período

    As vestimentas fartas e coloridas dos colonizadores despertarama atenção do nativo tupinambá, habituado a viver “nu em pelo”

    No quadro “Fundação deBelém”, o artista Theodoro

    Braga retrata o instante emque índios e portugueses se

    encontram pela primeira vez

    1.

    3.2.

    1 . F U N D A Ç

    Ã O D E B E L É M ( T H E O D O R O B R A G A ) / R E P R O D U Ç

    Ã O O S W A L D O F O R T E 2 D E T A L H E V E S T I M E N T A D O S É C

    . X V I I . 3 . H O M E N T U P I N A M B A / J O H N W H I T E

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    conhecido como a União dasCoroas Ibéricas. Disseramestar sob as bênçãos de San-ta Maria de Belém, festejadaem janeiro no calendário ro-mano da Igreja Católica e atéhoje padroeira da cidade,fechando o ciclo de festejos

    natalinos.Uma conversa se seguiu,

    com indígenas apontandopara cada peça de roupa dovestuário português e tecen-do comentários traduzidosaos pedaços pelos “línguas”ao redor. Como transplantar

    do tupi ao português as pala-vras que designavam a para-fernália lusa? Fosse possíveltraduzir na totalidade, es-tariam certamente falandosobre os calções descidos atépróximo ao joelho, bastantefartos; o justilho era aper-

    tado, se enando pelas telasmetálicas para aprumar otorso, junto de um pesco-ço rodeado por uma coleirade gaze encardida e durade goma. A barba era dese-nhada em ponta, cabelosescovados, chapéu em cone

    com suas pequenas abas euma breve pluma na cabe-ça, talvez a única peça quecausara alguma identica-ção com o indígena. Algunstinham as argolinhas de ourotrespassadas na orelha, feitopirata; estavam de botas altas

    ou pelo menos em sapatos ra-sos, com saltinhos, atados nopé por laços de ta larga. O

    traje era todo veludo16.Do lado português, co-

    mentaram à vontade, já que

    não havia quem traduzis-se. Depois de um primeirocontato cauteloso, olharamos ossos dependurados nosguerreiros designados aassuntar o que acontecia.Viram os dentes humanosenados como brincos, as

    incisões debaixo dos lábios.Olharam para a tanga feitade bra, que protegia um mí-nimo percentual do corpo: otacape nas mãos de uns, o gi-gantesco arco na de outros 17.

    Bem ao lado da aldeiaTupinambá, na concessão

    dos presentes, de espelhosa panos, usados como for-ma de contato com o índio,se iniciou a construção decasas de madeira, cobertasde palha18, já com a lida dosbraços nativos. Foi lá que seedicou uma casa em honra

    a Nossa Senhora das Graças,a semente do que viria a setornar a Igreja da Sé, em

    frente ao forte. A relaçãoentre o barbudo e o imber-be começava sem atropelos,

    mas não tardaria a estourarem uma guerra permeadados mais terríveis crimes,marca inapagável da Con-quista do Novo Mundo. Aorio que terminava na baíado Guajará, deram o nomede Parau-Assu, termo usa-

    do pelos Tupinambá paradenir o rio Amazonas, quesignicava algo como “pai

    Vista atual da baía do Guajará, por onde os portugueses chegaram em 12 de janeiro de 1616

    dos rios”. E, ao aportuguesaro termo, nascera o Conquis-tador e Descobridor do Rio

    Grão-Pará. Era 12 de janeirode 1616: m da jornada deSão Luís a Belém, início dom da história Tupinambáao Norte.

    A baía do Sol, em Mosqueiro, foium dos primeiros locais registra-

    dos pela expedição portuguesa noPará. De lá, observou-se um sítio“acomodado para forticar-se”.

    1.

    2.

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    FASCÍCULO 1

    Um sonho ao Norte?o balançar do pa-tacho, batendo

    e subindo, e denovo e de novo,com a ventania

    da preamar a soprar, foi es-petacular à primeira visão,lá do alto, quando tentougritar o soldado. Principiouem estourar, rompendo as

    ilhas em frente ao Mairy,um sonoro “terra à vista”,não fosse o raio brilhanteque pensara ter enxergado.

