DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte/MG
A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS
GERAIS, por intermédio dos Defensores Públicos ao final assinados, nos termos do
que dispõem o art. 134, caput da CF/88, o art. 4º, inciso VII, e art. 128, XI da Lei
Complementar Federal nº 80/94, o artigo 5º, incisos IX, X, e § 3º da Lei
Complementar Estadual nº 65/03, bem como o disposto no artigo 2º da Lei Federal nº
11.448/2007 que alterou o art. 5º da Lei Federal nº 7.347/85, vem propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
INIBITÓRIA
em face de TELEMIG CELULAR S.A, pessoa jurídica de
direito privado, inscrita no CNPJ (MF) sob o nº 02.320.739/0001-06, com sede na rua
Levindo Lopes, n.º 258, 8º andar, bairro Savassi, Belo Horizonte/MG, CEP: 30140-
170; MAXITEL S.A. (TIM), pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ
(MF) sob o nº 01.009.686/0012-05, com sede na av. Raja Gabaglia, n º 1.781, 7º andar,
bairro Luxemburgo, Belo Horizonte/MG, CEP 30350-540; TNL PCS S.A. (OI),
pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ (MF) sob o n° 04.164.616/0001-
59, com sede na rua Jangadeiros, 48, bairro Ipanema, Rio de Janeiro/RJ, CEP: 22420-
010 e BCP S.A. (CLARO), pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ (MF)
sob o n° 40.432.544/0001-47, com sede na rua Flórida, n° 1.970, bairro Brooklin, São
Paulo/SP, CEP: 04565-001, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos:
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I – DOS FATOS:
A privatização dos serviços de telecomunicações, através da
Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95, mudou o panorama nacional. A telefonia
móvel celular, com a edição da lei 9.295/96, que permitiu, via licitação, o ingresso de
diversas outras operadoras no mercado, passou a ser o ramo mais competitivo do setor.
Essa nova realidade trouxe, em regra, mais eficiência, além de
imensuráveis benefícios aos consumidores. A abertura do mercado para o capital
privado obrigou as antigas estatais, e as novas sociedades empresárias que se
instalavam, a investimentos vultosos. Com isto, houve um aumento significativo na
escala de produção de aparelhos e no oferecimento de serviços de telefonia móvel,
numa ampla disputa pelo interesse dos consumidores.
No entanto, surgiu, também, um sem-número de problemas
relacionados a tal atividade, dentre os quais as dificuldades encontradas pelos
assinantes do serviço de telefonia móvel celular que pretendem cancelar sua assinatura
ou solicitar a dispensa de determinado serviço.
Os obstáculos são tantos que o usuário desiste da pretensão ou
procura solução junto a órgãos administrativos ou judiciais de defesa do consumidor,
abarrotando todas as esferas com um volume enorme de trabalho, facilmente evitável.
Pesquisas comprovam que no PROCON de Belo Horizonte, as
reclamações sobre as dificuldades para cancelar contratos celebrados com as
sociedades-rés, responsáveis pelo serviço de telefonia celular da região 4 (quatro)
(que compreende Minas Gerais), foram as que mais cresceram. Segundo o órgão de
defesa do consumidor, em 2006, houve um aumento de 73% no número de clientes
que tiveram problemas para cancelar algum serviço com as operadoras de telefonia
celular.
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O número de reclamações, segundo registros da ANATEL,
aumenta em proporção geométrica. De janeiro de 2004 a janeiro de 2005, cresceu
41%, passando de 18.243 mil para 25.726 reclamações, em âmbito nacional.
Face a essa quantidade de reclamações, a Defensoria Pública do
Estado de Minas Gerais diligenciou no sentido de obter informações acerca dos
procedimentos instaurados contras as operadoras de telefonia móvel local, acima
nominadas, versando sobre o tema. Vale aqui destacar, a título de exemplo, o teor das
reclamações, na parte que concerne ao objeto da presente ação, todas no mesmo
sentido:
Reclamante: Rosilene Cipriano Silva: "Eu acho isso uma
falta de respeito com o consumidor porque para poder adquirir uma linha é muito
rápido e para cancelar uma linha você leva muito tempo”. (Fonte:
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM655435-7823-
TER+CELULAR+E+FACIL+MAS+LIVRARSE+DELE+E+MUITO+DIFICIL,00.html);
Reclamante: Renata de Mello: "A primeira vez, eles me
passaram de um atendente para outro, aí eu desisti. Na segunda vez, eu fiquei 40
minutos no telefone, e o atendente insistindo para eu continuar com a linha, me
propondo promoções e aparelhos novos. Fui convencida pela insistência”. (Fonte:
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM655435-7823-
TER+CELULAR+E+FACIL+MAS+LIVRARSE+DELE+E+MUITO+DIFICIL,00.html);
Reclamante: Fernando Couto: "Cancelar um contrato é uma
via crucis, você sofre desde o primeiro momento e você tem que aceitar o que eles
impõem. Eu não viso nenhum tipo de reparação, eu gostaria que servisse de
exemplo para que eles melhorem, para que outras pessoas não passem por este
sofrimento”. (Fonte:http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM651533-7823-
DIFICULDADES+NO+CANCELAMENTO+DE+UMA+LINHA+DE+CELULAR,00.html);
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Assim, a presente ação civil pública tem como base as denúncias
dos consumidores, insatisfeitos com o atendimento eletrônico das operadoras de
telefonia celular. Entre as principais queixas está a dificuldade de cancelar os
contratos, sendo cediço que as empresas de “call center”- que prestam serviço às ora
rés, são treinadas para vencer o usuário pelo cansaço, evitando a todo custo o
encerramento do contrato (devido à famigerada busca pela fidelização dos clientes).
Trata-se de problema que vem se arrastando, sem que nenhuma
solução satisfatória seja dada. As operadoras de telefonia celular, ao que todos dizem,
e com razão, não demonstram qualquer interesse em atender à solicitação do usuário,
especialmente daquele que pretende cancelar sua assinatura ou dispensar qualquer
serviço que lhes gere receita.
No momento em que negocia sua adesão às prestadoras de
serviço de telefonia, o consumidor se depara com inúmeras vantagens e garantias que
estimulam, de imediato, o fechamento de contratos sem nenhuma dificuldade,
inclusive com a disponibilização dos modelos padronizados de contratos pela Internet,
tudo com o espeque maior de facilitar e agilizar a contratação.
Nesse diapasão, abaixo os endereços eletrônicos para a
localização de tais contratos nos sites das operadoras-rés:
Contrato para adesão ao serviço de telefonia da TELEMIG CELULAR
http://www.telemigcelular.com.br/conheca/planos/contrato/default.aspx
Contrato para adesão ao serviço de telefonia da TNL PCS S.A. (OI)
http://www.oiloja.com.br/portal/site/OiLoja/menuitem.b14342b3c3ab31bda410ad86c8ac02a0/?v
gnextoid=bd980c8c2a6cc010VgnVCM10000090cb200aRCRD
Contrato para adesão ao serviço de telefonia da BCP S.A. (CLARO)
http://www.claro.com.br/portal/site/siteTA/index.jsp?epi-
content=GENERIC&beanID=1596968574&viewID=DetalhePlano&strView=Plano+Claro+Estil
o+300+Minutos&cdplano=1237
Entrementes, quando a situação se inverte, e o objetivo é a
resilição do contrato, o percurso se torna tortuoso, lento, sem qualquer justificativa
para tal.
