Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o...

33
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte/MG A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS, por intermédio dos Defensores Públicos ao final assinados, nos termos do que dispõem o art. 134, caput da CF/88, o art. 4º, inciso VII, e art. 128, XI da Lei Complementar Federal nº 80/94, o artigo 5º, incisos IX, X, e § 3º da Lei Complementar Estadual nº 65/03, bem como o disposto no artigo 2º da Lei Federal nº 11.448/2007 que alterou o art. 5º da Lei Federal nº 7.347/85, vem propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA INIBITÓRIA em face de TELEMIG CELULAR S.A, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ (MF) sob o nº 02.320.739/0001-06, com sede na rua Levindo Lopes, n.º 258, 8º andar, bairro Savassi, Belo Horizonte/MG, CEP: 30140- 170; MAXITEL S.A. (TIM), pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ (MF) sob o nº 01.009.686/0012-05, com sede na av. Raja Gabaglia, n º 1.781, 7º andar, bairro Luxemburgo, Belo Horizonte/MG, CEP 30350-540; TNL PCS S.A. (OI), pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ (MF) sob o n° 04.164.616/0001- 59, com sede na rua Jangadeiros, 48, bairro Ipanema, Rio de Janeiro/RJ, CEP: 22420- 010 e BCP S.A. (CLARO), pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ (MF) sob o n° 40.432.544/0001-47, com sede na rua Flórida, n° 1.970, bairro Brooklin, São Paulo/SP, CEP: 04565-001, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos:

Transcript of Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o...

Page 1: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte/MG

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS

GERAIS, por intermédio dos Defensores Públicos ao final assinados, nos termos do

que dispõem o art. 134, caput da CF/88, o art. 4º, inciso VII, e art. 128, XI da Lei

Complementar Federal nº 80/94, o artigo 5º, incisos IX, X, e § 3º da Lei

Complementar Estadual nº 65/03, bem como o disposto no artigo 2º da Lei Federal nº

11.448/2007 que alterou o art. 5º da Lei Federal nº 7.347/85, vem propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

INIBITÓRIA

em face de TELEMIG CELULAR S.A, pessoa jurídica de

direito privado, inscrita no CNPJ (MF) sob o nº 02.320.739/0001-06, com sede na rua

Levindo Lopes, n.º 258, 8º andar, bairro Savassi, Belo Horizonte/MG, CEP: 30140-

170; MAXITEL S.A. (TIM), pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ

(MF) sob o nº 01.009.686/0012-05, com sede na av. Raja Gabaglia, n º 1.781, 7º andar,

bairro Luxemburgo, Belo Horizonte/MG, CEP 30350-540; TNL PCS S.A. (OI),

pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ (MF) sob o n° 04.164.616/0001-

59, com sede na rua Jangadeiros, 48, bairro Ipanema, Rio de Janeiro/RJ, CEP: 22420-

010 e BCP S.A. (CLARO), pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ (MF)

sob o n° 40.432.544/0001-47, com sede na rua Flórida, n° 1.970, bairro Brooklin, São

Paulo/SP, CEP: 04565-001, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos:

Page 2: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

2

I – DOS FATOS:

A privatização dos serviços de telecomunicações, através da

Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95, mudou o panorama nacional. A telefonia

móvel celular, com a edição da lei 9.295/96, que permitiu, via licitação, o ingresso de

diversas outras operadoras no mercado, passou a ser o ramo mais competitivo do setor.

Essa nova realidade trouxe, em regra, mais eficiência, além de

imensuráveis benefícios aos consumidores. A abertura do mercado para o capital

privado obrigou as antigas estatais, e as novas sociedades empresárias que se

instalavam, a investimentos vultosos. Com isto, houve um aumento significativo na

escala de produção de aparelhos e no oferecimento de serviços de telefonia móvel,

numa ampla disputa pelo interesse dos consumidores.

No entanto, surgiu, também, um sem-número de problemas

relacionados a tal atividade, dentre os quais as dificuldades encontradas pelos

assinantes do serviço de telefonia móvel celular que pretendem cancelar sua assinatura

ou solicitar a dispensa de determinado serviço.

Os obstáculos são tantos que o usuário desiste da pretensão ou

procura solução junto a órgãos administrativos ou judiciais de defesa do consumidor,

abarrotando todas as esferas com um volume enorme de trabalho, facilmente evitável.

Pesquisas comprovam que no PROCON de Belo Horizonte, as

reclamações sobre as dificuldades para cancelar contratos celebrados com as

sociedades-rés, responsáveis pelo serviço de telefonia celular da região 4 (quatro)

(que compreende Minas Gerais), foram as que mais cresceram. Segundo o órgão de

defesa do consumidor, em 2006, houve um aumento de 73% no número de clientes

que tiveram problemas para cancelar algum serviço com as operadoras de telefonia

celular.

Page 3: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

3

O número de reclamações, segundo registros da ANATEL,

aumenta em proporção geométrica. De janeiro de 2004 a janeiro de 2005, cresceu

41%, passando de 18.243 mil para 25.726 reclamações, em âmbito nacional.

Face a essa quantidade de reclamações, a Defensoria Pública do

Estado de Minas Gerais diligenciou no sentido de obter informações acerca dos

procedimentos instaurados contras as operadoras de telefonia móvel local, acima

nominadas, versando sobre o tema. Vale aqui destacar, a título de exemplo, o teor das

reclamações, na parte que concerne ao objeto da presente ação, todas no mesmo

sentido:

Reclamante: Rosilene Cipriano Silva: "Eu acho isso uma

falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é muito

rápido e para cancelar uma linha você leva muito tempo”. (Fonte:

http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM655435-7823-

TER+CELULAR+E+FACIL+MAS+LIVRARSE+DELE+E+MUITO+DIFICIL,00.html);

Reclamante: Renata de Mello: "A primeira vez, eles me

passaram de um atendente para outro, aí eu desisti. Na segunda vez, eu fiquei 40

minutos no telefone, e o atendente insistindo para eu continuar com a linha, me

propondo promoções e aparelhos novos. Fui convencida pela insistência”. (Fonte:

http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM655435-7823-

TER+CELULAR+E+FACIL+MAS+LIVRARSE+DELE+E+MUITO+DIFICIL,00.html);

Reclamante: Fernando Couto: "Cancelar um contrato é uma

via crucis, você sofre desde o primeiro momento e você tem que aceitar o que eles

impõem. Eu não viso nenhum tipo de reparação, eu gostaria que servisse de

exemplo para que eles melhorem, para que outras pessoas não passem por este

sofrimento”. (Fonte:http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM651533-7823-

DIFICULDADES+NO+CANCELAMENTO+DE+UMA+LINHA+DE+CELULAR,00.html);

Page 4: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

4

Assim, a presente ação civil pública tem como base as denúncias

dos consumidores, insatisfeitos com o atendimento eletrônico das operadoras de

telefonia celular. Entre as principais queixas está a dificuldade de cancelar os

contratos, sendo cediço que as empresas de “call center”- que prestam serviço às ora

rés, são treinadas para vencer o usuário pelo cansaço, evitando a todo custo o

encerramento do contrato (devido à famigerada busca pela fidelização dos clientes).

Trata-se de problema que vem se arrastando, sem que nenhuma

solução satisfatória seja dada. As operadoras de telefonia celular, ao que todos dizem,

e com razão, não demonstram qualquer interesse em atender à solicitação do usuário,

especialmente daquele que pretende cancelar sua assinatura ou dispensar qualquer

serviço que lhes gere receita.