    Pôs a luneta no bolso, es-premeu os olhos com asmãos e tornou a tar o hori-zonte, conrmando a visão

    de uma montanha, tomadade mata, que nem vulcão,só que sem lava a escorrer.Desta vez, sem titubear,alardeou a descoberta como tradicional grito dos Ulis-ses ao ver a costa, e um com-plemento atípico: “E muito

    mais, meus amigos!”. Todosse voltaram para leste. “Abom bordo!”, ordenou Char-les de Vaux. Mais uma milhaà frente, estava lá, reetin-do o sol que nem prisma, nopico da montanha, um imen-so diamante que não deixou

    soldado nenhum falar pa-lavra que fosse. Não foi di-fícil ver uma espécie de rio,

    que derramava um líquidodourado – na certa, ouro em

    bicas –, e os abraços, aindacalados, se espalharam pelaesquadra. A chuva começa-ra a derramar, feito dádivanaquele dia abençoado, naexpedição que descobrira oque soldados, Jerônimo deAlbuquerque e a metrópole

    queriam: era o El Dorado.Encharcado pela torren-

    te que desabava e ameaça-va a recente construção detroncos e palha, acordara osoldado, misturando chuvae lágrimas pela emoção vi-vida com tanta intensidade,

    com tanto realismo, que selevantou, adentrou a clarei-ra, escalou uma árvore, ain-da na chuva, para ter certezade que naquelas terras nãohavia montanhas, nem dia-mantes gigantes, nem riosd’ouro. Quantos, no Novo

    Mundo, a caminho dele ounas plagas europeias, nãosonharam com a terra feitaa toque de Midas, coberta desaras, rubis e esmeraldasbrotando em árvores, à al-tura das mãos? Muitos, paranão dizer todos.

    Não havia documento oucarta remetida do Norte doBrasil à Península Ibérica e

    FASCÍNIO

    A

    No imaginário dos exploradores espanhóis,as novas terras conquistadas na América

    escondiam uma região de difícil acessochamada El Dorado, onde existia umaquantidade incalculável de ouro maciço

    Obsessão pelas riquezas do El Dorado impulsionou os navegadores3.

    1 . A N T O N I O S I L V A / A R Q U I V O O L I B E R A L 2 . O S W A L D O F O R T E / 3

    . E L D O R A D O L E G R A N D L I V R E D E L ’ H I S T O I R E D E L A G U Y A N E / W I K I C O M M O N S

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    vice-versa que não clamasse

    desesperadamente pela ri-queza das minas. Em muitoscasos, se misturava à ânsiaonírica por minérios e a es-tratégia de anunciar ouro ouprata a m de manter o fo-mento da corte à Conquista,como Simão Estácio da Sil-

    veira19, armando que “háde aver muito cobre que yase vay descobrindo, ouro eoutros metaes, esmeraldas,cristal, pedras de levar e ou- tras preciosas (...)” . Uma lis-ta extensa demais para umaterra onde, de fato, se podia

    encontrar tais preciosidades,pelo menos com a tecnologiade três séculos depois. Um so-nho que também levou corsá-rios e piratas a singrarem “aságuas pardas do mar doce,com seu caudal imenso e afoz colossal invadindo os do-

    mínios do oceano”20, deixan-do muitas vezes a última gotade sangue nessa batalha.

    Outros já viam em Belém ariqueza das minas de Potosí,a exemplo de André Pereira,quando relata que gentios ehomens experimentados di-

    zem que são “as Serras queali vem dar do Perú (...) e quehá ouro nelas, e metaes” 21. Opróprio Castello Branco, secomunicando com o arcebis-po de Lisboa, armou que es-tava constituído comércio degêneros vegetais entre os nati-

    vos e os estrangeiros e, o maisimportante: havia minas deprata e até pérolas 22.