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Na verdade, quando o consumidor intenta resilir seu contrato,
encontra uma “trilha única”, qual seja a via telefônica, através dos SACs (Serviços de
Atendimento ao Consumidor), o que, é fato notório, constitui uma verdadeira
maratona, exigindo-se do usuário paciência de monge, já que o consumidor é
obrigado a informar seus dados pessoais a diversos atendentes, que se revezam num
verdadeiro e longo ritual, enquanto o precioso tempo do solicitante se esvai entre as
incontáveis propagandas que são repetidas, repetidas e repetidas, como num apelo para
que o consumidor desista pelo cansaço ou pela irritação.
Tamanho é o descontentamento dos consumidores com a falta de
respeito com que as operadoras de telefonia celular tratam o tema que a questão foi
amplamente divulgada pela mídia, conforme matérias veiculadas nos seguintes meios
de comunicação (doc. anexo):
- Rede Globo de Televisão – Programa: “Jornal da Globo”,
exibido em 22/03/2007 - (Endereço eletrônico para localização da matéria:
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM655435-7823-
TER+CELULAR+E+FACIL+MAS+LIVRARSE+DELE+E+MUITO+DIFICIL,00.html);
- Rede Globo de Televisão – Programa: “MGTV – 1ª Edição”,
exibido em 14/03/2007 - (Endereço eletrônico para localização da matéria:
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM651533-7823-
DIFICULDADES+NO+CANCELAMENTO+DE+UMA+LINHA+DE+CELULAR,00.html);
- Portal do Consumidor do Ministério da Fazenda, nota exibida
em 31/08/2005 – Título: “Aprisionados pelo contrato do celular” - (Endereço
eletrônico para localização da matéria:
http://www.portaldoconsumidor.gov.br/noticia.asp?busca=sim&id=4354);
A Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL)
constantemente fiscaliza e cobra posturas das concessionárias do serviço de telefonia
móvel (doc. anexo), todavia, não vem conseguindo êxito em sua empreitada.
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Torna-se claro que o serviço eletrônico das operadoras de
telefonia celular é deficiente e não satisfaz as necessidades dos usuários, além de
adotar dois pesos, duas medidas, nos momentos da contratação e da denúncia do
contrato: padrão germânico de eficiência para auxiliar na contratação dos serviços
de telefonia, padrão brasileiro, pré-Código de Defesa do Consumidor, para
apresentar mecanismos que agilizem a resilição da avença.
Frise-se que todas as opções oferecidas nos sites das operadoras
de telefonia celular são para aquisição de serviços, jamais para dispensa.
Ainda nesta toada, resta totalmente abusiva a conduta das
operadoras em só disponibilizarem o cancelamento dos contratos via central telefônica
“call center”. É indiscutível que todos os meios que visem a facilitar a vida do
consumidor devem ser ofertados, amoldando-se a essa situação a possibilidade de
cancelamento/resilição do contrato pela internet, pelas lojas, nos pontos próprios ou
credenciados, e não apenas pelo telefone, que, como se sabe, é difícil, demorado e,
muitas vezes, ineficaz.
Certo é que as operadoras de telefonia celular devem dispensar
as mesmas condições de acesso tanto a consumidores que desejam contratar quanto a
consumidores que desejam cancelar seus serviços.
Em razão de todo o exposto, a autora oficiou as rés, operantes
em Minas Gerais – Região 04 (doc. anexo), para que prestassem informações
detalhadas acerca dos fatos ora narrados. Contudo, não foram apresentadas respostas
satisfatórias a tais indagações, o que repercutiu na necessidade da presente ação.
A outro giro, a ANATEL informa não haver regulamento
específico para o cancelamento dos contratos junto às operadoras de telefonia celular,
e, segundo a Associação Nacional das Operadoras, cada operadora tem conduta
própria ao tratar do cancelamento de linhas telefônicas.
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De qualquer sorte, não existindo razão objetiva para que as
operadoras de telefonia celular procedam da forma mencionada (não disponibilizando,
via internet, ou nos postos de atendimento, serviço de cancelamento dos contratos de
telefonia móvel celular), presta-se a presente demanda a compeli-las a: i) criar em suas
páginas principais na internet um ícone específico e com destaque, através do qual o
consumidor poderá promover a resilição unilateral de seu contrato (com o registro e
protocolo automáticos de tal atividade); ii) disponibilizar, em sua lojas, o serviço de
cancelamento ora discutido.
Conforme será devidamente abordado no tópico denominado
“Dos fundamentos”, a postura atual das rés viola, de forma frontal, diversos princípios
consumeristas, tais como: vulnerabilidade, hipossuficiência, boa-fé objetiva e
equilíbrio contratual, fato esse que, per se, justifica a tutela jurisdicional pretendida.
Por oportuno, urge mencionar que antes de se adentrar nos
fundamentos jurídicos dos pedidos, serão abordadas questões atinentes à legitimidade
ativa ad causam da postulante; da competência deste r. Juízo e da adequação da via
eleita ( ACP), tudo com fincas a contribuir para o deslinde do processo.
II – DA LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA
PÚBLICA DE MINAS GERAIS:
Desde a entrada em vigor da Lei Federal nº 11.448/2007,
alterou-se o art. 5º da Lei Federal nº 7.347/85, disciplinadora da ação civil pública, que
passou a rezar o seguinte:
“Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação
principal e a ação cautelar:
(...)
II - a Defensoria Pública;”
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8
Assim, se mesmo antes da referida alteração legislativa, a
legitimidade da Defensoria Pública para propositura da ação civil pública em defesa
dos interesses difusos e coletivos dos necessitados defluia de interpretação sistemática
e teleológica do ordenamento jurídico, tal prerrogativa encontra-se devidamente
assentada com base na redação atual da Lei Federal nº 7.347/85.
Acrescente-se a isso o fato de que o que se busca na presente
demanda é a defesa de direitos difusos atinentes aos consumidores de telefonia móvel
celular, parte vulnerável na relação de consumo, nos termos do art. 4°, I, do Código de
Defesa do Consumidor, o que a torna dependente de todos os instrumentos e órgãos
disponíveis à defesa de seus interesses.
III - DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL:
Em que pese se tratar a União Federal do poder concedente do
serviço público de telefonia (art. 21, XI, da Constituição Federal e art. 1º da Lei Geral
de Telecomunicações) e a ANATEL do órgão regulador das telecomunicações, nos
termos do art. 19 da Lei 9.472/97, não há falar em interesse de tal ente da federação
ou da autarquia em comento no presente processo, motivo pelo qual resta afastada a
competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito, haja vista o não
enquadramento no disposto no art. 109, I, da CF.
Conforme devidamente abordado quando da narrativa dos fatos,
cinge-se a presente demanda no descumprimento de preceitos consumeristas por parte
das rés, concernentes na injustificável não disponibilização de meios tecnológicos que
tornem mais eficiente e célere os serviços prestados pelas litigadas, notadamente os
relacionados à efetivação da resilição do contrato de prestação de serviço de telefonia
móvel por iniciativa do consumidor, o que afasta qualquer interesse da União na
demanda.
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Ademais, não há falar em litisconsórcio passivo necessário entre
as rés e o ente federativo em comento e ANATEL, já que, repise-se, o objeto da ação é
a proteção da relação de consumo existente entre os usuários e sociedade de telefonia,
não visando a impugnar quaisquer atos ou normas da autarquia supramencionada,
afastando, destarte, seu interesse, ou sua obrigatoriedade de participação na lide.