No momento em que negocia sua adesão às prestadoras de

serviço de telefonia, o consumidor se depara com inúmeras vantagens e garantias que

estimulam, de imediato, o fechamento de contratos sem nenhuma dificuldade,

inclusive com a disponibilização dos modelos padronizados de contratos pela Internet,

tudo com o espeque maior de facilitar e agilizar a contratação.

Nesse diapasão, abaixo os endereços eletrônicos para a

localização de tais contratos nos sites das operadoras-rés:

Contrato para adesão ao serviço de telefonia da TELEMIG CELULAR

http://www.telemigcelular.com.br/conheca/planos/contrato/default.aspx

Contrato para adesão ao serviço de telefonia da TNL PCS S.A. (OI)

http://www.oiloja.com.br/portal/site/OiLoja/menuitem.b14342b3c3ab31bda410ad86c8ac02a0/?v

gnextoid=bd980c8c2a6cc010VgnVCM10000090cb200aRCRD

Contrato para adesão ao serviço de telefonia da BCP S.A. (CLARO)

http://www.claro.com.br/portal/site/siteTA/index.jsp?epi-

content=GENERIC&beanID=1596968574&viewID=DetalhePlano&strView=Plano+Claro+Estil

o+300+Minutos&cdplano=1237

Entrementes, quando a situação se inverte, e o objetivo é a

resilição do contrato, o percurso se torna tortuoso, lento, sem qualquer justificativa

para tal.

Page 5: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

5

Na verdade, quando o consumidor intenta resilir seu contrato,

encontra uma “trilha única”, qual seja a via telefônica, através dos SACs (Serviços de

Atendimento ao Consumidor), o que, é fato notório, constitui uma verdadeira

maratona, exigindo-se do usuário paciência de monge, já que o consumidor é

obrigado a informar seus dados pessoais a diversos atendentes, que se revezam num

verdadeiro e longo ritual, enquanto o precioso tempo do solicitante se esvai entre as

incontáveis propagandas que são repetidas, repetidas e repetidas, como num apelo para

que o consumidor desista pelo cansaço ou pela irritação.

Tamanho é o descontentamento dos consumidores com a falta de

respeito com que as operadoras de telefonia celular tratam o tema que a questão foi

amplamente divulgada pela mídia, conforme matérias veiculadas nos seguintes meios

de comunicação (doc. anexo):

- Rede Globo de Televisão – Programa: “Jornal da Globo”,

exibido em 22/03/2007 - (Endereço eletrônico para localização da matéria:

http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM655435-7823-

TER+CELULAR+E+FACIL+MAS+LIVRARSE+DELE+E+MUITO+DIFICIL,00.html);

- Rede Globo de Televisão – Programa: “MGTV – 1ª Edição”,

exibido em 14/03/2007 - (Endereço eletrônico para localização da matéria:

http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM651533-7823-

DIFICULDADES+NO+CANCELAMENTO+DE+UMA+LINHA+DE+CELULAR,00.html);

- Portal do Consumidor do Ministério da Fazenda, nota exibida

em 31/08/2005 – Título: “Aprisionados pelo contrato do celular” - (Endereço

eletrônico para localização da matéria:

http://www.portaldoconsumidor.gov.br/noticia.asp?busca=sim&id=4354);

A Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL)

constantemente fiscaliza e cobra posturas das concessionárias do serviço de telefonia

móvel (doc. anexo), todavia, não vem conseguindo êxito em sua empreitada.

Page 6: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

6

Torna-se claro que o serviço eletrônico das operadoras de

telefonia celular é deficiente e não satisfaz as necessidades dos usuários, além de

adotar dois pesos, duas medidas, nos momentos da contratação e da denúncia do

contrato: padrão germânico de eficiência para auxiliar na contratação dos serviços

de telefonia, padrão brasileiro, pré-Código de Defesa do Consumidor, para

apresentar mecanismos que agilizem a resilição da avença.

Frise-se que todas as opções oferecidas nos sites das operadoras

de telefonia celular são para aquisição de serviços, jamais para dispensa.

Ainda nesta toada, resta totalmente abusiva a conduta das

operadoras em só disponibilizarem o cancelamento dos contratos via central telefônica

“call center”. É indiscutível que todos os meios que visem a facilitar a vida do

consumidor devem ser ofertados, amoldando-se a essa situação a possibilidade de

cancelamento/resilição do contrato pela internet, pelas lojas, nos pontos próprios ou

credenciados, e não apenas pelo telefone, que, como se sabe, é difícil, demorado e,

muitas vezes, ineficaz.

Certo é que as operadoras de telefonia celular devem dispensar

as mesmas condições de acesso tanto a consumidores que desejam contratar quanto a

consumidores que desejam cancelar seus serviços.

Em razão de todo o exposto, a autora oficiou as rés, operantes

em Minas Gerais – Região 04 (doc. anexo), para que prestassem informações

detalhadas acerca dos fatos ora narrados. Contudo, não foram apresentadas respostas

satisfatórias a tais indagações, o que repercutiu na necessidade da presente ação.

A outro giro, a ANATEL informa não haver regulamento

específico para o cancelamento dos contratos junto às operadoras de telefonia celular,

e, segundo a Associação Nacional das Operadoras, cada operadora tem conduta

própria ao tratar do cancelamento de linhas telefônicas.

Page 7: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

7

De qualquer sorte, não existindo razão objetiva para que as

operadoras de telefonia celular procedam da forma mencionada (não disponibilizando,

via internet, ou nos postos de atendimento, serviço de cancelamento dos contratos de

telefonia móvel celular), presta-se a presente demanda a compeli-las a: i) criar em suas

páginas principais na internet um ícone específico e com destaque, através do qual o

consumidor poderá promover a resilição unilateral de seu contrato (com o registro e

protocolo automáticos de tal atividade); ii) disponibilizar, em sua lojas, o serviço de

cancelamento ora discutido.

Conforme será devidamente abordado no tópico denominado

“Dos fundamentos”, a postura atual das rés viola, de forma frontal, diversos princípios

consumeristas, tais como: vulnerabilidade, hipossuficiência, boa-fé objetiva e

equilíbrio contratual, fato esse que, per se, justifica a tutela jurisdicional pretendida.

Por oportuno, urge mencionar que antes de se adentrar nos

fundamentos jurídicos dos pedidos, serão abordadas questões atinentes à legitimidade

ativa ad causam da postulante; da competência deste r. Juízo e da adequação da via

eleita ( ACP), tudo com fincas a contribuir para o deslinde do processo.

II – DA LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA

PÚBLICA DE MINAS GERAIS:

Desde a entrada em vigor da Lei Federal nº 11.448/2007,

alterou-se o art. 5º da Lei Federal nº 7.347/85, disciplinadora da ação civil pública, que

passou a rezar o seguinte:

“Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação

principal e a ação cautelar:

(...)

II - a Defensoria Pública;”

Page 8: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

8

Assim, se mesmo antes da referida alteração legislativa, a

legitimidade da Defensoria Pública para propositura da ação civil pública em defesa

dos interesses difusos e coletivos dos necessitados defluia de interpretação sistemática

e teleológica do ordenamento jurídico, tal prerrogativa encontra-se devidamente

assentada com base na redação atual da Lei Federal nº 7.347/85.

Acrescente-se a isso o fato de que o que se busca na presente

demanda é a defesa de direitos difusos atinentes aos consumidores de telefonia móvel

celular, parte vulnerável na relação de consumo, nos termos do art. 4°, I, do Código de

Defesa do Consumidor, o que a torna dependente de todos os instrumentos e órgãos

disponíveis à defesa de seus interesses.

III - DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL:

Em que pese se tratar a União Federal do poder concedente do

serviço público de telefonia (art. 21, XI, da Constituição Federal e art. 1º da Lei Geral

de Telecomunicações) e a ANATEL do órgão regulador das telecomunicações, nos

termos do art. 19 da Lei 9.472/97, não há falar em interesse de tal ente da federação

ou da autarquia em comento no presente processo, motivo pelo qual resta afastada a

competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito, haja vista o não

enquadramento no disposto no art. 109, I, da CF.

Conforme devidamente abordado quando da narrativa dos fatos,

cinge-se a presente demanda no descumprimento de preceitos consumeristas por parte

das rés, concernentes na injustificável não disponibilização de meios tecnológicos que

tornem mais eficiente e célere os serviços prestados pelas litigadas, notadamente os

relacionados à efetivação da resilição do contrato de prestação de serviço de telefonia

móvel por iniciativa do consumidor, o que afasta qualquer interesse da União na

demanda.

Page 9: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

9

Ademais, não há falar em litisconsórcio passivo necessário entre

as rés e o ente federativo em comento e ANATEL, já que, repise-se, o objeto da ação é

a proteção da relação de consumo existente entre os usuários e sociedade de telefonia,

não visando a impugnar quaisquer atos ou normas da autarquia supramencionada,

afastando, destarte, seu interesse, ou sua obrigatoriedade de participação na lide.

Nesse sentido:

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ASSINATURA

BÁSICA RESIDENCIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE

INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. BRASIL TELECOM S/A. EMPRESA

CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL.

AUSÊNCIA DE INTERESSE JURÍDICO DA UNIÃO OU DE

QUAISQUER DOS ENTES ELENCADOS NO ART. 109 DA CF/88.

INCIDÊNCIA DA SÚMULA 150 DESTE STJ. COMPETÊNCIA DA

JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Ação proposta em face de empresa

concessionária de telefonia objetivando o reconhecimento da

ilegalidade da "Assinatura Básica Residencial", bem como a

devolução dos valores pagos desde o início da prestação dos serviços.

2. Deveras, tratando-se de relação jurídica instaurada em ação entre

a empresa concessionária de serviço público federal e o usuário, não

há interesse na lide do poder concedente, no caso, a União,

falecendo, a fortiori, competência à Justiça Federal (precedentes: CC

48.221 - SC, Relator Ministro JOSÉ DELGADO, 1ª Seção, DJ de 17

de outubro de 2005; CC 47.032 - SC, desta relatoria, 1ª Seção,DJ de

16 de maio de 2005; CC 52575 - PB, Relatora Ministra ELIANA

CALMON, 1ª Seção DJ de 12 de dezembro de 2005; CC 47.016 - SC,

Relator Ministro CASTRO MEIRA, 1ª Seção, DJ de 18 de abril de

2005). 3. Ademais, infere-se que o interesse jurídico da ANATEL foi

afastado pelo Juízo Federal, a quem compete sindicar acerca desse

particular consoante a Súmula 150 deste STJ (Compete à Justiça

Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique

a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas

públicas). 4. Conflito conhecido para declarar competente o face do

JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DE IGUATU - CE . 5. Agravo

Regimental desprovido.” (STJ, Processo AgRg no CC 68818 / CE ;

AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA

2006/0188004-6, Relator(a) Ministro LUIZ FUX, Órgão Julgador S1 -

Data do Julgamento: 14/03/2007)

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL

PÚBLICA. EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO

FEDERAL. CONTRATO DE TELEFONIA MÓVEL. VIOLAÇÃO DO

Page 10: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

10

ART. 535, I e II, DO CPC. NÃO CONFIGURADA.

LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA. ART. 273 DO

CPC. TUTELA ANTECIPADA. REQUISITOS. SÚMULA 07/STJ. 1.

Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de

Santa Catarina em face da empresa TELESC BRASIL TELECOM,

objetivando a reabertura da loja de atendimento pessoal aos

consumidores no Município de Campos Novos, a fim de garantir-lhes

a prestação de serviço adequado, insubstituível pelo atendimento

telefônico centralizado, denominado 'Call Center - 106', o qual

ocasionou uma série de problemas aos usuários e feriu Resoluções da

Anatel e ditames do Código de Proteção e Defesa do Consumidor,

mercê de evitar-se com a demanda a cobrança de serviços

inexistentes ou incompletos efetuados pela ré. 2. Inexiste ofensa ao

art. 535, I e II, CPC, quando o Tribunal de origem pronuncia-se de

forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, cujo decisum

revela-se devidamente fundamentado. Ademais, o magistrado não está

obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte,

desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para

embasar a decisão. 3. Inexiste litisconsórcio passivo necessário, nos

termos do artigo 47 do CPC nas hipóteses em que a impugnação de

objeto da ação civil é a proteção da relação de consumo existente

entre os usuários e empresa de telefonia e não as normas editadas

pela autarquia federal em demanda cujo resultado vai interferir na

sua esfera jurídica. 4. In casu, a ação objetiva o exame de relação

jurídica instaurada entre a empresa concessionária de serviço público

federal e o usuário, que alega a má qualidade dos serviços prestados.

Consectariamente, não há interesse na lide do poder concedente, no

caso, a União, falecendo, a fortiori, competência à Justiça Federal.

(Precedente: Resp nº 431606/SP, publicado no DJ de 30.09.2002). 5.

Consectariamente, ausente o interesse da União Federal na causa em

que seja parte empresa privada concessionária de serviço público

federal, a competência para processar e julgar a ação fixa-se na

Justiça Estadual, inexistindo razão para a extensão do foro federal às

pessoas não elencadas no art. 109, inc. I, da Constituição Federal.

Precedentes do STJ: CC 38887/SP, desta relatoria, DJ de 09.06.2004

e CC 47495/RS, Relator Ministro Teori Zavascki, DJ 09.02.2005...”-

original sem destaque. (STJ, Processo REsp 700260 / SC ; RECURSO

ESPECIAL 2004/0156080-5, Relator Ministro LUIZ FUX, Órgão

Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA, Data do Julgamento: 15/12/2005)

“PROCESSUAL - COMPETENCIA - CONCESSIONARIA DE SERVIÇO

PUBLICO - TELEFONIA CELULAR - HABILITAÇÃO.- COMPETE A

JUSTIÇA ESTADUAL DIRIMIR QUESTÃO ATINENTE A CLAUSULA DE

CONTRATO CELEBRADO ENTRE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA

E PARTICULAR.- PRECEDENTE.- CONFLITO CONHECIDO PARA

DECLARAR COMPETENTE O JUIZO DE DIREITO DA 7A. VARA CIVEL

DE SÃO PAULO-SP.” (STJ, Processo CC 10210 / SP ; CONFLITO DE

Page 11: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

11

COMPETENCIA 1994/0023826-6, Relator Ministro AMÉRICO LUZ,

Órgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento:30/08/1994)

A outro turno, faz-se mister ressaltar que dispõe o art. 93, I e II,

do CDC que, ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a

justiça do lugar onde ocorreu o dano, quando de âmbito local, e a da Capital do Estado

ou do Distrito Federal, quando se tratar de danos de âmbito regional, o que delimita a

competência territorial (in casu absoluta) desse r. Juízo.

IV – DO CABIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA:

A ação civil pública, conforme preleciona JOSÉ DOS SANTOS

CARVALHO FILHO, “é o instrumento judicial adequado à proteção dos interesses

coletivos e difusos.” (Direito Administrativo. 10ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p.

840).

A Lei Federal nº. 7.347/85, que disciplina a matéria, enumera os

bens tutelados por meio desta garantia constitucional:

“Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da

ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e

patrimoniais causados:

I – ao meio ambiente;

II – ao consumidor;

III – aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,

turístico e paisagístico;

IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;

V – por infração da ordem econômica e da economia popular;

VI – à ordem urbanística”.