    Mas o El Dorado,“nin-

    guém se devia illudir,representava-se naquellariqueza estupenda” , comorelembra Arthur Cézar,“que alli, acolá, á marge- ms dos cursos uviaes, ocolono encontrava dadi- vosamente” . A ordem foi

    partir rumo ao sertão, aordem era encontrar oque estivesse disponível econverter em lucro. O pro-blema é que nada estava àaltura das mãos como sepensou sobre aquele frau-dulento Éden. Nada podia

    ser feito sem o nativo. Fos-se o cacau, a salsaparrilhaou mesmo a canela – alémda mandioca, o carboidra-to da Conquista e da Re-sistência –, haveria de terum indígena guiando oscaminhos por entre igara-

    pés e nas trilhas pela mataa apontar a caça no mato,a dizer onde estavam asdrogas do sertão. A ânsiapelos resultados – não fos-se ouro, que fosse pelo me-nos gêneros agrícolas – e atotal dependência do co-

    nhecimento indígena nãodeu noutra para um povoque considerava o silvíco-la como um ser humanomenor. O crime: um ani-malesco tratamento queia da grosseria ao assassi-nato nos piores requintes

    de desumanidade. O Tupi-nambá nunca calara fren-te povo algum.

    Guerra naAmazônia

    CONFLITOS

    Não na mesmaordem, comd i f e r e n t e spersonagens e

    variados perí-odos, a cena se repetirana Conquista portugue-sa, culminando no desfe-cho bélico, inclusive comos tupinambás da baíado Guajará. Não há comosaber quantas vezes a

    reunião ao crepúsculo serepetira, nem a princi-pal motivação do levanteliderado por Guaimiabaem 1619, tampouco quan-tos foram as batalhas an-tes e depois daquele ano– mas há indicações. Em

    certa ocasião, por exem-plo, Francisco CaldeiraCastello Branco regiona-lizara o que na Europase chamava de suplício, omais cruel instrumentode tortura e assassinato.Em certa ocasião, segun-

    do o padre Jacinto de Car-valho, depois de tomarconhecimento do rumor

    de que os tupinambás que-riam levantar-se contra ocapitão-mor, sem apurar averacidade do fato, captu-

    rou os “principais” e, semprova alguma, mandoumatá-los brutalmente. “Eimitando Tullo Hostilio osfez partir, e juntamenteafogar, atadas as pernas aduas canoas, por lhe falta- rem os cavallos, correndo a

    força dos remos contrariosrumos” 23.

    Tudo presenciado pelosindígenas. Se lhes faltavamotivo, aí estavam as basespara que os guerreiros defato zessem a guerra: “fo- gindo para o mattos come-

    çaraõ a perseguir os portu- guezes com hum genero deguerra, em que sem forma- ram batalhões, mas dividi- dos tomarão por rodelas asarvores, donde a seo salvomatavao, ou ferião aos quesahião fóra do districto do

    pequeno forte” 24. Naquelaguerra e guerrilha, sub- jaziam às brutalidades do

    A primeira batalha sangrentaentre índios e portugueses

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    FASCÍCULO 1

    ENQUANTOISSO...

    1621Criada no dia 2 de junho aCom-

    panhia Holandesa das ÍndiasOcidentais. O novo modelo mer-cantilista faz frente às expediçõesportugueses e ganhou grandeinfluência no Brasil com o tráficode escravos. O território latino-americano sob

    o domínio de Portugal foi dividi-do em dois estados. O Estado doMaranhão e Grão-Pará, com ca-pital em São Luís, e o Estado doBrasil, com capital em Salvador.

    Gregório XV é o último papa achegar ao pontificado eleito poraclamação. Nascido AlessandroLudovisi, ele foi escolhido no dia9 de fevereiro por unanimidade

    pelos demais religiosos sempassar por uma votação.

    cobra que lançava brancos

    a correr sem rumo na mata.O calor. Havia a noite e seusmitos, buracos, ribanceiras,a umidade. Havia a fome. Ocaravelão muitas e muitasvezes naufragou ao menordescuido do timoneiro; apólvora molhava, sem nin-

    guém ver como; o ouro tei-mava em se esconder sob aterra e, a honra, residia nossequestros de índias das al-deias próximas.