Nesse sentido:
“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ASSINATURA
BÁSICA RESIDENCIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE
INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. BRASIL TELECOM S/A. EMPRESA
CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL.
AUSÊNCIA DE INTERESSE JURÍDICO DA UNIÃO OU DE
QUAISQUER DOS ENTES ELENCADOS NO ART. 109 DA CF/88.
INCIDÊNCIA DA SÚMULA 150 DESTE STJ. COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Ação proposta em face de empresa
concessionária de telefonia objetivando o reconhecimento da
ilegalidade da "Assinatura Básica Residencial", bem como a
devolução dos valores pagos desde o início da prestação dos serviços.
2. Deveras, tratando-se de relação jurídica instaurada em ação entre
a empresa concessionária de serviço público federal e o usuário, não
há interesse na lide do poder concedente, no caso, a União,
falecendo, a fortiori, competência à Justiça Federal (precedentes: CC
48.221 - SC, Relator Ministro JOSÉ DELGADO, 1ª Seção, DJ de 17
de outubro de 2005; CC 47.032 - SC, desta relatoria, 1ª Seção,DJ de
16 de maio de 2005; CC 52575 - PB, Relatora Ministra ELIANA
CALMON, 1ª Seção DJ de 12 de dezembro de 2005; CC 47.016 - SC,
Relator Ministro CASTRO MEIRA, 1ª Seção, DJ de 18 de abril de
2005). 3. Ademais, infere-se que o interesse jurídico da ANATEL foi
afastado pelo Juízo Federal, a quem compete sindicar acerca desse
particular consoante a Súmula 150 deste STJ (Compete à Justiça
Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique
a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas
públicas). 4. Conflito conhecido para declarar competente o face do
JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA DE IGUATU - CE . 5. Agravo
Regimental desprovido.” (STJ, Processo AgRg no CC 68818 / CE ;
AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA
2006/0188004-6, Relator(a) Ministro LUIZ FUX, Órgão Julgador S1 -
Data do Julgamento: 14/03/2007)
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO
FEDERAL. CONTRATO DE TELEFONIA MÓVEL. VIOLAÇÃO DO
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ART. 535, I e II, DO CPC. NÃO CONFIGURADA.
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA. ART. 273 DO
CPC. TUTELA ANTECIPADA. REQUISITOS. SÚMULA 07/STJ. 1.
Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de
Santa Catarina em face da empresa TELESC BRASIL TELECOM,
objetivando a reabertura da loja de atendimento pessoal aos
consumidores no Município de Campos Novos, a fim de garantir-lhes
a prestação de serviço adequado, insubstituível pelo atendimento
telefônico centralizado, denominado 'Call Center - 106', o qual
ocasionou uma série de problemas aos usuários e feriu Resoluções da
Anatel e ditames do Código de Proteção e Defesa do Consumidor,
mercê de evitar-se com a demanda a cobrança de serviços
inexistentes ou incompletos efetuados pela ré. 2. Inexiste ofensa ao
art. 535, I e II, CPC, quando o Tribunal de origem pronuncia-se de
forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, cujo decisum
revela-se devidamente fundamentado. Ademais, o magistrado não está
obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte,
desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para
embasar a decisão. 3. Inexiste litisconsórcio passivo necessário, nos
termos do artigo 47 do CPC nas hipóteses em que a impugnação de
objeto da ação civil é a proteção da relação de consumo existente
entre os usuários e empresa de telefonia e não as normas editadas
pela autarquia federal em demanda cujo resultado vai interferir na
sua esfera jurídica. 4. In casu, a ação objetiva o exame de relação
jurídica instaurada entre a empresa concessionária de serviço público
federal e o usuário, que alega a má qualidade dos serviços prestados.
Consectariamente, não há interesse na lide do poder concedente, no
caso, a União, falecendo, a fortiori, competência à Justiça Federal.
(Precedente: Resp nº 431606/SP, publicado no DJ de 30.09.2002). 5.
Consectariamente, ausente o interesse da União Federal na causa em
que seja parte empresa privada concessionária de serviço público
federal, a competência para processar e julgar a ação fixa-se na
Justiça Estadual, inexistindo razão para a extensão do foro federal às
pessoas não elencadas no art. 109, inc. I, da Constituição Federal.
Precedentes do STJ: CC 38887/SP, desta relatoria, DJ de 09.06.2004
e CC 47495/RS, Relator Ministro Teori Zavascki, DJ 09.02.2005...”-
original sem destaque. (STJ, Processo REsp 700260 / SC ; RECURSO
ESPECIAL 2004/0156080-5, Relator Ministro LUIZ FUX, Órgão
Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA, Data do Julgamento: 15/12/2005)
“PROCESSUAL - COMPETENCIA - CONCESSIONARIA DE SERVIÇO
PUBLICO - TELEFONIA CELULAR - HABILITAÇÃO.- COMPETE A
JUSTIÇA ESTADUAL DIRIMIR QUESTÃO ATINENTE A CLAUSULA DE
CONTRATO CELEBRADO ENTRE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA
E PARTICULAR.- PRECEDENTE.- CONFLITO CONHECIDO PARA
DECLARAR COMPETENTE O JUIZO DE DIREITO DA 7A. VARA CIVEL
DE SÃO PAULO-SP.” (STJ, Processo CC 10210 / SP ; CONFLITO DE
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
11
COMPETENCIA 1994/0023826-6, Relator Ministro AMÉRICO LUZ,
Órgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento:30/08/1994)
A outro turno, faz-se mister ressaltar que dispõe o art. 93, I e II,
do CDC que, ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a
justiça do lugar onde ocorreu o dano, quando de âmbito local, e a da Capital do Estado
ou do Distrito Federal, quando se tratar de danos de âmbito regional, o que delimita a
competência territorial (in casu absoluta) desse r. Juízo.
IV – DO CABIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA:
A ação civil pública, conforme preleciona JOSÉ DOS SANTOS
CARVALHO FILHO, “é o instrumento judicial adequado à proteção dos interesses
coletivos e difusos.” (Direito Administrativo. 10ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p.
840).
A Lei Federal nº. 7.347/85, que disciplina a matéria, enumera os
bens tutelados por meio desta garantia constitucional:
“Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da
ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e
patrimoniais causados:
I – ao meio ambiente;
II – ao consumidor;
III – aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico;
IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;
V – por infração da ordem econômica e da economia popular;
VI – à ordem urbanística”.
O mesmo autor observa, com a acuidade que lhe é peculiar, que
“a relação contida no dispositivo é meramente exemplificativa, devendo-se emprestar
a interpretação de que o objetivo é a tutela dos interesses difusos e coletivos,...”
(idem, pág. 841).
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12
Não paira dúvida de que o caso vertente autoriza a intervenção
da Defensoria Pública, por meio da presente ação civil, no escopo de reparar uma lesão
constitucional indisponível que afeta coletividade de pessoas (consumidores do
serviço de telefonia) e, nesse sentido, efetivar ações das rés no tocante à melhoria dos
serviços prestados.
Como é sabido, os direitos coletivos em sentido restrito são os
transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de
pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base (art. 81,
II, CDC).
Prima facie, pode-se defender, então, que o que se busca,
precisamente, no caso concreto, é a defesa de um direito coletivo em sentido estrito,
haja vista a prévia relação jurídica base entre as rés e os seus consumidores.