O mesmo autor observa, com a acuidade que lhe é peculiar, que

“a relação contida no dispositivo é meramente exemplificativa, devendo-se emprestar

a interpretação de que o objetivo é a tutela dos interesses difusos e coletivos,...”

(idem, pág. 841).

Page 12: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

12

Não paira dúvida de que o caso vertente autoriza a intervenção

da Defensoria Pública, por meio da presente ação civil, no escopo de reparar uma lesão

constitucional indisponível que afeta coletividade de pessoas (consumidores do

serviço de telefonia) e, nesse sentido, efetivar ações das rés no tocante à melhoria dos

serviços prestados.

Como é sabido, os direitos coletivos em sentido restrito são os

transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de

pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base (art. 81,

II, CDC).

Prima facie, pode-se defender, então, que o que se busca,

precisamente, no caso concreto, é a defesa de um direito coletivo em sentido estrito,

haja vista a prévia relação jurídica base entre as rés e os seus consumidores.

Porém, nos termos da lição de GREGÓRIO ASSAGRA DE

ALMEIDA, valendo-se dos ensinamentos de Nelson Nery Junior, “[...]o que

determina se o direito é difuso, coletivo ou individual homogêneo é o tipo de tutela

jurisdicional que se pretende quando se propõe a ação. É aqui que se aferirá o tipo de

pretensão deduzida jurisdicionalmente, já que o mesmo fato poderá dar ensejo ao

ajuizamento de ação com base em direito difuso, coletivo, individuais homogêneos ou

individual puro.” (Direito processual coletivo brasileiro. São Paulo : Saraiva. 2003,

pág. 482).

Nesta toada, e em razão do tipo de pretensão que se busca na

demanda em questão, tutelados também estarão típicos direitos difusos, haja vista que

os efeitos da tutela atingirão o mercado de consumo como um todo, através da

eliminação de práticas abusivas que atentem contra a livre concorrência, ou o

desenvolvimento de um mercado saudável, em suma, contra todas as medidas que

possam ludibriar a massa de consumidores, ou torná-los reféns das práticas nefastas

dos fornecedores.

Page 13: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

13

Veja que as molas propulsoras do surgimento da relação de

consumo foram o advento dos mercados de massa, bem como a homogeneização de

produtos e serviços, para atender a esse mercado singularizado pela padronização.

O Direito Positivo, como algo vivo e não estanque, acompanhou

as evoluções decorrentes dos novos métodos de produção e do surgimento dos

mercados de consumo, conferindo respaldo para a elaboração de contratos

padronizados (denominados de massa), oferecendo meios de proteção à parte mais

vulnerável nesta relação e, principalmente, disponibilizando instrumentos que

permitissem a eficaz tutela dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais

homogêneos.

A moderna processualística passou por cima de fórmulas

individualistas e considerou insuficientes as soluções litisconsorciais; criou as ações

coletivas, deu à coisa julgada perfil novo e, assim, permitiu que legiões de

consumidores (ou de cidadãos, como na ação popular) se vissem protegidos em um

único litígio, (SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao código de defesa do

consumidor. 3. ed. São Paulo: LTr, 1998, p. 30), nada mais do que se busca com a

ação em debate.

Por derradeiro, reitere-se a viabilidade da ação civil pública

como instrumento de defesa dos direitos ora apresentados, com fulcro no art. 81 do

CDC, bem como com base no art. 1°, II, da Lei n° 7.347/85.

V – DOS FUNDAMENTOS:

Sabe-se que, desde que passou a viver de forma organizada e

coletiva, o homem pratica negócios jurídicos (em graus diversos de complexidade),

dentre outras finalidades, para obter mercadorias e serviços úteis de alguma forma.

Nos primórdios, os bens comerciados mantinham como traço

característico o método de elaboração artesanal, bem como a produção em quantidades

inexpressivas.

Page 14: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

14

A partir do século XVIII, os novos métodos de produção,

decorrentes, principalmente, da revolução industrial, acabaram por modificar, por

completo, tais traços característicos da produção de outrora (baseados no arcaísmo), e

por fomentar o surgimento da moderna concepção de relação de consumo.

Com a revolução industrial, “[...] instaura-se definitivamente um

modelo de produção, que terá seu auge nos dias atuais. Tal modelo é o da

massificação: fabricação de produtos e oferta de serviços em série [...]” (NUNES,

Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito

material. São Paulo: Saraiva, 2000, p.70).

Em suma, a Lei nº 8.078/90 surgiu como forma de

acompanhamento e conseqüência lógica e inevitável de todo esse novo paradigma das

relações de consumo, contextualizado pelas produções em larga escala, e pelos

contratos de massa.

No caso em tela, indiscutível a existência de relação de consumo

entre os usuários de telefonia móvel celular e as rés, figurando os primeiros como

consumidores (destinatários finais) de tais serviços e as segundas como fornecedoras,

motivo pelo qual devem ser aplicados os ditames trazidos pela Constituição Federal,

atinentes à proteção do consumidor, e os preceitos contidos no Código de Defesa do

Consumidor de cunho protetivo.

A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu bojo a seguinte

orientação:

Título VII (Da ordem econômica e financeira), Capítulo I (Dos

princípios gerais da atividade econômica), art. 170, inciso V: A ordem econômica,

fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar

a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os

seguintes princípios: [...] V- Defesa do consumidor [...].

Page 15: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

15

O art. 170, V, acima mencionado, representa norma de eficácia

limitada e conteúdo programático, cujo objetivo é a defesa do consumidor, o que

demonstra a importância deste tema.

Já a partir de 11 de março de 1991, com a entrada em vigor da

Lei n.º 8.078/90, as relações de consumo passaram a ser reguladas especificamente por

este microssistema de proteção ao consumidor, que bem captou as determinações

constitucionais acerca do tema, e se solidificou baseado na indiscutível

vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (art. 4°, I, do CDC).

Não é por outra razão que todo o sistema consumerista se finca

no reconhecimento dessa vulnerabilidade, bem como oferece meios para atenuar tal

desigualdade, dentre os quais os princípios consumeristas. Este é o ponto de partida

para justificar o tratamento legislativo mais benéfico ao consumidor, como forma de

igualar os desiguais, e, assim, manter vivo dentro do sistema o princípio constitucional

da isonomia (Constituição Federal: art. 5º, caput).

Na lição do professor KILDARE GONÇALVES CARVALHO,

os princípios jurídicos constituem a proposição básica do sistema, seu mandamento

nuclear, sua fonte de interpretação e de limitação do alcance das normas.

Hoje, já se encontra totalmente superada a doutrina que

atribuía aos princípios função apenas integrativa ou supletiva. Modernamente, os

princípios são encarados como normas de orientação, uma vez que fornecem critérios

para a interpretação das regras, determinado, portanto, o sentido e alcance de um dado

sistema jurídico.

Como não poderia deixar de ser, a legislação consumerista

funda-se em uma série de princípios (muitos deles constitucionais), que norteiam todo

o sistema, voltados, precipuamente, para a proteção do consumidor, fazendo-se

oportuno destacar, face à pertinência com o tema em estudo, os seguintes:

a) protecionismo e interesse social;

Page 16: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

16

b) vulnerabilidade;

c) hipossuficiência;

d) boa-fé objetiva;

e) equilíbrio contratual;

f) transparência.

Os princípios do protecionismo e do interesse social vêm

insculpidos no art. 1º do CDC, sendo que o primeiro decorre diretamente do texto

constitucional, que estabelece a defesa do consumidor como um dos princípios gerais

da atividade econômica (Constituição Federal: art. 170, V) e impõe ao Estado a

promoção de tal defesa (Constituição Federal: art. 5º, XXXII). Destaque-se que a

legislação consumerista é toda composta por normas que têm como finalidade maior a

defesa e a proteção do consumidor (por exemplo, arts. 23, 42, dentre outros).