    Nesse mosaico desconhe-cido, havia apenas uma so-lução: o índio. Era ele quem

    apontava os acidentes doterreno, explicava o regi-me das águas, o sono dosbichos, os antídotos paracobras. Foi quem construiuas primeiras casas, inclu-sive a de Castello Branco;o primeiro forte, para o

    qual, por ventura, volta-ria o próprio Tupinambá,futuramente, só que com

    outro objetivo. O indígena

    mostrou a tartaruga e todaa sorte de quelônios, suasaplicações e a defesa con-tra jacarés e tudo o mais 25.Um conhecimento seculartrocado pelos chapéus, gar-rafas, espelhos... A balançaestava virada para um lado,

    mas as reuniões, com osguerreiros tupinambás emns de tarde, sob a revoltados abusos portugueses – ase seguir por todo o séculoXVI –, haveria de cambarpara outro lado.

    O igarapé do Piry foi a

    testemunha que mais viveupara contar sobre os heróise os desafortunados daque-la guerra. Dadas as diretri-zes na reunião do m datarde, iniciou a aldeia suaeconomia de guerra, comoacontecia na engrenagem

    tupinambá. A colheita damandioca fora direciona-da para os esforços bélicos,

    Os Tupinambá são conhecidospelo espírito bélico e lutaram

    tanto ao lado, quanto contraos conquistadores da América

    português muitos motivos,que mais tarde poderão serentendidos com o surgi-mento da guerra justa.

    Carregados com um torto

    ideal civilizatório, os mitose a tradição católica, cá es-tavam os Conquistadores,exibilizando seus precei-tos cristãos para justicara opressão. Se não podia aempresa portuguesa pres-cindir do indígena, em

    nenhuma das 24, 36 ou 72horas dos sofríveis dias nostrópicos, o europeu, apesarde seus caravelões, da pól-vora e da ânsia por glóriase seu peso em ouro sonha-do, vivia a iminência dastragédias que o acometia.

    Havia o medo da jaguatiri-ca e da onça nas incursõespela mata, afora o pitiú de

    1.

    2.

    3.

    1 . G U E R R A T U P I N A M B Á / R E P R O D U Ç

    Ã O 2 . C O M P A N H I A D A S

    Í N D I A S O C I D E N T A I S / W I K I C O M M O N S 3 . P O R T R A I T O F P O P E G R E G O R Y X V / G U I D O R E N I

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    DE 1616 a 2016COLEÇÃO

    assim como o peixe, entãomoqueado para servir desuprimento, mobilizandovelhos e crianças. Prepa-ram-se tacapes, com seussete a oito palmos de com-primento, feitos de madeirapreta ou vermelha; secaram

    madeira para os arcos, con-seguiram pimenta-caiena,capturaram arraias. Não sesabe ao certo se a revolta de1619, precedida e sucedidapor muitas outras, vindasem torrente do Maranhão,fora a maior. Não se sabe o

    número exato, nem os im-pactos. É impossível saberse essa foi a ordem de exe-cução dos esforços de guer-ra, se de frente para trásou tudo misturado. O quese sabe é que dias antes doaniversário de três anos da

    Conquista de Belém, em 7 de janeiro de 1619, deu-se a ba-talha nal daquela revolta.

    À frente, Guaimiaba bra-dava aos seus pela expulsãodos portugueses, aquarta-lados no forte construídopelos próprios tupinambás.

    A marcha era regida pelocalendário lunar. A duas jornadas do inimigo, guer-reiros cessavam as foguei-ras durante o dia para nãodenunciar sua posição. Naarte de guerrear, a jornadaantes do ataque tinha de ser

    feita à noite, daí os chamadosataques de plenilúnio, que semostrava fusão da estratégia

    GESTOS ERITOSQuando os colonizadores chegaram ao Brasil se depararam

    com uma série de rituais indígenas, que serviam para diversosmomentos, como festas e guerras. Na gravura do artista belga Theodor de Bry, uma cerimônia religiosa de índios tupinambás.

    e da poética nativas. Guia-dos pela lua cheia, aguarda-vam o momento certo parao inimigo ter sequer tempo

    de tomar o mosquete à mão.Poesia tupinambá! 26

    Ao se aproximar do alvo,começava uma sinfoniadiáfana de sopros e tam-bores, irmanados aos gri-tos zombeteiros – medo natrincheira. O português se

    trancaou para preparar aresposta. Ao primeiro urro,sobreveio uma chuva defogo, com as echas incen-diárias da primeira linhatupinambá sobre as cabanasportuguesas, se fundindoàs chamas da alvorada, que

    era o momento preferido deataque. Instantes antes, omorubixaba ordenara o uso

    da pimenta de caiena parasufocar os ancos portu-gueses. As cabanas pegan-do fogo, com o ar intragá-

    vel a corroer olhos, boca egarganta, o primeiro atoestava completo: expulsodas casas, o inimigo estavaexposto ao corpo a corpo.