Porém, nos termos da lição de GREGÓRIO ASSAGRA DE
ALMEIDA, valendo-se dos ensinamentos de Nelson Nery Junior, “[...]o que
determina se o direito é difuso, coletivo ou individual homogêneo é o tipo de tutela
jurisdicional que se pretende quando se propõe a ação. É aqui que se aferirá o tipo de
pretensão deduzida jurisdicionalmente, já que o mesmo fato poderá dar ensejo ao
ajuizamento de ação com base em direito difuso, coletivo, individuais homogêneos ou
individual puro.” (Direito processual coletivo brasileiro. São Paulo : Saraiva. 2003,
pág. 482).
Nesta toada, e em razão do tipo de pretensão que se busca na
demanda em questão, tutelados também estarão típicos direitos difusos, haja vista que
os efeitos da tutela atingirão o mercado de consumo como um todo, através da
eliminação de práticas abusivas que atentem contra a livre concorrência, ou o
desenvolvimento de um mercado saudável, em suma, contra todas as medidas que
possam ludibriar a massa de consumidores, ou torná-los reféns das práticas nefastas
dos fornecedores.
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
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Veja que as molas propulsoras do surgimento da relação de
consumo foram o advento dos mercados de massa, bem como a homogeneização de
produtos e serviços, para atender a esse mercado singularizado pela padronização.
O Direito Positivo, como algo vivo e não estanque, acompanhou
as evoluções decorrentes dos novos métodos de produção e do surgimento dos
mercados de consumo, conferindo respaldo para a elaboração de contratos
padronizados (denominados de massa), oferecendo meios de proteção à parte mais
vulnerável nesta relação e, principalmente, disponibilizando instrumentos que
permitissem a eficaz tutela dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos.
A moderna processualística passou por cima de fórmulas
individualistas e considerou insuficientes as soluções litisconsorciais; criou as ações
coletivas, deu à coisa julgada perfil novo e, assim, permitiu que legiões de
consumidores (ou de cidadãos, como na ação popular) se vissem protegidos em um
único litígio, (SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao código de defesa do
consumidor. 3. ed. São Paulo: LTr, 1998, p. 30), nada mais do que se busca com a
ação em debate.
Por derradeiro, reitere-se a viabilidade da ação civil pública
como instrumento de defesa dos direitos ora apresentados, com fulcro no art. 81 do
CDC, bem como com base no art. 1°, II, da Lei n° 7.347/85.
V – DOS FUNDAMENTOS:
Sabe-se que, desde que passou a viver de forma organizada e
coletiva, o homem pratica negócios jurídicos (em graus diversos de complexidade),
dentre outras finalidades, para obter mercadorias e serviços úteis de alguma forma.
Nos primórdios, os bens comerciados mantinham como traço
característico o método de elaboração artesanal, bem como a produção em quantidades
inexpressivas.
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
14
A partir do século XVIII, os novos métodos de produção,
decorrentes, principalmente, da revolução industrial, acabaram por modificar, por
completo, tais traços característicos da produção de outrora (baseados no arcaísmo), e
por fomentar o surgimento da moderna concepção de relação de consumo.
Com a revolução industrial, “[...] instaura-se definitivamente um
modelo de produção, que terá seu auge nos dias atuais. Tal modelo é o da
massificação: fabricação de produtos e oferta de serviços em série [...]” (NUNES,
Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito
material. São Paulo: Saraiva, 2000, p.70).
Em suma, a Lei nº 8.078/90 surgiu como forma de
acompanhamento e conseqüência lógica e inevitável de todo esse novo paradigma das
relações de consumo, contextualizado pelas produções em larga escala, e pelos
contratos de massa.
No caso em tela, indiscutível a existência de relação de consumo
entre os usuários de telefonia móvel celular e as rés, figurando os primeiros como
consumidores (destinatários finais) de tais serviços e as segundas como fornecedoras,
motivo pelo qual devem ser aplicados os ditames trazidos pela Constituição Federal,
atinentes à proteção do consumidor, e os preceitos contidos no Código de Defesa do
Consumidor de cunho protetivo.
A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu bojo a seguinte
orientação:
Título VII (Da ordem econômica e financeira), Capítulo I (Dos
princípios gerais da atividade econômica), art. 170, inciso V: A ordem econômica,
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar
a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios: [...] V- Defesa do consumidor [...].
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
15
O art. 170, V, acima mencionado, representa norma de eficácia
limitada e conteúdo programático, cujo objetivo é a defesa do consumidor, o que
demonstra a importância deste tema.
Já a partir de 11 de março de 1991, com a entrada em vigor da
Lei n.º 8.078/90, as relações de consumo passaram a ser reguladas especificamente por
este microssistema de proteção ao consumidor, que bem captou as determinações
constitucionais acerca do tema, e se solidificou baseado na indiscutível
vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (art. 4°, I, do CDC).
Não é por outra razão que todo o sistema consumerista se finca
no reconhecimento dessa vulnerabilidade, bem como oferece meios para atenuar tal
desigualdade, dentre os quais os princípios consumeristas. Este é o ponto de partida
para justificar o tratamento legislativo mais benéfico ao consumidor, como forma de
igualar os desiguais, e, assim, manter vivo dentro do sistema o princípio constitucional
da isonomia (Constituição Federal: art. 5º, caput).
Na lição do professor KILDARE GONÇALVES CARVALHO,
os princípios jurídicos constituem a proposição básica do sistema, seu mandamento
nuclear, sua fonte de interpretação e de limitação do alcance das normas.
Hoje, já se encontra totalmente superada a doutrina que
atribuía aos princípios função apenas integrativa ou supletiva. Modernamente, os
princípios são encarados como normas de orientação, uma vez que fornecem critérios
para a interpretação das regras, determinado, portanto, o sentido e alcance de um dado
sistema jurídico.
Como não poderia deixar de ser, a legislação consumerista
funda-se em uma série de princípios (muitos deles constitucionais), que norteiam todo
o sistema, voltados, precipuamente, para a proteção do consumidor, fazendo-se
oportuno destacar, face à pertinência com o tema em estudo, os seguintes:
a) protecionismo e interesse social;
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16
b) vulnerabilidade;
c) hipossuficiência;
d) boa-fé objetiva;
e) equilíbrio contratual;
f) transparência.
Os princípios do protecionismo e do interesse social vêm
insculpidos no art. 1º do CDC, sendo que o primeiro decorre diretamente do texto
constitucional, que estabelece a defesa do consumidor como um dos princípios gerais
da atividade econômica (Constituição Federal: art. 170, V) e impõe ao Estado a
promoção de tal defesa (Constituição Federal: art. 5º, XXXII). Destaque-se que a
legislação consumerista é toda composta por normas que têm como finalidade maior a
defesa e a proteção do consumidor (por exemplo, arts. 23, 42, dentre outros).
Já o princípio do interesse social faz com que o Código de
Defesa do Consumidor seja impregnado por normas de ordem pública, impositivas, de
observância obrigatória, apesar de concebidas para regular relações tipicamente de
direito privado (o interesse privado, neste caso, curva-se diante de um interesse maior,
de ordem pública, social).
Não é por outra razão que o CDC veda em seus arts. 39, V, e 50,
IV, o estabelecimento de obrigações consideras iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem excessiva, ou que sejam incompatíveis com a boa-fé, a
eqüidade ou o equilíbrio contratual.