Já o princípio do interesse social faz com que o Código de

Defesa do Consumidor seja impregnado por normas de ordem pública, impositivas, de

observância obrigatória, apesar de concebidas para regular relações tipicamente de

direito privado (o interesse privado, neste caso, curva-se diante de um interesse maior,

de ordem pública, social).

Não é por outra razão que o CDC veda em seus arts. 39, V, e 50,

IV, o estabelecimento de obrigações consideras iníquas, abusivas, que coloquem o

consumidor em desvantagem excessiva, ou que sejam incompatíveis com a boa-fé, a

eqüidade ou o equilíbrio contratual.

Inquestionável que a prática das rés, narrada no tópico

denominado “dos fatos”, de, propositadamente, criar o maior número de

obstáculos ao encerramento dos contratos de telefonia móvel celular, através do

oferecimento de um só meio (telefonista), configura-se abusiva, indo de encontro

ao princípio do equilíbrio contratual, que se encontra expresso no Capítulo V do

Código de Defesa do Consumidor, em sua Seção II, denominada Das Cláusulas

Abusivas, e é de aplicação cogente e objetiva.

Page 17: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

17

O outro lado da moeda será a disponibilização de meios que

facilitem a resilição unilateral do contrato, permitindo a denúncia da avença pelo site

das rés, ou mediante o comparecimento em suas lojas (escolha a cargo do

consumidor).

Ainda na seara dos princípios consumeristas, tem-se o da

vulnerabilidade, estabelecido no art. 4º, I, do Código de Defesa do Consumidor.

A vulnerabilidade do consumidor decorre de aspectos de ordem

técnica e de ordem econômica. O primeiro, diz respeito ao monopólio da informação,

relacionada aos meios de produção, que detém o fornecedor. Em razão disso, o

consumidor acaba por ter que se submeter ao poder de controle e à vontade do titular

deste monopólio, o que o deixa em uma posição de fragilidade extrema.

Visível e inconteste tal situação de vulnerabilidade no

presente caso, pois, frise-se, todas as opções tecnológicas oferecidas nos sites das

operadoras de telefonia celular são para aquisição de serviços, jamais para

dispensa, fato esse que é “aceito” sem maiores tergiversações pelo consumidor de

telefonia, em grande parte em razão de seu desconhecimento acerca da

viabilidade técnica de se disponibilizar tais serviços de encerramento de contrato

via internet, ou, pessoalmente, nas lojas das rés (o que, neste caso, não exige

conhecimento técnico algum).

No que toca ao princípio da boa-fé objetiva (positivado nos arts.

4, III, e 51, IV, ambos do Código de Defesa do Consumidor) ensina NELSON

ROSENVALD:

“Compreende ela [boa-fé objetiva] um modelo de conduta

social, verdadeiro “standard” jurídico ou regra de conduta, caracterizado por uma

atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e

correção, de modo a não se frustrar a legítima confiança da outra parte [...] A boa-fé

objetiva é examinada externamente, vale dizer, a aferição dirige-se à correção da

conduta do indivíduo, pouco importando a sua convicção. Não devemos observar se a

Page 18: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

18

pessoa agiu de boa-fé, porém de acordo com a boa-fé. Ou seja: há de avaliar-se

qualquer comportamento em conformidade a padrões sociais vigentes, pouco

importando o sentimento que animou o agente.” (Direito das obrigações. 3. ed., Rio de

Janeiro : Impetus, 2004, pág. 30).

Desta forma, funciona a boa-fé objetiva como regra objetiva de

conduta que deve incidir entre os contratantes (não se leva em consideração o

elemento anímico destes – ao contrário da boa-fé subjetiva), exigindo que estes hajam,

na relação contratual, pautados pela honestidade, lealdade, cooperação e proteção,

permitindo, assim, que seja o contrato cumprido de modo a que se mantenha o máximo

de equilíbrio entre as posições contratuais.

A conduta das rés, em só disponibilizarem o cancelamento

dos contratos de telefonia via central telefônica “call center”, é ofensiva ao

princípio da boa-fé objetiva, já que é indiscutível que todos os meios que visem a

facilitar a vida do consumidor devem ser disponibilizados, amoldando-se a essa

situação a possibilidade de cancelamento/resilição do contrato pela internet, pelas

lojas, nos pontos próprios, e não apenas pelo telefone, que, como se sabe, é difícil,

demorado e, muitas vezes, ineficaz.

Na lição de CLÁUDIA LIMA MARQUES:

“O Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, trouxe como

grande contribuição a exegese das relações contratuais no Brasil a positivação do

princípio da boa-fé objetiva, como linha teleológica de interpretação, em seu art. 4,

III, e como cláusula geral, em seu art. 51, IV, positivando em todo o seu corpo de

normas a existência de uma série de deveres anexos às relações contratuais.”

(MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. O novo

regime das relações contratuais. 4ª ed., São Paulo: RT, 2002, p. 185-186)

Dentre os deveres anexos positivados na legislação

consumerista, pode-se mencionar o de cooperar, ou seja, colaborar para o efetivo

cumprimento do contrato, o que compreende tanto a elaboração de cláusulas claras,

Page 19: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

19

quanto o não-obstruir ou criar gravames desnecessários quando da execução da

avença, ou de seu encerramento.

O caso in concreto encaixa-se, inexoravelmente, em uma séria

de infrações ao CDC, dentre os quais o dever de cooperar em destaque.

Por derradeiro, o princípio da transparência, instituído pelo art.

4º do Código de Defesa do Consumidor, que exige uma relação contratual pautada

pela sinceridade. Destarte, deve o fornecedor oferecer informações claras, corretas e

objetivas acerca do produto ou serviço colocado no mercado, permitindo, assim, que o

consumidor manifeste sua vontade com base em informações absolutamente precisas

acerca do contrato que está entabulando, bem como do que está a adquirir.

O princípio da transparência também se exprime no dever de

informar (art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor), sendo direito básico do

consumidor o acesso à publicidade e informação adequadas e claras sobre os diferentes

produtos e serviços, sem qualquer falha ou omissão quanto à especificação correta de

quantidade, características, composição, qualidade, preço e os riscos que apresentam.

Como visto, todos os princípios acima mencionados têm como

finalidade primeva a proteção ao consumidor, partindo-se da sua inquestionável

posição de vulnerabilidade na relação de consumo. A rede de proteção criada a

favor do consumidor assume importância ainda maior quando é confrontada com

os contratos de massa, realidade atual dos contratos de consumo, como se verifica

nos de habilitação de serviço de telefonia móvel celular.

Portanto, nesse contexto, encaixam-se os contratos de massa,

com suas cláusulas contratuais gerais, e a pura e simples adesão do contraente aos

ditames contratuais, resultando na modificação da tradicional forma de contratação,

outrora baseada na ampla autonomia das vontades e, posteriormente, na autonomia

privada.

Page 20: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

20

Na lição de CÉSAR FIUZA E GIORDANO BRUNO SOARES

ROBERTO:

“Em outras palavras, as pessoas já não contratam como antes.

Não há mais lugar para negociações e discussões acerca de cláusulas contratuais. Os

contratos são celebrados em massa, já vindo escritos em formulários impressos. Toda

essa revolução mexe com a principiologia do Direito Contratual. Os fundamentos da

vinculatividade dos contratos não podem mais se centrar exclusivamente na vontade,

segundo o paradigma liberal individualista. Os contratos passam a ser concebidos em

termos econômicos e sociais. Nasce a teoria preceptiva, segundo a qual, as

obrigações oriundas dos contratos valem, não apenas porque as partes as assumiram,

mas porque interessa à sociedade a tutela da situação objetivamente gerada, por suas

conseqüências econômicas e sociais.” (Contratos de adesão de acordo com o novo

código civil. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 58).