    Não houve tempo parao uso de mosquetes e ar-cabuzes, pesados demais

    para a curta distância. Afrente portuguesa tomouas espadas, soltando umasalva de pólvora com oúnico bacamarte que pos-suíam os lusos, derruban-do um punhado de índiosao trespassar uma linha

    Tupinambá, e, então, so-breveio a tréplica nativa.Mais um conjunto de bai-

    xas brancas, algumas indí-genas, e os venenos de rabode arraia em pontas de fle-chas alcançando as veiaslusas. Mais quedas. A muni-ção de boca partiu ao meiomuitos indígenas. Não hácomo saber a ordem, nem

    o movimento das peçasno tabuleiro, tampouco ospormenores das terríveisbatalhas entre os tupinam-bás e os soldados ibéricos,inclusive na batalha do dia7 de janeiro de 1619.

    Elas foram muitas, mui-

    tas vezes vindas feito ondasdo Maranhão. Nesta batalhamemorável, o famoso Guai-miaba, conhecido pelos por-tugueses como “Cabelo deVelha”, tomava a ofensiva,açoitava o português acua-do27. Enquanto escalava as

    taipas, como muitos outros,para tirar à força os lusos,fora derrubado por um tiroprovidencial para a defesaportuguesa, mas totalmenteaterrorizante para a ofensi-va tupinambá. Guaimiabacaíra com um chumbo nas

    costas, disparado por Gas-par Cardoso, que já tinhaapenas um braço em comba-te porque que o outro estavaatravessado por uma echa.O tiro sentido por Guaimia-ba, que era líder porque eraguerreiro, sangrou cada tu-

    pinambá, que viu o moral datropa desabar. A fortuna, denovo, era portuguesa.

    1.

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    Mairy, porto amazônicoUma sentinela portuguesa às margens barrentas da baía do Guajará

    1 BARATA, Manoel. Formação Histórica do Pará: ObrasReunidas. Universidade Federal do Pará, Belém (PA), 1973,p.208.2 Regimento do governador Alexandre de Moura de 22de dezembro de 1615 apud REIS, Arthur Cezar Ferreira.A política de Portugal no valle amazônico, 2ª ed. Belém(PA):Secretaria de Estado da Cultura (Secult), 1993. p. 7.3 SOUSA, Cônego Francisco Bernardino de. Lembranças ecuriosidades do Vale do Rio Amazonas, 1873, p.78 apudMA-RANHÃO, Haroldo. Pará, Capital: Belém: memórias &pessoas & coisas & loisas da cidade. Belém (PA):Supercores,2000, p. 34.4 GUZMÁN, Décio de Alencar. Guerras da Amazônia noséculo XVII: resistência indígena à colonização, Belém(PA):Estudos Amazônicos, 2012, p. 18.5 REIS, Arthur Cezar Ferreira. A política de Portugal no valleamazônico, 2ª edição. Belém (PA): Secretaria de Estado daCultura (Secult), 1993, p 3.6 MOREIRA NETO, Carlos de Araújo. Franceses no Brasilséculos XVI e XV II. In: História das coisas mais memorá-veis ocorridas no Maranhão nos anos de 1613 e 1614, Pe.Yves D’Évreux, volume IV, Cidade: Fundação Darcy Ribeiro,2009,p. 31.7 Ibid., 318 Ibid., 499 GOMES, , Mércio Pereira. O Maranhão e os Tupi-

    nambá deYves D’Évreux. In História das Coisas maismemoráveis,ocorridas no Maranhão nos anos de 1613 e1614, Pe. Yves D’Évreux, volume IV, Cidade: Fundação DarcyRibeiro, 2009,p. 77.10 Ibid., p. 7711 Ibid., p. 82