Inquestionável que a prática das rés, narrada no tópico
denominado “dos fatos”, de, propositadamente, criar o maior número de
obstáculos ao encerramento dos contratos de telefonia móvel celular, através do
oferecimento de um só meio (telefonista), configura-se abusiva, indo de encontro
ao princípio do equilíbrio contratual, que se encontra expresso no Capítulo V do
Código de Defesa do Consumidor, em sua Seção II, denominada Das Cláusulas
Abusivas, e é de aplicação cogente e objetiva.
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17
O outro lado da moeda será a disponibilização de meios que
facilitem a resilição unilateral do contrato, permitindo a denúncia da avença pelo site
das rés, ou mediante o comparecimento em suas lojas (escolha a cargo do
consumidor).
Ainda na seara dos princípios consumeristas, tem-se o da
vulnerabilidade, estabelecido no art. 4º, I, do Código de Defesa do Consumidor.
A vulnerabilidade do consumidor decorre de aspectos de ordem
técnica e de ordem econômica. O primeiro, diz respeito ao monopólio da informação,
relacionada aos meios de produção, que detém o fornecedor. Em razão disso, o
consumidor acaba por ter que se submeter ao poder de controle e à vontade do titular
deste monopólio, o que o deixa em uma posição de fragilidade extrema.
Visível e inconteste tal situação de vulnerabilidade no
presente caso, pois, frise-se, todas as opções tecnológicas oferecidas nos sites das
operadoras de telefonia celular são para aquisição de serviços, jamais para
dispensa, fato esse que é “aceito” sem maiores tergiversações pelo consumidor de
telefonia, em grande parte em razão de seu desconhecimento acerca da
viabilidade técnica de se disponibilizar tais serviços de encerramento de contrato
via internet, ou, pessoalmente, nas lojas das rés (o que, neste caso, não exige
conhecimento técnico algum).
No que toca ao princípio da boa-fé objetiva (positivado nos arts.
4, III, e 51, IV, ambos do Código de Defesa do Consumidor) ensina NELSON
ROSENVALD:
“Compreende ela [boa-fé objetiva] um modelo de conduta
social, verdadeiro “standard” jurídico ou regra de conduta, caracterizado por uma
atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e
correção, de modo a não se frustrar a legítima confiança da outra parte [...] A boa-fé
objetiva é examinada externamente, vale dizer, a aferição dirige-se à correção da
conduta do indivíduo, pouco importando a sua convicção. Não devemos observar se a
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18
pessoa agiu de boa-fé, porém de acordo com a boa-fé. Ou seja: há de avaliar-se
qualquer comportamento em conformidade a padrões sociais vigentes, pouco
importando o sentimento que animou o agente.” (Direito das obrigações. 3. ed., Rio de
Janeiro : Impetus, 2004, pág. 30).
Desta forma, funciona a boa-fé objetiva como regra objetiva de
conduta que deve incidir entre os contratantes (não se leva em consideração o
elemento anímico destes – ao contrário da boa-fé subjetiva), exigindo que estes hajam,
na relação contratual, pautados pela honestidade, lealdade, cooperação e proteção,
permitindo, assim, que seja o contrato cumprido de modo a que se mantenha o máximo
de equilíbrio entre as posições contratuais.
A conduta das rés, em só disponibilizarem o cancelamento
dos contratos de telefonia via central telefônica “call center”, é ofensiva ao
princípio da boa-fé objetiva, já que é indiscutível que todos os meios que visem a
facilitar a vida do consumidor devem ser disponibilizados, amoldando-se a essa
situação a possibilidade de cancelamento/resilição do contrato pela internet, pelas
lojas, nos pontos próprios, e não apenas pelo telefone, que, como se sabe, é difícil,
demorado e, muitas vezes, ineficaz.
Na lição de CLÁUDIA LIMA MARQUES:
“O Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, trouxe como
grande contribuição a exegese das relações contratuais no Brasil a positivação do
princípio da boa-fé objetiva, como linha teleológica de interpretação, em seu art. 4,
III, e como cláusula geral, em seu art. 51, IV, positivando em todo o seu corpo de
normas a existência de uma série de deveres anexos às relações contratuais.”
(MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. O novo
regime das relações contratuais. 4ª ed., São Paulo: RT, 2002, p. 185-186)
Dentre os deveres anexos positivados na legislação
consumerista, pode-se mencionar o de cooperar, ou seja, colaborar para o efetivo
cumprimento do contrato, o que compreende tanto a elaboração de cláusulas claras,
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19
quanto o não-obstruir ou criar gravames desnecessários quando da execução da
avença, ou de seu encerramento.
O caso in concreto encaixa-se, inexoravelmente, em uma séria
de infrações ao CDC, dentre os quais o dever de cooperar em destaque.
Por derradeiro, o princípio da transparência, instituído pelo art.
4º do Código de Defesa do Consumidor, que exige uma relação contratual pautada
pela sinceridade. Destarte, deve o fornecedor oferecer informações claras, corretas e
objetivas acerca do produto ou serviço colocado no mercado, permitindo, assim, que o
consumidor manifeste sua vontade com base em informações absolutamente precisas
acerca do contrato que está entabulando, bem como do que está a adquirir.
O princípio da transparência também se exprime no dever de
informar (art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor), sendo direito básico do
consumidor o acesso à publicidade e informação adequadas e claras sobre os diferentes
produtos e serviços, sem qualquer falha ou omissão quanto à especificação correta de
quantidade, características, composição, qualidade, preço e os riscos que apresentam.
Como visto, todos os princípios acima mencionados têm como
finalidade primeva a proteção ao consumidor, partindo-se da sua inquestionável
posição de vulnerabilidade na relação de consumo. A rede de proteção criada a
favor do consumidor assume importância ainda maior quando é confrontada com
os contratos de massa, realidade atual dos contratos de consumo, como se verifica
nos de habilitação de serviço de telefonia móvel celular.
Portanto, nesse contexto, encaixam-se os contratos de massa,
com suas cláusulas contratuais gerais, e a pura e simples adesão do contraente aos
ditames contratuais, resultando na modificação da tradicional forma de contratação,
outrora baseada na ampla autonomia das vontades e, posteriormente, na autonomia
privada.
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20
Na lição de CÉSAR FIUZA E GIORDANO BRUNO SOARES
ROBERTO:
“Em outras palavras, as pessoas já não contratam como antes.
Não há mais lugar para negociações e discussões acerca de cláusulas contratuais. Os
contratos são celebrados em massa, já vindo escritos em formulários impressos. Toda
essa revolução mexe com a principiologia do Direito Contratual. Os fundamentos da
vinculatividade dos contratos não podem mais se centrar exclusivamente na vontade,
segundo o paradigma liberal individualista. Os contratos passam a ser concebidos em
termos econômicos e sociais. Nasce a teoria preceptiva, segundo a qual, as
obrigações oriundas dos contratos valem, não apenas porque as partes as assumiram,
mas porque interessa à sociedade a tutela da situação objetivamente gerada, por suas
conseqüências econômicas e sociais.” (Contratos de adesão de acordo com o novo
código civil. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 58).
Tão inquestionável quanto essa nova realidade de contratação foi
que, com os contratos de massa, acentuou-se, ainda mais, a desigualdade entre
fornecedor e consumidor, em virtude da não-participação deste na elaboração das
cláusulas contratuais. Assim, na rotina das contratações de massa, ou o consumidor
aceita, integralmente, o contrato já previamente formulado pelo fornecedor, ou,
simplesmente, não contrata. Não há meio termo.