Tão inquestionável quanto essa nova realidade de contratação foi

que, com os contratos de massa, acentuou-se, ainda mais, a desigualdade entre

fornecedor e consumidor, em virtude da não-participação deste na elaboração das

cláusulas contratuais. Assim, na rotina das contratações de massa, ou o consumidor

aceita, integralmente, o contrato já previamente formulado pelo fornecedor, ou,

simplesmente, não contrata. Não há meio termo.

Essa é a situação vivida pelos usuários de telefonia móvel

celular no Estado de Minas Gerais, ou aceitam, em bloco, os ditames do contrato,

dentre os quais os que limitam as formas de encerramento da avença (através de

call center), ou não obtêm o serviço.

Há que se observar que, por sua quase totalitária utilização nas

relações de consumo, os contratos de massa receberam menção específica no CDC,

que tipificou, em seu art. 54, os contratos de adesão:

Page 21: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

21

“Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham

sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas

unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem

que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente

seu conteúdo.

(...)

§ 3º Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos

claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar

sua compreensão pelo consumidor.

§ 4º As cláusulas que implicarem limitação de direito do

consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua

imediata e fácil compreensão.

(...)”

Importante característica dos contratos de adesão, que enseja que

as cláusulas ambíguas, ou dúbias, sejam interpretadas em favor do aderente (Código

Civil, art. 423), foi alargada no Código de Defesa do Consumidor, passando a ser

aplicável a todos os contratos (sejam ou não negociados), o que se constata de seu art.

47, que assim dispõe: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais

favorável ao consumidor.”

Com a finalidade principal de impedir a proliferação de cláusulas

abusivas no ambiente extremamente favorável dos contratos de massa, o Código de

Defesa do Consumidor regulou a matéria, ora se valendo das cláusulas abertas (boa-fé

objetiva e eqüidade, por exemplo, art. 51, IV), ora indicando, casuisticamente, tais

situações de abusividade. Nesta esteira, o art. 51 do Código de Defesa do Consumidor

traz uma lista de cláusulas consideradas abusivas, sendo esta meramente

exemplificativa.

Page 22: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

22

Não obstante os contratos de massa terem como ponto

favorável a agilização na concretização das relações negociais, tal forma de

contratação apresentam um lado deveras negativo, qual seja, o de funcionar como um

manancial de cláusulas abusivas, ante a particularidade que os cerca concernente à

unilateralidade na elaboração das cláusulas principais.

Não é por outro motivo que o Código Civil de 2002 (art. 424)

dispõe que, nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia

antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio, face à presunção

absoluta de abusividade que cerca ditas cláusulas.

No caso em tela, marcante a abusividade na limitação dos meios

de resilição do contrato, por parte do consumidor, ante a total falta de justificativa para

tanto. Frise-se: quando o consumidor intenta resilir seu contrato, encontra um único

caminho, qual seja o telefônico, através dos SACs (Serviços de Atendimento ao

Consumidor), o que, é fato notório, constitui uma verdadeira maratona e teste

paciência, como um apelo para que o consumidor desista pelo cansaço ou pela

irritação.

A outro giro, e corroborando a linha de proteção à parte

vulnerável, adotada pelo CDC, preceitua a Lei nº 8.987/95:

“Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de

serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme

estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo

contrato.

§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de

regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade,

generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das

tarifas.

Page 23: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

23

§ 2o A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do

equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a

melhoria e expansão do serviço.

Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de

setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários:

I - receber serviço adequado;

(...)”

Portanto, o sistema normativo de Concessão e Permissão da

Prestação de Serviços Públicos exige que os serviços a serem prestados pelos usuários

(no caso de telefonia móvel celular) sejam adequados e atuais, compreendendo a

atualização de técnicas e sistemas de tecnologia disponíveis.

Não precisa ser técnico em ciência da tecnologia para se

concluir ser perfeitamente viável a disponibilização, via internet, da opção de

encerramento do contrato de telefonia via site, com o fornecimento on line do

protocolo de tal solicitação. Somente a título de comparação, as próprias rés

disponibilizam em seus sites serviços on line tão ou mais complexos do que o ora

proposto (v.g. habilitação de chip; compra de aparelho; acesso aos contratos de

prestação de serviços; desbloqueio do celular por falta de pagamento;

transferência de titularidade dos planos celular de cartão; compra de crédito;

recadastramento; migração entre planos etc).

Acrescente-se ao acervo legal em menção, o disposto nos arts. 3°

e 110 da Lei 9.472/97:

“ Art. 3o O usuário de serviços de telecomunicações tem direito:

I - de acesso aos serviços de telecomunicações, com padrões de

qualidade e regularidade adequados à sua natureza, em

qualquer ponto do território nacional;

II - à liberdade de escolha de sua prestadora de serviço;

III - de não ser discriminado quanto às condições de acesso e

fruição do serviço;

Page 24: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

24

Art. 110. Poderá ser decretada intervenção na concessionária,

por ato da Agência, em

caso de:

I - paralisação injustificada dos serviços;

II - inadequação ou insuficiência dos serviços prestados, não

resolvidas em prazo razoável;

(...)”

Sob todos os ângulos que se observa, percebe-se o injustificável

e intolerável descumprimento das rés às mais comezinhas regras de proteção e defesa

do consumidor, concernente na conduta das operadoras em só disponibilizarem o

cancelamento dos contratos de telefonia móvel celular via central telefônica “call

center”, o que torna tal procedimento extremamente desgastante e tormentoso para o

consumidor.

É indiscutível que todos os meios que visem a facilitar a vida do

consumidor devem ser disponibilizados, amoldando-se a essa situação a possibilidade

de cancelamento/resilição do contrato pela internet, pelas lojas, nos pontos próprios, e

não apenas pelo telefone que, como se sabe, é difícil, demorado e, muitas vezes,

ineficaz.

Resta claro que tal omissão no oferecimento de meios de

facilitação ao consumidor, além de caracterizar ofensa a princípios e preceitos de

proteção ao consumidor (entabulados no CDC e em leis esparsas), pode redundar em

intervenção nas rés, por descumprimento do art. 110, II, da Lei Geral de

Telecomunicações.

Assim, com espeque na fundamentação constante do presente

tópico, será pretendida (em sede de pedido principal), a concessão de provimento de

natureza mandamental, consubstanciada na determinação de obrigação de fazer (novos

meios de encerramento/resilição do contrato).

Page 25: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

25

VI- DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA INIBITÓRIA:

Conforme já narrado exaustivamente nesta peça, reveste-se como

imperioso o dever das rés em disponibilizar em seus sites link (ou ícone) que

possibilite seja procedido o pedido de cancelamento e conseqüente resilição do

contrato de telefonia móvel celular celebrado com seus usuários, mediante o

fornecimento, on line, de comprovante de tal solicitação (protocolo), ou em suas lojas,

próprias ou credenciadas, referido serviço, tudo com fulcro nos princípios

consumeristas apontados ao longo da narrativa dos fundamentos.

Portanto, estando sobejamente demonstrada a responsabilidade e

o dever das rés no que tange ao acima mencionado, deverá este r. Juízo conceder a

tutela inibitória demandada (obrigação de fazer), com fulcro no art. 461 do CPC, tudo

isso com a finalidade de cessar o ilícito que se apresenta, em razão da atual omissão

das demandadas em disponibilizar os serviços ora pretendidos.