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS12MOREIRA NETO, Carlos de Araújo. Franceses no Brasilséculos XVI e XVII. In: História das coisas mais memorá-veis ocorridas no Maranhão nos anos de 1613 e 1614, Pe.YvesD’Évreux, volume IV, Cidade: Fundação Darcy Ribeiro,2009,p. 40.13 GOMES, Mércio Pereira. O Maranhão e os Tupi-nambá de Yves D’Évreux. In História das Coisas maismemoráveis,ocorridas no Maranhão nos anos de 1613 e 1614,Pe. YvesD’Évreux, volume IV, Cidade: Fundação Darcy Ribeiro,2009, p. 82.14 BARATA, Manoel. Formação Histórica do Pará: obrasreunidas, Universidade Federal do Pará, Belém (PA), 1973,p. 209.15 PEREIRA, André. Relaçam do que há no Grande Rio dasAmazonas novamente descuberto. In FILHO, Augusto Meira,Evolução Histórica de Belém do Grão-Pará: Fundação eHistória. Volume I, Belém (PA): 1976, p. 46.16 AFFONSO, João. Três séculos de modas, 2º edição.Belém(PA): Conselho Estadual de Cultura do Pará, 1976, p. 15.17GUZMÁN, Décio de Alencar. Guerras da Amazônia noséculo XVII: resistência indígena à colonização. Belém(PA):Estudos Amazônicos, 2012, p. 18.18FILHO, Augusto Meira, Evolução Histórica de Belém doGrão-Pará: Fundação e História. Volume I, Belém (PA): 1976,p.51.19 SILVEIRA, Simão Estacio da. Intentos da Jornada do Pará.

    In REIS, Arthur Cezar Ferreira, A política de Portugal no valleamazônico, 2º edição. Belém (PA): Secretaria de Estado daCultura (Secult), 1993, p. 12.20 FILHO, Augusto Meira. Evolução Histórica de Belém doGrão-Pará: Fundação e História. Volume I. Belém (PA): 1976,p.45.

    21 PEREIRA, André. Relação do que há no Grande Rio dasmazonas novamente descuberto, Narrativa da Fundação doPará por Francisco Caldeira Castelo Branco, 1616.In FILHO, Augusto Meira, Evolução Histórica de Belémdo Grão-Pará: Fundação e História, Volume I. Belém (PA):1976,p. 46.22 REIS, Arthur Cezar Ferreira. A política de Portugal novalle amazônico, 2ª edição. Belém: Secretaria de EstadodaCultura (Secult), 1993, p 7.23 CARVALHO, Jacinto de. Chronica da Companhia deJesus,Biblioteca de Évora. In BARATA, Barata. FormaçãoHistórica do Pará: obras reunidas. Belém (PA): UniversidadeFederal do Pará, 1973, p. 212.24 Ibid., 212.25 COELHO, Mauro Cezar, A Fundação de Belém. Belém(PA):Estudos Amazônicos, 2011, p.16-17.26 GUZMÁN, Décio de Alencar. Guerras da Amazônia noséculo XVII: resistência indígena à colonização. Belém(PA):Estudos Amazônicos, 2012, p. 30-31.27 CRUZ, Ernesto. História do Pará. Belém (PA): Universida-de Federal do Pará, 1973, vol. 1, p.35.28 MARANHÃO, Haroldo. Pará, Capital: Belém: memó-rias & pessoas & coisas & loisas da cidade. Belém (PA):Supercores,2000, p. 41.29 Carta a S. Magestade Escrita da Villa de Santa Tereza al-dea do Caithe 20 de Abril de 648 anno Sebastião de LucenaAzevedo,Arquivo Ultramarino, maço 15. Cópia autêntica doArquivo da Secretaria das Relações Exteriores – Docu-mentos recebidos de Portugal, Liv. II. In BARATA, Manoel.Formação Histórica do Pará: obras reunidas. Belém (PA):Universidade Federal do Pará, 1973, p. 47.