Essa é a situação vivida pelos usuários de telefonia móvel
celular no Estado de Minas Gerais, ou aceitam, em bloco, os ditames do contrato,
dentre os quais os que limitam as formas de encerramento da avença (através de
call center), ou não obtêm o serviço.
Há que se observar que, por sua quase totalitária utilização nas
relações de consumo, os contratos de massa receberam menção específica no CDC,
que tipificou, em seu art. 54, os contratos de adesão:
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21
“Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham
sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas
unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem
que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente
seu conteúdo.
(...)
§ 3º Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos
claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar
sua compreensão pelo consumidor.
§ 4º As cláusulas que implicarem limitação de direito do
consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua
imediata e fácil compreensão.
(...)”
Importante característica dos contratos de adesão, que enseja que
as cláusulas ambíguas, ou dúbias, sejam interpretadas em favor do aderente (Código
Civil, art. 423), foi alargada no Código de Defesa do Consumidor, passando a ser
aplicável a todos os contratos (sejam ou não negociados), o que se constata de seu art.
47, que assim dispõe: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais
favorável ao consumidor.”
Com a finalidade principal de impedir a proliferação de cláusulas
abusivas no ambiente extremamente favorável dos contratos de massa, o Código de
Defesa do Consumidor regulou a matéria, ora se valendo das cláusulas abertas (boa-fé
objetiva e eqüidade, por exemplo, art. 51, IV), ora indicando, casuisticamente, tais
situações de abusividade. Nesta esteira, o art. 51 do Código de Defesa do Consumidor
traz uma lista de cláusulas consideradas abusivas, sendo esta meramente
exemplificativa.
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
22
Não obstante os contratos de massa terem como ponto
favorável a agilização na concretização das relações negociais, tal forma de
contratação apresentam um lado deveras negativo, qual seja, o de funcionar como um
manancial de cláusulas abusivas, ante a particularidade que os cerca concernente à
unilateralidade na elaboração das cláusulas principais.
Não é por outro motivo que o Código Civil de 2002 (art. 424)
dispõe que, nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia
antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio, face à presunção
absoluta de abusividade que cerca ditas cláusulas.
No caso em tela, marcante a abusividade na limitação dos meios
de resilição do contrato, por parte do consumidor, ante a total falta de justificativa para
tanto. Frise-se: quando o consumidor intenta resilir seu contrato, encontra um único
caminho, qual seja o telefônico, através dos SACs (Serviços de Atendimento ao
Consumidor), o que, é fato notório, constitui uma verdadeira maratona e teste
paciência, como um apelo para que o consumidor desista pelo cansaço ou pela
irritação.
A outro giro, e corroborando a linha de proteção à parte
vulnerável, adotada pelo CDC, preceitua a Lei nº 8.987/95:
“Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de
serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme
estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo
contrato.
§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de
regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade,
generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das
tarifas.
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
23
§ 2o A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do
equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a
melhoria e expansão do serviço.
Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de
setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários:
I - receber serviço adequado;
(...)”
Portanto, o sistema normativo de Concessão e Permissão da
Prestação de Serviços Públicos exige que os serviços a serem prestados pelos usuários
(no caso de telefonia móvel celular) sejam adequados e atuais, compreendendo a
atualização de técnicas e sistemas de tecnologia disponíveis.
Não precisa ser técnico em ciência da tecnologia para se
concluir ser perfeitamente viável a disponibilização, via internet, da opção de
encerramento do contrato de telefonia via site, com o fornecimento on line do
protocolo de tal solicitação. Somente a título de comparação, as próprias rés
disponibilizam em seus sites serviços on line tão ou mais complexos do que o ora
proposto (v.g. habilitação de chip; compra de aparelho; acesso aos contratos de
prestação de serviços; desbloqueio do celular por falta de pagamento;
transferência de titularidade dos planos celular de cartão; compra de crédito;
recadastramento; migração entre planos etc).
Acrescente-se ao acervo legal em menção, o disposto nos arts. 3°
e 110 da Lei 9.472/97:
“ Art. 3o O usuário de serviços de telecomunicações tem direito:
I - de acesso aos serviços de telecomunicações, com padrões de
qualidade e regularidade adequados à sua natureza, em
qualquer ponto do território nacional;
II - à liberdade de escolha de sua prestadora de serviço;
III - de não ser discriminado quanto às condições de acesso e
fruição do serviço;
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
24
Art. 110. Poderá ser decretada intervenção na concessionária,
por ato da Agência, em
caso de:
I - paralisação injustificada dos serviços;
II - inadequação ou insuficiência dos serviços prestados, não
resolvidas em prazo razoável;
(...)”
Sob todos os ângulos que se observa, percebe-se o injustificável
e intolerável descumprimento das rés às mais comezinhas regras de proteção e defesa
do consumidor, concernente na conduta das operadoras em só disponibilizarem o
cancelamento dos contratos de telefonia móvel celular via central telefônica “call
center”, o que torna tal procedimento extremamente desgastante e tormentoso para o
consumidor.
É indiscutível que todos os meios que visem a facilitar a vida do
consumidor devem ser disponibilizados, amoldando-se a essa situação a possibilidade
de cancelamento/resilição do contrato pela internet, pelas lojas, nos pontos próprios, e
não apenas pelo telefone que, como se sabe, é difícil, demorado e, muitas vezes,
ineficaz.
Resta claro que tal omissão no oferecimento de meios de
facilitação ao consumidor, além de caracterizar ofensa a princípios e preceitos de
proteção ao consumidor (entabulados no CDC e em leis esparsas), pode redundar em
intervenção nas rés, por descumprimento do art. 110, II, da Lei Geral de
Telecomunicações.
Assim, com espeque na fundamentação constante do presente
tópico, será pretendida (em sede de pedido principal), a concessão de provimento de
natureza mandamental, consubstanciada na determinação de obrigação de fazer (novos
meios de encerramento/resilição do contrato).
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
25
VI- DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA INIBITÓRIA:
Conforme já narrado exaustivamente nesta peça, reveste-se como
imperioso o dever das rés em disponibilizar em seus sites link (ou ícone) que
possibilite seja procedido o pedido de cancelamento e conseqüente resilição do
contrato de telefonia móvel celular celebrado com seus usuários, mediante o
fornecimento, on line, de comprovante de tal solicitação (protocolo), ou em suas lojas,
próprias ou credenciadas, referido serviço, tudo com fulcro nos princípios
consumeristas apontados ao longo da narrativa dos fundamentos.
Portanto, estando sobejamente demonstrada a responsabilidade e
o dever das rés no que tange ao acima mencionado, deverá este r. Juízo conceder a
tutela inibitória demandada (obrigação de fazer), com fulcro no art. 461 do CPC, tudo
isso com a finalidade de cessar o ilícito que se apresenta, em razão da atual omissão
das demandadas em disponibilizar os serviços ora pretendidos.
Sobreleva-se, outrossim, frisar que a tutela inibitória pretendida
deverá ser concedida liminarmente (cognição sumária), nos termos do § 3° do art. 461
supramencionado, uma vez que há fundado receio de que a demora natural do processo
possa redundar na total ineficácia do provimento final, posto depender a coletividade
dos consumidores de telefonia móvel celular, bem como a própria higidez do mercado
como um todo, da efetividade e da celeridade da jurisdição in casu.