Sobreleva-se, outrossim, frisar que a tutela inibitória pretendida

deverá ser concedida liminarmente (cognição sumária), nos termos do § 3° do art. 461

supramencionado, uma vez que há fundado receio de que a demora natural do processo

possa redundar na total ineficácia do provimento final, posto depender a coletividade

dos consumidores de telefonia móvel celular, bem como a própria higidez do mercado

como um todo, da efetividade e da celeridade da jurisdição in casu.

Portanto, presentes os requisitos a autorizar a antecipação da

tutela, quais sejam: i) relevância dos fundamentos da demanda (direito dos

consumidores de serviço adequado e eficiente, bem como de serem imediatamente

observados todos os princípios consumeristas de cunho protetivo apresentados); ii)

justificado receio de ineficácia do provimento final (a urgência do caso dispensa

maiores tergiversações a esse mister, notadamente porque o desrespeito à toda

coletividade de consumidores, sem qualquer fundamento para tanto, muito antes pelo

contrário, como meio de potencializar os lucros das rés, mantendo e “aprisionando”

seus clientes, a todo custo, resta latente), reitera-se sua concessão, inaudita altera

Page 26: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

26

parte, inclusive com a fixação de multa diária (“astreintes”), no montante a ser

arbitrado por este r. Julgador (e não inferior a R$ 30.000,00 por réu), com fincas a

forçar os demandados a cumprir o comando judicial de viabilização de novos meios de

cancelamento dos contratos de telefonia móvel celular, seja via internet, seja via lojas

próprias ou credenciadas.

Finalmente, há que se vincar que até mesmo os requisitos

previstos para a concessão da antecipação de tutela, com base no art. 273 do CPC,

estariam preenchidos, já que presente a prova inequívoca hábil a conferir

verossimilhança às alegações do demandante, bem como fundado receio de dano

irreparável a direito personalíssimo dos consumidores baseados nos preceitos e

princípios protetivos.

A outro giro, e com fulcro no princípio do sincretismo

processual (o qual permite a cumulação de medidas cautelares e satisfativas em um

mesmo processo de conhecimento, tudo com fulcro na fungibilidade das medidas de

urgência, tratada pelo art. 273, § 7º, CPC) formula a autora pleito de conteúdo

instrumental, consubstanciado no pedido de oficiamento da ANATEL, caso as rés não

cumpram a medida de antecipação de tutela em prazo a ser designado por esse r. Juízo

(e não superior a 90 dias – face à pouca complexidade tecnológica da pretensão), para

que dita autarquia federal instaure procedimento administrativo, como ato

preparatório a eventual intervenção, pela inadequação dos serviços prestados e não

resolvidos em prazo razoável.

É o que dispõe o art. 111, da Lei Geral de Telecomunicações:

Art. 111. “O ato de intervenção indicará seu prazo, seus

objetivos e limites, que serão determinados em função das

razões que a ensejaram, e designará o interventor.

(...)

§ 2o A intervenção será precedida de procedimento

administrativo instaurado pela Agência, em que se assegure a

Page 27: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

27

ampla defesa da concessionária, salvo quando decretada

cautelarmente, hipótese em que o procedimento será instaurado

na data da intervenção e concluído em até cento e oitenta dias.

(...)”

Note-se, outrossim, que o art. 110, II, de referida lei dispõe que

“Poderá ser decretada intervenção na concessionária, por ato da Agência, em caso

de: [...] II - inadequação ou insuficiência dos serviços prestados, não resolvidas em

prazo razoável [...]”, fato esse que confere suporte jurídico à pretensão em tela, haja

vista a inadequação dos serviços prestados pelas demandadas (leia-se serviço todos os

atos praticados desde a contratação ao distrato (incluindo-se esse).

VII- DO DANO MORAL COLETIVO:

Dispõe o art. 6º, VI, do CDC que: “São direitos básicos do

consumidor: [...] VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e

morais, individuais, coletivos e difusos [...]”

Portanto, superado qualquer questionamento quanto à

reparabilidade do dano moral, com o advento da Constituição Federal de 1988 (art. 5°,

V e X) e mais recentemente com o Código Civil de 2002 (arts. 186 e 927), sedimentou

o art. 6° do CDC posicionamento legislativo, doutrinário e jurisprudencial de outrora

quanto ao dano moral afeto à toda coletividade e também quanto à sua reparabilidade

em espectro coletivo.

Importante frisar que a própria Constituição cidadã já conferia

arrimo constitucional à pretensão ora esboçada, ao prevê no art. 5º, XXXV, o princípio

da inafastabilidade da jurisdição, assegurando a tutela judicial a qualquer direito

lesado, seja individual, seja coletivo.

Ademais, conforme mencionado alhures, o art. 6°, VI, do CDC

vem corroborar outros dispositivos que já propugnavam pela reparabilidade do dano

moral coletivo, dentre os quais o art. 1° da Lei 7.347/85.

Page 28: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

28

Indiscutível que os direitos transindividuais, de natureza

indivisível, merecem proteção. Assim, o direito pertencente à sociedade, ou parte dela,

deve ser defendido de forma coletiva, pouco importando se isso irá resultar na

necessidade de fixação de parâmetros, também coletivos, para a estipulação de

eventual parcela ressarcitória.

No caso em espécie, a atitude injustificada e ilegal das rés em

criar embaraços e empecilhos de toda a sorte à viabilização do ato de encerramento

dos contratos de telefonia móvel celular causou lesão ao patrimônio imaterial da massa

de consumidores, que coloca em xeque a própria credibilidade do mercado e dos

sistemas de proteção do consumidor, afetando, em última análise, até mesmo seu

conceito de cidadania.

Quanto à evolução de toda a teoria que envolve a reparabilidade

do dano moral, bem salienta FRANCISCO AMARAL ao dispor que: “A questão de

saber se é ou não indenizável [o dano moral] leva a posições antagônicas, embora

seja hoje pacífica a sua ressarcibilidade. Discute-se se é indenização ou satisfação ao

ofendido, se é pena ou compensação, e qual o fundamento da indenização [...]

Aceitando-se, porém, a responsabilidade civil como sanção, não há por que recusar-

se o ressarcimento do dano moral, misto de pena e de compensação. Original sem

destaque (Direito civil: introdução. 6ª ed. Rio de Janeiro : Renovar, 2006, pág. 544).

A aceitação pelos operadores do direito da existência e

necessidade de reparação do dano moral coletivo, aponta para a contínua evolução de

tal matéria, que começou com questionamentos acerca da própria reparabilidade do

dano moral individual, e desaguou, com fulcro no art. 5º, XXXV, da CF (princípio da

inafastabilidade da jurisdição), no campo da ampla reparabilidade moral, seja

individual, seja coletiva, nesse caso quando caracterizar ofensa a valores indivisíveis

de toda a coletividade.

Quanto à liquidação do dano moral, é cediço que cabe tão difícil

tarefa ao prudente arbitramento do julgador, o qual deverá levar em consideração a

Page 29: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

29

potencialidade do dano, o número de lesados, os “motivos” para o dano, além da

capacidade econômica do causador da ofensa.

No caso em discussão, a potencialidade do dano é indiscutível, já

que atinge a coletividade como um todo, embutindo em toda a massa de consumidores

o sentimento de descrédito quanto à eficácia das leis que visam a lhes protegem (in

casu o Código de Defesa do Consumidor), bem como criando o sentimento coletivo de

institucionalização do desrespeito aos preceitos que regem o mercado de consumo, a

partir do momento em que se constata que as grandes concessionárias de serviços

públicos (rés) desrespeitam tais regras, sem quaisquer conseqüências.