    A Amazônia iniciava umanova fase que, ano após

    ano, diluiria a hegemoniamilenar dos indígenas,com a introdução do mo-delo português. A históriaescrita, a colonização por-tuguesa e o início de umgenocídio indígena partemdo Mairy. Esse era o ter-

    mo utilizado pelos índios,principalmente os do rioNegro, para designar a re-gião em que foi assentada aFeliz Lusitânia, como con-firma Ermano Stradelli noseu “Vocabulário”, depois

    vindo a ser Santa Maria deBelém do Grão-Pará, Be-

    lém do Grão-Pará, Belém.Mais tarde, o termo, emnheengatu, a língua geral,designava a ideia de cida-de28. Foi sobre o Mairy que,dois anos depois de funde-ado o caravelão de CastelloBranco, desembarcariam

    os primeiros religiosos eu-ropeus a se confrontar compajés, caciques, indígenasde muitas tribos e, ainda,com os próprios colonos.

    A essa altura, já esta-va aberta a rua do Norte,

    futura Siqueira Mendes,paralela ao rio, a primei-

    ra, seguida de mais três: aEspírito Santo, a Cavalei-ros e a São João. “Esparsasmoradias foram edifica-das”, lembra Ernesto Cruz.O fundador de Belém nãoera mais capitão-mor dacapitania do Grão-Pará,

    era senão o Conquistadore Descobridor do rio Grão-Pará, prisioneiro, enviadoaos ferros a Lisboa, e quemorrera na masmorra 29.A partir daqui, o povoa-do tentará se esticar para

    fora do fortim. É chegadaa era das missões e dos va-

    riados significados da pre-sença católica na colôniasob a ótica de diferentescongregações religiosas.Os primeiros são os capu-chinhos de Santo Antônio,que, a partir do dia 22 de julho de 1617, hão de usar

    as águas da baía do Guaja-rá e as de seus tributáriospara batizar, de um jeitoou de outro, o índio ama-zônico. O Mairy agora eraa sentinela portuguesa naAmazônia. 1 . C

    E R I M

    Ô N I A R E L I G I O S A D E

    Í N D I O S T U P I N A M B Á S / G R A V U R A D E T H E O D O R D E B R Y

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    FASCÍCULO 1

    Castello Brancoundador de Belém, o impe-tuoso Francisco Caldeira

    Castello Branco cra-vou seu nomenos primei-

    ros passos lusitanos naAmazônia. Nasceu em1566, na localidadeportuguesa de CastelloBranco, que rendeu a

    alcunha ao conquista-dor, morto em 1623. Hoje,o português, que empresta onome ao Forte do Castelo, antes cha-mado Forte do Presépio, é lembradotodos os anos na entrega, pela Pre-feitura de Belém, de uma comendaem sua homenagem. A insígnia é

    concedida a personalidades e insti-tuições que se destacam em ações

    que visem ao desenvolvimentoda capital. A comenda érelativamente recente,

    instituída pelo pre-feito Ajax D’Oliveiraem 1978. Tambémexiste uma rua como nome do fundador,

    no bairro de São Brás,em Belém.Para o poeta maranhense

    Humberto de Campos (1886-1934),que morou no Pará, Castello Branco écontradição: “Descobridor e PrimeiroConquistador do Grão-Pará”, ele foi ob- jeto do poema “O Selvagem”.

    Castello Branco, 1566 - Lisboa, 1619

    PERSONA

    F

    O selvagemHUMBERTO DE CAMPOS

    Capitão, por escrúpulo e respeito,Recordando-te a vida transitória,Não sei se deva celebrar-te o feito

    Ou, com censuras, macular-te a glória.

    Quando me vens, de súbito, à memóriaCom o teu severo, taciturno aspeito,

    Mostras tu’alma em te mostrando a HistóriaDe morteiro na mão e Cristo no peito.

    Rezas pecando. Com pavor das gentes,

    Se de contas na mão passas o dia,Matas tupinambás quase inocentes.

    Para a conquista vinhas dar a imagem:

    Vinhas clamar contra a selvageria,Quanto tu, português, eras selvagem.

    AnúncioPrefeitura de Belém10 cm x 25 cmsang. 0.7cm

    1 . F R A N C I S C O C A L D E I R A C A S T E L O B R A N C O / R E P R O D U Ç

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    1.