Portanto, presentes os requisitos a autorizar a antecipação da
tutela, quais sejam: i) relevância dos fundamentos da demanda (direito dos
consumidores de serviço adequado e eficiente, bem como de serem imediatamente
observados todos os princípios consumeristas de cunho protetivo apresentados); ii)
justificado receio de ineficácia do provimento final (a urgência do caso dispensa
maiores tergiversações a esse mister, notadamente porque o desrespeito à toda
coletividade de consumidores, sem qualquer fundamento para tanto, muito antes pelo
contrário, como meio de potencializar os lucros das rés, mantendo e “aprisionando”
seus clientes, a todo custo, resta latente), reitera-se sua concessão, inaudita altera
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
26
parte, inclusive com a fixação de multa diária (“astreintes”), no montante a ser
arbitrado por este r. Julgador (e não inferior a R$ 30.000,00 por réu), com fincas a
forçar os demandados a cumprir o comando judicial de viabilização de novos meios de
cancelamento dos contratos de telefonia móvel celular, seja via internet, seja via lojas
próprias ou credenciadas.
Finalmente, há que se vincar que até mesmo os requisitos
previstos para a concessão da antecipação de tutela, com base no art. 273 do CPC,
estariam preenchidos, já que presente a prova inequívoca hábil a conferir
verossimilhança às alegações do demandante, bem como fundado receio de dano
irreparável a direito personalíssimo dos consumidores baseados nos preceitos e
princípios protetivos.
A outro giro, e com fulcro no princípio do sincretismo
processual (o qual permite a cumulação de medidas cautelares e satisfativas em um
mesmo processo de conhecimento, tudo com fulcro na fungibilidade das medidas de
urgência, tratada pelo art. 273, § 7º, CPC) formula a autora pleito de conteúdo
instrumental, consubstanciado no pedido de oficiamento da ANATEL, caso as rés não
cumpram a medida de antecipação de tutela em prazo a ser designado por esse r. Juízo
(e não superior a 90 dias – face à pouca complexidade tecnológica da pretensão), para
que dita autarquia federal instaure procedimento administrativo, como ato
preparatório a eventual intervenção, pela inadequação dos serviços prestados e não
resolvidos em prazo razoável.
É o que dispõe o art. 111, da Lei Geral de Telecomunicações:
Art. 111. “O ato de intervenção indicará seu prazo, seus
objetivos e limites, que serão determinados em função das
razões que a ensejaram, e designará o interventor.
(...)
§ 2o A intervenção será precedida de procedimento
administrativo instaurado pela Agência, em que se assegure a
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
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ampla defesa da concessionária, salvo quando decretada
cautelarmente, hipótese em que o procedimento será instaurado
na data da intervenção e concluído em até cento e oitenta dias.
(...)”
Note-se, outrossim, que o art. 110, II, de referida lei dispõe que
“Poderá ser decretada intervenção na concessionária, por ato da Agência, em caso
de: [...] II - inadequação ou insuficiência dos serviços prestados, não resolvidas em
prazo razoável [...]”, fato esse que confere suporte jurídico à pretensão em tela, haja
vista a inadequação dos serviços prestados pelas demandadas (leia-se serviço todos os
atos praticados desde a contratação ao distrato (incluindo-se esse).
VII- DO DANO MORAL COLETIVO:
Dispõe o art. 6º, VI, do CDC que: “São direitos básicos do
consumidor: [...] VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e
morais, individuais, coletivos e difusos [...]”
Portanto, superado qualquer questionamento quanto à
reparabilidade do dano moral, com o advento da Constituição Federal de 1988 (art. 5°,
V e X) e mais recentemente com o Código Civil de 2002 (arts. 186 e 927), sedimentou
o art. 6° do CDC posicionamento legislativo, doutrinário e jurisprudencial de outrora
quanto ao dano moral afeto à toda coletividade e também quanto à sua reparabilidade
em espectro coletivo.
Importante frisar que a própria Constituição cidadã já conferia
arrimo constitucional à pretensão ora esboçada, ao prevê no art. 5º, XXXV, o princípio
da inafastabilidade da jurisdição, assegurando a tutela judicial a qualquer direito
lesado, seja individual, seja coletivo.
Ademais, conforme mencionado alhures, o art. 6°, VI, do CDC
vem corroborar outros dispositivos que já propugnavam pela reparabilidade do dano
moral coletivo, dentre os quais o art. 1° da Lei 7.347/85.
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
28
Indiscutível que os direitos transindividuais, de natureza
indivisível, merecem proteção. Assim, o direito pertencente à sociedade, ou parte dela,
deve ser defendido de forma coletiva, pouco importando se isso irá resultar na
necessidade de fixação de parâmetros, também coletivos, para a estipulação de
eventual parcela ressarcitória.
No caso em espécie, a atitude injustificada e ilegal das rés em
criar embaraços e empecilhos de toda a sorte à viabilização do ato de encerramento
dos contratos de telefonia móvel celular causou lesão ao patrimônio imaterial da massa
de consumidores, que coloca em xeque a própria credibilidade do mercado e dos
sistemas de proteção do consumidor, afetando, em última análise, até mesmo seu
conceito de cidadania.
Quanto à evolução de toda a teoria que envolve a reparabilidade
do dano moral, bem salienta FRANCISCO AMARAL ao dispor que: “A questão de
saber se é ou não indenizável [o dano moral] leva a posições antagônicas, embora
seja hoje pacífica a sua ressarcibilidade. Discute-se se é indenização ou satisfação ao
ofendido, se é pena ou compensação, e qual o fundamento da indenização [...]
Aceitando-se, porém, a responsabilidade civil como sanção, não há por que recusar-
se o ressarcimento do dano moral, misto de pena e de compensação. Original sem
destaque (Direito civil: introdução. 6ª ed. Rio de Janeiro : Renovar, 2006, pág. 544).
A aceitação pelos operadores do direito da existência e
necessidade de reparação do dano moral coletivo, aponta para a contínua evolução de
tal matéria, que começou com questionamentos acerca da própria reparabilidade do
dano moral individual, e desaguou, com fulcro no art. 5º, XXXV, da CF (princípio da
inafastabilidade da jurisdição), no campo da ampla reparabilidade moral, seja
individual, seja coletiva, nesse caso quando caracterizar ofensa a valores indivisíveis
de toda a coletividade.
Quanto à liquidação do dano moral, é cediço que cabe tão difícil
tarefa ao prudente arbitramento do julgador, o qual deverá levar em consideração a
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
29
potencialidade do dano, o número de lesados, os “motivos” para o dano, além da
capacidade econômica do causador da ofensa.
No caso em discussão, a potencialidade do dano é indiscutível, já
que atinge a coletividade como um todo, embutindo em toda a massa de consumidores
o sentimento de descrédito quanto à eficácia das leis que visam a lhes protegem (in
casu o Código de Defesa do Consumidor), bem como criando o sentimento coletivo de
institucionalização do desrespeito aos preceitos que regem o mercado de consumo, a
partir do momento em que se constata que as grandes concessionárias de serviços
públicos (rés) desrespeitam tais regras, sem quaisquer conseqüências.
O dano moral coletivo decorre da solidificação no meio social da
sensação de impunidade e de desrespeito às leis de mercado, bem como da certeza
dessa impunidade pelas grandes corporações.