O dano moral coletivo decorre da solidificação no meio social da

sensação de impunidade e de desrespeito às leis de mercado, bem como da certeza

dessa impunidade pelas grandes corporações.

Reitere-se que a atitude deliberada das rés em limitar as forma de

cancelamento dos contratos de telefonia móvel de celular, com o intuito mesquinho de

vencer o consumidor pelo cansaço (e assim, talvez, conseguir manter mais um

contrato), deve ser rechaçada pelo Estado, seja através da adoção de medidas

administrativas de ofício (no âmbito da ANATEL), seja através da tomada de medidas

judiciais, com a concessão de tutela inibitória (obrigação de fazer concernente na

disponibilização de novos meios para a resilição dos contratos) e ressarcitória, através

da fixação de danos morais coletivos, com fincas a manter a higidez, o equilíbrio e a

harmonia no mercado de consumo.

Seguindo nos critérios para a fixação do dano moral, quanto ao

número de lesado e aos “motivos” para o dano, tem-se, no primeiro, toda a

coletividade de consumidores, ou seja, um número inestimável e expressivo de

pessoas, o que por si só justificaria a fixação do quantum indenizatório em patamares

consideráveis. Já no que tange aos motivos para a prática do ilícito por parte das rés,

vê-se que são eles os mais comezinhos e injustificáveis, quais sejam a eterna busca

pela potencialização dos lucros, custe o que custar, doa a quem doer.

Page 30: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

30

Finalmente, no que pertine à capacidade financeira dos

agressores, a divulgação de resultados das rés apresenta os seguintes valores:

a) Telemig Celular Participações S.A., (holding da 1ª co-ré)

apresentou lucro líquido de R$ 174 milhões, no ano de 2005 (fonte:

http://telemig.infoinvest.com.br/docs/326_TMB-1T06-Final.pdf);

b) TIM Participações (holding que reúne a 2ª co-ré) apresentou

lucro líquido de R$ 145 milhões, no 4° trimestre de 2005 (fonte:

http://noticias.uol.com.br/economia/ultnot/valor/2006/02/01/ult1913u45490.jhtm);

c) OI (3ª co-ré) apresentou lucro líquido de R$ 342,7 milhões, no

1º trimestre de 2007 (fonte: http://g1.globo.com/Noticias/Negocios/0,,MUL27269-

5600,00.html)

d) CLARO (4ª co-ré ) apresentou lucro operacional de R$ 168

milhões, no 1° trimestre de 2007 (fonte:

http://oglobo.globo.com/economia/mat/2007/04/26/295520798.asp.

Pois bem: partindo-se do pressuposto de que o valor do dano

moral coletivo deve servir não só para recompor o patrimônio imaterial da

coletividade, mas também como instrumento educativo e de punição aos causadores do

dano, os quais devem sentir, mesmo que financeiramente, a repercussão negativa

causada pelos seus atos de inobservância da lei e dos princípios consumeristas, e

levando-se em consideração a capacidade econômica das rés, deve o valor do quantum

indenizatório ser fixado em quantia não inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de

reais), o que representa menos de 3% do faturamento trimestral das demandadas.

Ressalte-se que dito valor deverá ser revertido ao fundo de

defesa de direitos difusos, instituído pela Lei Federal n.º 7.347/85, art. 13.

VIII- DOS PEDIDOS DE COGNIÇÃO SUMÁRIA:

Em razão do exposto, a Defensoria Pública requer:

Page 31: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

31

1) a concessão liminar de medida de antecipação de tutela

inibitória, concernente na determinação de que as rés disponibilizem em seus sites link

(ou ícone) que possibilite seja procedido o pedido de cancelamento e conseqüente

resilição do contrato de telefonia móvel celular celebrado com seus usuários, mediante

o fornecimento on line de comprovante de tal solicitação (protocolo);

1.1) a concessão liminar de medida de antecipação de tutela

inibitória, concernente na determinação de que as rés disponibilizem em suas lojas, ou

nos pontos de venda credenciados, setor que possibilite seja procedido o pedido de

cancelamento e conseqüente resilição do contrato de telefonia móvel celular celebrado

com seus usuários, mediante o fornecimento de comprovante de tal solicitação;

1.2) que seja concedido o prazo de 90 (noventa) dias para a

consecução das obrigações de fazer supramencionadas, contados da citação;

1.3) que sejam adotadas medidas coercitivas, dentre as quais a

fixação de multa diária (“astreintes” – art. 11 da Lei n° 7.347/85) não inferior a R$

30.000,00 por réu, na hipótese de atraso no cumprimento da obrigação, com fincas a

forçar os demandados a cumprir o comando judicial de viabilização de novos meios de

cancelamento dos contratos de telefonia móvel celular, seja via internet, seja via lojas

próprias ou credenciadas;

2) caso as rés não cumpram a medida de antecipação de tutela no

prazo de 90 dias, (ou em outro a ser designado por esse r. Juízo (e não superior a 90

dias – face à pouca complexidade tecnológica da pretensão), seja a ANATEL oficiada,

para que dita autarquia federal instaure procedimento administrativo, como ato

preparatório a eventual intervenção, pela inadequação dos serviços prestados e não

resolvidos em prazo razoável pelas demandadas.

IX - DOS PEDIDOS DE COGNIÇÃO EXAURIENTE:

Ante todo o exposto, a Defensoria Pública Estadual requer:

Page 32: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

32

1) a citação das rés, para apresentar resposta no prazo legal, sob

pena de aplicação dos efeitos da revelia;

2) que seja julgado procedente o pedido exordial, com a

conseqüente confirmação da decisão antecipatória, e a condenação definitiva das rés

em:

2.1) disponibilizar em seus sites link (ou ícone) que possibilite

seja procedido o pedido de cancelamento e conseqüente resilição do contrato de

telefonia móvel celular celebrado com seus usuários, mediante o fornecimento on line

de comprovante de tal solicitação (protocolo);

2.2) disponibilizar em suas lojas, ou nos pontos de venda

credenciados, setor que possibilite seja procedido o pedido de cancelamento e

conseqüente resilição do contrato de telefonia móvel celular celebrado com seus

usuários, mediante o fornecimento de comprovante de tal solicitação;

3) a condenação das rés no pagamento de quantia a título de

dano moral coletivo, a ser arbitrada por esse r. Juízo, e não inferior a R$ 20.000.000,00

(vinte milhões de reais), com a incidência de atualização monetária e juros de mora até

o efetivo pagamento, além dos ônus da sucumbência (inaplicabilidade do art. 18 da Lei

7.347/85 às rés);

3.1) que o valor da condenação relativo à tutela ressarcitória seja

revertido em prol do fundo de defesa de direitos difusos, instituído pela Lei Federal n.º

7.347/85.

4) a inversão do ônus da prova, com fulcro no art. 6°, VIII, do

CDC, com todas as conseqüências de tal ato, dentre as quais a determinação de que as

rés façam prova da inexistência dos fatos alegados na exordial, ou que assumam os

ônus financeiros da produção de eventual prova técnica;

Page 33: Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo ... · falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é ... pelo cansaço, ... que o consumidor

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

33

5) provar o alegado por todos os meios em Direito admitidos,

especialmente através de testemunhas, documentos, prova técnica, e do depoimento

pessoal dos representantes legais das rés;

6) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos, honorários

periciais, ou verbas sucumbenciais pela autora, em vista do disposto no art. 18 da Lei

Federal nº 7.347/85;

Dá-se à causa do valor de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de

reais).

Belo Horizonte, 02 de maio de 2007.

CLAUDIO MIRANDA PAGANO Mª FERNANDA KOKAEV C. PAGANO

Defensor Público Defensora Pública

MADEP: 0501-D/MG MADEP: 0454-D/MG