Reitere-se que a atitude deliberada das rés em limitar as forma de
cancelamento dos contratos de telefonia móvel de celular, com o intuito mesquinho de
vencer o consumidor pelo cansaço (e assim, talvez, conseguir manter mais um
contrato), deve ser rechaçada pelo Estado, seja através da adoção de medidas
administrativas de ofício (no âmbito da ANATEL), seja através da tomada de medidas
judiciais, com a concessão de tutela inibitória (obrigação de fazer concernente na
disponibilização de novos meios para a resilição dos contratos) e ressarcitória, através
da fixação de danos morais coletivos, com fincas a manter a higidez, o equilíbrio e a
harmonia no mercado de consumo.
Seguindo nos critérios para a fixação do dano moral, quanto ao
número de lesado e aos “motivos” para o dano, tem-se, no primeiro, toda a
coletividade de consumidores, ou seja, um número inestimável e expressivo de
pessoas, o que por si só justificaria a fixação do quantum indenizatório em patamares
consideráveis. Já no que tange aos motivos para a prática do ilícito por parte das rés,
vê-se que são eles os mais comezinhos e injustificáveis, quais sejam a eterna busca
pela potencialização dos lucros, custe o que custar, doa a quem doer.
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
30
Finalmente, no que pertine à capacidade financeira dos
agressores, a divulgação de resultados das rés apresenta os seguintes valores:
a) Telemig Celular Participações S.A., (holding da 1ª co-ré)
apresentou lucro líquido de R$ 174 milhões, no ano de 2005 (fonte:
http://telemig.infoinvest.com.br/docs/326_TMB-1T06-Final.pdf);
b) TIM Participações (holding que reúne a 2ª co-ré) apresentou
lucro líquido de R$ 145 milhões, no 4° trimestre de 2005 (fonte:
http://noticias.uol.com.br/economia/ultnot/valor/2006/02/01/ult1913u45490.jhtm);
c) OI (3ª co-ré) apresentou lucro líquido de R$ 342,7 milhões, no
1º trimestre de 2007 (fonte: http://g1.globo.com/Noticias/Negocios/0,,MUL27269-
5600,00.html)
d) CLARO (4ª co-ré ) apresentou lucro operacional de R$ 168
milhões, no 1° trimestre de 2007 (fonte:
http://oglobo.globo.com/economia/mat/2007/04/26/295520798.asp.
Pois bem: partindo-se do pressuposto de que o valor do dano
moral coletivo deve servir não só para recompor o patrimônio imaterial da
coletividade, mas também como instrumento educativo e de punição aos causadores do
dano, os quais devem sentir, mesmo que financeiramente, a repercussão negativa
causada pelos seus atos de inobservância da lei e dos princípios consumeristas, e
levando-se em consideração a capacidade econômica das rés, deve o valor do quantum
indenizatório ser fixado em quantia não inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de
reais), o que representa menos de 3% do faturamento trimestral das demandadas.
Ressalte-se que dito valor deverá ser revertido ao fundo de
defesa de direitos difusos, instituído pela Lei Federal n.º 7.347/85, art. 13.
VIII- DOS PEDIDOS DE COGNIÇÃO SUMÁRIA:
Em razão do exposto, a Defensoria Pública requer:
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1) a concessão liminar de medida de antecipação de tutela
inibitória, concernente na determinação de que as rés disponibilizem em seus sites link
(ou ícone) que possibilite seja procedido o pedido de cancelamento e conseqüente
resilição do contrato de telefonia móvel celular celebrado com seus usuários, mediante
o fornecimento on line de comprovante de tal solicitação (protocolo);
1.1) a concessão liminar de medida de antecipação de tutela
inibitória, concernente na determinação de que as rés disponibilizem em suas lojas, ou
nos pontos de venda credenciados, setor que possibilite seja procedido o pedido de
cancelamento e conseqüente resilição do contrato de telefonia móvel celular celebrado
com seus usuários, mediante o fornecimento de comprovante de tal solicitação;
1.2) que seja concedido o prazo de 90 (noventa) dias para a
consecução das obrigações de fazer supramencionadas, contados da citação;
1.3) que sejam adotadas medidas coercitivas, dentre as quais a
fixação de multa diária (“astreintes” – art. 11 da Lei n° 7.347/85) não inferior a R$
30.000,00 por réu, na hipótese de atraso no cumprimento da obrigação, com fincas a
forçar os demandados a cumprir o comando judicial de viabilização de novos meios de
cancelamento dos contratos de telefonia móvel celular, seja via internet, seja via lojas
próprias ou credenciadas;
2) caso as rés não cumpram a medida de antecipação de tutela no
prazo de 90 dias, (ou em outro a ser designado por esse r. Juízo (e não superior a 90
dias – face à pouca complexidade tecnológica da pretensão), seja a ANATEL oficiada,
para que dita autarquia federal instaure procedimento administrativo, como ato
preparatório a eventual intervenção, pela inadequação dos serviços prestados e não
resolvidos em prazo razoável pelas demandadas.
IX - DOS PEDIDOS DE COGNIÇÃO EXAURIENTE:
Ante todo o exposto, a Defensoria Pública Estadual requer:
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1) a citação das rés, para apresentar resposta no prazo legal, sob
pena de aplicação dos efeitos da revelia;
2) que seja julgado procedente o pedido exordial, com a
conseqüente confirmação da decisão antecipatória, e a condenação definitiva das rés
em:
2.1) disponibilizar em seus sites link (ou ícone) que possibilite
seja procedido o pedido de cancelamento e conseqüente resilição do contrato de
telefonia móvel celular celebrado com seus usuários, mediante o fornecimento on line
de comprovante de tal solicitação (protocolo);
2.2) disponibilizar em suas lojas, ou nos pontos de venda
credenciados, setor que possibilite seja procedido o pedido de cancelamento e
conseqüente resilição do contrato de telefonia móvel celular celebrado com seus
usuários, mediante o fornecimento de comprovante de tal solicitação;
3) a condenação das rés no pagamento de quantia a título de
dano moral coletivo, a ser arbitrada por esse r. Juízo, e não inferior a R$ 20.000.000,00
(vinte milhões de reais), com a incidência de atualização monetária e juros de mora até
o efetivo pagamento, além dos ônus da sucumbência (inaplicabilidade do art. 18 da Lei
7.347/85 às rés);
3.1) que o valor da condenação relativo à tutela ressarcitória seja
revertido em prol do fundo de defesa de direitos difusos, instituído pela Lei Federal n.º
7.347/85.
4) a inversão do ônus da prova, com fulcro no art. 6°, VIII, do
CDC, com todas as conseqüências de tal ato, dentre as quais a determinação de que as
rés façam prova da inexistência dos fatos alegados na exordial, ou que assumam os
ônus financeiros da produção de eventual prova técnica;
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5) provar o alegado por todos os meios em Direito admitidos,
especialmente através de testemunhas, documentos, prova técnica, e do depoimento
pessoal dos representantes legais das rés;
6) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos, honorários
periciais, ou verbas sucumbenciais pela autora, em vista do disposto no art. 18 da Lei
Federal nº 7.347/85;
Dá-se à causa do valor de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de
reais).
Belo Horizonte, 02 de maio de 2007.
CLAUDIO MIRANDA PAGANO Mª FERNANDA KOKAEV C. PAGANO
Defensor Público Defensora Pública
MADEP: 0501-D/MG MADEP: 0454-D/MG
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